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Capítulo XX

RESPIRAÇÃO
Edson Ibrahim Mitre

Imprescindível para a manutenção da vida, a respiração também tem grande


importância em todos os processos de crescimento e desenvolvimento físico e
intelectual. A respiração correta, além de proporcionar o necessário aporte de oxigênio
para o metabolismo celular, garante o correto desenvolvimento anatômico e funcional
das mais diversas estruturas do corpo, pois é responsável pela produção de energia.
O nariz, sendo a porta de entrada do sistema respiratório, é responsável por
diversas funções que visam o preparo do ar inspirado para ser levado aos pulmões.
Assim, ele é responsável pela limpeza, aquecimento e umidificação do ar inspirado,
entre outras funções. Os seios paranasais contribuem para a equalização de pressões
na cavidade nasal, além de facilitar o aquecimento e umidificação do ar inspirado,
reduzir o peso do crânio e contribuir na ressonância da voz (1-3).
Além do nariz e seios paranasais, existem outras estruturas que são igualmente
importantes para uma boa respiração, e que participam, também do sistema
estomatognático. Existe uma íntima relação entre os ossos da face, dentes, músculos
e cavidades (nasais, paranasais e bucal), assim como com o sistema vascular e nervoso
correspondentes. Há muito tempo é conhecida a possibilidade de ossos e dentes
interferirem e provocarem alterações nas assim chamadas partes moles, sendo o inverso
até mais freqüente, muitas vezes determinadas pelas alterações respiratórias. Ocorrem
modificações contínuas em todas essas estruturas, constituindo um processo dinâmico.
Para um adequado atendimento ao paciente com alterações inerentes ao
sistema estomatognático, é necessário, portanto, um bom conhecimento de cada
estrutura que o compõe, assim como das relações topográficas entre essas estruturas
e, principalmente, das relações funcionais entre elas, sem esquecer dos imprescindíveis
conhecimentos fisiopatológicos envolvidos (4,6,7).

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA NASAL


A insuficiência respiratória nasal pode ter origem orgânica, quando existe um
obstáculo mecânico à respiração, ou funcional, quando as vias aéreas encontram-se pérvias.
A insuficiência respiratória orgânica pode ser devida a obstáculos mecânicos
dentro das cavidades nasais, nas coanas ou na rinofaringe, ou ainda na cavidade bucal.
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Por outro lado, a insuficiência respiratória nasal funcional ocorre com as vias
aéreas desobstruídas, sendo que, muitas vezes, o paciente já foi submetido a tratamento
cirúrgico de adenóides ou amígdalas hipertrofiadas, ou ainda apresenta crises de piora de
rinite alérgica. Existe o chamado hábito ou vício bucal. Existe, também, um terceiro
grupo, denominado de impotentes funcionais, que apresentam algum distúrbio
neurológico no controle do tônus muscular do sistema estomatognático, fazendo com
que o paciente mantenha a respiração oral. Estes pacientes também podem apresentar
alguma manifestação psiquiátrica associada ao quadro (1,2,4,8).
Quando identificada uma etiologia orgânica, é fundamental sua
caracterização para eliminá-la ou minimizá-la. Quanto mais precoce sua identificação
e tratamento, menores serão as conseqüências na função respiratória e na anatomia.

O INDIVÍDUO RESPIRADOR ORAL


A permanência de respiração oral por períodos prolongados acaba por
determinar modificações em diversas estruturas, sendo tão bem conhecidas que sua
identificação faz suspeitar da qualidade respiratória de um indivíduo. Estas
características tão comuns permitem caracterizar um quadro clínico denominado de
síndrome do respirador oral.
O indivíduo com síndrome do respirador oral apresenta, em geral, boca
entreaberta, com protrusão dos dentes anteriores e retração do lábio superior,
mantendo os dentes superiores à mostra. A língua é alargada e mal-posturada na
cavidade bucal. É facilmente notada a eversão do lábio inferior, conferindo um aspecto
de lábio mais espesso. Ao se solicitar o vedamento labial, o paciente o faz com esforço
muscular, conferindo tensão na musculatura mentoniana (Figura 9) e para-mentoniana

Figura 9.
Tensão
mentoniana
com esforço
para fechar
a boca em
paciente
respirador
oral.
e curvatura

Figura 10. Narinas estreitas, fusiformes, em pacientes com insuficiência respiratória nasal.

labial para baixo (expressão de mau-humor). Narinas muito estreitas, em formato de


fenda, características do desuso são comumente notadas (Figura 10), assim como a
coloração escurecida das pálpebras inferiores (“olheiras”). O exame da cavidade oral
permitirá evidenciar o palato elevado, e com arcada dentária estreita (“palato ogival”),
bem como as alterações de posicionamento e oclusão dentárias (Figura 11). Tais
características também são conhecidas como “fácies adenoidea”, pelo fato de ser comum
em pacientes com hipertrofia da tonsila faríngea (6-8).
Sob o aspecto comportamental, a sonolência excessiva é um dado marcante,
acompanhada de desatenção e baixo rendimento laborativo ou escolar. Alia-se, ainda,
a alteração de humor, caracterizando o paciente como irritadiço.
A redução no apetite se soma, em crianças, ao hipodesenvolvimento global,
repercutindo em menor estatura e peso. O eixo gravitacional também tende a se
alterar, com avanço da cabeça em relação ao tronco, que se encontra encurvado e
com o tórax afundado (5).

