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Morais KS; Neto GBP. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação; 15(47); 10-15.
Resumo
Os cães braquicefálicos geralmente possuem alterações anatômicas das vias aéreas superiores que acar-
retam a síndrome braquicefálica. Essa é caracterizada por prolongamento do palato mole, estenose das
narinas, hipoplasia de traquéia e eversão dos sáculos laríngeos. Os principais sinais clínicos decorrem
das alterações anatômicas e incluem intolerância ao exercício, estertores, aumento do esforço inspirató-
rio, tosse, alteração de voz, dispnéia, cianose e síncope. Em casos crônicos, outros órgãos como o coração
e o pulmão podem apresentar alterações desencadeando o Cor Pulmonale e a Síndrome da Angústia
Respiratória Aguda. O tratamento depende da gravidade da doença e, em casos avançados, geralmente
é cirúrgico.
Abstract
Brachycephalic dogs usually have upper airways anatomical anomalies that lead to the brachycepha-
lic syndrome. This syndrome is characterized by the elongated soft palate, stenotic nares, hypoplastic
trachea and everted laryngeal saccules. The main clinical signs are due to the anatomical changes and
include exercise intolerance, rales, increased inspiratory effort, cough, voice alteration, dyspnea, cyano-
sis and syncope. In chronic cases, other organs such as the heart and the lung may present changes that
trigger to the Cor Pulmonale and the Acute Respiratory Distress Syndrome. Treatment depends on the
severity of the disease and is usually surgical in advanced cases.
Introdução
Os cães são a espécie que possuem maior diversi- várias modificações anatômicas ocorreram e acar-
dade, variação em tamanho e conformação, quando retaram graves dificuldades respiratórias (4,5).
comparados a outros animais domésticos (1,2). Em O objetivo deste trabalho foi detalhar essas
relação ao crânio, o cão doméstico apresenta três ti- modificações anatômicas, enfatizando suas conse-
pos de conformações (1,3), sendo o braquicefálico quências para o animal, bem como outros aspectos
apresentando crânio curto e largo, com a mandí- clínicos relevantes para o diagnóstico e o tratamen-
bula sobressaindo-se rostralmente à maxila (3). Em to da síndrome.
decorrência da sua criação extremamente seletiva,
no sangue e diminuir a inflamação secundária ao dal. Os tecidos moles e a musculatura sob a porção
edema de tecidos moles, respectivamente. Porém, o do corte do palato mole são excisados em conjunto.
tratamento terapêutico é paliativo, pois não modi- A dissecção termina quando a mucosa do palato
fica as anormalidades anatômicas. Devido a isso, a mole é reduzida à nasofaringe. A borda caudal do
cirurgia é o tratamento mais eficaz (15). palato mole é retraída até a borda rostral da incisão
Alguns procedimentos cirúrgicos podem ser re- trapezoidal e suturada com pontos simples e inter-
alizados para desobstruir a passagem do ar, como rompidos utilizando fio monofilamentar absorvível
ressecção parcial das narinas estenóticas, do palato (33).
mole e vestibuloplastia nasal (5,29). No transcirúrgico deve-se administrar antiin-
flamatório como doses de corticóide (Prednisolo-
Narinas e vestíbulo na, 0,5-1 mg / kg) imediatamente antes ou após a
A ressecção das narinas (nasoplastia) deve ser indução para reduzir edemas. Quando necessário,
realizada com o animal ainda filhote, por volta dos repete-se o corticóide após a cirurgia para reduzir
4 a 6 meses de idade, pois pode auxiliar a não de- a obstrução das vias aéreas. Com analgesia e seda-
sencadear outras alterações secundárias, como o ção, a recuperação é lenta e suave com o tubo endo-
edema do palato mole (14,30,31). traqueal mantido enquanto possível. A oxigenote-
Existem alguns métodos para o tratamento ci- rapia minimiza a ansiedade e, geralmente, nega a
rúrgico de narinas estenóticas, porém o método necessidade de tubo de traqueostomia, porém, ani-
de eleição é a ressecção em cunha. Consiste numa mais que não melhoram após a ressecção adequada
excisão em cunha da asa da narina e de parte da ou que apresentam melhora apenas momentânea,
cartilagem alar, retirando um fragmento de tecido seguidos de grave desconforto respiratório, geral-
cuneiforme da secção frontal da asa do nariz. A mente se beneficiam do procedimento (8).
base da cunha deve possuir no mínimo metade da
borda livre da narina. Após a excisão, realizam-se Laringe
suturas simples e interrompidas com fio monofila- As alterações na laringe também são secundá-
mentar absorvível (32). rias a estenose das vias craniais. Os sáculos larín-
Em animais que possuem vestíbulos estenóti- geos invertidos são removidos e, geralmente, o pa-
cos, a solução terapêutica é a vestibuloplastia nasal. ciente estabiliza após a cirurgia. Quando ocorre o
A obstrução intranasal pode ser tratada através da colapso laríngeo de grau mais avançado, pode ser
ressecção do corneto que provoca a estenose, por realizada a aritenoidectomia para a desobstrução
exemplo, por meio de turbinectomia assistida a la- da rima glótica. No colapso laríngeo grave, o ani-
ser (5). mal corre risco de óbito e, portanto, a traqueosto-
mia permanente é indicada (14,31,34).
Palato mole
A segunda cirurgia de eleição é a ressecção do
palato mole (estafilectomia) (30). Existem algumas
Considerações finais
técnicas cirúrgicas que dependem do instrumental A seleção dos animais para a obtenção estética
utilizado, mas todas possuem a mesma função, ou da braquicefalia extrema leva a alterações anatô-
seja, retirar o excesso de tecido mole para liberar a micas que diminuem a qualidade de vida. Atual-
passagem do ar (33). As técnicas mais utilizadas são mente, os cães braquicefálicos são cada vez mais
a ressecção com bisturi ou tesoura convencional, a encontrados como animais de estimação e, conse-
ressecção a laser e a criocirurgia (29). quentemente, estão cada vez mais presentes nas
O procedimento é realizado posicionando o cão clínicas veterinárias. Sendo assim, a síndrome bra-
em decúbito ventral, mantendo-se a sua boca aber- quicefálica se torna recorrente na rotina do clínico
ta. A língua é tracionada rostralmente e fixada para veterinário, cabendo a esse profissional diagnosti-
permitir a exposição da orofaringe. A borda caudal car e dar suporte ao animal que possui a doença o
do palato mole é tracionada através de suturas e re- mais rápido possível, a fim de se evitar a diminui-
traída rostralmente, até que a abertura caudal da ção da sua qualidade de vida devido à progressão
nasofaringe possa ser visualizada. A mucosa ven- do quadro.
tral do palato mole é incisada em forma trapezoi-
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