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17 Alopecias em Cosmiatria
e suas longas tranças, o cabelo se relaciona à força. Sua — entre a glândula sebácea e a inserção do músculo ere-
modelagem está relacionada à sedução, especialmente tor do pelo; e o segmento inferior em que há uma expan-
no sexo feminino, e à moda, determinando padrões de são chamada bulbo piloso, que contém a matriz do pelo
beleza. e engloba a papila. No terço inferior do bulbo, há intensa
Os estudos de Hipócrates (460 a.C.) incluíram a ob- atividade mitótica e as células matricais se diferenciam
servação de que crianças e eunucos não desenvolviam gradualmente ao longo do folículo em duas vias: a bainha
calvície. Desde então, muito se desenvolveu no reco- radicular interna e o pelo ou cabelo. A bainha radicular
nhecimento e caracterização clínica das diversas formas interna compreende a cutícula, a camada de Huxley e a
de alopecia. Os estudos do ciclo do cabelo de Kligman, camada de Henle, de dentro para fora. A bainha radicu-
nos anos 1950, foram a base para determinar os padrões lar interna guia o pelo em direção à superfície, através da
do tricograma. A compreensão e o reconhecimento dos camada companheira e, na altura do istmo, sofre quera-
aspectos histológicos do couro cabeludo ganharam for- tinização e se desintegra. Uma proliferação epidérmica
ça com as observações de Headington, avaliando cortes liga a matriz à superfície da pele e forma a bainha radicu-
transversais de amostras de couro cabeludo, na década lar externa. Externamente a ela, situa-se a camada vítrea
de 1980. Nos anos seguintes, a utilização da dermatos- ou basal e, em torno dela, estão feixes colágenos densos,
copia do couro cabeludo, ou tricoscopia, trouxe novos que constituem a bainha radicular fibrosa (Figura 17-1).
dados para a prática diária do consultório, responsável As hastes capilares são compostas por uma cutícula
por grande número de publicações na área atualmente. de células imbricadas, pelo córtex e a medula (Figura
A queda de cabelo está dentre as causas mais fre- 17-2). A cutícula normal é lisa, permitindo a reflexão da
quentes de visita ao dermatologista, especialmente em luz e conferindo aparência brilhante às hastes. O córtex é
mulheres e adultos jovens. A importância psicossocial responsável pela maior parte das propriedades mecânicas 203
Haste Haste
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(cutícula, córtex, medula)
Bulbo
capilar do Bainha radicular fibrosa
folículo
Córtex
Matriz
Melanócito
Papila dérmica
Cutícula
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de e podem ser esticados até 30% de seu comprimento.
O cabelo seco possui carga negativa, mas pode produzir
Medula eletricidade estática, capaz de afastar as hastes e produ-
zir aspecto “arrepiado”, o qual pode ser amenizado com
hidratantes capilares.
O número total de folículos em todo o corpo em
adultos é estimado em 5 milhões. Cerca de 1 milhão está
na cabeça e 100 mil, no couro cabeludo. A densidade de
pelos no couro cabeludo é variável, de 175 a 300/cm²,
dependendo da área, sexo e idade do indivíduo. A redu-
ção da densidade com o envelhecimento é significativa
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e pelas alopecias cicatriciais linfocíticas.
A anamnese deve abordar o início, a duração e a natu-
reza da queixa. Queda, rarefação e quebra são facilmente
distinguidas na história. Familiares com AAG, alterações
nas hastes ou doenças autoimunes podem influenciar o
diagnóstico. Outras doenças como câncer de mama ou de
próstata na família podem impactar na decisão terapêuti-
ca: o uso crônico de antiandrógenos na mulher aumenta
o risco de neoplasias mamárias; bem como a finasterida,
fase sofre um encurtamento progressivo. Os fatores re- e alisamentos facilitam a quebra e podem intensificar o
guladores do ciclo piloso são desconhecidos, admitindo- problema básico. A frequência da lavagem e os produtos
se a influência de condições intrínsecas do folículo (ainda utilizados, os tratamentos químicos no último ano e sua
pouco esclarecidas) e sistêmicas (nutricionais, emocio- frequência além do uso de calor para secar ou modelar os
nais, humorais e hormonais). Diferentemente das cren- fios podem interferir na qualidade da haste.
