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Objeto e Método em Ciência

Económica:
Reflexões de um Economista

André Franco Montoro Filho^**^

1. OBJETO DA CIÊNCIA ECONÓMICA

U m dos m ais antigos p roblem as em Econom ia diz respeito


à colocação da ciência económ ica no quadro g eral das ciências.
Na p ré-h istó ria da Econom ia, a atividade económ ica do hom em
era tra ta d a e estu d ad a como p a rte in te g ra n te da Filosofia: F ilo ­
sofia Social ou M oral. V ários autores, an terio res a A dam Sm ith,
d iscutiram problem as económicos no contexto de u m sistem a
geral de organização das atividades hum anas. Econom ia p a ra
eles não era u m a ciência independente, m as sim in te g ra d a em
ou tras disciplinas. Nesse sentido, a ativ id ad e económ ica deve­
ria se o rie n ta r de acordo com alguns princípios gerais de ju s ti­
ça e igualdade. Os conceitos de preço justo em S. Tom ás de
A quino, ou de troca de equivalentes em A ristóteles, en co n tram
sua ju stifica tiv a em term os m orais, e não em u m estudo siste­
m ático das relações económicas.

(*) U m a versão p relim in ar deste a rtig o foi a p re se n ta d a com o T ra b a lh o


p a ra D iscussão I n te r n a n o In s titu to de P esquisas Económ icas.
(* * ) O A utor é p ro fesso r do In s titu to de P esquisas Económ icas.
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A condenação do ju ro ou da u su ra n as d o u trin as escolásti­


cas é baseada no m esm o tipo de consideração(1). P o r exem plo,
Tom ás de A quino declarou que o ju ro é u m “pagam ento pelo
tem po e, como o tem po é u m a dádiva divina sobre a q u al todos
têm um direito n atu ra l, n en h u m pagam ento pode ser ju stifica­
do”. Em geral, os escrito res escolásticos consideravam as ques­
tões económ icas sob a ótica de d iferen tes tipos de contratos e
cuja ju stiça discutiam . A dotando a hoje u su al distinção en tre
econom ia positiva e n o rm ativ a, estes escritores devem ser clas­
sificados no segundo grupo (estes conceitos são discutidos ad ian ­
te ). É in teressan te n o ta r que as Encíclicas Sociais da Ig reja
Católica, especialm ente Rerum Novarum, Quadragésimo A nno
e Mater et Magistra, em seus aspectos económicos são m an ifes­
tações dessa linha de raciocínio. A Ig re ja C atólica não pro cu ra
e stu d a r os aspectos analíticos da ativ id ad e económica, porém
form ula alguns princípios que devem ser observados pelos sis­
tem as econom ic,os e que correspondem a aplicações da Filoso­
fia M oral C ristã às relações económ icas en tre os hom ens e
nações.

Nos séculos X V II e X V III, e m esm o antes, m uitos au to res


com eçaram a se dedicar ao estudo analítico da atividade econó­
mica. E n tretan to , até o século X IX , ou m elhor, até A dam
Sm ith, não hav ia u m a distinção clara en tre Filosofia M oral e
T eoria Económica. BLA U G [1]com enta:

“ (...) Não se pode a firm a r que A dam S m ith seja o fu n d a­


dor da Econom ia Política. C antillon ou Q uesnay ou T u r­
got têm m ais direito a esta honra. E n treta n to os Ensaios
de C antillon, os Artigos de Quesnay e as R eflexões de
T u rg o t são n a m elhor das hipóteses longos panfletos, o rn a­
m entos p a ra a ciência e não um a ciência real. Um Inqué­
rito na Natureza e Causas da Riqueza das Nações é o p ri­
m eiro tra ta d o g eral em Economia, contendo sólidos p rin ­
cípios das teorias da produção e distribuição, sob cu ja luz
se segue um a revisão do passado e concluindo com um a
b a te ria de recom endações políticas, em sua to talid ad e in s­
p irad as n este óbvio e sim ples sistem a de liberdade n a tu ­
ral, p a ra o q u al A dam S m ith via o m undo se dirigindo”.

(1) É in teressa n te observar que leis religiosas ju d a icas e m u lçu m an a s


ta m b ém co n d en am a u su ra. V., por exem plo, o artig o de E p h raim
K LEIM A N — «Indexação e C orreção M o n etária: E xperiência B ra si­
leira e E xperiência Israelense» — E studos Económicos, 6 (1), n o ta de
ro d ap é n .° 4.
67

C um pre le m b ra r que S m ith era professor de Lógica e F i­


losofia M oral, tendo escrito, além da Riqueza das Nações, a
Teoria dos Sentim entos Morais (1759) e Ensaios sobre Questões
Filosóficas (publicados em 1795).

Os econom istas clássicos seg u iram S m ith n a distinção e n ­


tre Econom ia e o u tras ciências sociais. A pesar de ex istirem
m uitas im plicações n o rm ativ as no pensam ento clássico, seu te ­
m a c e n tral p erten ce à ciência positiva, situando-se o interesse
prim o rd ial n a análise a b s tra ta das relações económ icas, com a
finalidade de d escobrir leis gerais e reg u larid ad es de com por­
tam ento. Os pressupostos m orais e as consequências sociais des­
sas atividades não ocupam lu g a r de realce n esta teoria. M ais
que todos se destaca Ricardo. Caso considerem os a T eoria Eco­
nóm ica como um a form a de análise, um m étodo de pensar, R i­
cardo litera lm e n te inventou a técnica dos econom istas, tendo,
a p a rtir de algum as generalizações, produzido vários dos m ais
expressivos m odelos de toda a h istó ria da E conom ia(2). U sando
poucas v ariáv eis estratégicas, R icardo co n stru iu sim ples m o­
delos analíticos e destes derivou im p o rtan tes im plicações
políticas.

A T eoria Económ ica m o d ern a trocou seu exem plos n u m é­


ricos por elegantes dem onstrações m atem áticas m as, em sua
m aioria, os econom istas de hoje ainda em pregam o modo de r a ­
ciocinar que R icardo to m o u fam iliar. N em todos, en tre tan to ,
consideram este m étodo adequado. S ch u m p eter denom inou o
hábito de ap licar abstrações sim plificadas à solução dos p ro ­
blem as práticos de “Vício de R icard o ”. E, p ara a Escola Histó«
rica e p ara os In stitu cio n alistas A m ericanos, R icardo foi o sím ­
bolo de tudo o que é d etestáv el n a econom ia ortodoxa.

