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DUGUET, Anne Marie. “Dispositifs”. Vídeo Communications no. 48, Paris.

1988
Tradução de Fernanda Gomes

DISPOSITIVOS

O tempo da defesa “encrespada” do vídeo acabou. Ninguém mais tenta buscar sua
essência para além de considerações técnicas elementares, não há mais batalhas perdidas pela
definição de um território necessariamente incerto. Hoje é mais importante delimitar certas
problemáticas fundamentais do que estimular os artistas a utilizar essa mídia. Nem os
desenvolvimentos técnicos nem as estratégias industriais nem os efeitos de moda permitem
dar conta desse interesse com simplicidade. O problema não é mais o da natureza do vídeo
mas o de sua contribuição para a arte infinitamente plural das últimas duas décadas.
Precisamos, pois, retornar ao contexto de seu aparecimento para abordar o modo como ele
participou das investigações críticas e autocríticas sobre o estatuto da arte e sobre a
representação, que eram então uma questão dominante. Foi certamente por meio das
experimentações relativas aos dispositivos que o vídeo contribuiu de maneira mais viva para o
desenvolvimento de novas concepções da obra de arte contemporânea. Num grande número
de instalações que encenam a representação, o teatral se revela como uma categoria central, a
um só tempo princípio crítico e modo de existência da obra.
O vídeo surge em um contexto artístico radicalmente à margem do modernismo tal
como o defendia Clément Greenberg.(1) O formalismo suscitado pela obsessão da
“especificidade” (cada arte só devia fazer uso dos meios que lhe eram próprios) e a autonomia
da obra em relação a todo contexto eram também preocupações estranhas ao desenvolvimento
do Happening nos anos 1950, à Pop Art e depois à Nova Dança, à Performance e à Arte
Minimalista.
O vídeo dos artistas começa com o Fluxus, iniciativa de alguns alunos de John Cage
no começo dos anos 1960. O Fluxus não se define como um movimento, “é um modo de
vida”. “Não é um conceito artístico”, diz Nam June Paik. (2) Com espírito dadaísta ou Zen,
ele se manifesta essencialmente em concertos-happening, em exposições ou ainda em
manifestos. Os rituais da arte e suas instituições, a própria noção de obra de arte, bem como o
mercado por ela autorizado, são então submetidos a uma derrisão e a uma desmistificação
sistemáticas. É acima de tudo a separação entre a arte e a vida que se tenta superar. Não se
trata de objetos mas de acontecimentos que propõem outras relações com o público. Também

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não se trata de artistas profissionais. Qualquer coisa pode substituir a arte e qualquer um pode
fazer isso. Se a música desempenha um papel dominante com a participação decisiva de John
Cage, apela-se para todas as técnicas, para todos os materiais. Como disse Joseph Beuys,
“tudo podia ser aproveitado, do ato de rasgar um pedaço de papel à formulação de idéias
visando à transformação da sociedade”. (3) Música, artes plásticas, dança, poesia se
encontram então estreitamente ligadas. É nesse contexto que Nam June Paik e Wolf Vostell
integram o vídeo às suas performances, além de realizarem suas primeiras instalações com
televisores.
É, porém, apenas no final dos anos 1960 que, tanto nos Estados Unidos quanto na
Europa, o vídeo começa a ser mais amplamente utilizado. A cena artística se caracteriza então
por uma profusão de tendências e de dominações cujos projetos, sob diversos aspectos, se
recobrem e contribuem para questionamentos semelhantes.
O vídeo participa de quase todas as correntes: Arte Conceitual, Performance, Body Art
ou Land Art... Ele está em todas as festas, implicado em todos os rótulos. Memória de uma
performance (mas de saída o instrumento impõe seus próprios dados e o registro engaja a
própria obra), única manifestação sensível de uma proposta conceitual, elemento entre outros
de uma realização multimídia, ele se afirma também como a mídia essencial de novas obras.
Entretanto, sua posição é paradoxal. Aliado à dança, à música, às artes plásticas, ele é
incialmente impuro. E um dos aspectos essenciais da arte desse período reside no fato de ter
operado as mais diversas desenclausurações. Por outro lado, recém-chegado no campo
artístico, ele é intimado por alguns tenazes defensores do modernismo a provar sua
especificidade e a proceder à sua autodefinição. Se várias realizações parecem explorar
questões puramente formais a partir de princípios técnicos específicos, como a transmissão ao
vivo, as obras mais fecundas parecem dedicar-se a um trabalho crítico de alcance mais geral.
Elas convocam contexto e referência, realizam-se por meio de hibridações múltiplas e de
confrontações que ultrapassam amplamente os limites “territoriais” de cada arte para pôr em
causa os limites da própria arte.
É essencialmente a partir de um duplo deslocamento das problemáticas artísticas,
durante os anos 1960, que é possível compreender o interesse suscitado pelo vídeo. De um
lado, a percepção da obra e sua experiência pelo espectador constituem a questão
determinante. Os artistas da Arte Minimalista contribuíram decisivamente para essa
abordagem. De outro lado, o conceito da obra é tido como o essencial. Essa foi em particular
a posição dos artistas ditos conceituais, que chegava por vezes à recusa de qualquer produção
material.

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De um pólo ao outro, a obra é reposta em causa em seus fundamentos tradicionais,
como objeto único, acabado, autônomo. Desenvolvem-se então modalidades de criação como
a performance e a instalação, que também dominarão a produção em vídeo. Ressaltaremos
aqui os laços estreitos que elas mantêm com o teatro para avançar a hipótese de que
realizaram de certa forma alguns projetos essenciais do teatro experimental da época, tais
como a exploração de novas relações com o espectador, solicitado a cada vez de maneira
diferente, ou a instauração de outras lógicas discursivas.

