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Como se faz o diagnóstico

de apendicite aguda?

4.1 APENDICITE AGUDA


A apendicite aguda é a principal causa de abdome agudo e é a
afecção cirúrgica mais comumente atendida na Emergência.
Epidemiologicamente, é a principal causa de abdome agudo em
crianças, adolescentes e adultos jovens. Estima-se que 7% das
pessoas desenvolverão apendicite aguda.
Figura 4.1 - Risco de apendicite com a idade

Fonte: acervo Medcel.


A maioria dos casos decorre de obstrução da luz apendicular por
fecálito, tecidos linfoides hiperplásicos, cálculos ou parasitas.
Após a obstrução instalada, a pressão intraluminal aumenta, o que
determina isquemia, desenvolvendo um processo inflamatório
transluminal. Segue-se a proliferação bacteriana, que se instala
em toda a parede apendicular, podendo ocorrer gangrena e
perfuração em até 24 horas; no entanto, esse tempo é muito
variável. As principais bactérias identificadas nos casos de
apendicite aguda são E. coli e B. fragilis. Conforme a evolução do
quadro, é possível classificar a apendicite aguda em fases (Figura
4.2).

#importante
A classificação mais utilizada divide a
apendicite aguda em fases edematosa,
fibrinosa, necrótica e perfurativa.

Figura 4.2 - Fisiopatologia e fases da apendicite aguda


Fonte: elaborado pelo autor.

Figura 4.3 - Correlação da fisiopatologia com a evolução macroscópica da


apendicite na obstrução por fecálitos
Legenda: (A) fase edematosa, apenas com edema e hiperemia do apêndice; (B)
apêndice mais edemaciado, com gangrena em sua extremidade, na iminência de
perfurar; (C) fecálitos no lúmen apendicular.
Fonte: Claudio Van Erven Ripinskas.

O diagnóstico de apendicite aguda é eminentemente clínico. O


quadro clássico é de dor abdominal inicialmente periumbilical que
migra para a Fossa Ilíaca Direita (FID), acompanhada de anorexia,
náuseas e vômitos, com estado subfebril ou ausência de febre no
início do quadro. A dor torna-se cada vez mais localizada, surgindo
irritação peritoneal local.
A ausculta abdominal pode revelar ausência ou diminuição
acentuada dos ruídos intestinais. A percussão dolorosa também é
manobra propedêutica importante. A palpação revela dor no
ponto de McBurney, anatomicamente localizado no terço lateral
de uma linha imaginária que vai da espinha ilíaca anterossuperior
até o umbigo. O sinal de Blumberg consiste na descompressão
brusca dolorosa após a palpação da FID. Outros sinais
propedêuticos que podem estar presentes na apendicite aguda
estão descritos no Quadro 4.1.
Quadro 4.1 - Sinais propedêuticos e correspondência clínica
Apresentações clínicas atípicas são comuns em pacientes que
apresentam variações anatômicas do apêndice (Figura 4.4),
imunocomprometidos (HIV, diabetes mellitus, lúpus,
esclerodermia) ou por uso de imunossupressores (corticoides ou
quimioterapia para câncer). Gestantes também podem
apresentar dores atípicas no abdome, com dificuldade
diagnóstica em virtude da posição cecal alterada pelo aumento
do útero gravídico. Mulheres em idade fértil também apresentam
diagnóstico dificultado pelo maior leque de possibilidades
diagnósticas.
Figura 4.4 - Posições anatômicas do apêndice

Fonte: Blamb.

