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Agrupamento de Escolas de Ponte de Lima

Material de apoio ao estudo


As dimensões da ação humana e valores Filosofia
10.º Ano de Escolaridade Professora: Rosa Alice Rio

Conteúdo: A necessidade de fundamentação da moral – KANT E MILL – análise comparativa de


duas perspetivas filosóficas.
1. A ética deontológica de Kant
A ética de Kant é deontológica porque
1. Defende que o valor ou correção moral de 2. Considera que o cumprimento do dever é o único
uma ação depende da sua intenção e não motivo admissível das nossas ações.
das suas consequências. (Uma ação deve ser realizada por dever para ser
moralmente correta ou ter valor moral.)
Sem conhecermos as intenções dos
agentes não podemos determinar o valor
moral das ações. Na verdade, uma ação
pode não ter valor moral, apesar de ter
boas consequências.

O que é agir por dever ou o que é uma ação que cumpre o dever por dever?
– É fazer do cumprimento do dever a única razão de ser da minha ação.
– É fazer do cumprimento do dever um fim em si: é isso que quero e mais nada.
– É uma ação em que a intenção de cumprir o dever não se apoia em mais nenhuma outra. Não há
«segundas intenções».
– É agir considerando o cumprimento do dever uma obrigação moral absoluta.

Em que consiste a distinção entre agir por dever e agir em conformidade com o dever?
Agir por dever Agir em conformidade com o dever
Cumprir o dever simplesmente porque essa é a Cumprir o dever porque assim se evita uma má
coisa certa a fazer. O cumprimento do dever é o consequência ou porque daí resulta uma boa
único motivo em que a ação se baseia. consequência – a satisfação de um interesse.
Ex.: Não roubar porque esse ato é errado em si Ex.: Não roubar por receio de ser castigado ou
mesmo ou praticar preços justos simplesmente praticar preços justos para manter ou aumentar
porque assim é que deve ser. a clientela.

Qual é o objetivo desta distinção?


– Defender que o valor moral das ações depende unicamente da intenção com que são praticadas
mostrando que duas ações podem ter consequências igualmente boas e uma delas não ter valor
moral (não ser moralmente correta).
– Mostrar que, muito mais importante do que cumprir o dever, é a forma como se cumpre o dever.
Não podemos dizer que agimos de forma moralmente correta quando as razões pelas quais
fazemos algo são erradas.
Ex.: Dois comerciantes praticam preços justos e não enganam os clientes. Estão a agir bem? Estão a
cumprir o seu dever? Aparentemente sim.

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Suponhamos que um deles – João – não aumenta os preços apenas porque tem receio de perder
clientes. O seu motivo é egoísta: é o receio de perder clientes que o impede de praticar preços
injustos. A sua ação é conforme ao dever, mas não é realizada por dever.
Suponhamos agora que o outro comerciante – Vicente – não aumenta os preços por julgar que a sua
obrigação moral é essa e ponto final. A sua ação é realizada por dever.
As duas ações – exteriormente semelhantes – têm a mesma consequência – nenhum deles perde
clientes ou os engana –, mas não têm o mesmo valor moral. Kant não admite que se cumpra o dever
em virtude das desejáveis consequências que daí possam resultar. Seria deixar o cumprimento do
dever ao sabor das circunstâncias, dos interesses do momento. Isso implicaria que, quando não
tivéssemos vantagem ou interesse em cumprir o dever, não haveria razão alguma para o fazer.

Para Kant, há deveres ou obrigações morais absolutos.


O cumprimento de deveres como não roubar, não mentir e não matar inocentes é uma obrigação
absoluta.
Há ações que é sempre obrigatório ou errado fazer. Há ações que são moralmente erradas quaisquer
que sejam as consequências que resultem delas. Matar, roubar, mentir são exemplos de ações que
são sempre erradas, por mais vantagens que resultem delas, e temos a absoluta obrigação de não
matar, não roubar e não mentir.
Kant considera que constitui um imperativo categórico – uma obrigação absoluta – cumprir o dever
de não matar, não roubar e não mentir. Isso significa que a ética kantiana impõe certas restrições
absolutas: há ações inadmissíveis. Deveres como não matar inocentes indefesos, não roubar ou não
mentir devem ser cumpridos porque não os respeitar é absolutamente errado.

