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Bronquiectasias e abscessos pulmonares representam
doenças pulmonares supurativas, em que a produção de secreção
purulenta abundante é característica. A pneumonia necrotizante,
entretanto, também é considerada por alguns autores como uma
doença supurativa pulmonar.

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Abscesso pulmonar consiste em uma lesão necrótica do
parênquima pulmonar contendo pus, decorrente de infecção
bacteriana, geralmente maiores que 2 cm de diâmetro. Na
imaginologia, mostra-se com nível hidroaéreo. Boa parte dos
abscessos é resultado de uma pneumonia não tratada ou devido à
presença de tumores de pulmão, como fatores secundários que
impeçam a evolução normal da pneumonia.
Deve-se diferenciar abscesso de pulmão com pneumonia
necrotizante, doença que cursa com um infiltrado pneumônico circundado por áreas de liquefação (necrose) na forma de pequenas
cavidades pulmonares (menores que 2 cm) em mesma região. No abscesso, há apenas uma área única, grande e, geralmente, com
nível hidroaéreo.

IMPORTÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA
O abscesso pulmonar era muito mais comum antes da invenção dos antibióticos. Boa parte dos pacientes com infecções
respiratórias no passado, quando não havia um tratamento adequado contra elas, evoluíam com necrose do parênquima e abscesso.
Hoje em dia, abscesso pulmonar é quadro raro e isolado, sendo mais comum em pacientes abandonados, que moram nas ruas e/ou
etilistas – de um modo geral, pacientes que não tem acesso ao tratamento.
De fato, na era pré-antibiótica, 1/3 dos pacientes com infecção pulmonar evoluíam para óbito e 1/3 deles permaneciam com
sequelas pulmonares. Apenas 1/3 dos pacientes conseguiam a recuperação do quadro. Atualmente, a mortalidade é mais baixa: 9 a
28%. A mortalidade é maior quando há outras doenças associadas ao abscesso, como as neoplasias.

CLASSIFICAÇÃO
O abscesso pulmonar pode ser classificado quanto a sua cronicidade ou com a associação de fatores secundários.
Cronicidade: o abscesso pulmonar pode ser classificado em agudo (quando o paciente apresenta sintomas, como tosse,
até 30 dias) ou crônico (quando o paciente apresenta sintomas por mais de 30 dias). A maioria dos abscesso crônico (cerca
de 40% deles), em que o paciente apresenta por mais de 30 dias tosse com expectoração abundante. Não é uma
classificação tão importante para clínica médica.
Associação com outras lesões: podemos classificar o abscesso em:
Primário: que não apresenta outra lesão anatômica secundária. Consiste, por exemplo, em uma pneumonia que
não foi tratada e que evoluiu com abscesso e necrose de parênquima. 80% dos abscesso são primários, mas hoje
em dia, com a grande variedade de antibióticos, deve-se sempre procurar uma causa secundária.
Secundários: presença de fatores locais que impedem que a pneumonia seja inteiramente tratada ou saneada.
Consiste, por exemplo, em um tumor que obstrui um brônquio lobar. Em resumo, abscesso secundários são aqueles
causados por complicações tumorais, corpos estranhos, linfonodomegalias – enfim, são fatores que podem obstruir
o brônquio lobar.

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FISIOPATOLOGIA Outros mecanismos menos comuns para
Como se sabe, há quatro maneiras de transmissão de desenvolver abscessos a partir da infecção são:
infeções pulmonares: (1) microaspiração de gotículas de saliva hematogênico (embolia séptica), Síndrome de Lemierre
(0,1 a 0,2 mL) presentes na faringe do infectado e que ganham (tromboflebite jugular) e extensão de outro foco contínugo.
as vias aéreas do paciente que, se apresentar algum tipo de
déficit imunológico, desenvolve a doença (como ocorre na MICROBIOLOGIA
pneumonia); (2) inalação de germes suspensos no ar (como A microbiologia do abscesso é bastante variada. Ele
ocorre na tuberculose ou na micose pulmonar); (3) pode ser causado por bactérias Gram-positivas, Gram-
disseminação de bactérias infiltradas no sangue que, depois negativas e germes anaeróbios, sendo este último o grupo
de passarem pelo coração direito, chegam ao pulmão mais importante e responsável pelo cheiro pútrido das
(causando pneumonia hematogênica); (4) presença de expectorações dos pacientes. Além delas, existem as
abscessos em órgãos ou cavidade abdominais que podem bactérias de alta virulência que, no 2º a 3º dia de infecção, já
romper e alcançar o pulmão. Portanto, todos estes desenvolvem necrose pulmonar.
mecanismos podem explicar a formação de pus no
parênquima pulmonar. 90% das pneumonias são da forma MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
microaspirativa.
Contudo, o abscesso se apresenta principalmente Sintomatologia.
como complicação de uma pneumonia macroaspirativa (ou As principais manifestações clínicas dos abscessos
aspirativa, simplesmente) ou de uma pneumonia necrotizante. pulmonares são: tosse, expetoração (com odor fétido),
A pneumonia aspirativa ou macroaspirativa consiste vômica, febre, dor torácica, prostração (emagrecimento) e
na inalação inadvertida de material gástrico ou da orofaringe, hemoptise.

