Você está na página 1de 3

Parte 2

Frequentemente, infecções pulmonares de origem viral sofrem complicação devido à infecção


bacteriana secundária. Por isso, alguns vírus, como o da cinomose em cães e o vírus sincicial
respiratório bovino (BRSV, bovine respiratory syncytial virus) em bovinos, causam
primariamente pneumonia intersticial (descrita a seguir), mas geralmente, por ocasião da
necropsia, observase broncopneumonia associada à pneumonia intersticial, sendo esta
condição frequentemente chamada de pneumonia broncointersticial. As lesões associadas à
infecção pelo BRSV são muito variáveis, podendo ocorrer

broncopneumonia ou pneumonia intersticial. Contudo, o achado de células sinciciais nos


bronquíolos e alvéolos de bovinos é sugestivo da infecção pelo BRSV. De modo semelhante,
infecção pelo vírus da cinomose pode resultar em processo de pneumonia intersticial
associada à broncopneumonia (Figura 1.35), e, nessa doença, frequentemente observamse
células sinciciais contendo corpúsculos de inclusão eosinofílicos intracitoplasmáticos (Figura
1.36). Um estudo baseado em identificação de antígenos virais por imunohistoquímica em 35
casos de pneumonia em cães resultou na detecção de pelo menos um agente viral (vírus da
cinomose, parainfluenza 2 ou adenovírus canino tipo 2) em todos os casos, e o vírus da
cinomose foi identificado em 77% dos casos. Em meados da década de 1990 foi identificado
um morbilivírus de equinos (semelhante ao vírus da cinomose) que causa pneumonia
intersticial com formação de células sinciciais, inclusive em células endoteliais de vasos
pulmonares em equinos.

Tabela 1.2 Etiologias infecciosas mais frequentes de broncopneumonia nas espécies


domésticas.

Figura 1.35 Cão. Broncopneumonia associada à pneumonia intersticial (pneumonia


broncointersticial) com exsudato mucopurulento no lúmen traqueal em um caso de cinomose.

Figura 1.36 Cão. Micrografia de pulmão contendo célula sincicial com corpúsculo de inclusão
intracitoplasmático (seta), características histológicas de pneumonia pelo vírus da cinomose.

De maneira geral, as características macroscópicas da broncopneumonia são áreas de


consolidação ou hepatização (a consistência da área lesionada fica semelhante à do fígado)
cranioventrais, de coloração vermelhoescura ou acinzentada, localizada nas porções
cranioventrais, sempre seguindo a orientação lobular. Podem ocorrer coalescência e
comprometimento de todo o lobo. Ao corte, observase superfície úmida, quando o processo é
supurado (exsudato mucopurulento ou purulento nas vias respiratórias) (Figura 1.37), ou
superfície ressecada, quando o exsudato é do tipo fibrinoso (Figura 1.38).

Microscopicamente, a inflamação inicial ocorre na junção bronquíoloalvéolo; nessa fase,


bronquíolos e alvéolos adjacentes são rapidamente preenchidos por líquido de edema rico em
proteína, fibrina, neutrófilos, eritrócitos e alguns macrófagos (Figura 1.39). Com o passar do
tempo, as lesões mais crônicas são caracterizadas por maior quantidade de macrófagos e
proliferação de pneumócitos tipo II.
A broncopneumonia apresenta evolução cronológica das lesões com características
morfológicas distintas. Inicialmente, ocorre a fase de congestão, que é seguida da hepatização
vermelha; posteriormente, a hepatização cinzenta e, finalmente, a fase de resolução.

Figura 1.37 Bovino. Superfície de corte em uma área de consolidação decorrente de


broncopneumonia supurada com drenagem de grande quantidade de exsudato purulento.

Figura 1.38 Bovino. Superfície de corte de uma área de consolidação decorrente de


broncopneumonia fibrinosa, com aspecto ressecado e septos interlobulares espessos.

Figura 1.39 Bovino. Acúmulo de grande quantidade de neutrófilos no lúmen bronquiolar e


neutrófilos com alguns macrófagos nos alvéolos do parênquima adjacente, caracterizando,
histologicamente, um quadro de broncopneumonia. Nesse caso, foi isolada Pasteurella sp.

A fase de congestão é caracterizada por dilatação dos capilares dos septos alveolares. Esse
fenômeno se estabelece em poucas horas. Macroscopicamente, as áreas afetadas
apresentamse aumentadas de volume, de consistência um pouco mais firme do que o normal
e de coloração vermelhoescura; além disso, flui grande quantidade de sangue ao corte. Os
fragmentos, imersos em água, não submergem, uma vez que, nessa fase, ainda existe ar
dentro dos alvéolos.

Na fase de hepatização vermelha, há grande quantidade de hemácias dentro dos alvéolos,


sendo possível observar também alguns leucócitos e fibrina. Essa fase tem duração de
aproximadamente 2 a 3 dias. Macroscopicamente, as áreas afetadas estão aumentadas de
volume (não estão deprimidas em relação ao parênquima normal, como na atelectasia) e têm
coloração vermelhoescura e consistência firme.

