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FILOSOFIA

Filosofia - 10.º ano

A TEORIA ÉTICA DE KANT


UMA ÉTICA DEONTOLÓGICA

Considera-se que a ética kantiana é deontológica


porque defende que o valor moral de uma ação
reside em si mesma e não nas suas
consequências.

Na sua intenção.
Kant defendia que o valor moral das ações depende
unicamente da intenção com que são praticadas.

PORQUÊ?
Porque sem conhecermos as intenções dos agentes
não podemos determinar o valor moral das ações. Na
verdade, uma ação pode não ter valor moral, apesar
de ter boas consequências.
Quando é que a intenção tem valor moral ou é
boa?
Quando o propósito do agente é cumprir o
dever pelo dever.

O cumprimento do dever é o único motivo em


que a ação se baseia.

Ex.: Não roubar porque esse ato é errado e não


porque posso ser castigado.
O que é uma ação com valor moral?
É uma ação que cumpre o dever por dever.

Cumpre o dever sem «segundas intenções».

Deveres como não matar inocentes indefesos, não


roubar ou não mentir devem ser cumpridos porque
não os respeitar é absolutamente errado.
AÇÕES CONFORMES AO DEVER VERSUS AÇÕES FEITAS
POR DEVER.

Objetivo desta distinção

Defender que o valor moral das ações depende unicamente


da intenção com que são praticadas.

Mostrar que duas ações podem ter consequências


igualmente boas e uma delas não ter valor moral.
AÇÕES CONFORMES AO DEVER VERSUS AÇÕES FEITAS POR DEVER

Ex.: Dois comerciantes praticam preços justos e não enganam os clientes.


Estão a agir bem? Estão a cumprir o seu dever? Aparentemente sim.

Suponhamos que um deles − João − não aumenta os preços apenas porque


tem receio de perder clientes. O seu motivo é egoísta: é o receio de perder
clientes que o impede de praticar preços injustos. A sua ação é conforme
ao dever, mas não é feita por dever.

Suponhamos agora que o outro comerciante – Vicente − não aumenta os


preços por julgar que a sua obrigação moral consiste em agir de forma
justa. A sua ação é feita por dever.

As duas ações – exteriormente semelhantes – têm a mesma consequência


– nenhum deles perde clientes –, mas não têm o mesmo valor moral.
AÇÕES CONFORMES AO DEVER VERSUS AÇÕES FEITAS POR
DEVER.
AÇÕES CONFORMES AO DEVER

Ações que cumprem o dever, não porque é correto fazê-lo, mas


porque se evita uma má consequência – perder dinheiro,
reputação – ou porque daí resulta uma boa consequência − a
satisfação de um interesse. João não age por dever.
Ex.: Não roubar por receio de ser castigado ou praticar preços
justos para manter ou aumentar a clientela.
AÇÕES CONFORMES AO DEVER VERSUS AÇÕES FEITAS POR
DEVER.

AÇÕES FEITAS POR DEVER

Ações que cumprem o dever porque é correto fazê-lo. O


cumprimento do dever é o único motivo em que a ação se
baseia. Vicente age por dever.

Ex.: Não roubar porque esse ato é errado em si mesmo ou


praticar preços justos simplesmente porque assim é que deve ser.
A LEI MORAL E O DEVER

Lei que nos diz qual é a forma correta de cumprir o dever.

Princípio ético fundamental que exige que eu cumpra o dever


por dever, sem qualquer outra intenção ou motivo.

Norma geral de natureza puramente racional que exige que a


vontade domine as inclinações sensíveis − desejos, interesses e
sentimentos – e cumpra o dever de forma pura.
A LEI MORAL E O DEVER

Ouvir a voz da lei moral é ficar a saber como cumprir


de forma moralmente correta o dever. Essa lei diz-nos
de forma muito geral o seguinte: «Deves em qualquer
circunstância cumprir o dever pelo dever».

Esta exigência é um imperativo categórico ou absoluto


porque não se subordina a nenhuma condição ou
condições.
A LEI MORAL E O DEVER
Pense em normas morais como «Não deves mentir»; «Não
deves matar»; «Não deves roubar». A lei moral, segundo
Kant, diz-nos como cumprir esses deveres, qual a forma
correta de os cumprir.

Assim sendo, é uma lei puramente racional e puramente


formal.

Não é uma regra concreta como «Não matarás!», mas um


princípio geral que deve ser seguido quando cumpro essas
regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a
mentira, etc.
A LEI MORAL É UM IMPERATIVO CATEGÓRICO

O que a lei moral ordena – cumprir o dever por puro e simples


respeito pelo dever – é, para Kant, uma exigência que tem a
forma de um imperativo categórico.

Ordena que uma ação boa seja realizada pelo seu valor
intrínseco, que seja querida por ser boa em si e não por causa
dos seus efeitos ou consequências.