O imperativo categórico e os deveres morais


Para Kant, há normas morais cujo cumprimento é muito importante. Destaca as normas que
proíbem o assassinato de inocentes, o roubo e a mentira. Que relação tem o imperativo categórico
com estas normas? O imperativo categórico determina a forma correta de cumprir essas normas
transformando-as em deveres absolutos.
Não matar inocentes, não roubar e não mentir são obrigações absolutas, que temos sempre, que
não admitem exceções. Devemos cumprir incondicionalmente tais normas, ou seja, nenhum outro
motivo se deve juntar à vontade de fazer o que é certo. Isto é, como sabemos, agir por dever, cumprir
o dever por dever.

Imperativo categórico Imperativo hipotético


– Princípio moral que determina que fazer o que – Princípio que determina que devemos fazer o que é
é correto é uma obrigação absoluta ou correto se isso for do nosso interesse.
incondicional. – Ordena que uma ação boa seja realizada pelo que de
– Ordena que uma ação boa seja realizada pelo satisfatório ou proveitoso pode resultar do seu
seu valor intrínseco, pela sua intenção. cumprimento.
– Ordena que uma ação seja desejada por ser boa – Ordena que uma ação seja desejada por causa dos
em si e não por causa dos seus efeitos ou seus efeitos ou consequências
consequências. – É uma obrigação que temos algumas vezes (apenas na
– É uma obrigação que temos sempre. condição – ou hipótese – de termos um certo desejo ou
– É a forma como a lei moral (que exige o objetivo), mas não sempre.
cumprimento incondicional do dever) se
apresenta na consciência do ser racional.
As ações realizadas por dever – as únicas com Sempre que agimos em conformidade com o dever, mas
valor moral – cumprem o imperativo categórico não por dever, estamos a fazer do cumprimento do
ou respeitam absolutamente a lei moral – a lei dever um imperativo hipotético – uma obrigação
que diz «Age por dever!». condicionada.

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As duas formulações do imperativo categórico
1. A fórmula da «lei universal» 2. A fórmula da «humanidade»
Age apenas segundo uma máxima tal que possas Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto
querer ao mesmo tempo que se torne lei universal. na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre
Imagine a seguinte situação: Eva precisava de dinheiro. e simultaneamente como fim e nunca apenas
Pediu algum dinheiro emprestado a Bernardo, com a como meio.
promessa de lho devolver. No entanto, já tinha a Uma pessoa é um ser humano dotado de
intenção de não lhe devolver o dinheiro. dignidade absoluta pelo que nenhum ser humano
Eva agiu de acordo com a seguinte máxima: «Sempre tem mais ou menos valor moral do que outro.
que precisar de dinheiro, peço o dinheiro emprestado, Segundo esta fórmula, cada ser humano é um fim
mas com a intenção de não o devolver». em si e não um simples meio. Por isso, será
Em termos mais gerais, a regra que orienta a ação de moralmente errado instrumentalizar um ser
Eva é esta: «Mente sempre que isso for do teu humano, usá-lo como simples meio para alcançar
interesse». um objetivo. Os seres humanos têm valor
O que aconteceria se esta regra fosse universalizada, se intrínseco, absoluto, isto é, dignidade.
funcionasse como modelo para todos, se todos a Quem pede dinheiro emprestado sem intenção de
seguissem? Ninguém confiaria em ninguém. Ora, a o devolver está a tratar a pessoa que lhe empresta
mentira só é eficaz se as pessoas confiarem umas nas dinheiro como um meio para resolver um
outras. É preciso que Bernardo confie em Eva, para problema e não como alguém que merece
poder ser enganado por ela. Mas, se soubermos que respeito, consideração. Pensa unicamente em
todos mentem sempre que isso lhes convém, utilizá-la para resolver uma situação financeira
deixaremos de confiar nos outros, e por isso Bernardo grave sem ter qualquer consideração pelos
não confiará em Eva. Logo, Bernardo não lhe iria interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-lo.
emprestar o dinheiro se a máxima de Eva fosse uma lei Viola-se assim a primeira e também a segunda
universal. Eva não pode querer sem contradição fórmula.
universalizar a exceção que abriu para si própria
porque se tornará exceção para todos. A função destas duas fórmulas
A primeira formulação do imperativo categórico
funciona como um teste para determinar se é
possível, ou se é possível querer, que uma
máxima seja adotada por todos.
A segunda formulação do imperativo categórico,
permite aferir se agir segundo uma dada máxima
significa ou não tratar os outros apenas como
meios para os nossos fins.
Há deveres absolutos porque há direitos absolutos.
Para Kant, há ações que nunca devem ser praticadas. Há direitos invioláveis e por isso há deveres absolutos.
Como pessoa, o ser humano tem direitos que, em circunstância alguma, podem ser violados ou infringidos.
Estes direitos implicam deveres, e estes deveres implicam restrições. Nem tudo é permissível em nome, por
exemplo, do bem-estar geral ou da felicidade do maior número.
A ética kantiana parece a ética de um fanático do dever, mas, bem vistas as coisas, é a ética dos direitos da
pessoa.
Para Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um fim em si mesma e nunca somente como um meio,
porque é o único ser de entre as várias espécies de seres vivos que pode agir moralmente. Se não existissem
os seres humanos, não poderia haver bondade moral no mundo, e, nesse sentido, o valor da pessoa é
absoluto.
Assim, a fórmula da humanidade, também conhecida por fórmula do respeito pela pessoa, exprime a
obrigação moral básica da ética kantiana.

