Você está na página 1de 6

Imaginários afrodiaspóricos na literatura e nas artes visuais latino-americanas e

caribenhas dos séculos XX e XXI

Apresentação

O termo Negritude, que define o movimento poético e artístico que gira em torno das
questões de raça e identidade negra, aparece pela primeira vez em 1935, no número 3 da
revista francesa O estudante negro (L’étudiant noir), especificamente no artigo do poeta
martiniquenho Aimé Césaire intitulado “Consciência racial e revolução social”.
Posteriormente, o termo também aparecerá no poema fundamental Diário de um retorno
ao país natal, também de Césaire, que fora publicado no ano de 1939 em Paris. Escrito
em estilo livre, o poema condensa, com a cristalização do termo Negritude, as diversas
manifestações que surgiram em contextos díspares, como aquelas advindas do Harlem
Renaissance, nos Estados Unidos, nos anos de 1920, além daquelas vindas do
Indigenismo da literatura haitiana, e do Negrismo cubano de Nicolas Guillén, dos anos
de 1930. Seria necessário salientar também os escritos das irmãs martiniquenhas Jeanne
e Paulette Nardal, precursoras do movimento, especificamente em seus ensaios
publicados nas revistas a Dépêche Africaine e Le monde noir, no final dos anos de 1920
e no início dos anos de 1930. O surgimento do termo constituiu uma etapa importante de
tomada de consciência da condição do homem negro através da literatura e da cultura de
maneira geral. Assim, ele aglutina as inquietações e problemáticas presentes em diversos
autores negros, como, por exemplo, as que se encontram nos escritos dos haitianos Jean

1
Figuras: Préfète Duffaut (1923 – 2012).
Price-Mars (1876 – 1969) e Jacques Roumain (1907 –1944), nos americanos Martin
Robison Delany (1812 – 1885), "W. E. B." Du Bois (1868 —1963) e James Mercer
Langston Hughes (1902 – 1967), nos jamaicanos Claude McKay (1889 – 1948) e Marcus
Garvey (1887-1940), no cubano Nicolás Guillén (1902 – 1989), no francês Leon Damas
(1912 –1978), no senegalês Léopold Sédar Senghor (1906 –2001), além do próprio Aimé
Césaire (1913 – 2008).

Assim sendo podemos, no campo da pesquisa literária e artística contemporânea


latino-americana e caribenha, refletir a partir das problematizações e inquietações
deflagradas pelo movimento da Negritude. Dessa forma podemos observar um
movimento que começa com as discussões em torno da negritude até chegar a um
pensamento planetário, o "Todo-mundo", desenvolvido particularmente pelo pensador e
poeta martiniquenho Édouard Glissant, mas também o pensamento da "Crioulidade",
proposto por Jean Bernabé, Patrick Chamoiseau e Raphäel Confiant, o contexto
transnacional do "atlântico negro", formulado por Paul Gilroy, o "devir negro do mundo",
o "brutalismo", o "afropolitanismo" e a "necropolítica" de Achile Mbembe, e a
“Afrotopia” de Felwine Sarr. Da mesma forma, o conceito de "Amefricanidade" de Lélia
Gonzales, pensadora brasileira, que pretende ir além de uma visão idealizada, imaginária
ou mitificada da África, para retornar à realidade transnacional em que vivemos no
continente americano, também nos parece ser uma importante ferramenta para
compreendermos as diferentes relações propostas entre literatura e artes visuais no
contexto latino-americano e caribenho dos séculos XX e XXI.

Nesse sentido, nossa proposta engloba diversas correntes de pensamento e


movimentos culturais que questionaram e ainda questionam as relações étnico-raciais e a
cultura da diáspora negra como um todo. Neste contexto, consideramos que os conceitos
e ideias da teoria crítica da raça, o movimento da Negritude, a branquitude, os estudos
afro-americanos e africanos em geral, os estudos descoloniais e decoloniais, o
“afrocentrismo”, o “afropessimismo” a “Afrotopia” e o “Afrofuturismo” podem ser úteis
para o desenvolvimento teórico das pesquisas que buscamos incorporar ao presente
volume.

O imaginário da diáspora negra se configura sob o signo do fluxo, das passagens,


do movimento e dos múltiplos cruzamentos e encontros. Segundo Paul Gilroy, o horror e
a violência do tráfico de escravos produziram novas identidades e culturas, e a diáspora
negra se configura no entrelaçamento de formas de vida geopolíticas e geoculturais que
resultam da interação entre sistemas comunicativos e contextos que incorporam, mas
também modificar e transcender. Nas palavras de Édouard Glissant, tais emaranhados
configurariam um processo de crioulização, pautado pela imprevisibilidade do resultado
final. Assim, as contribuições podem explorar temas relacionados à política, religião,
globalização, questões sociais, raciais e étnicas, considerando as múltiplas relações entre
estética e política, cultura e poder no contexto da produção cultural e artística da diáspora
negra. Outrossim, estamos interessados em propostas de artigos que explorem esses temas
nos séculos XX e XXI a partir de uma perspectiva transnacional, transdisciplinar e/ou
interartística.

Queremos conhecer em profundidade os caminhos percorridos pelas letras latino-


americanas e caribenhas dos séculos XX e XXI em relação à experiência da diáspora
negra, em diálogo com as artes visuais, bem como os principais temas, formas e técnicas
usado por dramaturgos, contadores de histórias, poetas e artistas. Em um contexto de
crescente violência e intolerância em relação às minorias nos países latino-americanos,
serão bem-vindas análises que enfocam a relação entre literatura e resistência no âmbito
das culturas da diáspora negra.

