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Karidja Kalliany Carlos de Freitas Moura

Organizadora

Razão e Emoção:
pela linguagem dos afetos e sensibilização dos conhecimentos

2022
Editora Chefe: Karidja Kalliany Carlos de Freitas Moura
Projeto Gráfico/ Designer: Antônio Laurindo de Holanda Paiva Filho e Edvaldo Rodrigues
Júnior
Diagramação: Luciana Fernandes Queiroz Amorim.
Publicação: Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.

FCRN, Faculdade Católica do Rio Grande do Norte


Praça Dom João Costa, 511 - Bairro Santo Antônio.
Mossoró/RN | CEP 59.611-120
(84) 3318-7648
E-mail: extencao@catolicadorn.com.br
Site: www.catolicadorn.com.br

Editoração:
Liandra Chirley Medeiros da Silva
Luciana Fernandes Queiroz Amorim
Marciana Bizerra de Morais
Marina Evelyn da Costa Soares
Nayla de Freitas Fernandes

Os conteúdos e as opiniões externadas nesta obra são de responsabilidade exclusiva dos


autores.

Todos os direitos de publicação e divulgação em língua portuguesa estão reservados à FCRN


- Faculdade Católica do Rio Grande do Norte e aos organizadores da obra.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................................. 10

ADMINISTRAÇÃO ................................................................................................................................................ 11

IMPACTOS ESTRATÉGICOS DO MARKETING DIGITAL NO DESEMPENHO DE


PEQUENAS EMPRESAS DO RAMO DE SERVIÇOS DE BELEZA EM MOSSORÓ/RN ............ 12

QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DE UMA EMPRESA DE


TELECOMUNICAÇÕES DE MOSSORÓ-RN ............................................................................... 38

FATORES QUE INFLUENCIAM O COMPORTAMENTO DE CONSUMO DE USUÁRIOS DO


INSTAGRAM .................................................................................................................................. 51

GESTÃO DE OBRAS RESIDENCIAIS EM CONDOMÍNIO DE CASAS: um estudo de caso .... 70

INSERÇÃO PROFISSIONAL: Um estudo sobre os egressos do curso de Administração da


Universidade do Estado do Rio Grande do Norte ............................................................................. 82

CIÊNCIAS CONTÁBEIS ....................................................................................................................................... 98

APLICABILIDADE DA GOVERNANÇA CORPORATIVA EM EMPRESAS DE PEQUENO E


MÉDIO PORTE DE MOSSORÓ-RN .............................................................................................. 99

PERCEPÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA CONTÁBIL: estudo com discentes de uma


IES de Mossoró-RN ....................................................................................................................... 115

DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ADICIONADO COMO INSTRUMENTO DE MENSURAÇÃO


SOBRE A CARGA TRIBUTÁRIA ............................................................................................... 136

PERCEPÇÃO DOS GESTORES SOBRE A CONTABILIDADE GERENCIAL EM


MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE DE MOSSORÓ-RN ..................... 157

O PAPEL DA PERÍCIA CONTÁBIL NO CONTEXTO SOCIAL ................................................ 175

PERCEPÇÃO DE ADVOGADOS E CONTADORES SOBRE A REFORMA TRIBUTÁRIA


BRASILEIRA: um estudo aplicado no município de Mossoró-RN ............................................... 190

ABORDAGEM SOBRE A DISCIPLINA ÉTICA PROFISSIONAL NAESTRUTURA


CURRICULAR DO CURSO SUPERIOR DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS PARA A FORMAÇÃO
DOS FUTUROS CONTADORES ................................................................................................. 212
PERCEPÇÃO GERENCIAL E CONTROLE FINANCEIRO DA ATIVIDADE DE APLICATIVO
DE MOBILIDADE URBANA EM MOSSORÓ/RN ..................................................................... 231

CIÊNCIA E EDUCAÇÃO ................................................................................................................................... 255

A ARTE DA RESISTÊNCIA COMO SUPORTE AO DESERTO DO REAL .............................. 256

A ARTE COMO CAMPO DE SABER NAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS ..................... 271

A ATUAÇÃO DO PEDAGOGO NA AVALIAÇÃO NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO


ESCOLAR: NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA PROFISSIONAL ...................... 286

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO: A AUSÊNCIA DA AFETIVIDADE ENTRE PROFESSORES E


EDUCANDOS NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE 2020 ....................................................... 303

VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO BRASIL: DA PRÁTICA POLÍTICA OPRESSORA AO


DISCURSO LIBERTATÓRIO ...................................................................................................... 315

LEMBRANÇAS DA NOITE: Medos modernos à sombra do desconhecido ................................. 329

DIREITO ................................................................................................................................................................ 342

A APOSENTADORIA POR IDADE RURAL E O SEU CARÁTER ASSISTENCIAL (E NÃO


PREVIDENCIÁRIO): reflexos da dificuldade probatória à comprovação da atividade rural pelo
segurado especial ........................................................................................................................... 343

A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA: O impasse dos moradores da zona rural da


Mossoró/RN ................................................................................................................................... 368

A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL: uma crítica aos cortes de gastos na educação
pelo atual governo .......................................................................................................................... 384

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FISCAL PARA A DEMOCRACIA ................................. 395

A PARTICIPAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NA FORMAÇÃO DO DIREITO


TRABALHISTA E NO BRASIL CONTEMPORÂNEO ............................................................... 412

ADOÇÃO TARDIA: o processo da adoção e seus desafios ........................................................... 429

ANÁLISE DAS ESTASTÍSTICAS DO CRIME DE ESTUPRO ................................................... 446

EDUCAÇÃO FISCAL: direção para um bem-estar social ............................................................. 463

LEI Nº 7.210/1984, A LEI DE EXECUÇÃO PENAL, E SUA APLICAÇÃO NO SISTEMA


CARCERÁRIO DE MOSSORÓ/RN: reflexões sobre a materialização das assistências ............... 476

O DIREITO AO TRATAMENTO DE SAÚDE E O ROL DA ANS: (I) LIMITAR A DIGNIDADE


....................................................................................................................................................... 495
SÍNDROME DE BURNOUT NA VERTENTE TRABALHISTA: direitos, deveres e prevenções518

SÍNDROME DE BURNOUT NOS DOCENTES EM VIRTUDE DA PANDEMIA DO COVID-19


....................................................................................................................................................... 532

UMA ANÁLISE SOBRE A PERCEPÇÃO DE JOVENS, ENTRE 14 A 24 ANOS, ACERCA DA


EDUCAÇÃO FISCAL COMO INSTRUMENTO DE CONSCIENTIZAÇÃO SOCIAL .............. 554

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: os desafios enfrentados pelas vítimas para a concretização das


medidas de proteção. ...................................................................................................................... 572

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA À LUZ DO CASO DO ANESTESISTA DO RIO: a dor do parto que


permanece. ..................................................................................................................................... 586

FISIOTERAPIA E NUTRIÇÃO ....................................................................................................................... 602

EFEITOS DA HIDROTERAPIA NAS ALGIAS DA COLUNA VERTEBRAL: uma revisão de


literatura. ........................................................................................................................................ 603

LOMBALGIA E ALTERAÇÕES POSTURAIS NO PERÍODO GESTACIONAL ...................... 615

O TRATAMENTO EM REALIDADE VIRTUAL PARA MELHORAR O EQUILIBRIO E A


MARCHA EM PACIENTES COM DOENÇA DE PARKINSON:uma revisão integrativa .......... 633

TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NAS DISFUNÇÕES DO ASSOALHO PÉLVICO NO


PÓS PARTO .................................................................................................................................. 645

PSICOLOGIA ........................................................................................................................................................ 659

A CULTURA DOS RITUAIS FÚNEBRES: a despedida como uma construção social ................ 660

A EROTIZAÇÃO, A INFÂNCIA E OS DESENHOS ANIMADOS: problemática e soluções ..... 671

A IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL EM PROFISSIONAIS DA


ENFERMAGEM ATUANTES NA URGÊNCIA E EMERGÊNCIA HOSPITALAR................... 689

A IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE PARA A


FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA .................................................................................................. 703

A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO EDUCACIONAL


....................................................................................................................................................... 715

A MEDICALIZAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA COMO TRATAMENTO PALIATIVO .............. 730

ANÁLISE CURRICULAR DA DISCIPLINA GESTÃO DE PESSOAS DO CURSO TÉCNICO


INTEGRADO EM ADMINISTRAÇÃO DO IFRN, SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA
ORGANIZACIONAL .................................................................................................................... 744
A OFICINA DE COLAGEM COMO ESTRATÉGIA DE CUIDADO EM SAÚDE MENTAL: um
relato de experiência no Abrigo Temporário para Pessoas em Situação de Rua da cidade de
Mossoró/RN ................................................................................................................................... 760

A REPRESENTAÇÃO DRAMATÚRGICA NO CONTEXTO DE ADOÇÃO E SUA


INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA .......................................................................... 776

ACOLHENDO A DOR INVISIBILIZADA: a atuação do Psicólogo em casos de óbito fetal ....... 791

AS CONTRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO ESCOLAR NA RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA EM


TEMPOS DE PANDEMIA ............................................................................................................ 804

ASPECTOS PSICOSSOCIAIS CONCATENADOS À GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA: um


ensaio sobre o psicológico da adolescente grávida ......................................................................... 830

ATENÇÃO A SAÚDE MATERNA E ATUAÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM GRUPO DE


GESTANTES: um relato de experiência ........................................................................................ 844

BURNOUT E TRABALHO ONLINE: o impacto do home office no esgotamento mental de


trabalhadores .................................................................................................................................. 861

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: uma perspectiva feminista na educação básica ............... 874

EDUCAÇÃO CORPORATIVA: a importância da Psicologia Organizacional e do Trabalho nas


organizações ................................................................................................................................... 894

ENTENDENDO O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: sobre diagnóstico e possíveis


tratamentos ..................................................................................................................................... 916

ESTÁGIO EM LICENCIATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL I NA ÁREA DA


PSICOLOGIA: um relato de experiência ....................................................................................... 927

ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: um relato de experiência............................................ 947

HOSPITALIZAÇÃO PROLONGADA EM UMA UTI NEONATAL: o enfrentamento materno


através de atividades terapêuticas ................................................................................................... 959

HUMANIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO A PARTIR DE PAULO FREIRE: um relato deexperiência 973

IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS E SOCIAIS NO COMPORTAMENTO ALIMENTAR


DISFUNCIONAL E POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA COGNITIVO
COMPORTAMENTAL ................................................................................................................. 996

MODOS DE SER E ESTAR: a atuação do (a) profissional de psicologia em um centro de referência


da assistência social através de um relato de experiência. ............................................................ 1022
MONITORIA ACADÊMICA DA DISCIPLINA DE MÉTODOS DE PESQUISA: um relato de
experiência ................................................................................................................................... 1035

O IMPACTO DAS REDES SOCIAIS NA AUTOIMAGEM FEMININA E AS CONTRIBUIÇÕES


DA PSICOLOGIA ....................................................................................................................... 1046

O IMPACTO DOS JOGOS ONLINE NAS RELAÇÕES SOCIAIS ............................................ 1057

O LUTO INFANTIL E SUAS PARTICULARIDADES: um olhar sobre o luto na infância com uma
perspectiva compreensiva e reflexiva ........................................................................................... 1069

O MITO DA BELEZA E O IMPACTO NA SAÚDE MENTAL DAS MULHERES .................. 1093

O QUE FICA DEPOIS DO AMOR?: estudo sobre o trabalho de luto das separações amorosas . 1116

ORIENTAÇÃO VOCACIONAL COMO INSTRUMENTO PROPULSOR DE


DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL NO TEA ............................................. 1128

PSICOLOGIA E RURALIDADES: uma análise sobre as principais comorbidades adquiridas por


trabalhadores rurais na comunidade de areias alvas do município de Grossos/RN ....................... 1139

POSSÍVEIS DANOS QUE A EXPOSIÇÃO EXCESSIVA DE CRIANÇAS NAS REDES SOCIAIS


E O IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL ........................................................... 1163

POSSÍVEIS PREJUÍZOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS


COM DEFICIÊNCIA NO CONTEXTO PANDÊMICO DA COVID-19 .................................... 1181

PSICOEDUCAÇÃO DO LUTO: o apego e a perda ..................................................................... 1193

PSICOLOGIA ESCOLAR E ESTÁGIO PROFISSIONALIZANTE: possibilidades de intervenção


em uma escola da rede municipal de ensino em Mossoró/RN. ..................................................... 1209

PSICOLOGIA HOSPITALAR: práticas e inserção profissional no brasil ................................... 1221

QUANDO A DIVERSIDADE E INCLUSÃO IMPACTAM NOS RESULTADOS DAS


ORGANIZAÇÕES ....................................................................................................................... 1236

REFLEXÃO SOBRE O LIVRO: Dibs - Em busca de si mesmo.................................................. 1248

SAÚDE MENTAL DA MULHER: uma perspectiva a partir do movimento feminista ............... 1258

SAÚDE MENTAL DE ESTUDANTES NEGROS: manifestações Antirracistas na Educação Básica


..................................................................................................................................................... 1285

SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO AO LUGAR: revisão de literatura sobre a memória social


indígena ........................................................................................................................................ 1305

SINAIS PRECOCES NO AUTISMO: a importância da observação para um tratamento eficaz. 1320


SÍNDROME DE BURNOUT ENTRE POLICIAIS: causas e fatores .......................................... 1334

SÍNDROME DE LA TOURETTE: tratamento, diferenciação de outras síndromes e convivência no


meio escolar e familiar ................................................................................................................. 1347

TEOLOGIA ..........................................................................................................................................................1360

UTILIZAÇÃO DE DESENHOS ANIMADOS, ANIMES E FILMES NACATEQUESE DE


CRIANÇAS E JOVENS .............................................................................................................. 1361
10

APRESENTAÇÃO

O III CONCED - Congresso Nacional de Ciência e Educação, abordou, no período de


12 a 16 de setembro de 2022, o tema: "Razão e Emoção: Pela linguagem dos afetos e
sensibilização dos conhecimentos". A temática central ressalta a educação a partir da razão e
emoção em busca de transformar o homem a partir da apropriação de conhecimentos científicos,
com o intuito de perpetuar tais conhecimentos por gerações, a fim de que conheçam técnicas e
se apropriem para conduzir cultura e fazer história, no espaço e tempo em que se vive, dentro
da comunidade de maneira afetiva
É sabido que a educação é o caminho mais profícuo para o crescimento pessoal e
profissional de qualquer pessoa, é por ela e para ela que todos os esforços desse grande evento
foram despendidos. O processo de educar ultrapassa os livros e as teorias, vai além daquilo que
é escrito e tece para si uma série de conexões, de modo a promover relações e afetos.
O III CONCED, com enfoque na iniciação científica, confirma o nosso desejo de
diálogo com outros saberes, considerando que o diálogo é o caminho mais viável para os
processos de autoafirmação e reconhecimento das diferenças, elementos essenciais para a
convivência em um mundo cada vez mais plural.
Os grupos temáticos deram sustentação ao tema central, promovendo discussões,
reflexões e novas formas de pensar, estimular o envolvimento da comunidade discente e
docente na pesquisa científica, sendo esta fonte essencial na busca e apreensão de novos
conhecimentos, apontando as diretrizes para o desenvolvimento dos trabalhos acadêmicos e
científicos apresentados nos artigos deste livro.

Comissão Organizadora
11

ADMINISTRAÇÃO
12

IMPACTOS ESTRATÉGICOS DO MARKETING DIGITAL NO DESEMPENHO DE


PEQUENAS EMPRESAS DO RAMO DE SERVIÇOS DE BELEZA EM MOSSORÓ/RN

Wendy Karla Medeiros de Souza Bezerra 1


Nayara Raiany França da Silva2
Jane Elly Nunes da Costa Lima3
Natália Queiroz da Silva Oliveira4
Ítalo Carlos Soares do Nascimento5

RESUMO

O uso do marketing digital nas empresas do ramo de beleza em Mossoró/RN, muda a forma de
visibilidade do negócio, mostra que assim como as demais áreas de mercado estas também têm
seu espaço no meio através das mídias sociais. A influência mútua com os clientes contribui
para construir ou destruir a imagem da empresa. Por meio do marketing digital é possível
planejar estratégias para serem usadas nas redes sociais, dessa forma o presente artigo teve
como objetivo geral descrever os impactos estratégicos do Marketing no desempenho de
pequenas empresas do ramo de salão de beleza em Mossoró-RN. A pesquisa foi classificada
como descritiva e nela foram usadas técnicas de coletas bibliográficas, seguida de pesquisa de
campo em forma de questionário, através do google forms, com dezesseis perguntas de
múltiplas escolhas. De maneira geral, percebe-se que o marketing digital tem impactado
positivamente no desempenho das empresas respondentes da pesquisa na área de
relacionamento com o cliente, já que melhora a comunicação entre ambos, no aumento do
número de clientes, na melhoria do faturamento e na visibilidade do negócio.
Palavras-Chaves: Marketing. Marketing Digital. Redes Sociais. Internet.

ABSTRACT
The use of digital marketing in beauty companies in Mossoró/RN, has changed the way of
business visibility, shows that like other market areas, also has their space in the middle through
social media. Digital marketing´s influence can improve or destroy the company's image.
Through digital marketing is possible to plan strategies to be used in social media, so this article
had as general objective to describe the strategic impacts of Marketing on the performance of
small businesses in the beauty salon sector in Mossoró-RN. The research was classified as
descriptive and techniques of bibliographic collection were used, followed by research by

1 Mestra em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail:
Wendy.bezera@gmail.com.
2 Graduanda em Administração, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
nayararfranca@gmail.com.
3 Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:
jane_elly@hotmail.com
4 Mestra em Administração pela Universidade Estadual do Ceará. E-mail: natqs.queiroz@gmail.com.
5 Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:
italocarlos25@gmail.com.
13

questionnaire, through google forms, with sixteen multiple choice questions. In general, it can
be seen that digital marketing has had a positive impact on the performance of the companies
responding to the survey in the area of customer relationship, as it improves communication
between them, increasing the number of customers, improving revenue and also in business
visibility.
Keywords: Marketing. Digital Marketing. Mídias sociais. Internet.

1 INTRODUÇÃO

Organizações de todos os tamanhos e setores tem passado por profundas transformações


nas últimas décadas. Empresas e consumidores têm usado a internet e mídias sociais cada vez
mais. Pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação (Cetic.br) mostram que, no Brasil, o número de pessoas que utilizam
a internet cresceu em 2020, saindo de 74% para 81% da população, o que representa 152
milhões de pessoas com 10 anos ou mais.
Segundo dados do SEBRAE (2016), no Brasil há cerca de 300 mil negócios
formalizados no ramo de cabelereiros e manicures. Além disso, a pesquisa mostra também que
ao somar com outras contas do ramo de beleza, seriam mais de 400 mil CNPJs que estão
vinculados a prestação de serviços de beleza e afins.
Diante deste cenário, de crescimento do uso da internet pela maioria da população
brasileira e do grande número de empresas que atuam no ramo de salão de beleza, o uso do
marketing digital tem transformado a forma das empresas se relacionarem com seus
consumidores. Desse modo, entende-se que é essencial para os gestores entenderem os impactos
estratégicos que o marketing digital pode trazer para este tipo de negócio.
Para atender as expectativas do mercado, as empresas contam com o marketing para
atrair e manter clientes. Sobre marketing, Kotler, (2015, p. 4) afirma que, “Marketing é o
Processo pelo qual as empresas criam valores para os clientes e constroem fortes
relacionamentos com eles a fim de, em troca, capturar valor deles”.
Sobre o conceito de marketing, Cobra (2009, p. 6) diz que: “É definido com o objetivo
de criar, conquistar e manter clientes, estabelecendo relacionamentos mutuamente satisfatórios
de longo prazo com partes-chave como clientes, fornecedores e distribuidores, a fim de ganhar
e reter sua preferência e seus negócios”.
A internet tem sido um meio de comunicação muito utilizado devido sua agilidade e da
rapidez com o que entrega seu conteúdo, características desse método, as empresas,
14

independente do seu porte vêm fazendo uso para propagar seu nome e de seus produtos/serviços
competindo de igual para igual, ao mesmo tempo que desenvolvem e avançam com seu
marketing digital. Para Castells (2003), a Internet é um meio de comunicação que permite, pela
primeira vez, a comunicação de muitos com muitos, num momento selecionado, em linha
graduada global.
Com o aumento da tecnologia, o constante uso da internet, e o fácil acesso as redes
sociais, surge uma nova forma de marketing, também conhecida como marketing digital, esta
possibilita interação direta entre organização e cliente, de forma rápida, real e próxima. Segundo
Cruz e Silva (2014), o marketing digital pode ser considerado o marketing do novo milênio,
visto que ele é utilizado junto da internet, meio em constante crescimento, para aumentar a
relação entre organizações e clientes.
É fundamental que as empresas recorram ao marketing com o propósito de atingir seus
objetivos. No contexto atual, o marketing digital vem para facilitar a vida das pessoas, com essa
evolução, em pouco tempo, se faz a divulgação e se estabelecem contatos, basta ter acesso à
internet e saber divulgar o produto ou serviço. Sabe-se que a internet pode aumentar o
desempenho dos negócios usando ferramentas de publicidade e captação de clientes e
profissionais. Por meio de redes sociais as empresas têm conseguido atender as expectativas do
mercado, que vem crescendo rapidamente. Dau (2020), escritor da Revista Contábil, diz que,
segundo pesquisa feita da Kantar, marca especializada em pesquisa de mercado, as redes socais,
como o Facebook, WhatsApp e Instagram, tiveram um crescimento de uso de 40% na
pandemia, possibilitando que algumas empresas se mantivessem no mercado e gerassem novas
oportunidades de emprego.
Para uma empresa implementar o marketing digital, necessita antes de tudo identificar
o público-alvo, isto é, usuários clientes da internet. As organizações devem estar cientes e
entender como seus clientes utilizam a tecnologia e as informações, como objetivo de que as
organizações tenham melhor interação com o seu público/cliente (RYAN, 2014). A
necessidade e o desejo que o cliente passa a ter pelo produto ou serviço por meio da oferta on-
line vem de um processo planejado.
A pergunta que irá conduzir esta pesquisa é: Quais os impactos estratégicos do
Marketing Digital no desempenho de pequenas empresas do ramo de salão de beleza de
Mossoró-RN? Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo geral descrever os impactos
estratégicos do Marketing no desempenho de pequenas empresas do ramo de salão de beleza
15

em Mossoró-RN. Para que o objetivo geral seja alcançado tem-se os seguintes objetivos
específicos: fazer levantamento teórico sobre o marketing e o marketing digital que subsidiem
a pesquisa de campo; identificar e descrever por meio de pesquisa de campo os impactos
estratégicos do marketing digital em salões de beleza.
Justifica-se o tema escolhido, uma vez que os negócios vêm mudando suas estratégias
de marketing para atender as mudanças no comportamento dos consumidores que, cada vez
mais, utilizam a internet para se relacionar com as empresas e o crescimento do marketing
digital, sobretudo no setor de salão de beleza.
Este trabalho está dividido em introdução, referencial teórico onde é encontrado o
resultado do levantamento teórico com conceitos de marketing e sua evolução, marketing
digital, internet e estratégias de marketing digital. A seguir apresenta-se a metodologia utilizada
no trabalho para alcançar os resultados da pesquisa que são apresentados na próxima seção. Por
último tem-se as considerações finais e recomendações para futuros trabalhos.

2 MARKETING

O marketing surgiu como uma forma de entender melhor os mercados e as necessidades


do consumidor a fim de criar e posicionar propostas de valor para atender à demanda do
consumidor.
O marketing lida com o que é relevante para a idealização, produção, comunicação e
distribuição de bens ou serviços que podem ser avaliados por um conjunto de clientes porque
nem todas as atividades de marketing apoiarão ofertas de sucesso, uma parte significativa dessas
atividades é realizada antes de uma oferta chegar ao mercado e há casos em que, embora as
atividades de marketing tenham sido realizadas "corretamente", uma oferta comercialmente
disponível acaba não sendo bem-sucedida.
Cobra (2009, p. 6), “Fazer marketing é como agradar os parceiros em uma união. É
preciso verificar as necessidades do mercado e as disponibilidades internas, ou seja, o que a
empresa tem a oferecer deve corresponder, ou até mesmo superar, o que o mercado quer”.
Richers (1994), define marketing sendo as atividades sistemáticas de uma organização
humana voltadas à busca e realização de trocas para com o seu meio ambiente, visando
benefícios específicos.

2.1 EVOLUÇÃO DO MARKETING


16

As diversas evoluções que o marketing vem passando, de forma positiva, está


diretamente ligada ao crescimento competitivo de mercado. Essas mudanças acontecem
conforme a necessidade do consumidor, do qual as organizações veem oportunidade para
atende-las, com isso ele trazem crescimento para as suas empresas, nos setores financeiros, e
destaque no mercado.
Cruz e Silva (2014, p. 3), mostra a evolução do pensamento do Marketing de acordo
com o seu desenvolvimento, cada fase se passa em seu ano de marco, e seu aprimoramento se
destaca com grandeza, o foco sempre está na sua melhoria, inicialmente com as organizações,
focando nos seus lucros de vendas, porém de diferentes maneiras e se completando em cada
etapa.

Quadro 1 – Evolução do pensamento do Marketing de acordo com seu desenvolvimento.


Primeira O marketing era uma atividade funcional ligada a vendas e distribuição sendo encarada
1900
Fase como atividade subordinada à área econômica.
Segunda Fase da reconceitualização, surge o marketing mix que envolve quatro aspectos, produto,
1950
Fase preço, praça e promoção, ou melhor, os 4P’s ou composto de marketing.
O marketing passou a ser encarado como uma disciplina que estuda as relações entre
Terceira partes, sejam elas empresas, organizações não comerciais ou governo, ou seja, o
1960
Fase marketing passou a envolver todo tipo de unidade social, não estando mais apenas a
serviço da lucratividade, mas sim na melhoria da sociedade como um todo.
Surge o marketing de relacionamento visando propiciar uma forma mais eficaz para
Quarta
1980 colaborar com os esforços das organizações na obtenção de resultados satisfatórios em
Fase
mercados competitivos.
Fonte: Cruz e Silva, 2014.

Em Marketing 3.0, Kotler (2010), afirma que o Marketing vem em constante evolução,
passando por três fases, chamados Marketing 1.0, 2.0 e 3.0. Em Kotler (2021), diz que desde
sempre considerou o Marketing 3.0 como a prática finalização do marketing tradicional. Com
ele, ficaram completos os grupos de construção de um serviço intelectual (1.0), emocional (2.0)
e espiritual (3.0) ao cliente.
O mesmo com o passar dos anos, evolui o marketing novamente, em Kotler (2021), diz
que o marketing 4.0 é a fase da mudança do tradicional ao digital, onde marketing no digital
não se fundamenta apenas em mídias e canais digitais. Ainda existe um canal digital que separa
aqueles que têm acesso à internet dos que não têm, por isso o marketing exige uma abordagem
“onicanal”, isto é, tanto on-line quanto online.”
Chegamos a última evolução dos últimos tempos, no marketing 5.0, tecnologia para
humanidade. A pandemia de COVID acelerou a chegada dessa fase com o distanciamento
17

social, as empresas foram obrigadas a se reinventar e se adaptar à nova realidade, o digital e


sem contato. Em Kotler (2021), diz que é hora de as empresas permitirem plenamente a força
das tecnologias avançadas em suas estratégias, táticas e operações de marketing.
O Marketing 5.0 é, por demarcação, a aplicação de tecnologias que acolhem o
comportamento humano para criar, comunicar, entregar e aumentar o valor ao longo da
trajetória do cliente (KOTLER, 2021).
Diante desses conceitos apresentados, nota-se que o Marketing está em constante
desenvolvimento afim de um único propósito, atender as necessidades dos consumidores, logo
as empresas se abrem cada vez mais para que esses desejosos sejam atendidos da melhor forma,
fazendo com que seus lucros cresçam cada vez mais, e a troca em forma de parceria, entre o
consumidor e empresa esteja sempre em crescimento.

2.2 INTERNET E MÍDIAS DIGITAIS

A internet é uma rede de conexão global, criada nos anos 70 nos EUA, porém sua
chegada ao Brasil veio nos anos 90. Possui muitos benefícios para o uso comercial e pessoal,
ela tem grande fonte de informação, um catalogo e comercio eletrônico, e o maior meio de
comunicação que existe. Através dela consumidores e empresas se conectam e se aproximam,
criando vínculos e proporcionando maior conhecimentos entre eles.
É fato que a internet evoluiu e trouxe grandes mudanças, mas precisamente por competir
com outras mídias, atingindo o “status quo” dos meios de comunicação e agencias de
publicidades, esse crescimento não foi aceito de imediato, sendo muitas vezes limitada ao uso.
Por muito tempo a internet foi vista como “coisa de jovens” ou “um exercício de futilidade
(TORRES, 2018).
Kotler deixa claro que no início dos anos 2000, a tecnologia da informação tornou-se
dominante no mercado, a partir de então é vivido o que se chama de nova onda da tecnologia.
Kotler (2010, p. 7) afirma que a Internet, “abrange uma tecnologia que permite a conectividade
e a interatividade entre indivíduos e grupos. A nova onda de tecnologia é formada por três
grandes forças: computadores e celulares baratos, Internet de baixo custo e fonte aberta”.
A forma como a internet cresceu e se tornou a maior fonte de dados e referencias, trouxe
um grande impacto nas empresas, principalmente pela forma inovadora de se fazer marketing.
A partir dessa dimensão de crescimento a comunicação passou a ser um ciclo contínuo que
18

acontece dos dois lados, receptor e transmissor, ao mesmo tempo. Dado a isso o diálogo entre
as partes envolvidas, sendo, tanto dentro das organizações, como entre os consumidores.
Esse cenário promoveu o acréscimo dos elementos diálogo (colaboração) e data base
(base de dados) ao tradicional mix de marketing, sendo ambos enriquecidos à medida que as
interações ocorrem (KARSAKLIAN, 2001).
Com base na inovação do Marketing no mercado dentro do meio da internet, as mídias
digitais passam a ser a receptora das ações desta inovação, com suas redes sociais como parte
das mídias sociais. Nas mídias digitais, os clientes estão socialmente conectados em redes
diversas de comunidades.
Para se envolverem de forma eficaz com uma comunidade de consumidores, as marcas
precisam pedir permissão. No entanto, ao pedir permissão, as marcas precisam agir como
amigos necessitando de um desejo sincero de ajudar, e não caçadores com uma isca. Isso
demonstra o relacionamento aberto entre marcas e consumidores. Os consumidores estão com
poder de escolhas, e consequentemente mais críticos, tornando mais fácil para eles avaliar as
promessas de posicionamento da marca de qualquer empresa, com as mídias sociais, as
empresas já não conseguem fazer promessas que não consigam cumprir.
Lucena (2011), explica que a rede social é uma composição mista formada por pessoas
e/ou organizações, das quais se conectam por um ou vários tipos de relações, dentro dessas,
compartilham valores e objetivos comuns. Uma característica essencial para definição das redes
sociais, é a sua transparência, dando possibilidade de relacionamentos horizontais e não
hierárquicos entre as partes que à compõe.
Dentro do Marketing digital, as mídias sociais, traz a confiança no relacionamento
horizontal, aquela que ocorre entre funcionários e equipes para tratar de assuntos do dia a dia,
não mais por meio do relacionamento vertical, que ocorre entre pessoas de diferentes níveis
hierárquicos. “O conceito de confiança do consumidor não é mais vertical. Agora é horizontal”
(KOTLER, 2017). No passado, os consumidores eram facilmente influenciados por campanhas
de marketing. Eles também buscavam e ouviam autoridades e especialistas.
Entretanto, pesquisas recentes em diferentes setores mostram que a maioria dos
consumidores acreditam mais no fator social (amigos, família, seguidores do Facebook e do
Twitter). A maioria pede conselhos a estranhos nas mídias sociais e confia neles mais do que
nas opiniões advindas da publicidade e de especialistas. O que faz com que as experiências de
uso e satisfação de cada ser fale por si.
19

A grandeza das mídias sociais promove colaborações globais em inovação, onde as


empresas criam, inovam, reciclam-se, e pessoas, essas os clientes se encaixam em áreas de
necessidades distintas, na verdade, é uma inclusão social, que permite as pessoas pertencer a
comunidades diferentes, e se conectarem com outras pessoas do outro lado do mundo, de
realidades geográficas diferentes, mas que também compartilham das mesmas sensações e
necessidades.
Kotler (2017) diz, que conforme avança a interação entre as empresas e clientes, e o
relacionamento entre eles passam a ser mais próximos, passa a ser essencial o marketing digital.
O marketing digital promove a ação da marca, e quando necessário suas defesas, pois o
marketing digital é mais fácil de ser controlado do que o marketing tradicional, já que seu foco
é gerar resultado.
Surge então a fase do Marketing 4.0, onde Kotler aborda a transição e fusão do
Marketing tradicional para o digital, ou seja, o mundo on-line com o off-line.
Embora essa transição tenha acontecido, Kotler (2017) fala que “O marketing digital
não pretende substituir o marketing tradicional. Pelo contrário, ambos devem coexistir, com
papéis permutáveis, ao longo do caminho do consumidor”.

2.3 MARKETING DIGITAL

No início do século XXI o crescimento das mídias sociais na internet cresceu


consideravelmente, com isso veio um novo modelo de fazer Marketing, a internet passou a ser
um elo criativo entre as pessoas.

Em 2002 a internet começava a se popularizar no Brasil. Ainda sob os efeitos da


“bolha”, os investimentos nas mídias digitais eram escassos, mas existia um grande
potencial a ser explorado; e dando um salto para 2008, podemos perceber que com a
economia aquecida houve recordes nas vendas de computadores e telefones celulares,
a introdução da TV Digital no Brasil, mudando assim a vida das pessoas. (CINTRA,
2010, p. 9).

A partir de então, com a chegada da internet e os avanços tecnológicos, os celulares de


alta tecnologia evoluem, estes não são os baratos como mencionado por Kotler (2017), mas os
mais avançados juntamente com a maior e mais rápida rede de conexão, a internet, dando ao
consumidor oportunidade de posicionamento sobre determinadas marcas. Desse ponto em
20

diante o produtor e consumidor se encontram juntos dentro desse mundo de conexão, cada um
com seus interesses.
A conectividade é provavelmente o mais importante e influente da mudança na história
do marketing. Mesmo que não possa mais ser considerada como uma novidade, vem mudando
muitos aspectos do mercado e não se exibi sinais de desaceleração (KOTLER, 2017). O
crescimento é significativo, e a tendência é que ela continue a crescer, pois com esse avanço
ela não aproxima somente os consumidores, mas deixa as empresas integrada, diminui custo de
interação entre empresa, funcionário, clientes, e outras partes envolvidas.
Dentre tantos pontos positivos, a conectividade permite entrada de novos mercados,
auxilia no desenvolvimento de novos produtos, ajuda no crescimento e conhecimento da marca,
entre outros pontos a mais que existem de possibilidades através deste meio.
Gabriel (2010, p. 104) completa conceito sobre o termo marketing digital como “o
marketing que utiliza estratégias em algum componente digital no marketing mix – produto,
preço, praça ou promoção”.
O Marketing Digital traz como importância a comunicação consistente através da
tecnologia com as redes sociais, isso dado principalmente após a pandemia, onde o mundo hoje
se encontra, com o distanciamento social as pessoas se aproximaram de outra maneira,
virtualmente. E assim o comercio dentro da internet ganhou mais força e as empresas passaram
a ter destaques como uma rapidez significativa, sejam elas micro ou macro, o que faz com que
elas ganhem visibilidade são as ferramentas de Marketing, que são aplicadas no mundo digital,
por isso, o Marketing Digital.