O u tra co rren te co n trá ria ao ponto de v ista de R icardo é r e ­


p resen tad a pelos Socialistas. U m dos p rim eiro s a c ritic a r a
abordagem ricard ian a foi Sism ondi, cujo pensam ento, em li­
nhas gerais, é com partilhado pelos socialistas da p rim eira m e ta ­
de do século X IX . P a ra eles S m ith p rocurou estu d a r cada fa ­
to à luz de seu próprio am b ien te social e a Riqueza das N a­
ções rep resen ta, n a verdade, o p ro d u to de u m estudo filosófico
da hum anidade. R icardo, e n tre tan to , é acusado de h a v e r in tro ­
duzido o m étodo a b stra to em u m a ciência onde todos os fatos

(2) E n tre estes se d estacam a te o ria d a R e n d a d a T e r r a e a te o ria d as


V an tag en s C om parativas.
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são inter-relacionados, e onde se dá um passo em falso sem pre


que um fato é individualizado e a atenção co ncentrada sobre
ele isoladam ente.

A ciência económ ica deveria se b asear n a experiência, na


h istó ria e n as observações da realidade. Sism ondi estav a con­
vencido de que o fre q u en te uso de generalizações em ciências
sociais foi responsável p o r sérios erro s metodológicos. Não
foi só n a questão de m étodo que se opôs à escola clássica, m as
tam b ém no que se re fe ria aos objetivos da ciência económica.
P a ra os clássicos, Econom ia é a ciência da riqueza, enq u an to
Sism ondi en ten d e que o objetivo re a l da ciência deva ser o h o ­
m em , e con sid erar a riq u eza por si só, esquecendo o hom em ,
seria certam en te u m princípio erróneo. P o r essa razão a tr i­
b u iu grande proem inência à teo ria da distribuição, da m esm a
form a que M arx o fez posteriorm ente.

O utro socialista do século X IX , Saint-Sim on, em sua Dou­


trina escreveu:

“A m aioria dos econom istas (...) considera a pro p ried ad e


como u m fa to r fixo cuja origem e progresso estão fo ra de
sua análise e som ente sua u tilid ad e social é considerada.
A concepção de u m a ordem social d istin ta lhes é alh e ia ”

Os econom istas clássicos, de acordo com S aint-S im on e seus


seguidores, consideram a p ropriedade u m a instituição aceita
sem discussão. É um dado do problem a. A divisão da p ro p rie­
dade e a herança, as causas de sua acum ulação em poucas
rhãos, as consequências de sua existência são discussões alheias
à teo ria económica. P a ra os clássicos, distribuição da riqueza
significa a distribuição da R enda N acional e n tre os fato res de
produção. Interessam -se som ente p o r preços como salários ou
ta x a de ju ro , e assim a te o ria da distribuição é som ente um a
aplicação da teoria de preços ao m ercado de serviços. Não p re s­
tam atenção aos indivíduos. O P ro d u to N acional é visto como
dividido e n tre fato res im pessoais, como te rra , capital e tra b a ­
lho, de acordo com algum as leis n atu rais. Som ente p o r conve­
niência de exposição personalizam estes fato res em tra b a lh a ­
dores, cap italistas e pro p rietário s, m as sem a lte ra r a tendência
g eral do argum ento.

Caso se aceite, como os saint-sim onianos ou socialistas em


geral, que o p rin cip al problem a económico reside n a d istrib u i­
ção, consistindo especialm ente em como a pro p ried ad e é d istri­
buída, as questões im p o rta n tes p a ra a ciência económ ica se r e ­
ferem a porque algum as pessoas têm p ro p ried ad es e o u tras
não, porque a te rra e o cap ital devem ser tão m al d istribuídos
e a ren d a re su lta n te dessa distrib u ição ser tão desigual. Ao
invés de considerações a b stra ta s sobre fato res de produção, os
socialistas desejam e stu d a r as instituições ex isten tes, nas
quais as relações económ icas se realizam .

O u tra diferença essencial e n tre os socialistas e a Escola C lás­


sica, no século X IX , consiste nas d iferen tes form as p o r que se
enfocam as divergências e a oposição en tre o in teresse g eral e
o interesse dos indivíduos. P a ra a Escola Clássica, a oposição
se dá e n tre consum idores e p ro d u to res (ou en tre o ferta e p ro ­
cura). A p a rtir deste ponto de vista, os econom istas clássicos
d eriv aram algum as leis científicas que, se p len am en te v e rd a ­
deiras, lev ariam o sistem a económico a um a p erfeita h arm o ­
nia. E mais, o in teresse público ou g eral é to talm en te realizado
som ente quando os consum idores são satisfeitos. Segundo os
socialistas, os econom istas clássicos ficaram tão satisfeitos com
a dem onstração que tin h a m feito da form a pela q u al as forças
económicas, como a concorrência, lim itav am o egoísmo in d iv i­
dual e realizav am o interesse coletivo, que nun ca d iscu tiram as
lim itações destes m ecanism os, e outros problem as relacionados
com o funcionam ento do sistem a.

Os socialistas, por outro lado, viam o conflito essencial­


m ente e n tre trab a lh ad o res e capitalistas. O interesse coletivo
é o interesse dos trab alh ad o res. Assim, a sociedade deveria
ser organizada de acordo com o interesse dos trab alh ad o res, e
o in teresse g eral só se realizaria p len am en te quando re c e ­
bessem to ta lm e n te sua p a rte no pro d u to social. O m esm o é
verdade p ara M arx e p a ra os m arx istas. Eles não arg u m en tam ,
por exem plo, que a teo ria ortodoxa dos preços seja errad a, m as
sim plesm ente que seus achados não são in teressantes. Os de­
bates e n tre m a rx istas e econom istas ortodoxos in v ariav elm en ­
te resu ltam n a discussão sobre a n atu re za das questões p e rti­
n en tes à Economia. Q uando tra ta m das m esm as questões, am ­
bas as teorias não d iferem significantem ente.

