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ESTILO; O SUBLIME

O PONTO ALTO DO DISCURSO E DA


ALMA

Docente: Professor Doutor William J. Dominik


Discente: Maria Débora Câmara Pereira
Unidade Curricular: Literatura na Antiguidade: Teoria e Prática
Mestrado em Estudos Clássicos
O pensamento aristotélico influenciou a cultura ocidental em vários aspetos: científicos,
metafísicos, morais, políticos, estéticos e retóricos. Aristóteles sustenta que a retórica faz parte da
vida social e política, e que é uma arte importante para o desenvolvimento dessas áreas. Na
antiguidade, a retórica teve um grande impacto no sistema educacional, e na cultura da sociedade.
Para um homem instruído, a retórica é vital para à linguagem, e para a comunicação. A retórica
era crucial para o progresso de alguém na sociedade, nomeadamente, nas instituições de poder
local (assembleias, tribunais, audiências com os governantes romanos). As mesmas exigiam
desempenho verbal habilidoso. Com isto, verifica-se que a retórica, não é simplesmente uma
habilidade, mas um meio fundamental para a circulação de ideias, de poder, e para a atuação do

Na obra Retórica, de Aristóteles, o autor tem como o objetivo ensinar a fazer um discurso
persuasivo, este com intuito de convencer alguém a agir, ou a pensar consoante o propósito da
ideia apresentada, com arte, e de forma correta. Não se restringe apenas a que o público fique
convencido com o que ouviu, mas essencialmente, fazer com que o mesmo reflita sobre o assunto,
podendo quebrar barreiras mentais. Este tratado é dividido em três livros: no primeiro fala de três
tipos de retórica e três meios de persuasão, o segundo aborda os elementos de argumentação
psicológica: emoção e caráter, terceiro sobre o estilo e estrutura de um discurso.

Em relação ao estilo, a principal virtude na prosa é a clareza, a importância de adequarmos


a expressão corporal e vocal ao tema, e ao público. Já o uso de palavras compostas, palavras
estranhas e obsoletas, epítetos longos, numerosos, metáforas fora do contexto, levam à frivolidade
do estilo quando não são cumpridos os princípios de clareza e de propriedade. Se o discurso não
comunicar algo com clareza, não terminará a sua função. Tem de haver harmonia entre os
elementos discursivos, como também com o conteúdo e com a circunstância social com que se dá
o ato enunciativo.

Para Aristóteles os principais componentes estilísticos com que um retor deve lidar são:
o símile, a metáfora (considerada por analogia), e a amplificação. Aristóteles sugere que o
movimento metafórico do conhecido para o desconhecido, por meio de uma semelhança entre os
dois é a estrutura que está implícita a todo o raciocínio humano. Chama a atenção, para a
correlação entre o raciocínio metafórico e o silogístico ao notar que as regras fundamentais para
o uso retórico das metáforas são as mesmas que para o uso dos entimemas; esse movimento do
conhecido para o desconhecido, do familiar para o menos familiar. É através da metáfora que se
detém clareza, agradabilidade e exotismo. No discurso deve requerer epítetos, metáforas
ajustadas, e isto provém da analogia. Ao estarem ao lado uns dos outros, os contrários se
evidenciam mais.

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As propostas num discurso que sejam mais confiáveis, faz com que as pessoas fiquem
cativadas ao que estão a ouvir, e assim captar mais facilmente. É importante que quem faça o
discurso seja alguém que tenha um bom conhecimento sobre o tema.

Surge um sentimento de grandeza da própria razão naquele que acredita ter explicado, o
que antes parecia inexplicável. É esse o sentimento denominado de sublime. Na obra Retórica, de
Aristóteles a questão do sublime não é muito específica ou fácil de detetar. No entanto, segundo
Marcos Aurélio
como sendo consonante com a ideia de que uma parte intelectiva da alma deve prevalecer sobre
as demais ali constituintes. O sublime participa do racionalismo aristotélico por ser intrínseco a
tal sistema filosófico. A verossimilhança é caracterizada por conflitos de ideias e incertezas que
não possibilitam respostas irrefutáveis, e que não é raro o homem sentir-se constrangido, inseguro
e com medo, diante do que é apenas verossímil, ou seja, do que não lhe oferece a garantia de uma
resposta segura. A superação desse momen
intelecto que identifica qual é o melhor discurso, a vitória de uma racionalidade que consegue
reconhecer os melhores argumentos persuasivos, é o que provoca o sentimento de sublimidade da
razão, gerando um alívio pela suposta segurança diante da diversidade de ideias antagônicas entre
Retórica, o sublime pode vir quando a racionalidade humana identifica nas opiniões, quais
são as ideias mais confiáveis, entre tantas que são de crédito.