Experiência da obra/ Experiência de teatro

Arte na qual se entrecruzam diferentes disciplinas e principalmente arte do tempo, o


teatro ressurge com força nas novas abordagens. O que um crítico modernista como Michael
Fried censurava nos artistas da Arte Minimalista era sua incapacidade de, em meio à
manifestação do caráter objetal das obras, defini-las como pintura ou escultura. E o teatro é
precisamente “o que se encontra entre as artes”. (4) O veredicto de Michael Fried é claro: tudo
o que dele se aproxima perde a legitimidade modernista. “A adesão literalista pela objetidade
é de fato apenas um pretexto para um novo gênero de teatro, e o teatro é agora a negação da
arte”. (5)
Na verdade, essa obstinação de Fried contra o teatro diz respeito acima de tudo à
necessária implicação do público e à dependência da obra em relação a ele. O que é
denunciado é a cumplicidade “extorquida” do espectador por uma “espécie de presença
cênica” da obra minimalista. Fried aponta com suas condenações um aspecto efetivamente
essencial dessas experimentações: o deslocamento radical da atenção para a experiência da
obra, que se aproxima, do modo como ele a descreve, de uma “experiência de teatro”. “A
sensibilidade literalista é teatral primeiramente por levar em conta as circunstâncias reais do
encontro com a obra de arte literalista e seu espectador.” (6)
A “instalação” que autoriza essa experiência se torna então uma propriedade
fundamental da obra. Em suas “Notes on Sculpture”, (7) Robert Morris define alguns dados
essenciais desta nova concepção de “obras em situação”, cujo estatuto dificilmente pode ser
atribuído a partir de uma categoria já existente. Ele defende, de um lado, objetos de grandes
dimensões que solicitem uma participação física mais ativa do visitante do que o modo íntimo
e, de outro lado, o uso de formas conhecidas, facilmente identificáveis, de maneira que a
atenção não se fixe no objeto mas em sua própria situação, e que assim o espectador se veja
mais diretamente remetido à sua própria atividade perceptiva. O pequeno número de

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elementos em jogo, seu caráter freqüentemente geométrico e repetitivo, esta “economia dos
meios” por meio da qual, com demasiada simplicidade, a obra minimalista foi qualificada não
estão ligados a um culto da sobriedade ou a um ascetismo obsessivo mas a uma concepção da
obra como sistema relacional. De acordo com Morris, “o objeto nada mais é do que um dos
termos na nova estética. De uma certa maneira, ela é mais reflexiva, porque temos mais
consciência de que existimos no mesmo espaço da obra do que tínhamos diante de obras
anteriores, com suas múltiplas relações internas. Percebemos melhor do que antes que nós
mesmos estabelecemos relações enquanto apreendemos o objeto a partir de diferentes
posições e sob condições variáveis de luz e de espaço.” (8) A obra é assim concebida a partir
de parâmetros elementares susceptíveis de manter relações constantemente modificadas. As
variáveis enunciadas por Morris (“objeto, luz, espaço e corpo humano”) (9) lembram a
hierarquia dos elementos da realização teatral proposta no início do século XX por Adolphe
Appia: “ator, espaço, luz, pintura”. As instalações de vídeo acrescentarão seu termo próprio: o
dispositivo eletrônico.
O que é novamente posto em questão nas proposições do minimalismo tal como
formuladas por Robert Morris é a noção de um ponto de vista privilegiado. Essa era também
uma das preocupações essenciais do teatro dos anos 1960, e foi traduzida pela invenção de
múltiplos dispositivos que autorizavam a simultaneidade das cenas, como a dispersão dos
locais de representação, ou a condução do espectador ao longo de um percurso. Da mesma
forma, a instalação de vídeo propõe que o visitante se desloque em torno, diante ou através da
obra, destacando a relação entre a obra minimalista e a teoria da relatividade: “pois é o
observador que muda continuamente a forma ao mudar sua posição em relação à obra”, (10)
diz Morris.
A exploração física se tornou o modo privilegiado de percepção da obra. Assim, sua
experiência “se faz necessariamente no tempo”. (11) O que também relança a condenação
modernista: “a preocupação literalista relativa ao tempo – mais precisamente, relativa à
duração da experiência – é a meu ver teatral no sentido paradigmático”. (12) Para Michael
Fried, a obra deve oferecer-se instantaneamente, convencer sem demora. Ora, as novas obras
não acreditam na revelação, elas negam as categorias a priori do espaço e do tempo e se
constroem progressivamente, a partir de ajustes múltiplos, de um trabalho da memória e
também de posturas antecipatórias.
A obra não mais se oferece à primeira vista (sob a condição de que isso também não
seja um mito), apresentando-se essencialmente como um processo realizado ao mesmo tempo
pelas modalidades de sua percepção e pelas modalidades de sua produção. Ela é “obra aberta”

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por excelência, no sentido de que se presta a uma infinidade de interpretações, de que não
poderia mais ser um produto acabado, de que cada uma de suas atualizações implica a
variação.

O conceito da obra

O projeto dos artistas conceituais reside em solicitar acima de tudo a atividade mental
do espectador, em deslocar a atenção que ele dirige normalmente ao objeto de arte para seus
pressupostos, para os princípios que presidem à sua concepção. De acordo com Sol Lewitt,
“na arte conceitual, a idéia ou conceito é o aspecto mais importante da obra. Todos os planos
e decisões são definidos previamente e a execução é uma questão sem importância. A idéia se
torna uma máquina que fabrica arte”. (13) O essencial está, assim, na matriz, no conjunto das
regras e disposições susceptíveis de engendrar a obra, ou simplesmente de pensá-la. Assim, a
linguagem, a descrição, a notação, o documento podem substituir o objeto, levando com ele a
própria noção de original.
Para Joseph Kosuth, a verdadeira natureza da arte está em sua definição, a arte só pode
ser conceitual. Isso logicamente o levou, junto com os Artistas de Arte – Linguagem, à
eliminação da manifestação sensível do objeto de arte em proveito apenas das “proposições”.
(14) Essa atitude radical não deve, contudo, fazer com que se esqueça de outras práticas que,
ao mesmo tempo em que davam uma importância particular à elaboração conceitual, não
renunciavam a uma realização concreta. Mais do que um abandono do objeto (ou do que uma
“desmaterialização” da arte, como antecipavam então Lucy Lippard e outros críticos), valeria
mais a pena falar de uma abertura, de uma diversificação das atualizações possíveis dos
conceitos: texto, foto, documento, mapa, gráfico, filme, telegrama, cartão postal, corpo, vídeo
etc.
O propósito de pôr em evidência, por meio da própria obra, o funcionamento, o
estatuto e os debates em torno da representação lança um desafio à crítica tradicional. Oferece
a ela acontecimentos, processos que expõem eles próprios suas condições de possibilidade,
obrigando-a assim a prosseguir em nível metacrítico.
O vídeo aparece então como um instrumento privilegiado desses questionamentos. Ele
não passa de um processo, pura virtualidade de imagens. É um sistema de representação, e
não um objeto, que se expõe nas instalações. Ao mobilizar o corpo inteiro na compreensão de
uma certa gênese da imagem, estas se tornam o lugar em que conceito e percepto podem ser
pensados e experimentados de outra maneira. Ainda que muito diversas entre si, as obras de

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alguns pioneiros americanos nesse domínio – como Bruce Nauman, Dan Graham, Peter
Campus, Bill Viola, Michael Snow ou Keith Sonnier – constituem um corpus crítico
sistemático no qual a abordagem fenomenológica, precisamente, é retomada por um
procedimento epistemológico. Da grande diversidade do que é chamado de instalações de
vídeo, estudaremos aqui apenas aquela pequena parte em que os dispositivos, tal como
trabalhados no início do vídeo, entre 1969 e 1975, foram o desafio essencial da obra.
Abordaremos essas obras essencialmente do ponto de vista de uma interrogação sobre a
representação.