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o qual se acumula em lobo pulmonar (principalmente o inferior Assim como a maioria das doenças pulmonares, o
direito, devido à construção anatômica do brônquio fonte abscesso também cursa com tosse e expectoração de odor
direito) de pacientes debilitados, na maioria das vezes. fétido (devido à presença de bactérias anaeróbias e o produto
de seu metabolismo e de decomposição do parênquima
OBS1: Contudo, nem toda aspiração causa pneumonia – é um pulmonar). O paciente pode referir que seu escarro é
fator determinante a presença de patógenos no material extremamente pútrido, chegando a causar vergonha diante
inalado, o que pode não ocorrer sempre. A síndrome de da família, ou é possível sentir, durante a tosse, o odor fétido.
Mendelson, por exemplo, é caracterizada pela aspiração do O paciente pode evoluir ainda com vômica, que
refluxo gastro-esofágico em pacientes inconscientes e pode consiste na expectoração de uma grande quantidade de
causar uma pneumonite química, mas não bacteriana, pois no material purulento que, provavelmente, estava represado no
meio ácido, poucas bactérias se desenvolvem. Portanto, a abscesso.
aspiração de uma quantidade razoável de suco gástrico pode A história de evolução do abscesso geralmente é
causar insuficiência respiratória devido ao edema causado arrastada e demorada (como vimos, grande parte dos
pela lesão da mucosa respiratória, mas não devido à presença abscessos são crônicos). Portanto, pacientes que referem
de bactérias. sintomas característicos de abscesso podem apresentar esta
patologia a muito mais tempo do que se imagina.
Os fatores considerados como predisponentes para A hemoptise que pode ocorrer no abscesso pode ser
a macroaspiração são: explicada pela necrose que ocorre nesta condição patológica:
Rebaixamento do nível de consciência: alcoolismo, a destruição do parênquima pode comprometer vasos
drogas (diazepam, por exemplo), sequela brônquicos e ocasionar o sangramento.
neurológica, anestesia geral.
Disfunção de deglutição: sequela neurológica. Antecedentes.
Doença periodontal: é óbvio que, quanto maior a É necessário pesquisar e/ou questionar ao paciente
presença de antíngenos na cavidade oral, maior será os seguintes antecedentes:
a chance de desenvolver pneumonia. A aspiração de Perda de consciência recente: muito comum em
sulco gástrico, por exemplo, por se tratar de uma pacientes epilépticos que, depois de uma crise
secreção corpórea com pouca ou nenhuma bactéria, intensa, em que houve aspiração de conteúdo
os indivíduos podem desenvolver uma insuficiência gástrico alimentar, desenvolveu abscesso.
respiratória por lesão das vias aeras, mas não Disfunção de deglutição: comum em pacientes
necessariamente desenvolvem pneumonia: para acometidos por acidentes vasculares. Se o paciente
desenvolver pneumonia, é necessário inalar material tem incapacidade de deglutir eficazmente, toda vez
contaminado, o que pode ocorrer nas doenças que ele fizer uso de dieta oral, inevitavelmente,
periodontais. resquícios alimentares alcançarão suas vias aéreas.
Doença da cavidade oral/esôfago: presença de
Tem-se, portanto, um inóculo bacteriano oriundo da lesões infectadas na boca ou esôfago pode
orofaringe que chega à via aérea baixa. A manifestação da predispor ao acesso destes germes ao pulmão.
infecção pode depender do tamanho do inoculo e de fatores
locais. Caso a infecção se instale e não for tratada em tempo Exame físico.
hábil, ela evolui para necrose com cerca de 14 dias e, daí, um Geralmente, o paciente portador de um abscesso
abscesso pulmonar. pulmonar é aquele que passou por uma pneumonia