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A boa vontade A autonomia da vontade
É uma vontade que age de forma moralmente Característica de uma vontade que cumpre o dever pelo
correta. dever. Quando o cumprimento do dever é motivo
É uma vontade que cumpre o dever tendo como suficiente para agir, a vontade não se submete a outra
única intenção cumprir o dever. autoridade que não a razão. Quando decido
É uma vontade que age segundo regras ou independentemente de quaisquer interesses, isto é,
máximas que podem ser seguidas por todos. quando sou imparcial e adoto uma perspetiva
É uma vontade que respeita todo e qualquer ser universal, obedeço a regras que adotei ao mesmo
humano considerando-o uma pessoa e não uma tempo para mim e para todos os seres racionais. O
coisa ou um simples meio ao serviço deste ou agente autónomo aceita a lei moral porque a lei é
daquele interesse. criada por ele mesmo, quando faz escolhas morais
É uma vontade autónoma porque decide cumprir imparciais e desinteressadas determinadas pela sua
o dever por sua iniciativa e adesão interior e não razão.
por receio de autoridades externas ou da opinião
dos outros. A heteronomia da vontade
Característica de uma vontade que não cumpre o dever
pelo dever. Quando o cumprimento do dever não é
motivo suficiente para agir, tendo de se invocar razões
externas como o receio das consequências, o temor a
Deus, etc., a vontade submete-se a autoridades que
não a razão. É a vontade que é incapaz de vencer o
conflito entre o dever e os interesses e inclinações
sensíveis.

Por isso, a sua ação é heterónoma, incapaz de respeitar


incondicionalmente o dever. Todas as éticas de tipo
consequencialista são, para Kant, heterónomas,
reduzem a moralidade a um conjunto de imperativos
hipotéticos.

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UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DO QUE É PARA KANT AGIR CORRETAMENTE

Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e tripulantes ficam reféns.
Contudo, os terroristas propõem libertá-los se um cidadão local que eles consideram envolvido em atividades antiterroristas
lhes for entregue para ser morto. Se as autoridades da cidade não colaborarem no prazo de quatro horas ameaçam fazer explodir
o aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades locais sabem que o cidadão em causa não cometeu o menor crime
durante a sua vida e que os terroristas estão enganados pois não participou na morte de membros do grupo que agora dele se
quer vingar. Não obstante, sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa
deliberação decidem entregar o referido cidadão aos terroristas que libertam os reféns e matam quem queriam matar.