O dispositivo

Aquém da imagem, aquém dos modelos narrativos e das questões de estilo, essas
instalações se apropriaram dos diferentes modelos de representação para confundi-los e
reencená-los. Nesse sentido, elas recobrem as pesquisas realizadas em um grande número de
filmes experimentais e assumem, a seu turno, a função crítica que diversas abordagens
artísticas se outorgam nos anos 1960. A imaginação de dispositivos de captação, produção e
percepção da imagem e do som aparece então como um paradigma essencial do vídeo. O
importante não é produzir uma imagem a mais, mas tornar manifesto o processo de sua
produção e revelar as modalidades de sua percepção por meio de novas proposições.
A noção de dispositivo é aqui central. Ao mesmo tempo máquina e maquinação (no
sentido da méchanè grega), todo dispositivo visa à produção de efeitos específicos. Esse
“agenciamento dos efeitos de um mecanismo” é de início um sistema gerador que estrutura a
experiência sensível a cada vez de maneira específica. Mais do que uma simples organização
técnica, o dispositivo põe em jogo diferentes instâncias enunciadoras ou figurativas, ele
implica tanto situações institucionais quanto processos de percepção. Se o dispositivo é
necessariamente da ordem da cenografia, ele não é por isso apenas o resultado das instalações.
Nos filmes atualizam-se também certas regulagens do olhar ou modos particulares de
implicação do espectador.
Muitas obras experimentaram o dispositivo cinematográfico por meio da multiplicação
de telas, da exploração de outras superfícies de projeção (corpos, espelhos, os próprios objetos
em movimento....), da invenção de diversos sistemas de captação de imagem. (15) De um
lado, porém, questões de ordem técnica (por exemplo: a duração limitada das bobinas de
filmes que condena a uma imagem em circuito, a necessária escuridão do espaço etc.) limitam
as modulações a que pode estar submetido um tal dispositivo. De outro lado, esse dispositivo

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responde a normas fortemente instituídas: uma projeção frontal sobre uma tela grande numa
sala escura na qual o espectador fica “imobilizado” em uma poltrona entre a tela e o projetor.
Uma máquina de ficção como essa aceita variações ínfimas. De fato, as exigências do
processo de identificação, uma certa economia espectante ligada à narração, determinam esse
dispositivo. É essencialmente desse ponto de vista, aliás, que ele foi considerado nos trabalhos
teóricos de Christian Metz, de Jean-Louis Baudry ou de Thierry Kuntzel. (16) Apenas o
cinema experimental “literal”, “a-narrativo”, era susceptível de interrogar mais diretamente
esse funcionamento.
O dispositivo eletrônico oferecia aos artistas uma grande liberdade no agenciamento
dos diferentes elementos que o constituem (autonomia da câmara e do monitor, objeto-
imagem que pode ser deslocado/ colocado em qualquer lugar...), uma gama mais vasta de
modalidades de difusão (vídeo-projetores que reproduziam as condições do cinema, mas
também monitores cuja imagem era independente da luz ambiente). Não há uma maneira de
ver televisão. E foi exatamente a maleabilidade do vídeo, a diversidade de configurações a
que ele se presta, que incitou os artistas a utilizá-lo. Um parâmetro ainda é no entanto
determinante para explicar por que lhe coube essencialmente a função metacrítica: a
possibilidade de uma confrontação imediata entre a produção da imagem e essa mesma
imagem por meio da transmissão ao vivo. Assim, o dispositivo pode ser a um só tempo
conceito da obra e instrumento de uma propedêutica.
Uma certa categoria de instalações de vídeo pôde assim cumprir o papel de analisar o
que constitui os fundamentos da representação dominantes desde o Renascimento, elaborados
de acordo com o modelo perspectivista e prolongados na concepção e nas regulagens das
diversas câmaras atuais. Não é precisamente nem o cinema nem a pintura nem a fotografia
que o vídeo submete a um reexame minucioso, mas os dispositivos originários, sejam eles
míticos ou não, da caverna de Platão à tavoletta de Bruneleschi, do vidro de Leonardo à
portinhola de Dürer, da câmara escura aos sistemas modernos de vigilância. O vídeo, último
meio de reprodução, reencena assim toda uma história das representações. Ele opera
principalmente pela mise-en-scène. É o teatro do ver/ perceber que ele constitui ao dramatizar
o dispositivo, ao considerá-lo através de diversos papéis. A mímesis teatral é convocada em
sua função heurística. O simulacro permite experimentar o modelo, revela o que não é
manifesto, produz o inteligível, segundo um princípio próximo ao da “atividade estruturalista”
dos anos 1960 tal como definida por Roland Barthes. (17)
Se a instalação é o meio privilegiado dessa reflexão, é pelo fato de poder “expor” o
próprio processo de produção da imagem, é por trabalhar sua ficção num espaço real. Como o

