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FICHA CATOLOGRÁFICA

A648e Apple, Michael W. Educação crítica [recurso eletrônico] : análise


internacional / Michael W. Apple, Wayne Au, Luís Armando Gandin ;
tradução: Vinícius Figueira ; revisão técnica: Luís Armando Gandin. –
Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2011.

Editado também como livro impresso em 2011. ISBN 978-85-363-2526-2 1.


Educação. 2. Sociologia da educação. I. Au, Wayne. II. Gandin, Luís
Armando. III. Título. CDU 37.015.31:316.42 Catalogação na publicação:
Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052

O BANCO MUNDIAL, O FMI E AS POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO


CRÍTICA

Susan L. Robertson e Roger Dale

INTRODUÇÃO

O erro que Vico criticou como “presunção dos eruditos”, os quais perceberão
que “o que sabem é tão velho quanto o mundo”, consiste em tomar uma forma
de pensamento derivada de uma fase particular da história (e assim de uma
estrutura particular das relações sociais) e presumir que ela é universalmente
vá- lida. (Cox, 1981, p. 76) Naqueles momentos em que o mundo parece estar
em um ponto de virada, quando o modelo de vida a que estamos acostumados
parece estar incomodado, surge uma demanda por um no conheci- mento que
capacitará melhor as pessoas para que entendam as mudanças que ocorrem
com elas. Os pressupostos sobre os quais as formas prevalentes de conhe-
cimento se baseavam são questionados. Um conjunto diferente de problemas
tem então de ser confrontado. (Cox, 2002, p. 76)