Posição de Kant

A ação é moralmente INCORRETA Ou CORRETA? PORQUÊ?

Justificação (razões à luz da ética Kantiana)

1. Há atos intrinsecamente errados (errados em si mesmos apesar de poderem ter boas consequências) que é nosso dever evitar
e atos intrinsecamente corretos que é nosso dever realizar. Certos deveres constituem uma obrigação moral sejam quais forem
as consequências. Que deveres absolutos são esses? Eis alguns: «Não matar», «Não roubar», «Não mentir». Por insistir em que há
deveres absolutos a ética kantiana é considerada deontológica.

2.Viola-se o imperativo categórico de respeitar absolutamente a pessoa humana. Transforma-se uma vida em meio para atingir um
fim que é a salvação de outras vidas humanas. É evidente que as autoridades que decidem entregar o cidadão aos terroristas estão a
tratá-la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece respeito, consideração. Pensam unicamente em
utilizá-lo para resolver uma situação grave sem ter qualquer consideração pelo seu interesse próprio. Para Kant, uma vida humana não
é mais valiosa do que outra nem várias vidas humanas valem mais do que uma. Devido a esta ideia a ética kantiana é frequentemente
denominada ética do respeito pelas pessoas.

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2. A ética utilitarista de STUART MILL
A ética de Mill é consequencialista porque
1. Defende que o valor ou correção moral de 2. A ação boa é a que tem as melhores
uma ação depende das suas consequências. consequências. Para Mill, ao contrário de Kant, não
determinamos a correção moral de uma ação com
As intenções dos agentes não são a base em base no motivo ou intenção do agente, mas nos
que nos apoiamos para determinar o valor resultados da ação. Para Mill, uma ação que tenha
moral das ações. As intenções unicamente boas consequências é sempre boa, qualquer que
nos revelam algo sobre o carácter do seja a motivação do agente.
agente. Uma ação pode ser boa, mesmo que
não seja determinada por uma boa
intenção.

Por que razão se diz que a ética consequencialista de Mill é utilitarista?


Porque, segundo Mill, o que faz com que uma ação tenha valor moral é a utilidade. O critério da
moralidade de um ação é o princípio de utilidade. Este princípio é o teste da moralidade das ações.
Uma ação deve ser realizada se e só se dela resultar a máxima felicidade possível para todos aqueles
que são por ela afetados. O princípio de utilidade é por isso também conhecido como o princípio da
maior felicidade

O princípio de utilidade segundo Mill


O princípio de utilidade é a regra moral que nos diz que uma ação moralmente correta ou certa é
aquela que maximiza a felicidade para o maior número. Uma ação boa é a mais útil, ou seja, a que
produz mais felicidade global ou, dadas as circunstâncias, menos infelicidade. Quando não é possível
produzir felicidade ou prazer, devemos tentar reduzir a infelicidade.
Princípio de utilidade, felicidade e
Princípio de utilidade e normas morais comuns
imparcialidade
Para o utilitarismo, todas as atividades O utilitarismo não implica necessariamente o abandono
humanas têm por objetivo último a das normas morais comuns. Estas normas, aceites na
felicidade, que é entendida como prazer e generalidade das sociedades, resistiram à prova do
ausência de dor. A perspetiva que tempo, e em muitas situações fazemos bem em segui-las
identifica a felicidade com o prazer tem o nas nossas decisões. Contudo, não devem ser seguidas
nome de hedonismo. cegamente. Dizer a verdade é um ato normalmente mais
útil do que prejudicial e, por isso, a norma «Não deves
Mas, para decidir o que é moralmente mentir» sobreviveu ao teste do tempo. Segui-la é
correto fazer, o agente deve, não só ter em respeitar a experiência de séculos da humanidade. Mas
conta o seu bem-estar, como o bem-estar há situações em que não respeitar absolutamente uma
de todas as pessoas que são afetadas pela determinada norma moral e seguir o princípio de
ação. A sua felicidade não conta mais do utilidade terá melhores consequências globais do que
que a felicidade dessas outras pessoas. E respeitá-la. Não há regras morais comuns
não deve abrir exceções, mesmo para absolutamente incontroversas. Todas devem ser
familiares e amigos. Quando delibera o que avaliadas criticamente à luz do princípio de utilidade.
vai fazer, o agente tem de ser
completamente imparcial. Quando se trata
de decidir como agir, os interesses de
todos os afetados pela ação devem ser
tidos em conta. Por isso, o utilitarismo
rege-se pelo princípio da imparcialidade.