A fase de hepatização cinzenta é caracterizada pela intensa presença de leucócitos,


predominantemente neutrófilos, nos alvéolos. Essa fase tem duração de aproximadamente 4 a
5 dias. Macroscopicamente, é semelhante à fase anterior, mas a coloração é acinzentada, e
não necessariamente há elevação em relação à superfície do órgão.

Durante a fase de resolução, os agentes infecciosos são eliminados, e a fibrina é liquefeita por
substâncias líticas produzidas pelos neutrófilos. Ao final de poucos dias, o material liquefeito
ou parcialmente liquefeito é expelido ou drenado pelos linfáticos. O epitélio alveolar se
regenera, e, em curto espaço de tempo, o pulmão volta à normalidade morfológica e
funcional. O processo de resolução tem duração variável e dependente do tipo de
broncopneumonia ou da extensão e natureza da lesão. Como exemplo, uma
broncopneumonia catarral purulenta discreta entra em fase de resolução entre 7 e 10 dias, e o
pulmão volta ao normal em 3 a 4 semanas. A resolução das broncopneumonias é quase
sempre incompleta nos ruminantes e suínos, uma vez que a ventilação colateral nessas
espécies é ausente ou pouco desenvolvida, o que dificulta a expulsão do exsudato das vias
respiratórias. Por isso, a broncopneumonia nos bovinos frequentemente resulta em
atelectasia, bronquite com bronquiectasia supurada crônica e bronquiolite.

Nos casos em que a fase de resolução não evolui de forma satisfatória, podem ocorrer
complicações, como: atelectasia; fibrose do parênquima pulmonar (proliferação de tecido
conjuntivo fibroso); bronquiectasia, que é mais comum nos bovinos; necrose com formação de
abscessos, cujas causas mais comuns incluem Trueperella (Arcanobacterium) pyogenes nos
ovinos, suínos e bovinos, Bordetella bronchiseptica nos cães e Streptococcus sp. nos equinos –
eventualmente, os abscessos pulmonares podem provocar erosão vascular e hemorragia fatal
ou podem se romper para dentro da cavidade pleural, causando pleurite e piotórax; pleurite
com formação de aderências; e morte por hipoxia associada à toxemia.

Pneumonia lobar

A pneumonia lobar também tem início na junção bronquíoloalvéolo, geralmente afeta as


porções cranioventrais e os agentes causadores chegam ao pulmão por via aerógena ou
broncogênica, de maneira idêntica ao que ocorre nas broncopneumonias. A diferença entre
esses dois processos é que a evolução da pneumonia lobar é mais rápida e o processo é mais
extenso. Portanto, a pneumonia lobar nada mais é do que uma broncopneumonia fulminante.

Existe correlação entre ocorrência de pneumonia lobar e estresse. Nos bovinos, a forma mais
comum de estresse é o transporte; por isso, a causa mais comum de pneumonia lobar em
bovinos é a infecção por Mannheimia (Pasteurella) haemolytica associada a condições
estressantes, particularmente o transporte. Essa condição é conhecida como febre dos
transportes (ver pasteurelose pulmonar bovina, na seção sobre doenças específicas). Alguns
estudos evidenciam a participação de agentes virais na patogênese da febre dos transportes,
inclusive com potencial participação do coronavírus respiratório bovino. As causas mais
comuns de pneumonia lobar nas diferentes espécies domésticas estão listadas na Tabela 1.3.

Quanto ao curso, a pneumonia lobar pode ser classificada em superaguda e aguda. Nesses
casos, geralmente o processo não progride para cronicidade devido à evolução rápida e à alta
taxa de letalidade. Quanto ao tipo de exsudato, a pneumonia lobar pode ser classificada em
fibrinosa ou fibrinopurulenta (mais comum), hemorrágica ou necrótica. A exsudação de fibrina
indica que o processo inflamatório é grave, uma vez que há aumento acentuado da
permeabilidade vascular.

Macroscopicamente, a pneumonia lobar é caracterizada por áreas de consolidação


cranioventrais, envolvendo difusamente os lobos, em geral a totalidade de um ou mais lobos,
que se apresentam de coloração ou uniforme, com espessamento da pleura e alargamento dos
septos interlobulares, devido à exsudação de fibrina e ao edema. É comum a presença de
áreas de necrose.

A ocorrência de complicações nos casos de pneumonia lobar é mais comum do que nos casos
de broncopneumonia. Tais complicações incluem: morte, que ocorre com frequência muito
maior do que nas broncopneumonias e se deve, na maioria dos casos, à hipoxia associada à
toxemia; formação de abscessos e disseminação do agente por via hematógena ou linfática;
empiema da cavidade pleural, principalmente devido ao rompimento de abscessos
pulmonares; pericardite e peritonite; fibrose; endocardite; toxemia; poliartrite fibrinosa e
meningite.

Pneumonia intersticial

No caso da pneumonia intersticial, o local de origem do processo é diferente dos padrões de


pneumonia descritos anteriormente, uma vez que o processo tem início nos septos alveolares,
não ocorrendo envolvimento das vias respiratórias.

Você também pode gostar