REEXAMINANDO OS PARÂMETROS PARA A REALIZAÇÃO DO


TRABALHO DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO CRÍTICA

O convite para escrever este capítulo propiciou-nos uma oportunidade de refle-


tir sobre nossas próprias abordagens sobre o que é ser “crítico” quando se
realiza um trabalho de política educacional nessa conjuntura histórica
particular. Em primeiro lugar, e antes de mais nada, nossa aborda- gem é
informada pela obra de Robert Cox, que desenvolveu-se primeiramente no
âmbito da disciplina de Relações Internacionais e foi publicada pela primeira
vez em 1981. A moldura de Cox das premissas de uma abordagem teórica
crítica, bem como seu contraste entre teoria crítica e solução de problemas,
tem provado ser particular- mente útil ao longo dos anos. Cox enfatiza a
importância de colocar-se ao lado da ordem prevalente e de perguntar como
essa ordem veio a surgir, de pôr em questão a natureza e as origens das
instituições e de suas relações sociais, e de como elas podem mudar (Cox,
1981, p. 88-89), e a importância de rever antigas categorias e de gerar novas
categorias com as quais possamos entender as mudanças nas relações
sociais. Em uma atitude inovadora, Cox contrasta a teoria crítica com o que ele
chama de teoria da solução de problemas – argumen- tando que “a teoria da
solução de problemas toma o mundo como ela o encontra, com as relações
sociais e de poder prevalentes e as instituições nas quais está organizada,
como a moldura já dada para a ação” (p. 88). As teorias de solução de
problemas são orien- tadas para a manutenção do status quo; elas são
aistóricas no sentido de que assumem um presente que continua; e elas visam
fa- zer com que as instituições funcionem mais facilmente, fixando limites e
parâmetros para os problemas. Contudo, as premissas da teoria crítica
insistem que vejamos a teorização como um processo contínuo no qual não
haja posições fixas. Segundo o autor, dois fatores principais moldam a teoria.
Um é o movimento objetivo da história, que está continuamente lançando
novas combinações de forças sociais que interagem. A outra são as
percepções subje- tivas daqueles que contemplam as forças sociais com uma
visão de compreensão e ação sobre o movimento da história (Cox, 2002, p. 26)
Como mostraremos a seguir, os proces- sos de globalização desafiam
profundamente as molduras mentais que temos usado para entender os
problemas da política educacio- nal, tanto objetiva quanto subjetivamente. O
contraste com a resolução de problemas nos diz o que é fundamental;
demonstra-nos o que forma a teoria crítica e por que é importante fazer essa
distinção. Isso possibilitou que passássemos a uma abordagem da análise das
políticas educacionais que foi além do que chamamos de agenda de “política
na educação”, chegan- do a uma abordagem que compreendia as agendas
para a educação como sendo mol- dadas por interesses econômicos e políticos
mais amplos (ver Dale, 1994). Contudo, também enfatizaremos, e tentaremos
desenvolver, o que é provavel- mente o elemento menos reconhecido da
definição de Cox para a teoria crítica, que ela é necessariamente reflexiva, na
medida em que as teorias não estão fora do tempo, do espaço e das ralações
sociais. Segue-se, então, que devemos refletir sobre nossas ferramentas
teóricas, e também desafiá- -las e reconstruí-las, caso queiramos que elas
realizem um trabalho “crítico”. Isso é especialmente importante quando nós
con- sideramos que faz mais de 25 anos que Cox publicou o artigo que
continha a distinção – e não é necessário detalhar as mudanças que ocorreram
na política educacional des- de então, especialmente como resultado da
globalização. Uma pré-condição do trabalho crítico eficaz na área é a de
reconhecer a natureza dessas mudanças e teorizar sobreelas e suas
consequências para a política educacional. Com esses pensamentos em
mente, este capítulo propõe fazer três coisas. Primeiro, defenderemos que,
para fazer um trabalho “crítico” nos estudos contemporâ- neos da política
educacional, nossas premis- sas conceituais e metodológicas nessa área
precisam engajar-se com os desafios ontológicos e epistemológicos impostos
pelas transformações sociais, políticas e econômi- cas mais amplas dos
sistemas educacionais. Isso é necessário por causa da tendência de se tomar
formas de pensamentos derivados de uma fase particular da história – nesse
caso, sugeriríamos les trente glorieuses de 1945-1975 – e presumirmos que
ainda são válidos. Isso resulta na construção do que nós chamamos de “ismos”
teóricos e metodológicos – a tendência de tomar aborda- gens teóricas e
metodológicas como fixas, absolutas, necessárias e suficientes. Aqui, nós
enfocaremos três desses “ismos”: “nacionalismo metodológico”,
“‘educacionismo’ metodológico” e “fetichismo espacial”. Em outras palavras,
precisamos ir além das molduras e da análise da política educacional que
continuam a considerar a educação como um empreendimento nacional que
ocorre no âmbito do que tem historicamente sido chamado de “setor da
educação”. Argumentaremos que essas abordagens são inadequadas para
abarcar as novas complexidades da política educacional, em que novos atores,
escalas e projetos estão sendo estrategicamente representados, levados em
frente, mediados e institucionalizados, e que envolvem transformações
significativas no setor da educação. Com isso, não estamos sugerindo que os
analistas da política educacional não conseguiram compreender tais
desdobramentos. Contudo, nossa tese é a de que quando novas escalas de
elaboração de políticas e ações são invocadas – como “globais” – há muitas
vezes uma concepção fraca de agenciamento, e quando os agentes são
identificados (normalmente na forma de uma referência como “OCDE/FMI/Ban-
co Mundial”), interesses, agendas e efeitos desses agentes são tidos como
conhecidos apriori e não são mais investigados sistemati- camente. Isso limita
sobremaneira os modos pelos quais compreendemos a natureza, a escala e o
escopo dos tipos de mudança que ocorrem e o enfoque deste artigo. Em
segundo lugar, e como consequência dos desafios colocados pela globaliza-
ção, há uma necessidade urgente de reto- mar nosso conceito de fazer “teoria
crítica”. No capítulo, faremos isso de duas maneiras. Primeiro, voltaremos ao
que significa adotar uma perspectiva de teoria crítica e a revi- saremos;
segundo, refletiremos sobre qual entendimento essa abordagem nos dá dos
desdobramentos contemporâneos na educação. Especificamente, sugeriremos
que os analistas da política educacional (inclusive nós mesmos) tendem a
considerar “crítica” a análise da ordem social e política existente, a fim de
transformar essa ordem. O pressuposto aqui implícito, porém, é que essa é a
posição e a salvaguarda da “esquerda”, ao passo que a “direita” está relegada
ao espa- ço dos “resolvedores de problema” a fim de preservar o status quo
(conforme formulamos acima). Contudo, isso seria esquecer a primeira tese
defendida na frase de Cox (1981) – a de que “a teoria é sempre para alguém e
para algum propósito” (p. 128). Isso tem duas implicações. A primeira é que
não podemos automaticamente presumir que “crítica” e “esquerda” estejam
necessária e intrinsecamente ligados, e a segunda é que identificar a
proveniência e os interesses que estão por trás das teorias críticas é, em si
mesmo, um elemento fundamental da teoria crítica. Em termos da primeira
dessas implicações, devemos reconhcecer que muitas das teorias sobre as
quais as agências internacionais baseiam suas políticas conformam-se inte-
gralmente às recomendações de Cox para a teoria crítica; em termos da
segunda, é no “para quem” e no “para que propósito” que encontramos as
diferenças políticas entre as teorias críticas. Os propósitos são bastante óbvios.
São a construção de um conjunto de políticas e práticas tão liberais quanto
pos- sível, por meio da eliminação de barreiras “desnecessárias” a eles, como
a “interferência” do estado, a fim de capacitar o desenvolvimento ótimo dos
mercados capitalistas que trarão (argumenta-se) maior prosperidade para
todos. O modo como eles se traduzem em políticas também demonstra que a
teoria crítica não deve necessariamente ser ligada com a resolução de
problemas – na verdade, como argumentaremos, a “resolução de problemas”
em si mesma é em grande parte uma criatura da era em que foi cunhada.
Assim, longe da resolução de problemas, demonstraremos que aquilo que os
agentes internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial (BM), estão trazendo é uma agen- da radical para a transformação dos
siste- mas educacionais nas economias desenvolvidas e em desenvolvimento,
a fim de promover e produzir uma ordem social e política muito diferente da
ordem predominante. Vista dessa forma, a educação “crítica” no campo da
política educacional pode ser feita, e está sendo feita, pela “esquerda” e pela
“direita”, pelos educadores críticos que trabalham com movimentos subalter-
nos, como o Fórum Social Mundial, e tam- bém pelo FMI/BM. Isso apresenta
claramente desafios importantes para os educadores “críticos” que queiram
garantir que os propósitos da teoria crítica não estejam alinhados com projetos
que não tenham uma preocupação explícita pela distribuição mais igualitária de
recursos, pelos efeitos das assimetrias de poder sobre a participação na
sociedade, por mo- delos de economia que alimentam a explo- ração e a
apropriação da mais-valia, e assim sucessivamente. Na seção que conclui este
capítulo, sugerimos que, a fim de suplan- tar esse problema, uma teoria crítica
“de esquerda” precisa ser mais explícita sobre seu projeto normativo. Com isso
em mente, exploramos quais são as possibilidades que existem no quadro da
justiça social apresen- tado por Nancy Fraser – que envolve redistribuição,
reconhecimento, política e ética representativas em nossa abordagem do que
significa usar uma perspectiva teórico-crítica – como um ponto de partida na
resposta ao desafio.