2.4 ESTRATÉGIAS DE MARKETING DIGITAL

Adotar estratégias para o Marketing digital cada vez mais se faz necessário para as
empresas. Todos os tipos de negócio, mercado e segmento de atuação podem ser beneficiados
com as estratégias bem aplicadas.
Torres (2009), destaca que o marketing digital deve ser composto por sete ações
estratégicas, sendo elas:
Marketing de conteúdo: conteúdo publicado em um site, visando torná-lo visível na
internet e atraente ao consumidor.
21

Marketing nas mídias sociais: as mídias sociais são sites na internet construídos para
permitir a criação colaborativa de conteúdo, interação social e o compartilhamento de
informações em diferentes formatos;
Marketing viral: envio de uma mensagem na internet de uma pessoa a outra, visando à
transmissão de uma mensagem de marketing;
E-mail marketing: as empresas adaptaram a velha mala-direta ao e-mail formando esse
tipo de ação estratégica, procurando garantir que a mensagem de fato atinja o consumidor;
Publicidade on-line: iniciou-se a partir de banners publicados em sites, atualmente os
banners ganharam animação, interação, som, vídeo e outros recursos.
Pesquisa on-line: a pesquisa é à base da atividade de marketing, sendo que a pesquisa
on-line pode ser apoiada por programas de computador, como os spiders.
Monitoramento: é a ação estratégica que integra os resultados de todas as outras ações
estratégicas, táticas e operacionais.
Telles (2010), diz que grande parte do processo de velozes mudanças e transformações
que todos estamos vivenciando é decorrente de dois fatores principais: a globalização e o
desenvolvimento tecnológico. A globalização está presente na realidade e no pensamento,
desafiando grande número de pessoas em todo o mundo. Ainda segundo o autor, é necessário
que as empresas estejam interagindo com os consumidores nos lugares onde elas se encontram:
nas mídias sociais. A influência dos usuários que estão disseminando a mensagem e as
interações dele na rede no processo de cooperação na construção de conteúdo está intimamente
associada ao sucesso da viralização.
Araújo (2015) fala que, pesquisadores, editores de periódicos científicos ou instituições
que pesquisa que se interessam em trilhar esse caminho e aproveitar o melhor que essas
características oferecem para o emprego do marketing digital devem se dedicar a três questões
essenciais:
Construir e manter uma presença online - é o marco inicial de ingresso aos interessados
em atingir um público maior e cada vez mais conectado no ambiente web;
Oferecer um conteúdo adequado aos ambientes que atuar e - As pessoas tendem a
interagir com conteúdo que as interessem, e é comum buscarem algum tipo de ‘filiação’ com
produtores desses conteúdos (assinar o blog, curtir a página no Facebook, seguir no Twitter) e
recomendá-los;
22

Estabelecer uma atuação responsiva - Uma vez que a web 2.0 vai propiciar
possibilidades de interação com o conteúdo, com espaços de participação e colaboração, é
necessário manter uma atuação atenta e responsiva.
A mudança no comportamento do consumidor tem sido cada vez mais constante, e
levando à necessidade de alterar as estratégias utilizadas por uma empresa, seja por fatores
sociais, psicológicos, pessoais ou culturais. Por isso, é importante manter uma análise frequente
do comportamento do cliente, de maneira que se possa identificar o que dará melhor resultado,
quais são as oportunidades mais vantajosas, dentre outras estratégias a serem adotadas pela
organização (FERREIRA; COSTA; ZIVIANE, 2018, p. 78).
Adotar estratégias para o Marketing digital cada vez mais se faz necessário para as
empresas. Todos os tipos de negócio, mercado e segmento de atuação podem ser beneficiados
com as estratégias bem aplicadas. Portanto, os questionamentos de por onde começar a trabalhar
por esse meio ou de trazer a forma de exercer o trabalho dentro das empresas sempre estão em
pautas. A dedicação a essas três questões é fundamental para a geração e acompanhamento das
principais métricas que o Marketing digital tem a oferecer: visibilidade, influência,
engajamento e conversão (ARAÚJO, 2015).
Os conteúdos são baseados em confiança, e confiança gera lucro. Por tanto, é necessário
qualificação e atualização profissional para conduzir e administrar campanhas criativas,
interessantes, projetos que atraentes, lucrativos e eficiente, prezando sempre por uma
comunicação transparente.
Pesquisas mostram que em 2021, a base de usuários do Instagram no Brasil era de
aproximadamente 98,84 milhões de usuários. O número de usuários do Instagram no Brasil está
projetado para aumentar para 135,36 milhões de usuários até 2025. Os números dos usuários
foram estimados levando-se em consideração arquivamentos da empresa ou material de
imprensa, pesquisas secundárias, downloads de aplicativos e dados de tráfego. Eles se referem
à média de usuários ativos mensais durante o período e contam várias contas por pessoa apenas
uma vez.
Os usuários do Instagram possuem acesso a diversos tipos de conteúdo, sendo esse
conteúdo feito por pessoas físicas ou por empresas, que estão descobrindo o potencial
que essa ferramenta tem para os negócios, já que nessa rede social pode existir contato
direto entre a empresa e o consumidor, (COSTA; BRITO, 2020, p. 2).

Atualmente, O Instagram oferece diversas formas de interações e ferramentas com usos


diferentes, porém com a mesma finalidade, das quais prendem os usuários conectados o maior
23

tempo possível no aplicativo. O Instagram se torna a ferramenta mais completa para o


Marketing digital, este proporciona a interações com clientes, pois possibilita a aproximação e
laços virtuais com os seguidores, resultando no impacto direto dos perfis comerciais e,
consequentemente, no aumento das vendas.

3 METODOLOGIA

Segundo Vergara (2010, p. 41), “uma pesquisa pode ser exploratória, descritiva,
explicativa, metodológica, aplicada e intervencionista. Quanto aos meios de investigação,
pesquisa de campo, pesquisa de laboratório, documental, bibliográfica, experimental, ex post
facto, participante, pesquisa-ação, estudo de caso”.
Com o objetivo de descrever os impactos estratégicos do marketing digital no
desempenho do ramo de salão de beleza em Mossoró/RN, o presente artigo é uma pesquisa
descritiva. Vergara (2010, p. 42) diz que, “uma pesquisa descritiva expõe características de
determinada população ou de determinado fenômeno. Pode também estabelecer correlação
entre variáveis e definir sua natureza”.
Um dos meios de investigação usados para realizar essa pesquisa, foi a pesquisa
bibliográfica. Vergara (2010, p. 43), explica que “pesquisa bibliográfica é um estudo
sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes
eletrônicas, isto é, material acessível ao público em geral. O material da pesquisa é de fonte
primária e secundária ”.
Outro meio de investigação utilizado no presente artigo, se deu em forma de pesquisa
de campo, Marconi (2003, p. 185), “Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de
conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma
resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos
ou as relações entre eles”.
Para a realização da pesquisa de campo foi utilizado um questionário com perguntas
fechadas, enviado por meio eletrônico (googles forms) e de forma aleatória, aplicado aos
profissionais da área de salão de beleza em Mossoró/RN. Foi enviado link para que os
profissionais selecionados pudessem responder. A partir dessa pesquisa foram identificados os
impactos estratégicos do marketing digital no desempenho dos salões de beleza em
Mossoró/RN.
24

O questionário tem sua estrutura composta de 16 (dezesseis) questões de múltiplas


escolhas divididas em duas etapas, das quais essas levantam dados não invasivos sobre as
empresas e profissionais, a primeira etapa faz levantamento sobre a vivência e tempo dos
profissionais no mercado com o marketing digital, e a segunda etapa questiona os profissionais
as suas experiências com o marketing digital.
A amostra da pesquisa foi a não probabilística já que parte da população que se desejava
estudar poderia ser inacessível. Desse modo, foram pesquisados os salões de beleza da cidade
de Mossoró/RN, representados por seus proprietários que exercem as atividades na área de
serviços de beleza, proprietários que não tem a prática das atividades na área estética e é apenas
responsável pela parte empreendedora e administrativa do espaço de beleza, e por profissionais
liberais e independente de equipe e/ou espaço de beleza que ofereça vários serviços. Foram
pesquisados 26 (vinte e seis) profissionais da área da beleza, durante 2 (duas) semanas. A
pesquisa foi iniciada do dia 18/04/2022, e finalizada no dia 02/05/22, por acessibilidade e
conveniência.

4 RESULTADOS DA PESQUISA

O presente trabalho realizou um levantamento sobre o desempenho de pequenas


empresas do ramo de serviço de beleza em Mossoró/RN, com o objetivo de identificar e
descrever por meio de pesquisa de campo os impactos estratégicos do marketing digital no
desempenho de salões de beleza.
Na etapa quantitativa, foi aplicado um questionário composto de 16 (dezesseis) questões
divididas em duas etapas, com múltiplas escolhas aos profissionais que prestam serviço na área
da beleza na cidade de Mossoró/RN. No total de 26 questionários foram respondidos, sendo
estes classificados pelos nichos área da beleza e cidade de Mossoró/RN.

4.1 DADOS DAS EMPRESAS

A primeira parte da pesquisa teve como objetivo levantar dados sobre a empresa.
Inicialmente foi questionado se a empresa era formalizada, e em seguida, o tempo de atuação
no mercado.
Em relação a formalização das empresas, constatou-se que 76,9% dos respondentes
disseram que suas empresas são formais, isso pode indicar uma tendência de maior
25

formalização de pequenos negócios, podendo ser uma tendência em função do maior


conhecimento dos empresários quanto aos benefícios da formalização. Informações do
SEBRAE (2022) podem justificar esse resultado quando diz que a formalização da empresa, e
ou, profissional liberal no formato MEI, traz muitos benefícios administrativos e financeiros,
alguns desses são, direitos diferenciados, faturamento de forma controlada, isenção de tributos,
entre outros. O gráfico 1 apresenta as respostas do questionário relacionadas à formalização do
negócio.

Gráfico 1: Formalização da Empresa

Coleta de dados (2022)

Quanto ao tempo de atuação no mercado das empresas no mercado em estudo, 50%


responderam que estão atuando no mercado há 5 (cinco) anos ou mais, 19,2% há 2 (dois) anos,
15,4% há 4 (quatros) anos, 11,5% estão atuando com serviço de beleza há 1 (um) ano ou menos,
e 3,8% estão no mercado há 3 (três) anos. O gráfico 2 mostra os resultados coletados da pesquisa
relacionados ao tempo em que a empresa atua no mercado.

Gráfico 2: Tempo de Mercado

Coleta de dados (2022)


26

4.2 MARKETING DIGITAL E REDES SOCIAIS

Ainda na primeira parte da pesquisa, foram selecionadas perguntas sobre o uso do


marketing digital no negócio, quais redes sociais são utilizadas para criar relacionamento com
os clientes, há quanto tempo usa o marketing digital e as redes sociais para auxiliar o negócio,
e quem faz o gerenciamento das redes sociais e do marketing digital.
Quando perguntados sobre o uso do marketing digital, foi constatado que 76,9% das
empresas e/ou prestadores do serviço de beleza na cidade de Mossoró/RN usam, e 23,1% das
respostas foram negativas para o uso do marketing digital nos seus negócios. O gráfico 3 traz o
demonstrativo das respostas do questionário.
A constatação de que a maior parte dos respondentes usam o marketing digital pode ser
reflexo do crescimento da interação empresa-cliente nos últimos tempos e consequente aumento
da necessidade do marketing digital para melhoria dos resultados, como Kotler (2017) afirma,
que conforme avança a interação entre as empresas e clientes, e o relacionamento entre eles
passam a ser mais próximos, passa a ser essencial o marketing digital que promove a ação da
marca, e quando necessário suas defesas, pois o marketing digital é mais fácil de ser controlado
do que o marketing tradicional, já que seu foco é gerar resultado.

Gráfico 3: Utilização do Marketing Digital

Coleta de dados (2022)

A pergunta seguinte retrata sobre as redes sociais que os respondentes utilizam para se
relacionarem com seus clientes. Neste quesito os pesquisados poderiam escolher mais de uma
resposta, pois deveriam responder as formas que as empresas propagam seu negócio dentro do
marketing digital. Outro ponto analisado foi o tempo que as redes sociais são usadas dentro do
negócio e quem gerencia elas.
27

Dentro desse contexto, a pesquisa teórica mostra que as mídias sociais possuem um
papel muito importante para as organizações, já que boa parte da população mundial se
concentra por lá, por essa razão, o alcance de uma marca se torna muito maior se estiver presente
em alguma ferramenta de mídias sociais (SANTOS, 2020, p. 09).
O gráfico 4 compara o quantitativo da utilização das redes sociais pelos profissionais da
área da beleza. Com 61,5% o Instagram é a rede social mais utilizada, em segundo lugar o
WhatsApp, com 26,9%, em seguida o Facebook totalizando 7,7%, e por último o Twitter com
menos utilização de uso 3,8% dos respondentes.

Gráfico 4: Redes Sociais Utilizadas

Coleta de dados (2022)

Saber qual a rede social mais adequada para os negócios pode ser estratégico já que o
público pode se sentir atraído mais por uma rede social do que por outra. Desse modo, vale a
pena a reflexão trazida por Santos (2020), ao afirmar que as redes sociais ajudam a mensurar
os investimentos do negócio, já que existe a possibilidade de verificar como o público foi
alcançado, pela forma de quantidade de visualizações, comentários, e outros feedbacks que
consegue através das mídias sociais.
No levantamento de pesquisa feito através do questionário em relação ao tempo em que
os profissionais já usam as redes sociais, foi constatado que 84,6% dos profissionais e/ou
empresários usam as redes há mais de 3 (três) anos, 11,5% usam há 1 (um) ano, e 3,8% fazem
uso das redes sociais há 2 (dois) anos. O gráfico 5 mostra o resultado descrito.

Gráfico 5: Tempo do uso das redes sociais e marketing digital


28

Coleta de dados (2022)

O gráfico 6 mostra como as empresas gerenciam suas redes sociais, já que é algo que
está na palma da mão do empreendedor, o resultado da pesquisa diz que 92,3% das empresas
gerenciam as próprias redes sociais, e 7,7% divide o gerenciamento com uma agência de
publicidade. O resultado pode ser explicado pelo perfil de Mossoró quanto à escassez de
empresas que ofereçam serviços profissionais eficientes da área de marketing digital.

Gráfico 6: Gerenciamento das Mídias Sociais/Marketing Digital

Coleta de dados (2022)

4.3 EXPERIÊNCIA DAS EMPRESAS COM O MARKETING DIGITAL

A segunda parte do questionário procurou mensurar o quanto o marketing digital auxilia


ramo de beleza. Os profissionais responderam de acordo com as experiências vividas por eles
usando o marketing digital para o seu negócio.
Com relação à frequência do uso das redes sociais pela empresa, o gráfico 7 apresenta
que 46,2% dos profissionais usam as redes sociais frequentemente, 36,6% faz o uso das redes
sociais muito frequente, 11,5% raramente usa as redes sociais para fazer o marketing digital do
seu negócio, e 7,7% usa eventualmente.
29

Sobre a presença on-line frequente, Araújo (2015) cita que o marketing digital tem três
caminhos de dedicação, e um deles é construir e manter uma presença on-line. Desse modo, as
empresas que tem sua frequência significativa nas mídias sociais atingem um público maior
que se interesse por seus serviços ofertados.

Gráfico 7: Frequência nas Redes Sociais

Coleta de dados (2022)

Sobre a forma de como se promover nas redes sociais, usando indicadores como gestão
de tráfego pago, gestão de likes, horários de maior acesso, 30,8% das empresas fazem uso
eventualmente, 26,9% raramente, 15,4% frequentemente, 15,4% muito frequente, e 11,5%
nunca usaram os indicadores nas redes sociais para promover seu negócio no marketing digital.
O gráfico 8 mostra o resultado da pesquisa. Vale ressaltar que o uso de indicadores de
desempenho nas redes sociais como ferramenta de tomada de decisão para o Marketing Digital
pode trazer benefícios importantes para os negócios, sobre essa temática Kotler (2015), diz que
as empresas com excelente marketing fazem uso de estratégias de marketing de forma segura
focadas nos clientes, não só para criar valor para empresa, mas também para construir um
relacionamento.

Gráfico 8: Uso de Indicadores de Gestão


30

Coleta de dados (2022)

Quando perguntados sobre a importância do marketing digital tem na comunicação com


os clientes, os entrevistados, 69,2% afirmaram que o marketing é muito importante para a
comunicação com os clientes, e 30,8% disseram que é importante o marketing digital para a
comunicação com o cliente.
Sabe-se que um dos indicadores de desempenho importantes nos negócios modernos é
sua capacidade de comunicação com os clientes, corroborando com isso Lucena (2011), afirma
que uma das principais características do marketing digital entre as empresas e clientes, é sua
transparência na comunicação, que gera um bom relacionamento. Desse modo, entende-se que
para o ramo em estudo a maior parte das empresas conseguem se comunicar bem com os
clientes usando o marketing digital, gerando assim uma melhoria no relacionamento com seus
clientes.
Sobre a importância do Marketing digital na comunicação com os clientes, pode-se
observar no Gráfico 9 quanto o marketing digital facilita o acesso as informações das empresas
por parte dos clientes, 61,5% concordam totalmente que o marketing digital permitiu maior
facilidade para deixar os clientes informados sobre suas empresas e serviços, 34,6% concordam,
e 3,8% não estão decididos quanto a essa facilidade. Como Castells (2003) diz que através da
internet, é permitido comunicações variadas ao mesmo tempo, entende-se que um dos grandes
impactos do Marketing Digital para as empresas do ramo de beleza pode ser a melhoria da
qualidade da informação que é passada para os consumidores de seus produtos e serviços.

Gráfico 9: Marketing Digital no auxílio as Informações


31

Coleta de dados (2022)

De outro modo e não menos importante, no que se refere ao Marketing Digital os


respondentes apontaram haver uma melhoria do relacionamento com os clientes, os
aproximando e fazendo com que os profissionais os conheçam melhor, 65,4% dizem que
concorda totalmente com essa melhoria de comunicação, e 36,6% concordam. Conhecer
profundamente os clientes pode indicar o caminho para agregar valor do seu produto e/ou
serviço. Conectado com esse resultado a pesquisa bibliográfica informa que através do
marketing digital, as empresas criam, comunicam, e aumentam o seu valor através do cliente
(KOTLER, 2021) e Cruz e Silva (2014) falam que o marketing digital é o marketing do novo
milênio, e este está para aumentar a relação entre empresa e cliente.
A forma como a empresa se posiciona no mercado traz autoridade e credibilidade para
os seus clientes, segundo resultado da pesquisa, 50% dos respondentes concordam que o
marketing digital melhorou seu posicionamento competitivo, 38,5% concordam totalmente,
7,7% não estão decididos quanto a essa melhoria sobre o seu posicionamento competitivo, 3,8%
discordam, não ver que o marketing melhorou o seu posicionamento competitivo dentro do
mercado.

Gráfico 10: Impacto do Marketing Digital no Posicionamento Competitivo


32

Coleta de dados (2022)

Relacionado ao impacto no número de clientes por conta do uso do Marketing Digital,


o Gráfico 11 mostra que 53,8% concordam totalmente, o marketing digital aumentou o número
de cliente, 38,5% concordam e 7,7% não está decidido se o marketing teve influência no
crescimento dos clientes no seu negócio. Manter a conexão com os consumidores entendendo
onde eles estão, pode impactar nesse indicador. Sobre isso, Ryan (2014) fala que as
organizações devem estar atentas ao seu público-alvo, pois todos os consumidores estão
conectados as mídias sociais sempre à procura de suprir uma necessidade por meio de uma
oferta que esteja on-line.

Gráfico 11: Aumento de Clientes e o Marketing Digital

Coleta de dados (2022)


A grande maioria dos respondentes afirma que o marketing digital trouxe melhoria de
faturamento para os profissionais, ao serem questionados se o marketing digital trouxe um
incremento no faturamento do negócio, 50% concordam com o retorno financeiro que o
marketing trouxe, 43,3% concordam totalmente, e 7,7% não está decidido. O gráfico 12 traz o
demonstrativo.
33

Gráfico 12: Impacto do Marketing Digital na área financeira

Coleta de dados (2022)

Com relação ao impacto na visibilidade da marca, os respondentes afirmam que o


marketing digital trouxe maior visibilidade da marca, segundo os respondentes 50% concorda
totalmente com o retorno do marketing digital para essa visibilidade, 46,2% concorda e 3,8%
não está decidido. De acordo com Kotler (2017) o marketing digital tem o foco em gerar
resultado promovendo ação da marca, desse modo as respostas da pesquisa de campo
corroboram com o que o autor fala sobre o impacto do Marketing Digital na visibilidade da
marca.

Gráfico 13: Visibilidade Da Marca

Coleta de dados (2022)

O Gráfico 14 mostra o resultado das respostas quanto ao uso da imagem pessoal dos
profissionais para promover seu negócio na internet, 50% concorda totalmente, usam a imagem
pessoal para promover seu negócio, 46,2% concorda com o uso, e 3,8% não está decidido.
34

Gráfico 14: Uso da Imagem Pessoal e o Marketing Digital

Coleta de dados (2022)

Importar-se com sua imagem pessoal, não é apenas sobre marketing digital, e sim como
as pessoas olham para cada profissional, e o quanto isso gera credibilidade para seu negócio e
seu serviço. A forma como o profissional se apresenta é o primeiro momento de estar vendendo
o seu serviço ou produto, o marketing digital acelera sua visibilidade e automaticamente a forma
como os clientes leem que profissional é.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O marketing digital por meio das redes sociais tem influenciado nas decisões dos
consumidores, pois a maior parte deles compartilham as suas opiniões nas redes sociais sobre
empresas, produtos ou serviços. Esse cenário tem mudado a visão dos negócios sobre o
marketing e suas ferramentas.
É notório que as redes sociais estão cada vez mais presentes no dia a dia das empresas,
dessa forma se torna um meio de comunicação válido para elas, possibilita a escolha de
investimento e facilita a direção do seu público-alvo, melhorando o relacionamento com seus
clientes e possibilitando conhecer mais suas necessidades.
Nesse contexto, as empresas acreditam na aproximação dos clientes através das redes
sociais, o relacionamento é facilitado e o feedback eficiente que acontece de forma prática e em
tempo real, melhorando ou corrigindo os processos quando necessário.
Este artigo é uma pesquisa descritiva que coletou a percepção dos empresários donos de
empresas do ramo de beleza em Mossoró sobre o marketing digital e seu impacto no
35

desempenho de seus negócios. Para tanto, foi aplicado um questionário através do googles
forms com 16 questões de múltiplas escolhas, que possibilitou alcançar o objetivo inicial. O
questionário foi respondido por 26 profissionais do ramo da beleza em Mossoró-RN.
Sobre os principais resultados alcançados na pesquisa de campo, pode-se constatar que
de maneira geral o Marketing Digital pode trazer impactos em diversas áreas de desempenho
de um negócio do ramo de beleza em Mossoró, como: melhoria na comunicação entre empresa
e cliente e vice-versa e consequente melhoria no relacionamento com clientes; com o uso do
Marketing Digital houve um incremento do número de clientes nas empresas em estudo; o uso
de ferramentas de Marketing Digital trouxe melhorias no faturamento das empresas
pesquisadas; os uso do Marketing Digital pode proporcionar otimização da imagem da marca,
melhorando inclusive sua visibilidade; e por fim, é importante que seja associada às estratégias
de Marketing Digital do negócio a imagem do empresário.
Este trabalho foi de suma importância para o desenvolvimento profissional e acadêmico
da autora, tendo que em vista que o ramo de atividade que trabalha é o de beleza em
Mossoró/RN. Desse modo, as inferências contribuíram para a tomada de decisão quanto ao
Marketing Digital em seu próprio negócio.
O trabalho teve limitações importantes quais sejam: número de respondentes menor do
que o planejado inicialmente e números que ratifiquem as respostas dos pesquisados que não
foram coletados nessa pesquisa. Essa lacuna pode ser um ponto de partida para um próximo
trabalho: números que demonstrem o incremento do faturamento após o uso do Marketing
Digital, análise histórica do número de clientes antes e após o uso do Marketing Digital.

REFERÊNCIAS

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periódicos: da visibilidade ao engajamento. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 20,
p. 67-84, 2015. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/pci/a/HNvPmkhhgkm6Snghmn6Xmkq/?format=pdf&lang=pt. Acesso
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CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: Reflexões sobre a internet, negócios e a


sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

CINTRA, Flavia Cristina. Marketing Digital: A Era Da Tecnologia On-Line. V. 10. São
Paulo: Investigações, 2010.

COBRA, Marcos. Administração de marketing no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.


36

COSTA, Matheus de Araújo; BRITO, Max Leandro de Araújo. A utilização da ferramenta


Instagram para impulsionar o crescimento de uma pequena empresa. E-Acadêmica, v. 1, n. 2,
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CRUZ, Cleide Ane Barbosa; SILVA, Lângesson Lopes. Marketing Digital: marketing para o
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CRESCE o uso de internet durante a pandemia e número de usuários no brasil chega a 152
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38

QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DE UMA


EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES DE MOSSORÓ-RN

Lucas Gabriel de Souza Galvão1


Raíla Neres Santana2

RESUMO

Um dos maiores desafios da gestão de pessoas é assegurar a qualidade de vida no trabalho


(QVT), motivação, saúde, remuneração justa e bem-estar para todos os colaboradores
envolvidos nas atividades de uma organização, tais fatores impactam diretamente na
produtividade e consequentemente no lucro de empresas. Nesse sentido, essa pesquisa tem
como objetivo principal analisar a qualidade de vida no trabalho junto aos colaboradores de
uma empresa de telecomunicações situada no município de Mossoró-RN. Através do modelo
de mensuração da qualidade de vida no trabalho proposto por Richard Walton (1973), realizou-
se uma pesquisa quantitativa, descritiva e explicativa com trinta colaboradores de uma empresa
de telecomunicações. Dentre os principais resultados obtidos encontrou-se que os
colaboradores se encontram insatisfeitos com sua remuneração atual. Ainda conforme os
resultados alcançados com a pesquisa, a empresa apresenta bons índices de qualidade de vida,
quando analisado os demais fatores do modelo proposto tais como: condições de saúde e
segurança, utilização e desenvolvimento de capacidades, crescimento, integralização social,
constitucionalismo, trabalho, espaço total de vida e relevância social da vida no trabalho, onde
os trabalhadores afirmaram que a empresa atende as expectativas destes requisitos.
Palavras-Chave: Gestão de pessoas, qualidade de vida, motivação.

ABSTRACT

One of the biggest challenges of people management is to ensure the quality of life at work
(QWL), motivation, health, fair remuneration and well-being for all employees involved in the
activities of an organization, such factors directly impact productivity and consequently the
companies profit. In this sense, this research has as main objective to analyze the quality of life
at work with the employees of a telecommunications company located in the municipality of
Mossoró-RN. Through the quality of work life measurement model proposed by Richard
Walton (1973), a quantitative, descriptive and explanatory research was carried out with thirty
employees of a telecommunications company. Among the main results obtained, it was found
that employees are dissatisfied with their current remuneration. Also according to the results
achieved with the research, the company has good quality of life indices, when analyzing the
other factors of the proposed model such as: health and safety conditions, use and development
of capacities, growth, social integration, constitutionalism, work , total living space and social
relevance of life at work, where workers stated that the company meets the expectations of these
requirements.
Keywords: People management; Quality of life at work; Motivation.

1 INTRODUÇÃO
1
Mestrando em Administração – PPGA/UFERSA. E-mail: acesso.lucas09@gmail.com
2
Bacharela em Administração – UERN. E-mail: railaneres_cg@hotmail.com
39

Um desafio dos gestores em todo o mundo é assegurar aos colaboradores que compõem
as empresas a qualidade de vida no trabalho, assim, fazendo com que todos as pessoas
envolvidas nas atividades rotineiras das organizações sintam-se motivados e o clima
organizacional proporcione saúde e bem-estar.
Numa sociedade capitalista, onde a questão central das empresas é a necessidade da
obtenção do lucro, o olhar de alguns gerentes volta-se apenas para as tarefas, nesse sentido, a
gestão de pessoas precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre a produção e a satisfação,
saúde e bem-estar daqueles envolvidos no processo produtivo, o que podemos definir como
qualidade de vida. A qualidade de vida no trabalho (QVT) pode ser entendida, conforme Davis
(1996, p. 419) como “a preocupação com o bem-estar geral e a saúde dos colaboradores no
desempenho das atividades”.
Ainda conforme Davis (1996) a qualidade de vida no trabalho é fruto da luta de classes
e mobilizações de trabalhadores, que buscaram um contraponto aos modelos de gestão
burocratas, que enfatizavam processos, tarefas e produtividade e deixavam de lado o aspecto
humano.
A QVT deve ser levada a sério não só por organizações que priorizam a gestão de
pessoas e boas práticas de relacionamento interpessoal, mas por todas que desejam alcançar
altos índices de resultados, tendo em vista que a qualidade de vida no trabalho pode resultar no
melhoramento dos índices de motivação e produtividade, tendo em vista que, colaboradores
motivados participam ativamente das atividades e sentem-se adequadamente recompensados
para produzir mais, de maneira correta e eficaz.
Um dos precursores dos estudos e a aferição dos índices de qualidade de vida no trabalho
é Richard Walton, que elaborou um modelo de mensuração da QVT e a correlação entre os
índices de produtividade, satisfação e motivação dos colaboradores. Diante de sua importância,
a QVT deve ser analisada em empresas de todos os setores da economia, inclusive das
telecomunicações, que engloba o campo empírico dessa pesquisa, que possui como objetivo
precípuo analisar a qualidade de vida no trabalho, a partir do modelo proposto por Walton
(1973), junto aos colaboradores de uma empresa de telecomunicações situada no município de
Mossoró-RN.
Este trabalho justifica-se dada a extrema relevância da avaliação da qualidade de vida
de colaboradores em suas atividades laborais, pois, a partir do conhecimento obtido através
desta avaliação, gestores poderão realizar ajustes e proporcionar um ambiente de trabalho e
40

cima organizacional mais humana, dando ênfase na proteção, saúde e bem-estar de todos
envolvidos em suas atividades.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A Qualidade de Vida dos colaboradores é tema recorrente nas organizações. O campo


da gestão de pessoas busca adotar medidas e práticas que assegurem saúde, bem-estar e
satisfação daqueles que realizam diariamente as tarefas e atividades organizacionais. Oliveira
et al (2022 p. 05) afirmam que “as preocupações com a Qualidade de Vida no Trabalho vêm
crescendo muito, há uma grande necessidade de que o ambiente de trabalho seja cada vez mais
agradável e longe de estresse”.
Para que as organizações consigam obter resultados satisfatórios se faz necessário uma
equipe engajada e motivada. A motivação e o engajamento de colaboradores podem ser
conquistados através de uma política de gestão de pessoal eficaz, que atendam as necessidades
econômicas e sociais dos indivíduos.
A qualidade de vida no trabalho é uma temática interdisciplinar e é estudada por diversos
campos da academia, tais como a administração, a psicologia, a sociologia, dentre outros. Ao
longo do tempo muitos autores estudaram e conceituaram a QVT, conforme é sintetizado no
quadro 1:

Quadro 1 – Definição de Qualidade de Vida no Trabalho


Autores Definição e conceito de QVT

A qualidade de vida no trabalho tem sido uma preocupação do homem desde o início
Rodrigues (1994) de sua existência, com outros títulos e em outros contextos, mas sempre voltado para
a satisfação e o bem-estar do trabalhador na execução de suas tarefas.

O conceito de Qualidade de Vida no Trabalho é capaz de agregar diversos aspectos,


Chiavenato (1999)
dentre eles, físicos, ambientais e psicológicos do ambiente organizacional.
Melhoria das condições de trabalho com extensão a todas as funções de qualquer
natureza e nível hierárquico, nas variáveis comportamentais, ambientais e
Vieira e Hanashiro
organizacionais que venham, juntamente com políticas de Recursos Humanos
(1990)
condizentes, humanizar o emprego, de forma a obter-se um resultado satisfatório,
tanto para os empregados como para a organização.
Uma gestão dinâmica e contingencial de fatores físicos, sociológicos, psicológicos e
tecnológicos da organização do próprio trabalho, pois pode afetar diretamente na
Fernandes (1996)
cultura e no clima organizacional refletindo na produtividade e na satisfação dos
clientes internos.
41

expressar a ampla experiência que a pessoa vivencia em relação ao trabalho, ou seja,


Gramms e Lotz
está diretamente relacionada com a satisfação da vida pessoal através do ambiente
(2017)
organizacional de atuação

Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

A qualidade de vida no trabalho é de relevante importância devido seu caráter


econômico e social, tanto para as empresas como para aqueles indivíduos envolvido. A QVT
passou por evoluções em suas concepções e práticas, conforme exposto no quadro 2:

Quadro 2 – Evolução da conceituação da QVT


Concepções Características ou Visão
A visão da QVT como uma variável buscava investigar a relação
QVT como uma variável (1959 a 1972) do indivíduo ao trabalho, bem como melhorar a qualidade de vida
no trabalho para esses indivíduos.
Nesse momento, o foco era o indivíduo antes do resultado
QVT como uma abordagem (1969 a
organizacional, mas, ao mesmo tempo, buscando conquistar
1974)
melhorias para empregados como à direção.
Um conjunto de abordagens, métodos ou técnicas para melhorar o
ambiente de trabalho, tornando-o mais produtivo e mais
QVT como um método (1972 a 1975) satisfatório. QVT era vista como um sinônimo de grupos
autônomos de trabalho, enriquecimento de cargo ou desenho de
novas plantas com integração social e técnica.
Visão mais ideológica sobre a natureza do trabalho e as relações
QVT como um movimento (1975 a dos trabalhadores com a organização. Os termos administração
1980) participativos e democracia industrial eram frequentemente ditos
como ideais do movimento de QVT.
Como panaceia contra a competição estrangeira, problemas de
QVT como tudo (1979 a 1982) qualidade, baixas taxas de produtividade, problemas de queixas e
outros problemas organizacionais.
No caso de alguns projetos de QVT fracassarem no futuro, não
QVT como nada (Futuro)
passará de apenas um “modismo” passageiro.
Fonte: Adaptado de Fernandes (1996, p.42).

Pereira e Bernhardt (2004) descrevem a QVT como o bem-estar dos indivíduos de uma
organização, obtido por meio de um conjunto de valores comuns e partilhados, seja em
ambiente interno, ou em ambiente externo à organização. Independentemente do tamanho e
setor da economia da empresa, é importante e necessário a existência de um programa de QVT,
para potencializar entre seus colaboradores a motivação, bem como propiciar o crescimento e
desenvolvimento pessoal. Uma empresa que adota uma postura de valorização do capital
humano pode alcançar melhores indicadores de resultados e de produtividade.
Vários são os fatores que interferem na QVT, e por isso é importante que os gestores
fiquem atentos a todos os acontecimentos. Um colaborador motivado que se sente parte da
42

organização dispõe de uma bagagem bastante satisfatória para a organização, ele faz o possível
para realizar as suas tarefas da melhor forma assim, como o funcionário desmotivado não
consegue sequer realizar suas atividades básicas do dia a dia.
Para Walton (1973) a QVT é a responsabilidade e atenção que as organizações detêm
com seu capital humano, assegurando aos mesmos oportunidades de crescimento, condições de
trabalho adequadas, valorização e remuneração justa. Precursor do estudo da Qualidade de Vida
no Trabalho, Walton desenvolveu um modelo de mensuração, estruturado em oito eixos ou
fatores principais, conforme exposto no quadro 3:

Quadro 3 – Modelo de mensuração da QVT proposto por Walton (1973)


Fatores de QVT Dimensões

Remuneração adequada ao trabalho executado;


Compensação justa e adequada
Equidade interna e externa.