As diferenças surgem em decorrência dos pressupostos que


cada teo ria en ten d e apro p riad o s à análise dos problem as. P o r
exem plo, em relação à teo ria da distribuição, os m arx istas con­
sideram ilegítim o supor a distribuição da p ro p ried ad e como um
dado do problem a, dada sua não independência da d eterm in a­
ção dos salários e lucros. E, som ente com a especificação das
lelações de propriedade, é que se poderia ex p licar o com porta­
m ento histórico do sistem a capitalista. Os m arx istas conside­
ra m que, devido a seu exagerado n ív el de abstração, a “teoria
económ ica b u rg u esa” não discute os problem as fu n d am en tais
da organização económica. Assim, co n stru íram um a teo ria m ais
“re a lista ” E n tretan to , a Econom ia M arx ista paga u m alto p re ­
ço por este m aio r “realism o ” O scar L ange [9] é claro a re s­
peito:

“Im aginem os duas pessoas: u m a que te n h a aprendido


econom ia som ente atrav és da Escola A ustríaca, P areto e
M arshall, sem n u n ca te r ouvido ou visto u m a sentença de
M arx e seus discípulos; a outra, ao contrário, ap ren d eu
ex clusivam ente atra v és de M arx e dos m a rx istas e nem
suspeita que possa h a v e r econom istas não m arx istas. Q ual
dos dois é m ais capaz de an alisar as tendências fu n d am en ­
tais da evolução do capitalism o? Colocar esta p erg u n ta é
respondê-la. E n treta n to esta superioridade da econom ia
m a rx ista é parcial. E xistem certos problem as que a eco­
nom ia m a rx ista é incapaz de resolver en q u an to a econo-
nom ia b u rg u esa os resolve facilm ente. O que a econom ia
m a rx ista pode dizer sobre os preços de m onopólio? O que
pode dizer sobre os problem as fu n d am en tais da teoria
m o n etária e do crédito? De que in stru m e n ta l dispõe p a­
ra an a lisa r a incidência de um im posto ou o s ‘efeitos de
um a inovação tecnológica sobre os salários? E, ironia do
destino, em que pode co n trib u ir p a ra a solução do pro b le­
m a de distribuição dos recursos produtivos em um a eco­
nom ia socialista? C laram en te os m éritos relativ o s da eco­
nom ia m arx ista e da m oderna teo ria económ ica burg u esa
residem em d iferen tes campos. A econom ia m a rx ista po­
de an alisar a evolução económ ica do capitalism o em te r ­
m os de um a teo ria consistente, enquanto os econom istas
burgueses não vão além de um a m era descrição histórica.
De o u tra p arte, a econom ia b u rg u esa é capaz de an alisar
os fenóm enos do dia-a-dia da econom ia cap italista de um a
form a m uito su p erio r a tudo o que o m arxism o pode p ro ­
duzir. E mais, as previsões que se deduzirem dos dois ti­
pos de teo ria económ ica se referem a diferen tes períodos.
Caso se deseje p rev er o desenvolvim ento do capitalism o a
longo prazo, o conhecim ento do m arxism o rep rese n ta pon­
to de p a rtid a m uito su p erio r ao conhecim ento de W ieser,
B ohm -B aw erk, P areto, ou m esm o M arshall (apesar de este
últim o ser, neste aspecto, m uito su p erio r). Todavia, cons-
7T

titu i u m a base pobre p a ra d irig ir u m banco ce n tra l ou- p a ­


ra p re v e r os efeitos de u m a m u d an ça n a ta x a de desconto,,

A ntes de analisar, sob este aspecto, a teo ria económ ica neo­
clássica, é in te re ssa n te re v e r as lin h as gerais do pen sam en to
clássico. P a ra R icardo, S m ith ou Mill, os pro b lem as económ i­
cos eram sim plificadam ente vistos com u m co n traste e n tre
um a dada q u an tid ad e de te rra e u m a crescente q u an tid ad e de
tia b alh o e capital. A função da Econom ia era m o stra r os efei­
tos de m udanças n a q u an tid ad e e q u alid ad e de trab a lh o em ­
pregado sobre a ta x a de crescim ento do p ro d u to social. Sendo
este crescim ento u m a função da ta x a de re to m o do capital, a
tendência secu lar do preço dos fato res e das fatias d istrib u tiv as
surge como elem ento-chave do processo económico. A ênfase
se situav a n a acum ulação de cap ital e no crescim ento económico,
dada a in fra -e stru tu ra institucional, especialm ente a p ro p rie ­
dade privada. P a ra os clássicos a concorrência era boa, p o rq u e
au m entav a os m ercados, perm itin d o m elh o ra n a divisão de t r a ­
balho. O b em -estar económ ico era considerado como ap ro x im a­
dam ente proporcional ao volum e de produção.

Após 1870, todavia, com M enger, Jevons, W alras, P areto ,


M arshall, W icksell e outros, a ênfase se tra n sfe riu p a ra o pro­
blem a de alocação. D ada a o ferta de fato res pro d u tiv o s (d e te r­
m inada à p a rte do sistem a, ou m elhor, fo ra do escopo da a n á li­
se) e dados os gostos e p referên cias dos consum idores, a essên­
cia do problem a económ ico passou a g ira r em to m o da busca
de condições nas quais os serviços p rodutivos são alocados o ti­
m am ente e n tre usos altern ativ o s, no sentido de m ax im izar a
satisfação dos consum idores. E sta abordagem não leva em
consideração aum entos n a q u an tid ad e e qu alid ad e dos re c u r­
sos, assim como a expansão dinâm ica dos desejos dos consum i­
dores, que constituíam p ara os clássicos condição “sine qua n o n ”
p ara m elhoras no b em -estar económico. P ela p rim eira vez a
Econom ia realm e n te se to rn o u a ciência que estu d a a relação
en tre dados fins e dados m eios com usos altern ativ o s. A teo ria
clássica do desenvolvim ento económico foi su b stitu íd a pelo
conceito estático de equilíbrio geral. Como Jev o n s [6] colocou,

“O problem a da Econom ia é, dada u m a certa população,


com v ária s necessidades e po d er de produção, possuindo
um a dada q u an tid ad e de te rra e outros recursos p ro d u ti­
vos, e n c o n tra r o modo de em p re g ar o fa to r trab a lh o de
form a a m ax im izar a u tilid ad e do p ro d u to ”
D eve-se n o ta r que o p apel dom inante da substituição na
m argem , d en tro da teo ria neoclássica, é um dos grandes re s­
ponsáveis pelo aparecim ento de explícito raciocínio m a tem áti­
co n a ciência económ ica.

