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A NECESSIDADE DE

FUNDAMENTAÇÃO DA
MORAL
ANÁLISE COMPARATIVA DE DUAS PERSPETIVAS FILOSÓFICAS
PROBLEMA EM ESTUDO:

• O que faz com que uma ação seja boa?


• Ela é boa porque, uma vez realizada, promove o bem de alguém?
• Ou será que é boa em si mesma, independentemente do bem que possa promover?
A ÉTICA DEONTOLÓGICA DE KANT

• O agente moral é um ser dotado de razão, de consciência, de vontade e liberdade.


• O valor moral de uma ação reside na intenção, a ação boa depende da intenção boa.
O QUE FAZ DA INTENÇÃO UMA INTENÇÃO BOA?

• Ex. À saída da escola António ajuda Pedro (estudante cego) a atravessar a rua.
• O que levou António a praticar esta ação?
• Pode ter agido por compaixão, uma vez que é amigo de Pedro.
• Pode ter agido para impressionar a rapariga por quem se encontra apaixonado.
• Em nenhum dos cenários anteriores a intenção de António é pura, ou seja não é
puramente racional.
• Segundo Kant o único motivo que pode dar origem a uma ação moralmente válida é o
sentimento puro de respeito pelo dever.
• Só mediante uma intenção pura a ação se torna legítima.
• A intenção só é pura se derivar da vontade boa que segue a razão.
• Então a ação praticada com uma boa intenção seria:
• António ajuda Pedro porque racionalmente reconhece que é seu dever ajudá-lo. Ajuda
Pedro tal como ajudaria qualquer outro ser humano que se encontrasse nas mesmas
condições.
• Ver esquema da página 130.
• O dever é o ponto –chave para a justificação da moralidade.
• Todo o ser humano dotado de razão e liberdade reconhece como deve agir.
• Agir por dever exige um conhecimento das regras e normas a que se deve obedecer.
EXEMPLO DADO POR KANT

• Dois comerciantes praticam preços justos e não enganam os clientes. Estão a agir bem?
Estão a cumprir o seu dever? Aparentemente sim.
• Contudo vamos supor que um deles não aumenta os preços apenas porque tem medo de
perder clientes. O motivo é egoísta. Suponhamos agora que o outro comerciante não
aumenta os preços por julgar que a sua obrigação moral consiste em agir de forma justa.
• As duas ações – exteriormente semelhantes – têm a mesma consequência – nenhum deles
perde clientes – mas não têm o mesmo valor moral.
• Kant distingue moralidade de legalidade.
• A moralidade caracteriza as ações realizadas por dever.
• A legalidade caracteriza as que são conforme o dever, mas que podem muito bem ter sido
realizadas com fins egoístas ou por motivos menos válidos.
• O valor de uma ação reside na intenção e esta deve ser pura.
O QUE É A LEI MORAL?

• As únicas ações moralmente boas são as ações feitas por dever.


• Segundo Kant, o que nos carateriza é sermos dotados de consciência moral. Agimos bem
quando a nossa consciência ouve e segue a voz da razão e se afasta das inclinações
sensíveis (sentimentos de inveja, sentimentos egoístas e interesseiros, etc.)
• Como se faz ouvir a voz da razão quando os problemas a resolver são de tipo moral?
• Através de uma lei a que Kant dá o nome de lei moral.
• O que é a lei moral?
• É uma lei ou regra que nos diz de forma muito geral o seguinte: “Deves em qualquer
circunstância cumprir o dever pelo dever.” Pensa em normas morais como “Não deves
mentir”; “Não deves matar”; “Não deves roubar”. A lei moral diz-nos como cumprir
esses deveres, qual a forma correta de os cumprir.
• Kant pretende encontrar o fundamento universal de todas as normas e regras morais.
• À fórmula que nos indica o que devemos fazer Kant chama imperativo categórico.
• Ver texto 10 da pág. 131.
• Um imperativo é um princípio ou mandamento que ordena determinada ação.
• O imperativo categórico é um mandamento que nos aponta universalmente a forma como
proceder, como devemos agir, sem impor condições.
• Ver quadro final da página 131.
• O imperativo categórico não nos diz o que fazer em situações concretas, indica-nos de
modo absoluto e incondicionado a forma a que devem obedecer todas as nossas ações.
• Ver 1ª formulação do imperativo categórico, pág. 132.
• Se quisermos saber se estamos a agir bem devemos perguntar se a máxima ou princípio
que orienta a nossa ação poderia converter-se em lei universal.
IMAGINE A SEGUINTE SITUAÇÃO:

• Eva precisava de dinheiro. Pediu algum dinheiro emprestado a Bernardo com a promessa
de lho devolver. No entanto, já tinha a intenção de não lhe devolver o dinheiro. Eva agiu
de acordo com a seguinte máxima: “Sempre que precisar de dinheiro, peço emprestado,
mas com a intenção de não devolver.”
• Poderá esta máxima ser universalizada? Não será contraditória?
• Em termos gerais, a regra que orienta a ação de Eva é: “Mente sempre que isso for do teu
interesse.”
• O que aconteceria se esta regra fosse universalizada? Ninguém confiaria em ninguém.
• Leitura do texto 11 das páginas 132 e 133 do manual.
• Para Kant a pessoa humana é um fim em si mesma com valor absoluto, e cuja dignidade
não pode ser posta em causa.
• Ver página 134, 2ª formulação do imperativo categórico.
DE ACORDO COM A SEGUNDA FÓRMULA DO
IMPERATIVO CATEGÓRICO:
• Cada ser humano é um fim em si e não um simples meio;
• Será moralmente errado instrumentalizar o ser humano, usá-lo como simples meio para
alcançar um objetivo;
• Os seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto é, dignidade
• Ver texto 12 da página 134.
• As fórmulas do imperativo categórico correspondem às exigências que a razão nos dá
sempre que queremos agir corretamente.
• Cada indivíduo enquanto ser racional é autor das regras morais que impõe a si mesmo.
• Kant afirma a autonomia e a liberdade moral do agente. O Homem é livre quando a sua
vontade se submete às leis da razão.
• Imperativo Hipotético: • Imperativo Categórico:
• Obrigação condicional ou relativa; • Obrigação absoluta ou incondicional;
• Obrigação particular porque depende dos • Obrigação universal porque vale para
gostos, sentimentos e desejos de cada todos os indivíduos, mesmo que o seu
indivíduo. cumprimento não seja do interesse
destes.
• A lei moral tem uma forma imperativa categórica.
• O que a lei moral ordena – cumprir o dever por puro e simples respeito pelo dever – é
uma exigência que tem a forma de imperativo categórico. Ordena que uma ação boa seja
realizada pelo seu valor intrínseco, que seja efetuada por ser boa em si e não por causa
dos seus efeitos ou consequências. O cumprimento de deveres como não roubar ou
não mentir é uma obrigação absoluta.
• Kant entende que se não houvesse obrigações absolutas não haveria obrigações morais –
objetivas e universais. Cada indivíduo punha e dispunha e o errado para uns seria certo
para os outros.
A ÉTICA KANTIANA É UMA ÉTICA AUTÓNOMA

AUTONOMIA HETERONOMIA
• Quando decido independentemente de • Quando o cumprimento do dever não é
quaisquer interesses, quando sou motivo suficiente para agir tendo de se
imparcial e adoto uma perspetiva invocar razões externas como o receio
universalista. das consequências, o temor a Deus, etc.
• É uma vontade puramente racional, que • A vontade submete-se a autoridades que
age por dever, obedece à voz da razão. não a razão.
UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DO QUE É PARA KANT AGIR CORRETAMENTE

• Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e


tripulantes ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-los se um cidadão local que
eles consideram envolvido em atividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as
autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas, ameaçam fazer explodir o
aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa
não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão enganados, pois não
participou na morte de membros do grupo de que agora dele se quer vingar. Não obstante,
sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa
deliberação, decidem entregar o referido cidadão aos terroristas que libertam os reféns e matam
quem queriam matar.
POSIÇÃO DE KANT

• A ação é moralmente incorreta

• Justificação

• 1. Há atos intrinsecamente errados (errados em si mesmos, apesar de poderem ter boas consequências) que é nosso dever evitar e
atos intrinsecamente corretos que é nosso dever realizar. Certos deveres constituem uma obrigação moral, sejam quais forem as
consequências. Que deveres absolutos são esses? Eis alguns: «Não matar», «Não roubar», «Não mentir». Por insistir em que há
deveres absolutos, a ética kantiana é considerada deontológica.