Condições de segurança e saúde Jornada de trabalho;


no trabalho Ambiente físico seguro e saudável.

Autonomia;
Utilização e
Significado e identidade da tarefa;
desenvolvimento de
Variedades de habilidades;
capacidades
Retroação e retro informação.

Oportunidades de Possibilidade de carreira;


crescimento contínuo e Crescimento profissional;
segurança Segurança do emprego.

Igualdade de oportunidades;
Integração social na
Relacionamentos interpessoais e grupais;
organização
Senso comunitário.

Respeito às leis e aos direitos trabalhistas;


Privacidade pessoal;
Constitucionalismo
Liberdade de expressão;
Normas e rotinas claras da organização.

Trabalho e espaço total de


Papel balanceado do trabalho na vida pessoal.
vida

Imagem da organização;
Relevância social da vida
Responsabilidade social pelos produtos/serviços;
no trabalho
Responsabilidade social pelos trabalhadores.

Fonte: Adaptado de Walton (1973)


43

Chiavenato (1999) relata que: “A QVT representa em que grau os membros das organizações
são capazes de satisfazer suas necessidades pessoais através de seu trabalho na organização”.

3 MEDOLOGIA

Com o propósito de avaliar a qualidade de vida no trabalho, a partir do modelo proposto


por Richard Walton (1973), junto aos colaboradores de uma empresa de telecomunicações
situada no município de Mossoró-RN, realizou-se uma pesquisa descritiva, que conforme Gil
(2008 p. 28) “tem como objetivo primordial a descrição de característica de determinado
fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis” e explicativa.
Para maior entendimento daquilo que se busca estudar, optou-se uma pesquisa
quantitativa, utilizando como base o modelo de mensuração de Qualidade de Vida no Trabalho
proposto por Walton (1973), que possui 08 dimensões, onde o respondente deve identificar seu
pensamento através de uma escala LIKERT de 05 pontos, sendo 5 o mais elevado, mostrando
o grau de concordância em relação às afirmativas do questionário.
A unidade Mossoró da empresa em análise possui na época uma totalidade de 30
funcionários formalmente contratados e com vínculo empregatício ativo. A pesquisa foi
realizada através de questionário estruturado (com base no modelo de Walton 1973) que foi
aplicado presencialmente no período de janeiro e fevereiro de 2020 e foi respondido por todos
os colaboradores da unidade. Os dados obtidos foram tratados e apresentados em gráficos de
barra, elaborados com o auxílio do software Excel.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Walton (1973) propôs um modelo de QVT que abrange 8 fatores existências que medem
a satisfação do trabalhador: Compensação justa e adequada, condições de segurança e saúde no
trabalho, utilização e desenvolvimento das capacidades, oportunidades de crescimento
contínuo, integração social na organização, constitucionalismo, trabalho e espaço total de vida
e relevância social de vida. Tais fatores foram apresentados aos colaboradores da empresa em
estudo no qual discorreram sobre sua concordância ou discordância e são apresentados nos
gráficos a seguir 1 ao 8.
44

O gráfico 1 apresenta o primeiro fator de QVT proposto por Walton: Compensação justa
e adequada, que abrange a satisfação com a remuneração ofertada para o serviço prestado e
comparada aos colegas de trabalho que exercem função similar.

Gráfico 1 – Compensação justa e adequada

Fonte: Autores (2022)

O gráfico 1 evidencia que 62,4% dos indivíduos participantes da pesquisa discordam ou


discordam totalmente que a remuneração ofertada pela empresa seja justa ou compatível com
as atividades exercidas em sua jornada de trabalho. Para Marques (2009) a desvalorização do
capital humano é reflexo de sua insatisfação ao ambiente de trabalho e quando o índice de
insatisfação em relação a remuneração é elevado, pode prejudicar a produtividade e a motivação
do trabalhador.
O gráfico 2 destaca o segundo fator de QVT segundo Walton (1973): Condições de
segurança e saúde no trabalho. O item refere-se a aspectos como a saúde física e mental do
trabalhador, a jornada de trabalho adequada e um ambiente físico que proporcione segurança e
conforto durante a realização das tarefas:

Gráfico 2- Condições de segurança e saúde no trabalho


45

Fonte: Autores (2022)

É possível afirmar que a maioria dos entrevistados asseguram que a empresa fornece
condições necessárias para a segurança e a saúde do trabalhador, onde 42,4% concordam com
a afirmativa. Para Chiavenato (2004) a Qualidade de Vida no Trabalho envolve todos os
aspectos físicos e ambientais, assim como os aspectos psicológicos presentes no local de
trabalho. É necessário manter um ambiente propício e agradável para uma boa rotina de
trabalho.
O terceiro fator de QVT proposto por Walton (1973) pode ser observado no gráfico 3:

Gráfico 3- Utilização e desenvolvimento de capacidades

Fonte: Autores (2022)

Desenvolver as capacidades pode ser entendido como a liberdade e autonomia para que
os colaboradores forneçam novas ideias ou métodos de trabalho e a empresa adote uma política
46

de desenvolvimento de pessoal eficaz, potencializando características positivas dos


colaboradores. Nesse quesito, 73,7% dos entrevistados concordam ou concordam totalmente
com a afirmativa que a empresa utiliza e desenvolve as capacidades dos seus colaboradores.
A oportunidade de crescimento contínuo e segurança é o quarto fator de qualidade de
vida no trabalho proposto pelo modelo utilizado na pesquisa. Conforme é apresentado no
gráfico 4. Diante da afirmativa é possível observar ao analisar o gráfico um equilíbrio entre
aqueles que consideram que a empresa em análise proporciona e aqueles que consideram que a
empresa não proporciona oportunidades de crescimento contínuo e segurança no trabalho.

Gráfico 4- Oportunidade de crescimento contínuo e segurança

Fonte: Autores (2022)

O gráfico 5 destaca o quinto fator de qualidade de vida de Walton (1973), integração social na
organização:

Gráfico 5 - Integração social na organização

Fonte: Autores (2022)


47

Conforme exposto no gráfico 5, 38,3% dos entrevistados concordam que atuam em uma
equipe competente e comprometida e que há um bom relacionamento com seus chefes.
O sexto critério de QVT proposto pelo modelo de Walton (1973) refere-se ao
constitucionalismo, que de maneira resumida pode ser entendido como a satisfação do
colaborador com em relação ao respeito que a organização possui com seus direitos, a liberdade
de expressão, a satisfação quanto às normas e regras da organização e o respeito a
individualidade por parte dos gestores. Tal critério é exposto no gráfico 6:

Gráfico 06 – constitucionalismo

Fonte: Autores (2022)

O gráfico 6 mostra que quase 60% dos entrevistados concordam ou concordam


totalmente com as afirmativas expostas no quesito constitucionalismo do modelo de qualidade
de vida. Diante disso é possível afirmar que a política adotada pela empresa satisfaz os
funcionários envolvidos em suas atividades. Outro quesito utilizado por Walton (1973) para
mensurar o índice de QVT é o trabalho e espaço total de vida, conforme explanado no gráfico
7:

Gráfico 7- Trabalho e espaço total de vida


48

Fonte: Autores (2022)

Nesse critério, o autor elenca que a qualidade de vida no trabalho só existe naqueles
ambientes que influenciam positivamente na sua rotina fora da empresa, como a relação com a
família, seu lazer e descanso. 36,8% dos entrevistados concordam que a empresa em análise
fornece tais condições. Para Chiavenato (2004) um bom lugar para se trabalhar possibilita, entre
outras coisas, que as pessoas tenham, além do trabalho, outros compromissos em suas vidas,
como a família, os amigos e os hobbies pessoais.
O último dos oito fatores propostos pelo modelo de Walton (1973) é a relevância social da vida
no trabalho, conforme gráfico 8:

Gráfico 8- Relevância social da vida no trabalho

Fonte: Autores (2022)

O gráfico 8 mostra que a maioria dos entrevistados concordam ou concordam totalmente


da afirmativa, que a empresa tenha uma boa imagem perante a sociedade e aos serviços
prestados pela mesma.
49

Os 8 fatores de Walton (1973) mostram a excelência de uma Qualidade de Vida no


Trabalho nas organizações, desse modo é muito importante seu uso, tendo em vista a enorme
expansão que a temática vem proporcionando. Na empresa estudada, no setor de
telecomunicações, dentre os oitos fatores, aquele que os funcionários demonstraram um maior
índice de insatisfação foi o referente à compensação justa e adequada.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo principal avaliar a qualidade de vida no trabalho,
a partir do modelo proposto por Walton (1973), junto aos colaboradores de uma empresa de
telecomunicações situada no município de Mossoró-RN. Os resultados da pesquisa apontam
que a empresa estudada vem atingindo as expectativas dos colaboradores em relação a
Qualidade de Vida no Trabalho. As respostas obtidas demonstram que quase a totalidade dos
fatores propostos de Walton, atendem os anseios dos colaboradores, que concordam
parcialmente ou totalmente das afirmativas.
Apenas o aspecto remuneração justa e adequada obteve um maior índice de
discordância. Nesse sentido, é possível afirmar que existe um sentimento de insatisfação dos
funcionários em relação à remuneração ofertada para o desempenho das atividades. Tal
insatisfação pode ser solucionada com a aplicação de um plano de cargos e salários, condizente
com a realidade do mercado.
Dentre as lacunas da pesquisa está a não realização de perguntas abertas, de natureza
qualitativa, que possibilitaria um enriquecimento do trabalho, tendo em vista que entenderia,
para além do modelo proposto, como são as expectativas pessoais dos trabalhadores quanto a
qualidade de vida no trabalho. Tal lacuna pode ser solucionada em estudos futuros.
Dentre as principais contribuições está a visibilização da temática, tendo em vista que o
trabalhador é peça fundamental em qualquer empresa e deve ser valorizado.

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WALTON, R. E. Quality of Work Life: What is it? (1, 11-21) Sloan Management
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51

FATORES QUE INFLUENCIAM O COMPORTAMENTO DE CONSUMO DE


USUÁRIOS DO INSTAGRAM

Aleilza Gomes dos Santos1


Ítalo Carlos Soares do Nascimento2
Wendy Karla Medeiros de Souza Bezerra3
Washington Sales do Monte 4

RESUMO

A cada dia as pessoas estão mais conectadas, interagindo numa troca constante de informações.
Em meio a este cenário de mudanças, visualiza-se um novo perfil de consumidor, orientado
para um maior grau de exigência, cujas decisões de compras são influenciadas pelas opiniões
expostas nas redes sociais, tais como o Instagram. Diante disso, esta pesquisa tem como
objetivo identificar os fatores influenciadores do comportamento de compra de usuários do
Instagram. Trata-se de uma pesquisa descritiva, quantitativa e de campo, realizada através de
aplicação de questionários com 190 usuários do Instagram de diferentes faixas etárias e renda.
A análise dos dados se deu através de técnicas da estatística descritiva. Os resultados permitiram
identificar que o Instagram como ferramenta do marketing digital exerce forte influência sobre
a decisão de compra dos usuários, que são estimulados a consumirem produtos divulgados nas
postagens das marcas e principalmente dos influenciadores digitais. Observou-se ainda que os
consumidores seguem esses perfis para se atualizarem sobre produtos e serviços e os resultados
reafirmam a importância da presença ativa das marcas nesse ambiente digital.
Palavras-chave: comportamento do consumidor, marketing digital, instagram, influenciadores
digitais.

ABSTRACT

Every day people are more connected, interacting in a constant exchange of information. In the
midst of this changing scenario, a new consumer profile is visualized, oriented towards a greater
degree of demand, whose purchase decisions are influenced by the opinions exposed on social
networks, such as Instagram. Therefore, this research aims to identify the factors influencing
the purchase behavior of Instagram users. This is a descriptive, quantitative and field research,

1
Graduada em Administração pela Faculdade Católica do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail:
aleilzagsantos@gmail.com.
2
Doutorando e Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Docente da
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: italocarlos25@gmail.com.
3
Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente da Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: wendy.bezerra@gmail.com.
4
Doutor em Ciência da Propriedade Intelectual pela Universidade Federal de Sergipe. Docente da Universidade
Federal Rural do Semi-Árido. E-mail: wsalesmkt@gmail.com.
52

carried out through the application of questionnaires with 190 Instagram users of different age
groups and income. Data analysis was carried out using descriptive statistics techniques. The
results allowed us to identify that Instagram as a digital marketing tool has a strong influence
on the purchase decision of users, who are encouraged to consume products advertised in the
posts of brands and especially of digital influencers. It was also observed that consumers follow
these profiles to update themselves on products and services and the results reaffirm the
importance of the active presence of brands in this digital environment.
Keywords: consumer behavior, digital marketing, instagram, digital Influencers.

1 INTRODUÇÃO

Segundo Soares e Oliveira (2018) com o crescente aumento da utilização da internet


pelas pessoas, seja para trabalhar, se comunicar ou se divertir, tem se facilitado as ações de
empresas na divulgação de suas mídias, conseguindo-se também um maior alcance de público.
Assim, com as redes sociais cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, torna-se
relevante entender como se comporta e o que influencia os seus usuários em relação à tomada
de decisão de compras.
Da mesma forma, estudar como o Instagram, uma das redes sociais mais utilizadas, tem
se tornado uma nova ferramenta mercadológica (OLIVEIRA, 2014). Segundo estudo realizado
no Reino Unido pelo Banco Barclays, foi apontado que em 2021, 41% dos consumidores seriam
influenciados pelas redes sociais nas suas decisões de compras ou utilizam esse meio para
realizá-las (E-COMMERCE BRASIL, 2012).
As redes sociais exercem uma grande influência no perfil do consumidor, considerando-
se que a cada dia as pessoas estão mais conectadas, interagindo numa troca constante de
informações, compartilhando suas experiências sobre determinados produtos ou serviços com
outros consumidores que buscam essas informações para decidirem sobre a tomada de decisão
de compra (ARAGÃO et al., 2016).
Em meio a este cenário de mudanças, visualiza-se um novo perfil de consumidor,
orientado para um maior grau de exigência, que busca ter mais comodidade, agilidade nos
processos e autonomia sobre suas escolhas (COSTA; DE OLIVEIRA E LEPRE, 2020),
procurando estar sempre informado e têm suas decisões de compras influenciadas pelas
opiniões que são expostas nas redes sociais, tais como o Instagram (SAMPAIO; TAVARES,
2017).
Diante disso, emerge a seguinte questão de pesquisa: Quais os fatores são capazes de
influenciar o comportamento de compra de usuários do Instagram? Portanto, o objetivo
53

do estudo consiste em identificar os fatores influenciadores do comportamento de compra de


usuários do Instagram. Destarte, por meio desse estudo, pretende-se analisar como o Instagram
deixou de ser apenas uma rede social e se tornou uma importante ferramenta mercadológica e
como as marcas fazem uso dessa rede social para influenciar as tomadas de decisão de compra
de seus usuários.
Deseja-se com esse trabalho, contribuir com a identificação do perfil do consumidor
virtual, através do estudo do seu comportamento e as influências que as redes sociais exercem
sobre as suas tomadas de decisões de compras, fazendo uma ligação entre o consumidor virtual,
as empresas e os investimentos de marketing realizados pelas organizações para fidelizar os
clientes.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O PERFIL DO CONSUMIDOR VIRTUAL

O perfil do consumidor sofreu mutações; um dos principais responsáveis por essas


mudanças se deve ao desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação, que vêm
acompanhando também os novos padrões e novas relações de consumo, agora em ambientes
virtuais (GALLI, 2019). Devido a essas mudanças, os consumidores se tornaram mais
exigentes, sempre buscando a melhor relação entre qualidade dos produtos ou serviço antes de
realizarem suas compras (SILVERA; SOARES, 2011).
Segundo Costa, De Oliveira e Lepre (2020), esse novo consumidor é mais exigente por
possuir acesso a uma grande quantidade de informação e variedades de escolha, além de se
adaptar com mais facilidade aos novos canais de negócios em ambientes virtuais. Esses novos
ambientes virtuais, podendo ser citado principalmente as redes sociais, possibilitou a esses
consumidores um local de fala, onde estes podem ser ouvidos e sentir que sua opinião é
relevante (SOARES; LEAL, 2020).
Esse novo consumidor tem um perfil com um grau maior de exigência, busca ter mais
comodidade, agilidade nos processos e autonomia sobre suas escolhas (COSTA; DE
OLIVEIRA; LEPRE, 2020), procurando estar sempre informado e têm suas decisões de
compras influenciadas pelas opiniões que são expostas nas redes sociais (SAMPAIO;
TAVARES, 2017).
54

Costa, De Oliveira e Lepre (2020), afirmam que as redes sociais exercem uma grande
influência no perfil do consumidor. A cada dia as pessoas estão mais conectadas, interagindo
numa troca constante de informações e experiências vividas, compartilhando essas
experiências, sobre determinados produtos ou serviços com outros consumidores que buscam
essas informações para decidirem sobre a tomada de decisão de compra (ARAGÃO et al.,
2016).
Devido a essas mudanças, as empresas estão buscando meios de se adaptar para atender
as necessidades desses novos consumidores (ARAGÃO et al., 2016). Conforme a visão de
Garcia (2007) as empresas vêm se reformulando para continuarem se mantendo competitivas,
diante do crescimento do consumo online. Como consequência direta, há a emergência de um
novo tipo de consumidor, o consumidor virtual, que é aquele que utiliza a internet para comprar
produtos e serviços.
Mediante essas circunstâncias, foi demandado que as empresas mudassem sua forma
como se relacionam com seu público principalmente no âmbito virtual. Buscando a
sobrevivência no mercado, foi percebido pelas organizações a importância de se criar
estratégias de marketing que não vissem apenas os seus interesses, mas também os dos seus
consumidores (PAIXÃO, 2020).

2.2 MARKETING DIGITAL

As estratégias de marketing necessitam ser moldadas para acompanhar as evoluções que


ocorreram no mercado, devido ao aumento do uso da internet pelos consumidores (COSTA et
al., 2015). Em função das novas tendências de consumo, que vieram acompanhadas da era
digital, foi exigido que o marketing se adaptasse para seguir essas mudanças. Diante disso,
surge o Marketing Digital “que utiliza a internet como meio de propaganda, publicidade entre
outras estratégias de marketing” (SAMPAIO; TAVARES, 2017, p 05).
Cintra (2010) define o Marketing Digital como uma poderosa ferramenta para auxiliar
as empresas que buscam um diferencial competitivo nessa nova fase de mídias digitais. Criando
uma maior proximidade com seus clientes, com propagandas atualizadas e muito mais criativas,
seguindo as exigências desse novo público.
55

Na visão de Sampaio e Tavares (2017) o Marketing Digital foi criado com o intuito de
estreitar os laços entre as empresas e seus consumidores, e proporcionar às organizações um
grande diferencial competitivo, divulgando sua marca, captando novos clientes e aumentando
suas vendas, assim gerando novos negócios por meio da Internet.
Torres (2009) afirma que para as empresas se manterem competitivas no mercado digital
é de fundamental importância ouvir e manter um relacionamento mais próximo com cada um
de seus clientes, se fazendo presente no cotidiano dos consumidores, a fim de conhecer as suas
necessidades e buscar meios para atendê-las
O Marketing Digital se tornou um importante fator que possibilita compreender as
tomadas de decisões do consumidor. Através dele é possível mensurar as sensações, desejos e
também as motivações que influenciam o indivíduo no momento de realizar suas compras
(CASTRO et al., 2015).
As empresas precisam conhecer o seu público alvo, para poderem concentrar os seus
esforços nas estratégias de marketing corretas, com criação de conteúdos relevantes para atrair
seus clientes a visitarem sua página e manterem uma interação com a marca (SOARES;
OLIVEIRA, 2018). É importante a criação de propagandas que acompanhem as tendências do
momento, que sejam criativas, fazendo com que os usuários sintam interesse em procurar pela
marca, facilitando a compra e a divulgação de produtos (CINTRA, 2010).
As empresas ao adotar as estratégias de marketing, precisam colocar o consumidor como
o centro do círculo de influência, observar seu comportamento para poder alinhar suas
estratégias de Marketing Digital direcionado para a satisfação dos desejos do seu consumidor
(TORRES, 2009).
Através do Marketing Digital também é possível, mensurar os resultados dos
investimentos realizados pelas marcas, assim como, a imagem de como a marca é vista e a
opinião de como os consumidores avaliam os produtos e serviços oferecidos por ela, podendo
assim através dessas informações minimizar possíveis impactos que possam a vir ocorrer
devido a experiências negativas vividas por seus consumidores (TORRES, 2009).

2.3 O PODER DAS MÍDIAS E DAS REDES SOCIAIS


56

Torres (2009, p. 113) define as mídias sociais como "sites na Internet que permitem a
criação e o compartilhamento de informações e conteúdo”, os próprios usuários criam e
compartilham essas e informações com os outros usuários se tornando, produtor e consumidor
dessas informações e conteúdo. Nelas as pessoas interagem, trocam informações e se segregam
em grupos por afinidades e interesses em comum.
As mídias sociais têm um grande poder de formação de opinião, por meio delas as
pessoas buscam informações e referências sobre produtos e serviços oferecidos pelas marcas,
por isso, é necessário que as empresas se façam presentes nesse meio garantindo um bom
relacionamento com seu público e criando uma imagem positiva da sua marca (PIZETA;
SEVERIANO; FAGUNDES, 2016).
Por ser um grande meio de formação de opinião, os conteúdos veiculados pelas mídias
sociais podem ajudar a construir ou destruir uma marca, um produto ou uma campanha
publicitária. Pois o consumidor não se deixa mais influenciar apenas pelas propagandas
divulgadas por elas, eles procuram informações com outros consumidores que compartilham
suas experiências por meio da Internet. Por isso, é importante que as empresas falem e criem
propagandas positivas sobre o seu negócio e se preocupem com o feedback dado pelos
consumidores antes que gerem opiniões negativas e sem controle (TORRES, 2009).
Dentro do âmbito das mídias sociais está inserido as redes sociais, que apesar de
comumente confundidas se diferem em relação ao conteúdo. Segundo Torres (2009) as mídias
sociais são tudo o que é publicado na internet, pelas pessoas de forma colaborativa, como por
exemplo, vídeos, fotos notícias entre outros. Já para o autor quando se fala em redes sociais, ele
define como plataformas onde existe interação e troca de informação entre as pessoas que fazem
parte de um grupo de relacionamento e compartilhamento de conteúdo.
Lopes (2019) complementa que as mídias sociais têm como objetivos facilitar a
divulgação de conteúdos por meio de pessoas ou instituições, enquanto as redes sociais, e o
meio pelo qual, as pessoas interagem entre si e trocam informações sobre determinados
assuntos.
As redes sociais passaram a exercer grande influência sobre as formas de consumo,
devido a infinidade de informações que está disponível para os usuários, modificando assim, o
mercado de consumo devido à facilidade e rapidez no momento da escolha da compra, fazendo
crescer o desejo de se consumir conforme o que e mostrado nas mídias sociais, as transformando
57

em uma das maiores ferramentas para divulgação de produtos e marcas (SOARES; LEAL,
2020).

2.4 INSTAGRAM COMO FERRAMENTA MERCADOLÓGICA

O Instagram, ferramenta de estudo desse trabalho, foi criado em 2010 pelo norte-
americano Kevin Systrom e pelo brasileiro Mike Krieger, ambos engenheiros de Software. Em
sua primeira versão o aplicativo só era disponível para IOS, apenas em 2012 foi lançado o
aplicativo para versão Android, logo após foi vendido para o Facebook, por 1 bilhão de dólares
(ROCK CONTENT, 2019).
Segundo o site DataReportal (2019), no Brasil, o Instagram contava com 69 milhões de
usuários, e apresentava o maior índice de crescimento entre as redes sociais em número de
usuários, sendo a segunda rede social mais utilizada pelos brasileiros com um índice de 92,5%,
ficando atrás apenas do Facebook 97,5%.

Gráfico 1 - Evolução da presença das empresas nas redes sociais

Fonte: Social Media Trends (2019).

Em pesquisa realizada pelo Social Media Trends (2019), foi avaliado o crescimento de
utilização dessa mídia social pelas empresas, no período de 2017 a 2019, onde também foi
comprovado que o Instagram foi a rede social que as empresas mais se fizeram presente nos
últimos anos, com um crescimento de 26,1% (Gráfico 1).
58

Ainda de acordo com os dados da pesquisa do Social Media Trends (2019), o Instagram
é a rede social que mais impacta as estratégias de marketing das empresas, o fato de oferecer
uma maior interação com o público, o engajamento com a marca, o alcance de novos públicos
e uma maior visibilidade para a marca, foram benefícios percebidos segundo as empresas, que
contribuíram para o aumento da presença delas nessa rede social.
Na medida que as marcas perceberam as possibilidades oferecidas pelo Instagram de se
comunicar com um público segmentado, que se relacionam conforme as suas preferências,
houve um crescente aumento em diversos perfis de negócios que começaram a divulgar seus
produtos e serviços nesta rede social para aumentar sua interação online com os seus
consumidores (SILVESTRE, 2017).
Segundo a revista Pequenas empresas e Grandes negócios (2016) a partir da criação do
recurso de contas comerciais, conhecidas como Instagram Business ou Instagram para
Empresas, foi possibilitado para as marcas criarem um perfil comercial auxiliando na
identificação de quais são os produtos que mais têm relevância para os seus seguidores, assim
como identificar quem são seus seguidores e suas preferências. O recurso também disponibiliza
dados importantes para as empresas, como a quantidade de visualizações que a postagem
recebeu, o alcance de contas que ela conseguiu atingir e a quantidade de visitas ao perfil da
marca.
Oliveira (2018) afirma que o crescente aumento das empresas no Instagram fez com que
essa rede social deixasse de ser apenas um aplicativo de compartilhamento de fotos e vídeos e
se tornasse uma importante ferramenta mercadológica, devido às novas formas como as
empresas passaram a utilizar essa rede social para atingir os seus públicos-alvo (OLIVEIRA,
2014).
Dentre os diversos investimentos em estratégias de marketing usadas pelas marcas para
alcançar e fidelizar o seu público-alvo, foi percebido que os influenciadores digitais
proporcionam um grande retorno para a marca, assim as empresas começaram a investir em
patrocínio e apoiar esses influenciadores para divulgar e vender seus produtos (FEITOZA;
FERREIRA, 2018).

2.5 O PAPEL DOS INFLUENCIADORES DIGITAIS NO INSTAGRAM


59

Com o aumento de usuários nas redes sociais devido a facilidade moderna de acesso à
internet, principalmente por meio dos aparelhos de celulares, cada vez mais é visto pessoas
anônimas se destacando em seus nichos de preferência e se tornando web celebridades, ou pelo
termo como são mais conhecidos Influenciadores digitais (SILVA; TESSAROLO, 2016).
Antes conhecidos como blogueiros, devido a prática de divulgação e trabalhos de
parcerias com as marcas serem feitas por blogs pessoais, através de posts opinativos. Com a
asserção do Instagram esses indivíduos que já exerciam a influência sobre as pessoas que os
seguia e acompanhavam os posts que realizavam em seus blogs, migraram para essa rede social
ganhando um caráter mercadológico (TEIXEIRA; SILVA, 2017).
Silva e Tessarolo (2016, p.12) definem os influenciadores digitais como indivíduos
“capazes de influenciar, pautar opiniões e comportamentos, transmitir confiança e servem de
referência para os indivíduos que os acompanham". Teixeira e Silva (2017), complementa
falando que, os influenciadores digitais são pessoas que usam seu perfil nas redes sociais para
gerar conteúdos que atraiam pessoas com as mesmas opiniões que elas, assim, fazendo com que
essas pessoas a sigam e acompanhem seu dia a dia.
Nesse viés as marcas têm apostado cada vez mais no digital ao invés dos meios
tradicionais, os influenciadores têm si tornado um importante recurso para divulgação de
produtos e campanhas publicitárias, aproximando as marcas do seu público alvo lhe
proporcionando uma experiência mais personalizada (PERDIGÃO, 2019). Não atuando apenas
como “garotos propagandas”, mas como alguém capaz de despertar emoções, mexendo
diretamente com a imaginação de seus seguidores, despertando o interesse pelo consumo do
que está sendo apresentado ao público através de seus posts (SILVESTRE, 2017).

3 METODOLOGIA

Este trabalho tem como objetivo identificar fatores influenciadores do comportamento


de compra de usuários do Instagram. Portanto, por sua natureza, pode ser classificada como
descritiva. No que diz respeito ao problema, caracteriza-se como quantitativa. Quanto à coleta
de dados, trata-se de um levantamento do tipo survey, aplicando-se um questionário estruturado
com perguntas fechadas, por uma escala tipo Likert com grau de importância 05 pontos.
O universo do estudo compreende cidadãos comuns de Mossoró-RN, os quais se
dispuseram a responder o instrumento de pesquisa. O questionário foi aplicado de forma virtual,
60

através do google form, tomando-se como base o instrumento de pesquisa de Goulart et al.
(2019). O questionário aplicado foi disponibilizado entre os dias 28 de março de 2021 a 01 de
maio de 2021, e foi compartilhado por meio das redes sociais (Instagram e WhatsApp). Foram
obtidas 195 respostas, entretanto apenas 190 foram consideradas válidas, pois 5 respondentes
não são usuários do Instagram. Desta forma, a amostra final reúne 190 usuários do Instagram,
residentes em Mossoró-RN.
Quanto à análise, se deu por meio de técnicas da estatística descritiva, com indicações
de frequências. Utilizou-se a ferramenta do Google Docs, para auxílio na coleta dos dados, os
quais são apresentados por meio de tabelas dos programas Microsoft Word e Excel (Versão
Windows 2010), e foram analisados no programa Statistical Package for the Social Siences -
SPSS® - versão 22, permitindo assim realizar a tabulação e análise dos dados coletados através
do instrumento de pesquisa.

4 RESULTADOS

Para o alcance do objetivo da pesquisa, os resultados serão apresentados em dois


tópicos. O primeiro apresenta a caracterização da amostra, podendo assim auxiliar a traçar o
perfil dos consumidores em análise; e o segundo demonstra os fatores influenciadores do
comportamento de compra de usuários do Instagram.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra do estudo, com o intuito de traçar o


perfil dos consumidores e usuários do Instagram de Mossoró-RN quanto ao gênero, faixa etária
e renda e evidencia que dentre os 190 respondentes, 99 são do gênero feminino, o que representa
52,1% da amostra, contra 91 respondentes do gênero masculino, que representa 47,9%.
Portanto, houve uma pequena predominância da participação de mulheres na pesquisa.

Tabela 1 – Caracterização da amostra do estudo


Caracterização da amostra Frequência %
Masculino 91 47,9
Gênero Feminino 99 52,1
18 a 21 anos 10 5,3
22 a 25 anos 43 22,6
Faixa etária 26 a 30 anos 41 21,6
31 a 35 anos 51 26,8
61

36 a 40 anos 30 15,8
Acima de 40 anos 15 7,9
Até R$ 600,00 R$ 10 5,3
601,00 a R$ 32 16,8
Renda 1.100,00
R$ 1.101,00 a R$ 89 46,8
2.200,00
R$ 2.201,00 a R$ 36 18,9
3.300,00 23 12,1
Acima de R$
3.300,00
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

A faixa etária ficou dividida em 6 grupos, representado por sua maioria o público de 31
a 35 anos com 51 respondentes, o que representa 26,8% da amostra e o menor número de
respondentes entre 18 e 21 anos, representando apenas 5,3%. No que diz respeito à renda,
verifica-se que a maioria dos respondentes da amostra possui renda entre R$ 1.101,00 e R$
2.200,00, representando 46,8%.

4.2 FATORES INFLUENCIADORES DO COMPORTAMENTO DE COMPRA DE


USUÁRIOS DO INSTAGRAM

Esta subseção foi delineada a partir do objetivo geral do estudo – fatores influenciadores
do comportamento de compra de usuários do Instagram. Inicialmente, foi indagado se os
respondentes já realizaram alguma compra por meio do Instagram, conforme Tabela 2.

Tabela 2 – Compras pelo Instagram


Descrição Frequência Absoluta %
Sim 108 56,8
Não 82 43,2
TOTAL 190 100
Fonte: Dados da Pesquisa (2021).

Quando questionados sobre já terem ou não realizado compras pelo Instagram, 56,8%
da amostra diz já ter realizado compras pelo menos uma vez pelo Instagram frente a 43,2% que
afirmaram nunca ter usado a plataforma para realizar compras. Em seguida, buscou-se perceber
quais são os assuntos que despertam maior interesse no Instagram, conforme Gráfico 2.

Gráfico 2 – Assuntos que despertam maior interesse no Instagram


62

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Como afirma Torres (2009) as redes sociais passaram a ser um meio onde as pessoas,
produzem e consomem conteúdo a todo momento. Nesse foco, a pesquisa mostra que o assunto
que desperta maior interesse para os pesquisados está nas informações e notícias com 77,4%,
bem como produtos e serviços que são visualizados por 51,8%, seguidos de assuntos
relacionados a cursos e estudos com 46,7%. Cabe ressaltar que a maior parte da amostra é do
gênero feminino e pode-se observar que moda e beleza também despertam interesse mesmo
que em menor intensidade (35,9%), enquanto assuntos relacionados a religião não despertam
interesse em cerca de 19,5% da amostra.
Logo em seguida, buscou-se identificar com que frequência os respondentes da pesquisa
realizam acesso ao Instagram. Para esta questão, foi proposta uma escala de 5 pontos, sendo 1
para pouca frequência e 5 para muita frequência. Os resultados estão expostos na Tabela 3.

Tabela 3 – Frequência de acesso ao Instagram em escala de 1 a 5


Escala Frequência Absoluta %
1 9 4,7
2 12 6,3
3 45 23,7
4 37 19,5
5 87 45,8
Total 190 100
Nota: 1 - pouca frequência e 5 - muita frequência.
Fonte: Dados da Pesquisa (2021).

Quando questionados sobre a frequência de acesso ao Instagram, 45,8% informam que


acessam a rede com muita frequência, e apenas 4,7% afirmam acessar com pouca frequência o
Instagram. Destaque-se ainda para aqueles usuários que utilizam o Instagram de forma
moderada, com 23,7% de representatividade da amostra.
63

Dando prosseguimento, buscou-se identificar se os indivíduos participantes da pesquisa


são influenciados por celebridades através do Instagram no processo de compra de produto ou
serviço (Tabela 4). Foi possível observar, mediante resultados da pesquisa descritos na Tabela
4 que quando questionados sobre já terem realizado a compra de produtos ou serviço por
indicação de algum digital influencer, em relação a indicações 36,8% consideram pouca
frequência de influência desse fator na decisão de compra; 17,9% afirmam serem influenciados
com frequência por esses indivíduos, e importante destacar que 26,3% ficaram no centro da
escala com resposta 3.