D esde a contribuição de H arro d em 1939, An Essay in D y ­


namic Theory, a teo ria económ ica trad icio n al voltou a se dedi­
car aos problem as de crescim ento e desenvolvim ento. Nesse
m esm o período, a análise dinâm ica se desenvolveu e as con­
clusões da abordagem estática foram , em sua m aioria, g en era­
lizadas em contexto dinâm ico.

Como esperam os te r m ostrado n este escorço histórico, não


existe uniform idade de pensam ento a respeito de quais p ro b le­
m as p erten cem ou não ao cam po da teo ria económica, e do
n ív el de abstração que se deva u tilizar. P ersistem , den tro da
H istória do P ensam ento Económico, controvérsias sobre o obje-
to da ciência económica.

Em u m esforço de síntese pode-se a firm a r q u e a discussão


se centraliza n a possibilidade ou não de isolar o fato económ i­
co dos outros aspectos da realid ad e social. P a ra alguns o in te r-
relacionam ento dos fatos sociais é de ta l im portância, que a
te n ta tiv a de se p arar a ciência económ ica e lim ita r o seu cam po
de atuação se to rn a im possível, pois conduziria a análises vie-
sadas, ou m esm o falsas, da realidade. O utros, m esm o aceitando
um estreito relacionam ento e n tre os diversos aspectos da re a li­
dade de análises p articu lares, justificando-se dessa form a o uso
de algum as abstrações e a concentração do esforço em tópicos
isolados. P a ra estes, análises globais, em v irtu d e da com plexi­
dade do fato social, são im possíveis. O conhecim ento da re a li­
dade deve ser realizado a p a rtir do estudo aprofundado de suas
características específicas, um a das quais se situ a no aspecto
económico. D estas considerações se origina e ju stifica a ex istên ­
cia de um a Ciência Económ ica p a rtic u la r e indep en d en te de ou­
tra s ciências sociais.

Um a posição eclética, de g ran d e aceitação en tre os econo­


m istas atuais, en ten d e que existem dois problem as distintos que
ju stificam duas abordagens. U m deles reside no entendim ento
das relações económ icas p e r se e do com portam ento dos d iv er­
sos agentes d ian te de um a v ariad a gam a de situações ditas eco­
nóm icas. Estes problem as podem ser pesquisados isoladam ente,
abstraindo-se da análise o in ter-relacio n am en to en tre estas re ­
73

lações e as dem ais relações sociais. Como exem plo, pode-se ci­
ta r o estudo do im pacto (incidência) de u m im posto ou os efei­
tos de u m aum ento n a o ferta de moeda.

O outro tipo de preocupação é re fe re n te ao estudo global


de sistem as económicos em sua p ersp ectiv a histórica e social.
P a ra este tipo de análise é, obviam ente, indispensável a consi­
deração co n ju n ta de aspectos diversos da realidade, perm itin d o ,
sem em bargo, a concentração do estudo em alguns aspectos con­
siderados como os m ais im p o rtan tes. Casos típicos d esta classe
cie problem as são, p o r exem plo, o estudo de n ív el de desenvol­
vim ento e n tre nações ou a análise h istó rica da evolução de eco­
nom ias de m ercado. A inda segundo este ponto de vista, as duas
abordagens devem ser co m plem entares e não co m p artim en ta­
das. Assim, por exem plo, um estudo m ais ab ran g en te sobre a
distribuição de ren d a no B rasil d ev eria in clu ir não só aspectos
p u ram en te económicos do problem a, como os efeitos da política
salarial, im p o rtân cia da d iferença de qualificação n a força de
trab alh o etc., como tam b ém considerações de ordem social e
política que sejam rele v an te s p a ra a análise.

A seguir tra ta r-se -á m ais especificam ente o problem a de


m etodologia d en tro da p ersp ectiv a de validade da existência de
um a ciência económ ica “isolada” das dem ais ciências sociais.
E sta análise te rá como ponto de referên cia as idéias de dois fa ­
mosos econom istas: T jllin g C. K O OPM A N S [7] e M ilton
FRIED M A N [3].

2. METODOLOGIA ECONÓMICA

J. R. H IC K S [5], criticando a m etodologia com um ente em ­


pregada na teo ria económ ica, afirm a que “Econom ia P u ra tem ,
de um a form a m arcante, tirad o coelhos de den tro de u m a carto ­
la — proposições ap a re n tem en te a p rio ri as quais ap a re n te m e n ­
te se referem a re a lid a d e ” K O O PM A N S [7] adicionalm ente a r ­
g um enta que encontram os em Econom ia, m as não em alg u ­
m as ciências físicas, os processos de raciocínio e de referên cias
aos fatos b a sta n te interligados. P a ra ele, esta in form alidade em
Econom ia d eco rre de os fatos da vida económ ica estarem sem ­
p re ao nosso redor, o que, se de u m lado ap resen ta vantagem ,
de outro tem criado problem as p ara o desenvolvim ento cien tí­
fico da teo ria económica.
74

P ro cu ran d o co n trib u ir p ara seu ap rim o ram en to m etodo­


lógico, K oopm ans propôs um “e s tru tu ra de postulados p a ra a
teo ria económ ica” E sta e s tru tu ra reza que teorias científicas
devam com eçar com alguns postulados, os quais não constituem
conclusões de p artes an terio res da análise. E stas hipóteses ou
axiom as, como se d iscu tirá adiante, dever-se-ão d e riv a r de
observações do m undo ou, ao m enos, não e sta r em contradição
com a realidade. Tais postulados contêm certos term os re p re ­
sentativos ou co n trap artes n a análise de pessoas, organizações,
coisas, ações ou estados encontrados no m undo da observação.
P a ra e v ita r confusões é in teressan te ap resen ta r descrições ou
in terp retaçõ es ou definições destes term os. M unido dos p ostu­
lados e das definições, o cien tista está então capacitado a de­
senvolver o raciocínio, usando p a ra isso as reg ras da lógica e,
onde apropriado, o auxílio de técnicas m atem áticas. P o r meio
desse raciocínio, é possível m o stra r que, ou os postulados estão
em contradição consigo próprios, e nesse caso é preciso m udá-
los e p ro cu rar um conjunto altern ativ o de postulados, ou não
estão. N este últim o caso obtêm -se algum as im plicações ou
conclusões da análise (ou dos postulados).