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importante previamente, mas que não a tratou pútrido. Geralmente, nos antecedentes, observa-se fatores
adequadamente. Tempos depois, retorna ao consultório de risco para aspiração.
médico com uma evidente perda de peso, estado geral
comprometido, dentes em mau estado de conservação, hálito EVOLUÇÃO
fétido, secreção pulmonar de odor pútrido e hipocratismo A frequente presença de germes anaeróbios como
digital (dedo em baqueta de tambor e unha em vidro de agentes microbiológicos do abscesso faz com que a doença
relógio). tenha um caráter insidioso, evoluindo em questão de semanas.
Além disso, o paciente apresentará uma ausculta Estas bactérias só se desenvolvem quando o parênquima
pulmonar normal: se o paciente tem abscesso, muito pulmonar é infectado por outros germes e estes consomem o
provavelmente apresentará, na área afetada, roncos e sibilos. oxigênio presente naquela região.
Eventualmente, entretanto, o abscesso pode ser
OBS2: Toda condição que promove um shunt pulmonar, isto é, causado por outras bactérias mais patogênicas que
passagem de sangue desarterializado ao longo da circulação promovem uma evolução mais aguda. Contudo, no geral, o
pulmonar, cursa com baqueteamento digital: câncer de abscesso é considerado, no máximo, como uma doença
pulmão, supurações pulmonares, empiema pulmonar. subaguda: ele muito raramente terá uma evolução tão rápida
OBS3: Enfim, o diagnóstico clínico do abscesso pulmonar como em 3 a 4 dias; é mais comum a presença do mesmo há
pode ser obtido através da seguinte história: paciente mais de 4 semanas.
apresenta tosse a algum tempo, reparando um Fungos, micobactérias e nocárdia promovem a
emagrecimento importante, com a presença de escarro formação de abscessos de evolução mais lenta.

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ASPECTOS RADIOLÓGICOS
Radiologicamente, o abscesso se apresenta como uma cavidade de paredes finas ou espessadas, apresentando, na maioria
dos casos, nível hidroaéreo.
Existem segmentos pulmonares preferenciais, tais como: segmento posterior do lobo superior direito; segmento ápico-
posterior do lobo superior esquerdo; segmento superior ou basal posterior dos lobos inferiores. O abscesso desenvolve-se nos
segmentos inferiores dos pulmões geralmente quando a aspiração se faz em ortostase; quando o paciente encontra-se deitado, o
abscesso desenvolve-se nos segmentos posteriores dos pulmões.
O desenvolvimento do abscesso é mais comum no pulmão direito por uma questão anatômica: por ser mais curto e calibroso,
o brônquio direito permite uma maior passagem de material para o pulmão respectivo.

Aspectos radiográficos de abscesso de aspiração, localizado em segmento


superior de lobo inferior esquerdo (um caso atípico), isto é, segmento 6. Lesão
escavada, única, com paredes espessas e nível hidroaéreo em seu interior. Ausência
de focos de disseminação brônquica.

Múltiplos abscessos com níveis hidroaéreos, com


localização preferencial em segmentos dorsais. Paciente
feminina, alcoolista, mostrando a presença de flora mista
no catarro e no material colhido por fibroscopia.

A radiografia e a tomografia computadorizada, assim como a ultrassonografia, são os exames mais válidos para o diagnóstico
imaginológico de abscesso pulmonar. A broncoscopia raramente é utilizada, mas pode servir quando se tem a suspeita da presença
de corpos estranhos, os quais podem ser retirados durante o exame.

LABORATÓRIO
Os achados laboratoriais do portador de abscesso são inespecíficos: pode apresentar anemia, leucocitose, PCR aumentado.
Entretanto, mesmo com resultados não conclusivos, é importante solicitar exames laboratoriais, sobretudo a sorologia para HIV.
A pesquisa para o M. tuberculosis também é importante para diferenciar o abscesso de uma eventual cavidade tuberculosa.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
As seguintes condições devem ser diferenciadas de PROCEDIMENTOS EXTRAS
um abscesso pulmonar: Além do tratamento clínico, a opção por tratamentos
Neoplasia pulmonar ou metastática cirúrgicos ou invasivos (como a broncoscopia) geralmente é
Corpo estranho ou doenças que cursam com remota. Para o uso destes recursos, devemos considerar os
obstrução brônquica: podem causar uma atelectasia seguintes parâmetros e complicações:
parcial que evolui com pneumonia secundária e Falha no tratamento clínico
abscesso. Abscesso gigante (maior que 6 cm de diâmetro)
Empiema Piopneumotórax (condição em que o abscesso
Tromboembolia com infarto pulmonar “fura” o pulmão e alcança o espaço pleural,
Vasculites provocando o empiema), sendo necessária a
Sequestro broncopulmonar drenagem torácica feita por cirurgião.
Necrose de massas silicóticas Abscesso sob tensão
Granulomatose de Wegener Aumento do tamanho com ATB
Contaminação pulmonar contralateral
TRATAMENTO Dependência de ventilação mecânica
A base do tratamento do abscesso pulmonar é a Hemoptise, elevação do nível líquido
antibioticoterapia. Contudo, deve-se fazer tratamento de Hipóteses de câncer de pulmão abscedado
suporte para pacientes debilitados, que não conseguem se
alimentar adequadamente por exemplo. A fisioterapia, por Portanto, estes parâmetros não são “regra de
meio da drenagem postural e tapotagem, auxiliam o paciente tratamento”, mas sim, exceções. A maior parte dos portadores