Tabela 4 – Compra de produto ou serviço por influência de digitais influencies


Escala Frequência Absoluta %
1 70 36,8
2 16 8,4
3 50 26,3
4 20 10,5
5 34 17,9
Total 190 100
Nota: 1 - pouca frequência e 5 - muita frequência.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Pode-se concluir mediante a análise realizada, que os influenciadores digitais exercem


influência no consumidor frente o processo de tomada de decisão de compra. A divulgação que
eles fazem desperta mais curiosidade, possuindo mais credibilidade do que a publicidade
tradicional, gerando maior identificação e aproximação (SILVESTRE, 2017).
Logo em seguida, buscou-se identificar se as marcas que divulgam através do Instagram
influenciam os participantes da pesquisa no processo de compra de produto ou serviço,
conforme Tabela 5.

Tabela 5 – Compra de produto ou serviço por indicação de marcas


Escala Frequência Absoluta %
1 59 31,1
2 27 41,2
3 46 24,2
4 25 3,2
5 33 17,4
Total 190 100
Nota: 1 - pouca frequência e 5 - muita frequência.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).
64

Quando questionados sobre já terem realizado a compra de produtos ou serviço por


indicação das marcas, 17,4% realizam com muita frequência, ao contrário do análogo de 72,3%
que expressam que as marcas exercem pouca influência na decisão de compra dos indivíduos
respondentes (somatório dos itens 1 e 2 da escala proposta). Feitosa e Ferreira (2018) sugerem
que as marcas utilizem essa rede social para fortalecer sua imagem e vender seus produtos,
mesmo que a venda não seja efetuada exatamente com tanta constância.
Logo em seguida, buscou-se identificar a frequência que os respondentes da pesquisa
utilizam o Instagram para buscar informações sobre produtos e serviços com interesse de
compra (Tabela 6). Foi observado que 34,2% usam o Instagram com muita frequência para
buscar informações sobre produtos e serviços que tem interesse de comprar, se somados aos
que responderam que usam com frequência esse percentual sobe para 55,8%.

Tabela 6 – Usa o Instagram para buscar informações sobre produtos/serviços com interesse de compra
Escala Frequência Absoluta %

1 45 23,7
2 12 6,3
3 27 14,2
4 41 21,6
5 65 34,2
Total 190 100
Nota: 1 - pouca frequência e 5 - muita frequência.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Esse resultado corrobora com a pesquisa também realizada por Oliveira (2018), onde
73,4% dos respondentes confirmaram a utilidade do Instagram para promover as empresas e
informar os clientes facilitando e agilizando os processos de compra.
Em contrapartida, quando relaciona-se o interesse citado acima com a efetividade de
compras, encontra-se um número baixo de respostas no maior grau de frequência, sendo que
somente 8,4% responderam realizar com muita frequência compras cujo o interesse se deu pela
divulgação no Instagram, enquanto 28,4% disseram realizar com pouca frequência, conforme
Tabela 7, em que buscou-se identificar com qual frequência é efetuada a compra de produtos e
serviços em que o interesse foi despertado pela divulgação deste no Instagram.

Tabela 7 – Frequência em que realiza compra cujo interesse se deu pela divulgação em redes sociais
Escala Frequência Absoluta %
1 54 28,4
2 35 18,4
3 51 26,8
65

4 34 17,9
5 16 8,4
Total 190 100
Nota: 1 - pouca frequência e 5 - muita frequência.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Ainda conforme Tabela 7, analisando por outro ponto de vista, é possível observar que
houve uma quantidade expressiva da resposta 3 localizada no centro da escala com 26,8%. Essa
resposta pode representar diversas perspectivas de pensamento do consumidor, podendo está
associada aos resultados dos estudos de Aragão et al. (2016), onde foi analisado que 34% dos
usuários, enquanto consumidor, efetiva sua compra indo até a empresa, em loja física, tendo a
mídia social Instagram servido de canal direto na intenção de compra, despertando no usuário
o desejo inicial de obter os produtos ou serviços da marca.
Logo após, os usuários respondentes foram questionados se consideram que o
Instagram influenciava o seu comportamento de compra, conforme Tabela 8. Os resultados
obtidos divergem das demais respostas analisadas neste referido trabalho, onde 30,0% dos
respondentes afirmam serem pouco influenciados pelo Instagram na tomada de decisão de
compra, e apenas 12,1% responderam que o Instagram exerce muita influência em suas decisões
de compras.

Tabela 8 – O Instagram influencia o comportamento de compra


Escala Frequência Absoluta %
1 57 30,0
2 32 16,8
3 46 24,2
4 32 16,8
5 23 12,1
Total 190 100
Nota: 1 - pouco e 5 - muito.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

É possível observar que houve uma quantidade expressiva da resposta 3 localizadas no


centro da escala sendo de 24,2%. Uma justificativa para esse resultado pode ser dada mediante
a não percepção dos respondestes desse processo em seu cotidiano, devido a essa influência ter
se tornado tão habitual, que já não e mais percebida por esses indivíduos. Como afirma Silvestre
(2017), as formas como as mídias nos induzem ao consumo muitas vezes de forma não
explícita, acaba se incorporando às narrativas diárias, quase que despretensiosamente.
66

Por fim, os usuários respondentes foram questionados se consideram influenciados


pelos produtos e serviços divulgados no Instagram no momento de decisão de compra,
conforme Tabela 9.

Tabela 9 – Influência dos produtos/serviços divulgados no Instagram no momento de decisão de


compras
Escala Frequência Absoluta %
1 53 27,9
2 28 14,7
3 41 21,6
4 33 17,4
5 35 18,4
Total 190 100
Nota: 1 - pouco e 5 - muito.
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Em concordância, com o resultado do questionamento anterior, ao serem perguntados


se sentem influenciados pelos produtos e serviços divulgados no Instagram no momento de
decisão de compras do total de respondentes 27,9% afirmaram se sentirem pouco influenciados
em oposição a 18,4% que se sentem muito influenciados pelos produtos e serviços divulgados
no Instagram. Percebe-se, desse modo, uma maior proximidade de porcentagem desse item em
relação ao item anterior, ainda mais levando-se em consideração que 21,6% ficaram no centro
da escala com resposta 3.
Em linhas gerais, os resultados permitiram identificar que o Instagram como ferramenta
do marketing digital exerce forte influência sobre a decisão de compra dos usuários, que são
estimulados a consumirem produtos divulgados nas postagens das marcas e principalmente dos
influenciadores digitais. Observou-se ainda que os consumidores seguem esses perfis para se
atualizarem sobre produtos e serviços e, portanto, os resultados reafirmam a importância da
presença ativa das marcas nesse ambiente digital.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo identificar os fatores influenciadores do


comportamento de compra de usuários do Instagram. Para tanto, desenvolveu-se um estudo
descritivo, quantitativo e de campo, por meio de aplicação de questionários a 190 consumidores
de Mossoró-RN e usuários do Instagram.
Os resultados do estudo permitem concluir que o perfil dos respondentes caracteriza-se
como, em sua maioria, por indivíduos do gênero feminino (52,1%), de 31 até 35 anos (26,8%),
67

com faixa de renda salarial de até dois salários mínimos (46,8%). Além disso, 45,8% acessam
o Instagram frequentemente, tendo informações e notícias (77,4%) como os assuntos que
despertam maior interesse; costumam seguir empresas de vestuário (36,88%), buscam acesso
por questões de relacionamento (67,38%), e 34,2% usam o Instagram com muita frequência
para buscar informações sobre produtos e serviços que têm interesse de compra.
Observou-se ainda que 57 dos respondentes o que representa 30,0% da amostra não
considera que o Instagram os influencie na tomada decisão de compra, mas 34,2% utilizam essa
rede social para buscar informações sobre produtos e serviços que tem interesse de comprar, os
quais admitem que influenciadores digitais influenciam o consumo por meio do Instagram
frente a esse processo de compra mais do que as próprias marcas. Esse é um ponto que deve ser
relevado no momento de criar campanhas publicitárias para engajar seus usuários.
Academicamente, o estudo contribui para a discussão da temática das redes sociais e
sua relação com a influência do consumo, nesta pesquisa caracterizada de forma específica na
análise do uso do Instagram, avançando assim sobre a discussão do tema, que ainda encontra-
se incipiente. Ademais, proporciona reflexões pertinentes ao mercado, permitindo que
estratégias de marketing sejam implementadas para o alcance dos objetivos organizacionais.
Entretanto, algumas limitações podem ser apontadas, uma das quais foi a
impossibilidade do alcance de um maior número de respondentes, em razão da pandemia
causada pela Covid-19. Sendo assim, recomenda-se a ampliação da amostra, como também
qual sugere-se para futuras pesquisas a aplicação de outras técnicas estatísticas, tais como a
análise de clusters e/ou ANOVA, permitindo-se a comparação do perfil dos respondentes com
as questões propostas no instrumento de pesquisa.

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TORRES, Cláudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que você queria saber sobre
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70

GESTÃO DE OBRAS RESIDENCIAIS EM CONDOMÍNIO DE CASAS:


um estudo de caso

Maria Aridenise Macena Fontenelle1


Érica Karine Filgueira Costa2

RESUMO

A construção civil representa uma importante parcela da economia nacional que vem passando
a crescer mais moderadamente ao longo dos anos. Por essa razão, volta-se a atenção para os
canteiros de obras, a fim de aumentar a produtividade e a sustentabilidade da produção. Nesse
contexto, o principal objetivo desta pesquisa é entender como ocorre o planejamento e controle
de obras na construção de residências unifamiliares na cidade de Mossoró-RN e identificar
quais medidas podem ser sugeridas para adequação, a partir do estudo de caso de um conjunto
de cinco obras de uma pequena construtora. O trabalho foi realizado a partir de uma pesquisa
exploratória dividida em duas etapas: fundamentação teórica e análise prática, sendo essa última
composta de uma investigação através de observação direta e de entrevista semiestruturada
aplicada ao engenheiro e aos mestres das obras. Para a sugestão de melhorias, utilizou-se os
exemplos encontrados na literatura e a experiência empírica dos envolvidos. A pesquisa
evidenciou a importância de reunir esforços para melhor organizar a produção no canteiro de
obras, valorizando os processos de planejamento e controle, tornando-os indispensáveis em
qualquer obra, de modo a aumentar a qualidade, a rapidez e diminuir os custos das obras,
melhorando também o ambiente de trabalho, contando com a qualificação dos profissionais.
Palavras-chave: gestão, planejamento, controle, construção civil, construtora.

ABSTRACT

The civil construction represents an important part of the national Brazilian economy that has
been growing more moderately over the years. For this reason, attention is turned to building
sites in order to increase productivity and sustainability of production. In this context, the main
objective of this research is to understand how the planning and management of works in the
construction of single-family residences in the city of Mossoró- RN occurs and to identify
which measures can be suggested for adequacy, based on the case study of a set of five works
of a small construction company. The work was carried out from an exploratory research
divided into two stages: theoretical foundation and practical analysis, being the last one
composed of an investigation through direct observation and semi- structured interview applied
to the engineer and the masters of the works. To suggest improvements, we used the examples
found in the literature and the empirical experience of those involved. The research highlighted
the importance of joining efforts to better organize production on the building site, valuing the
planning and control processes, making them indispensable in any work, in order to increase
the quality, speed and decrease the costs of works, also improving the work environment,

1
Doutora em Engenharia Civil, professora da UFERSA. E-mail: aridenise@ufersa.edu.br
2
Graduada em Engenharia Civili pela UFERSA. E-mail: ericakarinef@gmail.com
71

towards the qualification of professionals.


Keywords: management, planning, control, construction, construction company.

1 INTRODUÇÃO

A construção civil representa uma importante parcela do Produto Interno Bruto (PIB)
brasileiro: 8,6% de todo o PIB nacional, em 2017, era ligado ao setor (ABRAMAT/FVG, 2018),
sendo a maior parte dos estabelecimentos integrantes deste composto por até 4 empregados
(PAIC/IBGE 2017)
Na cidade de Mossoró – RN, essa realidade se configura através do crescimento na
procura por residências em condomínios fechados e loteamentos, fomentando o surgimento de
micro e pequenas empresas que trabalham com esse tipo de construção.
Entretanto, seguindo a tendência nacional de queda na produtividade na construção civil
(PAIC/IBGE 2017), essas construtoras tendem a não apresentar, apesar do baixo grau de
complexidade das atividades desempenhadas e do quadro de funcionários reduzido, uma
produtividade satisfatória – o que é grosseiramente indicado pelo não cumprimento dos prazos
e não padronização da qualidade do produto.
De acordo com os autores do Estudo da Produtividade da Construção Civil Brasileira
de 2016, realizado pela parceria da Câmara Brasileira da Indústria da Construção com a
Fundação Getúlio Vargas (CBIC/FVG, 2016):

[…] uma vez que o mercado da construção passe a crescer de forma mais moderada,
a obtenção de ganhos de produtividade tende a ser, cada vez mais, um meio
sustentável de melhor remunerar trabalhadores e empresários. Enfim, na atual
conjuntura, a atenção se volta para o canteiro de obras, pois é lá que se concretizam
os avanços da produtividade […]. Por isso, é evidente a importância de estudos
continuados sobre o tema da produtividade na construção civil […].

Entendendo que a produtividade é resultado de correto planejamento e controle, o


presente trabalho tem o interesse de investigar a organização do planejamento e gestão em uma
pequena construtora da cidade de Mossoró – RN, especializada na construção de casas em
condimínios horizontais, a fim de compreender de que maneira a ausência de gestão influencia
a produtividade das obras, apontando ainda sugestões para adequações.
Acredita-se que essa compreensão possa suscitar o aperfeiçoamento do modelo
gerencial adotado por pequenas empresas do ramo da construção civil em suas obras,
proporcionando uma maior sustentabilidade no setor ao se aproximar do equilíbrio entre capital,
72

produção e produto.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL

A Indústia da Constução Civil (ICC) é extremamente relevante no cenário nacional


brasileiro. Na economia, a cadeia produtiva da construção civil representa um importante setor:
em 2016, respondia po 7,3% do PIB do país (ABRAMAT/FVG, 2017).
Vergana (2007), em citação a Maruoka (2002) destaca que um importante aspecto da
ICC é seu relacionamento com outros setores industrializados. As atividades construtivas
agregam várias outras atividades de setores adjacentes, movimentando, indiretamente,
significativamente mais do que o representado pela cadeia. Por exemplo, ao construir um
edifício, abrange-se desde a extração de minérios para confecção de elementos metálicos até a
produção de componentes de automação predial.
Nessa rede de movimentações para possibilização da construção, há uma grande
informalidade e manofaturamento nos processos, o que trás alguns prejuízos à produção,
principalmente na produtividade. Entretanto, para o cenário de desenvolvimento nacional,
Martins (2017) citando almeida (2011) destaca dois benefícios dessas características do setor:
há uma baixa necessidade de importação, valorizando o capital, insumo e tecnologia nacional;
e, pela extensa cadeia produtiva, há uma relevante contribuição econômica expressa no
pagamento de impostos.
Outro ponto que se destaca na ICC é a alta empregabilidade ofercisa pelo setor. A
atividade de construção de edifícios, dentro do total da ICC, representa uma importante parcela
da ocupação: de acodo com os dados da CBIC/FVG (2016), em 2015, 37% dos empregos
gerados pela ICC eram referentes à atividade construção de edifícios. É interessante observar,
ainda, que grande parte dessas vagas ocupadas demandam pouca ou nenhuma qualificação
profissional, razão pela qual a construção possibilita o emprego de pessoas em situação social
menos favorecida.

2.2 GESTÃO DA CONSTRUÇÃO


73

O processo gerencial administrativo, originário das atividades fabris, é indispensável


em todas as atividades comerciais e indústriais da atualidade, tendo sido desenvolvido ao longo
do tempo várias teorias, ferramentas e métodos para auxiliar o gestor.
A ICC possui expressivas particularidades em relação a outros setores, entretanto muito
precisa ser pesquisado a fim de adaptar e adequar as pesquisas existentes para o cenário das
obras – que são, em essência, um encadeamento de processos e atividades administrados para
obter o produto final: a edificação.

2.2.1 Planejamento

Corrêa et. al. (2010) apresenta a seguinte definição para planejamento: “Planejar é
entender como a consideração conjunta da situação presente e da visão de futuro influencia as
decisões tomadas no presente para que se atinjam determinados objetivos no futuro.”
Informalmente, pode-se relacionar a definição de planejamento com a resposta para a pergunta:
o que preciso fazer para chegar ao meu objetivo, partindo de onde estou agora?
Na construção civil, Mattos (2010) aponta a ausência e a inadequação do planejamento
nas obras, principalmente em obras de pequeno e médio porte, que são efetuadas por pequenas
empresas, autônomos ou até pelos próprios proprietários.
Corroborando para esse cenário, Santana (2006) apresenta algumas carcaterísticas
dessas pequenas empresas que dificultam sua sobrevivência:

a incompatibilidade entre a capacidade da empresa e a quantidade de contratos que ela pode


gerir;
a alta rotatividade de mão-de-obra (que muitas vezes possui pouco ou nenhum treinamento);
a falta de uma escala de produção que dificulta a formação de uma base de fornecedores;
a baixa qualidade de engenheiros e profissionais técnicos.

Nesse contexto, temos a atuação deficitária do engenheiro civil, que muitas vezes possui
uma rasa ou inexistente formação gerencial, no canteiro de obras. Mattos (2010) aborda essa
questão como o “mito do tocador de obras”. Segundo ele, há no cenário nacional a valorização
do profissional que não realiza o devido planejamento, que é considerado perda de tempo, e
assume uma postura de tomar decisões rapidamente, baseando-se na experiência e intuição. A
74

informalidade e a despreocupação com o desperdício tornaram essa figura do “tocador de


obras” muito mais recorrente do que a do “gerente”.

2.2.2 Controle

Slack et. al. (2009), define controle da seguinte maneira:

Embora os planos sejam baseados em expectativas, durante sua implementação as


coisas nem sempre acontecem como esperado. […] Controle é o processo de lidar
com essas variações. […] O controle faz os ajustes que permitem que a operação atinja
os objetivos que o plano estabeleceu, mesmo que os pressupostos assumidos pelo
plano não se confirmem.

O planejamento e controle são indissociáveis e trabalham juntos na condução das


atividades. Quanto mais minuncioso o planejamento, menos haverá imprevistos. De forma
similar, quanto mais preciso e racional for o controle, mais provável será que se cumpra o
cronograma geral estabelecido no planejamento.
O sistema de controle integrado com o planejamento contínuo pode ser resumido num
ciclo sequenciado de quatro etapas básicas, representado na figura 01.

Figura 01 - Sistema de planejamento e controle de uma atividade

Fonte: adaptado de Slack et. al. (2009)

3 METODOLOGIA

A pesquisa, quanto à sua metodologia, pode ser caracterizada como exploratória e se


divide em duas etapas: fundamentação teórica e análise prática.
75

A caracterização enquanto exploratória se dá pelo objetivo de se obter maior


familiaridade com o assunto abordado – gestão de obras residenciais de pequeno porte,
desencadeando um processo de investigação que busca entender a natureza das dificuldades
encontradas nessa atividade. (HEERDT; LEONEL, 2007).
Na primeira etapa do trabalho – funtamentação teórica – utilizou-se de pesquisa
bibliográfica, consultando-se livros, artigos, teses, relatórios e planilhas de dados.
A segunda parte – análise prática – consistiu na investigação da configuração do setor
da construção civil de Mossoró – RN em relação ao planejamento e à gestão de obras
residenciais. Para tanto, foi feito um estudo de caso em cinco obras de uma construtora de médio
porte em um condomínio de casas.
Para o estudo de caso adotou-se duas fontes de evidências: observação direta e entrevista
sistemática (YIN, 2001). A observação direta foi realizada durante o período de abril a julho de
2019, observando-se diariamente o cotidiano das obras estudadas. As entrevistas foram
realizadas no último mês desse período, caracterizando-se como semiestruturadas e tendo sido
aplicadas ao engenheiro e aos mestres das obras.
Depois das etapas exploratórias, realizou-se uma avaliação das ferramentas de
planejamento e controle utilizadas pela empresa e, comparando-as com as apresentadas pela
literatura, buscou-se perceber algumas relações entre os problemas apresentados nas obras e as
falhas na execução das ferramentas, possibilitando, por fim, a sugestão de algumas adequações.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A “Empresa X” (nome fictício a fim da manter a anonimidade) é uma empresa de


prestação de serviços de engenharia civil, atuando no mercado local há cerca de 20 anos com
projetos, laudos, vistorias, administração e execução de obras de diversos tipos. Devido à
demanda durante os últimos anos, a empresa tem atuado como construtora de obras residencias
unifamiliares, principalmente em condomínios de casas. Para o presente estudo, abordou-se
cinco obras residencias de médio e alto padrão dessa construtora em um mesmo condomínio de
casas.
Nas obras estudadas trabalham um total de 31 colaboradoes diretos, divididos entre
profissionais, ajudantes e mestres. Há ainda o engenheiro responsável pelas obras, dois
estagiários e um responsável por suprimentos. Também estão envolvidos na construção alguns
76

terceirizados que prestam serviços específicos e que variam sua quantidade dependendo da fase
da obra. A estrutura organizacional geral da equipe é representada na figura 2.

Figura 2 - Organização da equipe da “Empresa X”

Fonte: autoria própria a partir das informações colhidas nas entrevistas e da observação do cotidiano
da obra, 2019.

Apesar dessas atribuições apresentadas, na prática a organização hierarquica é pouco


determinada. As instruções em algumas situações são passadas diretamente do engenheiro para
o profissional ou ajudante, sem que o mestre participe. É interessante observar que a literatura
aponta essa como uma prática comum em pequenas obras e construtoras, devido à proximidade
dos envolvidos.
Ainda nesse contexto, e também considerando a relativa simplicidade e ordinariedade
das atividades de uma obra residencial unifamiliar, as sequências das atividades a serem
desempenhadas provém principalmente da experiência dos profissionais, principalmente dos
mestres.
Pela não consolidação, na prática, da hierarquia e das funções dos colaboradores, há
uma menor autonomia das partes da equipe, que também é reduzida pela não existência de
registros ou documentos escritos em que constem os procedimentos. Essa configuração gera
uma centralização na figura do engenheiro, pois espera-se pela autorização dele para as tomadas
de decisão – mesmo as mais simples – o caracterizando mais como “tocador de obras” do que
“gerente”.
A partir da observação e das entrevistas, pode-se classificar os principais problemas
enfrentados pela “Empresa X” em relação ao planejamento e controle. A partir desses
problemas, buscou-se objetivos que se relacionam com as suas soluções.
Então, com essas informações, comparando-as com as informações presentes na
77

literatura e também nas observações feitas pelos entrevistados – como sugestões e ideias de
como poderiam ser melhorados os processos – elaborou-se o diagrama apresentado na figura 3,
organizado da seguinte forma:

Coluna 1: Problemas

Nessa coluna foram colocados os problemas encontrados no gerenciamento das obras


estudadas. Nota-se que essas dificuldades não são exclusivas dessa empresa, mas do setor e,
principalmente, das pequenas empresas e obras. Destaca-se que um problema geral decorrente
desses específicos é o atraso do prazo de algumas obras, entretanto esse não foi abordado no
diagrama por acreditar-se que sua resolução advém da resolução dos problemas específicos.

Coluna 2: Objetivos

Na coluna dos objetivos colocou-se o que deveria ocorrer na administração das obras de
modo a solucionar os problemas. Todavia, podemos ver que alguns problemas são beneficiados
por mais de um objetivo, para essa representação foram utilizadas as setas. Por exemplo: tornar
alterações no projeto ou no procedimento de execução de uma determinada parte da obra claras
para todos os envolvidos na construção auxilia na resolução do desencontro de informações,
visto que todos possuem a mesma informação, mas também evita um tipo de retrabalho – caso
a adequação precisasse ser feita depois do serviço já executado.

Coluna 3: Ações

Na última coluna reuniu-se medidas para alcançar os objetivos, de modo a solucionar


os problemas. Semelhante à coluna 2, pode-se ver que a maioria das ações contribuem
individualmente para mais de um objetivo. As principais ações serão abordadas a seguir com
maior detalhamento.

Figura 3 - Diagrama problemas-objetivos-ações


78

Fonte: autoria própria, 2019

Observou-se que algumas ações apontadas já existem de forma incipiente na empresa,


porém ainda não de maneira sistematizada e incorporada como cultura empresarial pelos
colaboradores. A ação “Organização da equipe em grupos especializados” representa bem essa
situação.
A organização das equipes de profissionais e ajudantes de acordo com os serviços nos
quais eles são mais experientes e detém maior conhecimento já existe na empresa, porém de
79

maneira ainda informal e inconstante. É notório que os mestres e engenheiros entendem a


vantagem de separar essas equipes, mas ainda não houve a aplicação efetiva.
Acredita-se que um maior estudo sobre o tema e uma real implantação dessa ferramente
seria muito vantajosa para empresa, visto que as residências, por terem um processo construtivo
muito semelhante e repetitivo, podem se aproximar de uma construção de edifício vertical, no
sentido de cadenciar a produção com equipes especializadas realizando os trabalhos que se
repetem.
Outro ponto que se destaca é a importância de prezar por manter a qualidade na
comunicação entre os colaboradores, bem como garantir que todos tenham o conhecimento das
ações gerenciais, de modo que possam contribuir em sua organização, cumprindo as ações
planejadas, auxiliando no controle, mas também sugerindo novas medidas.
Na entrevista, um dos mestres tratou sobre a relevância do planejamento ser conhecido
por todos os envolvidos:

“À medida que você compartilha, você traz os outros para discussão e todos passam
a ter responsabilidade com a obra. […] E também, [o planejamento] é uma previsão
lógica, mas toda obra tem suas particularidades, então nós estamos abertos a opiniões
pra ajustar o pessoal e material – que inclusive devem ser revistos a cada mês, pra
verificar se está de acordo. ” (Mestre 01)

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entende-se que, como ocorre desde muito tempo, o planejamento e controle


desempenhados através da oralidade e experiência têm um valor importante e muitas vezes
conseguem atender às demandas das construções, principalmente as de menor porte.
Todavia, o contexto tecnológico e econômico da sociedade contemporânea aponta para
a maior informatização e otimização da produção, em suas mais variadas vertentes. A
construção civil, se atendo à tradição e a noção de que até o momento os processos clássicos e
rudimentares têm funcionado, vem ficando atrás nessa realidade.
Dessa forma, acredita-se na importância de reunir esforços para melhor organizar a
produção no canteiro de obras, valorizando os processos de planejamento e controle, tornando-
os indispensáveis em qualquer obra, de modo a aumentar a qualidade, a rapidez e diminuir os
custos das obras, melhorando também o ambiente de trabalho, contando com a qualificação dos
profissionais.
80

Para tanto, é indispensável contar com a experiência dos profissionais existentes do


mercado, porém unindo seu conhecimento empírico com modernas possibilidades de
organização de gerenciamento, de modo a elaborar uma gestão otimizada, produtiva, moderna,
mas também acessível e realista, prezando pela satisfação do cliente e valorização do
profissional.
Para dar continuidade aos esforços nessa direção, sugere-se para trabalhos futuros o
aprofundamento nas medidas aqui sugeridas, avaliando os efeitos de suas aplicações na empresa
estudada ou em empresas similares. É sugerida ainda a aplicação do estudo de caso em outras
empresas, a fim de comparar os resultados obtidos.

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82

INSERÇÃO PROFISSIONAL: Um estudo sobre os egressos do curso de Administração


da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

Lucas Gabriel de Souza Galvão1


Rosane Sherlyca Linhares Gomes2

RESUMO

Em um contexto de crise econômica, elevado índice de desemprego e um mercado cada vez


mais exigente e dinâmico, a inserção profissional de indivíduos recém formados em curso
superior torna-se uma atividade desafiadora. Nesse sentido, a presente pesquisa busca
compreender como o curso de Bacharelado em Administração da UERN contribui para a
inserção profissional dos seus egressos. Para isso, realizou-se uma pesquisa quantitativa com
64 discentes egressos do curso nos semestres 2017.2 e 2018.2. Dentre os principais resultados,
constatou-se que após a graduação aumentou o índice de egressos inseridos no mercado de
trabalho, atuando em sua área e um crescimento da renda mensal. Através da pesquisa também
foi possível identificar os elementos que influenciam no processo de inserção profissional dos
alunos egressos, tais como: estágios, atividades extras curriculares, a rede de relacionamento
construída ao longo do curso, o status da instituição e que o curso cumpre seu papel ao preparar
seus discentes de maneira eficaz, promovendo uma transformação positiva na situação
financeira, econômica e social dos indivíduos.
Palavras-Chave: Mercado de trabalho, Inserção Profissional, Administração.

ABSTRACT

In a context of economic crisis, high unemployment rate and an increasingly demanding and
dynamic market, the professional insertion of newly graduated individuals in higher education
becomes a challenging activity. In this sense, the present research seeks to understand how the
Bachelor of Business Administration course at UERN contributes to the professional insertion
of its graduates. For this, a quantitative research was carried out with 64 students graduating
from the course in the semesters 2017.2 and 2018.2. Among the main results, it was found that
after graduation, the rate of graduates entered the job market increased, working in their area
and a growth in monthly income. Through the research, it was also possible to identify the
elements that influence the process of professional insertion of the graduating students, such as:
internships, extra curricular activities, the relationship network built throughout the course, the
status of the institution and that the course fulfills its role. by preparing its students effectively,
promoting a positive transformation in the financial, economic and social situation of
individuals.
Keywords: Labor market, Professional Insertion, Administration.

1 INTRODUÇÃO

1
Mestrando em Administração – PPGA/UFERSA. E-mail: acesso.lucas09@gmail.com
2
Pós-Graduanda em Gestão Pública – UFERSA. E-mail: sherlycalinhares@hotmail com
83

Diante das transformações vivenciadas atualmente nas esferas econômicas,


tecnológicas, sociais, culturais e políticas, crescem as incertezas no mundo do trabalho. Numa
simplória pesquisa do contexto econômico é possível identificar o crescimento da taxa de
desemprego, que no primeiro trimestre de 2022 chegou, conforme pesquisa do IBGE, a uma
porcentagem de 11,1% da população.
Junto a elevada taxa de desemprego surgem as novas demandas organizacionais, que a
cada dia buscam compor seus quadros de funcionários com pessoas capacitadas e com um maior
número de qualificações e experiências. Tais fatores contribuem para a dificuldade na inserção
no mercado de trabalho, principalmente de jovens recém-formados que possuem pouca ou
nenhuma experiência profissional.
Toda organização precisa reunir recursos e competências para garantir vantagens
competitivas em um mundo de negócios extremamente concorrente e mutável
(CHIAVENATO,2009). A forma como as organizações gerenciam seus recursos humanos
passa por grandes transformações em todo mundo, e vem sendo causada por grandes
mudanças na organização do trabalho, no relacionamento entre as organizações, pessoas e
no atual comportamento do mercado de trabalho (DUTRA,2014).
Outro fator observado recentemente, com a maior democratização e acesso ao ensino
superior é o crescimento do quantitativo de indivíduos com graduação, porém, o número de
postos de trabalho não acompanha essa curva crescente. Ao passo que a sociedade acumula
muitos indivíduos com diplomas, o mercado se torna mais exigente e o que antes era um
diferencial, passou a ser comum no meio organizacional. Sendo assim, o fato de possuir um
diploma não garante a entrada no mercado de trabalho. Uma sociedade diplomada não assegura
uma sociedade incluída no ambiente profissional (SOUZA, 2010).
Segundo Rocha-de-Oliveira (2012), a inserção profissional consiste no processo
individual e coletivo, histórico e social, que diz respeito a experiência vivenciada por cada
indivíduo na esfera organizacional, bem como suas escolhas profissionais e expectativas de
carreira.
Dessa forma existem vários elementos que influenciam no processo de inserção
profissional, tais como: a gestão de recursos humanos, a expansão do ensino superior no Brasil,
e as mudanças no mercado de trabalho, diante do exposto surge assim a problemática da
pesquisa: Como o curso superior de Administração contribui com a inserção profissional dos
seus egressos?
84

Conforme problemática anteriormente apresentada a pesquisa possui como seu objetivo


compreender o papel do curso de Bacharelado em Administração na inserção profissional dos
estudantes egressos desse curso.
Tal pesquisa torna-se relevante devido às nuances e características que englobam a
inserção profissional de profissionais recém-formados no ensino superior, no caso em questão
da área da Administração.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nos últimos anos o Brasil sofreu diversas mudanças nas esferas educacionais e no
mercado de trabalho, a expansão demasiada do ensino superior, causou um grande aumento de
jovens graduados em busca de um trabalho digno e compatível com o tempo dedicado à sua
educação.
São utilizados diferentes termos para designar o fenômeno social da passagem do
sistema educacional para o emprego: Inserção profissional, entrada na vida ativa, transição
profissional, transição da escola para o trabalho, entrada no trabalho ou entrada no emprego. A
sua utilização varia de acordo com o período e contexto social no qual está inserido
(ALVES,2007). Porém no decorrer do presente trabalho será utilizado o termo inserção
profissional, para discorrer sobre o assunto.
O tema inserção profissional é relativamente recente nos estudos e pesquisas, e parte do
pressuposto das múltiplas etapas que um indivíduo percorre desde a entrada na sua vida ativa,
da transição da escola para o trabalho, até a inserção profissional propriamente dita. A expressão
“inserção profissional” começou a ser utilizada na França em meados de 1970, que substituiu a
expressão “entrada na vida ativa” utilizada na década anterior. Essa expressão foi vista
primeiramente em textos legislativos e posteriormente em estudos relacionados à dificuldade
de jovens recém-formados que pretendiam ingressar no mercado de trabalho.
Tais acontecimentos contribuem para os conflitos encontrados nesse processo de
transição da universidade para o mundo corporativo, um processo que antes era considerado
praticamente instantâneo, passou a ser longo e complexo (ROCHA-DE-OLIVEIRA, 2012).
Já em 1980 a inserção profissional dos jovens se torna uma das principais preocupações
dos poderes públicos da França, visando inserir medidas políticas de emprego educação e
formação e nesse contexto o conceito inserção surge como demanda social visando melhorias
85

contra o desemprego e exclusão dos jovens. A abordagem econômica da inserção profissional


começa quando o jovem deixa de ter os estudos como fonte única de ocupação e vai à procura
de atividade remunerada. Esse processo é marcado por um ciclo de emprego, retorno à
formação, procura de emprego desemprego, chegando a seu final quando o indivíduo termina
seus estudos e encontra um emprego permanente (ROCHA-DE-OLIVEIRA E PICCININI
2012).
Portanto o conceito de inserção profissional não pode ser analisado ou desenvolvido
sem levar em consideração os aspectos históricos, econômicos e culturais que marcam uma
sociedade. E diante desses estudos baseados na França, torna-se necessário uma ampliação do
estudo no Brasil, sobre o número elevado de ingresso no ensino superior e o momento da
inserção no mercado de trabalho (ROCHA-DE-OLIVEIRA, 2012).
No entanto, para Alves (2007) a transição da escola para o primeiro emprego, não se
denomina inserção, pois no ponto de vista da autora inserção profissional é um processo que
fica cada vez mais longo até uma posição de estabilidade no mercado de trabalho. Em seu estudo
Alves (2007), aborda os diferentes conceitos de inserção na ótica dos primeiros autores a falar
sobre inserção, conforme exposto no quadro 1:

Quadro 1 – Conceitos de Inserção Profissional


Autores Conceito
Vincens (1981) A inserção corresponde a um período de procura de emprego por
parte de um agente econômico que dispõe de uma informação
imperfeita sobre as oportunidades de emprego.