N este ponto cum pre fazer um a distinção en tre um a análise


positiva —ex p lan ató ria ou d escritiva — e um a n o rm ativ a ou
prescritiva. A presentar-se-ão duas in terp retaçõ es destes te r ­
mos. K oopm ans escreve:

Elas diferem apenas n a m otivação da busca das conclu­


sões e no uso feito destas conclusões. Em análise ex p la­
n ató ria, o que se p ro cu ra em um a conclusão ou predição é
a possibilidade de testá-la, isto é, a verificação ou re fu ta ­
ção pela observação (...) Em análise norm ativa, os propó­
sitos da análise não são lim itados aos testes em píricos do
conjunto de postulados e nem ao m enos precisam in clu ir
este objetivo. O novo propósito é o de recom endar, a um a
ou m ais pessoas ou organizações ..., um a alte rn a tiv a ou
um a form a de agir que se espera serv ir a seu ou seus obje-
tivos m elhor, ou ao m enos tão bem , quanto ou tras a lte r­
n ativ as possíveis”

Estas recom endações não são sem pre passíveis de confron­


tação em pírica e, assim, nesses casos a recom endação é tão
boa quanto os postulados dos quais é derivada. Isso e n tre ta n to
não deve significar que ta l tipo de análise não seja im p o rtan te.
75

U m a opinião m ais rad ical é en co n trad a em FRIED M A N


[3]. E le inicia seu artigo dizendo:

“Em seu ad m iráv el livro Escopo e Método da Economia


Política, Jo h n N eville K eynes distin g u e e n tre u m a ciên­
cia p ositiva. u m corpo de conhecim ento sistem ático r e ­
lativo ao o que é; e u m a ciência n o rm ativ a ou reg u lad o ­
ra . ., um corpo de conhecim entos sistem atizados discu­
tindo critério s do que deve ser,. u m a arte, u m sistem a
de reg ras p a ra se atin g ir u m dado fim , e com enta que a
confusão e n tre eles é com um e te m sido a causa de m uitos
erros, e recom enda como m uito im p o rta n te o reconheci­
m ento de um a d istin ta ecoom ia política como ciência
po sitiv a”

Ao an alisar as relações e n tre Econom ia positiva e n o rm a­


tiva, FRIED M A N afirm a:

“Econom ia P ositiva é um princípio in d ep en d en te de q u al­


q u e r p a rtic u la r posição ética ou ju lg am en to s norm ativos.
É a ciência do que é, e não do que deve ser. S ua função é
pro v er um sistem a de reg ras gerais que se possa u tiliz a r
p ara previsões sobre as consequências de m udanças nas
variáv eis exógenas. A Econom ia n o rm ativ a, de o u tra
parte, não pode ser in d ep en d en te da Econom ia positiva.
Q u alq u er conclusão política n ecessariam en te se baseia na
previsão das consequências de realizar um a dada ação e
não outra, a q u al deva im plícita ou ex p licitam en te — e sta r
baseada em econom ia positiva.

F riedm an, en tretan to , aceita que “não existe u m a relação


de um p ara u m ” e n tre elas, pois de o u tra fo rm a não h av e ria
ciência n orm ativa. Como se pode in fe rir das citações ap resen ­
tadas, não existem m u itas diferenças e n tre estas form ulações
de Econom ia positiva e n o rm ativ a e sobre as relações e n tre
elas. A controvérsia realm en te surge com relação ao pro b lem a
de te sta r as teo rias — a confrontação dos resu ltad o s da análise
com a observação da realidade.

Dois pontos de v ista radicais são encontrados no “aprio­


rism o ra d ic a l” e no “u ltrae m p irism o ” O p rim eiro su sten ta que
a teo ria económ ica é sim plesm ente um sistem a de deduções
lógicas a p a rtir de u m a série de postulados que não com portam
um a verificação em pírica, ou m esm o u m apelo à exp eriên cia
76

objetiva. Em flag ran te co n traste se en co n tra o u ltraem p irism o ,


que se recusa a a d m itir q u aisq u er postulados ou hipóteses que
não possam ser verificadas d ireta e isoladam ente. O u ltra e m ­
pirism o, em o u tras palav ras, pede fatos e não hipóteses. Como
re p re se n ta n te da p rim eira co rren te encontra-se L ionel Robbins,
que na segunda edição de seu Essay on the Nature and Signi­
ficance of Economic Science, afirm a:

“A s proposições da teo ria económica, como de todas as


teorias científicas, são obviam ente deduções baseadas em
u m a série de postulados. E o cerne destes postulados são
hipóteses envolvendo fatos da experiência, sim ples e indis­
cutíveis, relacionados com a form a pela q u al a escassez
de bens, que é o próprio objeto de nossa ciência, se m o stra
no m undo da realid ad e”

Após descrever alguns destes postulados relacionados aos


objetivos hum anos, à escolha dos m eios e às possibilidades tec­
nológicas e psicológicas de produção e consumo, conclui:

“Estes não são postulados cuja co n tra p arte n a realid ad e


ad m ita ex ten sa discussão, desde que sua v erd ad e ira n a tu ­
reza seja p len am en te estabelecida. Nós precisam os de e x ­
perim entos controlados p ara estabelecer sua validade: são
fatos de nossa experiência diária, de fo rm a q u e b asta
serem apresentados p ara serem reconhecidos como
óbvios”

Os rep rese n tan te s dos u ltrae m p iristas são os escrito res da


Escola H istórica e os Institu cio n alistas A m ericanos. E n tre eles,
um lu g ar im p o rta n te é ocupado por M itchell, que passou toda
sua v id a coletando dados estatísticos n a esperança de que ev en ­
tu alm en te fornecessem algum as hipóteses explicativas. A m aio­
ria dos econom istas, en tretan to , sem pre esteve no m eio do
cam inho en tre estas duas co rren tes radicais. A controvérsia
existente, como se verá, é um a questão de ênfase. Podem os ago­
ra an alisar as idéias de F riedm an. P a ra ele,