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objeto da arte minimalista, a imagem é posta em situação e não passa de um termo em uma
relação que põe em jogo conjuntamente a máquina ótica e eletrônica (uma fonte de luz, uma
câmara e um monitor ou um vídeo-projetor), o espaço ambiente ou uma arquitetura específica
e o corpo do visitante retomado na imagem ou simplesmente implicado na percepção do
dispositivo.
O método consiste em isolar e em estender no espaço os constituintes elementares da
representação para em seguida reorganizá-los, reposicioná-los segundo novas configurações.
Ele realiza dissociações primeiras da “costruzione legittima”, a do ponto de vista e a do ponto
de fuga, a do plano do quadro (parede, tela...) e a do centro organizador etc. Ele os desdobra,
os desloca, produz desvios específicos. Assim, por meio da imagem ele recupera a cena numa
dimensão perdida, ele a restabelece em sua tridimensionalidade, criando um espaço penetrável
e praticável no qual novas relações podem ser encenadas. O espaço da superfície da imagem
contraído no instante é aqui dilatado para a observação, submetido a uma espécie de câmara
lenta. Para ver melhor, ver de outra maneira, fazer ver o ver. A instalação cria um “retardo”
em vídeo para parafrasear o que Duchamp dizia do Grande Vidro. Ao difundir ao vivo a
imagem resultante desse novo agenciamento, ela confronta dois espaços de ficção, o da cena
em que espectador evolui o e o da imagem que, a seu turno, se redobra, procede a uma
tentativa de recobrimento, de reajuste dos desvios, ao retomar em sua bidimensionalidade o
espaço ambiente e fechar o circuito.
A máquina eletrônica produz essas transformações por meio de ao menos três
operações essenciais:
- ao testar o espaço com o tempo, ao submetê-lo aos jogos do registro ao vivo, às
sutilezas do falso ao vivo ou do levemente diferido, do passado ou do futuro anterior,
convertendo o ponto de fuga em ponto de tempo, tornando as perspectivas “relativas”;
- ao confrontar ao espaço virtual, imaterial, da eletrônica, espaços de referência:
construções ou elementos de arquitetura;
- ao fazer do corpo do visitante o instrumento privilegiado da exploração, isto é, da
revelação do dispositivo: é ele quem o ativa e vai desfazer seu enigma.
Essas máquinas conceituais convocam o corpo em suas encenações para experimentar
tanto o processo de representação quanto modalidades diversas do ver/ perceber. Elas criam
condições de experiência particulares nas quais o corpo inteiro é mobilizado na atividade de
percepção.
Os modelos que fundam as artes de representação no Ocidente são assim expressos e
deformados segundo procedimentos diversos e figuras estruturadas principalmente por meio

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de séries de oposições entre ver e ser visto, interior e exterior, privado e público, presença e
ausência, duas e três dimensões, presente e passado etc. Eles são primeiramente revelados por
meio de jogos de ausência, de dissociação e de espera: privação da imagem, instabilidade,
duplicação, recobrimento parcial, distorção. A imagem não é mais dada frontalmente,
segundo regulagens de percepção habituais, ela deve ser desde então merecida, ela se faz
desejar. E se um desejo como esse pode ser produzido fora de uma ficção clássica, é porque a
pulsão escópica se nutre da própria imagem do espectador, é porque essa imagem, sempre
retomada, é para ele a promessa de sua própria imagem, exibida para outros olhos,
desculpabilizada, legitimada pelo contexto artístico. Fundada no fechamento do dispositivo
videográfico pelo feedback e pelo processo de autocontemplação por ele instaurado, Rosalind
Krauss considerou o narcisismo como uma característica definitória do vídeo. (18) Sem aderir
completamente a uma generalização que “psicologiza” o meio, mas reconhecendo a
importância desse processo em um grande número de obras, consideramos o investimento
narcísico sobretudo como um motor essencial para o funcionamento do dispositivo, como um
gerador de energia que autoriza a experimentação de uma obra cujo desafio é também a
descoberta de suas próprias regras.
Esse modelos estão também submetidos a procedimentos de “desconhecimento” por
cruzamento, como, por exemplo, quando se enxertam os princípios da tavoletta nos da câmara
escura. Dar visibilidade ao que constitui o visível passa, nessas obras, por um deslocamento
de um sistema para um outro e por meio de surpreendentes hibridações.
Encaixes, integrações, reviravoltas, reduplicações, transgressões são feitos por meio
destes permutadores/ operadores privilegiados que são o corpo, a arquitetura, a imagem e o
tempo.

A vigilância como dispositivo de referência

O questionamento do sujeito na filosofia e na arte contemporâneas assumiu os


aspectos mais diversos, freqüentemente contraditórios ou ambíguos. Se alguns artistas se
propunham eliminar da obra toda subjetividade, era geralmente para convocar o espectador
como sujeito da percepção. O autor não poderia mais ser o fiador do sentido da obra, ele não
assume mais sozinho a responsabilidade por ela. É definitivamente o sujeito o principal
desafio dessas diversas experimentações eletrônicas, e são a estabilidade, a centralidade do
ponto de vista, sua posição de exterioridade que são testadas, questionadas, abaladas.

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Na quase totalidade das instalações de vídeo que utilizam o registro ao vivo, a câmara,
esteja ela fixada num tripé, numa parede ou em outro lugar, funciona de maneira autônoma. O
sujeito se ausenta e delega seu olhar à máquina. É esse o princípio da vigilância por vídeo.
Não se trata, contudo, de uma nova categoria sob a qual poderíamos subsumir um
certo número de obras. Se várias delas de fato se referem explicitamente ao dispositivo de
vigilância, não se deve esquecer que ele é constitutivo de todas as instalações que funcionam
em circuito fechado (lembremos ainda que as câmaras de vigilância industriais ou policiais
estiveram entre os primeiros equipamentos que artistas puderam utilizar para suas
instalações).
A vigilância tem por base alguns princípios elementares que o dispositivo eletrônico
apenas aperfeiçoa ou completa:
- a onividência: trata-se de cobrir o campo mais vasto possível e ao menos os lugares
estratégicos susceptíveis de quebrar o fechamento do sistema: as saídas (portas, janelas...).
Nada nem ninguém deve escapar. As câmaras têm geralmente visão panorâmica, estão
situadas no alto e podem girar sobre vários eixos;
- a continuidade: não há interrupção do registro, a varredura é constante, com ou sem
movimento. Tudo, a todo momento, é susceptível de ser interpretado como um
acontecimento, pode ser seu signo;
- o automatismo: a câmara é pilotada à distância ou seus movimentos são pré-
programados, são nítidos, secos, mecânicos. Operam um esquadrinhamento preciso e
sistemático do espaço;
- a invisibilidade do observador: a câmara é apenas um olho, visível ou não, que
funciona sem presença humana. Essa presença está em outro lugar, no posto de controle.
Confrontados a essa “visão sem olhar”, jamais sabemos se estamos efetivamente sendo
olhados, mas o fato de poder sê-lo a todo instante basta para criar o sentimento de sê-lo em
permanência. É esse o princípio do “Panóptico” de Jeremy Bentham (século 18), analisado
por Michel Foucault. (19) O que torna o funcionamento desse controle extremamente eficaz é
precisamente a invisibilidade dos observadores em sua torre central;
- a circularidade: à da arquitetura panóptica corresponde a do dispositivo eletrônico: o
circuito fechado de televisão, o circuito da transmissão ao vivo;
- a dissociação do ver e do visto. Por sua possibilidade de transmissão à distância, o
vídeo aperfeiçoa o sistema ao dissociar totalmente o lugar de observação e o lugar observado.
Se a instantaneidade da captação e do olhar é preservada, a contigüidade dos espaços não é
mais necessária;

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- a reversibilidade dos espaços: interior e exterior se comunicam, se permutam, se
integram.
Assim, as instalações que exploram o registro ao vivo atuam com esse sistema, quase
ontologicamente. Elas respondem sempre a pelo menos um ou dois princípios que definem a
vigilância. Esta, no entanto, raramente é nelas tratada como tal, isoladamente. Ela participa de
abordagens complexas, que implicam elementos ficcionais, a exploração de conceitos
relacionados com o espaço e com o tempo, com a percepção, com as relações privado/ público
etc, que interpelam o espectador ao mesmo tempo como sujeito e como objeto.