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a expectorar, contribuindo no tratamento da doença. Deve-se de abscessos pulmonares serão curados com esquemas de
fazer ainda o tratamento e prevenção das complicações. antibióticos relatados anteriormente neste capítulo. Contudo,
Como se sabe, a base etiológica microbiana do em algumas complicações, a intervenção cirúrgica é
abscesso pulmonar é mista, incluindo bactérias anaeróbias. necessária. O empiema pleural, por exemplo, exige a utilização
Portanto, deve-se tratar todos os tipos de bactérias de drenos para o alívio da situação. A broncoscopia pode ser
envolvidas, não só os anaeróbios: portanto, o uso do uma boa opção para tratamento de abscessos secundários
metronidazol isolado, que é eficaz contra bactérias causados por corpos estranhos. A drenagem percutânea para
anaeróbias, não será suficiente. É necessário fornecer ao abscessos periféricos tem uma taxa de cura entre 75 a 100%.
paciente um esquema de tratamento que abranja todos os
tipos de bactérias envolvidas no abscesso: gram-positivos, PROGNÓSTICO E COMPLICAÇÕES
gram-negativos e anaeróbios. Cerca de 90 a 95% dos pacientes portadores de
No caso de suspeição de paciente aspirativo abscessos pulmonares curam apenas com o uso do
comunitário, podemos optar, como primeira escolha, pela tratamento clínico. A mortalidade por abscesso é baixa, mas há
Clindamicina, antibiótico capaz de cobrir cepas de gram- um índice de 9 a 28% de mortalidade nos pacientes
positivos (como os estafilococos e estreptococos) e imunocomprometidos ou que apresentaram obstrução
anaeróbios. Um esquema também muito eficaz é a Ampicilina brônquica (por corpos estranhos ou tumores que
em associação ao Sulbactam por via intravenosa, isto é, um β- abscedaram).
lactâmico associado a um inibidor de β-lactamase, durante 2 Às vezes, o abscesso pode destruir a circulação
semanas; ao fim deste tratamento, o paciente continua com o brônquica e causar sangramentos (em 11 a 15% dos pacientes);
esquema Amoxicilina + Clavulanato, via oral, durante cerca se esta condição ocorre, a chance do paciente desenvolver
de um mês em casa. uma hemoptise maciça é de 20 a 50%.
Quando não se tem disponível a Clindamicina ou em O abscesso pode evoluir a complicar para o
casos de hipersensibilidade à Ampicilina ou Sulbactam, empiema, se o material purulento infiltrar o abscesso e
podemos optar por tratamentos alternativos. Os tratamentos alcançar o espaço pleural, principalmente quando há fístulas
alternativos podem consistir na associação de Penicilinas + broncopleurais.
Metronidazol e Amoxicilina + Metronidazol. No geral, observe
que o tratamento consiste na associação de β-lactâmicos
CRITÉRIOS DE ALTA
(como a penicilina e seus derivados: cefalosporina,
A alta hospitalar para pacientes com abscesso
menobactâmico e carbapeném) e inibidores de β-lactamase
pulmonar é dada como na pneumonia: se o paciente consegue
(clavulanato, sulbactam ou tazobactam).
fazer dieta via oral, assim como administrar os medicamentos
Portanto, o uso isolado de Metronidazol não é eficaz
por via oral, não apresenta dispnéia, febre e não está
por ser responsável por tratar apenas germes anaeróbios. O
dessaturando, pode receber alta. Contudo, estes critérios
uso do Imipenem (derivado da Penicilina) ainda é questionado.
variam: não se pode dar alta precoce para pacientes
A necessidade de sanear a cavidade por inteiro
desabrigados, por exemplo, que vão recidivar por não
impõe uma duração longa ao tratamento: em média, dura
apresentarem condições mínimas de tratamento pós-
cerca de 3 a 4 semanas, ou até mais. A normalização da
hospitalar. Em média, a alta hospitalar se dá com cerca de 3 a
radiografia pode acontecer apenas após 4 semanas em
4 semanas.
pacientes jovens e 8 semanas em idosos.