“A Econom ia positiva não pode ser testad a pela com para­


ção de suas hipóteses d iretam en te com a realidade. Na
verdade, não existe um a form a p ara isso se realizar. O
realism o absoluto é claram en te im possível, e a questão
sobre o realism o da teo ria só pode ser decidida observando
se suas predições são suficientem ente boas em relação ao
77

propósito da análise, ou se são m elhores que as predições


de teorias altern ativ as. E n tretan to , a crença de que um a
teo ria possa ser te stad a pelo realism o de suas hipóteses,
in d ep en d en tem en te da precisão de suas previsões, é b as­
ta n te d ifu n d id a e é fonte de p erenes críticas de irrealism o
à teo ria económ ica ( ) O único teste válido sobre u m a
hipótese é a com paração de suas previsões com a ex p e­
riência. A hipótese é re je ita d a caso suas previsões sejam
co n trad itas (negadas fre q u en te m en te ou m ais com um ente
que as previsões de hipóteses a lte rn a tiv a s), e é aceita caso
suas previsões sejam co n firm ad as”

M as F ried m an concede que a indagação im p o rtan te a fazer


sobre as hipóteses de um a teo ria “não é se elas são d escriti­
vam ente realistas, pois n u n ca o são, m as se são suficien tem en te
boas aproxim ações em v ista do propósito da an álise” E m ais,
“o im p o rtan te problem a em conexão com as hipóteses é espe­
cificar as circunstâncias nas quais [o m odelo] funciona, ou m ais
precisam ente, a m ag n itu d e do erro n as suas predições sobre as
v árias circu n stân cias”

F ried m an parece, segundo N A G EL [12], um pouco confuso


a respeito do conceito de irrealismo de suas hipóteses. Se por
irrealism o se en ten d er, ou a n ecessária abstração de alguns
aspectos da realid ad e p a ra seu adequado e sim ples tra ta m e n to
analítico, ou a form ulação de “tipos ou condições ideais”, isto é,
p uras conclusões teóricas ou intelectuais, em am bos os casos
não se deve criticar teorias p o r irrealism o, m as deve-se sem pre
te r em m ente as lim itações in eren tes a ta l procedim ento e cau ­
tela e pru d ên cia no uso das conclusões teóricas.

No caso específico de form ulação de “tipos ou condições


ideais”, não se pode te sta r n em as hipóteses nem as conclusões
em relação ao m undo real. A teo ria só vale, rigorosam ente,
nas condições propostas pelo modelo. P o r exem plo, a lei da
gravidade só tem v alidade absoluta nas circunstâncias estab e­
lecidas pelos postulados; isto no en tan to não nos im pede de
p rev er o que o co rrerá com um piano que caia do 8.° andar, espe­
cialm ente se estiverm os na calçada e em baixo do referid o in s­
tru m en to m usical.

E n tretan to , se por “irrealism o ” se e n ten d er um a proposi­


ção claram en te falsa ou altam en te im provável, em v ista da
73

evidência disponível, não só é possível como necessário criticar


c re je ita r q u alq u er teo ria que n ela se baseie. E sta ap aren te
despreocupação de F ried m an om o conteúdo e veracidade das
hipóteses n a construção teórica é criticad a por K oopm ans que
afirm a:

“A ntes que possam os aceitar o ponto de v ista de que dis-


crepâncias óbvias e n tre os postulados de com portam ento
e o com portam ento d iretam en te observado não afetam o
poder de previsão de im plicações específicas dos p ostu­
lados, precisam os en ten d er porque estas discrepâncias não
im p o rtam ”

Isto é da m aior im portância em u m a ciência como a Eco­


nom ia, onde as oportunidades de verificação das previsões e
das im plicações deriv ad as dos postulados são escassas e onde
o resultad o dessa verificação perm anece m u itas vezes incerto.
As dificuldades de verificação parecem devidas tan to à v irtu a l
im possibilidade de experim entos científicos, em condições p ró ­
xim as à vida real, quanto à presença de m uitos fato res sim ul­
tan eam en te influenciando a vida económica. N essas condições
devem os ex p lo ra r toda evidência possível, seja d ireta ou indi-
reta, isto é, testando, quando possível, não só as conclusões
como tam bém as hipóteses da análise. Se em com paração com
o u tras ciências, a Econom ia tem m aiores dificuldades e obs­
táculos quase intransponíveis p ara a fru tífe ra experim entação
em condições de laboratório, as oportunidades de d ireta in tro s­
pecção ou d ireta observação dos indivíduos que tom am as deci­
sões são um a necessária fonte de evidências que, sob certos
aspectos, pode com pensar as referid as dificuldades.

“Nós não podem os nos sen tir confiantes ao agir baseados


no conhecim ento económico enquanto suas deduções não
reconciliarem os p adrões de com portam ento in d iv id u al
d iretam en te observados com tais im plicações p ara a eco­
nom ia com um todo, da form a pela qual nos encontram os
aptos a testá-los” (V. [7]).

E xiste outro im p o rtan te ponto. As posições de R obbins e


de F ried m an são cientificam ente conservadoras. S ejam os p o stu ­
lados colocados acim a de q u alq u er dúvida, sejam as dúvidas
relativ as a seu realism o suprim idas pela proposição de que a
79

verificação precisa e deve ser confinada a seus efeitos m ais


distantes, a consequência co n sistirá em d a r à teo ria económ ica
um a ap arên cia de in v u ln erab ilid ad e n em ju stificad a n em dese­
jável. C onsiderações desta ordem e o fato de que n em os pos­
tulados são evidentes por si mesm os, n em as im plicações de
vários conjuntos de postulados são efetiv am en te testados pelas
obervações, lev aram K oopm ans a su g e rir que

“( ) n ós devem os o lh ar p a ra a teo ria económ ica como


um a sequência de m odelos conceptuais que alm ejam e x ­
p ressar, de form a sim plificada, d iferen tes aspectos de
um a realid ad e m uito m ais com plexa. De início estes aspec­
tos são form alizados, sem pre q u e possível, de form a iso­
lada, p o sterio rm en te em com binações de crescente re a ­
lismo. Cada m odelo é definido por um conjunto de pos­
tulados de que se e x tra e m conclusões n a m edida consi­
d erad a razoável em relação aos aspectos da realid ad e e x ­
pressos pelos postulados. O estudo de m odelos sim plistas
protege-se da pecha de irrealism o pela consideração de que
estes m odelos devem ser encarados como protótipos dos m o­
delos subsequentes m ais realistas, m as tam b ém m ais com ­
plicados. A coleção desses conjuntos de argum entos,
rep resen tad o s por esses m odelos e com pletados com su ­
cesso, pode ser v ista com o contúdo lógico da teo ria econó­
m ica, como o rep o sitário de conhecim entos económico.