Aristóteles procura mostrar que a construção do belo na arte oratória já participa no


sentimento do sublime. Nesse sentido, o discurso oral é construído racionalmente para cada
conteúdo que será transmitido, com o objetivo de persuadir o seu auditório. Uma boa escolha do
estilo oratório, é essencial para a eficácia da persuasão. É possível identificar a manifestação do
sublime já na construção do belo, pois a resposta dada racionalmente no campo da
verossimilhança pode ou não alcançar o seu objetivo, dependendo também das escolhas estéticas
que compõem o discurso. Aristóteles reconhece a importância da arte retórica para remover
antigas convicções, buscar novas certezas mais fidedignas, e assim vivenciar a força da própria
racionalidade superando obstáculos e afastando opiniões pouco consistentes.

O filósofo afirma que é necessário um autocontrole emocional, podendo este refletir na


disposição do corpo e da voz, pois é preciso ter a razão sempre presente pronta para evitar
inconvenientes que possam desvirtuar as práticas discursivas. Portanto, os sentimentos bem
orientados, uma vez favorecendo o bom relacionamento entre os concidadãos, geram uma
abertura aos diálogos, o que pode contribuir também para o aprimoramento das ideias em
circulação, e aperfeiçoá-las, o que fará o ressurgimento do sentimento do sublime.

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Uma outra obra de cariz pedagógico, é Do Sublime, de Pseudo-Longino, que tem como
objetivo falar do que pode levar a um discurso ser sublime, e o que pode prejudicar a sublimidade
do mesmo. Corrigindo o tratado de Cecílio, Longino afirma que um tratado técnico deve em
primeiro lugar, apresentar o seu assunto, em segundo (sendo o mais importante para ele), mostrar
de que maneira e através de qie métodos podemos chegar a ele. Nesta obra, Longino define hypsos
pelo efeito que provoca nos ouvintes, o êxtase, distinguindo-o implicitamente da arte retórica cujo
fim é a persuasão. O extraordinário não leva os ouvintes à persuasão, mas ao êxtase, e o
a na invenção, na disposição e
no arranjo do material não seja algo que conseguimos detetar facilmente, o sublime, produzido
no momento certo, tem um efeito grandioso, mostrando a força do orador. Esta grandeza que é o
sublime é inata, não é algo que se en

Ao contrário de quem defende que o Sublime resulta apenas da natureza (physis), o autor
confirma que nele existe o estatuto de arte (techne), pois apesar da natureza ser quase sempre
autónoma, quando estão em causa grandes emoções, não se pode colocar à parte o método. O
método é necessário para determinar a quantidade e a ocasião oportuna de cada coisa, e para
ajudar assim a prática de maneira mais correta. Sem este conhecimento, a grandeza fica entregue
a si mesma, e torna-se muito perigosa, abandonada apenas aos impulsos e a uma audácia
irrefletida. O Sublime é caracterizado através da descrição dos defeitos, em que frequentemente
caem aqueles, que buscam a novidade de pensamento: inchaço (não se pode utilizar em discursos
que têm a ver com coisas reais.), puerilidade (frieza; aqueles que buscam uma expressão
extraordinária, muito trabalhada e, sobretudo, agradável, que caem num tom pretensioso e
afetado. A ela se liga o terceiro tipo de vício, parentirso, que se trata de uma emoção inoportuna
e vã, pois surge quando não é necessária, ou é desmedida quando se requer moderação. Sendo
extremamente crítico dos erros alheios, é incapaz de reconhecer os próprios, e por querer à força
apresentar sempre ideias novas, acaba por cair nas maiores infantilidades), emoção
despropositada e inconsequente.

Longino coloca em discussão como podemos evitar os vícios que andam misturados no
-la for

celebridade, poderio). Um homem sensato não as pode ter por bens superiores. Verifica-se na
questão da grandiosidade, que em alguns discursos que parecem de grande qualidade, são afinal
de baixa credibilidade, mais dignos de desprezo do que de admiração. O que está de acordo com
a natureza é que, sob o efeito do verdadeiro sublime, a nossa alma eleva-se, e se enche de
exaltação. O belo e o verdadeiro sublime é aquilo que agrada sempre a todos.

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Hypsos deriva de cinco fontes, as mais capazes de produzir discursos sublimes, tais como:
a capacidade de conceber pensamentos elevados; uma emoção (pathos) forte e cheia de
entusiasmo; um particular modo de construção de figuras; uma forma de expressão nobre (inclui
a escolha dos vocábulos, o uso de tropos e uma linguagem elaborada); uma composição
(synthesis) das palavras de forma digna e elevada. As duas primeiras dependem da natureza,
enquanto as outras implicam o domínio da técnica. O autor alerta que sem a capacidade de
expressão, estas fontes nada valem.

É referido que é sempre preciso, embora se trate de um dom e não de algo adquirido,

Muitas vezes o silêncio consegue ser mais grandioso e sublime que qualquer discurso.
Interessante perceber a referência que é f
Homero, onde é indicado que também os mesmos caem, e por vezes se desviam por caminhos
banais.

