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INTRODUÇÃO
O erro que Vico criticou como “presunção dos eruditos”, os quais perceberão
que “o que sabem é tão velho quanto o mundo”, consiste em tomar uma forma
de pensamento derivada de uma fase particular da história (e assim de uma
estrutura particular das relações sociais) e presumir que ela é universalmente
vá- lida. (Cox, 1981, p. 76) Naqueles momentos em que o mundo parece estar
em um ponto de virada, quando o modelo de vida a que estamos acostumados
parece estar incomodado, surge uma demanda por um no conheci- mento que
capacitará melhor as pessoas para que entendam as mudanças que ocorrem
com elas. Os pressupostos sobre os quais as formas prevalentes de conhe-
cimento se baseavam são questionados. Um conjunto diferente de problemas
tem então de ser confrontado. (Cox, 2002, p. 76)
MOVIMENTOS E DESAFIOS
Se nossa análise estiver correta, e o que estiver ocorrendo em nível global for o
projeto do FMI/Banco Mundial dirigido à institucionalização e ao gerenciamento
de uma arquitetura para o capitalismo global, então parece ser para nós que
esse é obvia- mente um caso de teoria crítica segundo Cox, e não de resolução
de problemas. Considerada sob esta luz, o caso da teoria de resolução de
problemas é tão interessante quanto revelador, pois parece agora ser mais um
reflexo da época em que foi introduzido do que o foi a teoria crítica. Pode ser
visto como algo que presume uma época em que as “políticas” eram o meio
dominante de “conduzir”, pelo Estado – de abordar os problemas dos sistemas
educa- cionais que eram tidos como nacionais; o Estado taxava, gastava e
criava as políticas, e as baseava em “soluções” oferecidas, em sua maioria, na
época, pelos acadêmicos, ou departamentos governamentais que sustentavam
a pesquisa acadêmica, normalmente em um “modelo de resolução de
problemas” (para uma crítica dessa aborda- gem e de suas consequências no
Reino Uni- do, ver Dale, 1994). Além disso, presume que os interesses de
classe são necessaria- mente orientados para a estabilidade, para a ordem e
para o status quo, como vemos nesta afirmação: “as teorias de resolução de
problemas podem ser representadas, na perspectiva mais ampla da teoria
crítica, como algo que serve aos interesses nacionais, setoriais e de classe que
se sentem confortáveis na ordem social estabelecida” (Cox, 1981, p. 129).
Embora os elementos dessa aborda- gem persistam, a natureza dos problemas
a serem abordados, as escalas pelas quais eles são abordados e os agentes
envolvidos nessa abordagem mudaram – como demonstramos no caso do FMI
e do Banco Mundial. Isso pode não estar claro de maneira imediata, já que a
terminologia usada para des- crever o que está ocorrendo frequentemente não
muda – mas seu significado está radi- calmente alterado. Como diz Gavin
Smith, “toda uma série de conceitos fundamentais para a compreensão da
sociedade deriva seu poder de parecer ser simplesmente o que sempre foi e
deriva sua instrumentalidade do fato de assumir formas bastante diferentes”
(Smith, 2006, p. 628). Isso se aplica com toda força a este caso.
Por exemplo, o Estado ainda está pre- sente como ator fundamental, mas se
tem um espaço estatal muito diferente daquele que se tinha há um quarto de
século. O Estado não mais opera nos mesmos espaços, como fazia quando
conduzia por meio de impostos, gastos e criação de políticas, mas por meio de
novas formas e técnicas de governança que incluem tanto uma agenda mais
ampla para a governança da educação (por exemplo, privatização, taxas)
quanto, especialmente, novos atores não pertencen- tes ao Estado. Os
problemas ainda precisam ser resolvidos, mas eles não são mais homogêneos
em sua forma com eram na era do pós-guerra, quando havia um amplo acordo
em nível nacional sobre as metas da educação. Uma maneira importante de
construir nosso argumento central neste capítulo é que embora os estados
estejam ainda envol- vidos na resolução de problemas da educação, eles não
estão necessariamente envolvidos na definição de todos os problemas a serem
abordados e nem são responsáveis isoladamente pela “solução” de todos eles.
