Você está na página 1de 8

FILOSOFIA – 10º ANO 1

4. DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA

ÉTICA E MORAL

Quotidianamente somos confrontados com situações em que temos que decidir sobre coisas que
interferem na liberdade de outros.

A simples coexistência coloca a questão da necessidade de cumprir normas.

É por isso que nas nossas decisões temos em conta valores, princípios, normas ou regras de
conduta que impomos a nós mesmos, mas também esperamos que os outros as sigam ou pelo menos
as aceitem.

Se os outros manifestam um comportamento diverso daquele que à luz destes ideais julgamos que
deveriam ter, afirmamos que não agiram corretamente, não têm valores, princípios ou mesmo
"moral".

Embora muitas vezes se usem as palavras moral e ética como equivalentes, elas não designam o
mesmo.

MORAL ÉTICA

▪ Conjunto de condutas e normas que ▪ Reflexão sobre o porquê de considerarmos


costumamos aceitar como válidas; morais as nossas ações;

▪ Estas condutas e normas são estabelecidas no ▪ Analisa os princípios que regem a constituição
interior de um grupo, sociedade ou cultura, para de normas orientadoras da ação (morais).
orientar a ação.

▪ A moral diz: não se deve matar. ▪ A ética pergunta: por que razão não é permitido
matar? O que é o bem? Porque devemos agir
moralmente?
FILOSOFIA – 10º ANO 2

ÉTICAS DEONTOLÓGICAS E CONSEQUENCIALISTAS

Ao longo dos séculos os filósofos propuseram diferentes modos de classificar as nossas ações como morais
ou não. Duas perspetivas continuam a dominar o panorama da ética normativa:

ÉTICAS DEONTOLÓGICAS ÉTICAS CONSEQUENCIALISTAS


(do grego deon, necessidade, dever) (ou teleológicas – fim, telos)
Immanuel Kant Stuart Mill
▪ As ações devem ou não devem ser ▪ As ações são corretas ou incorretas em
realizadas independentemente das virtude das suas consequências.
consequências. ▪ As ações só podem ser avaliadas a partir
▪ Existem atos que são incorretos em si dos seus resultados.
mesmos. ▪ Mentir será correto ou incorreto,
▪ Põe exemplo, mentir é sempre incorreto, dependendo das consequências boas ou más
independentemente das consequências boas que resultem da ação.
ou más que daí possam resultar.

ÉTICAS DEONTOLÓGICAS: A PERSPECTIVA DE IMMANUEL KANT

Na sua moral Kant procura responder à questão “Que devo fazer?” ou ainda “o que é uma ação
moral?”

A moralidade da ação depende, acima de tudo de uma boa vontade. A boa vontade é, do ponto de
vista moral, a única absolutamente boa.

O que torna a vontade boa? Os resultados que consegue? Não! O que torna boa a vontade é a
intenção que subjaz à ação.

Exemplo:

Suponha que devolve uma carteira que encontra no refeitório da sua escola. Fez o que, de acordo com as
normas morais estabelecidas, devia fazer. Mas é este facto suficiente para, segundo Kant, dizer que agiu
de boa vontade? Não. Pode ter realizado esta ação com medo de ser descoberto, para não ficar de
consciência pesada, e não por ter pensado que era essa a ação correta. A sua intenção não foi
propriamente cumprir o dever, mas evitar problemas.

Assim, o que caracteriza a boa vontade é cumprir o dever sem outro motivo ou razão a não ser fazer
o que é correto.

Para Kant, a boa vontade é a que age com uma única intenção: cumprir o dever pelo dever.
FILOSOFIA – 10º ANO 3

Uma boa vontade é uma vontade que age por dever. Kant distingue diferentes tipos de ações:

Diferentes tipos de
ações

Contrárias ao dever Conformes ao dever Por Dever

Ações imorais, que não Ações que cumprem as regras Ações que ocorrem por puro
cumprem as regras ou normas ou normas morais, mas respeito pela lei moral,
morais e que surgem sempre apenas por medo, interesse, independentemente das
por inclinação sensível. egoísmo ou satisfação consequências ou resultados.
pessoal.