MOVIMENTOS E DESAFIOS

Movimento 1: refletir sobre a teoria crítica

O que significa adotar uma perspec- tiva teórico-crítica na análise da política


educacional? A teoria crítica deriva de uma das maiores realizações da Europa
do século XVI – o uso da crítica e do criticismo como uma forma de
pensamento crítico (Conner- ton, 1976, p. 16; Therbon, 1996, p. 55). A crítica é
um produto do Iluminismo. Como um processo, ela pretende sujeitar a seu
julgamento todas as esferas da vida acessíveis à razão – na forma de
pensamento opositivo – e foi central para a abordagem dialética de Marx e
Engels. Conforme observa Therborn, o marxismo foi “a teoria dessa dialética
da modernidade e também sua prática” (1996, p. 54). O marxismo viu o
potencial emanci- patório e também as dimensões da explora- ção do modelo
de desenvolvimento moderno/capitalista. Foi, assim, uma manifestação da
modernidade, tanto em sentido socioló- gico quanto teórico. Como força social,
foi um “filho legítimo do capitalismo moderno e da cultura iluminista” (Therborn,
1996, p. 53). Contudo, enquanto o Liberalismo e o pensamento iluminista
representavam a afirmação da modernidade (sem levantar questões críticas
sobre a ciência, a acumulação, o crescimento e o desenvolvimento), a teoria de
Marx mapeou o surgimento do capitalismo, enfocando os progressivos estágios
do desenvolvimento histórico do capitalismo, incluindo suas contradições, além
de apontar para a exploração de classe e as tendências de crise. A Teoria
Crítica (que mais tarde seria conhecida como o produto e a abordagem da
Escola de Frankfurt) foi lançada em 1937 por Max Horkheimer – que escreveu
no exílio, nos Estados Unidos. Essa escola fez uso da obra de Marx, mas
também divergiu dela de modo importante – com um enfoque na superestrutura
e não somente na infraestrutura; no reconhecimento do poder da ideologia –
especialmente por meio da mídia, da psicologia social e da arte; do surgimento
da razão instrumental e da eficiência técnica e de seu potencial para o
autossolapamento; e sobre o desenvolvimento de uma teoria política que
priorizou o diálogo e a razão como uma nova base para a vida social (Conner-
ton, 1976, p. 22-32). Para Horkheimer, o significado do termo era o de uma
concepção filosoficamente autoconsciente e reflexiva da “crítica dialé- tica da
economia política” (Therborn, 1996, p. 56), porém o conceito de “teoria crítica”
substituiu a palavra “materialismo”. Esse deslocamento linguístico de
Horkheimer tem tido importantes consequências para a teoria crítica em termos
mais gerias, pois, ao desligá-la de uma conexão mais explícita com o
materialismo, também tornou menos visível o modo que este dá sustentação à
teoria crítica, questão a que voltaremos na parte final deste capítulo. Além do
pensamento opositivo (dia- lético), a Escola de Frankfurt atrelou-se a dois
novos significados para o termo crítica – reconstrução e criticismo. O primeiro,
reconstrução, refere-se às condições de co- nhecimento possível – isto é, às
capacidades potenciais de os seres humanos possuírem as faculdades de
conhecer, falar e agir. Crítica, nesse sentido, tem suas raízes em Kant (2004).
Na Crítica da razão pura, Kant pretendeu responder à questão: quais são as
condições de nosso conhecimento por meio do qual a ciência natural moderna
é possível, e qual é o alcance desse conhecimento? (Connerton, 1976, p. 17).
Kant (2004) co- meçou pelo fato de as realidades sociais se- rem uma profusão
de sentidos e impressões, ainda que tendamos a perceber o mundo como um
mundo de coisas ordenadas. São nossas faculdades que produzem essa or-
dem, de modo que as coisas são “constituídas” por nós no sentido de que só
podemos “conhecer” por meio de determinadas for- mas a priori ou categorias
que estão engas- tadas no sujeito humano. Uma abordagem teórico-crítica, ao
interrogar essas categorias para entender como o conhecer se cons- titui,
permite que vejamos mais claramente a ligação entre as categorias para
ordenação do que se conhece e o que passa a ser conhecido. O segundo
sentido do termo crítica, criticismo, refere-se às reflexões sobre o sis- tema de
restrições que são produzidas pela humanidade – como nas pressões
distorcidas que surgem das relações sociais, tais como a relação entre o
capitalista e o traba- lhador. Crítica, nesse sentido, tem suas raízes na
Fenomenologia do espírito, de Hegel, que desenvolveu o conceito de “reflexão”
como a base da libertação das ilusões coercivas – por exemplo, quando os
trabalhadores passam a compreender a base real da rela- ção entre eles
próprios e o proprietário dos meios de produção. A análise de Hegel da relação
entre o senhor e o escravo é instru- tiva aqui. Por meio de reflexão/criticismo, o
escravo passa a ver sua situação, e é sua teoria sobre as condições que, por
sua vez, acarreta uma mudança em sua prática. A partir desta breve
introdução, podemos perceber que há diferenças importantes entre os dois
momentos adicionais da teoria crítica (Connerton, 1976, p. 19-20). Primeiro, a
reconstrução tenta entender os sistemas anônimos de regras que podem ser
seguidos por qualquer sujeito, desde que te- nham as competências
necessárias. O criticismo tem uma ligação com algo particular, examinando a
forma de uma identidade ou a identidade de um grupo. Segundo, a
reconstrução é baseada em dados que são considerados objetivos (tais como
sentenças ou ações), ao passo que o criticismo tem liga- ção com os objetos
da experiência, de modo que, por meio do criticismo, as distorções tornam-se
evidentes e a libertação se torna possível (emancipação). Terceiro, a recons-
trução explica o que é considerado conhe- cimento “correto”, isto é, o
conhecimento que precisamos para usar as regras de modo competente, ao
passo que o criticismo visa a mudança ou a remoção das condições do que é
considerado falso. Igualmente importante é a insistência de que a única tese
fundamental imutável da teoria crítica é a de que a teoria crítica é mutável.
Segue-se disso, portanto, que “por meio de uma análise das condições históri-
cas que informam suas próprias categorias, ela busca adaptar essas categorias
de uma nova maneira à realidade histórica” (Con- nerton, 1976, p. 22). A
abordagem de Robert Cox (1981) à teoria crítica que informou nosso próprio
trabalho faz uso dessa tradição, cujas pre- missas básicas são: numa
consciência de que a ação nunca é absolutamente livre, mas ocorre em uma
moldura de ação, que constitui sua problemática. n A percepção de que não
apenas a ação, mas também a teoria, é moldada pela problemática. Na
moldura para a ação muda ao longo do tempo e a meta principal da teoria
crítica é entender essas mudanças. Na moldura tem a forma de uma estrutura
histórica, uma combinação particular de padrões de pensamento, condições
materiais e instituições humanas, que tem coerência entre seus elementos.
Essas estruturas não determinam as ações das pessoas de modo mecânico
mas constituem o contexto dos hábitos, pressões, expectativas e restrições no
âmbito dos quais a ação ocorre. Na moldura ou estrutura no âmbito da qual a
ação ocorre deve ser vista não do topo, em termos dos requisitos de seu
equilíbrio ou reprodução [...], mas da base ou de fora, em termos dos conflitos
que surgem nela e que abrem a possibilidade de transformação. (Cox, 1981, p.
97) A inovação da abordagem de Cox (1981, p. 129) é a de introduzir a ideia de
resolução de problemas como um contraste à teoria crítica. Como já
observamos, a teoria da resolução de problemas é vista por Cox como algo
que tende ao conservadorismo, no sentido de que se orienta à manutenção do
status quo, e não à geração de mudança. De modo mais importante, as teorias
de resolução de problemas também veem as teorias, categorias e modelos de
ação em termos universais e ahistóricos, fechando ocaminho pelo qual o poder
e os interesses moldam o modo como passamos a conhecer e ver o mundo.
Nas seções seguintes, respon- demos às questões levantadas e relativas ao
status da crítica na análise da política edu- cacional, começando com os
desafios postos pelos processos de globalização e uma série de movimentos
de resposta.

