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Parte 1

Enfisema

Ao contrário do que ocorre na espécie humana, na qual o enfisema pulmonar é uma alteração
que frequentemente resulta em alterações clínicas importantes, na maioria das espécies
domésticas o enfisema pulmonar carece de importância clínica, com exceção dos equinos
(conforme detalhado a seguir). Por definição, enfisema pulmonar significa distensão excessiva
e anormal dos alvéolos associada à destruição de paredes alveolares, o que caracteriza excesso
de ar nos pulmões, ou seja, condição contrária à atelectasia. Nas espécies domésticas, o
enfisema pulmonar pode ser de dois tipos: alveolar e intersticial.

O enfisema alveolar (vesicular) é caracterizado por excesso de ar nos alvéolos, acompanhado


ou não de destruição de paredes alveolares. Caso haja destruição de paredes alveolares, o
processo tornase irreversível. A patogênese do enfisema alveolar envolve a obstrução parcial
ou “obstrução expiratória” da árvore brônquica. Cabe enfatizar que o processo de inspiração é
ativo e coincide com a dilatação das vias respiratórias, enquanto a expiração é passiva e
associada à diminuição do diâmetro brônquico decorrente da contração da musculatura lisa.
Isso faz com que, como resultado de uma obstrução brônquica parcial, ocorra entrada de ar
nos alvéolos por ocasião da inspiração, mas não ocorra a saída do ar durante a expiração, de
modo que há acúmulo de quantidade excessiva de ar nos alvéolos.

O enfisema alveolar é uma patologia importante no ser humano fumante. Na espécie humana,
além de obstrução parcial das vias respiratórias, ocorre também destruição enzimática
(proteólise) das paredes alveolares. Entre os animais domésticos, o enfisema alveolar é mais
importante na espécie equina, particularmente na doença conhecida como complexo
bronquioliteenfisema crônico, que acomete principalmente animais mantidos em baias e
ambientes empoeirados. Essa condição também é conhecida como asma equina ou doença
pulmonar obstrutiva crônica ou como heaves, na literatura de língua inglesa, embora a
nomenclatura “obstrução recorrente das vias respiratórias” tenha sido proposta. O enfisema
alveolar nesses casos é secundário às lesões bronquiais e bronquiolares descritas
anteriormente na seção sobre inflamação brônquica.

Embora mais importante na espécie equina, outras espécies domésticas também são
suscetíveis ao enfisema alveolar, de modo que qualquer processo que cause broncoestenose
com obstrução brônquica parcial pode resultar em enfisema alveolar, como bronquites,
compressões externas ao brônquio e hipertrofia de musculatura lisa de parede brônquica,
como ocorre nos casos de infestação por vermes pulmonares.

Macroscopicamente, a área afetada encontrase aumentada de volume, uma vez que não
ocorre colapso da área enfisematosa, que tem coloração róseoclara, superfície elevada em
relação às áreas normais, consistência fofa e hipercrepitante, deixando impressão dos dedos à
palpação. É importante ressaltar que acúmulo de ar ou a hiperinflação das bordas craniais e
ventrais dos pulmões é comum em animais velhos, particularmente em cães, e carece de
algum significado clínico.

O enfisema intersticial (tipo rosário) é caracterizado pelo acúmulo de ar no interstício, ou seja,


nos septos interlobulares e, eventualmente, no conjuntivo subpleural e vasos linfáticos.
Macroscopicamente, são observadas bolhas de ar nos septos interlobulares, o que confere um
aspecto semelhante ao de um rosário ao septo interlobular (Figura 1.33). Essa lesão ocorre em
espécies que têm pulmão septado (com lobulação completa e ausência de ventilação
colateral). Por isso, essa lesão é observada frequentemente em bovinos, com baixa frequência
em suínos e raramente em equinos, não ocorrendo em outras espécies de animais domésticos.
É importante esclarecer que não há nenhuma relação, sob o ponto de vista de patogênese,
entre o enfisema alveolar descrito anteriormente e o enfisema intersticial. O enfisema
intersticial é muito frequente em bovinos que sofrem morte agônica em que ocorre ruptura de
grande número de alvéolos pulmonares e passagem do ar para os septos interlobulares, que
são bastante evidentes nessa espécie. Embora a patogênese desse processo não tenha sido
investigada experimentalmente, presumese que o ar seja forçado para o espaço intersticial em
situações em que ocorre colapso dos bronquíolos durante expiração forçada. Por isso, essa
lesão só se desenvolve na ausência de ventilação colateral. Movimentos de inspiração forçada
também podem fazer com que o ar penetre no espaço intersticial se a pressão no tecido
conjuntivo intersticial for menor do que a pressão intraalveolar.

Alterações inflamatórias

Por definição, pneumonia é o termo utilizado para designar uma inflamação que envolve o
pulmão. Existem outros termos aplicáveis aos processos inflamatórios do pulmão, como
pneumonite, que se refere a um processo crônico, proliferativo, localizado no interstício
(septos alveolares, conjuntivo peribrônquico e peribronquiolar). O termo pneumonite é
empregado como sinônimo de pneumonia instersticial. Alveolite é um termo utilizado durante
a fase exsudativa da pneumonia intersticial, ou pneumonite. Tendo em vista que o emprego de
todos esses termos para designar inflamação pulmonar pode ser extremamente confuso, será
utilizado exclusivamente o termo pneumonia para designar todos os diferentes tipos de
respostas inflamatórias que ocorrem nos pulmões.