Vernieres (1993) Define inserção profissional como o processo através do qual um


indivíduo ou um grupo de indivíduos que nunca pertenceu à
população ativa ocupa uma posição estabilizada no mercado de
emprego.
Rose (1984-2002) A inserção profissional pode ser definida como um processo
socialmente estruturado, singular, longo e diversificado
Dubar (1994) A inserção profissional é concebida como uma articulação temporal
da dimensão biográfica, através da qual os indivíduos constroem a
identidade para si e da dimensão estrutural através da qual se
reconhece a identidade para o outro, considerada socialmente
legítima num dado momento.
Fonte: Adaptado de Alves (2007)

O termo inserção profissional passou por um longo processo de estudos e adequações


até o contexto atual, no Brasil nota-se o crescente estudo sobre inserção profissional. Dentre
esses estudos, Cordeiro (2002), parte do pressuposto que a pluralidade na prática de recursos
humanos que podem ser aplicadas nas diversas empresas, podem definir as diferentes
86

modalidades de inserção profissional. Onde o principal objetivo do autor é estudar as


modalidades de inserção profissional dos quadros superiores das empresas. Neste sentido surge
a concepção de inserção profissional qualificante e inserção profissional não qualificante.
A combinação de diferentes ações utilizadas pelas organizações como: exigência de
experiência, realização de formação contínua, maior ou menor grau de autonomia profissional,
contratos de trabalho em tempo parcial ou total, modalidades de pagamento de salário e
progressão, formação profissional, etc., podem estar na origem de dois modelos de inserção: a
qualificante e a não qualificante (CORDEIRO, 2002).
O quadro 2 apresenta os conceitos de inserção profissional qualificante e a não
qualificante proposto por Cordeiro (2002):

Quadro 2- Inserção profissional qualificante e não qualificante


Construto Definição
A inserção profissional qualificante acontece quando a empresa
Inserção Profissional desenvolve uma verdadeira política de valorização dos seus recursos
Qualificante humanos (contratos estáveis, condições de trabalho satisfatórias,
políticas de formação dentro da empresa, sistema de progressão na
carreira, salários mais vantajosos, etc.) contribuindo para o
desenvolvimento de competências individuais e coletivas de seus
trabalhadores.
Acontece quando a empresa desenvolve uma política de não
Inserção Profissional não valorização dos seus recursos humanos (contratos precários,
qualificante inexistência de políticas de formação e sistemas de progressão, salários
menos atraentes, etc.) contribuindo para uma crescente desvalorização
dos trabalhadores.
Fonte: Adaptado de Cordeiro (2022).

Além do papel das empresas e da gestão de recursos humanos na inserção profissional,


são exigidos pelo mercado de trabalho qualificação profissional para saber agir em situações
imprevistas no mundo do trabalho. Nesse contexto, a população jovem está investindo na
evolução dos níveis educacionais para melhores condições de vida. O que na perspectiva social
chega a ser preocupante, visto que a sociedade está investindo em educação, porém não estão
surgindo novos postos de trabalho de qualidade, o que acarreta em pessoas qualificadas
subutilizando a mão de obra (TARTUCE, 2007).
Ainda conforme Tartuce (2007, p.25), “Se um diploma associado a um estoque de
conhecimentos, deixa de ser uma condição suficiente para inserção e permanência no mercado
de trabalho, as exigências no âmbito das qualidades pessoais não cessam de aumentar”. Sendo
assim, “tal perspectiva permite olhar a inserção profissional como uma questão que vai além da
relação econômica de oferta e procura de trabalho, mas como um conjunto de relações que
87

carecem de explicação e que são diversas” (MARTINS, 2016 p.78).


Para Rocha-de-Oliveira (2012) apesar do aumento crescente nos estudos sobre inserção
profissional no Brasil, a maioria desses estudos focam em estudos empíricos, sem aprofundar
nas discussões teóricas. O autor desenvolveu com base na literatura francesa um conceito sobre
inserção profissional:
Um processo individual e coletivo, histórico e socialmente inscrito. Individual por que
diz respeito à experiência vivenciada por cada sujeito na esfera do trabalho, bem como
suas escolhas profissionais e expectativas de carreira. É um processo coletivo por ser
vivenciado de maneira semelhante por uma mesma geração ou grupo profissional. É
um processo histórico, pois desenrola com a ―moldura de elementos econômicos,
sociais e políticos que caracterizam uma época. É socialmente inscrito, pois é marcado
por processos institucionalizados e representações sociais compartilhadas pelos
indivíduos de determinado grupo ou região sobre o período da inserção profissional
(ROCHA-DE- OLIVEIRA, 2012, p.131).

Sendo assim a inserção profissional é uma construção social, inscrita num contexto
sócio-histórico que engloba aspectos da conjuntura econômica, da estrutura demográfica e
ocupacional de cada região ou país, níveis de formação e desenvolvimentos tecnológico e
industrial são fatores que influenciam o ingresso do jovem no mercado de trabalho (ROCHA-
DE- OLIVEIRA,2012).
No que se refere a aspectos institucionais, dizem respeito às leis institucionais que
pautam como deve acontecer a entrada no mercado de trabalho e as políticas públicas como o
governo tem tratado a inserção em dado momento. Ainda no âmbito institucional, as políticas
de gestão de recursos humanos promovidas pelas empresas merecem destaque visto que podem
assumir formas distintas dependendo do tamanho da organização, setor de atuação ou mesmo
para grupos profissionais considerados diferenciais para o negócio (ROCHA-DE-
OLIVEIRA,2012).
Guimarães (2008), aponta em sua pesquisa como as oportunidades de trabalho chegam
para os indivíduos e como operam os mercados contemporâneos. Constatando que a grande
maioria dos indivíduos costumam procurar trabalho através das instituições e intermediações
do mercado (agências de emprego e empresas de trabalhos temporários), contudo acabam
obtendo através de suas redes de contatos como: amigos mais próximos, familiares, e
principalmente a rede de contatos que construíram no ensino superior.
Por fim, aspectos individuais como origem familiar do indivíduo, etnia, escolaridade,
88

profissão dos pais, valores sobre o trabalho considerados pela família, elementos que
contribuem para a construção de suas representações do trabalho e para o aprendizado das
estratégias de inserção; experiência profissional e expectativas profissionais interferem no
processo (ROCHA- DE-OLIVEIRA, 2012).

2.1 O ENSINO SUPERIOR DE ADMINISTRAÇÃO E A INSERÇÃO PROFISSIONAL

A formação no ensino superior possibilita novas oportunidades no mercado de trabalho


para os egressos, desde a ocupação de cargos que possuem como requisito uma graduação até
novos conhecimentos adquiridos em atividades obrigatórias e complementares, como estágios,
atividades de ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, Buron (2016, p. 02) afirma que

A universidade, portanto, concentra um estoque de conhecimento técnico e científico


à disposição da sociedade e este estoque está divido entre material escrito, capital
humano e registros de pesquisas, mas a identidade da universidade está inserida em
sua representatividade na sociedade e sua participação nas transformações sociais.
(BURON, 2016, p.02)

Ainda acerca da formação superior, Conforme o Projeto Pedagógico da UERN (2014),


às atividades complementares fazem parte da formação e possibilitam o reconhecimento, por
avaliação, de habilidades e competências do aluno, incluindo a prática dos estudos e atividades
transversais de interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mundo do trabalho e
com as ações de extensão junto à comunidade.
Tartaruga (2010) destaca ainda como papel das universidades o ensino, a pesquisa e os
serviços à comunidade, este último como externalização do conhecimento gerado e como forma
de contribuição à sociedade em que está inserida, mas tendo como principal produto a formação
profissional.
A respeito do mercado de trabalho para egressos do curso de bacharelado em
Administração, este é consideravelmente amplo, tendo em vista que o campo da Administração,
como uma ciência social aplicada pode atuar em diversas frentes. Conforme Moreira et al (2018
p. 06):
O profissional da área de Administração poderá ter uma carreira bem ampla, pois se
trata de um curso que abrange diversas áreas como Marketing, logística, recursos
humanos, produtividade, financeiro, entre outros. Isso dará várias opções ao formando
para escolher qual área irá seguir a sua carreira profissional (Moreira et al. 2018 p.
06).
89

Outro fator importante obtido através da formação em ensino superior é o aumento da


renda, conforme relatório da OCDE (2018) as pessoas com ensino superior possuem maiores
perspectivas de emprego, ascensão aos cargos de liderança e consequentemente aumento de
seus rendimentos.

3 METODOLOGIA

Com o propósito de estudar as contribuições do curso de Bacharelado em Administração


na inserção profissional dos seus egressos, realizou-se uma pesquisa descritiva e explicativa
Uma pesquisa descritiva, de acordo com Gil (2008 p. 28) “tem como objetivo primordial a
descrição de característica de determinado fenômeno ou o estabelecimento de relações entre
variáveis”.
Para maior entendimento daquilo que é proposto investigar, optou-se pela utilização de
uma abordagem quantitativa. Segundo Richardson (2012), a pesquisa quantitativa é
amplamente utilizada com a intenção de garantir a precisão dos resultados, evitar distorções na
análise e interpretação, o que proporciona uma margem de segurança com menos riscos de
interferências nos resultados e é utilizada geralmente em estudos descritivos, visando descobrir
e classificar possíveis relações entre variáveis.
A população determinada no estudo é composta pelo conjunto dos alunos egressos do
curso de administração da UERN, concluintes nos semestres 2017.2 e 2018.2, que conforme
dados oficiais da universidade representam um total de 73 discentes. Quanto aos participantes,
utilizou-se uma amostragem não probabilística por conveniência, sendo composta por discentes
que concordaram em participar da pesquisa. O quantitativo final dos participantes foi de 64.
O procedimento utilizado nesta pesquisa é o survey. O instrumento de coleta de dados,
portanto, foi um questionário estruturado, com aplicação na plataforma google forms. Os
questionários foram enviados e respondidos no período de janeiro e fevereiro de 2020. Para
tratamento e apresentação dos dados utilizou-se o software de planilhas Excel.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste tópico serão apresentados e analisados os principais resultados da pesquisa.


Buscou-se realizar um comparativo sobre a inserção profissional dos egressos antes de iniciar
90

a graduação e após sua conclusão: O gráfico 1 apresenta a situação profissional dos egressos
em administração dos semestres 2017.2 e 2018.2 antes e após a graduação:

Gráfico 1- Comparativo sobre a situação profissional

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

O gráfico 1 evidencia o crescimento das oportunidades de inserção no mercado de


trabalho após a conclusão da graduação, tendo em vista que antes de iniciar o curso 51,60% dos
entrevistados afirmaram possuir vínculo empregatício, passando para um percentual de quase
80% ao final da graduação.
Outro fator comparado entre os períodos de início e final da graduação em
Administração dos egressos do semestre de 2017.2 e 2012.2 foi a renda mensal. Conforme é
apresentado nos gráficos 2 e 3:

Gráfico 2- Renda mensal antes da graduação:


91

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Gráfico 3- Renda mensal após a graduação:

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Os gráficos 2 e 3 demonstram que aqueles que possuem o ensino superior completo


possuem uma maior renda. Ao comparar as informações dos gráficos é possível observar uma
redução daqueles que não possuem renda e um crescimento daqueles que recebem mensalmente
1 a 2 salários mínimos (de 25% para 32,81%) e daqueles que recebem mais de dois salários
mínimos (de 3,13% para 18,75%). Tais dados vão de encontro as informações contidas no
relatório da OCDE (2018) as pessoas com ensino superior possuem maiores perspectivas de
emprego, ascensão aos cargos de liderança e consequentemente aumento de seus rendimentos.
Outro fator questionado aos entrevistados foi acerca da área de atuação. Nesse sentido,
92

buscou compreender se os egressos atuavam na área administrativa antes e após a graduação.


Tal informação pode ser observada nos gráficos 4 e 5:

Gráfico 4- Área de atuação antes da graduação

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Gráfico 5- Área de atuação após a graduação:

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Os dados apresentados nos gráficos 4 e 5 evidenciam um crescimento da atuação


profissional na área de formação. Antes da graduação apenas 18,75% dos entrevistados atuavam
na área administrativa, passando para 43,75% após a conclusão do curso. Um outro fator
observado é a diminuição dos índices da resposta “não trabalhava”, assim, podendo-se afirmar
que a graduação possibilitou uma maior inserção profissional.
Os dados ajudam a entender o processo de inserção profissional dos egressos de
93

Administração da UERN, e tomando como base Cordeiro (2002) é possível destacar as


contribuições que a universidade proporciona a respeito de uma inserção profissional
qualificante.
Outros aspectos em análise foi a opinião dos egressos sobre as atividades desenvolvidas
durante a graduação, tais como atividades de pesquisa, monitoria, ensino, extensão, estágio não
obrigatório, atividades extracurriculares, dentre outras.

Gráfico 6 – Atividades desenvolvidas durante a graduação

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

O gráfico 6 mostra que 50% dos egressos participaram de estágios não obrigatórios
durante o período da graduação. Outro índice relevante é daqueles que não participaram de
nenhuma atividade durante o período da graduação (30,40%). A não participação de atividades
durante a graduação pode impactar negativamente na inserção profissional, tendo em vista que
com essas atividades os indivíduos adquirem experiência prática e conhecimento para além da
sala de aula.
Conforme o Projeto Pedagógico da UERN (2014), às atividades complementares fazem
parte da formação e possibilitam o reconhecimento, por avaliação, de habilidades e
competências do aluno, incluindo a prática dos estudos e atividades transversais de
interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mundo do trabalho e com as ações de
94

extensão junto à comunidade.


Para Rocha-de-Oliveira e Piccinini (2012 p. 45) “Atualmente os estágios representam
uma forma de inserção profissional organizada, estruturada onde são incorporados aspectos
práticos, assim, preparando para socialização e trabalho”. Os autores acreditam que no limite
entre a universidade e o mundo produtivo estão os estágios, que foram criados como um meio
de complementação de formação e com o objetivo de facilitar o acesso ao mercado de trabalho.
Por fim, realizou-se questionamentos sobre a opinião dos egressos acerca do papel da
universidade e do curso como agentes de inserção profissional, onde foram apresentados
afirmativas e através de uma escala likert de cinco pontos os entrevistados elencaram seu nível
de concordância, no qual o 1 uma total discordância e o 5 o maior índice de concordância acerca
da afirmação. Tais resultados podem ser observados na tabela 1:

Tabela 1- Papel da universidade/curso na inserção profissional


Afirmativa 1 2 3 4 5
A universidade durante o curso promove a inserção 7,8% 12,5% 18,8% 20,3% 40,6%
profissional através de estágios
As atividades extracurriculares possibilitam novos 4,7% 12,5% 18,8% 26,6% 37,5%
conhecimentos e lugares que antes não frequentavam
O curso proporciona a construção de uma rede de 4,7% 6,3% 10,9% 17,2% 60,9%
relacionamentos antes não conhecida
O preparo profissional para o mercado de trabalho 17,2 17,2% 28,1% 29,7% 7,8%
promovido pelo curso é suficiente %
O status da universidade e do curso foi importante para 9,4% 6,3% 18,8% 43,8% 21,9%
minha vida profissional
A conclusão do curso permitiu melhorar minha vida 4,1% 12,5% 12,5% 50,2% 20,7%
econômica
A conclusão do curso permitiu novas possibilidades 4,1% 12,5% 10,9% 60% 12,5%
profissionais
Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Ao analisar as respostas dadas as afirmativas é possível notar a predominância da


concordância dos egressos acerca do papel da universidade e do curso sobre a inserção
profissional, onde 60,9% concordam totalmente que o curso e a instituição possibilitam uma
nova rede de relacionamento, 50,2% concordam que a conclusão do curso de graduação
permitiu a melhora na vida econômica e 60% concordam que o curso possibilita novas
possibilidades profissionais.
Tais dados convergem com Buron (2016), que destaca o papel transformador da
universidade, através da transferência de conhecimento técnico e científico concentrado em
âmbito acadêmico e disponibilizado para toda a sociedade através da formação superior e
95

atividades de pesquisa e extensão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo principal compreender o papel do curso de


Bacharelado em Administração na inserção profissional dos estudantes egressos desse curso.
Para isso, foram realizadas entrevistas com egressos dos semestres 2017.2 e 2018.2.
Num comparativo, os resultados mostram que antes do ingresso no curso 48,4%
encontravam-se desempregados, enquanto 79,7% estão atuando profissionalmente após a
conclusão do curso. Outros fatores analisados mostraram o crescimento da renda e da atuação
na área do curso após a conclusão da graduação. Nesse sentido, é possível afirmar que o Curso
de Bacharelado em Administração da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte é um
agente que possibilita a inserção profissional no mercado de trabalho, qualificando e
melhorando habilidades e competências dos alunos.
É possível afirmar também que as atividades extracurriculares ofertadas pela
universidade possibilitam novos conhecimentos, a rede de relacionamento construída no
decorrer do curso e o status da instituição, julgados positivamente pelos egressos, influenciam
positivamente na tentativa da inserção profissional, evidenciando assim, o relevante papel
social e econômico da UERN e do curso.
Como sugestão para estudos futuros, pode-se realizar estudos com egressos de outros
semestres do curso, proporcionando um comparativo temporal entre concluintes de semestres
distintos, ou o impacto da pandemia na inserção daqueles que concluíram sua graduação no
período de isolamento social, ou expandir a pesquisa para demais cursos da FACEM,
objetivando conhecer o papel da faculdade como um todo na inserção profissional e no mercado
de trabalho.

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CIÊNCIAS CONTÁBEIS
99

APLICABILIDADE DA GOVERNANÇA CORPORATIVA EM EMPRESAS DE


PEQUENO E MÉDIO PORTE DE MOSSORÓ-RN

Renata Lopes da Silva1


Ítalo Carlos Soares do Nascimento2
Geison Calyo Varela de Melo3
Caritsa Scartaty Moreira4
Jerferson Freitas da Silva5

RESUMO

A governança corporativa, compreendida como um conjunto de mecanismos internos e


externos criados e mantidos pelas organizações, com o objetivo de garantir a perenidade dos
negócios, vem sendo amplamente discutida nos últimos anos, especialmente no contexto de
companhias de capital aberto. Entretanto, pesquisas voltadas à aplicabilidade da governança em
empresas familiares ainda encontram-se incipientes. Desta forma, o objetivo geral desta
pesquisa é analisar a aplicabilidade de governança corporativa em empresas de pequeno e
médio porte de Mossoró-RN. Para tanto, foi desenvolvida uma pesquisa descritiva, qualitativa,
através de um estudo de caso, por meio de entrevistas semiestruturadas em duas empresas de
pequeno e médio porte do referido município. Com os resultados, constatou-se que as duas
empresas estão alcançando pequenos passos para obter uma boa gestão, por meio da aplicação
de boas práticas de governança corporativa. Verificou-se que empresa A, assim denominada
para fins de pesquisa, está mais avançada que a empresa B, no que diz respeito a implementação
da GC em seu modelo de gestão. Entretanto, cabe ressaltar que ambas empresas possuem como
objetivo se manter e se desenvolver para competir com as outras empresas no mercado.
Palavras-Chave: governança corporativa, tomada de decisão, pequenas e médias empresas.

ABSTRACT

Corporate governance, understood as a set of internal and external mechanisms created and
maintained by organizations, with the objective of guaranteeing business continuity, has been
widely discussed in recent years, especially in the context of publicly traded companies.
However, research focused on the applicability of governance in family businesses is still
incipient.. Thus, the general objective of this research is to analyze the applicability of corporate
governance in small and medium-sized companies in Mossoró-RN. For that, a descriptive,
qualitative research was developed, through a case study, through semi-structured interviews
1
Especialista em Contabilidade e Planejamento Tributário pela UFERSA. E-mail: renatahlopes@hotmail.com
2
² Doutorando e Mestre em Administração e Controladoria pela UFC. E-mail: italocarlos25@gmail.com
3
² Doutorando e Mestre em Administração e Controladoria pela UFC. E-mail: geisoncalyo@hotmail.com
4
² Doutoranda em Ciências Contábeis pela UFPB. E-mail: caritsascarlaty@gmail.com
5
² Mestrando em Administração e Controladoria pela UFC. E-mail: jerfersonfreitas111@gmail.com
100

in two small and medium-sized companies in that municipality. With the results, it was found
that the two companies are taking small steps to achieve good management, through the
application of good corporate governance practices. It was found that company A, so called for
research purposes, is more advanced than company B, with regard to the implementation of
KM in its management model. However, it should be noted that both companies aim to maintain
and develop to compete with other companies in the market.
Keywords: Corporate Governance, Decision Making, Small and Medium Enterprises.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, o movimento pela governança corporativa iniciou-se em 1995, com a criação


do Instituto Brasileiro de Conselho de Administração (IBCA), cujo objetivo foi de reunir e
impulsionar a formação de profissionais competentes para atuar e desenvolver projetos para as
empresas, hoje chamado Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) (ANDRADE;
ROSSETI, 2004; PICCHI, 2017).
A governança gera probabilidade de criar condições para tomar precauções antes dos
problemas ocorrerem, ou de tentar minimizá-los, além impulsionar padrões de comportamento
global, que beneficiarão o desenvolvimento (KLANN et al., 2014; VERAS, 2018). A adoção
de boas práticas de governança (GC) torna a empresa mais notável para o negócio, contribuindo
para um bom desempenho (ALMEIDA et al., 2017; VERAS, 2018).
As Pequenas e Médias empresas–PMEs, enquadradas nesse contexto de economia
globalizada, precisam estar alinhadas aos requisitos do mercado. Hoje, diversas são divulgações
existentes sobre governança corporativa, sua forma de colocação nas empresas, como deve se
dar o relacionamento entre Acionistas/Cotistas, a formação e atuação do Conselho de
Administração, Diretoria, Auditoria Independente e Conselho fiscal. Essas são apenas algumas
formas de garantir que os princípios que dominam a governança corporativa sejam enquadradas
e aplicadas nas organizações. A aplicabilidade das práticas fundamenta-se nos seus quatro
princípios básicos: Transparência, Equidade, Prestação de contas e Responsabilidade
Corporativa (RADAELLI, 2010; IBGC, 2015).
A aplicabilidade das práticas nestes princípios visa melhorar a gestão, aumentar o valor
da empresa e diminuir o risco de continuidade das atividades decorrentes dos atos inadequadas.
A governança é crucial para qualquer porte. Nas pequenas e médias empresas, o foco da
governança corporativa é assegurar a sua permanência e a transparência com os usuários da sua
informação: clientes, funcionários, bancos, multinacionais e fornecedores. As pequenas e
médias empresas recorrem muitas das vezes a bancos públicos e privados e a financiamentos
101

governamentais, principalmente em épocas de resolução de recursos, como no contexto recente


de crise econômica mundial (RADAELLI, 2010).
Desse modo, o trabalho pretende responder a seguinte questão: Qual a aplicabilidade
de governança corporativa em empresas de pequeno e médio porte de Mossoró-RN? A
partir da problemática foi estabelecido como objetivo analisar a aplicabilidade da governança
corporativa em empresas de pequeno e médio porte de Mossoró-RN.
A pesquisa justifica-se por abordar uma temática relevante e crescente nos últimos anos,
avançando na discussão sobre o tema, especificamente no tocante a governança corporativa em
empresas familiares, visto que a maioria das pesquisas concentram-se em companhias de grande
porte, permitindo assim levantar reflexões pertinentes, que poderão auxiliar os gestores em suas
decisões.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 GOVERNANÇA CORPORATIVA


A responsabilidade com aspectos referente a governança corporativa tomou forma a
partir dos anos 80, principalmente nos países ingleses, com a mudança do papel dos investidores
institucionais, os mesmos observaram o benefício de utilizar o conselho de administração de
forma efetiva (BORGES, SERRÃO, 2005; RIBEIRO, 2009).
Andrade e Rosseti (2012), Sousa et al. (2016) citam três marcos históricos da
governança corporativa: (1) o ativismo pioneiro de Robert Monks que, já na década de 70, ainda
como auditor, comparecia nas assembleias promovidas pelas empresas, em defesa da
transparência e dos interesses dos acionistas minoritários; (2) a publicação do relatório
Cadbury, na Inglaterra, definindo as normas e os princípios códigos de governança corporativa;
(3) a exposição dos princípios da Organização para cooperação e desenvolvimento Econômico.
É necessário ser destacado também como importante marco da governança corporativa,
a aprovação da Lei Sarbanes-Oxley pelo congresso do EUA, em 2002 (SOUSA et al., 2016).
Os escândalos contábeis de companhias americanas como a Enron e a Wordcom diminuíram a
confiança dos investidores nas informações das demonstrações financeiras. Mesmo tendo uma
elaborada rede de governança corporativa, de uma determinação forte e órgãos fiscalizadores
presentes (PALEPU; HEALY, 2003; MENDONÇA, 2008), essas corporações manipularam as
102

demonstrações utilizando configurações complexas de gerenciamento de resultados (LOBO;


ZHOU, 2006; MENDONÇA, 2008).
E neste contexto que a SOX surge, em 2002, para reconquistar a credibilidade da
informação contábil, agregar o custo de litigio e o nível de governança corporativa. Essa lei
almeja preservar os investidores e recompor sua confiança nas Demonstrações financeiras das
empresas, através de uma maior precisão das divulgações contábeis (MENDONÇA, 2008).
A Lei Sarbanes-Oxley, contribuiu para o marco histórico da governança corporativa,
impulsionando ampla regulação da vida corporativa fundamentada nas boas práticas de
governança. Os pontos centrais são exatamente os quatro valores que há duas décadas vinham
sendo apontadas: 1. Compliance, conformidade legal; 2. Accountability, prestação responsável
de contas; 3. Disclosure, mais transparência; 4. Fairness, senso da justiça (ROSSETI,
ANDRADE, 2012).
Do ponto de vista conceitual, a governança corporativa pode ser compreendida como o
sistema pelo qual as organizações são administradas, controladas e incentivadas, envolvendo
os relacionamentos entre proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de
controle. As práticas da governança corporativa convertem princípios em recomendações
objetivas, possibilita ainda a consolidação e o alinhamento de interesses, com a finalidade de
preservar desenvolver o valor da organização, e oferecer acesso a recursos, e contribuindo para
sua longevidade (IBGC, 2009; SANTOS, 2015).

2.2 GOVERNANÇA CORPORATIVA EM EMPRESAS DE PEQUENO E MÉDIO PORTE

As pequenas e médias empresas vêm ocupando um importante espaço no contexto atual


econômico, social e político. São encarregadas por grande parcela de arrecadação de imposto,
e encargos salariais, e por boa parte da mão-de-obra formalmente (BORSCHEID, 2006). Por
serem administradas por familiares, ou pelo fato de não terem uma boa organização, estudos
sobre governança corporativa em pequenas e médias empresas tem sido pouco exploradas. A
decisão em empresas de pequeno e médio porte, normalmente é tomada por improvisação,
resultando na não utilização de ferramentas gerenciais na governança da empresa
(CAVALCANTI, 1986; BORSCHEID, 2006).
Em um mercado global e movimentado, as empresas buscam continuamente novas
possibilidades para tornarem-se cada vez mais forte e competitivas. A incorporação nesse
103

cenário global é o primeiro passo para as empresas que desejam atrair investimentos a custos
menores, e inicia-se pela adequação as exigências deste mercado exigente e interligado
(RADAELLI, 2010).
Rodriguez e Brandão (2010) esclarecem que os micros e pequenos empresários
assimilam a preocupação com a governança, quando buscam a profissionalização da empresa,
retratando questões como definição de uma missão e visão de futuro, aproveitamento de
oportunidades, e permanência da organização, gerenciamento de riscos, aumento de lucros,
diminuição máxima dos custos e padrões éticos na condução administrativa e na abordagem de
problemas tanto com os clientes internos como os externos. A governança corporativa, nas
micro e pequenas empresas, existe a partir do momento em que o proprietário consegue
distinguir o governo da empresa da gestão da mesma.
Nas micro e pequenas empresas (MPEs) a governança corporativa pode ser estabelecida
como uma abordagem de gestão, uma maneira de administrar os recursos de modo que os lucros
dos acionistas ou cotistas sejam limitados (CHAGAS, 2003; DOMINGUES; MURITIBA;
MURITIBA, 2016). Estas empresas possuem características exclusivas de governança, como a
concentração das decisões na mão de poucos acionistas ou até mesmo do mesmo grupo familiar
(FELTHAM; FELTHAM; BARNETT,2005; DOMINGUES; MURITIBA; MURITIBA,2016).
No Brasil, boa tarde das empresas de menor porte é de propriedade familiar, nas
empresas familiares, pode haver à sobreposição entre a administração e a propriedade da
empresa o que torna o problema da agência inexistente. Entretanto, elas também podem ter a
administração e propriedade dissociada, em que os administradores são profissionais de fora do
grupo familiar. Diante disso, passa a existir o conflito de agência, pois, os donos do capital
passam a não serem os responsáveis diretos pela sua gestão (DOMINGUES; MURITIBA;
MURITIBA, 2016).

3 METODOLOGIA

O objetivo é analisar a aplicabilidade da governança corporativa em empresas de


pequeno e médio porte de Mossoró-RN. Este presente estudo caracteriza-se como descritivo,
pois foi motivada pela necessidade de resolver problemas concretos, como a carência de uma
gestão profissionalizada nas micro e pequenas empresas (VERGARA, 2013).)No que concerne
à abordagem metodológica, caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, uma vez que se
pretende compreender, em profundidade o fenômeno estudado em seu ambiente e contexto
104

social, interpretando-o segundo a perspectiva dos participantes da situação enfocada, sem se


preocupar com representatividade numérica, generalizações estatísticas e relações lineares de
causa e efeito (VERGARA, 2005; PICCHI, 2017).
Em relação aos procedimentos, foi adotado o estudo de caso, com o propósito de estudar
analisar a aplicabilidade de governança corporativa nas empresas de pequeno e médio porte de
Mossoró-RN. Segundo Martins (2006) com o estudo de caso busca-se apreender a totalidade
de uma situação e, criativamente, descrever, compreender e interpretar a complexidade de um
caso concreto.
Para a coleta de dados, as informações foram colhidas através de entrevistas
semiestruturadas, com base em um roteiro previamente desenvolvido para atender aos objetivos
da pesquisa. Seguindo esse roteiro, abordaram-se questões que buscavam investigar,
inicialmente, o perfil pessoal dos entrevistados, como idade, gênero, formação profissional e
tempo de atuação no cargo e na organização, bem como informações sobre a empresa.
O segundo momento da entrevista buscou identificar a percepção dos entrevistados
sobre o ramo de atuação da empresa; se existem membros da família que trabalham na empresa;
quem é o principal administrador da empresa; se conseguem separar os assuntos da empresa
com os problemas familiares; se a empresa possui planejamento estratégico; existe instrumentos
que a empresa utiliza no planejamento econômico, como fluxo de caixa, balanço patrimonial,
orçamento anual; faz uso de capital de terceiros como empréstimos e financiamentos; a empresa
possui controle interno seja no administrativo, financeiro, recursos humanos. Ressalte-se que o
instrumento de pesquisa contou com perguntas abertas e fechadas.
O agendamento das entrevistas foi feito através de contato via e-mail e telefone. Foram
realizadas no próprio local de trabalho, durante o expediente e de acordo com a conveniência
dos participantes, no mês de abril de 2019. Após o consentimento dos participantes, as
entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Cabe ressaltar que o processo de
transcrição é uma etapa necessária à interpretação dos dados. Desta forma, nesta pesquisa foi
realizada a transcrição literal e a citação da fala do sujeito de forma integral. Foram
entrevistados os profissionais que trabalham na alta gestão da empresa.
Os relatos foram analisados através da técnica de análise de conteúdo. Bardin (2011)
caracteriza a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análises das comunicações,
em que o pesquisador busca compreender as características, estruturas ou modelos que estão
por trás dos fragmentos das mensagens. Sugere-se que a análise de conteúdo deve ser realizada
105

em três etapas: (i) pré-análise; (ii) exploração do material; e (iii) tratamento dos resultados:
inferência e interpretação (BARDIN, 2011).
Assim, inicialmente, foi realizada a pré-análise, que consiste na organização do
material; posteriormente, os conteúdos das entrevistas foram transcritos, viabilizando a
exploração do material de forma mais aprofundada. Por fim, toda a leitura e análise realizadas
anteriormente foram organizadas sistematicamente, a fim de expor os resultados com o intuito
de alcançar os objetivos propostos no estudo.

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA E DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Inicialmente, foram solicitadas informações sobre o perfil dos participantes da pesquisa,


bem como das empresas de uma forma geral. O primeiro participante, que será caracterizado
como Entrevistado A, é do gênero masculino, possui 35 anos de idade e ocupa o cargo de
gerente em uma empresa cujo ramo de atuação é o de comércio e prestação de serviços e que
atua no mercado a menos de 10 anos. Ressalta-se também que existem três pessoas da família
que trabalham na empresa. Para fins de análise esta organização será denominada de Empresa
A.
O segundo participante (Entrevistado B) é também do gênero masculino, possui 43 anos
de idade e é o proprietário de uma empresa prestadora de serviços, que está no mercado também
num período inferior a 10 anos. Para fins de análise, esta organização será denominada de
Empresa B. Na Empresa B, três pessoas da família também desenvolvem funções na empresa,
semelhante à Empresa A.
No estudo de Cardoso (2017) constatou-se que nas empresas familiares, 30% das
pessoas que trabalham na empresa fazem parte da família, demonstrando portanto, que
realmente há uma grande participação de membros da família no sistema de governança
corporativa de empresas familiares, ou seja, empresas de pequeno e médio porte.

3.2 ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DAS EMPRESAS FAMILIARES


Em um primeiro momento, levantaram-se alguns questionamentos acerca das práticas
de governança corporativa existentes na companhia. Para tanto, foram dispostas um conjunto
de questões fechadas. Para melhor visualização, no Quadro 1 serão apresentados os resultados
para alguns destes questionamentos.
106

Como demonstrado no Quadro 1, o primeiro questionamento tratou de identificar se os


problemas familiares interferem para o bom desempenho da empresa. Na Empresa A, observa-
se que estes problemas ocorrem quase sempre; já na Empresa B, os problemas familiares nunca
afetam o desempenho.