Desafio 1: Os desafios da globalização aos modelos “críticos” de política


educacional

Aspectos importantes da elaboração de políticas educacionais e de processos


edu- cacionais estão ocorrendo dentro das fronteiras nacionais, mas também
fora delas, e essas próprias políticas são produzidas ou mediadas por uma
crescente gama de atores, não somente o estado, que operam em múltiplas
escalas. É cada vez mais evidente que alguns dos principais atores envolvidos
na elaboração e na formatação das políticas educacionais agem fora do
sistema educa- cional tradicional. Em outras palavras, há uma mudança de um
sistema educacional predominantemente nacional para uma distribuição de
atividades mais fragmentada, multiescalar e multissetorial, que agora envolve
novos participantes, novas maneiras de pensar sobre a produção do
conhecimento e sua distribuição, e novos desafios em termos de garantia de
distribuição de opor- tunidades de acesso e de mobilidade social (Dale e
Robertson, 2007). Esses tipos de mudança requerem não apenas um modo
muito diferente de análise, mas um conjunto de conceitos que seja capaz de
dar conta das atividades mais dispersas e fragmentadas que constituem a
educação e que são objeto da política educacional. Contudo, boa parte das
políticas educacionais tendem a ser moldadas pelo que chamamos de “ismos”,
isto é, a tendência de ver as categorias como algo natural, fixo, necessário e
suficiente ou, em outras palavras, como ontologicamente e epis-
temologicamente ossificadas. Na área da análise da política educacional, três
“ismos” são proeminentes: “nacionalismo metodológico”, “‘educacionismo’
metodológico” e “fetichismo espacial” (ver Dale e Robertson, 2007; Robertson e
Dale, 2008). O nacionalismo metodológico presume que estadonação contém a
sociedade, de modo que o objeto da análise da política educacional acarreta o
exame das políticas produzidas e postas em circulação pelo estado-nação (ver
Beck, 2002; Beck e Sznaider, 2006; Dale, 2005). Contudo, o nacionalismo
metodológico é enganador, em, pelo menos, cinco modos diferentes. Primeiro,
assume que a política é “feita” (especificada, planejada, processada,
implementada) por interesses de nível nacional e de acor- do com eles. Para
que isso seja possível, ele parte da coincidência entre soberania e território.
Presume um “mundo” feito de estados-nação, um sistema interestadual, com
transações extranacionais confinadas aos intercâmbios internacionais entre os
estados. Esse sistema reforça a predominância do nível nacional, já que o
nacional se tor- na a base da coleta das estatísticas que, por sua vez,
incentivam uma comparação internacional como modo principal de analisar as
diferenças entre as formas de educação, entre os propósitos da educação e
entre as abordagens da educação – e isso está não coincidentemente ligado
ao papel desempenhado pelas organizações internacionais na moldura dos
problemas. A ênfase na comparação entre as nações contribui ainda mais para
uma maior restrição dos meios de com- preensão. Finalmente, assume que
todos os estados-nação são “o mesmo”, pelo menos para comparações de
análises, de modo que “nacional” e “estatal” escondem imensas di- ferenças
nas relações sociais, tanto entre as entidades apontadas quanto nelas próprias.
O educacionismo metodológico refere- -se à tendência de igualar a educação
com o setor da educação formal, especialmente a escola, com o resultado de
que os problemas, programas e práticas das políticas tendem a ser aqueles
que estejam no sistema formal. O educacionismo metodológico baseia-se no
setor da educação, funciona por meio dele e trabalha para ele, pois tal setor é
visto como exclusivo e, embora normalmente não seja explicitamente
delimitado, é em geral tomado como nacional. O que se ignora aqui é a gama
mais ampla de atores envolvidos na elaboração de políticas educacionais, in-
cluindo os setores do comércio, finanças e indústria, empresas privadas,
organizações não governamentais e também os lares e as comunidades. Esse
enfoque mais privilegiado da escolarização, e a não distinção entre educação e
escolarização, tende a isolar a escolarização, como atividade (profissional). Em
segundo lugar, dá como certo que a educação é algo bom, que quanto mais
melhor, e que o propósito da política educacio- nal é fazer com que a educação
seja melhor (ou sirva melhor). Também vê a escolariza- ção por meio de
determinadas lentes das políticas; essas lentes deixaram de ser “re-
distributivas”, ampliando os benefícios do cidadão trabalhador (ver Robertson,
2007); lentes de reconhecimento, que reconhecem e incentivam as diferenças
individuais e as identidades; e, criticamente, lentes do “ator civil”, estruturadas
em concepções de justiça social baseada em representações. Finalmente, o
fetichismo espacial, que se refere, de um lado, à tendência na análise da
política educacional de reificar e naturalizar os processos, como em “a
globalização faz” ou “o local é” e, de outro lado, a continuar a estar trancado
em modelos epistemológicos imutáveis (a-históricos/atemporais) centrados no
estado, para os quais os estados são entidades geográficas relativamente fixas
e fechadas em si mesmas (Harvey, 1982, 2006; Lefebvre, 1974). Quando o
espacial é invocado, nós não temos uma sensação de espacialidade como um
processo, em vez disso, trata-se de um pano de fundo ou plataforma estática
para as relações sociais, sobre a qual os acontecimentos ocorrem (Brenner,
2003, p. 29). Nos locais em que há rupturas com o centralismo do estado,
como na ideia de que o estado está se contraindo ou dissolvendo (como na
ideia do estado mínimo), isso evita a fundamental e importante tarefa de anali-
sar a reterritorialização e o reescalonamento das relações político-econômicas
do capitalismo contemporâneo e de como a educação está sendo
reconstituída. O que se precisa em uma abordagem da política educacional
crítica é uma conceituação do espaço social que seja dialética e processual, de
modo a ser capaz de refletir as relações contínuas e em constante mutação do