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Para Mill, não há deveres ou obrigações morais absolutas.
Segundo a ética utilitarista, não há ações intrinsecamente boas. Para o utilitarista, uma ação é
moralmente correta ou incorreta conforme as consequências que dela decorram numa dada situação.
Assim sendo, não há, para o utilitarista, deveres que devam ser respeitados em todas as
circunstâncias. Não há deveres morais absolutos.

A ação a realizar é sempre função do princípio da utilidade e das circunstâncias da ação. Mentir pode
ser, de acordo com as nossas intuições, imoral e um comportamento a evitar, mas um utilitarista dirá
que a nossa obrigação é agir de acordo com o princípio da maior felicidade e não com as intuições
morais, que podem ser enganadoras. Assim, é possível que em determinadas circunstâncias a ação a
realizar seja uma e em circunstâncias diferentes seja outra. Nada impede, por isso, que mentir, assim
como roubar, ou mesmo matar (ações que a ética kantiana proíbe absolutamente) possam ser, de
acordo com o utilitarismo, a ação que temos o dever de realizar.

COMPARAÇÃO ENTRE AS ÉTICAS DE KANT E DE MILL

QUESTÕES RESPOSTA DE KANT RESPOSTA DE MILL


As consequências Não. A minha ética não é Sim. A minha ética é consequencialista.
são o que mais consequencialista.
conta para decidir
se uma ação é ou
não moralmente
boa?
A intenção é o Sim. A minha ética considera boa a Não. O fator que decide se uma ação é boa
critério ou fator ação cuja máxima exprime a ou não é o que dela resulta. As
decisivo para intenção de cumprir o dever pelo consequências são o critério decisivo da
avaliar se uma dever. A intenção de fazer o que é moralidade de um ato. A intenção diz
ação é devido sem outro motivo que não o respeito ao carácter do agente e não à
moralmente boa? cumprimento do dever é a única qualidade moral da ação. Se uma ação é
coisa que torna uma ação boa. A motivada pela vontade de obter o melhor
moralidade consiste em cumprir o resultado possível, mas tem más
dever pelo dever. A minha ética é consequências, diremos que, apesar de o
deontológica. agente ser bom, a ação não é boa.

Há ações boas em Sim. O valor moral de uma ação Não. Não podemos dizer que uma ação é
si mesmas, isto é, depende da máxima que o agente boa ou má antes de olharmos para as suas
que tenham um adota, sendo independente das consequências.
valor intrínseco? consequências, efeitos ou
resultados do que fazemos.