Visão automática e panóptica

Algumas obras citam o dispositivo panóptico diretamente ao trabalharem o princípio


de captação da imagem, a autonomia da tomada e a globalidade do olhar.
De La (1969-1972) é uma instalação de vídeo realizada por Michael Snow com a
máquina que ele havia utilizado em La Région Centrale. Nesse filme, a câmara é colocada
sobre um braço articulado adaptado a um eixo central. Ela pode assim varrer a totalidade do
espaço ambiente, filmar continuamente em todas as direções e girar sobre si própria para
produzir efeitos de espirais, trajetos oblíquos, traçando uma espécie de labirinto aéreo. Essa
máquina de ver a partir de ângulos que seria impossível ao olho humano adotar é colocada
sozinha no centro de uma vasta paisagem selvagem da qual todo ser humano está ausente e
que ela registra como o testemunho último de uma natureza ainda não destruída, dominada
apenas por ela com seu olhar panóptico. Michael Snow consegue produzir assim sensações
singulares, particularmente uma impressão de imponderabilidade, uma flutuação perceptiva
entre o centro e a periferia, a ilusão de que nós mesmos giramos ou de que a paisagem gira em
torno de nós. (20)
Com De La, mudando de meio e de contexto, Snow inverte a situação ao mesmo
tempo em que desenvolve a problemática primeira. A máquina, adaptada para a câmara
eletrônica, é exposta numa galeria, sobre uma base circular de madeira pintada e cercada por
quatro monitores – como por quatro pontos cardeais – que transmitem ao vivo a imagem
captada. O que é então exibido é a simultaneidade entre a gênese das imagens e as próprias
imagens. “De La diz respeito precisamente ao fato de ver a máquina produzir aquilo que se
vê”, (21) o que normalmente é eliminado de todas as realizações cinematográficas ou
televisivas.

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Michael Snow apresenta também essa máquina como uma escultura, um objeto
dinâmico, metálico, cujo próprio movimento é belo. É, por outro lado, uma escultura sonora:
o ruído regular produzido pelos movimentos de rotação é essencial. Confere à máquina mais
presença, significa-a como tal, contribuindo para deslocar a atenção da representação para o
processo de sua constituição.
Principal objeto da exposição, essa máquina está ausente da imagem, diferentemente
do que ocorre no filme, onde por vezes ela apreende sua própria sombra. Mas ela se reduplica
aqui de uma outra maneira, ela se cita através de seus próprios efeitos quando cruza em seu
campo com uma tela e retoma a própria imagem em um breve efeito de feedback.
Enfim, uma vez que o espaço da galeria se abre amplamente para o exterior através de
vidraças, a câmara procede ao longo de sua varredura a uma integração do espaço urbano
ambiente e do próprio espaço da exposição. A obra se constrói, pois, a partir de um conjunto
de proposições que fazem sua complexidade e engajam necessariamente o espectador em um
novo processo de percepção do espaço.
A proposta da instalação Allvision, de Steina Vasulka, é semelhante. Duas câmaras
voltadas para o centro do espaço ficam situadas de um lado e do outro de um eixo que gira
lentamente, e captam ao mesmo tempo o reflexo da sala sobre um espelho esférico colocado
entre elas e uma parte do ambiente. As duas imagens são difundidas ao vivo em dois
monitores. Uma máquina de ver autônoma, funcionando sem operador humano e explorando
o conceito de “visão total” do espaço. “Eu queria criar uma visão que visse o espaço inteiro
todo o tempo”, (22) diz Steina Vasulka. Essa vigilância/ análise do espaço manifesta também
uma vontade de liberar a câmara de toda subjetividade, dissociando-a de um ponto de vista
humano e atribuindo as decisões de seleção apenas ao mecanismo pré-regulado, à
programação dos movimentos. Mas a questão em jogo na obra diz respeito essencialmente a
efeitos perceptivos particulares. O visitante é levado a confrontar o espaço da galeria com a
máquina central, uma vez que esse espaço e ele próprio se refletem na esfera e que o conjunto
é enfim captado na bidimensionalidade da tela do monitor e depois devolvido ao quadro, à
fragmentação.

Reviravolta do olhar

Outras obras encenam a própria posição do sujeito no dispositivo da representação e


questionam o estatuto do olhar. Ao proceder a uma série de reviravoltas nas quais o

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observador se torna ao mesmo tempo o observado, elas deslocam o centro organizador da
cena.
Ao utilizar a tavoletta de Bruneleschi, o espectador, rejeitado para o exterior, observa a
cena através de um buraquinho feito no reverso da pintura no local do ponto de vista e do
ponto de fuga, pintura cujo reflexo ele não vê no espelho posto diante dela. (23) Peep Hole,
(24) de Bill Viola, também convida o espectador a olhar por uma pequena abertura
ligeiramente descentrada (primeira deformação) e grosseiramente feita (segunda deformação)
ao nível do olhar numa construção fechada. Mas o que ele então percebe é apenas o reflexo de
seu próprio olho em um espelho situado no lado oposto. No mesmo instante, esse olhar é
captado por uma câmara e projetado no exterior da caixa ótica nas próprias costas daquele que
olha. Maneira humorística de fechar o circuito do olhar recolocando-o ali onde ele não pode
estar por meio da projeção de sua própria imagem. O espectador que adota a postura do
voyeur se surpreende, portanto, ao ver-se na caixa ótica. Mas ao mesmo tempo seu ver lhe
escapa. Ele é visto por outros nessa atividade voyeurista sem dominar essa imagem, sem nem
mesmo suspeitá-la se for o primeiro a lançar-se para a abertura. Não se trata mais de uma
experiência privada, ela se torna pública, entregue a outros olhares por detrás dele. Opera-se
aqui uma tripla transformação que confronta a vigilância eletrônica, a tavoletta e a câmara
escura. No modelo primitivo desta, o buraquinho feito numa parede se destina a deixar que a
imagem entre do exterior para projetar-se invertida na parede oposta. Em Peep Hole, apenas o
olhar penetra e a imagem que se forma é simplesmente invertida pelo espelho. E o mais
importante é que ela é instantaneamente relançada para o exterior pela câmara. A eletrônica
permite conectar ao dispositivo um segundo voyeurismo que controla, exibindo-o, o
narcisismo encenado na zona fechada. Assim instala-se um espécie de permutador ótico-
eletrônico que funciona como a caixa preta dos ciberneticistas na qual são transformadas as
informações que entraram. E é desse tratamento de interpenetração de modelos que resulta a
imagem eletrônica.