Atualmente, tem sido recomendada a adoção de uma abordagem


diagnóstica individualizada sob medida para estratificar o risco e
a probabilidade da doença e planejar uma via diagnóstica
apropriada em pacientes com suspeita de apendicite aguda,
dependendo da idade, sexo e sinais e sintomas clínicos de cada
paciente, dentro do contexto médico-hospitalar em que se
encontra. O uso de escalas de pontuações clínicas para excluir
apendicite aguda e identificar pacientes de risco intermediário
que precisam de diagnósticos por imagem é estimulado. O
diagnóstico exclusivamente clínico não é indicado em casos com
maior chance de erro, como gestantes, idosos, imunossuprimidos
e crianças pequenas e sempre que o paciente tenha risco
intermediário ou menor de apendicite.
Múltiplas escalas são utilizadas para definir se há probabilidade de
apendicite aguda ou a necessidade de exames de imagem, como
a AIR (Appendicitis Inflamatory Response) e a Adult Appendicitis
Score (AAS), mais atuais e acuradas. Entretanto, a mais conhecida
e cobrada em concursos é a escala de Alvarado, usada como
triagem para identificar pacientes com alto risco de apendicite
aguda. Pontuação menor que 2 significa baixo risco, entre 3 e 6
pontos, risco intermediário e maior que 7 pontos indica alto risco.
Tabela 4.1 - Escala de pontuação para diagnóstico clínico de apendicite aguda

#importante
O diagnóstico da apendicite aguda pode
ser clínico. O uso de exames
complementares é estimulado.

Exames laboratoriais são inespecíficos e, na maioria das vezes,


solicitados para afastar diagnósticos diferenciais. Entre os
exames de imagem, a radiografia de abdome fornece sinais
indiretos, como borramento da linha do psoas, posição antálgica
com escoliose côncava para o apêndice e alça de íleo parética
próxima à FID. O achado de cálculo no quadrante inferior direito
do abdome pode sugerir fecálito. A presença de pneumoperitônio
na apendicite aguda é rara.
O leucograma da apendicite aguda não costuma cursar com
desvio à esquerda nos primeiros três dias de evolução da doença,
inclusive podendo até não causar leucocitose. Porém, um dado
que chama atenção, mesmo com leucócitos totais normais, é a
neutrofilia.
A ultrassonografia abdominal tem sensibilidade de 75 a 90%,
especificidade de 86 a 100% e acurácia geral de 90 a 98% para
apendicite aguda (Figura 4.5 - A). O achado de apêndice não
compressível costuma ser relatado como o dado mais específico,
porém isso só pode ser considerado em pacientes magros.
Também é possível localizar bloqueio pélvico ou coleção líquida
na FID. Pela sua maior disponibilidade, ausência de radiação e a
possibilidade de ser realizada à beira do leito (ultrassonografia
point-of-care) há um estímulo para a realização da
ultrassonografia sempre que possível, como exame inicial. As
vantagens são maiores em crianças, gestantes, indivíduos jovens
e magros.
A Tomografia Computadorizada (TC) pode identificar o apêndice
distendido ou coleções e bloqueios locais. Também podem ser
encontrados espessamento parietal do ceco, fecálito, ar
extraluminal, ar intramural dissecando as paredes e flegmão do
ceco (Figura 4.5 - B). Acaba sendo a escolha em idosos, obesos e
é o exame com maior acurácia global para o diagnóstico de
apendicite aguda.
A videolaparoscopia pode ser usada como recurso diagnóstico e
terapêutico, nos casos de maior probabilidade e na ausência de
outros métodos diagnósticos menos invasivos.
A ressonância fica reservada para casos duvidosos em gestantes
depois de uma ultrassonografia.
Figura 4.5 - Apendicite aguda
Legenda: (A) apresentação ultrassonográfica; (B) tomográfica: apêndice
distendido de 6 mm de diâmetro com captação parietal (seta); a seta triangular
demonstra um fecálito.