Figura 1.33 Bovino. Enfisema pulmonar intersticial.

As pneumonias podem ser classificadas quanto ao curso em superaguda, aguda, subaguda e


crônica. Quanto ao tipo de exsudato produzido, as pneumonias podem ser classificadas em
catarral, fibrinosa, purulenta, hemorrágica, necrótica e granulomatosa, sendo a combinação
entre esses tipos bastante comum; por exemplo, catarropurulenta, fibrinonecrótica ou fibrino-
hemorrágica.

Outra forma extremamente importante de classificação dos processos pneumônicos se refere


ao local de início do processo. Essa classificação é a base dos padrões anatômicos de
pneumonia; segundo ela, os processos pneumônicos podem ser divididos em:
broncopneumonia, que se inicia na junção bronquíoloalvéolo; pneumonia lobar, que também
tem início na junção bronquíoloalvéolo, porém apresenta evolução rápida; e pneumonia
intersticial (pneumonite), que se inicia no interstício.

Broncopneumonia

A característica mais importante para classificar um processo pneumônico como


broncopneumonia é o local de origem do processo inflamatório, o qual, nesse caso, é a junção
bronquíoloalvéolo. Nas broncopneumonias, os agentes causadores chegam ao pulmão por via
aerógena ou broncogênica. Existem várias razões para a maior suscetibilidade dessa área. Uma
dessas razões é ser esse o principal local em que ocorre deposição de pequenas partículas,
com diâmetro entre 0,5 e 0,2 μm. O motivo para maior deposição nessa área é a diminuição
abrupta da velocidade do fluxo de ar no momento em que o ar entra nos alvéolos, o que
possibilita a sedimentação das partículas na junção bronquíoloalvéolo. Outra razão é o fato de
a junção bronquíoloalvéolo não ter a proteção do lençol mucociliar, como os brônquios e
bronquíolos, e também não ter um sistema de fagocitose por macrófagos semelhante ao que
ocorre nos alvéolos.

A localização das lesões nos casos de broncopneumonias é cranioventral, característica


importante para o reconhecimento macroscópico dessa condição (Figura 1.34). A predileção
pelas porções cranioventrais se deve aos seguintes fatores: menor extensão das vias
respiratórias que suprem essa região, o que proporciona menor eficiência na filtragem do ar
inspirado pelo lençol mucociliar; maior turbilhonamento do ar nessa área, o que pode causar
maior desgaste do epitélio; e a ação da gravidade, que dificulta a eliminação das partículas
infecciosas e de exsudato dessas porções do pulmão.

Figura 1.34 Suíno. Broncopneumonia (pneumonia enzoótica micoplásmica suína) caracterizada


por áreas de consolidação de coloração vermelhoescura e distribuição cranioventral.

Entre os fatores predisponentes à broncopneumonia, um dos mais importantes é o


agrupamento de animais. Em situações em que a densidade de indivíduos é muito alta, há
favorecimento para que grande número de microrganismos atinja a junção bronquíoloalvéolo,
aumentando acentuadamente o desafio para os mecanismos de defesa do trato respiratório.
Essa situação é comum nos confinamentos, em que animais de diferentes origens entram em
contato, sendo expostos a organismos contra os quais não têm imunidade específica. Esse
fato, associado ao alto grau de desafio descrito anteriormente, favorece acentuadamente o
estabelecimento de infecção e o desenvolvimento de broncopneumonia.

Além de aglomeração de animais, qualquer fator que comprometa os mecanismos de defesa


do pulmão, principalmente a diminuição da eficiência do lençol mucociliar e dos macrófagos
alveolares, predispõe à broncopneumonia. Tal condição ocorre nas seguintes circunstâncias:
desidratação, que provoca aumento na viscosidade e, consequentemente, diminuição da
eficiência do lençol mucociliar; frio excessivo, que compromete a integridade do epitélio
respiratório, particularmente quando o animal é submetido a exercício ou esforço físico sob
temperatura abaixo de 5°C ou quando o animal é submetido a uma variação abrupta de
temperatura; infecções virais, que favorecem o estabelecimento de infecções secundárias;
inalação de gases tóxicos, como amônia (NH3), gás sulfídrico (H2S), excesso de gás carbônico
(CO2) e oxigênio puro; anestésicos; discinesia ciliar primária, que compromete o
funcionamento do lençol mucociliar e favorece a colonização do trato respiratório por
microrganismos; inanição; uremia e acidose; imunossupressão; doenças crônicas do pulmão e
do coração; e faixa etária, de modo que animais jovens e senis são mais suscetíveis.

As causas infecciosas são as mais comuns nos casos de broncopneumonia, particularmente


agentes bacterianos. Geralmente, ocorre associação estreita do agente causador com os
fatores predisponentes mencionados anteriormente. Na Tabela 1.2 estão listados alguns
exemplos de causas infecciosas mais frequentes de broncopneumonia nas diferentes espécies
domésticas.

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