capitalismo e de suas consequências para a educação. Tal abordagem deve
estar afinada com as possi- bilidades de transformação que ocorrem no âmbito
das geografias político-econômicas estabelecidas, inclusive no espaço do
estado nacional, e o papel do estado nacional como local, meio e agente da
globalização contem- porânea (Jayasuriya, 2001; Sassen, 2006). Em outras
palavras, uma análise da política educacional crítica precisa levar em
consideração como as geografias do espaço estatal estão sendo
transformadas em várias escalas geográficas. Em razão das reflexões acima,
uma maneira pela qual poderíamos revisar e re- vigorar a dimensão crítica na
educação é a de conceituar a natureza mutante, o escopo e os locais
envolvidos no trabalho da educação de uma emergente, “funcional e escalar
divisão do trabalho da educação” (Dale, 2003). Essa concepção pretende
essencialmente revelar e ir além dos pressupostos da análise das políticas
educacionais conforme herdada do período posterior à Segunda Guerra
Mundial, em que, como sugerimos, perpetuou-se a série de “ismos” que
esboçamos acima. Assim, a análise da política edu- cacional tende a assumir a
homogeneidade da “educação” como escolarização, trazida à tona pela
exclusividade do nacional como base para limitar tanto o setor da educação e
as atividades que ele contém quanto as entidades com as quais ele possa ser
compa- rado, ou com as quais possa relacionar-se (a universalidade presumida
da escala nacional levando ao internacional, mais do que ao interescalar, e
relações “horizontais” em vez de “verticais”). A ideia de uma divisão funcional e
escalar do trabalho da educação também pretende indicar a necessidade de ir
além, de oferecer um meio que vá além de mais um “ismo” que tenda a
perseguir a análise da política educacional (incluindo a nossa própria), isto é, o
estatismo meto- dológico, que envolve, em poucas palavras, o pressuposto de
que “o estado faz tudo”, certamente no que diz respeito à política educacional
(ver Dale, 2008a). A base desses pressupostos foi solapada pelo surgimento
da globalização neoliberal que tornou-se dominante depois da queda do Muro
de Berlim. Isso teve duas conse- quências particulares relevantes para os
“ismos”. Em primeiro lugar, essencialmente anunciou o fim das economias
“nacionais”; os condutores da atividade econômica haviam passado ao nível
transnacional, com a dominância crescente do capital e empresas
transnacionais e uma divisão internacional do trabalho, e com a produção cada
vez mais sendo realizada em países jovens e “periféricos”, mais do que nos
países do Ocidente. Isso simultaneamente retirou a base das economias
nacionais, transformou a base de sua produção de riqueza, rompeu os
mercados de trabalho e passou o controle das economias para o nível
transnacional. Outra consequência foram as formas pelas quais a globalização
neoliberal instalou-se. Em vez de simplesmente buscar minimizar o papel do
estado, como no liberalismo clás- sico, o neoliberalismo funcionou por meio do
estado, o que Gill (2003) chamou de “a constitucionalização do neoliberal.” Isso
significa em essência que os esta- dos não são mais (apenas) barreiras para o
livre comércio, mas podem tornar-se parte de uma infraestrutura que o
promove, e no qual ele pode florescer. Isso é trazido à tona não só pelas
mudanças das atividades do estado, mas pela mudança na determinação do
que deve ser considerado como atividade do estado e propósito do estado. O
que isso acarreta deve ser resumido como uma mudança do governo para a
governança, e sua maior consequência para nosso argumento aqui é a de que
a governança da educação, e não o seu conteúdo ou propósito, torna-se a
chave para o modo como ela opera e para suas prioridades. Isso então solapa
todos os ismos, e não só o estatismo. Sem dúvida, o nível nacional, definido
territorialmente, não pode mais ser dado como a única fonte importante de
elaboração de políticas educacionais, tanto por causa da proeminência
crescente do extranacional quanto pelo fato de um dos principais efeitos do
neoliberalismo ter sido a separação da ligação automática entre território e
soberania (o melhor exemplo disso, é claro, é a União Europeia). A educação
não pode mais ser tomada como um todo hegemônico cuja homogeneidade e
integridade setorial depende de uma base nacional. Em vez disso, vemos
divisões do trabalho e da educação tanto no âmbito das escalas quanto através
delas. Em nível nacional, a governança da educação inclui agora uma
presença significativa de agentes e proprietários que não o estado, com muitas
dessas distinções sendo feitas de acordo com a função – fundos, provisão de
serviços, etc. As funções podem também ser alocadas ao longo das escalas, o
que talvez seja a mais significativa das mudanças para a política educacional.
Como demonstraremos, as agências internacionais, como o FMI e o Banco
Mundial, juntamente com a OCDE, efetivamente estabelecem agendas para
elementos fundamentais da educação. Elas também (e aqui a União Europeia
é de novo o melhor exemplo) podem envolver a educação em processos de
“re-setorialização”, com algumas “funções tradicionais da edu- cação
separadas em novos setores (na União Europeia, encontramos, por exemplo, a
edu- cação envolvida tanto no “setor do conhecimento” e no setor de política
social” (ver Brine, 2006; Dale, 2008b). É importante reconhecer que este não é
um processo formal ou estático, mas, em certa medida, arranjos contingentes
ou exis- tentes. O processo funciona por meio de estruturas de mediação – por
exemplo, a Metodologia de Avaliação de Conhecimento do Banco Mundial
(Robertson, 2007), o Método Aberto de Coordenação que orienta a governança
em nível europeu (Dale, 2004), o progresso do Processo de Bologna (Dale,
2008b; Keeling, 2006) e os indicadores PISA da OCDE. A base da divisão do
trabalho é o lugar da educação no circuito do capital, com atividades
relacionadas à produção sendo mais provavelmente determinadas no nível
transnacional da economia, e nas atividades infraestruturais/inerentes sendo
realizadas na escala nacional.