Uma vez confirmado o diagnóstico, o tratamento é


eminentemente cirúrgico, por meio da apendicectomia. Ela deve
ser realizada precocemente, no mesmo dia do diagnóstico, para a
maioria dos casos.
A primeira descrição do procedimento em apendicite aguda não
perfurada data de 1880. A incisão clássica utilizada é a descrita
por McBurney (Figura 4.6). O chamado ponto de McBurney está
situado no quadrante inferior direito, no limite do terço médio com
o terço inferior de uma linha imaginária entre o umbigo e a
espinha ilíaca anterossuperior. A incisão deve passar por esse
ponto e estar oblíqua à linha.
Figura 4.6 - Tipos de incisões na apendicite

Legenda: (A) incisão de McBurney; (B) sítios para colocação dos trocartes na
apendicectomia videolaparoscópica; (C) outras incisões possíveis: (1) Battle, (2)
Rockey-Davis e (3) mediana.
Fonte:

Outras incisões possíveis são as de Rockey-Davis (transversa,


sobre o ponto de McBurney), de Battle (paramediana, pararretal
externa, infraumbilical à direita) e a mediana. Esta deve ser
indicada nos casos de diagnóstico tardio, presença de plastrão
palpável e suspeita de complicações, como fístulas para outros
órgãos.
O ceco deve ser identificado primeiramente; caso isso não seja
possível, deve-se considerar má rotação dos intestinos.
Identificado o apêndice cecal, realizam-se a ligadura dos vasos do
mesoapêndice e a ligadura e a secção do apêndice na base. O
coto cecal pode ser invaginado pela técnica de Ochsner (“bolsa de
tabaqueiro”) ou pela Parker-Kerr (Figura 4.7). Com o advento da
laparoscopia, tornou-se aceita a prática de apenas grampear o
apêndice sem invaginar o coto.
Figura 4.7 - Apendicectomia
Legenda: (A) incisão de McBurney; (B) identificação do apêndice cecal; (C) ligadura
do apêndice na base, após a ligadura do mesoapêndice; (D) invaginação do coto
apendicular pela técnica de Ochsner ou “bolsa de tabaqueiro”.

Em caso de apêndice normal no intraoperatório, deve-se estender


a investigação procurando por divertículo de Meckel, salpingite
aguda e doença de Crohn. Preconiza-se a remoção do apêndice,
mesmo estando normal, a todos os submetidos à incisão de
McBurney ou de Rockey-Davis.
A abordagem laparoscópica facilita investigação mais ampla e
está associada a menor período de internação hospitalar e à
recuperação mais rápida do paciente para suas atividades diárias.
Atualmente é a via de acesso preferencial tanto para os casos
iniciais, quanto para os complicados. A videolaparoscopia
realizada na gestante costuma ser bem tolerada pela mãe e pelo
feto.
O tratamento clínico com antibióticos para a apendicite aguda
pode ser uma opção em casos iniciais sem complicações, na
ausência de fecálito e em indivíduos jovens imunocompetentes,
mas não deve ser indicado rotineiramente e não conseguiu
muitos adeptos em nosso país. Não deve ser usado em grávidas e
sempre deve ser alertada a possibilidade de falha com
necessidade de operação de urgência. Inicia-se com antibiótico
endovenoso e, a depender da resposta, pode-se passar para a via
oral.
Nos casos de diagnóstico duvidoso, um período de observação
clínica pode ser útil. Sabe-se que a observação clínica continuada
reduz o risco de apendicectomia desnecessária, sem aumento no
risco de perfuração. Nesse período, procede-se à hidratação
intravenosa e analgesia. O conceito de que analgésicos mascaram
os sinais de peritonite é falso. O uso pré-operatório de antibiótico
em casos de apendicite não perfurada diminui infecções de ferida
e a formação de abscessos intracavitários.
4.1.1 Apendicite hiperplásica
A apendicite hiperplásica é um tipo peculiar de apendicite que
ocorre em 7% dos casos, em que o apêndice se torna
intensamente bloqueado pelo epíploon, com alças do delgado
próximas e o peritônio parietal formando uma massa tumoral. O
tempo de evolução é mais longo (cinco a 10 dias), o ritmo
intestinal está mantido e os sinais de irritação peritoneal são bem
localizados e pouco intensos. A presença de massa palpável na
FID desperta a atenção para seu diagnóstico. Seu tratamento
inicial consiste basicamente em antibioticoterapia e observação
clínica.
O tratamento cirúrgico de qualquer apendicite é o mais indicado.
Porém, em uma situação muito específica, quando não há
peritonite nem obstrução e há um abscesso localizado e
bloqueado, pode-se realizar drenagem percutânea do abscesso
associada ao antibiótico venoso e operar o paciente normalmente
após seis semanas, chamada de apendicectomia de intervalo.