Moralidade

Imoralidade Ilegalidade Legalidade Heteronomia Moralidade Autonomia

Não passo com o sinal Não passo com o sinal


Matar, Roubar vermelho porque tenho medo vermelho porque acho que
de ser multado e perder a assim deve ser e por respeito
carta ou porque desejo ser para com os outros.
bem visto.
FILOSOFIA – 10º ANO 4

O que determina assim a moralidade da ação não é o propósito a atingir ou o efeito que dela se
espera, mas o querer que a origina.

A obrigação de não mentir não varia consoante as circunstâncias, devendo nuns casos ser respeitada
e não o ser noutros.

Nem sempre a ação que tem as melhores consequências previsíveis deve ser praticada.

O lançamento da bomba atómica em Hiroxima tinha previsivelmente melhores consequências do que


não o fazer: evitava um número de mortos muito superior caso não houvesse a rendição do Japão.

Segundo Kant, e os deontologistas em geral, matar pessoas inocentes é sempre moralmente errado,
sejam quais forem as consequências de não o fazermos.

O IMPERATIVO CATEGÓRICO

O Homem é um ser dual, razão e desejo encontram-se em oposição. É por isso que o dever moral nos
surge sob a forma de uma ordem ou mandamento – um Imperativo Categórico.

O Imperativo Categórico expressa o conteúdo incondicionado da lei moral, pois é um mandamento


que não depende de condições (Se queres um computador portátil novo então tens de tirar boas notas
– imperativo hipotético).

1ª fórmula
“Age sempre de maneira a que a máxima da tua ação se possa tornar numa lei universal, válida para todos
os seres racionais”.
2ª fórmula
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro,
sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio”.

Agir moralmente significa seguir várias obrigações particulares como dizer a verdade, cumprir a
palavra dada, não matar pessoas inocentes, não roubar, etc.
.
Agir segundo estas regras é agir com base em máximas universalizáveis, ou seja, máximas que
qualquer pessoa nas nossas circunstâncias poderia também seguir.

Pelo contrário, mentir, roubar ou matar pessoas inocentes, não é permissível pois as máximas destas
ações não são universalizáveis: não queremos um mundo onde todos mintam, onde todos roubem,
etc.

O imperativo categórico diz-nos apenas que característica deve ter a máxima em nome da qual
praticamos uma ação (seja ela qual for) para que essa ação seja moralmente admissível: ser
universalizável.

Este princípio é completamente geral e, por isso, aplica-se a todas as ações.


FILOSOFIA – 10º ANO 5

ÉTICAS CONSEQUENCIALISTAS

A PERSPECTIVA UTILITARISTA DE STUART MILL

O utilitarismo é uma ética consequencialista, isto é, avalia a moralidade das ações pelas vantagens ou
desvantagens que os seus efeitos comportam. O que permite definir se uma ação é boa ou má são as suas
consequências.

O utilitarismo defende o princípio hedonista, que remonta à filosofia moral epicurista da antiguidade
grega, segundo o qual a finalidade última das nossas ações – o supremo bem – é a felicidade.

Para Epicuro (341-270 a.C.) a felicidade é a obtenção de prazer sabiamente administrado e o


afastamento da dor. Deste modo, os epicuristas dão da natureza humana uma explicação hedonista: a lei
fundamental da natureza é a procura do prazer. (hedonismo – do grego hedone, prazer)

O princípio da utilidade exige que cada um de nós faça o que for necessário e estiver ao seu alcance
para promover a felicidade e evitar a dor. A felicidade identifica-se com o estado de prazer e de
ausência de dor ou sofrimento.

O princípio utilitarista da maior felicidade assenta no pressuposto de que devemos fazer tudo para
maximizar o prazer e procurar tanta felicidade quanta nos for possível. As ações são corretas na
medida em que tendem a promover a maior felicidade global.