• 2. Viola-se o imperativo categórico de respeitar absolutamente a pessoa humana. Transforma-se uma vida em meio para atingir um
fim que é a salvação de outras vidas humanas. É evidente que as autoridades que decidem entregar o cidadão aos terroristas estão a
tratá-la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensam unicamente em
utilizá-lo para resolver uma situação grave sem ter qualquer consideração pelo seu interesse próprio. Para Kant, uma vida humana não
é mais valiosa do que outra, nem várias vidas humanas valem mais do que uma. Devido a esta ideia, a ética kantiana é frequentemente
denominada ética do respeito pelas pessoas.
A PRINCIPAL CRÍTICA À ÉTICA KANTIANA

• Esta é incapaz de resolver situações de conflito moral.


• Imagine que uma certa pessoa tem de optar entre duas possibilidades de ação (fazer A ou
fazer B). E que se apercebe de que à primeira vista fazer A é moralmente incorreto e fazer
B é moralmente incorreto. O que faria o defensor da ética de Kant perante esta situação?
EXEMPLO:

• Durante a Segunda Guerra Mundial, os pescadores holandeses transportavam,


secretamente nos seus barcos, refugiados judeus para Inglaterra, e os barcos de pesca com
refugiados a bordo eram por vezes intercetados por barcos patrulha nazis. O capitão nazi
perguntava então ao capitão holandês qual o seu destino, quem estava a bordo, etc. Os
pescadores mentiam e obtinham permissão de passagem. Ora, é claro que os pescadores
tinham apenas duas alternativas, mentir ou permitir que os seus passageiros (e eles
mesmos) fossem apanhados e executados.
• Os pescadores holandeses encontravam-se na seguinte situação: ou mentiam ou
permitiam o homicídio de pessoas inocentes.
• De acordo com Kant qualquer uma das opções é errada, na medida em que as regras
morais em questão são absolutas.
• A teoria de Kant não saberia responder a esta situação porque proíbe as possibilidades da
ação – mentir ou deixar matar inocentes – por estas se revelarem moralmente incorretas.
A FILOSOFIA MORAL
UTILITARISTA DE
STUART MILL
O UTILITARISMO

• A corrente filosófica que avalia a moralidade das ações pela sua utilidade.
• Deve entender-se a utilidade enquanto a possibilidade de o indivíduo alcançar o seu bem
– estar ou felicidade.
• Mill defende que o máximo bem a promover numa sociedade deve ser a felicidade de
todos e de cada um.
O HEDONISMO

• Na linha do utilitarismo clássico, Mill defende o princípio hedonista, que remonta à


filosofia grega, segundo o qual a finalidade última de todas as nossas ações – o supremo
bem – é a felicidade.
O CONSEQUENCIALISMO

• Defesa da ideia de que a moralidade das ações depende das vantagens ou desvantagens
que os seus efeitos comportam.
• O que permite definir se uma ação é boa ou má são as suas consequências.
• Se as consequências são positivas, se trouxerem vantagens, então a ação é boa; se as
consequências são negativas, por trazerem desvantagens, então a ação é má.
• Ver exemplo na página 135.
• Segundo Stuart Mill, a felicidade identifica-se com o estado de prazer e de ausência de
dor ou sofrimento.
• Ver na página 136 a formulação do Princípio da Maior Felicidade.
• Para Jeremy Bentham, fundador do utilitarismo seria possível calcular-se a felicidade que
uma ação acarreta, assim como também é possível comparar o grau de felicidade entre
diferentes ações.
• Mill afasta-se de Bentham ao estabelecer uma distinção fundamental entre prazeres
inferiores e prazeres superiores.
• Ver quadro da página 136.
• Tendo em conta a sua qualidade, os prazeres superiores são preferíveis pois são prazeres
mais dignos e proporcionam a verdadeira realização do ser humano.
• Como diz Mill: “ …é melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito.”
• Ver texto 13, pág. 136
• Para Mill não se trata apenas de considerar como boa a ação que traz consequências
positivas apenas para o sujeito da ação. A felicidade de cada um (e de todas as pessoas) é
entendida como igualmente importante.
• Aquele que usufrui dos mais altos prazeres espirituais não poderá senão desejar o bem
comum, onde se inclui a felicidade do outro.
• Leitura do texto 14, pag. 137
• O sentimento de humanidade ou de simpatia social que une os seres humanos não é
imposto pela educação ou pela lei, mas antes adquire-se naturalmente – é um sentimento
espontâneo e autónomo.
NÃO HÁ DEVERES ABSOLUTOS