O cumprimento de deveres como não roubar ou não mentir é


uma obrigação absoluta (há deveres absolutos).
O CUMPRIMENTO DO DEVER O CUMPRIMENTO DO DEVER COMO
COMO IMPERATIVO CATEGÓRICO. IMPERATIVO HIPOTÉTICO.

1. O cumprimento do dever é 1.O cumprimento do dever é uma


uma ordem não condicionada ordem condicionada, pelo que de
pelo que de satisfatório ou satisfatório ou proveitoso pode
proveitoso pode resultar do resultar do seu cumprimento.
seu cumprimento.
2.A palavra «imperativo» quer dizer
2. A palavra «imperativo» quer obrigação. Com a palavra
dizer obrigação. Com a palavra «hipotético», Kant está a referir-se
«categórico», Kant está a às obrigações que adquirimos
referir-se a obrigações apenas na condição – ou hipótese –
absolutas - que temos sempre. de termos um certo desejo ou
projeto, mas não sempre.
O CUMPRIMENTO DO DEVER O CUMPRIMENTO DO DEVER COMO
COMO IMPERATIVO CATEGÓRICO IMPERATIVO HIPOTÉTICO

3. A obrigação de salvar uma 3. Só tenho a obrigação de estudar Medicina


pessoa do afogamento, se estiver na condição de querer ser médico. Caso
ao nosso alcance fazê-lo, não é mude de ideias e abandone o projeto de vir
hipotética. Não depende de a ser médico, também a obrigação de
termos certos desejos, projetos estudar Medicina desaparece. Apenas
ou sentimentos particulares. O adquiro a obrigação de saber o código da
mesmo acontece com a estrada se quiser tirar a carta de condução.
obrigação de não tratar os outros Se não for esse o meu projeto (ou não for
apenas como meios e sim como esse o meu desejo), esta obrigação deixa de
pessoas. existir.

4. Praticar preços justos é uma 4. Praticar preços justos é um dever se for


obrigação absoluta. do meu interesse.
AS DUAS MAIS IMPORTANTES FORMULAÇÕES DO IMPERATIVO
CATEGÓRICO OU LEI MORAL.

Fórmula da lei universal


«Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao
mesmo tempo que se torne lei universal.»

Fórmula da Humanidade
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua
pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente
como fim e nunca apenas como meio.
QUAL É A FUNÇÃO DESTAS FÓRMULAS? PARA QUE SERVEM?
Para sabermos, em cada circunstância da vida, se a ação que
queremos praticar está, ou não, de acordo com a moral, temos
de perguntar se aquilo que nos propomos fazer poderia servir
de modelo para todos os outros e se não os transforma em
simples meios ao serviço dos nossos interesses.

Se faltar a uma promessa, não é algo que todos possam imitar


e viola os direitos dos outros, então temos a obrigação de não
o fazer, por muito que isso nos possa custar; se mentir não
serve de modelo para os outros e os reduz a meios que usamos
para satisfazer o nosso egoísmo, então não temos o direito de
abrir uma exceção apenas para nós.
ANÁLISE DA PRIMEIRA FÓRMULA
«Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao
mesmo tempo que se torne lei universal.»

Imagine a seguinte situação: Eva precisava de dinheiro. Pediu


algum dinheiro emprestado a Bernardo com a promessa de lho
devolver. No entanto, já tinha a intenção de não lhe devolver o
dinheiro.
Eva agiu de acordo com a seguinte máxima: «Sempre que
precisar de dinheiro, peço o dinheiro emprestado, mas com a
intenção de não o devolver».
Poderá esta máxima ser universalizada? Não será
contraditória?
ANÁLISE DA PRIMEIRA FÓRMULA
Em termos mais gerais, a regra que orienta a ação de Eva é esta:
«Mente sempre que isso for do teu interesse».

O que aconteceria se esta regra fosse universalizada, se funcionasse


como modelo para todos, se todos a seguissem. O que aconteceria?
Ninguém confiaria em ninguém.

Ora, a mentira só é eficaz se as pessoas confiarem umas nas outras. É


preciso que Bernardo confie em Eva, para poder ser enganado por ela.
Mas se eu souber que todos mentem sempre que isso lhes convém,
deixarei de confiar nos outros e por isso Bernardo não confiará em Eva.

Não vale a pena Eva prometer porque Bernardo não irá acreditar em
nada que ela diga. Logo, Bernardo não lhe iria emprestar o dinheiro se a
máxima de Eva fosse uma lei universal. Por estranho que pareça, ao
exigir que todos mintam, estou a tornar a mentira impossível.
ANÁLISE DA PRIMEIRA FÓRMULA
Eva não pode querer sem contradição universalizar a exceção
que abriu para si própria porque se tornará exceção para todos.
Se todos nós fizéssemos promessas com a intenção de não as
cumprir, todos desconfiaríamos delas e o empréstimo de
dinheiro baseado em promessas acabaria. A prática de fazer e
de aceitar promessas desapareceria.
A máxima referida autodestrói-se ao ser universalizada porque
ninguém poderá agir de acordo com ela. A máxima «Mente
sempre que isso for do teu interesse» não pode ser
transformada numa lei universal.
O nosso dever moral básico consiste em praticar apenas as
ações que todos os outros possam ter como modelo.
ANÁLISE DA SEGUNDA FÓRMULA
Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua
pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente
como fim e nunca apenas como meio.