Ponto de vista e plano de projeção

Várias instalações de vídeo convidam o espectador a penetrar no interior de estranhas


câmaras escuras, onde a atenção pode concentrar-se apenas na imagem-luz, onde esta pode ter
grandes dimensões graças ao vídeo-projetor e formar-se sobre toda espécie de superfície, onde
o referente dessa imagem pode ser incluído no próprio espaço de sua projeção... Assim, as
instalações de Peter Campus estão ligadas ao mesmo tempo às fantasmagorias de Robertson e

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aos gabinetes de perspectiva do século 17, tal como o gabinete de anamorfoses óticas do
Padre Du Breuil, no qual rostos surgem e desaparecem de acordo com a posição do visitante,
embora seja a imagem deste último que alimenta aqui a ilusão. Se o feedback de vídeo
permite de fato que o sujeito seja instantaneamente objeto de seu próprio olhar, Campus
produz entre o sujeito e essa projeção dele mesmo uma relação deliberadamente difícil,
instável, estreitamente controlada, quase impossível. Por meio dessa organização de uma certa
frustração do olhar, ele permitirá que o espectador experimente uma situação psicológica e
perceptiva inabitual, ao mesmo tempo em que se sente sujeito da representação. Em duas
instalações de 1975, ele explora mais particularmente as relações entre o ponto de vista e o
plano de projeção.
Mem é uma espécie de anamorfose eletrônica. A câmara é colocada perto da parede e
sua objetiva é orientada paralelamente a esta. O vídeo-projetor projeta a imagem
obliquamente, dando-lhe uma forma trapezoidal, produzindo diversas deformações,
insinuando o corpo na matéria do muro. Jurgis Baltrusaitis define a anamorfose como “uma
projeção das formas para fora de si mesmas, cujo deslocamento se dá de maneira a que elas se
reaprumem quando vistas de um ponto determinado”. (25) Visores diversos definem onde o
olho deve se colocar para operar essa revelação. O reaprumo da imagem de Mem – se é que é
possível – é recusado ao sujeito/ objeto da representação e só poderia ser feito por um outro
observador. Para entrar no restrito campo de visão da câmara. o visitante deve chegar até tão
perto da parede que não possa captar globalmente sua imagem. Se se afastar, ele a (se) perde.
Projetado, chapado assim sobre essa projeção de si mesmo, de tal modo ampliada que se
perdem detalhes e profundidade, ele também produz nela, necessariamente, sua sombra: no
momento em que se aproxima da parede para ser ao mesmo tempo iluminado e captado pela
câmara, ele intercepta a projeção dessa imagem. O rébus que resulta da imagem
anamorfoseada é aqui deslocado para o lado do sistema que a produz. Ao dramatizar a
apropriação do espectador de sua própria imagem, a instalação propõe o problema do
necessário afastamento do olho em relação à superfície de projeção. O olhar só pode
constituir, ordenar a representação se mantiver a distância em relação à cena. O visível só
pode surgir no desvio. Não se trata mais de mostrar que a imagem só pode parecer verdadeira
a partir de um único ponto, mas que só há uma zona estreita em que a imagem pode ser
formada/ apreendida. O espectador se encontra de certo modo imobilizado no virtual. Ele é ao
mesmo tempo sujeito e objeto do olhar, mas também plano de projeção.
Havia apenas um ponto de coincidência possível entre duas imagens de si mesmo nas
instalações precedentes de Peter Campus, assim como nelas existe um ponto limite no qual a

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imagem bascula em sua negação. Dor está instalada de tal maneira que a imagem do visitante
se forma corretamente no momento em que penetra na sala, mas o limiar em que essa imagem
se mantém fica no prolongamento da parede sobre a qual ela é projetada. Assim, ele deve
escolher entre ser visto e não poder ver-se e tentar ver-se e correr o risco de perder-se. O
ponto de observação (o do espectador) está radicalmente separado do ponto de vista (o da
câmara) – dissociação que autoriza a produção da imagem; mas uma vez que este último de
alguma maneira é rebatido sobre o ponto de distância e integrado ao plano de projeção da
imagem, ele torna a própria percepção problemática. O interdito do ver é literalmente
problematizado. A porta é escancarada sobre uma cena que ocorre nesse limite. Não há
imagem sem a presença de alguém no limiar, não há mais imagem se o limiar é transposto. O
voyeur não pode entreabrir a porta, está condenado a uma postura de olhar oblíquo,
prolongando a superfície de projeção. Há sempre nessas obras uma armadilha a ser
desmontada ou com a qual é preciso atuar. O espectador se encontra então necessariamente
remetido ao próprio ato de visão, a uma interrogação sobre os limites da representação.