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As bronquiectasias, por definição, são dilatações
permanentes (irreversíveis) dos brônquios, que cursam
paredes e mucosas espessadas e distorcidas, cronicamente
inflamados e infectados. Portanto, a definição de
bronquiectasia é basicamente anatômica e refere-se à
dilatação e distorção irreversível dos brônquios, em
decorrência da destruição dos componentes elástico e
muscular de sua parede.
Não há números precisos a respeito da prevalência
de bronquiectasia. Isso ocorre em função de ser uma
entidade frequentemente sub-diagnosticada. Porém, sabe-
se que a prevalência varia significativamente entre os países,
sendo maior naqueles em que doenças infecciosas
pulmonares, como a tuberculose, por exemplo, são mais
comuns.

CLASSIFICAÇÃO

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As bronquiectasias podem ser classificadas quanto à clínica e à morfologia.
Classificação clínica
Bronquiectasia seca: é aquela que se manifesta por meio de episódios de hemoptise e com quase nenhuma
produção de escarro (isto é, sem secreção, uma vez que a secreção formada é constantemente expectorada).
Geralmente, surge em decorrência de lesões de tuberculose, curadas e cicatrizadas, nos ápices pulmonares. Não
há acúmulo de secreções em função da drenagem contínua promovida pela ação da gravidade.
Bronquiectasia úmida ou produtiva: é comum nas doenças que se desenvolvem abaixo do nível do hilo pulmonar,
de modo que a secreção produzida não é facilmente ou completamente expectorada. Corresponde à produção de
secreção crônica – o que caracteriza a bronquiectasia – de aspecto purulento, sendo eliminado, mais comumente,
pela manhã.

Classificação morfológica: caracterizada pelos aspectos radiológicos.


Forma varicosa: aspecto semelhante a varizes, com dilatações que se alternam com segmentos normais,
semelhante à imagem de um rosário.
Forma cística ou sacular: semelhante a uma coleção sacular de secreção dentro do pulmão, com brônquios
dilatados somente em determinado ponto de seu diâmetro.
Cilíndrica ou tubular: aspecto radiológico característico da bronquiectasia, em que os brônquios estão
uniformemente dilatados desde a região hilar até a periferia pulmonar, quando, na realidade, deveriam ter a sua luz
reduzida gradativamente.

Embora a classificação morfológica seja a mais comumente citada na literatura, sua aplicação prática é pequena, pois não há
diferença clínica, fisiopatológica e epidemiológica entre as formas cilíndricas, císticas e varicosas. Por outro lado, a localização e a
distribuição das bronquiectasias podem ser úteis na determinação da etiologia: lesões difusas sugerem processo sistêmico, enquanto
bronquiectasias localizadas falam a favor de alterações locais.

PATOGÊNESE
Na patogenia da bronquiectasia há necessidade da presença de dois elementos:
1. agressão infecciosa
2. deficiência na depuração das secreções brônquicas.
Assim, quanto maior a virulência do agente agressor e quanto piores as condições de defesas locais e sistêmicas, maior a
possibilidade de desenvolvimento de bronquiectasias. Isso, associado à resposta imune do próprio hospedeiro, promove a
perpetuação do processo inflamatório local, com posterior destruição da parede brônquica.
Portanto, há um “ciclo vicioso” por trás da patogênese da bronquiectasia, em que não se sabe ao certo de onde parte o início
deste ciclo. A teoria do círculo vicioso, proposta por Cole e Wilson, pressupõe que um evento inicial, que pode ser, por exemplo,uma
infecção ou uma condição genética primária, compromete o mecanismo mucociliar de depuração. Isso faz com que o muco e as
bactérias permaneçam por um maior tempo na árvore brônquica, levando a seleção natural das cepas mais virulentas, que lesam o
epitélio ciliar. Posteriormente, surge um processo inflamatório crônico que reduz ainda mais a depuração brônquica, facilitando as
infecções recorrentes e o aparecimento das bronquiectasias, que, por sua vez, predispõem a novas infecções, fechando o círculo
vicioso