Há deveres Sim. Mentir, roubar e matar, por Não. Apesar de esses atos terem
absolutos? Há exemplo, são atos sempre errados. frequentemente consequências más, nem
normas morais Há normas morais absolutas que sempre é assim. Há situações em que não
que nunca proíbem o assassínio, o roubo, a cumprir esses deveres tem como
devemos mentira e que devem ser consequência um melhor estado de coisas.
desrespeitar? incondicionalmente respeitadas em
todas as circunstâncias. Há normas morais que se têm revelado
úteis para organizar a vida dos seres
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humanos, mas devemos ter em conta que
nem sempre o seu cumprimento produz
bons resultados.
Qual é o princípio O princípio moral fundamental a O princípio moral fundamental a respeitar
moral respeitar é o que exige que nunca é o princípio de utilidade. Exige que das
fundamental que trate os outros – ou a minha pessoa nossas ações resulte a maior felicidade
temos de respeitar – como meio ou instrumento útil possível para o maior número possível de
para que a nossa para um certo fim. Respeitar a nossa pessoas. É também conhecido como
ação seja humanidade, eis o princípio princípio da maior felicidade possível. A
moralmente boa? incondicional. Para isso ser possível, minha ética é consequencialista e
devo agir segundo máximas que utilitarista.
possam ser seguidas pelos outros,
isto é, que possam ser
universalizadas.
Há valores Sim. A dignidade da pessoa humana Sim. O único valor absoluto é a felicidade
absolutos? é um valor absoluto. Nenhuma ação entendida como prazer. Todas as outras
pode ser boa se desrespeita esse coisas só têm valor se produzirem
valor absoluto. A boa vontade é a felicidade.
vontade de nunca violar a dignidade
absoluta e incondicional da pessoa.
Maximizar o bem- Não. Não é obrigatório e muitas Sim. Se o valor moral das ações depende
estar ou a vezes não é permissível. Porquê? da sua capacidade para maximizar o bem-
felicidade é Porque há direitos das pessoas que estar dos agentes afetados pelas
obrigatório? são absolutos. Os deveres absolutos
consequências de uma ação, então obter
de que falo são restrições que
impõem limites à instrumentalização esse resultado é obrigatório, mesmo que
dos indivíduos em nome do bem- por vezes isso implique a violação de
estar geral. A minha ética é algum direito. A minha ética não é
deontológica porque o respeito deontológica porque não admite que haja
absoluto pelos direitos da pessoa deveres absolutos que impõem restrições
humana implica que haja deveres ao que é possível fazer em nome da
absolutos ou coisas que é
felicidade geral e assim defendem
absolutamente proibido fazer.
incondicionalmente os direitos dos
agentes morais. A minha ética centra -se
no bem-estar geral que das ações pode
resultar, e maximizar esse bem-estar é a
única obrigação moral.
O que é a A felicidade é um bem, mas não A felicidade é o objetivo fundamental da
felicidade? É o fim deve influenciar as nossas escolhas ação moral, embora não se trate da
ou objetivo último morais. O fim último da ação moral felicidade individual ou da felicidade que
se traduza na redução do bem-estar da
das ações é o respeito pela pessoa humana,
maioria das pessoas a quem a ação diz
humanas? pelo valor absoluto que a sua respeito.
racionalidade lhe confere.
O que é o O egoísmo, impedindo ações O egoísmo é condenável porque impede
egoísmo? desinteressadas e imparciais, é o que se tenha em vista um fim objetivo
grande inimigo da moralidade. que é a maior felicidade para o maior
número possível de pessoas.

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UM EXEMPLO ILUSTRATIVO DA TEORIA ÉTICA DE MILL

Imagine que um grupo de terroristas se apodera de um avião em Berlim. Os seus passageiros e tripulantes
ficam reféns. Contudo, os terroristas propõem libertá-los se um cidadão local que eles consideram envolvido
em atividades antiterroristas lhes for entregue para ser morto. Se as autoridades da cidade não colaborarem
no prazo de quatro horas ameaçam fazer explodir o aparelho com todas as pessoas lá dentro. As autoridades
locais sabem que o cidadão em causa não cometeu o menor crime durante a sua vida e que os terroristas estão
enganados pois não participou na morte de membros do grupo que agora dele se quer vingar. Não obstante,
sabem que será vã a tentativa de convencer os terroristas de que estão enganados. Após longa deliberação
decidem entregar o referido cidadão aos terroristas que libertam os reféns e matam quem queriam matar.
Posição de Mill
Ação é moralmente correta
Justificação

Há que ter em conta a ação que produziria mais felicidade global. O que produz mais infelicidade? Deixar
morrer um inocente ou deixar eventualmente morrer dezenas de inocentes? Quantas famílias não ficariam
enlutadas caso não se cedesse às pretensões dos terroristas? Para Mill justifica-se, por vezes, matar, deixar
morrer, roubar ou mentir. Nenhum desses atos é intrinsecamente errado e, por isso, os deveres que proíbem a
sua realização não devem ser considerados absolutos. Deve notar-se que estamos a referir-nos a um caso
dramático em que as alternativas – permitir a morte de um ou permitir a morte de muitos – são ambas
repugnantes. Mas há que optar e, segundo Mill, seguir um princípio como cumpre o dever é vago.