Quadro 1 – Informações sobre o sistema de governança corporativa da empresa


Questionamento Entrevistado A Entrevistado B
1. Os problemas familiares interferem para o bom
Quase sempre Nunca
desempenho da empresa?
2. Conseguem separar os assuntos da empresa com os
Quase sempre Sempre
problemas familiares?
3. Quem é o principal administrador atual da empresa? Filhos O próprio fundador
4. Na visão, qual relevância da harmonia entre os sócios? Muito importante Não possui sócios
Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Quanto ao segundo questionamento, baseou-se no fato de que nas empresas familiares


geralmente existe uma dificuldade na separação clara entre os assuntos, papeis e atribuições da
empresa com questões pessoais, ou seja, o descumprimento do princípio da entidade
(CARDOSO, 2017). Desta forma, foi indagado se na empresa conseguem separar os assuntos
pessoais com o da organização. O Entrevistado A afirmou quase sempre, já o Entrevistado B
afirmou que sempre consegue fazer essa separação. Este resultado corrobora aos achados de
Cardoso (2017).
Logo em seguida, questionou-se quem é o principal administrador da empresa. Na
Empresa A, como destacado, são os filhos; já na Empresa B, é o próprio fundador. Na pesquisa
de Cardoso (2017) constatou-se que 60% dos responsáveis pela administração da entidade são
os fundadores, 30% são os filhos e 10% não possuem vínculo familiar, confirmando os
resultados desta pesquisa.
Por fim, no Quadro 1, no item 4 destaca-se a percepção dos entrevistados sobre a
importância da harmonia entre os sócios. O primeiro participante (Entrevistado 1), destaca que
é muito importante; já na Empresa B, não existem sócios, apenas o proprietário, portanto, não
houve resposta para este questionamento. Sobre esta questão, na pesquisa de Cardoso (2017)
os resultados foram unânimes, todos os participantes acreditam ser muito importante a
harmonia entre os sócios nas empresas familiares.
Dando prosseguimento, questionou-se se na empresa existe um planejamento
estratégico elaborado com visão de curto, médio e longo prazo. Nas duas empresas analisadas
os entrevistados afirmam que sim. Desta forma, questionou-se quais são. Os discursos dos
entrevistados são apresentados a seguir.
107

“Basicamente fazemos o planejamento financeiro, ou seja, previsão de receitas e despesas para o para o ano
seguinte visando a manutenção da empresa dentro das expectativas do mercado local” (Entrevistado A).

“Sim, curto prazo. Atualmente faço somente serviços, mais breve quero colocar peças com valores acessíveis para
vender.” (Entrevistado B).

Conforme observado nos discursos dos entrevistados, ambos realizam o planejamento


visando o curto prazo. Campos (2014) e Mendes (2015) apresentam o planejamento estratégico
como sendo a arte da gestão de posicionar os meios acessíveis de uma empresa visando manter
ou melhorar posições relativas e potenciais favoráveis que está por vir na guerra comercial.
Quando questionados sobre a periodicidade com que o planejamento estratégico é
realizado na empresa, o Entrevistado A afirmou que este é feito semestralmente; já o
Entrevistado B declarou que não há periodicidade definida.
Partindo disso, perguntou-se então que instrumentos ou relatórios a empresa utiliza no
planejamento e na gestão econômica. Em ambas empresas utiliza-se a Demonstração do Fluxo
de Caixa (DFC). A demonstração dos fluxos de caixa é uma das demonstrações contábeis, este
é um dos indicadores utilizados por analistas financeiros, como medida de movimentação da
empresa. O fluxo de caixa facilita a análise da geração dos meios financeiros e da sua utilização,
em um determinado período de tempo. A pessoa que tem o controle do fluxo de caixa necessita
ter visão geral sobre todas as funções da organização, como pagamentos, recebimentos, compra
de matéria-prima, compra de matérias secundários, salários e outros (BILIBIO, 2010).
Considerando-se a importância que se tem de possuir uma boa estrutura de
endividamento, foi perguntado se a empresa faz uso de capital de terceiros, como empréstimos
e financiamentos. Na Empresa A, de acordo com a resposta dada pelo entrevistado, utilizam-se
empréstimos para capital de giro; já na Empresa B, o proprietário é mais conservador e declarou
que não contrai dívidas com terceiros. Com o uso de capital de terceiros pode oferecer várias
vantagens, uma delas da economia de imposto, e a outra é o compromisso de pagamento de
juros e devolução do capital, impõem disciplina aos gestores. Gestores de empresa com
expressivos recursos próprios disponíveis e pouco ou nenhum recurso de terceiro não são
incentivados a serem eficientes (ASWATC, 1997; ROZO, 2001).
Outra questão realizada foi sobre a possibilidade de expansão da empresa para os
próximos anos. O Entrevistado A afirmou que neste momento não existe essa pretensão e de
que talvez, pode-se pensar na abertura de uma filial nos próximos cinco anos. O Entrevistado
108

B informou que pretende sim expandir, através de capital de terceiros e também de


reinvestimentos de recursos próprios.
Também foi indagado se a empresa utiliza assessoria de especialistas externos, mesmo
que informalmente, para auxiliar na decisão de questões relevantes, como por exemplo,
finanças, jurídica, contador, estratégia e outras. Em ambas as empresas utilizam-se dos serviços
do profissional contábil (contador).
Logo em seguida, foi questionado se a empresa possui sistemas de controles internos.
O Entrevistado da Empresa A informou que sim e que são os seguintes: administrativos,
financeiros e recursos humanos, visando redução de custos, qualidade dos produtos,
capacitação de pessoal para melhor qualidade no atendimento. Já o Entrevistado B afirmou que
sim, porém pontou apenas o sistema de controle financeiro.
Tendo em vista a importância da ética no contexto da governança corporativa, foi
questionado se a empresa possui um código de conduta e de ética apresentado aos seus
colaboradores. Na Empresa A, de acordo com informações do Entrevistado A, existe sim, e o
código de ética da empresa foi definido pouco depois da abertura da mesma, sendo elaborado
pelos sócios com o auxílio de um dos primeiros colaboradores contratado pela empresa. Já na
Empresa B, não existe. Andrade e Rossetti (2007) e Santos (2015) afirmam que os princípios
são a base ética da governança. Existentes nos mais diversas normas ao redor do mundo. Mesmo
sob diferentes culturas, legislações e tipos de instituições, estes princípios devem estar existente
na alta gestão de todas as companhias. A origem das boas práticas de governança corporativa
está unido em quatro princípios indispensáveis: transparência, equidade, prestação de contas e
responsabilidade corporativa (IBGC, 2009; SANTOS).

3.3 GOVERNANÇA CORPORATIVA EM EMPRESAS FAMILIARES

A primeira questão teve como objetivo identificar como as decisões são tomadas na empresa,
se existe uma participação dos funcionários e qual o papel de cada um. Os discursos dos
entrevistados foram os seguintes:

“Boa parte das mudanças na empresa são realizadas com o auxílio dos colaboradores, sempre é importante a
participação dos colaboradores nas tomadas de decisões, até porque a satisfação e engajamento dos funcionários
está diretamente ligado ao sucesso de uma empresa.” (Entrevistado A).

“Todos tem um papel fundamental na empresa, mas as decisões são tomadas por mim próprio... mas as vezes peço
opiniões dos funcionários mais experientes.” (Entrevistado B).
109

Os discursos dos entrevistados revelam a importância de um processo de tomada de


decisão de forma descentralizada, de forma que todos possam participar de forma ativa. O
Entrevistado A ressalta a importância da participação de todos os colaboradores; já o
Entrevistado B, apesar de muitas das decisões serem tomadas por conta própria, em
determinados momentos também consulta funcionários mais experientes para auxilia-lo nas
decisões. A descentralização além da tentativa de tornar o processo mais ágil e de melhorar
qualidade, traduz uma resposta para falta de tempo ou mesmo desconhecimento da
administração do topo, em relação aos inúmeros ramos em que a empresa passou a atuar. Com
maior autonomia decisória, em níveis hierárquicos mais baixos, a alta gerência se dispensar das
atividades do dia-a-dia e fica com mais tempo para atividades de caráter mais estratégicos
(OLIVEIRA; ÀVILA, 1999).
A segunda questão deste bloco de questões fechadas foi a seguinte: Na empresa existe
um sistema de controle interno? Caso exista, como ele é feito? Caso não exista, há pretensão de
implementar? Para melhor visualização das respostas, os discursos dos entrevistados serão
apresentados na íntegra.

“Sim. Apesar de ser bem simples, nosso controle interno consiste basicamente na supervisão constante dos
processos e rotinas administrativas visando uma melhor qualidade no atendimento bem como a redução de
despesas.” (Entrevistado A).

“Existe sim. Na área financeira fazemos o controle das contas a pagar e das contas a receber, e todos os dias é
controlada as entradas do caixa do dia. Temos também um sistema que cadastrados todas as peças que chega para
fazemos serviço, nele colocados os serviços que foram feitos na peça, e quando o cliente vem pega a peça pronta
demos saída na peça no sistema.” (Entrevistado B).

Conforme observado no discurso dos entrevistados, mesmo de forma simplória, existem


sistemas de controle interno na entidade, com o objetivo de reduzir as despesas e melhorar o
fluxo de atividades. Os controles internos ajudam a prevenir erros e irregularidades, por este
motivo, um bom planejamento organizacional de todos os métodos e processos adotados dentro
de uma empresa devem ser elaborados, com o propósito de identificar quais controles internos
são apropriados para cada empresa (LOUREIRO, 2010).
Considerando-se a importância da auditoria como um órgão de governança corporativa,
o terceiro questionamento residiu em identificar se na opinião a realização de auditorias é
importante. As falas estão descritas a seguir.
110

“Sim. Apesar de não fazermos na nossa empresa, por se tratar de um serviço de custo um tanto quanto alto para
nossa empresa, que é uma microempresa, consideramos importante porque muitas vezes alguns problemas que
existem numa empresa não são facilmente identificados pelas pessoas que a compõe.” (Entrevistado A).

“É importante sim; porque com auditoria a empresa consegue perceber se os processos estão sendo cumpridos
como é para ser, e se não, corrigir para que eles sejam seguidos, com o controle dos auditores a empresa tem o
controle melhor do seu desenvolvimento.” (Entrevistado B).

Cabe ressaltar que por se tratarem de empresas familiares e de pequeno porte, estas não
são obrigadas a realizarem auditoria, pois a auditoria independente é obrigatória apenas para as
empresas de capital aberto. Mesmo assim, os entrevistados destacaram a importância, como
demonstrado nos discursos acima.
Considerando-se os princípios de governança corporativa, um deles, de acordo com o
IBGC (2015) é a transparência. Desta forma, foi indagado se as informações sobre o
desempenho da empresa são transparentes, se todos possuem acesso e como é feita a prestação
de contas da entidade. O discurso do Entrevistado A indica que de forma geral existe uma
transparência nas informações prestadas. Já o Entrevistado B relevou que não há transparência.
Para melhor visualização, os discursos são dispostos abaixo.

“As metas e resultados sempre são expostas no mural da empresa para que os colaboradores tenham ciência da
participação deles no crescimento da empresa.” (Entrevistado A).

“Não declaramos a colaboradores”. (Entrevistado B).

A transparência significa o desejo de disponibilizar para partes interessadas as


informações que sejam de seu interesse e não apenas aquelas exigidas por disposições de leis
ou regulamentos. Não deve delimitar-se ao desempenho econômico – financeiro, atentar
também os demais fatores (inclusive intangíveis) que norteiam a ação gerencial e que conduzem
a preservação e a otimização do valor da organização (IBGC, 2015).
Outro princípio de governança corporativa é o da equidade, que trata do tratamento justo
e igualitário. Sendo assim, foi perguntado aos entrevistados se todos na empresa recebem
tratamento justo e igualitário e como são as relações pessoais. O Entrevistado A declarou que
acredito que sim, pois faz parte da visão e princípios da empresa. O Entrevistado B afirmou que
sim, pois todos são tratados de um só modo, são melhores possíveis. De acordo com o IBGC
(2015) A equidade caracteriza-se pelo tratamento justo e igualdade a todos os sócios e demais
partes interessadas (stakeholders), e levando em consideração seus direitos, deveres,
necessidades, interesses e expectativas.
111

Outro importante princípio de governança corporativa é a responsabilidade corporativa.


Por este motivo, foi questionado se na empresa há uma preocupação com as questões sociais e
ambientais e o que a empresa faz para melhorar sua relação com o ambiente externo (pessoas e
meio ambiente). Os discursos foram os seguintes:

“Infelizmente ainda precisamos trabalhar um pouco a questão ambiental.” (Entrevistado A).

“Sim. Temos a preocupação em mantermos a ordem com o meio ambiente, a nossa sucata é transportada para
pessoas que trabalham com reciclagem, e o que eles não reaproveitam eles enviam para o lugar correto de lixo.”
(Entrevistado B).

Como observado nos discursos, na Empresa A, ainda não existe essa cultura,
porém o gestor destaca que precisa trabalhar essa questão. Já na Empresa B, destaca-se quanto
ao uso de práticas sustentáveis, como a reciclagem. De acordo com o IBGC (2015) os agentes
de governança vem zelar pela viabilidade econômica – financeira das organizações, reduzir as
externalidades negativas e seus procedimentos e aumentar as positivas, levando em valorização,
no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano,
social, ambiental, reputacional, etc.) no curto, médio e longo prazo.
O penúltimo questionamento tratou de identificar quais são os princípios da empresa.
Na Empresa A, os princípios estão centrados no crescimento da empresa atrelado à satisfação
dos colaboradores e clientes; já na Empresa B, destacou-se o seguinte: um bom relacionamento
com os colaboradores, sempre manter uma fiel parceria com os fornecedores, e um ótimo
atendimento para com os clientes.
Por fim, o último questionamento buscou perceber qual a relação da empresa com os
seus clientes e fornecedores, tendo em vista a importância de se estabelecer uma boa relação
com todos os envolvidos na cadeia de valor da empresa, ou seja, todos os stakeholders. Os
discursos foram os seguintes:

“Nossa empresa estar a 7 anos no mercado local e todos os anos tem crescido de maneira satisfatória, acredito que
esse sucesso seja resultado do bom relacionamento com nossos clientes e fornecedores e da nossa equipe interna”
(Entrevistado A).

“Uma ótima relação tentando atender o cliente da melhor forma e prestando-lhe um serviço de boa qualidade, e
um bom atendimento. E o fornecedor sempre buscando ter bons laços de amizade e parceria.” (Entrevistado B).

A empresa precisa ter bons laços com o fornecedor, pois ele é responsável em entregar
a matéria-prima para a empresa desenvolver o produto ou serviço para o cliente, tendo em conta
se o fornecedor atrasa o envio da mercadoria, enviar avarias ou produtos de baixa qualidade as
atividades de produção serão impactadas, e o consumidor final, que é o cliente, sofrerá com o
112

resultado final. Assim como precisamos estabelecer uma boa relação com o fornecedor, também
é preciso manter uma relação saudável com o cliente, pois essa é a melhor maneira de garantir
que ele tenha um clico na empresa.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo tem como objetivo analisar a aplicabilidade da governança corporativa em


empresas de pequeno e médio porte de Mossoró-RN. Para tanto, foram realizadas duas
entrevistas com empresas de pequeno e médio porte do referido município, cuja análise foi
realizada por meio de análise de conteúdo.
Com os resultados, constatou-se que as duas empresas estão alcançando pequenos
passos para obter uma boa gestão, por meio da aplicação de boas práticas de governança
corporativa. Verificou-se que empresa A, assim denominada para fins de pesquisa, está mais
avançada que a empresa B, no que diz respeito a implementação da GC em seu modelo de
gestão. Entretanto, cabe ressaltar que ambas empresas possuem como objetivo se manter e se
desenvolver para competir com as outras empresas no mercado.
Com base no referencial e na análise dos dados, conclui-se que apesar das práticas da
governança corporativa serem direcionadas às empresas de capital aberto, as empresas
pequenas e médias podem começar a aderi-los de forma parcial. Em relação as duas empresas
estudadas é fundamental a implantação dos princípios/pilares da governança, como também a
implantação das boas práticas.
Por fim, pode-se afirmar que a adoção das boas práticas de governança corporativa irá
fundamentar o negócio perante o mercado local, possibilitando atingir novas fronteiras.
Ressalte-se, portanto, a relevância da presente pesquisa, dada a escassez de estudos empíricos
que tratem diretamente sobre a governança corporativa em pequenas e médias empresas.
A pesquisa limita-se pelo tamanho reduzido da amostra, concentrando-se em apenas
duas organizações. Por este motivo, sugere-se que futuramente este estudo seja aplicado em um
maior número de organizações no mesmo município, como também em cidades do mesmo
porte, permitindo-se assim a comparação dos achados.

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113

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115

PERCEPÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA CONTÁBIL: estudo com


discentes de uma IES de Mossoró-RN

Abraão Pereira Duarte1


Maria Zilda Rosada Neta 2
Antônio Alisson de Oliveira 3
Guilherme Soares de Oliveira Lima 4
Adriana Martins de Oliveira 5

RESUMO
Para a sociedade, a contabilidade é de suma importância, pois fornece informações relevantes
para os usuários. Nesse contexto, os discentes do curso de Ciências Contábeis são apresentados
ao Código de Ética Profissional do Contador. Posto isso, observou-se nesta pesquisa a
percepção da importância e a contribuição da ética na formação dos alunos respondendo a fim
de compreender qual a importância da aprendizagem sobre ética contábil na graduação com
base na percepção dos alunos. A coleta das informações ocorreu por meio de um questionário
de perguntas fechadas feito a 31 estudantes numa instituição de ensino em Mossoró-RN. Após
a coleta foi feita a tabulação dos dados no Excel, onde se pode medir de forma gráfica os dados
colhidos bem como obter resultados percentuais, aplicando análise estatística descritiva. Os
resultados analisados mostraram que a maioria dos estudantes reconhecem a importância da
disciplina de ética para a formação da conduta ética, considerada indispensável no exercício da
profissão, sobretudo por valorizar a classe contábil, ainda que venha ser algo desafiador
atualmente. Os discentes analisados também consideram o conhecimento ético tão importante
quanto o conhecimento técnico. A presente pesquisa contribuiu para voltar a atenção dos
discentes sobre a valorização da ética na graduação.
Palavra-chave: ética; ética Contábil; graduação; código de ética.

ABSTRACT

For society, accounting is of paramount importance because it provides relevant information to


users. In this context, the students of the Accounting course are presented to the Accountant's

1
Graduando em Ciências Contábeis da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
Abraao.duarte@aluno.catolicadorn.com.br
2
Graduando em Ciência Contábeis da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
Maria.rosado@aluno.catolicadorn.com.br
3
Graduando em Ciências Contábeis da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
Antonio.alisson@aluno.catolicadorn.com.br
4
Graduando em Ciências Contábeis da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
Guilherme.lima@aluno.catolicadorn.com.br
5
Docente da Faculdade Católica do RN e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Doutora em
Administração pela PUCPR. E-mail: adriana.oliveira@professor.catolicadorn.com.br
116

Code of Professional Ethics. Having said that, this research observed the perception of the
importance and the contribution of ethics in the formation of students responding in order to
understand the importance of learning about accounting ethics in undergraduate studies based
on the students' perception. The information was collected through a closed questionnaire of
questions given to 31 students in an educational institution in Mossoró-RN. After data
collection, data were tabulated in Excel, where the collected data can be measured graphically,
as well as obtain percentage results, applying descriptive statistical analysis. The results
analyzed show that most students recognize the importance of the discipline of ethics for the
formation of ethical conduct, considered indispensable in the exercise of the profession,
especially valuing the accounting class, even though it will be something challenging today.
Students also consider ethical knowledge as important as technical knowledge. This research
contributed to return the students' attention to the valorization of ethics in undergraduate
studies.
Keywords: Ethics; Accounting ethics; Graduation; Code of ethics.

1 INTRODUÇÃO

O comportamento humano é fundamentado em escolhas entre o certo e o errado, entre


o que é bom e o que é mal. o indivíduo procura basear-se em parâmetros socialmente aceitos
que lhe permite conviver com outras pessoas, isto é, ele procura sempre se guiar pelos padrões
que o conduz a prática dos valores positivos e das qualidades humanas (SANTOS; TEIXEIRA;
SOUZA, 2017).
Nesse sentido, a ética é o ramo da ciência que tem por objeto a conduta humana dentro
da sociedade. Seu objetivo é o estudo do comportamento dos indivíduos, com o fim de
estabelecer níveis aceitáveis que contribuam para a convivência pacifica nas relações sociais.
(LISBOA, 2010).
Koch, Mattos e Flach (2022) afirmam que assim como em todas as relações socias a
ética também é de grande importância no convívio profissional, dessa maneira, espera-se que
condutas éticas sejam adotadas no exercício profissional e que haja comprometimento e
confiança mutua entre profissionais e clientes.
Para Campos et al. (2020) a valorização da ética tem se tornado uma tendência mundial,
com isso passa ser um fator determinante para a condução do desenvolvimento do profissional
da contabilidade, ainda segundo os pesquisadores o exercício da ética tende a contribuir para o
bom desempenho da atuação do profissional dentro de sua categoria.
A profissão contábil sempre foi e é de suma importância para a sociedade e para as
entidades, pois fornece informações financeiras relevantes para os usuários internos e externos.
Nesse contexto, os discentes do curso de bacharelado em ciências contábeis de instituições de
117

ensino superior são apresentados desde o início da graduação às questões de ética profissional
da classe contábil, como mostra a pesquisa de Gilioli et al. (2020).
Ao estudarem disciplinas sobre ética, os discentes podem compreender como ela é
fundamental para a prática profissional num cenário mundial em que a contabilidade assume
cada vez mais o seu papel de controle de patrimônio, tendo como base, princípios para a tomada
de decisões éticas (BERTÉ, 2019).
Portanto, além do conhecimento técnico e habilidades profissionais, o exercício da
profissão contábil exige uma ampla formação didática e ética, pois a execução dos serviços
fixado em padrões éticos é essencial para obter confiança, credibilidade e reconhecimento
profissional Rosa e Feil (2017).
Posto isso, faz-se necessário observar como o estudo da ética é abordado durante a
graduação desse profissional, a contribuição para sua formação e a percepção dos alunos sobre
sua importância. Com isso o presente estudo buscou responder o seguinte questionamento: Qual
a importância do ensino e aprendizagem da ética contábil na graduação com base na percepção
dos alunos curso de Ciências Contábeis de uma instituição de ensino superior privada do
município de Mossoró? Dessa forma, o objetivo geral dessa pesquisa é verificar por meio de
um questionário aplicado a percepção dos estudantes de contabilidade de uma instituição de
ensino superior quanto a importância do estudo e aprendizagem da ética profissional contábil
no seu processo de formação.
Logo, o presente estudo justifica-se por buscar oferecer esclarecimento a respeito da
percepção dos discentes de contabilidade sobre a importância do estudo da ética profissional
contábil e o quanto isso pode contribuir para o bom desempenho no exercício da profissão. A
pesquisa possui contribuições teórica e prática uma vez que se fundamentou em estudos
anteriores e foi realizada com estudantes de contabilidade em que foi possível observar a visão
destes.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A ÉTICA E A MORAL

As principais questões urgentes, conflitos e acordos da humanidade decorrem,


essencialmente, de questões éticas. A crise da humanidade é uma crise de ordem moral
118

(NALINI, 2020). Apesar de ser um antigo estudo filosófico, a ética é um termo recorrente no
mundo contemporâneo.
Para Aristóteles, o primeiro filósofo a escrever sobre ética sob uma visão científica, ela
é ainda mais antiga que a política, dada a sua abordagem reflexiva pessoal, dentro de um
contexto social. Ele considera a ética como a atuação humana em busca da felicidade e a busca
da realização do bem supremo de acordo com Gonçalves et al. (2016).
Etimologicamente a palavra ética que se origina do grego "ethos" significa
essencialmente o conjunto de condutas, costumes fundamentais e valores de uma determinada
sociedade. Hoje a ética e a moral são estudados em diversos contextos culturais e regionais.
Figueiredo (2008) define a ética como uma ciência que reflete sobre as bases de uma vida moral,
de forma a conduzir de forma reflexiva sobre as condutas e escolhas individuais dentro da
sociedade.
O filósofo e sociólogo Bauman (1995) explica que a ética prescreve universalmente o
comportamento correto a se observar, separando de vez o bem e o mal. Paviani (2014) define a
ética como a investigação de princípios e sentenças morais no agir humano, ou seja, busca o
sentido teórico, a essência para investigar as ações e o modo de agir baseado na racionalidade
humana. Por isso a ética e a moral, por vezes, são tratados como sinônimos.
Vázquez (2017) em sua obra intitulada “ética”, explica inicialmente que as questões
éticas são marcadas pela sua generalidade de forma a possibilitar que o indivíduo, independente
da situação ou contexto em que se encontra, faça a análise do que é o bom, geralmente pautado
por normas, dentro de preceitos teóricos que a ética possibilita. As consequências práticas da
análise são, portanto, morais. O autor explica o conceito de ética a diferenciando da moral,
afirmando que:

A moralidade não cria a moralidade. É verdade que toda moral pressupõe certos
princípios, normas ou regras de conduta, mas não é a moral que os estabelece em uma
determinada comunidade. A ética confronta a experiência histórico-social do campo
moral, ou seja, uma série de práticas morais ocorridas e, desse ponto de vista, tenta
determinar a natureza, a origem, as condições objetivas e subjetivas da moralidade.
Comportamento moral, fontes de avaliação moral, a natureza e a função dos
julgamentos morais, os critérios pelos quais esses julgamentos são justificados e os
princípios que governam a mudança e a herança de diferentes sistemas morais
(VÁZQUEZ, 2017, p. 22).

Nesse sentido, entende-se que a teoria reflexiva (ética propriamente dita) pode e deve
interferir no comportamento concreto de forma prática (moral) do indivíduo possibilitando uma
119

boa conduta. São termos diferentes, mas vale destacar que são complementares e indissociáveis,
pois possibilitam um comportamento efetivo e essa é a importância de conhecer a teoria.
A ética é uma ciência e possui características de teoria enquanto a moral está dentro do
estudo filosófico da ética, voltada a condutas resultantes de diversos fatores sociais.

A ética é, portanto, um campo científico vista que possui um objeto de estudo próprio,
que é a vida relacional de cada ser humano nos âmbitos do consigo, do com o outro,
do com os espaços, do com projeto de vidas, do com a humanidade. Entendemo-la
ainda como ciência porque é suscetível de ser observada, estudada, sondada, indagada,
inquirida, averiguada, perscrutada.” (MACEDO; CAETANO, 2020, p.6)

Justamente por causa da sua abrangência, universalidade e importância, o entendimento


sobre ética e seus impactos sociais são de grande relevância (NALINI, 2020). A ética traz um
sentido mais teórico enquanto a moral carrega consigo um sentido pragmático. O mesmo autor
explica a diferença e a abrangência dos dois termos (ética e moral) de forma objetiva
explicando:

Todavia, a conceituação de ética ora adotada autoriza distingui-la da moral, pese


embora aparente identidade etimológica de significado. Ethos, em grego, e mos, em
latim, querem dizer costume. Nesse sentido, a ética seria uma teoria dos costumes. Ou
melhor, a ética é a ciência dos costumes. Já a moral não é ciência, senão objeto da
ciência. Como ciência, a ética procura extrair dos fatos morais os princípios gerais a
eles aplicáveis. (NALINI, 2020, p. 21).

A ética examina as ações humanas dentro de diferentes contextos. Um deles é o


profissional. A ética profissional se baseia na consciência de execução correta e íntegra das
condutas profissionais dentro de entidades. Dentro da ética, por ser abrangente e universal, se
centralizam diversas virtudes indispensáveis dentre as quais está o senso de justiça, a
integridade e a verdade.

2.2 ÉTICA NO AMBIENTE PROFISSIONAL

O mundo globalizado exige dos profissionais de todas as áreas do conhecimento a


técnica e também comportamentos cada vez mais direcionados à postura ética. Bittar (2016)
explica ainda que uma única conduta isolada não define alguém como ético, mas sim um
120

somatório de comportamentos. Tais comportamentos são fatores de grande importância no


contexto profissional.
Borges e Medeiros (2007) defendem que o exercício da ética deve estar presente em
toda atividade humana. Para Barros (2010) a ética profissional pode ser entendida como um
conjunto de normas e valores que norteiam a conduta dos profissionais para que estes
mantenham uma reputação positiva no ambiente de trabalho. Nalini (2020) menciona
profissionais jurídicos brasileiros ao explicar a importância da ética profissional, destacando
que

A ética é muito mais importante do que o conhecimento jurídico, pois, se o


profissional tiver ética, sem dúvida cuidará de suprir suas deficiências técnicas. Já o
contrário assusta: a técnica desprovida de ética só o tornará mais insensível, cruel,
nocivo e realmente lesivo aos interesses do desenvolvimento moral do Brasil.
(NALINI, 2020, p. 242).

Na mesma linha de pensamento, Basto et al. (2019). A firmam que o profissional que
almeja ser reconhecido no exercício da profissão precisa ter dedicação, conhecimento e
competência profissional, sobretudo deve considerar a conduta ética como indispensável, o que
vem a ser um diferencial no sucesso ou fracasso desse profissional.
Para os profissionais que atuam diretamente com gestão de empresas e pessoas, por
exemplo, a questão da ética profissional precisa de ainda mais atenção pois toma proporções
ainda mais significativas, uma vez que estão presentes em instituições públicas e privadas que
podem estar diretamente ligadas ao desenvolvimento econômico, social e ambiental de onde
estão inseridas.
Marques (2018) diz que uma empresa demonstra sua ética por meio dos valores que
cultiva e da cultura organizacional que dissemina. Tais valores são vivenciados de forma a
encorajar e dar segurança aos seus colaboradores ao tomar decisões e dar mais confiança à
liderança que entende a importância da boa conduta e atesta consequências positivas.
Bermeo-Giraldo et al. (2021) explicam que os profissionais de administração e
contabilidade devem ter uma atuação segura e transparente para evitar fraudes em empresas.
Os autores afirmam ainda que no ambiente de negócios as questões éticas são afetadas por
fatores internos e externos, sendo esse último relacionado com posição de mercado e trazem
exemplos de pesquisas científicas sobre o assunto.

2.3 A CONTABILIDADE E A ÉTICA CONTÁBIL


121

A história da contabilidade se confunde com a história do comércio e tem origem


incerta. Hendriksen e Breda (1999) afirmam que alguns métodos contábeis já eram usados em
práticas de comércio na idade média e destacam também que Luca Pacioli foi um importante
autor em matéria contábil e revolucionou com seus ensinamentos sobre registros de débito e
crédito, bases da contabilidade ainda nos dias atuais.
Ao longo do tempo a contabilidade avançou e se consolidou em métodos universais e
com ciência. Paulo (2019) destaca que houveram marcos históricos que fizeram a contabilidade
rudimentar progredir para uma contabilidade mais racional e reconhecidamente útil ao mundo
moderno. O autor destaca a criação dos primeiros órgãos de registro e controle dos profissionais
contábeis e complemente que:
Atualmente a profissional contábil é de grande importância para a sociedade por ser um gestor
de informações e de controle patrimonial. Paulo (2019) mostra que a importância e
responsabilidade social intrínseca à profissão contábil, baseada em suas diversas atribuições
que envolvem patrimônios de terceiros, afirma a necessidade que tal postura seja regida por um
regramento ético e moral.
Na produção e divulgação científica pode-se identificar diversas contribuições de
pesquisa envolvendo o tema ética profissional e ética contábil nos mais diversos contextos de
atuação profissional. Seja na própria divulgação científica (CLEMENTE et al., 2018); na
tomada de decisões éticas nas práticas contábeis (FEIL, 2016); e na percepção de ensino-
aprendizagem de estudantes das Ciências Contábeis (GOMES et al., 2021).
A prática contábil é essencial, em nível global, no suporte do sistema econômico e
destaca que “a sobrevivência deste sistema econômico complexo ocorre em função de práticas
contábeis empregadas na geração de informações íntegras que auxiliam nas tomadas de
decisões” (FEIL, 2016, p.76).
Ao relacionar a importância da contabilidade com a ética profissional, tem-se que “a
tomada de decisão ética realizada pelos profissionais contábeis vincula-se a dilemas éticos e
esta decisão não pode trazer consequências negativas a nenhum dos stakeholders” (FEIL, 2016,
p.76). Mesmo que agir com ética seja um desafio perante a complexidade dos casos, a falta de
conduta ética não é uma opção visto que as consequências negativas são indesejáveis.
Afirmando o pensamento de que “O profissional contábil por diversas vezes se depara
em situações que colocam à prova sua conduta ética” (BERTÉ, 2019, p.18), a autora destaca a
122

importância da profissão contábil com a conduta ética do profissional, trazendo aspectos


relevantes de como a ética contábil está amparada juridicamente, destacando a importância do
Código de ética que tem o objetivo de regular as práticas para que o profissional não venha
cometer atos ilícitos.
Eis o objetivo central do código de ética: ser sucinto, direto e claro para possibilitar a
boa condução do exercício profissional com a finalidade de se evitar consequências negativas
para terceiros e penalidades profissionais previstas na norma.

2.4 O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO CONTADOR

O órgão responsável pela fiscalização e cumprimento do código de ética da profissão


contábil é o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, instituído pelo Decreto-Lei n.º 9.295,
de 27 de maio de 1946. Santos (2019) destaca que houve demora de décadas para que o CFC
elaborasse a regulamentação da conduta ética do contador. O marco inicial ocorreu na década
de 1970 com a resolução nº 290.
Atualmente, a profissão contábil dispõe de Código de Ética para regulamentar a
profissão, que está disponível no site do CFC, direcionado as leis, decretos, resoluções, súmulas
e instruções normativas, ou seja, legislação federal para a classe contábil. As Normas Brasileiras
de Contabilidade – NBCs classificam-se em profissionais e técnicas. O código de ética
encontra-se no conjunto de normas profissionais e denomina-se NBC PG – Geral 01 ou NBC
PG 01.
Quanto ao conteúdo, a NBC PG 01 entrou em vigor no dia 1º/06/2019 e revogou, nessa
mesma data as resoluções anteriores sobre ética contábil e tem como objetivo fixar a conduta
do contador quanto ao exercício da profissão. Sua estrutura é dividida em 26 capítulos que
versam sobre o objetivo do código 1 – 3, já mencionado, os Deveres, vedações e
permissibilidades 4 – 6; Valor e publicidade dos serviços profissionais 7 – 1; Deveres em
relação aos colegas e à classe 16 – 19; Penalidades 20 – 23 e Disposições gerais 24 – 26.