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Questiona-se muito o fator desencadedor da bronquiectasia: a lesão pulmonar poderia acontecer primeiro, desencadeando
inflamação e, com isso, infecção de repetição, causando acúmulo de secreção; ou mesmo seria a infecção que inicia o ciclo vicioso,
perpetuando a lesão. Há ainda indícios que a dilatação brônquica começa como uma alteração estrutural congênita: o fato do brônquio
estar dilatado desde o nascimento faz com que o paciente tenha múltiplas infecções e acúmulo de secreções, causando obstrução
crônica das vias aéreas e piora da lesão.
Já se sabe, entretanto, que há fatores intermediando o ciclo, tais como interleucinas e intermediadores inflamatórios (TNFα,
IL-8, elastase e metaloproteinases) que estão ligadas com a continuidade do quadro. Há ainda presença de biofilme bacteriano
(material orgânico desvitalizado) aderido à mucosa brônquica doente, devido a uma colonização bacteriana prévia.
Há, portanto, fatores bioquímicos, humorais, celulares e imunológicos associados que perpetuam o ciclo. O que interessa, ao
final, é que o paciente apresentará uma série de condições imunológicas, inflamatórias e mecânicas que perpetuam a infecção e a
patogênese da bronquiectasia.

PRINCIPAIS ETIOLOGIAS
Estudos mostram que, antes do início do ciclo vicioso, algumas causas estão relacionadas, isto é, a bronquiectasia não é
espontânea. Contudo, 30% dos casos de bronquiectasia têm origem idiopática. Os principais fatores relacionados com o ciclo vicioso
da bronquiectasia são:
Condições e complicações pós-infecciosas
Corpo estranho
Doenças congênitas
Fibrose cística: acomete jovens, brancos, herança genética, ocorre mais na infância que na adolescência. Para esses casos
fazer aconselhamento familiar e falar da possibilidade de transmissão para os filhos.
Doenças ciliares: os cílios dos espermatozóides e os cílios do trato respiratório perdem sua mobilidade (por deficiência de
dimerina), por isso não impedem a entrada de fatores causadores de infecção.
Deficiência de α1-antitripsina
Deficiência de cartilagem
Síndrome de Marfan: síndrome hereditária caracterizada por pacientes com mãos e dedos alongados.
Aspergilose broncopulmonar alérgica
Síndrome das unhas amarelas
Situs inversus totalis: pacientes que apresentam todos os órgãos invertidos no sentido direita-esquerda comumente
apresenta bronquiectasias.
Nanismo

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O desenvolvimento de bronquiectasia está relacionado a comprometimento do sistema de depuração muco-ciliar e
agressão infecciosa. Na era pré-antibiótico e antes das campanhas vacinais, as infecções eram as principais causas de bronquiectasias.
Atualmente, em indivíduos adultos, as formas idiopáticas são as mais comuns, sobretudo em países desenvolvidos.
Entre as crianças, a fibrose cística e os quadros pós-infecciosos são as causas mais comuns. Estudo realizado por Eastham e
colaboradores avaliou 93 crianças com bronquiectasias não relacionadas à fibrose cística. Os resultados mostraram que as etiologias
mais freqüentes foram: pós-pneumonia (30%), imunodeficiência (21%), idiopática (18%) e associada com bronquiolite obliterante
(9%). Interessante nesse estudo foi que cerca de metade dos pacientes, antes da investigação, tinham, como diagnóstico, asma de
difícil controle.

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MICROBIOLOGIA E PATOLOGIA
A microbiologia da bronquiectasia está
relacionada, principalmente, com a colonização das
vias aéreas superiores por patógenos e bactérias que
se aderem à mucosa brônquica, formando placas
(biofilme) e secreção purulenta. As mais comuns são:
Pseudomonas aeruginosa, Enterobacatérias,
Hemófilos, Aspergilo e Micobactérias não
tuberculosas. z
Macroscopicamente, os brônquios do
paciente são invadidos por secreção e material
purulento, podendo torna-se espessado e realizar
broncoconstricção (o que explica a sibilância que
alguns pacientes com bronquiectasia podem
apresentar). Os aspectos patológicos da doença são
demonstrados nas figuras a seguir:

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Dentre os sinais e sintomas, temos:
Sinais: tosse produtiva e crônica (96% dos pacientes); dispnéia e sibilância (75%); dor pleurítica (80%).
Sintomas: paciente emagrecido, baqueteamento digital, estertores, roncos e sibilos.