ças populares, não há influências da menstruação, depila-
ção, fases lunares e cortes frequentes no ciclo dos pelos. Exame Clínico
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sorganizada da superfície da pele. Entretanto, a derma-
Para identificar queda excessiva, pode ser realizada con- toscopia sem imersão tem se mostrado útil para analisar
tagem dos cabelos desprendidos diariamente, que nor- características como poros sudoríparos, pontos amarelos,
malmente não ultrapassa 100 fios. Os fios de cabelo são secreção sebácea e exsudação. Nas áreas de alopecia, cro-
coletados durante sete dias e podem ser analisados ao nicamente expostas ao sol, a presença de rede pigmentar
microscópio e classificados de acordo com sua fase e em “favo de mel”, melanoses e outros sinais de fotodano
diâmetro. podem ser identificados. Diversos achados foram des-
O teste de tração do cabelo é uma técnica simples, critos e correlacionados a determinadas tricoses, poucos
envolvendo delicada tração de um grupo de cerca de 50 são patognomônicos das doenças, mas complementam os
fios da base à extremidade distal. O ideal é que o pa-
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telógenos no couro cabeludo em mais de 60%. Mulheres anágenos, utilizando punch de 4 ou 6 mm, após anestesia
com AAG em uso de antiandrógenose com deficiência com vasoconstritor. Para pacientes com cabelos lisos, o
de ferro devem receber suplementação de ferro. punch pode ser inserido no couro cabeludo seguindo a
Nas mulheres com manifestações clínicas de hiperan- direção do fio de cabelo; em pacientes com cabelos enca-
drogenismo, dosagens hormonais fazem parte da investi- racolados, o punch deve entrar perpendicular à superfície
gação e devem ser solicitadas de maneira individualizada, da pele. Sempre que possível, duas amostras devem ser
já que menos de 40% das mulheres com AAG apresen- colhidas para cortes transversais e longitudinais. Suturas
tam alteração laboratorial e esses exames parecem não são fundamentais nos casos de alopecia, pois a cicatriz
interferir na conduta terapêutica. A análise dos níveis sé- pode ser evidente devido à rarefação.
dade do quadro.
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nesses doentes, não foi provada correlação com a severi- três principais causas. A diferenciação entre elas, mui-
tas vezes, não é fácil e dados clínicos, laboratoriais, de
exame físico, manobras propedêuticas e biópsia de couro
Tricograma e Fototricograma cabeludo podem ser necessários.
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de pelos terminais: velos normal (6-8:1) no ET. Por volta
dos 60 anos, 25% das mulheres apresentarão algum grau
de AAG; dessa forma, as duas doenças podem ser vistas
coincidentemente. A diferenciação precisa entre as enti-
dades faz-se necessária no momento de optar pelo uso de
antiandrógenos sistêmicos, úteis nos casos de AAG.
O tratamento é eliminar o fator desencadeante. Em-
bora o tratamento da deficiência de ferro sem anemia
seja controverso, suplementação de ferro nesses pacien-
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Eflúvio Anágeno
O eflúvio anágeno resulta de um grande insulto ao folí-
Figura 17-5. Amostra de queda, frequentemente trazidas para
culo em crescimento, com interrupção abrupta da que-
consulta por pacientes com eflúvio telógeno.
ratinização produzindo fios com estreitamentos abruptos
e fraturas, que caem com facilidade. Este tipo de queda
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ou exposição de antígenos foliculares podem estar envol- variam entre as pílulas e são preferíveis os de ação an-
vidas na etiologia da inflamação. tiandrogênica superior, como o acetato de ciproterona,
O objetivo do tratamento é frear a miniaturização e drospirenona e a clormadinona.
recuperar parcialmente a rarefação. Medidas gerais como Reposição de suplementos vitamínicos aleatoriamen-
controle da obesidade, dieta balanceada e tratamento da te não está indicada na AAG. Além das medidas farma-
dermatite seborreica são importantes. Entre os produtos cológicas, podemos contar com a camuflagem cosmética
de uso tópico, ominoxidil, em concentrações de 2 a 5%, é e com o transplante capilar (Capítulo 20).
droga de primeira linha no tratamento de homens e mu-
lheres, atuando no prolongamento da fase anágena. Seu Anormalidades da Haste Capilar
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Capítulo 17 Alopecias em Cosmiatria
1. Pelo afilado ou em ponto de 2. Pelo normal 3. Moniletrix 4. Tricorrexis nodosa
exclamação (alopecia areata)
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4. Tricorrexis invaginada 6. Triconodose 7. Constrição de
Pohl-Pinkus
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Figura 17-8. Haste com tricorrexe nodosa à microscopia Figura 17-9. Dermatoscopia evidenciando haste em ponto de
óptica com polarização exclamação, na alopecia areata.