Movimento 2: trazer o FMI/Banco Mundial e a política educacional à vista


por meio do desafio aos “ismos”

Até agora, estivemos argumentando que em nossa abordagem para análise da


política educacional precisamos estar atentos às transformações que estão
ocorrendo na reconstituição da educação por meio de um reajuste de nossas
lentes teóricas. Nesta seção, fundamentamos essa tese por meio do enfoque
do FMI e do Banco Mundial como dois agentes internacionais relacionados que
estão continuando não só a moldar as agendas da educação nas economias
em desenvolvimento e desenvolvidas, mas que também estão buscando
reconstituir a edu- cação como parte do setor mais amplo de serviços no
âmbito de uma economia de co- nhecimento global. A obra de Mundy (1998) é
exemplar aqui. Ela faz uso do trabalho dos acadêmicos da teoria crítica para
examinar a evolução do multilateralismo educacional desde 1945 em três
fases: um período de institucionalização (1945-1965), um pe- ríodo de
contestação (1966-final dos anos 1970) e um período contínuo de transição
moldado pelo neoliberalismo. Nossa tese aqui não é apenas a de revelar a
ambição e a extensão do projeto que está sendo realizado, mas apresentar um
segundo desafio importante à teoria crítica que está sendo desenhado neste
texto por meio da pergunta: por que não são ou não deveriam as ra- dicais e
estratégicas agendas políticas para a governança global do FMI/Banco Mundial
ser consideradas como uma forma de teoria crítica? Para alguns analistas, o
afastamento do FMI/Banco Mundial de um rígido Consenso de Washington – e
a sua adoção da agenda da boa governança (Banco Mundial, 1989), por meio
de “um ajuste com uma face humana” (Cornia, Jolly e Frances, 1987),
representou uma vitória para os movimen- tos sociais e as organizações não
governamentais que foram capazes de centralizar a atenção nos fatores
devastadores das políticas de ajuste estrutural (Leftwich, 1993), especialmente
no âmbito das políticas so- ciais, tais como a educação. O Banco Mundial
voltou-se ao que era considerado como iniciativas mais participativas, tais
como o Modelo de Desenvolvimento Abrangente (Comprehensive Development
Framework), os Textos para a Estratégia de Redução da Pobreza (Poverty
Reduction Strategy Papers), e a programas conjuntos, tais como o Países
Pobres Altamente Endividados (Heavily In debted Poor Countries). Embora
alguns analistas tenham visto essa “meia volta” como a representação da
“emasculação” do FMI e do Banco Mundial (Woods, 2007, p. 5), nós afirmamos
o contrário. O período pós-Consenso de Washing- ton não representou uma
ruptura completa com tal Consenso. A lógica geral do ajuste estrutural
permaneceu em grande parte a mesma com as políticas macroeconômicas
(liberalização do mercado, mercados livres orientados à exportação, emoção
de barrei- ras e tarifas de comércio) sendo consideradas soberanas (ver
Robertson et al., 2007, para uma análise mais ampla). Conforme observa
Mundy, as prescrições educacionais recentes do Banco Mundial, em
consonância com o seu renovado interesse pelo alívio da pobreza, ecoam o
casamento dos argumentos populistas e de modernização forjados no discurso
do Banco Mundial de 1970: a educação amplia a produti- vidade individual e o
crescimento econômico geral, e garante a estabilidade política por meio de
maior igualdade. (1998, p. 474) Para Mundy, a agenda do FMI/Banco Mundial
tinha muito a ver com a velha. Embora em alguma medida nós apoiemos esta
visão, também concordamos com Cammack (2003), que argumenta que “algo
novo e significativo está acontecendo no nível da regulamentação global” e que
“as duas instituições estão buscando definir e exercer um papel relativamente
autônomo, promoven- do e sustentando um modelo para o capitalismo global”
(p. 39). Cammack interpreta a evidência como algo que sugere que a recente
atividade conjunta do FMI/Banco Mundial reflete um projeto para a
institucionalização e gerenciamento do capitalismo global, e que isso surgiu a
partir de um reconhecimento de que um “sistema capita- lista genuinamente
global gera contradições que não podem ser abarcadas apenas em nível
nacional, mesmo que pelos Estados mais poderosos” (p. 39). Desde o início da
década de 1990 e depois da virada para um pós-Consenso de Washington, o
esforço do Banco Mundial para aliviar a pobreza tinha como premissa a adoção
de políticas que ampliariam o escopo do mercado mundial e do alcance glo- bal
do capitalismo. Políticas posteriores, tais como Investing in Health (1993),
Workers in an Integrated World (1995), Knowledge for Development
(1989/1999) e Attacking Poverty (2000/2001), todas compunham um programa
abrangente para pôr em ação um conjunto de políticas impregnadas pelas
disciplinas e pela lógica de classe do capitalismo como se fossem inspiradas
pela benevolência. O FMI tem desempenhado um papel central aqui, no
sentido de que usa as condicionalidades de uma maneira seletiva e estratégica
para fortalecer as instituições do capitalismo globalmente (Cammack, 2003, p.
54). Embora as políticas delineadas acima tenham sido dirigidas para
remodelar os setores de política econômica e social em países de baixa e
média renda, o FMI/Banco Mundial também tem sido muito atuante na
promoção de políticas que constituem a educação como um novo setor de
serviços e de mercado. Em 2002, o Banco Mundial, jun- tamente com a OCDE,
realizou uma grande conferência sobre a educação e o General Agreement in
Trade in Services (Robertson, Bonal e Dale, 2002). Esta foi seguida em 2003
de uma grande iniciativa política, Life long Learning for the Global Knowledge
Eco momy, em que o banco argumentava que o acesso e as agendas de
qualidade das Metas de Desenvolvimento do Milênio deveriam ser atendidos
por meio do desenvolvimento de parcerias público-privadas e abrindo a
educação para empresas que visassem o lucro (ver também Tooley, 2003).
Esses processos de transformação da educação em mercadoria representam
uma significativa erosão da educação como algo que constitui um bem público
e um setor público. De maneira semelhante, o programa Conhecimento para o
Desenvolvimento, do Banco Mundial, tem buscado trazer à baila um imaginário
particular de desenvolvi- mento econômico que vê o investimento na educação
como a base para o crescimento e a realização de uma chamada economia
baseada no conhecimento. A fim de facilitar a implementação do modelo e
incorporar as economias do mundo todo nesse projeto, o Banco Mundial
desenvolveu uma Meto dologia de Avaliação do Conhecimento (ver Robertson,
2008), e declarou-se a parteira desse processo (Chen e Dahlman, 2005). Essa
Metodologia é composta de um conjunto complexo de indicadores baseados
em quatro pilares:

a) a implementação de uma infraestrutura de tecnologia digital;

b) um regime educacional em que há inves- timento significativo na educação


– especialmente na ciência e na tecnologia;

c) um regime econômico que reflete o livre mercado e princípios de


liberalização progressiva; e
d) um regime de sistemas de inovação que se dirige ao desenvolvimento de
instituições favoráveis à propriedade intelectual.