Segundo esta fórmula, cada ser humano é um fim em si e não


um simples meio.

Por isso, será moralmente errado instrumentalizar um ser


humano, usá-lo como simples meio para alcançar um objetivo.

Os seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto é,


dignidade.
ANÁLISE DA SEGUNDA FÓRMULA

Pense no modo como quem pede dinheiro emprestado


sem intenção de o devolver está a tratar a pessoa que lhe
empresta dinheiro.
É evidente que está a tratá-la como um meio para resolver
um problema e não como alguém que merece respeito,
consideração.
Pensa unicamente em utilizá-la para resolver uma situação
financeira grave sem ter qualquer consideração pelos
interesses próprios de quem se dispõe a ajudá-la.
Viola-se assim a primeira e também a segunda fórmula.
CONCLUSÃO DA ANÁLISE DAS FÓRMULAS (1)

Para Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um fim


em si mesma e nunca somente como um meio, porque é o
único ser de entre as várias espécies de seres vivos que pode
agir moralmente.

Se não existissem os seres humanos, não poderia haver


bondade moral no mundo e, nesse sentido, o valor da pessoa é
absoluto.

Assim, a fórmula da humanidade, também conhecida por


fórmula do respeito pelas pessoas, exprime a obrigação moral
básica da ética kantiana.
CONCLUSÃO DA ANÁLISE DAS FÓRMULAS (2)

CUMPRIMENTO DO DEVER, IMPARCIALIDADE E RESPEITO


PELAS PESSOAS.

A ação moralmente correta é decidida pelo indivíduo


quando adota uma perspetiva universal. Como?

Pondo de parte os seus interesses, a pessoa pensará como


qualquer outra que também faça abstração dos seus
interesses, adotando, portanto, uma perspetiva universal.
CONCLUSÃO DA ANÁLISE DAS FÓRMULAS (3)
CUMPRIMENTO DO DEVER, IMPARCIALIDADE E
RESPEITO PELAS PESSOAS

Pense em deveres morais comuns como «Paga o que deves»,


«Sê leal», «Não roubes». Só o interesse e parcialidade do
agente pode levar à violação de tais regras ou deveres morais.

Sempre que fazemos da satisfação dos nossos interesses a


finalidade única da nossa ação, não estamos a ser imparciais e
a máxima que seguimos não pode ser universalizada.

Assim sendo, estamos a usar os outros apenas como meios,


simples instrumentos que utilizamos para nosso proveito.
A BOA VONTADE
A vontade que decide agir por puro e simples respeito pelo que
a lei moral ou imperativo categórico exige tem o nome de boa
vontade.
VONTADE AUTÓNOMA VONTADE HETERÓNOMA
1.Vontade que cumpre o dever 1.Vontade que não cumpre o
pelo dever. É uma boa dever pelo dever. Não é uma boa
vontade. vontade.
2.Uma vontade autónoma é 2.O cumprimento do dever não é
uma vontade puramente motivo suficiente para agir,
racional, que faz sua uma lei tendo de se invocar razões
da razão, que diz a si mesma externas como o receio das
«Eu quero o que a lei moral consequências, o temor a Deus,
exige». Ao agir por dever, etc. A vontade submete-se a
obedeço à voz da minha razão autoridades que não a razão.
e nada mais.
A BOA VONTADE
É uma vontade que age de forma moralmente correta,
independentemente das consequências da ação.
É uma vontade que cumpre o dever respeitando absolutamente
a lei moral, ou seja, cuja única intenção é cumprir o dever.
É uma vontade que age segundo regras ou máximas que podem
ser seguidas por todos.
É uma vontade que respeita todo e qualquer ser humano
considerando-o uma pessoa e não uma coisa ou um simples
meio ao serviço deste ou daquele interesse.
É uma vontade autónoma porque decide cumprir o dever por
sua iniciativa e não por receio de autoridades externas ou da
opinião dos outros.
E SE CUMPRIR O DEVER DE FORMA ABSOLUTA – SEM OUTRA
INTENÇÃO – TIVER MÁS CONSEQUÊNCIAS?

Kant responde que não é por isso que a ação se torna


moralmente errada. O que conta é a intenção.

Imaginemos que digo a verdade e isso tem más


consequências.

Para Kant, o que importa é o modo como cumpro o dever


(a intenção) e não o que resulta da ação (as
consequências).

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