Como Aristóteles, Longino aborda o recurso discursivo a amplificação (o emprego de


lugares-comuns, quer pelo exagero ou intensificação de factos ou argumentos, quer ainda pela
acumulação das ações ou das emoções), onde indica que este dá grandeza aos assuntos. Para ele,
a amplificação relaciona-se com o sublime, a diferença consiste que um define-se pela elevação
(sublime), e o outro pela quantidade (amplificação). Este recurso, por si só, não consegue alcançar
a perfeição sem o sublime.

Outro recurso que dará grandeza ao discurso é a imitação e emulação dos grandes
escritores e poetas do passado (mimesis, passou a ser tratada, em contexto retórico, como um dos
fatores essenciais da formação do bom orador). Para dar gravidade, e grandeza e veemência ao
discurso, utiliza-se imagens mentais, idolopeias, isto é, qualquer pensamento capaz de gerar uma
formulação verbal. A análise do uso de algumas figuras (schemata) com vista à criação de
momentos sublimes, defende a necessidade de evitar um emprego artificial destes recursos. As
figuras escolhidas são a de juramento; a pergunta e a resposta; o assíndeto; assíndeto combinado
com anáfora; o polissíndeto; o hipérbato; o poliptoto e o uso do plural pelo singular; o singular
pelo plural; o emprego do presente em vez do passado; a apóstrofe; a súbita mudança da pessoa
verbal; a perífrase. Assim, transforma-se a natureza da demonstração dando-lhe uma
extraordinária sublimidade e emoção. No entanto, a grandeza não está em jurar de qualquer
maneira, mas fazê-lo tendo em conta o onde, o como, o quando e o porquê. Fazer habilidades com
as figuras desperta particular desconfiança, pois poderá levar a suspeita de uma armadilha. Perante

fica logo indignado, interpreta este ato como uma ofensa pessoal, enfurece-se e desiste totalmente
a ser persuadido pelo discurso. Por essa razão, a melhor figura é aquela que esconde que é uma.
O sublime e a emoção representam uma boa defesa contra a suspeita, que envolve o uso das

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figuras, pois o artifício rodeado pelo brilho do belo, e da grandeza, apaga-se e foge de qualquer
suspeita que reste.

A alteração do plural para singular, produz por vezes um efeito muito sublime, ou seja,
quando as palavras estão no singular pô-las no plural cria uma emoção inesperada, cria mais
aparência de corpo. Também a perífrase produz sublimidade, ao acompanhar as palavras usadas
num sentido literal e entra em consonância com elas numa ordem harmoniosa, principalmente se
não tiver nada de pretensioso e dissonante, mas formar uma combinação agradável. No entanto,
esta tem que ser utilizado com alguma moderação.

Referente à elocução, a escolha de palavras apropriadas e magníficas atrai encanta


maravilhosamente os ouvintes; que este é um aspeto a que todos os oradores e escritores se
aplicam com extremo cuidado, já que, por si mesmo, confere grandeza.

Segundo Longino, Aristóteles e Teofrasto dizem que há formas de suavizar as metáforas


audaciosas, através do o uso de expressões como por assim dizer , como que , se se pode dizer
assim e se é lícito usar uma expressão mais ousada . O autor acrescenta que as emoções
oportunas e veementes, e uma nobre sublimidade são o antídoto próprio para a abundância e a
ousadia das metáforas,

Para darmos grandeza ao nosso discurso temos de haver combinação dos elementos, pois
se um for separado dos outros, sozinho não é apreciável, mas todos unidos formam um conjunto
perfeito. Quando se unem para formar um corpo e se deixam enlaçar pelo vínculo da harmonia,
ganham expressividade, e grandeza.

ão é a paz do mundo que destrói os


grandes talentos, mas muito mais essa guerra sem fim que toma conta dos nossos desejos e
ainda, por Zeus, aquelas paixões que dominam a vida moderna e a conduzem e arrebatam
a doença do metal precioso nos escravizam e, mais
ainda, afundam a vida dos Homens. O amor ao dinheiro é uma doença que nos amesquinha, e o
amor dos prazeres é a que nos torna mais ignóbeis. Devemos encontrar o equilíbrio destas
emoções e de desejos desvirtuados, senão ficaremos gravemente afetados, sem brio. Como para
o discurso, é necessário a harmonia, na composição (synthesis), nos recursos estilísticos, e na
própria forma de se comunicar, também ela é imprescindível no nosso dia a dia, para chegarmos
ao sentimento do sublime.

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Referências Bibliográficas

De Lima, M. A. (2011). A Retórica em Aristóteles: Da orientaçao das paixões


ao aprimoramento da Eupraxia. Brasil: IFRN.

Goldhill, S. Rhetoric and the Second Sophistic, in Gunderson, E. (org.),The


Cambridge Companion to Ancient Rhetoric(Cambridge 2009) 228 24.

Júnior, M. A., Alberto, P. F., & Pena, A. d. (2005). Retórica, Aristóteles. Lisboa:
Imprensa Nacional - Casa da Moeda.

Várzeas, M. d. (2015). Do Sublime, Dionísio Longino. São Paulo/Coimbra:


Annablume Editora.

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