O típico paciente portador de bronquiectasia é aquele indivíduo que apresenta, persistentemente, tosse produtiva, com
expectoração mucopurulenta, em grande quantidade, principalmente pela manhã. A evolução da doença é crônica, meses a anos, e é
intercalada por períodos de acentuação dos sintomas, com necessidade de uso freqüente de antibióticos.
Assim, todo paciente com quadro crônico de tosse, principalmente produtiva, deve ter a bronquiectasia entre os
diagnósticos diferenciais. Com o avançar da doença, há maior extensão do acometimento pulmonar, de tal forma que a dispnéia,

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acompanhada ou não de sibilância, passa
ser uma queixa freqüente. Episódios de
hemoptise de gravidade variável podem
eventualmente acontecer.
King e colaboradores avaliaram
retrospectivamente 103 indivíduos adultos
portadores de bronquiectasias atendidos
em um centro de referência. Entre os
pacientes avaliados, o volume médio diário
de escarro era de aproximadamente 40 ml
e a persistência de tosse produtiva era o motivo inicial mais freqüente para buscar atenção médica especializada.
Os achados no exame físico do paciente com bronquiectasias não são sensíveis e tão pouco específicos para essa entidade.
Além disso, podem variar de acordo com o estágio em que se encontra a doença e a sua etiologia. Os principais achados são:
Crepitações (73%); Sibilos e roncos (21%); Baqueteamento digital (2%). A evidência de perda de peso é um sinal comum na doença
avançada, sendo que o IMC (índice de massa corpórea) um dado importante a ser obtido no acompanhamento desses pacientes.

REPERCUSSÕES PULMONARES
Geralmente, o paciente apresenta na espirometria um padrão obstrutivo, avaliando a curva fluxo-volume. O fato é explicado
pela ampla presença de secreções dentro dos brônquios, além do broncoespamo e da inflamação crônica da mucosa brônquica.

ASPECTOS RADIOLÓGICOS

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A radiografia de tórax é um método de baixa sensibilidade e especificidade no diagnóstico de bronquiectasias, 88% e 74%,
respectivamente, segundo alguns autores. As alterações na radiografia de tórax de pacientes com bronquiectasias podem ser
caracterizadas em:
Sinais diretos:
Opacidades lineares paralelas (em “trilho de trem”), representando paredes brônquicas espessadas.
Opacidades tubulares, representando brônquios cheios de muco.
Opacidades em anel ou espaços císticos, algumas vezes contendo níveis hidroaéreos.

Sinais indiretos:
Aumento da trama pulmonar e perda de sua definição em áreas segmentares do pulmão, resultante de fibrose
peribrônquica e, em menor extensão, de secreções retidas.
Aglomeração de trama vascular pulmonar indicando a quase invariável perda de volume associada a esta condição.
Evidências de oligoemia como resultado da redução da perfusão da artéria pulmonar.
Sinais de hiperinsuflação compensatória do pulmão remanescente.

Opacidades lineares paralelas (“trilhos de trem”), correspondentes a paredes brônquicas


espessadas em paciente com bronquiectasias.

Radiografia de tórax em PA evidenciando várias imagens císticas, algumas com


nível líquido, em paciente com bronquiectasias secundárias a tuberculose.

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Radiografia de tórax em PA evidenciando múltiplas imagens císticas, em terços médio e
inferior do campo pleuro-pulmonar esquerdo e no ápice direito, bronquiectasias
secundárias a tuberculose. Nota-se ainda redução volumétrica do pulmão esquerdo, com
desvio das estruturas do mediastino para o mesmo lado.

Radiologicamente, na tomografia, principalmente, as bronquiectasias podem ser


facilmente reconhecidas quando se observa brônquios de calibres aumentados e mais
próximos da periferia pulmonar. Como se sabe, os brônquios, a medida que seguem para
a periferia, devem ter a sua luz gradativamente diminuída, o que não ocorre na
bronquiectasia: é bastante comum encontrar brônquios de luz constante, desde sua
origem hilar até a periferia pulmonar. Um método eficaz para saber o tamanho ideal de
um brônquio é procurar pelo vaso sanguíneo que sempre o acompanha e comparar os
seus diâmetros: ambos devem apresentar diâmetros semelhantes, o que não ocorre nas
bronquiectasias, principalmente quando estas se manifestam na periferia pulmonar.

TC de tórax mostra extensas bronquiectasias. As duas setas amarelas mostram claramente

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o maior diâmetro do brônquio em relação à artéria adjacente (“sinal do anel”).

TC de tórax mostra extensas bronquiectasias, representadas por imagens císticas,


algumas com nível líquido. À direita do paciente observa-se uma imagem
longitudinal de um brônquio (seta amarela), que nitidamente não se afunila em
direção à periferia, um sinal tomográfico de bronquiectasia. Este brônquio
apresenta, ainda, dilatação varicosa ao seu final (seta verde).