• Para o utilitarista, as ações são moralmente corretas ou incorretas conforme as consequências:


se promovem imparcialmente o bem-estar, são boas. Isto quer dizer que não há ações
intrinsecamente boas. Só as consequências as tornam boas ou más. Assim sendo, não há, para o
utilitarista, deveres que devam ser respeitados sempre e em todas as circunstâncias. Se, para a
ética kantiana, alguns atos como matar, roubar ou mentir são absolutamente proibidos mesmo
que as consequências sejam boas, para Mill justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar
ou mentir.
O PRINCÍPIO DE UTILIDADE E AS NORMAS MORAIS VIGENTES

• As normas morais comuns estão em vigor em muitas sociedades por alguma razão. Resistiram à
prova do tempo, e em muitas situações fazemos bem em segui-las nas nossas decisões. Contudo,
não devem ser seguidas cegamente. Nas nossas decisões morais, devemos ser guiados pelo
princípio de utilidade e não pelas normas ou convenções socialmente estabelecidas. Dizer a
verdade é um ato normalmente mais útil do que prejudicial, e por isso a norma «Não deves
mentir» sobreviveu ao teste do tempo. Segui-la é respeitar a experiência de séculos da
humanidade. Mas há situações em que não respeitar absolutamente uma determinada norma
moral e seguir o princípio de utilidade terá melhores consequências globais do que respeitá-la.
UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DA TEORIA ÉTICA DE MILL

• Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e


tripulantes ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-los se um cidadão local que
eles consideram envolvido em atividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as
autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas, ameaçam fazer explodir o
aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa
não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão enganados, pois não
participou na morte de membros do grupo que agora dele se quer vingar. Não obstante, sabem
que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa
deliberação, decidem entregar o referido cidadão aos terroristas, que libertam os reféns e
matam quem queriam matar.
POSIÇÃO DE MILL

• Ação moralmente correta.


• Justificação: Há que ter em conta a ação que produziria mais felicidade global. O que produz mais
infelicidade? Deixar morrer um inocente ou deixar eventualmente morrer dezenas de inocentes?
Quantas famílias não ficariam enlutadas caso não se cedesse às pretensões dos terroristas? Para
Mill, justifica-se, por vezes, matar, deixar morrer, roubar ou mentir. Nenhum desses atos é
intrinsecamente errado e, por isso, os deveres que proíbem a sua realização não devem ser
considerados absolutos. Deve notar-se que estamos a referir-nos a um caso dramático em que as
alternativas – permitir a morte de um ou permitir a morte de muitos – são ambas repugnantes.
Mas há que optar e, segundo Mill, seguir um princípio como «Cumpre o dever por dever» é vago.
CRÍTICAS À ÉTICA DE MILL

• A. O utilitarismo justifica a prática de ações imorais


• Isto acontece porque o utilitarismo apenas dá importância às consequências das ações
enquanto critério para avaliarmos a moralidade das mesmas.
• Para o utilitarista uma pessoa pode desrespeitar uma das regras mais básicas, como a
regra de “não matar” ou a de “não mentir” e, ainda assim, agir moralmente desde que essa
sua ação proporcione uma maior quantidade de felicidade a um número de pessoas maior
do que as pessoas a quem provocou dor ou sofrimento.
• B. O utilitarismo é excessivamente imparcial
• A imparcialidade excessiva significa que o utilitarismo não distingue os familiares dos
amigos na promoção da felicidade. O princípio utilitarista enuncia que a nossa ação tem
valor moral se promover a felicidade de um modo imparcial para o maior número de
pessoas.
• Sentimos uma maior afetividade pelos nossos familiares e amigos do que por estranhos,
em parte porque também a nossa responsabilidade e os nossos deveres em relação aos
nossos familiares e amigos são diferentes.
• Se seguíssemos sempre o critério utilitarista da imparcialidade, o mais certo era
acabarmos por destruir as nossas relações pessoais.
• C. O utilitarismo exige demasiado do agente moral
• Supõe que gostas de ouvir música e dedicas algum tempo por dia a esse prazer. Não
poderias fazer outra coisa? É claro que sim. Poderias envolver-te em atividades que
tendem a atenuar o sofrimento de milhões de pessoas que neste mundo vivem
miseravelmente. Haveria mais felicidade global.
• Ao ouvir música és a única pessoa a beneficiar do teu ato ou pelo menos há atividades
alternativas que beneficiam mais pessoas.
• Seria mentalmente desgastante pensar sempre no bem – estar do todo e em beneficiar o
maior número de pessoas em tudo o que fazemos.
• Estariam arruinadas as nossas relações pessoais e as nossas obrigações familiares.

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