Troca de espaços. Encenação da ausência

As instalações de vídeo de Bruce Nauman também jogam com essa decepção da


imagem. Referindo-se, contudo, ao sistema de vigilância, elas problematizam também as
relações entre espaços distintos, entre o corpo e a arquitetura.
Video Surveillance Piece (Public Room/ Private Room) (1969-1970) (26) reduplica a
ausência do olhar que caracteriza esse sistema por meio do vazio da cena captada. A imagem
de uma câmara colocada no canto superior de um cômodo fechado ao público é transmitida
em um outro cômodo em que penetram os visitantes. Aqui uma segunda câmara apreende a
imagem destes e a transmite a seu turno em um monitor no primeiro cômodo. O vídeo tem por
função exibir assim o espaço oculto ou inacessível, questão essencial para o conjunto da obra
do artista. Ela transgride o impenetrável, mas para nada dar a ver a não ser a ausência. O
paradoxo é um dos instrumentos de investigação privilegiados por Nauman. Este oferece aos
espectadores a imagem de um espaço em que não há nada a observar, em que a própria
possibilidade de um acontecimento está excluída uma vez que nada penetra ali, ao mesmo
tempo em que os priva do gozo com sua própria imagem, precisamente ali onde eles esperam
vê-la. Decepcionando a espera do visitante, ele interroga por meio da surpresa, da frustração.
Ao longo da exposição desse “espaço sob vigilância”, significam-se ao mesmo tempo a pura
atividade de observação e a alteração do espaço tridimensional através de sua transformação

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em imagens. Por outro lado, a eletrônica opera, por meio dessa figura do quiasma, a troca
entre o interior e o exterior, tornando o privado público e o público privado, integrando os
espaços estrangeiros, o presente no ausente e, inversamente, desafiando as leis tradicionais da
arquitetura e os limites que elas impõem. Mas o acesso ao privado, ao interdito, só pode ser o
fato de uma midiatização. É também a galeria que é posta em cena. Com certo humor,
Nauman “valoriza” a não exposição, atrai a atenção para a ausência de obra, mostra que não
há nada a mostrar. Um passo a mais na crítica das diferentes instâncias instauradoras do
objeto de arte, após a moldura, o próprio espaço da galeria, a situação do museu.

Corpo/ Imagem/ Arquitetura

Ao solicitar todos os sentidos do espectador, a instalação de vídeo o implica


globalmente. É nisso que reside seu privilégio. O corpo jamais é confrontado apenas com o
dispositivo eletrônico mas também com um espaço determinado. A instalação pode negar a
arquitetura do lugar da exposição e abolir toda referência mergulhando a sala na escuridão.
Ela pode também explorar esse lugar tal como é com seus diferentes cômodos, com a
transparência dos vidros que dão para o exterior, com seus corredores, escadas, entradas, suas
vastas salas ou seus recantos... Acontece-lhe também proceder a construções específicas (as
câmaras óticas de Dan Graham) ou a disposições interiores com a ajuda de elementos
arquitetônicos tais como painéis de diversas dimensões (os corredores de Bruce Nauman).
Qualquer que seja a opção adotada. a arquitetura desempenha um papel essencial na
concepção dessas obras. Ela não constitui uma simples modalidade original de “apresentação”
da imagem, nem um ornamento, nem um avatar da decoração teatral ilusionista. Ela é
organização do próprio visível, ela estrutura suas condições de percepção.
Como nas cenografias contemporâneas, cada obra exige então a elaboração de um
espaço específico, engajando uma certa experiência da imagem e do som. A construção que
não está necessariamente acabada e que pode ser reduzida a um simples fragmento tem um
estatuto ambíguo. Este não é de fato funcional, também não é puramente simbólico. O desafio
consiste em produzir certos efeitos sobre o comportamento do visitante, em despertar nele
sensações susceptíveis de criar diversas interrogações.
A arquitetura oferece primeiramente resistências ao corpo humano. Ela lhe opõe sua
rigidez, lhe dita certas posturas, o perde em labirintos, lhe sugere percursos, o confronta com
espaços exíguos ou demasiadamente vastos. Bruce Nauman oprime o corpo em estreitos

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corredores, Peter Campus o “mantém” num campo de visão e de visada limitado, obrigando-o
a respostas precisas, a uma exploração determinada.
A função do espaço construído é também a de definir um quadro de referência para a
representação, o lugar da ficção, seu teatro. Assim, ele opõe sua materialidade ao espaço
eletrônico, que, por sua vez, o transgride, manifestando a potência de sua própria
imaterialidade, afirmando-se como puro sinal, como um novo tipo de arquitetura temporal.
Há uma obra de Keith Sonnier (Projects, 1971) (27) que ilustra essas diversas funções
da arquitetura na instalação. Ela se compõe de duas salas adjacentes, sendo que a primeira foi
objeto de uma reconstrução interior específica. O teto foi rebaixado de tal maneira que o
visitante só pode avançar curvado. Apenas no fundo da galeria uma abertura retangular (de
cerca de 1,20 m x 1,50 m) nesse teto baixo permite ficar de pé. Percebe-se então, na metade
superior da galeria, uma fonte de luz vermelha intensa, uma câmara fixada à parede e
orientada em panorâmica para essa abertura em que o visitante se reapruma. Um som
penetrante e contínuo gerado pelo feedback do sinal de vídeo enche a sala. Essa persistência
sonora e luminosa reforça a do olho eletrônico, criando o sentimento de um controle
generalizado. No momento em que o corpo se “desdobra”, ele é exposto a agressões do
entorno, impalpáveis como a do olhar, experimentando assim uma outra clausura, imaterial
mas persuasiva. É, aqui, o corpo que conecta os espaços, é ele o permutador privilegiado. Mas
sua imagem também lhe é escamoteada, transportada alhures, tornada pública no outro
espaço. O visitante compreende que não verá a si mesmo, e apenas se entrar na outra sala
saberá que foi visto.
Às oposições que estruturam as instalações de Nauman, Viola e Campus, acrescenta-
se aqui uma figura suplementar de cisão: a própria imagem que a câmara capta desses corpos
truncados pelo agenciamento arquitetural é dividida em negativo e positivo e projetada em
duas paredes opostas na outra galeria. Por outro lado, se a posição da câmara impõe
fortemente o sentimento de vigilância, precisamente por sua orientação para a abertura por ela
controlada, a retomada que ela realiza dessa abertura repete a própria visada ilusionista: o
recorte arquitetural se torna a moldura do quadro, define os limites da cena representada. Mas
essa passagem do volume à superfície, de três dimensões para duas, se faz com a basculação
da caixa ótica, com a descoberta de sua face superior.
As diversas configurações produzidas pelo espaço arquitetado jogam assim com a
exclusão da imagem do campo de visão, com as relações de distância e de escala, com a
fragmentação, a clausura, a reduplicação etc. Várias instalações são concebidas a partir de

