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Resumo
A presente comunicação tem por objecto analisar as tendências coloniais e
pós-coloniais da Educação nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
(PALOP), com o intuito de averiguar o modelo de homem e de sociedade
preconizado pela Educação, seus princípios enformadores e sua ideologia
dominante, a partir de dois marcos históricos emblemáticos: o regime colonial
cuja “acção educativa” se afigura como “Missão Civilizadora”; o período
emancipatório decorrente das independências e auto-determinação políticas
caracterizado pela ideologia da “Reconstrução Nacional” e “Reafricanização
das Mentes”. Trata-se, do ponto de vista metodológico, de um enfoque
hermenêutico sobre o processo educacional, sob o intuito de fornecer pistas
epistemológicas ao projecto de constituição de uma Filosofia da Educação na
“Comunidade Lusófona”.
Discurso proferido em 1946 pelo Governador do Distrito de Manica e Sofala na cerimónia de recepção do
então Presidente de Portugal Craveiro Lopes em Moçambique. In: MAZULA B. “Educação, Cultura e
Ideologia em Moçambique”, 1995:67.
“utilizados” como pequenos e médios funcionários na “colonização indireta”.
Essa força de trabalho “instruída” compunha-se principalmente de funcionários
de nível inferior, cujas tarefas mais importantes eram a promoção e a
manutenção do status quo colonial.
Neste sentido, as escolas coloniais foram “bem-sucedidas”, na medida em que
criaram uma classe pequeno-burguesa de funcionários que haviam
internalizado a crença de que haviam se tornado brancos ou negros de alma
branca e, por isso eram superiores aos camponeses africanos que ainda
praticavam o que se considerava uma cultura bárbara. Esse processo de
assimilação penetrou até o nível mais profundo de consciência, especialmente
na classe burguesa (Macedo 1990:91). Perante o insucesso desta política
assimilacionista o regime passou a reconhecer as reivindicações dos nativos
pela sua personalidade como indivíduos, mas não como sujeitos políticos
(Mazula, 1995:70).
A política assimilacionista instituída pelo governo colonial pretendia criar uma
“sociedade multirracial”, legitimada pelo estatuto do indigenato que não
passava, na realidade, de “um apartheid à portuguesa” (Cabral, 1978:61). O
pretendido “não civilizado” é tratado como um objecto e entregue aos caprichos
da administração colonial. Ao classificá-lo como “não civilizado”, a lei oficializa
a discriminação e justifica a dominação portuguesa em África.
Estudo apresentado por Cabral (1978:61), revela que 99,7% da população
africana de Angola, Guiné e Moçambique era considerada “não civilizada”
pelas leis coloniais portuguesas e 0,3% era considerada assimilada. Nos
termos da política assimilacionista, para que uma pessoa “não civilizada”
adquirisse o estatuto de “civilizada” teria que fazer prova de estabilidade
económica e gozar de um nível de vida mais elevado do que a maior parte da
população de Portugal. Teria de viver “à europeia”, pagar impostos, cumprir o
serviço militar, saber ler e escrever correctamente o português.
Uma ínfima minoria de africanos ditos civilizados e, consequentemente,
considerados, teoricamente, portugueses, não gozava, mesmo assim, dos
privilégios reservados aos europeus. Alguns deles encontravam-se numa
situação de isolamento entre a massa da população africana e os colonos, e
estes últimos rejeitavam-nos através de uma discriminação declarada ou
dissimulada.
A comunidade multirracial portuguesa não passava de um mito. A realidade
que esta designação encobre é uma total segregação racial, excepção feita
para as relações de trabalho, onde se serve os desígnios do colonialismo.
Salvo raras excepções, não há nenhum contacto social entre as famílias
africanas e europeias. Os únicos contactos directos praticam-se nas escolas,
ou noutros locais exteriores ao ambiente familiar, entre as crianças europeias e
os raros alunos “assimilados”. As crianças misturam-se espontaneamente, mas
estas relações já estão imbuídas de preconceitos e complexos. Os cinemas, os
cafés, os bares, os restaurantes, etc. são quase exclusivamente frequentados
por europeus. Um africano suficientemente audacioso para penetrar num
destes locais deve estar preparado para enfrentar a humilhação.
A teoria colonialista da pretendida “assimilação” era inaceitável não só do ponto
de vista teórico, como mais ainda na prática. Tal teoria se baseava na ideia
racista da incapacidade e da falta de dignidade dos africanos e tinha implícito o
nulo valor das culturas e civilizações africanas.
A acção educativa desenvolvida por Portugal nas antigas colónias africanas,
está directamente relacionada com a sua política de exploração colonial. Em
finais do século XIX, “intelectuais” e teóricos do colonialismo português
sustentavam ideias muito pessimistas e racistas em relação à educação e
escolarização dos africanos. Refira-se, entre outros - Oliveira Martins,
Mouzinho de Alburquerque e António Enes, “verdadeiros teóricos” da nova
política colonial portuguesa do período pós-conferência de Berlim e de
Bruxelas.
Oliveira Martins considera absurda a ideia de uma educação para negros: “Só
pela força se educam povos bárbaros; a educação dos negros era absurda não
só perante a história, como também perante a capacidade mental dessas raças
inferiores”; o autor prossegue ainda afirmando ser uma ilusão pensar em
“civilizar os negros com a bíblia, educação e panos de algodão”, tendo em vista
que “toda a história prova, (...) que só pela força se educam povos bárbaros”
(Martins, apud Mazula, 1995).
Mas as depreciações de Oliveira Martins não param por aí. O extracto a seguir
evidencia a magnitude do preconceito que esse teórico do colonialismo
português sustentava relativamente à raça e cultura negras:
A precocidade, a mobilidade e a agudeza própria das crianças, não
lhes faltam; mas essas qualidades infantis não se transformam em
qualidades intelectuais superiores (...). Há decerto, e abundam
documentos que nos mostram ser o negro um tipo
antropologicamente inferior; não raro do antropóide, e bem pouco
digno de nome de homem. A transição de um para outro manifesta-
se, como se sabe, em diversos caracteres; o aumento da capacidade
da actividade cerebral, a diminuição inversamente relativa do crânio
e da face, a abertura do ângulo facial. Em todos estes sinais os
negros se encontram colocados entre o homem e o antropóide
(Martins apud Mazula, 1995:70).
3
Aristides Pereira foi combatente e primeiro Presidente da República de Cabo Verde Independente.
(1990) em discurso proferido nos primórdios da independência nacional, em
que afirmava: “expulsamos os colonizadores, agora precisamos descolonizar
nossas mentes” (apud Macedo, 1990:91).
Referencia Bibliográfica