Como se faz o diagnóstico


de apendicite aguda?
O diagnóstico de apendicite aguda é principalmente
clínico, então a história clínica e o exame físico orientam
a conduta. A forma clássica é a história de abdome
agudo que denota a irritação do peritônio visceral e
depois irritação do peritônio parietal. A inervação do
peritônio visceral é autonômica, e a dor costuma ser
mal localizada e referida como periumbilical,
acompanhada de náuseas, hiporexia e eventualmente
febre. Após algumas horas, há a irritação do peritônio
parietal, que, em razão da sua inervação somática — a
mesma da parede abdominal anterior muscular —, cursa
com localização da dor e sinais físicos de irritação
peritoneal.
O exame físico, na maioria das vezes, é rico, com febre,
depleção extracelular, fácies de dor e alteração na
coloração da língua. O exame abdominal pode
demonstrar uma série de sinais semiológicos, como
Blumberg, Rovsing, Lapinsky, Dunphy, psoas, obturador,
Lenander, entre outros. O leucograma mostra
leucocitose, e nas fases iniciais quase sempre
associado com neutrofilia e não desviado à esquerda, o
que ocorre com o passar dos dias. Clinicamente os
critérios de Alvarado ajudam a definir a possibilidade de
conduta. A pontuação mínima, de até 2, apresenta
pouca possibilidade de apendicite; entre 3 e 6 pontos,
são casos duvidosos que requerem observação e
exames diagnósticos; e com 7 ou mais pontos,
demonstra alta probabilidade de apendicite,
dispensando exames complementares.
A ultrassonografia, a tomografia e os exames de sangue
e urina são exames úteis em casos duvidosos ou com a
necessidade de excluir outros diagnósticos.
Associação Médica do Rio Grande do Sul - Processo
Seletivo Unificado
O processo seletivo da AMRIGS-PSU é uma avaliação com
questões mais diretas e objetivas de múltipla escolha, que
abordam casos clínicos, o uso de imagens, achados de exames,
hipóteses diagnósticas e questionamento de tratamentos.
Há temas mais recorrentes e que merecem atenção. Em Clínica
Médica são cobradas: Psiquiatria — psicofarmacologia e outros
tratamentos em Psiquiatria; Infectologia — tipos de infecções;
Cardiologia — temas relacionados a hipertensão arterial
sistêmica. Cirurgia Geral tem foco em hérnias de parede
abdominal, abdome agudo, tratamento cirúrgico da obesidade e
cirurgia metabólica.
Em Ginecologia, preste atenção em anticoncepção, HPV e
neoplasias intraepiteliais cervicais, patologias neoplásicas e
câncer de endométrio. Em Pediatria são relevantes Neonatologia,
aleitamento materno e desenvolvimento. Por fim, Saúde Coletiva
cobra estudos epidemiológicos, Medicina de Família e
Comunidade e análise de métodos diagnósticos.
AMRIGS-PSU | 2021
A apendicite aguda não está relacionada com:
a) fecálito obstruindo o óstio apendicular
b) adenocarcinoma de ceco
c) Ascaris lumbricoides
d) ingestão diária de fibras alimentares de origem vegetal
Gabarito: d
Comentários:
a) Um fecálito obstruindo o óstio apendicular é um dos principais
fatores causadores de apendicite aguda.
b) O adenocarcinoma de ceco pode causar compressão
extrínseca da luz do apêndice, causando apendicite aguda.
c) A presença de Ascaris lumbricoides na luz apendicular pode
promover obstrução, causando apendicite aguda.
d) A ingestão de fibras alimentares facilita o trânsito intestinal e
diminui o risco de obstrução da luz apendicular.

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