O interesse territorial do FMI/Ban- co Mundial se estende para muito além do


mundo em desenvolvimento. A Metodologia de Avaliação do Conhecimento
oferece indicadores e dados relacionais sobre países do mundo todo (da
Finlândia aos Estados Unidos, da Turquia à Tanzânia) e deve ser vista como
uma ferramenta estrategicamen- te seletiva que põe em cena os interesses do
capitalismo ocidental. É também uma ferramenta para estabelecer os meios
ideológicos institucionais que capacitam as economias desenvolvidas, para
gerar novos valores a partir dos serviços de conhecimento globalmente
(Robertson, no prelo, p. 19).

Desafio 2: O FMI/Banco Mundial e a política de economia do


conhecimento são “Teoria Crítica” ou “Resolução de problemas”?

Se nossa análise estiver correta, e o que estiver ocorrendo em nível global for o
projeto do FMI/Banco Mundial dirigido à institucionalização e ao gerenciamento
de uma arquitetura para o capitalismo global, então parece ser para nós que
esse é obvia- mente um caso de teoria crítica segundo Cox, e não de resolução
de problemas. Considerada sob esta luz, o caso da teoria de resolução de
problemas é tão interessante quanto revelador, pois parece agora ser mais um
reflexo da época em que foi introduzido do que o foi a teoria crítica. Pode ser
visto como algo que presume uma época em que as “políticas” eram o meio
dominante de “conduzir”, pelo Estado – de abordar os problemas dos sistemas
educa- cionais que eram tidos como nacionais; o Estado taxava, gastava e
criava as políticas, e as baseava em “soluções” oferecidas, em sua maioria, na
época, pelos acadêmicos, ou departamentos governamentais que sustentavam
a pesquisa acadêmica, normalmente em um “modelo de resolução de
problemas” (para uma crítica dessa aborda- gem e de suas consequências no
Reino Uni- do, ver Dale, 1994). Além disso, presume que os interesses de
classe são necessaria- mente orientados para a estabilidade, para a ordem e
para o status quo, como vemos nesta afirmação: “as teorias de resolução de
problemas podem ser representadas, na perspectiva mais ampla da teoria
crítica, como algo que serve aos interesses nacionais, setoriais e de classe que
se sentem confortáveis na ordem social estabelecida” (Cox, 1981, p. 129).
Embora os elementos dessa aborda- gem persistam, a natureza dos problemas
a serem abordados, as escalas pelas quais eles são abordados e os agentes
envolvidos nessa abordagem mudaram – como demonstramos no caso do FMI
e do Banco Mundial. Isso pode não estar claro de maneira imediata, já que a
terminologia usada para des- crever o que está ocorrendo frequentemente não
muda – mas seu significado está radi- calmente alterado. Como diz Gavin
Smith, “toda uma série de conceitos fundamentais para a compreensão da
sociedade deriva seu poder de parecer ser simplesmente o que sempre foi e
deriva sua instrumentalidade do fato de assumir formas bastante diferentes”
(Smith, 2006, p. 628). Isso se aplica com toda força a este caso.

Por exemplo, o Estado ainda está pre- sente como ator fundamental, mas se
tem um espaço estatal muito diferente daquele que se tinha há um quarto de
século. O Estado não mais opera nos mesmos espaços, como fazia quando
conduzia por meio de impostos, gastos e criação de políticas, mas por meio de
novas formas e técnicas de governança que incluem tanto uma agenda mais
ampla para a governança da educação (por exemplo, privatização, taxas)
quanto, especialmente, novos atores não pertencen- tes ao Estado. Os
problemas ainda precisam ser resolvidos, mas eles não são mais homogêneos
em sua forma com eram na era do pós-guerra, quando havia um amplo acordo
em nível nacional sobre as metas da educação. Uma maneira importante de
construir nosso argumento central neste capítulo é que embora os estados
estejam ainda envol- vidos na resolução de problemas da educação, eles não
estão necessariamente envolvidos na definição de todos os problemas a serem
abordados e nem são responsáveis isoladamente pela “solução” de todos eles.
Por essas razões, então, a resolução de problemas não pode mais ser vista
como “o ou- tro” da teoria crítica, e da mesma forma que ela ajudou a definir a
teoria crítica em sua formulação original, uma nova formulação do outro da
teoria crítica poderia ajudar-nos a ir em frente aqui.