Alopecias Localizadas Figura 17-10. Aspecto clínico da alopecia areata difusa, difícil
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podem haver fios miniaturizados e tratos fibrosos com ajudar o paciente a conviver com a doença irresponsiva.
linfócitos, eosinófilos e melanina em torno do bulbo,
achados infrequentes na AAG ou tricotilomania. Tricotilomania e Alopecia de Tração
O tratamento pode ser desafiador, com recaídas fre-
Essas alopecias, causadas por tração e dano físico ao eixo
quentes. A escolha terapêutica depende da extensão
do cabelo, levam a alterações no ciclo de crescimento
da doença e da idade do paciente. Remissão espontâ-
dos cabelos e inflamação perifolicular. A tricotilomania
nea pode ser observada no primeiro ano em até 80%
é o arrancamento compulsivo de pelos, principalmente
dos pacientes, embora muitos apresentem recidivas ao
do couro cabeludo, gerando áreas de alopecia irregulares,
longo da vida. O prognóstico é desfavorável na doença
bizarras, ásperas e permeadas por fios de diferentes com-
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Corticoides intrelasionais podem reduzir o processo in- o tipo celular predominante do infiltrado inflamatório
flamatório folicular. perifolicular; logo, uma biópsia do couro cabeludo está
sempre indicada nas suspeitas de ACP. Redução do nú-
Alopecias Cicatriciais mero de folículos e glândulas sebáceas com aumento de
tratos fibrosos são achados comuns a todas as formas de
As alopecias cicatriciais são um grupo de desordens ca- ACP; outras alterações anatomopatológicas são apresen-
pilares pouco diagnosticadas, com dano irreversível aos tadas na Tabela 17-5.
folículos pilosos e substituição do epitélio folicular por Clinicamente, as ACP, apresentam redução dos ós-
tecido conjuntivo. Podem ocorrer de forma secundária tios foliculares em meio a áreas cicatriciais com graus
a agressões generalizadas do tecido no couro cabeludo,
Seção 2 Cosmiatria
Degeneração mucinosa das glândulas sebáceas e bainha radicular externa. IF: negativa.
Ceratose folicular Lesões agudas mostram edema epidérmico com neutrófilos, substituídos mais tarde por
espinulosa decalvante infiltrado linfocítico em infundíbulo e istmo. IF: negativa.
Neutrofílico Foliculite perifolicular e Inicialmente infiltrado neutrofílico, substituído por linfócitos e plasmócitos; inflamação
interfolicular decalvante perifolicular e intrafolicular com formação de abscessos, fibrose dérmica variável e plugs
foliculares. IF: negativa.
Foliculite dissecante Oclusão folicular. Infiltrado inicialmente neutrofílico e após misto, na derme perifoliculares
e interfolicular profunda e subcutâneo; formação de abscessos profundos com fístulas;
fibrose proeminente em torno do trato fibroso. IF: negativa.
Misto Foliculite queloideana Infiltrado misto de linfócitos e neutrófilos na derme perifolicular e folículo; formação de
granulomas e abcessos perifoliculares; fibrose perifolicular lamelar precoce, seguida de
cicatriz hipertrófica; plugs foliculares. IF: negativa.
Foliculite necrótica Dilatação folicular acneiforme, exocitose de linfócitos, espongiose folicular e edema
perifoliculares com infiltrado misto de linfócitos e neutrófilos, com necrose progressiva. IF:
negativa.
Dermatose pustular Inespecífico. Pode ter infiltrado misto de linfócitos e neutrófilos em toda a epiderme,
erosiva folículo, derme e subcutâneo. IF: negativa
Inespecífico Estágios finais das ACP Ausência de infiltrado inflamatório.
IF: Imunofluorescência.
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Capítulo 17 Alopecias em Cosmiatria
Figura 17-12. Aspecto dermatoscópico do lupus eritematoso Figura 17-13. Líquen plano pilar. Placas atróficas
discoide. Placa atrófica com telangectasias e plugs de disseminadas em couro cabeludo.
queratina foliculares.
Figura 17-14. Foliculite decanvante. Placa atrófica com Figura 17-15. Foliculite queloideana. Pápulas queloidiformes
pústulas perifoliculares na periferia. perifoliculares na nuca.
mens, adultos jovens e negros. A hiperceratose folicular Barman JM; Astore I; Pecoraro, V. The normal trichogram of the adult. J
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