2.5 ENSINO DA ÉTICA PROFISSIONAL

Assim como a profissão, o curso de bacharelado em Ciências Contábeis passou por


diversas mudanças na última década. Para Laffin (2015) a estrutura curricular dos cursos de
123

bacharelado em Ciências Contábeis deve atentar cada vez mais à perspectiva de sólida formação
técnico-científica e colaborativa no desenvolvimento social de forma que contribua para o
desenvolvimento sustentável global.
Desde a graduação os estudantes necessitam dessa sensibilização, assim como o corpo
docente, pois estarão envolvidos em controle de informações importantes a toda a sociedade e
na gestão de entidades públicas e privadas.
O ensino sobre ética profissional é uma parte importante dessa formação dentro da
perspectiva das novas necessidades globais. O processo de ensino-aprendizagem envolvendo a
ética profissional é uma urgência. Silva Júnior et al. (2017) constataram em pesquisa que existia
até então um abismo de diferença entre a concepção por discentes da dimensão pública e a
privada de integridade e honestidade e essa ambiguidade ética pode interferir em como as
informações contábeis serão fornecidas aos seus usuários.
Confirmando a urgência da temática, tendo em vista o grande número de escândalos
envolvendo informações contábeis, Gilioli et al. (2020) questionaram os estudantes do curso de
Ciências Contábeis sobre a ética e moral no processo de tomada de decisão em diversas
situações e os resultados foram mais positivos em relação à conduta ética. Os autores destacam
que os futuros contabilistas devem ser reflexo dos resultados da pesquisa para que atuar de
forma ética e ter princípios morais em todas as decisões que toma, contribuindo para o
crescimento e reconhecimento desta nobre profissão (GILIOLI et al., 2020).
A profissão contábil está sempre em modificação e atualização contínua, tendo em vista
os desenvolvimentos tecnológicos, a partir dessa ótica, surge a necessidade para que o
profissional contábil se qualifique cada vez mais, buscando habilidades para melhor atender as
exigências do mercado. O papel das Instituições Ensino Superior é de total importância, pois, é
quem vai formar profissionais capazes para os mais variados campos dentro da contabilidade.
(SILVA, 2017 apud CONSTANCIO et al., 2021).
Com o passar do tempo, o mercado de trabalho tem se tornado cada vez mais
competitivo ao longo dos anos. Nesse contexto, com o aumento do número de IES e o aumento
dos cursos de Ciências Contábeis, o mercado de trabalho começa a exigir mais profissionais
habilitados para a prática contábil. Portanto, além de conhecimentos teóricos e práticos, eles
são os responsáveis para uma boa tomada de decisão (BIANCHI, 2019 apud CONSTANCIO
et al., 2021).
124

A relevância deste estudo é caracterizada por um campo em que está em constante


desenvolvimento, devido ao grande número de empresas que exigem inspeções regulares acerca
de seu patrimônio, por isso é necessário discutir este tema nas universidades, visando que os
alunos sejam cada vez mais preparados para atuar na área contábil (CONSTÂNCIO et al.,
2021).
Pode-se notar que a comunidade como um todo ainda possui uma visibilidade do
profissional contábil de aspecto delimitada, entretanto, este pensamento tem se adequado ao
passar dos anos, em específico nas últimas décadas, onde a contabilidade ganhou mais espaço
e maiores importâncias no mercado, passando a ser vista pelas empresas como uma função
altamente importante para o desenvolvimento econômico de suas entidades (SANTOS et al.,
2021).

3 METODO DE PESQUISA

A presente pesquisa teve por objetivo analisar a percepção de estudantes do curso de


Ciências Contábeis sobre a aprendizagem da ética contábil presente na matriz curricular do
curso. Para o objetivo da pesquisa, optou-se por uma pesquisa de levantamento de cunho
quantitativo, nesta modalidade levanta-se informações de um grupo previamente selecionado
acerca da problemática (LUDWING, 2015), onde pode-se obter de forma eficaz visões e
percepções de diferentes estudantes sobre uma mesma temática.
Para tal, foram escolhidas duas turmas de ensino superior, uma turma de sétimo período
e outra do quinto período do turno noturno, ambas em uma instituição privada de ensino
superior da cidade de Mossoró. Vale salientar que os períodos escolhidos da IES, quinto e
sétimo, na grade curricular da faculdade as turmas já concluíram a disciplina sobre
conhecimentos éticos da profissão contábil.
A coleta das informações ocorreu por meio de um questionário de perguntas fechadas,
que segundo Richardson (1999) são aquelas que já contêm uma resposta pré-estabelecida de
múltipla escolha que o participante escolhe apenas uma como resposta, foram um total de 11
perguntas específicas sobre questões éticas na prática contábil. Os estudantes das turmas
pesquisadas tinham cinco tipos de respostas para cada situação do questionário, eram elas,
concordo plenamente, concordo parcialmente, discordo totalmente, discordo parcialmente e
não sei responder.
125

As formas de coleta foram presenciais na IES citada por meio de formulário impresso,
onde os autores estiveram presencialmente nas salas de ambas as turmas aplicando o
questionário com cada estudante presente. Na turma do quinto período foram coletados dados
dos 15 alunos presentes e no sétimo período foi colhido os dados de 16 alunos que estavam
presentes no momento da coleta, totalizando assim 31 estudantes respondendo ao questionário.
Para essa quantidade de alunos foram necessários 10 minutos para aplicação e recolhimento do
questionário.
Após a coleta dos dados foi feita a tabulação dos dados no Excel, onde pode-se medir
de forma gráfica os dados colhidos bem como obter resultados percentuais, aplicando a
estatística descritiva, para entendimento dos resultados da pesquisa.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A primeira parte do questionário foi aplicado 3 questões que visa identificar gênero,
idade e se o estudante atua ou não na área contábil; para que assim seja viável uma comprovação
entre os alunos, partindo destes dados, o aluno teve que optar por responder a segunda parte do
questionário com as seguintes opções: 1 concordo totalmente, 2 concordo parcialmente, 3
discordo parcialmente, 4 discordo totalmente ou 5 não sei responder.
As respostas dos alunos serão representadas nas tabelas a seguir, a começar pelo gênero
dos respondentes conforme mostra na (Tabela 1).

Tabela 1 – Gênero
Grupo Contagem Percentual
Masculino 13 42%
Feminino 18 58%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Na parte inicial do questionário visa identificar o gênero dos alunos onde constatou-se
que a maioria dos estudantes do curso de ciências contábeis são do sexo feminino, como mostra
a Tabela 1. O estudo de Rosa e Feil (2017) também mostra resultado semelhante onde os autores
defendem que isso pode ser explicado pela busca das mulheres em adquirir um lugar do
mercado de trabalho. Do ponto de vista de Ristoff (2006) isso ocorre em função da
democratização da educação universitária em termos de igualdade de oportunidades.
126

Tabela 2 – Idade
Grupo Contagem Percentual
18 a 20 2 7%
21 a 24 11 35,6%
25 a 20 8 25%
30 a 34 4 13%
35 ou mais 6 19,4%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Em relação a idade dos alunos a Tabela 2 mostra que 11 dos 31 respondentes estão na
faixa etária dos 21 a 24 anos outros 8 tem idade entre 25 a 29 somados esses números equivale
a 61% do total dos participantes. Observa-se a predominância destas duas faixas etárias. Já o
estudo de Koch et al. (2022) mostra números divergente segundo os pesquisadores 86,67% dos
estudantes tem idade igual ou inferior a 25 anos.

Tabela 3 – Atua na área contábil


Grupo Soma Porcentagem
Sim 6 19,4%
Não 25 69%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Analisando se os estudantes de contábeis atua ou não na área contábil observa-se que


80,6% ainda não atua nesta área, os outros 19,4% afirmam que já trabalham na área, resultado
oposto a esse foi encontrado na pesquisa de Rosa e Feil (2017) onde 69% dos entrevistados
afirmam trabalhar na área contábil e apenas 31% ainda não trabalham em atividade ligada a
contabilidade.
A seguir, foram questionados sobre a obrigatoriedade da disciplina de ética na matriz
curricular de Ciências Contábeis. O resultado consta na Tabela 4.

Tabela 4 - A ética profissional deve ser estudada no curso de graduação em ciências contábeis não só
pela obrigatoriedade.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 26 95%
Discordo parcialmente 3 9%
Discordo parcialmente 2 7%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
127

O conhecimento acerca da ética contábil na formação de futuros contadores é tratado


como passo importante na formação do contador, a conduta com base na ética e moral ensinada
ainda na faculdade traz ao mercado profissionais que geram concorrência saudável e sem
deslealdade no mercado, e com os dados da tabela acima fica evidente que 84% dos alunos que
responderam à pergunta reconhecem a importância do estudo dessa área.
A percepção sobre a ética na formação de contadores foi questionada e os resultados
podem ser observados na Tabela 5.

Tabela 5 - O estudo sobre ética é fundamental na formação de contadores, sendo indispensável para
atuação do bom profissional.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 28 91%
Concordo parcialmente 3 9%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Profissionais que entendem a importância da ética dentro de sua profissão geram


mercados mais competitivos e de forma justa onde destaca-se aquele que oferece o melhor
serviço e não aquele que usa de meios antiéticos para promoção pessoal, os estudantes que
participaram entendem o quão importante é para a formação do profissional, analisando a tabela
pode ser averiguar que 90% dos participantes compreendem que para ser um bom profissional
é necessário esse conhecimento, enquanto que uma minoria de 10% concorda em partes
entretanto não houve discordância por completo da afirmativa.
Tais dados estão em conformidade com Sousa (2019) onde 96% dos seus entrevistados
concordaram que o ensino da ética é importante na formação do profissional de contabilidade
não havendo discordância total da afirmativa em questão.
Partindo da premissa de que os discentes já cursaram a disciplina de ética, foram
questionados se acham o Código de ética do profissional contábil suficientemente claro e de
fácil entendimento e os resultados estão na tabela abaixo.

Tabela 6 - O código de ética do profissional contábil tem linguagem clara e é de fácil entendimento
para o estudante.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 10 32,3%
128

Concordo parcialmente 17 54,8%


Discordo parcialmente 3 9,7%
Discordo totalmente 1 3,2%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

De acordo com os dados colhidos na tabela pode-se perceber que há dúvidas com relação
a linguagem usada no código, em sua maioria as respostas foram de concordar parcialmente o
que mostra que os estudantes ainda tem dificuldades de compreender a linguagem do código,
visto que aproximadamente 68% dos pesquisados encontram-se na faixa de entender
parcialmente, discordar parcialmente e discordar totalmente.
Berté (2019) constatou em sua pesquisa que apenas 34,02% concordam plenamente que
o código tem uma linguagem de fácil entendimento, enquanto que 65,98% dos que participaram
da pesquisa encontram-se distribuídos em concordo parcialmente, discordo parcialmente e
discordo plenamente.
Ao considerar a hipótese de parte dos discentes já atuarem na área contábil ou
considerando a percepção sobre a atuação de profissionais foi questionado sobre a valorização
da classe diante da postura ética dos contadores (Tabela 7) como mostra a seguir:

Tabela 7 - A conduta ética profissional valoriza a classe contábil.


Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 20 65%
Concordo parcialmente 8 25%
Discordo parcialmente 2 7%
Discordo totalmente 1 3%

Assim como a ética, o estudo dos valores se relaciona com a filosofia. A conduta ética
do profissional está totalmente relacionada com princípios e valores e para Barros (2010) essa
reflexão ética mantém uma reputação positiva no ambiente de trabalho, ou seja, relaciona com
estima.
20 alunos entrevistados, cerca 65%, concordaram totalmente que a conduta ética
valoriza, de fato, a classe profissional. 8 alunos, 25% dos entrevistados responderam que
concordam parcialmente com a afirmação. 7% dos entrevistados discordaram parcialmente e
apenas 1 entrevistado o que corresponde a 3% discorda totalmente, o que está em total
desacordo com o próprio código de ética sobre a importância do instrumento para a classe
contábil.
129

A maioria dos entrevistados, os que concordaram total ou parcialmente, tendo


conhecimento sobre o código de ética, reconheceram que a competência profissional
considerando a conduta ética é de fato um diferencial de sucesso para classe contábil como
afirmaram Basto et al. (2019) em seu estudo sobre a atividade do contador e suas
responsabilidades.
A análise também está em conformidade com o estudo de Koch et al. em que grande
parte dos estudantes analisados tendem a agir de forma ética por acreditar que valoriza a classe,
por serem ensinados durante a graduação sobre a importância da ética, mesmo que sob
interferência dos valores individuais.
Na Tabela 8, os discentes responderam se consideram conhecimento ético é tão
importante quanto o conhecimento técnico para um profissional:

Tabela 8 - O conhecimento ético é tão importante quanto o conhecimento técnico para um


profissional.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 21 68%
Concordo parcialmente 8 25%
Discordo parcialmente 2 7%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

A falta de conduta ética pode comprometer todo o trabalho técnico de profissionais


contábeis e nessa questão pode-se analisar o entendimento dos estudantes ao comparar o
conhecimento técnico com o conhecimento ético. 21 alunos concordaram totalmente, ou seja,
cerca de 68% dos alunos comparam e consideram os dois conhecimentos sendo igualmente
importantes. 8 alunos concordaram mesmo que parcialmente com a afirmação e apenas 2
estudantes discordaram parcialmente.
O resultado da análise com maioria positiva quanto a percepção da importância de dois
conhecimentos complementares está em conformidade com a pesquisa feita por Berté (2019),
por exemplo, que relaciona as respostas positivas sobre a importância da ética junto à técnica
com os ensinamentos obtidos da disciplina de ética e com quem já atua na área contábil e
contempla a realidade da responsabilidade contábil do cotidiano. Em outras palavras atribui as
respostas positivas, condizentes com a norma ética com o fato de já ter cursado a disciplina ou
com atuar na área contábil.
130

A Tabela 9 mostra se os discentes concordam ou não sobre a existência de bons


profissionais sem conhecimentos éticos.

Tabela 9 - Existe um bom profissional sem conhecimentos ético.


Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 4 13%
Concordo parcialmente 7 22%
Discordo parcialmente 16 52%
Discordo totalmente 4 13%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Apenas 4 alunos que responderam ao questionário discordaram totalmente da afirmação,


ou seja, cerca de 13% dos entrevistados. 16 discordaram parcialmente, cerca de 52% dos
entrevistados. A discordância parcial pode se dar ao fato do que menciona Feil (2016) na sua
pesquisa, ao afirmar que a percepção sobre a ética é complexa, uma vez que pode ser interferida
por fatores externos e internos, ou seja, fatores além do ensinado na disciplina. Tal
complexidade influencia na resposta ao discordarem parcialmente.
Na Tabela 9 é possível ver que 7 alunos concordaram parcialmente, o que pode ser
explicado pela justificativa anterior baseada na complexidade e na interferência de fatores
externos que cada um percebe. 4 alunos, cerca de 13% concordaram com a afirmação. Vale
ressaltar que a afirmação está em desacordo com a noção positiva de importância dos
conhecimentos éticos dos profissionais contábeis e, consequentemente, com o Código de Ética
do profissional de contabilidade.
Na Tabela 10 os discentes responderam se consideram que o código de ética define as
boas condutas e aplica penalidades justas no caso de má conduta dos profissionais.

Tabela 10 - O código de ética define as boas condutas e aplica penalidades justas para o profissional
que não age de forma ética.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 15 48,5%
Concordo parcialmente 15 48,5%
Discordo parcialmente 1 3%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
O questionamento abordado na Tabela 10, teve um resultado bastante importante, onde
48,4% dos discentes concordaram totalmente e 48,4% discentes concordaram parcialmente e
3,2% discordou parcialmente, pode-se perceber que houve uma igualdade nos resultados
131

obtidos. Para Campos et al. (2020) o código de ética do profissional ser relevante na conduta
ética profissional, onde 79% dos discentes abordados relataram que concordam totalmente com
a conduta ética, em consequência da conduta ética, 80% dos pesquisados concordam totalmente
que os conselhos de contabilidade devem punir os infratores.
Portanto, ao analisar as duas percepções das propostas, foi possível identificar o
contraste existente na pergunta, onde na pesquisa feita nas IES teve uma igualdade, já para
Campo et al. (2020) não teve essa mesma igualdade nos resultados obtidos.
A Tabela 11 traz os resultados da percepção dos estudantes sobre ser ético nos dias
atuais.
Tabela 11 - Ser ético é algo muito desafiador atualmente.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 11 35,5%
Concordo parcialmente 15 48,5%
Discordo parcialmente 4 13%
Discordo totalmente 2 7%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)

Para o argumento “o profissional contábil deve se preocupar mais com sua qualificação
técnica do que com a sua postura ética, percebe-se que de um total de 100% dos alunos que foi
questionado sobre esse tema, constatou que 17% dos alunos discordaram totalmente, 5%
discorda parcialmente, 6% concorda parcialmente e 3% concorda parcialmente, como pode-se
perceber na tabela 12 que os profissionais contábeis se preocupam mais com a qualificação
técnica do que com sua postura ética. Berté (2019) destaca em sua pesquisa que 62,24%
discordaram totalmente. Pode-se constatar que os profissionais contábeis estão mais
preocupados em sua qualificação ética.
A Tabela 12 traz os resultados sobre qual qualificação os profissionais devem se
preocupar.

Tabela 12 - O profissional contábil deve se preocupar mais com sua qualificação técnica do que com a
sua postura ética.
Grupo Soma Porcentagem
Concordo totalmente 3 9,7%
Concordo parcialmente 6 19,4%
Discordo parcialmente 5 16,1%
Discordo totalmente 17 54,8%
Fonte: Dados da pesquisa (2022)
132

É condizente afirmar que ambos os argumentos são essenciais para o bom desempenho
da qualificação dos Contadores profissionais, que devem andar de mãos dadas e se
complementar todos os dias.
Por fim, ao observar os resultados obtidas percebe-se que foi um resultado insatisfatório
sobre a percepção dos discentes referente aos dilemas éticos. Entende-se que a postura ética
para os discentes não é relevante para os profissionais, onde os profissionais estão se
preocupando mais com a qualificação ética e não com a postura ética.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os profissionais de contabilidade são de grande importância à sociedade e possuem


muitas responsabilidades no exercício de sua profissão. Nesse sentido, é dever dos contadores
agir de maneira ética. Para isso os cursos de graduação em ciências contábeis trazem em sua
estrutura curricular a disciplina de ética contábil onde é ensinado aos alunos os padrões de
conduta ética que devem ser seguidos pelos profissionais contábeis.
Ao analisar os resultados advindos das questões e do problema proposto, foi possível
observar que, a IES tem uma procura maior das mulheres pelo curso de ciências contábeis e
que a maioria dos discentes estão na faixa etária entre 21 a 24 anos de idade. Quando
questionado sobre a atuação na área contábil mais de 80% dos respondentes afirmam que ainda
não atua na área contábil.
A disciplina de ética é vista pelos estudantes como algo fundamental no processo de
formação e que é indispensável para o exercício da profissão. Em se tratando do entendimento
do código de ética a maioria respondeu que concorda parcialmente, o que mostra que os alunos
ainda tem dificuldade de compreender o código. Segundo os participantes a conduta ética
valoriza a classe contábil e o conhecimento ético é tão importante quanto o conhecimento
técnico.
O exercício da ética é visto por grande maioria dos discentes como algo desafiador, 83%
concordam totalmente ou parcialmente. Quando questionados sobre a possibilidade de haver
bom profissional sem conhecimento ético a maior parte dos estudantes responderam que
discordam totalmente ou parcialmente, ou seja, concordam que o bom profissional necessita de
ética.
133

Dentre as limitações encontradas durante a obtenção dos dados, destaca-se a dificuldade


de participação dos discentes. Sugere-se, portanto que a pesquisa seja feita com um número
maior de participantes, a fim de se obter resultados mais significativos para se atingir o objetivo
do estudo. Vale ressaltar que a pesquisa contribuiu para voltar a atenção dos discentes sobre a
valorização ao estudo da ética na graduação, e o quanto esse estudo pode ser determinante no
exercício da profissão.
Como sugestões para pesquisas futuras, sugere-se realização de estudos comparativos
com outras instituições de ensino; análise de como os estudantes têm percebido a importância
de uma postura profissional fundamentada em princípios éticos.

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2017.
136

DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ADICIONADO COMO INSTRUMENTO DE


MENSURAÇÃO SOBRE A CARGA TRIBUTÁRIA

Ana Luiza Oliveira da Silva1


Keliane de Melo Ramalho2
Sabrina Paulino de Oliveira3
Adriana Martins de Oliveira4
Cassio Rodrigo da Costa Almeida 5

RESUMO

As Demonstrações contábeis são essenciais para obtenção de resultados para análise de seus
usuários. Com isso o presente trabalho tem por objetivo analisar através da Demonstração do
Valor Adicionado a mensuração da carga tributária em empresas de sete setores diversos. A
metodologia do estudo foi classificada como descritiva quanto aos objetivos, documental nos
procedimentos de análise, e de natureza quantitativa. A amostra foi constituída com empresas
de sete setores diferentes, totalizando 28 instituições que foram alcançaram o ranking das
melhores do país segundo a revista Exame – Maiores e Melhores 2021, com base nas
evidenciações de 2018 a 2020. Os dados foram coletados do site B3: A Bolsa do Brasil, onde
foram extraídas dos relatórios as informações contidas na Demonstração do Valor
Adicionado. Os estudos apontaram que existe uma variação significante de carga tributária
entre os setores e empresas quando estudadas individualmente e na maioria das médias por
setor, a parcela tributária atingiu um percentual maior que a média nacional, como também
se percebeu uma relação inversamente proporcional entre o Valor Adicionado e carga
tributária. Por fim, a pesquisa contribuiu para compreender a relevância da demonstração no
processo de evidenciação, além de proporcionar informações das empresas definidas no
período analisado e favorecendo o complemento de leitura de outros estudos.
Palavras-chave: Carga tributária, DVA, Valor Adicionado.

ABSTRACT

The financial statements are essential to obtain results for analysis by its users. The present
work aims to analyze, through the Value Added Statement, the measurement of the tax burden
in companies from seven different sectors. The study methodology was classified as
descriptive in terms of objectives, documental in the analysis procedure, and of a quantitative
nature. The sample consisted of companies from seven different sectors, in a total of 28

1
Graduada em Ciências Contábeis – UERN. E-mail: flavia_neidja@hotmail.com.
2
Mestranda em Ciências Contábeis -UFRN. Docente - E-mail: keliane.melo.14@gmail.com.
3
Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. Docente - E-mail: sabrinauern@gmail.com.
4
Doutora em Administração – PUC. Docente - E-mail: adrianamartins@uern.br.
5
Mestre em Administração - UFERSA. Docente - E-mail: cassiorodrigocontabilidade@hotmail.com.
137

institutions that were defined as the best in the country according to Exame magazine –
Maiores e Melhores 2021, with samples of disclosures from 2018 to 2020. Data were
collected from the website B3: The Brazilian Stock Exchange, where the information
contained in the Value Added Statement was extracted from the reports. The studies showed
that there is a large variation in the tax burden between sectors and companies when studied
individually, and in the vast majority of averages by sector, the tax share reached a percentage
higher than the national average, as well as an inversely proportional relationship. between
Value Added and tax burden. Finally, the research contributed to understanding the relevance
of the demonstration in the disclosure process, in addition to providing information on the
companies defined in the analyzed period and favoring the reading complement of other
studies.
Keywords: Tax Burden, DVA, Added value.

1 INTRODUÇÃO

No decorrer do curso de Ciências Contábeis, estudam-se ferramentas de evidenciação


que demonstram resultados robustos, isso porque um dos objetivos da contabilidade é fornecer
informações úteis para tomada de decisão das entidades. É possível encontrar diversos
instrumentos de demonstração contábil, para auxiliar na gestão empresarial, como também
divulgar informações para as partes interessadas, assim como a Demonstração do Valor
Adicionado (DVA), que permite atender uma análise social e econômica.
A DVA surgiu na Europa, e sua análise permite demonstrar as partes da distribuição
econômica gerada pela empresa. Segundo Corrêa (2002) a Demonstração do Valor Adicionado
foi integrado ao Balanço Social, a partir da década de 60 em movimentos sociais europeus, que
buscavam compreender os resultados de cada parcela na geração de riqueza das entidades.
Para as companhias de capital aberto, a elaboração da Demonstração do Valor
Adicionado é obrigatória no Brasil, e deve ser feita no final de cada exercício, como as demais
demonstrações contábeis. O Resultado aponta o Valor Adicionado a distribuir, que são
divididas nos departamentos, “tais como empregados, financiadores, acionistas, governo e
outros”, conforme Lei 11.638/07 (BRASIL, 2007).
Segundo o Comitê de Pronunciamentos Contábeis CPC 09 (2008, p. 3) a DVA
“proporciona o conhecimento de informações de natureza econômica e social e oferece a
possibilidade de avaliação das atividades da entidade na sociedade na qual está inserida”. Além
da demonstração fornecer os aspectos econômicos, as informações sociais são também
mostradas para os stakeholders.
138

Tinoco et al. (2011) em seu estudo de análise através da Demonstração do Valor


Adicionado com empresas de dezenove setores econômicos diferentes, constataram que em
média o governo detém a maior parcela do Valor adicionado. Apesar dos níveis tributários
apresentarem variações de acordo com o ramo empresarial ou situação financeira, os resultados
expressaram a maioria destinada ao governo.
A carga tributária brasileira é apontada como uma das mais altas do mundo. Segundo o
Boletim de Estimativa da Carga Tributária Bruta do Governo Geral (2021) destacam alcançou
a marca de 31,64% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano de 2020. Os altos níveis de impostos
podem implicar na sociedade empresarial, devido seus valores interferir no processo de
formação de preço, e em investimentos que a empresa possa aderir, segundo Lima e Rezende
(2017).
No estudo de Nazareth e Vale (2020) concluíram em uma análise pela a Demonstração
do Valor Adicionado que a parcela tributária é a parte pertencente ao governo em proporção
aos resultados da empresa, sendo assim, este fato não interfere negativamente para o curso
financeiro da instituição.
Consoante Brasil (2017) ao realizar a análise dos impostos através da DVA, constatou
que nas empresas do ramo mais essencial obteve uma menor destinação de tributos comparados
aos outros setores que pertencem ao grupo de menos essencialidade ou de empresas que
dependem de um ciclo econômico para suas atividades.
Algumas pesquisas afirmam que o Valor Adicionado tem uma relação desproporcional
a parcela tributária destinada ao governo. Shafer, Konraht e Ferreira (2016) constataram esta
hipótese através do estudo com empresas no setor de energia, dado que os resultados apontaram
que conforme o crescimento do Valor Adicionado observou-se a diminuição dos tributos.
Sobre a utilização da Demonstração do Valor Adicionado como ferramenta de
evidenciação contábil, para mensuração da carga tributária no Brasil de diversos setores,
levanta-se a seguinte questão: Quais os níveis de carga tributária entre as maiores empresas do
país de acordo com a Demonstração do Valor Adicionado no período de 2018 a 2020? O estudo
tem por objetivo analisar a carga tributária entre empresas brasileiras de sete setores
econômicos diferentes, que estão integrados na lista das maiores empresas do país, segundo a
Revista Exame Maiores e Melhores de 2021, no período de 2018 a 2020.
A partir do exposto, este estudo tem como relevância verificar a atual situação da parcela
de tributos e analisar, através da ferramenta contábil, DVA, assim como Gassen, Ludwig e
139

Michels (2018) em seu estudo verificaram as informações através desta ferramenta. Assim
como complementação de leitura para os demais artigos feitos.
Portanto, este trabalho está organizado em cinco tópicos, onde a primeira discorre a
introdução; a segunda, o referencial teórico da temática; a terceira retrata a metodologia
utilizada; a quarta os resultados obtidos na pesquisa e análise de dados, e por último as
considerações finais do estudo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 DEMONSTRAÇÃO DO VALOR ADICIONADO (DVA)

As demonstrações contábeis têm um papel fundamental na contabilidade, fornecendo


informações para que o profissional tenha como base na tomada de decisões. É possível
encontrar vários tipos de demonstrações no meio contábil, sendo elas responsáveis de expor
informações em distintas ocasiões de estudos. É necessário que o profissional usufrua destas
ferramentas, pois são eficientes para diagnósticos financeiros.
É perceptível a relevância das evidências, visto que, os usuários necessitam das
demonstrações para realização das atividades de trabalho, como apuração dos resultados,
análise de possíveis investimentos, concessão de créditos para fornecedores ou empréstimos,
entre outros. As demonstrações divulgam em seus resultados informações como o
patrimônio, resultados do exercício e todas as movimentações financeiras da entidade,
Dentre as várias formas de demonstrações contábeis, existe a Demonstração do Valor
Adicionado, que evidencia a distribuição de riqueza de uma empresa. De Luca (1998, p. 28),
relata que a DVA "É um relatório contábil que visa demonstrar o valor da riqueza gerada pela
empresa e a distribuição para os elementos que contribuíram para sua geração”.
As primeiras ideias referente a Demonstração do Valor Adicionado surgiu na década
de 60, principalmente na França e Alemanha Ocidental, com a função de complementar o
Balanço Social. Apesar de existirem outras demonstrações contábeis, a DVA tem um
diferencial, seus resultados exibem cada valor agregado dos setores, diferente da Demonstração
do Resultado, como, por exemplo, que demonstra apenas o lucro final (RICARTE, 2005).
No Brasil a Demonstração do Valor Adicionado deve ser feita a cada final de
exercício, assim como as demais demonstrações contábeis, obrigatória para as companhias
140

de capital aberto conforme a Lei 11.638/07 (BRASIL, 2007). Sua estrutura é formada com
informações derivadas das demonstrações de resultados e patrimoniais.
Ao definir os critérios da DVA, no CPC 09 (2008, p.3), onde ele diz que “representa
um dos elementos componentes do Balanço Social e tem por finalidade evidenciar a riqueza
criada pela entidade e sua distribuição, durante determinado período”. O Balanço Social
realiza uma relação entre entidades e a sociedade, essa ferramenta de evidenciação muda o
foco das demais demonstrações que são apenas de caráter econômico e mostra um olhar para
o envolvimento com a sociedade (CUNHA; RIBEIRO; SANTOS, 2005).
A Demonstração do Valor Adicionado também é uma ferramenta que possibilita
análise macroeconômica, o CPC 09 (2008, p.3) afirma que “A DVA está fundamentada em
conceitos macroeconômicos, buscando apresentar, eliminados os valores que representam
duplacontagem”. Nesse aspecto, a DVA relaciona sua forma de apresentação na composição
do Produto Interno Bruto (PIB).
Na análise da Demonstração do Valor Adicionado, é identificado a contribuição
econômica e a parte da sociedade inserida na geração de riqueza da empresa.

A Demonstração do Valor Adicionado, que tem como objetivo demonstrar valor da


riqueza gerada pela entidade forma como essa riqueza está sendo distribuída para os
empregados (salários), governo (tributos), terceiros (juros), empresa (lucros)
acionistas (dividendos), mais um instrumento contábil que pode ser amplamente
utilizado pelos acionistas ou investidores, bem como pela sociedade, quer seja para
ajudar equilibrar as relações entre capital trabalho, orientar programas de incentivos
fiscais, planejamento tributário ou investimentos setoriais também para manter
cidadão informado acerca da política de distribuição de riqueza gerada nas entidades.
(RICARTE, 2005, p.8)

A utilização desta ferramenta é imprescindível para diversas áreas, pois capacita


visualizar as parcelas de contribuição de diferentes setores, beneficiando o profissional para
tomada de decisões. Na divisão do Valor Adicionado é visto a distribuição de riqueza para as
seção pessoal e encargos, governo, remuneração de terceiros, empresa e acionistas, e no
trabalho realizado por Greco (2010) através de uma análise feita pela DVA divulgou que a
parcela tributária teve maior incidência dentre o valor distribuído.

2.2 CARGA TRIBUTÁRIA


141

Segundo o art. 3° no Código Tributários Nacional (CTN) (BRASIL, 1966, p.1) a


definição de “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante
atividade administrativa plenamente vinculada”. Consequentemente, os tributos são direitos do
governo a ser pagos pelas entidades.
Nessa ótica, Lima e Rezende (2017) comentam em sua pesquisa que os recursos
destinados ao estado são refletidos nas ações de manutenção da sociedade, com o objetivo de
promover arrecadação e garantir serviços de assistência básica, como foi garantido no art. 6°
da Constituição Federal de 1988.
A carga tributária abrange as esferas municipais, estaduais e federal, e são classificadas
em impostos, taxas e contribuição de melhoria (ORAIR et al., 2013). As entidades serão
destinadas a contribuir com seus tributos para governo de acordo com porte e setor econômico
referente.
Por sua vez, Pintos-Payeras (2010) relata em seu estudo que além da legislação
tributária do âmbito federal, as diretrizes fiscais são legisladas e executadas por estados e
municípios, cada uma com seus critérios, sendo estado responsável por reger o Imposto sobre
Circulação de Mercadoria e Serviço (ICMS) e o município o Imposto sobre Serviço (ISS), além
de outras taxas e contribuições. Com isso, os estados e municípios detém a autonomia de reger
sua legislação e definir suas alíquotas de tributação.
O conhecimento sobre a carga tributária é um fator relevante para os usuários, Gallo
(2007) comenta que devido à globalização os investidores buscam informações sobre custos, e
a tributação é um dos critérios a ser avaliado para a mobilidade de instituições empresariais.
Brasil (2017) relata que a contabilidade lida com tributos estudando o método de
planejamento tributário. O profissional analisa os relatórios de modo a verificar como
estabelecer uma configuração tributária para entidade, por esse motivo, as ferramentas de
evidenciação são fundamentais para realização dos serviços.
A alta carga tributária pode influenciar no desenvolvimento, visto que, essa condição
interfere no valor do produto e consequentemente na quantidade do consumo. A Demonstração
do Valor Adicionado pode verificar a parcela destinada ao governo, e ainda é observado que
quanto maior essa for os tributos, maior foi a receita da entidade, visto que a parcela tributável
é feita de forma percentual (GASSEN; LUDWIG; MICHELS, 2018).
142

2.3 ESTUDOS CORRELATOS

Alguns estudos semelhantes a esse foram desenvolvidos e esta seção trará a exibição
de alguns. Foram buscados pesquisas referente a relação entre carga tributária e a Demonstração
do Valor Adicionado.
Brasil (2017) realizou um estudo de caso utilizando a Demonstração do Valor
Adicionado como forma de mensuração para avaliar a carga tributária em dez setores de
empresas listadas na BM&FBovespa, desta forma, constatou-se que a variação tributária é
modificada conforme o segmento de atuação.
Gassen, Ludwig e Michels (2018) relacionaram a carga tributária e a DVA, avaliando
empresas do setor cíclico e não cíclico, onde o setor cíclico corresponde ao ramo de instituições
mais essencial e o não cíclico são designados as com menos essencialidade, e necessita de um
ciclo econômico para sua ascensão de receitas. A mostra de dados ocorreu com demonstrações
entre os anos de 2014 a 2016, de empresas listadas na BM&F Bovespa. Os resultados apontaram
que o setor cíclico corresponde a uma parcela maior de tributos em comparação ao setor não
cíclico, visto que, no setor não cíclico são produtos mais essenciais e têm menor custo. Ainda
foi observado que os incentivos fiscais têm uma influência significativa nos impostos a serem
pagos.
Lima e Machado (2018) verificaram a influência dos incentivos fiscais na carga
tributária, utilizando como ferramenta de mensuração a Demonstração do Valor Adicionado,
com empresas listadas na Bolsa, Balcão, Brasil (B3), entre os anos de 2010 a 2016. Foi
observado que os incentivos fiscais exercem influência negativa na geração de riqueza da
entidade, obtendo resultado adverso à sua proposta, que seria gerar desenvolvimento
econômico.
Piccoli, Rigo e Almeida (2019) buscaram analisar a distribuição da riqueza nas
Demonstrações do Valor Adicionado de empresas da região Sul listadas da B3, assim,
constatou-se que a maior parte da tributação não é destinada ao município, apesar de sua
localização ser nesta região, o que pode ser justificado pelo motivo que a maioria das empresas
atuam no ramo de produção e/ou comércio.
Santos e Hashimoto (2003) identificaram os aspectos relacionados a DVA em um
estudo com empresas de 1996 a 2001, assim constataram que a carga tributária divulgada pelas
143

empresas são distintas das divulgações governamentais. Ainda foi identificado que o setor de
produção tem uma contribuição tributária maior que o setor bancário.
Schafer, Konraht e Ferreira (2016) perceberam que através da DVA, o valor agregado
aos tributos com empresas do ramo de energia elétrica atuantes da BM&FBovespa, obtiveram
resultados os quais indicaram que as empresas que geraram mais riqueza foram menos
tributadas das que menos geram, considerando assim, a relação adversa entre carga tributária e
valor adicionado.
Tinoco et al. (2011) assim como este estudo, desenvolveram em sua pesquisa diferentes
setores, seguindo a classificação da Revista Exame – Melhores e Maiores, nos anos de 2005 a
2007. Foi identificado que em média a carta tributária variou entre 37,77% a 39,67% neste
período, ainda afirmaram que o governo deteve a maior parcela referente ao valor adicionado.
Os estudos relatados revelaram que através da ferramenta da Demonstração do Valor
Adicionado foi identificado a proporção da carga tributária, e em alguns estudos os autores
observaram uma influência quando a empresa adere programas de incentivos fiscais. Outrora,
descobriram uma relação adversa entre a carga tributária e o valor da riqueza. Por fim,
observaram que a maior parte da riqueza gerada é detida pelo governo.