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pares de espaços que autorizam certos processos de deslocalização, de troca, e até mesmo de
integração.
Se Two Viewing Rooms (1975), de Dan Graham, confronta dois espaços adjacentes, a
arquitetura problematiza essa própria contigüidade. O artista encena, com um sistema de
vigilância, a combinação complexa de vários dispositivos de representação concluída por um
jogo de espelhos. Ele reconstrói dois pequenos cômodos, um escuro e outro claro, que são
separados/ religados por um espelho bifacial, transparente apenas do lado do quarto escuro.
Neste é colocada uma câmara orientada para o outro cômodo brilhantemente iluminado, cuja
divisória se transforma em espelho, tornando a câmara invisível. Apoiado nessa parede
central, um monitor transmite a imagem captada pela câmara, refletindo-se numa outra
parede-espelho que se encontra diante dele. O visitante que penetra ao acaso num ou noutro
espaço adotará em cada um deles uma posição totalmente diferente no jogo da representação.
No quarto claro, ele é visto ao mesmo tempo em que se vê refletido nos espelhos e no
monitor, da mesma forma que é observado pelos visitantes do outro cômodo e pela câmera
que ele não vê (e cuja existência é possível que ele ignore). O enigma começa para ele com
esta imagem que não lhe parece vir de parte alguma que não da divisória-espelho, do próprio
monitor... Há uma vigilância/ observação refinada, como pode haver em certos centros
psiquiátricos. No quarto escuro, o visitante fica em posição de voyeur, protegido, visível
unicamente para seus cúmplices. Muito estranhamente, ele vê muito bem um espelho diante
dele na parede oposta do outro cômodo, assim como o reflexo dos outros visitantes, mas não
pode ver a si mesmo. O paradoxo é tal que o que o autoriza a ver do outro lado (a
transparência da divisória do lado escuro) o impede ao mesmo tempo de ali projetar-se. Ele só
pode ser observador do comportamento do outro, daquele que penetra no quarto claro. Seu
ponto de vista é móvel e múltiplo: pode ver a cena tanto através da divisória, apreendendo-a
em suas dimensões reais, quanto no visor da câmara ou ainda na tela do monitor refletido no
espelho oposto. Mas ele deve respeitar a fronteira. Não pode estar a um só tempo dos dois
lados da imagem mesmo que o painel dúplice mantenha a ilusão de uma permeabilidade dos
espaços. Este revela antes de tudo a dupla natureza do plano de projeção: vidro que abre para
a cena e espelho do sujeito.
Como no dispositivo de Brunelleschi, o olho do sujeito, a objetiva da câmara é
relançada para fora da cena – aqui numa outra “câmara escura”. E a imagem-quadro por ela
produzida é vista através de seu reflexo no espelho que está diante dela. Mas em vez da
pequena abertura para o olho feita no plano do quadro, é a própria transparência deste que
oferece a cena ao olhar. Não é mais apenas a tavoletta que é convocada mas também o vidro

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de Leonardo ou de Dürer. Os espelhos, por sua vez, operam ao mesmo tempo o fechamento
da cena e sua colocação em perspectiva. Ao conectar o dispositivo especular ao dispositivo
eletrônico e arquitetural, Graham procede a uma cascata de transformações nas quais
apreende o espectador numa estrutura auto-reflexiva que o instaura ao mesmo tempo como
sujeito e objeto de seu próprio olhar.
Por meio dessas múltiplas deformações e hibridações de dispositivos se encena a
posição frágil que só pode constituir-se apreendendo os próprios princípios de sua
constituição. Ao mesmo tempo, é o processo da percepção que é ativado, analisado, segundo
modalidades de visão a cada vez diferentes nas quais o corpo inteiro é engajado com o olhar,
nas quais se manifestam da mesma maneira a instabilidade e a relatividade do ver. Diversos
dispositivos “perversos” tornam assim difícil – ao menos inabitual – a percepção da imagem,
produzindo uma verdadeira propedêutica do olhar com a finalidade de “desfazer as
sensações”, como propunha Paul Valéry. (28)

Síntese em gestação

Um tal questionamento sistemático da representação, que o vídeo encena do mesmo


modo que se repete uma execução capital, também preparou novas atitudes em relação a
imagem, tal como exigidas pelo atual desenvolvimento da informática. Mais do que uma
simples transição histórica entre os dispositivos e as funções da representação dominantes
desde o Renascimento e aqueles que são hoje elaborados, o vídeo se revela um lugar
privilegiado em que se trabalham passagens e retomadas, um espaço de transformação, uma
charneira crítica que envolve uma multiplicidade de modelos.
Podemos sugerir rapidamente alguns aspectos que mereceriam outros estudos.
Algumas trucagens eletrônicas contribuíram amplamente, por exemplo, para o
deslocamento do estatuto da imagem rumo ao de objeto, para o desenvolvimento da atividade
lúdica e manipuladora, resultando no maioria das vezes numa colocação entre parênteses do
sentido. Graças à transmissão ao vivo e desde a invenção dos primeiros sintetizadores,
pudemos nos familiarizar com uma “imagem que responde” imediatamente, como Edmond
Couchot qualifica a imagem de síntese. (29)
As instalações de vídeo, por sua vez, ativaram a mobilidade do ponto de vista, que não
é mais apenas o produto da imagem, mas também do espectador, necessariamente engajado
num percurso. O corpo se desloca na cena, ele pode nela evoluir como o ator no palco, ao
mesmo tempo em que permanece confrontado com outras cenas, as imagens, em que ele,

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naturalmente, não penetra. A concepção de um espaço tridimensional de síntese nos
impulsiona hoje para o interior de um teatro virtual no qual se encontra simulada a incrível
mobilidade do “olhador” no espaço. Mas se essa exploração euforizada pela prática interativa
possui uma velocidade e uma agilidade inconcebíveis para o corpo humano, em contrapartida
ela o imobiliza como no cinema. Se o olhar é ativado primeiro, o corpo se abisma novamente
em um estado de submotricidade relativa. Um gesto ínfimo basta para transformar a cena, um
simples movimento dos olhos.
O trabalho videográfico com os dispositivos torna sobretudo evidente o fato de que
doravante não é mais possível pensar a representação somente em termos de imagem. Ela
deve ser primeiramente apreendida como um sistema, um processo, técnico, sensível e
mental.

Notas:

16- [....] É preciso acrescentar aqui o trabalho seminal de Jean-François Lyotard sobre
a noção de dispositivo. Ele o define como um “operador metamórfico”, um “transformador”,
“a organização da ligação, da conexão, canalizando, regulando a chegada e o dispêndio de
energia, em todas as regiões.” [...]

22- Princípio a partir do qual Steina Vasulka inventou uma série de instalações e de
filmes a partir de 1975. [...]
Woody Vasulka, que construiu a máquina, já havia trabalhado a questão do quadro e
suas operações de seletividade por meio da elaboração de dispositivos de captação de imagem
rotativos e estroboscópicos e de diferentes projeções pivotantes.

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