Nesse sentido a T eoria Económ ica é um processo cum u­


lativo de construção de conhecim ento que nos fornece um con­
ju n to de inform ações ex tre m am e n te úteis p a ra to m a r decisões.
N esta perspectiva, K oopm ans sugere que “a m elh o r proteção
contra a superestim ação da aplicabilidade das proposições eco­
nóm icas é cuidadosa enum eração das prem issas nas quais elas
se baseiam ”

A afirm ativ a de que um a hipótese só pode ser ju lg ad a pela


verificação em pírica de suas conclusões tam b ém pode ser c ri­
ticada pelas características dos testes aplicados em econom ia.
Como o critério com um ente utilizado de aceitação ou rejeição
de hipóteses económ icas é estatístico, n en h u m a refu tação ou
confirm ação pode ser final. O teste estatístico é essencialm ente
um “jogo co n tra a n a tu re z a ” : se estiverm os m ais desejosos de
ac eitar hipóteses falsas do que de re je ita r hipóteses corretas,
basta au m e n ta r o nív el de significância pelo q u al as testam os;
80

de outro lado, se estiverm os m ais preocupados com a rejeição


de hipóteses v erd ad eiras do que com a aceitação de hipóteses
falsas, b asta red u zir o n ív el de significância dos testes. Assim,
o m arco divisório pelo q u al com eçam os a ac eitar hipóteses é
a rb itrário , e depende de nossa predisposição em o b ter re su l­
tados significantes, a qual, por sua vez, depende do núm ero de
hipóteses alte rn a tiv a s já disponíveis na m esm a área. Em sum a,
o grau de confirm ação oferecido pela evidência em pírica em
econom ia é, ele próprio, u m juízo de v alo r en tre probabilidade
de hipóteses altern ativ as.

A pliquem os agora estas idéias a u m im p o rtan te problem a


de nossos dias: a alte rn a tiv a en tre inflação e desem prego. Em
seu livro, R. L IP S E Y [10] ap resentou este problem a como
exem plo de um a proposição económ ica positiva. Caso se aceite
c ponto de v ista de F ried m an sobre m etodologia, cada teoria
deve ser ju lg ad a por suas predições. L ipsey seguiu este m étodo,
e como seu trab alh o em pírico [11], bem como o de m uitos
outros econom istas, m ostrou e x istir a lte rn a tiv a (“trad e-o ff”),
ele aceitou sua existência ou, ao m enos, não a rejeitou. F rie d ­
m an, por sua vez, negando seus próprios princípios m etodoló­
gicos, e baseando a análise no realism o de suas hipóteses, escre­
veu em 1966 [2] um artigo onde “p ro v a” não e x istir ta l a lte r­
n ativ a (“trad e-o ff”) en tre inflação e desem prego. E ste seria
um resu ltad o n o rm al segundo os princípios m etodológicos de
Robbins, m as não os de F riedm an. P o r sinal, m uitos dos pontos
de vista de F ried m an parecem baseados, não n a verificação
em pírica das predições de suas teorias, m as em sua fé n as hipó­
teses subjacentes.

C ontradições sim ilares aparecem e n tre os econom istas


clássicos e neoclássicos. A pesar do au to ritário pronunciam ento
de J S. M ill de que “é indispensável v erifica r cuidadosa­
m ente nossa teoria, pela com paração dos resu ltad o s que ela
nos lev aria a prever, com os m ais fidedignos dados q u e possa­
mos o b ter dos eventos que efetiv am en te se realiza ra m ”, n en h u m
esforço sistem ático foi feito p ara te sta r as d o u trin as clássicas
contra o m a terial estatístico que tin h a se acum ulado d u ran te
a segunda m etade do século X IX . E quando havia algum a con­
tradição en tre a teoria e a realidade, a defesa h ab itu a l consistia
em atrib u í-la à atuação de “tendências em sentido co n trá rio ”,
m as sem efeitos sobre o resu ltad o final que h av eria de ocorrer
m ais cedo ou m ais tarde.
81

De acordo com a análise de BLA U G [1], o m esm o se aplica


a M arx:

“Sua ten d ên cia em a trib u ir todas as discrepância e n tre


sua teo ria e os fatos a ‘contradições in te rn a s ’ dialéticas do
capitalism o o p ro v eu de u m a p erfeita v álv u la de escape
co n tra a refutação. A dicionalm ente M arx foi um p erfeito
m estre da ‘falácia ap o calíp tica’: ex istem leis do m ovi­
m ento que são confirm adas pela evidência, ao m enos, cer­
tam en te, se ‘tendências em sentido co n trá rio ’ estiv erem
presentes, em cujo caso a evidência em p írica irá, no fu tu ro ,
co n firm ar a lei em q u estão ”

Os econom istas neoclássicos, p o r sua vez, u tilizav am em


seus m odelos variáv eis endógenas, p o r exem plo u tilid ad e, que
freq u en tem en te eram incapazes de ser m esm o em princípio
observadas, e m uitos dos teorem as por eles derivados não podiam
ser em p iricam en te testados. Pode-se ap o n tar três razões p rin ­
cipais p a ra tal. P rim eiro , os m odelos desenvolvidos não eram
estocásticos. Segundo, o c a rá te r m icroeconôm ico da análise
tornou difícil o teste em pírico, pois a m aio ria dos dados esta­
tísticos disponíveis era de n atu re z a agregativa. A dicionalm ente,
as regras p a ra tr a ta r certas v ariáv eis como exógenas eram
constan tem en te violadas. É óbvio que gostos, população e
tecnologia não som ente afetam , como tam b ém são afetados
pelas v ariáv eis endógenas típicas, além de se relacionarem
um as com as outras. A excusa p a ra este procedim ento é a
“facilidade de tra ta m e n to analítico e conveniência ex p o sitiv a”
M as a tendência e ten tação p ara e x tra ir da análise m ais in fe­
rências e conclusões do que é possível e justificado, dadas as
sim plificações, parece irresistív el. A m biciosas proposições sobre
a desejabilidade da concorrência p erfeita foram alinhadas sem
cautela.