Por fim, esperamos contribuir para os estudos no campo da literatura comparada,


oferecendo uma leitura original e atual destas temáticas que giram em torno de reflexões
sobre a questão étnica e identitária negra na literatura latino-americana e caribenha, em
diálogo com as artes visuais.

Organizadores

• Michel Mingote Ferreira de Ázara. Doutor em Teoria da Literatura e Literatura


Comparada (UFMG), e pós-doutorando em Literatura Comparada Unesp (São
José do Rio Preto).
• Rafael Climent-Espino. Doutor em Literatura Latinoamericana (Purdue
University), Associate Professor of Spanish and Portuguese, Departmento de
Línguas e Culturas Modernas, Baylor University.
CONTRIBUIÇÕES

Em consonância com estas questões problematizadas, as contribuições podem


assumir a forma de artigos originais, estudos de caso, análises, resumos, entrevistas ou
resenhas nesses campos disciplinares relacionados, cuja lista não exaustiva segue:

• Teoria crítica da raça


• Diáspora negra
• Literatura Comparada
• Artes visuais e performáticas
• Estudos Culturais
• Estudos Decoloniais e pós-coloniais
• Literatura, Artes e outras Mídias.
• Literatura brasileira, latino-americana e caribenha contemporâneas.
• Teoria da Literatura, História e Cultura

Salientamos que o interesse principal do presente volume gira em torno das múltiplas
relações entre a Literatura e as artes visuais latino-americanas e caribenhas dos séculos
XX e XXI, no contexto da produção estética e cultural oriunda da diáspora negra.

Processo de Seleção e Cronograma

A seleção das propostas será feita em três etapas.

1- Até 1° março de 2023: envio de resumos e notas biobibliográficas. As


propostas de contribuição devem incluir um título e um resumo de
aproximadamente 800 palavras no idioma usual do autor. Devem ser
acompanhados de uma breve nota biobibliográfica, não excedendo 150 palavras.
2- De 1° de março a 10 de março de 2023: seleção de propostas. As propostas
selecionadas serão objeto de um artigo de no máximo 35.000 caracteres, incluindo
espaços. Uma notificação chegará aos autores até o dia 15 de março de 2023.
3- 30 de abril: Envio dos artigos finais

As propostas de artigos, acompanhadas de uma breve nota biobibliográfica, devem ser


enviadas para michel_mingote@yahoo.com.br. Para qualquer informação necessária,
envie um e-mail para michel_mingote@yahoo.com.br.
Referências Bibliográficas

Appiah, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. A África na filosofia da cultura. Tradução
Vera Ribeiro, 1ª edição. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997
Axelos, Kostas. Vers la pensée planétaire. Paris : Minuit, 1964
Bernabé, Jean; Mohamed Bouya taleb-khyar ; Patrick Chamoiseau ; Raphael Confiant.
Éloge de la creolité. Paris: Gallimard, 1990.
Césaire, Aimé. Cahier d’un retour au pays natal. Paris : Presence Africaine, 2008.
Confiant, Raphael; Patrick Chamoiseau. Lettres créoles. Tracées antillaises et
continentales de la littérature, 1635-1975, Paris, Hatier, 1991.
Fanon, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro: Fator, 1983.
Gilroy, Paul. L'Atlantique noir. Modernité et double conscience, Amsterdam Editions,
coll. Atlantique noir, 2010.
Glissant, Edouard. Le discours antillais. Paris : Seuil, 1981.
______. L’Intention poétique, Paris, Editions du Seuil, coll. «Pierres vives», 1969, rééd.
«Poétique II», Gallimard, 1997.
______. Poétique de la Relation, Paris, Gallimard, 1990.
______. Traité du Tout-Monde, Poétique IV, Paris, Gallimard, 1997.
______. La cohée du Lamentin, Poétique V, Paris, Gallimard, 2005.
______. Une nouvelle région du monde, Esthétique I, Paris, Gallimard, 2006.
______. L'intraitable beauté du monde. Adresse à Barack Obama, avec Patrick
Chamoiseau, Paris, Editions Galaade / Institut du Tout-monde, 2009.
______. Philosophie de la Relation. Poésie en étendue, Paris, Gallimard, 2009.
______. La terre le feu l'eau et les vents. Une anthologie de la poésie du Tout-monde,
Paris, Editions Galaade / Institut du Tout-monde, 2010.
Gonzales, Lélia. “A categoria político-cultural de amefricanidade”. Tempo Brasileiro.
Rio de Janeiro, Nº. 92/93 (jan./jun.)
Hill Collins, Patricia La pensée féministe noire : savoir, conscience et politique de
l’empowerment. Montréal: Les éditions du remue-ménage, 2016.
Kesteloot, Lilyan. Négritude et situation coloniale. Seine: Panafrika/ Silex/ Nouvelles du
Sud, 1988.
______. Histoire de la littérature négro-africaine, Khartala, 2004.
Mbembe, Achille. Critique de la raison nègre. Paris, La Découverte, 2013.
______. «Necropolitics». Public Culture, vol. 15, no 1, 1er janvier 2003, p. 11–40.
______. Le Brutalisme. Paris, La Découverte, 2020.
Ménil, René. Légitime défense n°1, Paris: Éditions Jean-Michel Place, 1979.
Nascimento. Abdias do O Quilombismo. 2ª ed. Brasília/ Rio: Fundação Cultural
Palmares/ OR Editora, 2002.
Sarr, Felwine. Afrotopia. São Paulo : n-1edições, 2019.
Sédar Senghor, Léopold, Aimé Césaire, Léon-Gontran Damas. L’étudiant noir. Paris,
mars 1935.

Você também pode gostar