Por essas razões, então, a resolução de problemas não pode mais ser vista
como “o ou- tro” da teoria crítica, e da mesma forma que ela ajudou a definir a
teoria crítica em sua formulação original, uma nova formulação do outro da
teoria crítica poderia ajudar-nos a ir em frente aqui.
Há dois movimentos relacionados que nós queremos referir aqui. Um deles diz
res- peito à reformulação da teoria da resolução de problemas para que reflita
uma espécie particular de elaboração de teoria/constituição do mundo e do
“outro” da teoria crítica. O segundo movimento é argumentar, brevemente, que
a teoria crítica precisa tanto en- fatizar seus interesses pelas condições mate-
riais da vida social quanto desenvolver uma dimensão mais explicitamente
normativa. O novo “outro” da teoria crítica, sugerimos aqui, pode não ser a
teoria da resolu ção de problemas, mas a teoria de enquadra mento de
problemas. Com isso, queremos dizer que em uma época neoliberal, em vez
de tomar o mundo como o encontra, o outro da teoria crítica toma o mundo
como ele o constrói. Sob o neoliberalismo, o mundo não mais é governado
pelos estados, ou em nível estatal, mas, em vez disso, também por meio de
atores globais como o FMI/Banco Mundial, a OMC e a OCDE. Os problemas
que os estados nacionais enfrentam, e seus meios de abordá-los, são ambos
enquadrados pelas instituições representativas do neoliberalismo. Assim, o
modo como nós vemos as prescrições e o conselho das or- ganizações
internacionais não tanto como contribuições da resolução de problemas, mas
como definições de problemas e intervenções de enquadramento.
Essencialmente, é por meio dessas agências que os estados enten- dem quais
são seus problemas reais. O melhor exemplo disso é a Economia baseada no
Conhecimento (ou as suas variações; a precisa formulação importa muito
menos do que a falta geral de conteúdo e precisão do termo, e sua
aplicabilidade ao mundo todo). O problema para todos os estados é fazer seus
sistemas de educação contribuírem para a efetividade máxima de sua
participação na Economia baseada no Conhecimento global. A resolução de
problemas está, assim, aparentemente retida em um nível nacional, mas, como
veremos, isso se torna cada vez menos baseado em fatos, ao mes- mo tempo
em que o aparecimento da autonomia nacional serve para ocultar as fontes
reais dos problemas e do poder. Isso possibilita-nos redefinir o enfoque e a
tarefa da teoria crítica. Anteriormente, ela era contrastada com uma teoria de
resolução de problemas que tomava o mundo como ele estava, e seu propósito
principal era o de tornar problemático o que a teoria da resolução de problemas
dava como certo ou consignava como condição ceteris pa ribus. Contudo, em
uma época em que seu opositor é a teoria de formatação de proble- mas, que
constrói um mundo de determi- nadas maneiras, sua problemática está da
mesma forma transformada, em dois níveis. Ela tem que examinar tanto quanto
buscar revelar o jogo do poder no estágio da for- matação do problema, e
analisar os meios de governança – e especialmente o papel do Estado nisso –
pelos quais esses problemas são abordados e suas “soluções” formata- das. Já
apontamos as atividades do Banco Mundial e do FMI como exemplos do
primeiro nível. O segundo implica identificar tanto os modos pelos quais o
neoliberalismo tem sido “constitucionalizado” (Gill, 2003; Jayasuriya, 2001),
quanto os discursos e as estruturas de mediação por meio dos quais as
soluções são formatadas e implementadas, juntamente com os efeitos
autônomos e contingentes destas (ver Dale, 2008b). Poderíamos considerar
essa virada como reflexo de uma mudança no papel dos Estados da
seletividade estratégica para a estrutural, com a seletividade estrutural sendo
agora vista muito mais claramente como algo que ocorre no nível do próprio