Em conclusão, verifica-se que, a despeito da aceitação geral


de que proposições económ icas (e as hipóteses, p a ra m uitos)
devam ser testad as em piricam ente, pouco se cam inhou n esta
direção. E m u itas vezes, quando a verificação é efetuada, os
resultad o s ou são inconclusivos, ou não são aceitos p o r todos
os econom istas. Como se d iscu tiu acim a, ex istem razões p ara
tal fato, m as a idéia geral de que as proposições económ icas
devam , tan to q u anto possível, serem testad as é, na opinião da
m aioria, correta. Deve-se precaver, no entanto, de que isso
não im plica, ao m enos como um fato de vida, no único critério
p ara a aceitação de teorias na ciência económica.
82

3. D EFIN IÇ Ã O DA CIÊNCIA ECONÓM ICA

SAM UELSON, n a oitava edição de In tro d u ção à A nálise


Económ ica [13], após a p resen ta r seis sucintas definições de Eco­
nom ia, acrescenta:

“Os econom istas atu ais concordam com um a definição


m ais ou m enos como a seguinte: Ciência Económ ica é o
estudo de como o hom em e a sociedade decidem , com ou
sem o uso de m oeda, em p reg ar recursos produtivos escas­
sos, os quais podem te r usos altern ativ o s, p ara pro d u zir
bens e serviços ao longo do tem po e distribuí-los p ara
consumo, agora e no fu tu ro , en tre as v árias pessoas e
vários grupos da sociedade. Ela analisa os custos e b en e­
fícios da m elhoria das configurações n a alocação de
recu rso s”.

E sta definição é b astan te sim ilar à ap resen tad a por Jevons


h á quase um século, e corresponde ao tem a cen tral de teoria
económ ica que tem se desenvolvido e estudado nos países oci­
dentais ou, usando a term inologia m arx ista, esta é a “teoria
ecbnôm ica b u rg u esa” E n tretan to , como se arg u m en to u na
p rim eira p a rte deste trabalho, m uitos autores não concordam
com esta definição. É seu pensam ento que Econom ia, caso
seja possível ou desejável separá-la das dem ais ciências sociais,
deve se p reo cu p ar com relações m ais am plas ou em pesquisar
“problem as m ais fu n d am en tais” E ntendem que e stu d ar ap e­
nas o com portam ento de m ercados, sem an alisar as origens
e consequências das atividades económ icas e sua interação,
rev elará m uito pouco sobre elas, e especialm ente sobre sua
evolução histórica.

O utros autores têm argu m en tad o que, desde que a ativi-


dade económ ica é som ente um a p a rte da ativ id ad e hum ana,
não sendo um fim em si m esm a, m as um meio p ara obter
outros fins, deve se realizar de ta l form a que seja resp eitad a
sua n atu re za de meio e que contribua p a ra o desenvolvim ento
in te g ra l da pessoa hum ana.

Somos da opinião de que não existem razões básicas p ara


que estes problem as não sejam estudados pela Ciência Econó­
mica. A atividade económ ica ap resen ta não apenas aspectos
positivos e operacionais, m as tam bém com ponentes norm ativos,
83

e am bos são relev an tes p a ra análise. P o r um a questão de


conveniência analítica, sua distinção é m u itas vezes recom en­
dável, e m esm o indispensável. E n treta n to , no caso de reco m en ­
dações políticas e no ju lg am en to e avaliação do desem penho
económico, am bos devem ser considerados.

N esta lin h a de pensam ento, a seguinte definição de econo­


m ia nos parece m ais adequada. W ilhelm D ilthey, usando a
distinção e n tre c u ltu ra e n atu reza, divide as ciências em:

i. Ciências n atu ra is: que estu d am a n atu re z a como


ela se apresenta.

ii. C iências cu ltu rais: que estu d am a tra n sfo rm a ­


ção da n atu re za pelos hom ens.

Em econom ia esta transform ação ou participação é re p re ­


sentada pela organização da produção e consum o de bens e
serviços. Assim, pode-se d efin ir a Ciência Económ ica como
um a ciência c u ltu ra l que estu d a a atividade h u m an a relacio­
n ad a com a organização social da produção e consum o de bens
e serviços.

Concluindo, é necessário fazer duas observações sobre a


definição acim a ap resentada. Em prim eiro lugar, não se con­
sidera a distribuição e n tre pessoas e regiões dos bens e serviços
como um problem a distinto de seu consumo. Ao se e stu d a r
o consumo, im p licitam en te se está estudando sua distribuição.
E sta é a razão pela qual a distribuição da produção e da riqueza
não foi incluída na definição, m as isso não deve significar que
este problem a seja relegado a um plano inferior. Em segundo
lugar, a definição ap resen tad a deve ser enten d id a em um con­
tex to am plo e dinâm ico, dado que inclui não som ente o p ro ­
blem a estático de alocação de recursos, como no caso da defi­
nição neoclássica, m as igu alm en te as atividades h u m an as e
sociais em sua dim ensão histórica e cu ltu ral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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R in e h a rt & W in sto n : 1966.
[4] G ID E, C. e R IS T , C. — «A History of Economic Doctrines», 1949.
[5] H IC K S , J . R . — «Value and Capital», 2.a edição, O xford U niversity
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1.7] KOOPMANS, T .C . — «The C o n stru ctio n of Econom ic Knowledge»,
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[8] LANGE, O. — «The Scope a n d M eth o d of Economics», Review of
Economic Studies, vol. X III.
[ 9 ]------------- ------- — «M arxian Econom ics a n d M odern Econom ic Theory»
— Review of Economic Studies, ju n h o , 1935.
[10] L IPSE Y , R .G . — «An Introduction to Positive Economics», W eidenfeld
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[11 ] -------------------------«The R elatio n B etw een U nem ploym ent a n d th e R a te
of C hange in M oney W ages», Econom ica, nov., 1960.
[12] NAGEL, E . — «A ssum ptions in Econom ic Theory», in B re it e Hoc lim an
(eds.) — Readings in Microeconomics. Holt, R in e h a rt & W inston:
1966.

[13] SAM UELSON, Paul — «Introdução à Análise Económica», 8.a edição,


H arv ard U niversity P ress: 1975.

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