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Críticas à ética de Kant Críticas à ética de Mill
– A crítica mais frequentemente dirigida à moral
kantiana é a de que a conceção kantiana é esta: A – O utilitarismo justifica a prática de ações imorais.
ética kantiana é incapaz de resolver situações de A crítica mais frequente ao utilitarismo é a de que
conflito moral. justifica a prática de ações imorais. Por que razão isso
acontece, segundo os críticos? Acontece porque o
Não haverá situações em que é preferível mentir do utilitarismo apenas dá importância às consequências
que dizer a verdade, ou seja, em que é moralmente das ações enquanto critério para avaliarmos a
mais correto mentir do que dizer a verdade, como no moralidade das mesmas. Para o utilitarista, na
caso de mentir com vista a salvarmos a vida de uma perspetiva dos seus críticos, uma pessoa pode
ou mais pessoas? desrespeitar uma das regras morais básicas, como a
regra de «não matar» ou a de «não mentir», e, ainda
Durante a Segunda Guerra Mundial, os pescadores assim, agir moralmente, desde que essa sua ação
holandeses transportavam secretamente nos seus proporcione uma maior quantidade de felicidade a
barcos, refugiados judeus para Inglaterra. Os barcos um número de pessoas maior do que as pessoas a
de pesca com refugiados a bordo eram por vezes quem provocou dor ou sofrimento.
intercetados por barcos-patrulha nazis. O capitão
nazi perguntava então ao capitão holandês qual o – O utilitarismo é excessivamente imparcial
seu destino, quem estava a bordo, e assim por A imparcialidade excessiva significa, para os críticos,
diante. Os pescadores mentiam e obtinham que o utilitarismo não distingue os familiares e amigos
permissão de passagem. Ora, é claro que os na promoção da felicidade. O princípio utilitarista
pescadores tinham apenas duas alternativas, mentir enuncia que a nossa ação tem valor moral se
ou permitir que os seus passageiros (e eles mesmos) promover a felicidade de um modo imparcial para o
fossem apanhados e executados. (manual adotado) maior número possível de pessoas. Se seguíssemos
sempre em todas as nossas ações o critério utilitarista
Os pescadores holandeses encontram-se na situação da imparcialidade, o mais certo era acabarmos por
de ter de agir segundo a máxima «Mentimos» ou destruir as relações pessoais que mantemos com as
então segundo a máxima «Permitimos o homicídio de pessoas de que mais gostamos.
pessoas inocentes». Ajam eles segundo uma máxima
ou outra, a sua ação, segundo Kant, é imoral. – O utilitarismo exige demasiado do agente moral.
Imaginemos que os pescadores agem segundo a Seria mentalmente desgastante pensar sempre no
máxima «Mentimos». Esta máxima não pode ser bem-estar do todo e em beneficiar o maior número
universalizada porque, se toda a gente mentisse, a possível em tudo o que fazemos. Imagine que vai ao
própria mentira desapareceria. Assim, ao agirem cinema com a sua namorada. Deve perguntar se nesse
segundo esta máxima, os pescadores estariam a agir momento não poderia desenvolver uma atividade mais
imoralmente. Imaginemos agora que os pescadores, útil para um maior número de pessoas? E, se gosta de
com o intuito de agir moralmente, resolviam agir história, desejando ser investigador, deve renunciar e
segundo a máxima «Devemos dizer sempre a seguir uma carreira científico-tecnológica porque o seu
verdade». Neste caso, estariam indiretamente a país precisa de profissionais qualificados nessa área?
provocar a morte dos judeus (para além da sua) e, de
facto, a agir segundo a máxima «Matemos» (ou
melhor, «Permitamos o homicídio de pessoas
inocentes») que, segundo Kant, é imoral, uma vez que
não matar pessoas inocentes é um dever absoluto.

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