sistema capitalista. Em segundo lugar, uma perspectiva teórico-crítica precisa
continuamente dei- xar claro “para quem” e “para que propósito” ela está
trabalhando. Também preci- sa ser mais articulada e explícita quanto a seus
propósitos, não no sentido de “ver” mais claramente objetos, acontecimentos e
relações sociais (reconstrução), mas ver que o fulcro do criticismo é revelar as
relações sociais a fim de mudá-las. Em outras palavras, a teoria crítica precisa
ligar-se mais firmemente às suas raízes materia- listas históricas. Conforme
Nancy Fraser argumentou em seu ensaio sobre a teoria crítica em 1985, neste
caso em relação ao gênero, uma teoria social crítica enquadra seu programa
de pesquisa e sua moldura conceitual com um olho nos objetivos e atividades
desses movimentos sociais opositivos com os quais ela tem uma identificação
partidária, embora não acrítica. A questão que ela faz e os mo- delos que ela
elabora são informados por esta identificação e interesse. Pois, por exemplo,
se as lutas que contestam a subordinação das mulheres figurassem entre as
mais significativas de uma dada época, então uma teoria social crítica de tal
época objetivaria, entre outras coisas, lançar luz sobre o caráter e as bases de
tal subordinação. Ela empregaria categorias e modelos explicativos que
revelariam, mais do que ocultariam, as relações de dominância masculina e
subordinação feminina. E desmistificaria como abordagens ideológicas rivais
aquelas que ofuscassem e racionalizassem essas re- lações. Nesta situação,
então um dos padrões para avaliar a teoria crítica, já que ela tem sido sujeita a
todos os testes normais de adequação empírica, seria: a teoria crítica teoriza
bem ou não a situação e as perspectivas do movimento feminista? O quanto a
teoria crítica ser- ve ao autoesclarecimento das lutas e dos desejos das
mulheres de hoje? Isso requer uma compreensão do que “deveria” ser; de qual
seria a base para um modelo alternativo de ação. Ao dizer isso, nós estamos
cientes das mais de duas déca- das de debate sobre o problema das meta-
narrativas, e nós não queremos re/instalar velhas injustiças. De fato
acreditamos, po- rém, que uma considerável distância já foi percorrida no
pensamento das molduras voltadas à justiça social, tais como a que foi posta
por Nancy Fraser (2005), na apresentação conjunta das políticas de
redistribuição, reconhecimento e representação, como fundamentos de uma
ordem social mais justa. Por redistribuição, Fraser está se referindo aos
mecanismos institucionaliza- dos para garantir que as condições materiais da
vida atreladas à produção e os limites que cercam a reprodução social
(trabalho de casa, sexualidade, reprodução) sejam moldados por princípios
informados por um imaginário socialista – de igualitarismo e solidariedade (p.
298); por reconhecimen- to, ela se refere aos mecanismos pelos quais as
diferenças são reconhecidas positivamen- te (em oposição à negativamente,
por meio do status e das hierarquias); e, por repre- sentação, Fraser se refere a
tornar evidentes os locais e os mecanismos para a realização de reivindicações
políticas que surgem das mudanças de escalas e das molduras estado-
territoriais dos desdobramentos globalizantes e transnacionais (p. 304-305). E,
embora ela argumente que o desenvolvimento de tal política tridimensional não
seja fácil, trata-se de um importante avanço ou movimento crítico. Da mesma
forma, concluímos argumentando que os processos de globalização, o
reescalonamento da educação e os espa- ços emergentes de governo
requerem não apenas uma nova abordagem conceitual, mas que esta é um
passo necessário a fim de pôr em cena e capacitar uma agenda poten-
cialmente transformadora para a análise da política educacional crítica.
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