Movimento 3: Visitar novamente a resolução de problemas e a teoria


crítica – a título de conclusão

Há dois movimentos relacionados que nós queremos referir aqui. Um deles diz
res- peito à reformulação da teoria da resolução de problemas para que reflita
uma espécie particular de elaboração de teoria/constituição do mundo e do
“outro” da teoria crítica. O segundo movimento é argumentar, brevemente, que
a teoria crítica precisa tanto en- fatizar seus interesses pelas condições mate-
riais da vida social quanto desenvolver uma dimensão mais explicitamente
normativa. O novo “outro” da teoria crítica, sugerimos aqui, pode não ser a
teoria da resolu ção de problemas, mas a teoria de enquadra mento de
problemas. Com isso, queremos dizer que em uma época neoliberal, em vez
de tomar o mundo como o encontra, o outro da teoria crítica toma o mundo
como ele o constrói. Sob o neoliberalismo, o mundo não mais é governado
pelos estados, ou em nível estatal, mas, em vez disso, também por meio de
atores globais como o FMI/Banco Mundial, a OMC e a OCDE. Os problemas
que os estados nacionais enfrentam, e seus meios de abordá-los, são ambos
enquadrados pelas instituições representativas do neoliberalismo. Assim, o
modo como nós vemos as prescrições e o conselho das or- ganizações
internacionais não tanto como contribuições da resolução de problemas, mas
como definições de problemas e intervenções de enquadramento.
Essencialmente, é por meio dessas agências que os estados enten- dem quais
são seus problemas reais. O melhor exemplo disso é a Economia baseada no
Conhecimento (ou as suas variações; a precisa formulação importa muito
menos do que a falta geral de conteúdo e precisão do termo, e sua
aplicabilidade ao mundo todo). O problema para todos os estados é fazer seus
sistemas de educação contribuírem para a efetividade máxima de sua
participação na Economia baseada no Conhecimento global. A resolução de
problemas está, assim, aparentemente retida em um nível nacional, mas, como
veremos, isso se torna cada vez menos baseado em fatos, ao mes- mo tempo
em que o aparecimento da autonomia nacional serve para ocultar as fontes
reais dos problemas e do poder. Isso possibilita-nos redefinir o enfoque e a
tarefa da teoria crítica. Anteriormente, ela era contrastada com uma teoria de
resolução de problemas que tomava o mundo como ele estava, e seu propósito
principal era o de tornar problemático o que a teoria da resolução de problemas
dava como certo ou consignava como condição ceteris pa ribus. Contudo, em
uma época em que seu opositor é a teoria de formatação de proble- mas, que
constrói um mundo de determi- nadas maneiras, sua problemática está da
mesma forma transformada, em dois níveis. Ela tem que examinar tanto quanto
buscar revelar o jogo do poder no estágio da for- matação do problema, e
analisar os meios de governança – e especialmente o papel do Estado nisso –
pelos quais esses problemas são abordados e suas “soluções” formata- das. Já
apontamos as atividades do Banco Mundial e do FMI como exemplos do
primeiro nível. O segundo implica identificar tanto os modos pelos quais o
neoliberalismo tem sido “constitucionalizado” (Gill, 2003; Jayasuriya, 2001),
quanto os discursos e as estruturas de mediação por meio dos quais as
soluções são formatadas e implementadas, juntamente com os efeitos
autônomos e contingentes destas (ver Dale, 2008b). Poderíamos considerar
essa virada como reflexo de uma mudança no papel dos Estados da
seletividade estratégica para a estrutural, com a seletividade estrutural sendo
agora vista muito mais claramente como algo que ocorre no nível do próprio
sistema capitalista. Em segundo lugar, uma perspectiva teórico-crítica precisa
continuamente dei- xar claro “para quem” e “para que propósito” ela está
trabalhando. Também preci- sa ser mais articulada e explícita quanto a seus
propósitos, não no sentido de “ver” mais claramente objetos, acontecimentos e
relações sociais (reconstrução), mas ver que o fulcro do criticismo é revelar as
relações sociais a fim de mudá-las. Em outras palavras, a teoria crítica precisa
ligar-se mais firmemente às suas raízes materia- listas históricas. Conforme
Nancy Fraser argumentou em seu ensaio sobre a teoria crítica em 1985, neste
caso em relação ao gênero, uma teoria social crítica enquadra seu programa
de pesquisa e sua moldura conceitual com um olho nos objetivos e atividades
desses movimentos sociais opositivos com os quais ela tem uma identificação
partidária, embora não acrítica. A questão que ela faz e os mo- delos que ela
elabora são informados por esta identificação e interesse. Pois, por exemplo,
se as lutas que contestam a subordinação das mulheres figurassem entre as
mais significativas de uma dada época, então uma teoria social crítica de tal
época objetivaria, entre outras coisas, lançar luz sobre o caráter e as bases de
tal subordinação. Ela empregaria categorias e modelos explicativos que
revelariam, mais do que ocultariam, as relações de dominância masculina e
subordinação feminina. E desmistificaria como abordagens ideológicas rivais
aquelas que ofuscassem e racionalizassem essas re- lações. Nesta situação,
então um dos padrões para avaliar a teoria crítica, já que ela tem sido sujeita a
todos os testes normais de adequação empírica, seria: a teoria crítica teoriza
bem ou não a situação e as perspectivas do movimento feminista? O quanto a
teoria crítica ser- ve ao autoesclarecimento das lutas e dos desejos das
mulheres de hoje? Isso requer uma compreensão do que “deveria” ser; de qual
seria a base para um modelo alternativo de ação. Ao dizer isso, nós estamos
cientes das mais de duas déca- das de debate sobre o problema das meta-
narrativas, e nós não queremos re/instalar velhas injustiças. De fato
acreditamos, po- rém, que uma considerável distância já foi percorrida no
pensamento das molduras voltadas à justiça social, tais como a que foi posta
por Nancy Fraser (2005), na apresentação conjunta das políticas de
redistribuição, reconhecimento e representação, como fundamentos de uma
ordem social mais justa. Por redistribuição, Fraser está se referindo aos
mecanismos institucionaliza- dos para garantir que as condições materiais da
vida atreladas à produção e os limites que cercam a reprodução social
(trabalho de casa, sexualidade, reprodução) sejam moldados por princípios
informados por um imaginário socialista – de igualitarismo e solidariedade (p.
298); por reconhecimen- to, ela se refere aos mecanismos pelos quais as
diferenças são reconhecidas positivamen- te (em oposição à negativamente,
por meio do status e das hierarquias); e, por repre- sentação, Fraser se refere a
tornar evidentes os locais e os mecanismos para a realização de reivindicações
políticas que surgem das mudanças de escalas e das molduras estado-
territoriais dos desdobramentos globalizantes e transnacionais (p. 304-305). E,
embora ela argumente que o desenvolvimento de tal política tridimensional não
seja fácil, trata-se de um importante avanço ou movimento crítico. Da mesma
forma, concluímos argumentando que os processos de globalização, o
reescalonamento da educação e os espa- ços emergentes de governo
requerem não apenas uma nova abordagem conceitual, mas que esta é um
passo necessário a fim de pôr em cena e capacitar uma agenda poten-
cialmente transformadora para a análise da política educacional crítica.

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