O critério que permite, segundo Mill, reconhecer a validade ou correção moral das nossas ações é,
portanto, o da utilidade; será legítima a ação útil que é capaz de trazer a máxima felicidade possível
para um maior número de indivíduos.

Mas como medir a felicidade? Para alguns utilitaristas a felicidade está associada à quantidade do
prazer. Quanto mais intensos e prolongados forem os prazeres associados a dada ação, tanto mais útil
ela será.

Stuart Mill estabelece uma distinção fundamental entre prazeres superiores e prazeres inferiores,
que assenta não na quantidade mas na qualidade dos prazeres.

Prazeres superiores Prazeres inferiores

São os prazeres do pensamento, sentimento e São os prazeres ligados às


imaginação; tais prazeres resultam da necessidades físicas, como beber,
experiência de apreciar a beleza, a verdade, o comer e sexo.
amor, a liberdade, o conhecimento, a criação
artística.
FILOSOFIA – 10º ANO 6

FILOSOFIA POLÍTICA

Política (do grego polis - cidade) significa participação na vida da cidade.

A filosofia política é uma disciplina que procura refletir sobre questões acerca da forma como as
sociedades humanas devem estar organizadas.

Para Aristóteles (384-322 a.C.) o fim último (telos) ou finalidade da política é a virtude, isto é, a
formação moral dos cidadãos, e o fim último do Estado é proporcionar o conjunto dos meios
necessários a essa formação.

“…o ser humano é, por natureza, um ser vivo político.” (Aristóteles, Política)

A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS

LIBERALISMO IGUALITÁRIO

No mundo em que vivemos, sentimos que a igualdade e a justiça não são respeitadas:

Há crianças que são vendidas pelos pais extremamente pobres a quem tem dinheiro e falta de
escrúpulos para as comprar;
Pessoas cujo rendimento não permite fazer mais que uma refeição por dia;
Jovens que não têm a possibilidade de conseguir a escolaridade básica;
Cidadãos que estão presos por terem defendido as suas ideias.

Perante estes casos surge a pergunta:

Como é possível uma sociedade justa?

Outra pergunta surge desta: Como deve uma sociedade distribuir os seus bens? Qual é a forma
eticamente correta de o fazer? Trata-se do problema da justiça distributiva. A teoria da justiça de
John Rawls constitui é talvez o contributo mais importante na tentativa de resposta a esta questão.

Rawls defende uma conceção de justiça como equidade: como chegar a um acordo (contrato
social) unânime sobre os princípios que devem organizar as sociedades e acabar com o conflito de
interesses, garantindo uma distribuição equitativa das riquezas?

Este acordo só é possível se os indivíduos se colocarem numa situação de imparcialidade: numa


posição original e sob um véu de ignorância.

A Posição Original é uma situação imaginária. Trata-se de um contrato hipotético para que os
princípios sejam equitativos. Se cada um de nós não souber em que posição se encontra, ou virá a
encontrar-se, será imparcial.

O véu de ignorância pressupõe assim a exclusão de toda a informação sobre as nossas


características e condições sociais e económicas, assim como a raça, o sexo, a religião, os talentos e
sobre os nossos valores e conceções de bem.
FILOSOFIA – 10º ANO 7

O véu de ignorância é um teste intuitivo de justiça:

Se queremos assegurar uma distribuição justa de peixe por três famílias, a pessoa que faz a
distribuição não pode saber a parte que terá;
Se queremos assegurar um jogo de futebol justo, a pessoa que estabelece as regras não pode saber se
a sua equipa está a fazer um bom campeonato ou não.

De seguida, Rawls levanta a questão central: Que princípios seriam escolhidos por detrás deste véu de
ignorância? (Não sabendo como ia ser o amanhã, como iria ser a nossa vida, que princípios escolheríamos?)
Aqueles que as pessoas aceitariam contando que não teriam maneira de saber se seriam ou não favorecidas
pelas contingências sociais ou naturais.