TC de tórax de paciente com fibrose pulmonar idiopática, com extensas áreas de


faveolamento, bem como bronquiectasias de tração (setas amarelas).

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico clínico da bronquiectasia pode ser facilmente obtido através dos seguintes dados:
Expectoração purulenta crônica, sempre frequente, pela manhã apresenta-se mais escuro e, ao longo do dia, clareia.
Hemoptise
Insuficiência respiratória de repetição
Distúrbio ventilatório obstrutivo, podendo apresentar sibilos
Radiologia compatível

O diagnóstico etiológico muitas vezes não se faz necessário, uma vez que traz transtornos ao paciente e gastos
desnecessários. Além disso, nem sempre se encontra essa causa. No entanto, quando se suspeita de etiologia por micobactérias ou
outros agente infecciosos, deve-se tratar com antibióticos, uma vez que a condição pode evoluir para casos mais graves.

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TRATAMENTO
A terapêutica dos pacientes portadores de bronquiectasias deve ter como objetivos o tratamento de manutenção do
paciente (isto é, nos períodos em que ele se mostra bem clinicamente) e o controle da exacerbação da doença (fase crítica da doença,
quando o paciente apresenta-se mal clinicamente, com febre e tosse progressiva). Para isso é importante, sempre que possível:
identificar e remover o fator causal; tratar adequadamente os processos infecciosos intercorrentes; tentar prevenir a ocorrência de
exacerbações; potencializar a higienização da árvore brônquica (expectoração).
Manutenção: quando o paciente apresenta-se bem, com no máximo tosse e pouca expectoração.
Realizar limpeza das vias aéreas superiores, estimulando a expectoração para o paciente no intuito de eliminar o máximo
de secreção e limpar mais rapidamente ao brônquio.
Fisioterapia para ensinar manobras que melhore o quadro.
Uso de broncodilatadores para aliviar a obstrução e sibilância
Tratamentos específicos para doenças concomitantes: fibrose cística, micobacteriose, etc.
Tratar hipoxemia
Suporte nutricional
Vacinas (influenza e pneumococcos) para evitar infecções secundárias
Avaliação e tratamento das complicações

Exacerbações: quando o paciente não apresenta estável, com febre, tosse e expectoração abundante.
Broncodilatadores, principalmente para síndromes obstrutivas
Antibioticoterapia
▪ Em casa, quando o paciente apresenta bom estado geral, indica-se o uso de Quinolonas respiratórias

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(Ciprofloxacino).
▪ Internação: cobrir pseudomonas e pneumococos com o uso de Cefalosporinas de 3ª ou 4ª geração
(Ceftazidima, Cefepime).
Corticóides sistêmicos
Suplementação com O2

A drenagem da secreção purulenta represada nos brônquios pode ser auxiliada com o uso da fisioterapia respiratória,
atividades físicas e hidratação (para evitar secreção seca; se for o caso, indicar soro).
Geralmente, a ressecção pulmonar não é uma boa opção de tratamento para bronquiectasia, uma vez que a bronquiectasia
é uma doença espalhada ao longo do pulmão. Com isso, pode haver complicações graves como hemoptise grave ou recorrente por
bronquiectasia. Só se indica a ressecção como tratamento de bronquiectasia nos seguintes casos:
Hemoptise grave ou recorrente por bronquiectasias localizadas ou difusas com foco identificado e segmentos
pulmonares ressecáveis;
Bronquiectasias localizadas provocando sintomas intensos – o que é muito raro: quase sempre a bronquiectasia é
disseminada em ambos os pulmões;
Doenças ressecáveis causando episódios graves ou recorrentes de infecção.

O transplante pulmonar para casos de enfisema, por exemplo, em que há acometimento unilateral, é uma boa opção. No
entanto, para casos de bronquiectasias, só haverá bons resultados para transplantes bilaterais, já que essa doença acomete ambos os
lados. Por isso, deve-se levar em conta o estado geral do paciente e as condições que ele apresenta para passar por uma cirurgia
desse porte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A bronquiectasia é uma doença multifatorial, caracterizada por lesão brônquica irreversível e lesão de mucosa respiratória,
podendo ser única e localizada ou disseminada (mais comum). As causas mais comuns são fibrose cística, alterações mucociliares e
situs inversus. O tratamento é eminentemente clínico, sendo o tratamento cirúrgico uma excessão. Deve-se tratar os pacientes em
crise como se trata pneumonia, associando cobertura para pseudomonas.

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