Figura 11. Distúrbios de oclusão dentária (acima) e palato ogival (abaixo) em paciente com respiração oral.
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Muitas vezes, a correção dos distúrbios respiratórios permite a recuperação do
desenvolvimento pôndero-estatural e melhora das características acima descritas.

OBSTRUÇÃO NASAL
A obstrução nasal é uma das causas mais freqüentes que levam pacientes
aos consultórios médicos. A análise de sua patogenia fornecerá meios para um
diagnóstico, orientação e tratamento corretos. A respiração nasal é a única fisiológica
para o homem, embora ele possa sobreviver respirando apenas pela boca.
Deve-se atentar para não confundir o ciclo fisiológico nasal com
obstrução nasal. Existe uma alternância fisiológica entre as cavidades nasais quanto
à passagem de ar, decorrente da variação do volume das conchas nasais, que
ocorre, aproximadamente, a cada duas horas. O fluxo aéreo expiratório pode ser
inferido, facilmente, com o emprego do espelho de Glatzel (Figura 12), que
permite, inclusive, determinar a inversão do ciclo nasal fisiológico (1,9).
Alterações na respiração nasal podem levar a modificações em vários aparelhos
e sistemas. No sistema respiratório, podem ocorrer insuficiência respiratória e infecções
respiratórias de repetição. As otites e problemas de tuba auditiva são comuns, da
mesma forma que conjuntivites, blefarites (inflamação palpebral) e dacriocistites
(inflamação do canal e saco lacrimal).
No segmento sensorial, anosmias, hiposmias, parosmias (distorção do olfato)
e cacosmias (odor fétido nasal) são bastante evidentes, assim como as disgeusias
(alterações do paladar).
Em relação à fala e articulação, o sigmatismo e a rinolalia aparecem com
certa freqüência, da mesma forma que a aerofagia, disfagia e a deglutição atípica. No

Figura 12. Emprego do espelho de Glatzel para avaliação da expiração nasal.


desenvolvimento físico, as alterações podem ser mais facilmente identificadas na face,
com assimetrias faciais, alterações ortodônticas, de posicionamento do palato e da
língua (3,6-8).
Efeitos importantes também são identificados no sono, sendo muito
freqüente a síndrome da apnéia/hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS), além de
agitação e terror noturno.
Os fatores patológicos que diminuem a permeabilidade nasal podem ser
divididos, segundo sua localização, em anteriores e posteriores, como veremos a seguir.

Obstrução Nasal Anterior


As causas mais freqüentes de obstrução nasal, localizadas nas cavidades nasais,
incluem rinites, sinusites, desvios de septo e da pirâmide nasal e hipertrofia de conchas
nasais. Outras afecções envolvem neoplasias nasais, hematomas e abscessos, corpos
estranhos, aderências entre estruturas (sinéquias) e pólipos (9).

Obstrução Nasal Pós-Nasal (ou Retronasal)


Indubitavelmente, a principal etiologia para a obstrução retronasal é a
hipertrofia da tonsila faríngea, ou adenóide. É claro que existem outras causas menos
comuns, como pólipos antro-coanais de Killian (pediculado na cavidade nasal, porém
ocupando a rinofaringe), neoplasias e a atresia ou imperfuração coanal, esta podendo
ser uni ou bilateral (2,9).
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot ; 1971.
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Enlow DH. Controle dos processos de crescimento facial. In: Enlow DH. Crescimento facial. 3a ed. São Paulo: Artes Médicas;
1993. p.223-42.
4. Hungria H. Manifestações alérgicas nasossinusais: rinite vasomotora; neurectomia do vidiano. In: Hungria H. Otorrinolaringologia.
8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.69-78.
5. Krakauer LRH. Relação entre respiração bucal e alterações posturais em crianças – uma análise descritiva. Rev SBFa 1998;2:18-25.
6. Marquesan IQ. Avaliando e tratando o sistema estomatognático. In: Lopes Filho OC, editor. Tratado de fonoaudiologia. São
Paulo: Roca; 1997. p.763-80.
7. Marquesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia – aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.
8. Rubin RM. Mode of respiration and facial growth. Am J Orthod 1980;78:504-10.
9. Sampaio PL, Caropreso CA, Bussoloti Filho I, Dolci JEL. Cirurgia das conchas nasais. In: Lopes Filho OC, Campos CAH.
Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.1003-13.

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