Colocados numa posição original, sob o véu de ignorância, os seres humanos escolheriam dois princípios:

PRINCÍPIO DA LIBERDADE IGUAL PARA TODOS

A sociedade deve garantir a máxima liberdade para cada pessoa compatível com uma liberdade igual
para todos os outros.

Assegura as liberdades básicas: liberdade política, de religião, de reunião, de pensamento e de opinião,


liberdade de expressão, etc.; a liberdade da pessoa (direito à integridade pessoal; à propriedade; proteção
face à detenção e prisão arbitrárias.)

Não pode ser violado a favor da utilidade social, por isso, em caso de conflito de interesses, este princípio
tem prioridade.

PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A sociedade deve promover a distribuição igual de riqueza

Princípio da diferença Princípio da igualdade de oportunidades

A sociedade deve promover a distribuição igual As desigualdades económicas e sociais devem estar
de riqueza, exceto se a existência de ligadas a postos e posições acessíveis a todos em
desigualdades económicas e sociais beneficiar condições de justa igualdade de oportunidades. No
os mais desfavorecidos. entanto, estas desigualdades devem contribuir para o
benefício de todos.

▪ Um sistema de ensino pode permitir aos estudantes mais dotados o acesso a maiores apoios se, por
exemplo, as empresas em dificuldade vierem a beneficiar mais tarde do seu contributo, aumentando os
lucros e evitando os despedimentos.

▪ Os médicos podem ganhar mais do que a maioria das pessoas, desde que isso lhes permita ter acesso a
tecnologia e investigação de ponta, que tornem mais eficazes o tratamento de certas doenças e desde
que esses tratamentos estejam disponíveis para os mais desfavorecidos.
FILOSOFIA – 10º ANO 8

A CRÍTICA DE ROBERT NOZICK

LIBERTARISMO

Para Nozick, existem direitos absolutos e invioláveis: o direito à liberdade e o direito à


propriedade.

«O que é meu é meu». Mesmo que existam desigualdades económicas, não se deve tirar aos mais
favorecidos para dar aos mais desfavorecidos.

Cada um de nós tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou de modo legítimo. A justiça social
consiste nessa titularidade legítima.

Nozick defende que deve existir apenas um estado mínimo. Este deve garantir os direitos individuais
dos cidadãos e a sua segurança em relação a ameaças internas e externas.

Para pagar esses serviços (polícia, tribunais, exército…), o Estado deve cobrar impostos. Mas apenas
os estritamente necessários. Não deve cobrar impostos para redistribuir a riqueza, ao contrário do que
Rawls defende.

O Estado não deve ter funções sociais: não deve ter hospitais nem escolas públicas, não deve pagar
subsídios nem reformas, por exemplo.

A CRÍTICA DE MICHAEL SANDEL

COMUNITARISMO

O comunitarismo surge como uma oposição tanto ao libertarismo de Nozick como ao


liberalismo igualitário de Rawls, dado que tais teorias oferecem uma noção de ser
humano abstrata e individualista.

Pelo contrário, o comunitarismo defende que os indivíduos não existem enquanto tal (isto
é, de forma isolada e autónoma), mas sim existem no seio das suas relações e interações
sociais, em comunidade.

De acordo com os comunitaristas, tal como Michael Sandel, a forma como Rawls
argumenta a favor dos princípios da justiça, através do véu de ignorância numa posição
original, não é bem-sucedida.

Sob o «véu de ignorância» de Rawls, as escolhas de tais princípios são realizadas


apenas de forma egoísta e por interesses. Os indivíduos só se preocupam em
garantir que não ficarão na pior situação possível.

As decisões realizadas a coberto do «véu de ignorância» na posição original são


moralmente cegas, dado que o «véu de ignorância» implica que as escolhas sejam feitas
por indivíduos totalmente desenraizados e desligados de qualquer laço social.

Você também pode gostar