3 METODOLOGIA

O estudo é identificado como descritivo, em relação ao objetivo, pois foram analisadas


evidências já ocorridas. Fortelles et al. (2009) discorrem sobre a pesquisa descritiva,
caracterizando-a como um estudo que trata de análise, interpretação e descrição de
características, onde os fatos já foram incorridos. A pesquisa descritiva agrega estudos
correlacionados, indo de encontro aos resultados para verificação dos dados.
Quanto aos procedimentos da pesquisa, é considerado como documental, sendo
averiguados relatórios contábeis publicados. A pesquisa documental para Fonseca (2002)
assemelha-se a bibliográfica, que busca fontes em livros e artigos, entretanto está primeira não
impõe limitação, pode-se realizar buscas em diferentes formas, como tabelas, jornais, revistas,
fotografias, relatórios de empresas, vídeos, entre outros.
No que se concerne a natureza, o estudo é caracterizado como quantitativa, para
Fortelles et al. (2009) a pesquisa quantitativa trabalha com interpretação de elementos
estudados com o uso de técnicas estatísticas. O presente trabalho conta com essa característica,
144

dado que a investigação foi através de relatórios contábeis da Demonstração do Valor


Adicionado. Sendo caracterizado como um estudo longitudinal.
O procedimento de coleta de dados ocorreu através de informações extraídas da
Demonstração do Valor Adicionado nos anos de 2018 a 2020, que foram divulgadas no site da
B3. Os dados coletados foram tabulados em planilhas do Excel para apuração dos percentuais
de carga tributária, conferindo primeiramente os níveis de cada instituição, e após a média por
setor.
O estudo e consiste em analisar as maiores empresas do país listada na B3, logo foram
selecionadas as empresas que compõe o ranking das mil melhores empresas do país segundo a
Revista Exame – Maiores e Melhores 2021, sendo escolhidas quatro empresas que marcaram
receitas mais altas de sete setores que mais se destacaram no ano, excluindo empresas que não
são listada na B3. Os segmentos designados foram de Petróleo e Químico, Siderurgia e
Metalurgia, Energia, Comunicações, Agronegócio, Atacado e Varejo e Alimentos e Bebidas.
Resultando com uma amostra no total de 28 empresas brasileiras.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta seção apresenta-se os resultados e análises da Carga Tributária através da


Demonstração do Valor Adicionado, onde a amostra consiste no total de 28 empresas,
classificadas em sete setores diferentes. São compostas por empresas brasileiras listadas na B3
e estão inseridas no ranking das maiores empresas do país segundo a Revista Exame. Foram
designados os setores de Petróleo e Químico, Siderurgia e Metalurgia, Energia, Comunicações,
Agronegócio, Atacado e Varejo e Alimentos e Bebidas.
Em primeiro momento, demonstra-se a parcela do Valor Adicionado destinada aos
tributos governamentais em percentuais de cada instituição. O Gráfico 1 foi relacionado às
empresas do setor de Petróleo e Químico, composta pela Petrobras, Raízen, Braskem e Cia do
Gás de São Paulo (Comgas).

Gráfico 1 – Parcela da carga tributária das empresas de Petróleo e Químico


145

70.00 61.74
54.97 57.84
60.00 53.73 52.13 53.44
46.76
50.00 42.33
39.42
40.00 30.48 32.39
30.00 28.04

20.00
10.00
0.00
PETROBRAS RAÍZEN BRASKEM S.A. COMGAS

2018 2019 2020

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Conforme dados obtidos, o ano de 2019 obteve o menor percentual na parcela tributária,
exceto a empresa Comgas, que teve sua parcela de forma crescente entre os três anos. A
Petrobrás e Raízen, que são companhias voltadas para setor petrolífero acompanham o mesmo
nível tributário, variando de 46,76% em 2019 a 61,74% em 2020, diferente da Braskem que
maneja no ramo químico, que teve sua variação de 28,04% em 2019 para 32,39% em 2020. Já
a Cia do Gás de São Paulo, que atua em manuseio de gás, variou entre 39,43% em 2018 e
53,44% em 2020, ainda foi perceptível que o aumento na parcela tributária da Comgas ocorreu
pelo aumento dos tributos estaduais no ano de 2019 e nos federais no ano de 2020.
No Gráfico 2 é formado pelas empresas de Siderurgia e Metalurgia, integradas pela
Gerdau, Cia Siderúrgica, Paranapanema e Usiminas.

Gráfico 2 – Parcela da carga tributária das empresas de Siderurgia e Metalurgia

Fonte: Dados da pesquisa (2022)


146

Percebe-se um aumento gradual na parcela de tributos na empresa Gerdau, que variou


de 16,43% em 2018 a 28,10% em 2020, onde foi visto um aumento principalmente nos tributos
estaduais e federais. A Usiminas seguiu o mesmo padrão de parcela tributária crescente entre
os anos, e passou de 28,33% no ano de 2018 para 34,44% no ano de 2020. No ano de 2018, a
Cia Siderúrgica obteve 11,68% do seu valor adicionado destinado ao governo. Já em 2019
percebeu-se uma baixa significativa, alcançando a marcar apenas 2,70%, devido principalmente
à redução nos tributos federais. Entretanto, no ano de 2020 alcançou 19,32%, o maior índice
entre os anos. A Paranapanema não obteve uma constância na parcela de distribuição do
governo No ano de 2018 teve um índice negativo de -17,23%; em 2019, aumentou para 17,44%
e em 2020 caiu novamente marcando 3,26% da parcela direcionada aos tributos. Esse feito pode
ser explicado devido o resultado de prejuízo durante os anos.
O Gráfico 3 demonstra Energia, representada pela Neoenergia, CPFL Energia, Raízen
Energia e Eletrobras.

Gráfico 3 – Parcela da carga tributária das empresas de Energia

80.00 70.95 67.26


70.00 66.69
57.19
60.00 52.10 49.36
50.00
40.00 29.21
29.13
30.00 25.49 22.29 23.12
20.00 13.80
10.00
0.00
NEOENERGIA S.A. CPFL ENERGIA S.A. RAIZEN ENERGIA S.A. ELETROBRAS

2018 2019 2020

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Verificou-se que cada uma das empresas seguiu um padrão diferente durante os anos,
a Neoenergia teve um índice que variou de 52,10% em 2018 a 49,36% em 2020. Em 2019,
chegou a sua maior marca em 2019, com 57,10%. Já a CPFL Energia teve o maior índice entre
as empresas de energia no ano de 2020, alcançando o 70,95% de parcela destinada ao governo,
e o seu ponto mais baixo atingiu 66,69% em 2019, ressaltando que essas duas são empresas
direcionadas a o ramo de energia elétrica.
147

A empresa Raizen Energia é direcionada ao ramo de bioenergia, e produção de etanol,


sua variação ocorreu em níveis baixos que as demais e ficou entre 25,49% em 2018 a 29,13%
em 2020. A Eletrobras também alcançou parcelas tributárias menores, os níveis de parcela
tributária oscilaram de 13,80% a 23,12%, foi notório que apesar desta empresa ser do setor
elétrico como as demais, o Valor adicionado desta atingiu com valores maiores que as demais
que tiveram a maior parcela tributária.
As empresas do setor de Telecomunicação foram expostas no Gráfico 4, compostas pela
Telefônica Brasil, Tim, Oi e Algar Telecon.

Gráfico 4 – Parcela da carga tributária das empresas de Telecomunicação

140.00
114.01
120.00
100.00
80.00 55.84
60.00 48.87 54.61 50.91 53.19 41.39 46.49
39.31
40.00
15.63
20.00 8.64
0.00
-20.00 TELEFÔNICA BRASIL S.A TIM S.A. OI S.A ALGAR TELECOM S/A
-8.35
2018 2019 2o2o

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Pode-se observar que a empresa Telefônica Brasil obteve uma estabilidade em seus
índices de parcela tributária, alterando-se entre 48,87% em 2018 a 54,61% em 2020. A TIM
teve um pequeno índice no ano de 2018, chegou a marcar 15,63% em 2018, verifica-se também
que neste ano alcançou a menor receita entre os períodos, e ainda com uma baixa nos tributos,
principalmente nos federais.
A empresa Oi encontra-se em recuperação judicial, obteve oscilação significativa
durante os anos, no ano de 2018, devido ao saldo negativo nos tributos federais, destinando
apenas 8,64% para o governo. Já no ano de 2019, destinou 114,01% da parcela a ser distribuída
para os tributos, justificável que o Valor Adicionado foi pouco para muitos tributos, e em 2020
a parcela voltou a cair, chegando a decrescer para um saldo negativo de -8,35%. A empresa
Algar, assim como a Telefônica Brasil manteve seus índices com poucas movimentações
148

obtendo o maior nível no ano de 2020, que chegou a marcar 46,49% de parcela destinada ao
tributos e o menor no ano de 2019 com 39,31%.
O Gráfico 5 representa as empresas do Agronegócio, integradas pela Minerva, Camil
Alimentos, Três Tentos Agroindustrial e SLC Agrícola.

Gráfico 5 – Parcela da carga tributária das empresas de Agronegócio

100.00 90.73

80.00

60.00
36.21
40.00 33.44
29.98
15.36 13.8512.57 12.55 10.68
20.00 9.99
3.57
0.00
FERTILIZANTES CAMIL ALIMENTOS Três Tentos SLC AGRICOLA S.A.
-20.00 HERINGER-7.16
S.A. S.A. Agroindustrial S/A

2018 2019 2020

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A empresa Fertilizantes Heringer passa pelo processo de recuperação judicial, visto isso,
devido à instabilidade financeira obteve no ano de 2018 a parcela destinada ao governo de
90,73%, posteriormente em 2019 este percentual caiu para 15,36%, e por fim em 2020 marcou
-7,16%. Devido ao prejuízo dos resultados no período, os impostos federais culminaram em
saldos negativos. A Camil obteve um parâmetro estável durante os anos, marcando de 29,98%
em 2018 a 33,44% em 2020. Na SLC agrícola também manteve seus índices de parcela trituraria
em média variando de 12,55% em 2018 a 10,68% em 2020. A empresa Três Tentos chegou a
medir nos dois primeiros anos da pesquisa, já no ano de 2020 teve uma queda para 3,37%,
devido uma baixa nos tributos federais.
O Gráfico 6 contém o Carrefour, Magazine Luiza, Americanas e Grupo Mateus, e fazem
parte das empresas de Atacado e Varejo.

Gráfico 6 – Parcela da carga tributária das empresas de Atacado e Varejo


149

70.00
60.38
60.00 54.83 57.14
49.65 50.63
50.00 42.36 43.17
41.16
40.00 35.22
27.79
30.00
20.00 14.86
12.57
10.00
0.00
CARREFOUR MAGAZINE LUIZA AMERICANAS S.A. GRUPO MATEUS
S.A. S.A.
2018 2019 2020

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Comportaram-se de maneira diferentes a cada ano, o Carrefour oscilou entre 42,36%


em 2018 a 27,79% em 2020, em que no ano de 2019 obteve sua maior variação de parcela
tributária com 49,65%. A Magazine Luiza obteve em 2018 um percentual de 43,17%, no ano
de 2019 caiu um pouco para 41,16%, já no ano de 2020 subiu para 54,83%. A Americanas
chegou a marcar os menores índices entre as empresas deste setor, em 2018 alcançou 12,57%
de tributos destinado ao governo, já no ano de 2019 aumentou para 14,86% e em 2020 elevou
seu índice para 35,22%. O Grupo Mateus alcançou os maiores índices de parcela tributária, no
qual seguiu uma ordem decrescente durante os três anos, onde respectivamente resultou em
68,38% em 2018, 57,14% em 2019 e 50,63% em 2020 de parcela destinada ao governo.
O Gráfico 7 ressalta as empresas de Alimentos e Bebidas, observa-se que as empresas
destinadas aos alimentos obtiveram um índice menor em relação a empresa de bebidas.

Gráfico 7 – Parcela da carga tributária das empresas de Alimentos e Bebidas

60.00 54.65
49.46
50.00 47.80

40.00 33.30
30.74
28.42
30.00
20.00 16.89
9.20 8.45 8.85
10.00 6.11
3.21
-
MARFRIG JBS AMBEV BRF S.A.

2018 2019 2020

Fonte: Dados da pesquisa (2022).


150

A Marfrig marcou seu menor índice em 2019, com apenas 3,21% direcionado ao
governo e seu ponto alto em 2018 com 16,89%. A JBS manteve estabilidade durante os três
anos, onde variou de 9,20% em 2028 para 8,85% em 2020, assim como a BRF que também
teve uma pequena variação, de 28,42% a 33,30%. A indústria direcionada a produção de
bebidas, Ambev destacou-se entre as empresa analisadas devido seu índice mais alto, onde em
2018 resultou em 49,46 %; 47,80% em 2019; e marcou 54,65% em 2020. Foi perceptível que
o ano de 2021 foi marcado com os menores índices entre as entidades
No segundo momento foi analisada a média da parcela tributária entre os setores
durante os três anos, onde são apresentadas na Tabela 1.

O setor de Petróleo e Químico obteve uma média de parcela tributária entre 46,49% em
2019 a 53,62% em 2018. Foi um dos setores com índices elevados em média, visto que
praticamente a metade da riqueza gerada é destinada ao governo, e a distribuição do Valor
Adicionado é composta por cinco itens. Brasil (2017) ao consultar os mesmos parâmetros deste
setor com o auxílio da Demonstração do Valor Adicionado, constatou índices negativos no
ramo petroquímico de Equipamentos e Serviços, já na área de Refino, encontrou aumentos
gradativos entre os anos de 2014 a 2016, e semelhantes a este estudo, que variou entre 44,32%
a 60,14% respectivamente.
A Tabela 1 expõe que no setor de Siderurgia e Metalurgia obteve médias baixas entre
os anos, composta por um aumento gradual, oscilou de 15,68% em 2018 a 25,61% em 2020,
no estudo de Brasil (2017) ocupou a médias equivalentes no ano de 2014, apesar da amostra
possuir maior quantidade de empresas, ocupou a média de parcela tributária de 26,13%.
Os índices relacionados ao ramo de Energia demonstram em média com pouca variação
e um parcela tributária crescente entre os anos, que se deslocou de 40,02% em 2018 a 45,05%
151

em 2020. Uma média consideravelmente alta, visto que chega a quase 50% do Valor
Adicionado a ser distribuído. No estudo de Shafer, Konraht e Ferreira (2016) com empresas do
setor elétrico, encontraram resultados semelhantes, ressaltando a observação de que
constataram que a parcela da carga tributária tem uma relação proporcional negativa ao Valor
Adicionado.
O ramo de Telecomunicações obteve uma variação significante, pois em 2018 marcou
28,15%, e obteve sua maior variação no ano de 2019 com o percentual de 56,96%, chegou a
alcançar a média mais alta entre os setores. Miranda (2012) ao avaliar este setor de
telecomunicações detectou que as empresas marcaram em média similares, que marcam acima
da média da carga tributária nacional, que gira em torno de 33,00%.
As empresas do Agronegócio atingiram em média percentuais baixos e seguiram uma
ordem decrescente durante os anos que se deslocou de 24,03% em 2018 a 17,34% em 2020.
Gassen, Ludwig e Michels (2018) ao fazer o estudo com empresas desse setor encontrou
percentuais baixos como estes e estáveis durante os anos de 2014 a 2016 que variou
respectivamente de 11,94% a 13,61%. Os baixos níveis tributários neste segmento podem ser
justificados devido a essencialidade do setor econômico.
No setor de Atacado e Varejo encontrou-se pouca variação em média, os percentuais
de deslocaram de 39,43% em 2020 a 45,44% em 2019, resultados que se encontram acima da
média nacional, que ano de 20220 alcançou 31,64¨% do PIB segundo o Boletim de Estimativa
da Carga Tributária Bruta (2021)
Ainda sobre a Tabela 1, empresa de Alimentos e Bebidas obtiveram em média uma
variação decrescente, que oscilou de 32,39% em 2018 a 26,33% em 2020, considerando que as
empresa de alimento tem menor parcela tributária comparado a de bebidas, o resultado atingiu
quase a média da carga tributária nacional estimada. Gassen, Ludwig e Michels (2018) em seu
estudo analisou estes setores de forma individual e seus resultados apontaram maior incidência
no ramo de bebidas, que em torno alcança 50,69% de parcela tributária, nos onde de 2014 a
2016, e no ramo de alimento marca em média 22,74% nos mesmos anos.
Existem estudos que relatam que o Valor Adicionado a distribuir é desproporcional a
carga tributária, ou seja, de acordo com o aumento do Valor Adicionado, hipótese supõe que a
parcela tributária tende a ser reduzida. Visto isso, a Tabela 2 demonstra os valores do Valor
Adicionado para comparação ao valor distribuído ao governo.
152

No setor de Petróleo e Químico verificou-se que a carga tributária acompanhou o


crescimento do valor adicionado, apesar da pouca variação tributária nos anos de 2018 e 2020
para um aumento significativo de Valor Adicionado. Já no ramo de Siderurgia e Metalurgia
comprovou esta hipótese apenas no ano de 2019 visto que o Valor Adicionado foi menor e a
Carga Tributária foi maior comparado ao ano anterior.
Ao analisar o setor de Energia aconteceu a hipótese observando os três anos
consecutivos, devido a diminuição do Valor Adicionado durante os anos de 2018 a 2020,
enquanto a parcela tributária obteve um crescimento inversamente proporcional. No Setor de
Telecomunicação acompanhou a mesma regra, na qual também foi confirmado a teoria onde
o crescimento da riqueza gerada foi desproporcional à distribuição de impostos.
Verificando índices do Agronegócio, constatou um aumento progressivo durante o
ano de 2018 a 2020, e na medida da elevação do Valor Adicionado, foi observado o
decréscimo do valor destinado ao governo. No setor de Atacado e Varejo a parcela tributária
acompanhou o crescimento da riqueza gerada apenas nos anos de 2018 a 2019, já no ano de
2020 os resultados apontaram os regimentos da teoria, onde elevou a riqueza gerada,
enquanto a parcela tributária foi reduzida.
Por conseguinte a Tabela 2 demonstra o setor de Alimentos e Bebidas, que seguiu a
hipótese, no ponto que é observado o aumento da riqueza gerada e a diminuição da carga
tributária consecutivamente entre os anos. Portanto, em geral, esta teoria pode ser
comprovada em casos de alguns setores, apesar das limitações da amostra, o estudo
geralmente foi equivalente à pesquisa de Shafer, Konraht e Ferreira (2016), que encontrou os
resultados coerentes com a hipótese, porém em empresas apenas do setor elétrico.
153

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante o emprego da Demonstração do Valor Adicionado como instrumento de


evidenciação contábil para diversos usuários e a sua utilização para verificar a distribuição
da riqueza gerada pela entidade, este estudo buscou o objetivo analisar a carga tributária
através da DVA as maiores empresas do país, segundo a revista Exame – Maiores e Melhores,
onde foram selecionadas 28 instituições brasileiras e agrupadas em sete setores diferente,
analisando os anos de 2018 a 2020. Através de dados coletados no site B3, foram averiguados
os índices tanto individualmente por empresa, como também a média por setor. Visto isso,
os objetivos do estudo foram atingidos diante da análise feita.
Foi possível verificar que os níveis de carga tributária podem variar de acordo com
seu ramo de atuação. Quando estudadas as empresas individualmente foi observado que o
percentual de carga tributária também depende da situação financeira que a instituição se
encontra, pois, sua parcela pode alcançar desde índices negativos a percentuais superiores a
100% do Valor adicionado. Na média por setor foi encontrado percentuais de carga tributária
desde 5,25% a 56,96%, sendo o setor de Agronegócio que menos destinou sua parcela ao
governo durante os três anos estudados e em média o setor de Petróleo e Químico ocupou nos
três anos as maiores parcelas tributárias. Através da análise dos dados ainda foi visto a relação
do Valor adicionado segue uma hipótese de que quanto maior o Valor Adicionado menor a
carga tributária em alguns setores.
Ademais, o estudo contribuiu para a expor os níveis de tributos destinados ao governo
nos diferentes setores, com base nas maiores empresas do país, através da Demonstração do
Valor adicionado, provando sua relevância na evidenciação de dados. Além da pesquisa
servir de complemento de leitura para outros trabalhos.
Acerca das limitações, o estudo foi executado com uma amostra em poucas empresas
o que não pode servir a um parâmetro nacional, ao verificar índices de uma maior população
os resultados podem ser diferentes, assim esses achados se limitam aos anos da amostra.
Portanto, para estudos futuros recomenda-se uma amostra maior, ou seja, uma maior
quantidade de empresas, em outros períodos, como também seria significativo realizar
pesquisas envolvendo outros setores. De modo a analisar a distribuição do Valor Adicionado
em sua distribuição total, recomenda-se também um estudo de comparação da sua divisão.
154

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157

PERCEPÇÃO DOS GESTORES SOBRE A CONTABILIDADE GERENCIAL EM


MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE DE MOSSORÓ-RN

Antonio Raul Araújo de Oliveira1


Ítalo Carlos Soares do Nascimento2
Geison Calyo Varela de Melo3
Wendy Karla Medeiros de Souza Bezerra4
Jerferson Freitas da Silva5

RESUMO

Este estudo tem como objetivo analisar a percepção dos gestores sobre a contabilidade gerencial
em microempresas e empresas de pequeno porte de Mossoró-RN. Para tanto, desenvolveu-se
uma pesquisa de caráter descritivo e de natureza quali-quantitativa, a partir da aplicação de
questionários a gestores de microempresas e empresas de pequeno porte do município de
Mossoró-RN. A análise dos dados se deu por intermédio de técnicas da estatística descritiva.
De maneira geral, os resultados permitiram concluir que: (i) os recursos mais utilizados no
processo de tomada de decisão pelos gestores são a pesquisa de mercado e a própria
experiência; (ii) a maioria dos gestores considera que o profissional apropriado para avaliar e
controlar o desempenho é o contador; (iii) a área em que a informação contábil é mais útil sob
a percepção dos gestores é a área fiscal; (iv) os relatórios fiscais e trabalhistas são os principais
relatórios provenientes da contabilidade; (v) todos os gestores consideram as informações
contábeis importantes para a tomada de decisão; e (vi) apesar de demonstrarem-se satisfeitos
sobre a qualidade dos serviços contábeis, quando indagados sobre cada item específico proposto
no instrumento de pesquisa, em linhas gerais, verifica-se que a maioria destes serviços precisam
melhorar, sob a ótica dos gestores das microempresas e empresas de pequeno porte da amostra.
Palavras-Chave: contabilidade gerencial, gestores, tomada de decisão.

ABSTRACT

This study aims to analyze the perception of managers about managerial accounting in micro
and small businesses in Mossoró-RN. For that, a descriptive and qualitative-quantitative

1
Graduado em Ciências Contábeis pela Faculdade Católica do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail:
antonioraularaujo@gmail.com.
2
Doutorando e Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Docente da
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: italocarlos25@gmail.com.
3
Doutorando e Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Docente da
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: geisoncalyo@hotmail.com
4
Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente da Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: wendy.bezerra@gmail.com
5
Mestrando em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. E-
mail:jerfersonfreitas111@gmail.com
158

research was developed, from the application of questionnaires to managers of micro and small
companies in the city of Mossoró-RN. Data analysis was carried out using descriptive statistics
techniques. In general, the results allowed us to conclude that: (i) the resources most used in
the decision-making process by managers are market research and their own experience; (ii)
most managers consider that the appropriate professional to evaluate and control performance
is the accountant; (iii) the area in which accounting information is most useful from the
perception of managers is the tax area; (iv) tax and labor reports are the main reports from
accounting; (v) all managers consider accounting information important for decision making;
and (vi) despite demonstrating satisfaction with the quality of accounting services, when asked
about each specific item proposed in the research instrument, in general terms, it appears that
most of these services need to improve, from the perspective of managers of the sample
microenterprises and small businesses.
Keywords: management accounting, managers, decision making.

1 INTRODUÇÃO

A contabilidade gerencial vem passando por uma contínua evolução, ou seja, a


experimentação de muitas mudanças, bem como os instrumentos de tomada de decisão
evidenciados pelos gestores. Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE, 2014) as micros e pequenas empresas nos últimos anos passaram a ser
grandes geradoras de riquezas no Brasil, sendo responsáveis pela maior parte dos empregos
formais, gerando renda, aumentando a arrecadação de tributos e entre outros fatores que
contribuem para movimentar a economia e aumentar o PIB brasileiro.
Diante desse crescimento, os administradores necessitam de informações para ter um
acompanhamento do desempenho da empresa e planejamento das atividades a serem
desenvolvidas. Entretanto, cada ferramenta deve estar alinhada às estratégias organizacionais e
à realidade de cada empresa (FERRONATO, 2011). Percebe-se que as micro e pequenas
empresas (MPE) enfrentam problemas específicos em razão das suas peculiaridades. Apesar de
serem atrativas do ponto de vista de rentabilidade, as deficiências na gestão financeira e
operacional revelam que os micro e pequenos empresários operam de maneira ineficiente, o
que deixam as MPE vulneráveis ao mercado e aos imprevistos comuns dos negócios (SANTOS;
SILVA; NEVES 2011).
Nesse contexto, a gestão empresarial pode ser compreendida como uma estratégia de
159

administração para que seja realizada a estruturação das empresas, onde elas seguem um
modelo de trabalho, tendo como objetivo orientar os gestores nas decisões. Embora se pense
que só as empresas de grande porte precisam de gestão, essa é uma estratégia ainda mais
importante para as pequenas empresas, já que ajuda na administração financeira, pessoal e em
momentos de crises, fazendo com que elas prosperem (CHEN, PODOLSKI;
VEERARAGHAVAN, 2015).
As empresas, em função da dinâmica do mercado, das pessoas e dos objetivos
organizacionais, sofrem mudanças continuamente, e isso exige sempre uma verificação se a
atual gestão está coerente e, com isso, a oportunidade de melhoria. Os métodos e modelos de
gestão empresarial são continuamente aprimorados, além de novas propostas que surgem, e isso
permite às empresas gerenciar de uma maneira mais atual e adequada.
Partindo desta perspectiva, levanta-se a seguinte questão de pesquisa: qual a percepção
dos gestores sobre a contabilidade gerencial em microempresas e empresas de pequeno
porte de Mossoró-RN? Desta forma, o objetivo desta pesquisa é analisar a percepção dos
gestores sobre a contabilidade gerencial em microempresas e empresas de pequeno porte de
Mossoró-RN.
Cabe ressaltar que em mercados competitivos, há a necessidade da realização assídua
de controles internos e análises externas a fim de evitar a possibilidade nociva de falência da
atividade econômica de forma prematura. Assim, este estudo justifica-se por contribuir no
entendimento dos proprietários de pequenas empresas sobre a importância da atuação e a
necessidade do profissional da gestão empresarial. Ademais, o estudo aborda a importância da
gestão dentro das pequenas empresas, evidenciando como o método de gestão é eficaz para que
as empresas possam desenvolver suas habilidades.

2.REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 GESTÃO EMPRESARIAL E A CONTABILIDADE GERENCIAL


A gestão caracteriza-se pela junção das atividades desenvolvidas pelos encarregados
pela coordenação da empresa com o desígnio cumprir a missão e objetivos definidos desde a
sua fundação e da visão de gerenciamento das atividades ou negócios da entidade, incorporando
processos de planejamento, execução e controle dos trabalhos realizados pela entidade
(PADOVEZE; BERTOLUCCI, 2013).
Um ambiente econômico cheio de altos e baixos gera níveis de incertezas para a tomada
160

de decisões; isso tem criado dificuldades sobre a visão do mercado onde está inserido o negócio,
expondo a organização a grandes riscos de prejuízos financeiros. É nesse contexto que a
contabilidade entra em cena, tendo a contribuir fortemente para o desenvolvimento e o
andamento das atividades administrativas de uma entidade.
Para Marion (2009) a contabilidade é um instrumento que auxilia a administração a
tomar decisões; coleta todos os dados econômicos, mensurando-os monetariamente,
registrando-os e sumarizando-os em forma de relatórios ou de comunicados, que contribuem
sobremaneira para a tomada de decisões.
De acordo com Silva (2002, p. 23), “uma empresa sem Contabilidade é uma entidade
sem memória, sem identidade e sem as mínimas condições de sobreviver ou de planejar seu
crescimento”. Segundo Crepaldi (2012, p. 02), “os gestores necessitam de informações de
custos e lucratividade de suas linhas de produtos, segmentos do mercado e de cada produto e
cliente. ” Ainda de acordo com Crepaldi (2012, p. 12), “um sistema de informação contábil
adequadamente estruturado irá permitir uma gestão eficaz das informações necessárias para a
gestão econômica e financeira da empresa.”
Afim de que o empresário trace os objetivos e metas da empresa, a Contabilidade
Gerencial surge como uma ferramenta de apoio para ajudar o empresário a tomar decisões com
maior segurança. A Contabilidade Gerencial atualmente tem sido ferramenta de informações
para o andamento e continuidade das empresas, onde enfoca o planejamento, o controle e a
tomada de decisão. É aplicada dentro dos setores de uma empresa e tem por objetivo auxiliar
os empresários e gestores na tomada de decisões, sendo esse um dos maiores objetivos da
Ciência Contábil, e é o profissional contábil que fornece essas informações, que faz toda a
diferença em uma decisão (PAULO; CINTRA, 2018).
Assim, as entidades podem contar com essa ferramenta importante, que é a
contabilidade gerencial, que vem com o objetivo de fornecer informações precisas, para que os
gestores possam tomar decisões, diminuindo o risco de fracasso por uma decisão precipitada.
Segundo Camilo e Silva (2020), o mercado está se tornando mais intenso e a concorrência
aumentando a cada dia, assim é vital que os administradores das entidades possam contar com
informações e ferramentas para elaborar o planejamento e aplicar controles que resultem em
informações úteis para auxiliar na tomada de decisão.
É o profissional contábil que irá acompanhar os dados econômicos da empresa e irá
orientar o empresário na tomada de decisões, pois transformará as informações que passam
161

despercebidas para o empresário em uma linguagem acessível, tornando a situação financeira,


fiscal e econômica da empresa mais transparente de forma que o empreendedor seja capaz de
conhecer de fato sua empresa (ASSUNÇÃO; DE LUCA; VASCONCELOS, 2014).
Os registros da contabilidade gerencial serão a base para as tomadas de decisões dos
administradores, pois ela se alimenta de informações, que por sua vez “se eficientes”, têm suas
ações pautadas nas informações contábeis (MARION, 2009). Dentro dessa perspectiva,
Iudícibus (1998), já assegurava que a contabilidade gerencial, num sentido mais profundo, está
voltada para a administração da empresa, procurando suprir as informações que se encaixem de
uma maneira efetiva no modelo decisório do administrador.

2.2 O CONTADOR GERENCIAL

O Contador Gerencial consegue identificar, medir, analisar, preparar, interpretar e


relatar informações financeiras e operacionais para o uso da administração da empresa, nas
funções de planejamento, avaliação e controle de suas atividades e para assegurar o uso
apropriado e a responsabilidade de seus recursos (VALMORBIDA; ENSSLIN; ENSSLIN,
2018).
Semelhantemente, o contador gerencial é definido de acordo com a International
Federation of Accountants (IFAC – Federação Internacional dos Contadores, dos Estados
Unidos) como o profissional que identifica, mede, acumula, analisa, prepara, interpreta e relata
informações financeiras e operacionais para uso da empresa, no planejamento, avaliação e
controle das atividades, assegurando o uso apropriado e a responsabilidade abrangente de seus
recursos (MARION; RIBEIRO, 2011).
Schvenger, (2014) informa que os profissionais da contabilidade são capazes de
estimular os empresários, com os quais trabalham e de quem obtém uma estreita relação de
confiança, os melhores comportamentos empreendedores, pois desenvolvem as suas
habilidades gerenciais em favor da gestão adequada da sua empresa.
A contabilidade gerencial tem ferramentas que, quando trabalhadas em conjunto,
fornece relatórios mais precisos, que são análises de liquidez, endividamento e rentabilidade
que avalia as variações financeiras, econômica e patrimonial da organização. De acordo com
Camilo e Silva (2020), a gestão contábil vem para transferir informações através das
ferramentas contábeis, que auxiliam os gestores ou instituições nas tomadas de decisões, tendo
162

em vista a clareza e a confiabilidade das demonstrações contábeis, que detalham a situação


patrimonial da empresa dando maior credibilidade a ela.
A Contabilidade Gerencial, segundo Camilo e Silva (2020), é uma das subdivisões da
contabilidade que surgiu da necessidade de controlar os bens, e ao passar dos anos com a
evolução das empresas, essas subdivisões tiveram que evoluir e ganharam mais relevância. A
contabilidade gerencial tem o propósito de fornecer informações aos gestores para que possam
utilizá-las na tomada de decisão (HORNGREN; SUNDEM; STRATTON, 2004; ATKINSON
et al., 2008).
O contador gerencial precisa ser um profissional altamente qualificado, com profundo
conhecimento dos princípios de contabilidade, pois ajuda a definir e controlar o fluxo de
informações da empresa, utilizando conhecimento de tecnologia avançada, ser adepto a
operações virtuais, ser empreendedor, estar sempre motivado e altamente produtivo, ser
comprometido com o sucesso da empresa, bem como é absolutamente necessário que um
contador esteja sempre presente nesse cenário, tendo em vista a grande importância de seus
trabalhos para a continuidade de todas as empresas.
Conforme Iudícibus (2009) a Contabilidade Gerencial é indispensável para a gestão de
negócios. Os sistemas de contabilidade gerencial das empresas são inadequados para a realidade
atual, desencadeando um desequilíbrio no desempenho das empresas. Os sistemas de
contabilidade gerencial estão deixando de fornecer informações úteis, oportunas para as
atividades de controle, avaliação do custo dos produtos e dos desempenhos dos gerentes.
A contabilidade é essencial na tomada de decisão porque identifica onde, como e quando
o dinheiro ingressou na empresa e foi gasto, registrando, ainda, os compromissos que foram
feitos. Dentro dessa perspectiva e através da avaliação sobre as implicações financeiras de
escolher um plano de ação em vez de outro. A contabilidade, ainda, ajuda a dirigir a atenção
aos problemas atuais, assim como as oportunidades, e auxilia a prever os efeitos futuros das
decisões tomadas (SALAZAR; BENEDICTO, 2004).
O profissional contábil dispõe das ferramentas que são capazes de gerar informações
para dar fundamento nas tomadas de decisões e consolidar as empresas no mercado. Essas
ferramentas são importantes e asseguram confiabilidade aos gestores. Por meio das informações
obtidas nas demonstrações contábeis, os gestores podem transformar eventos irreversíveis, em
novas oportunidades (CAMILO; SILVA, 2020).
O profissional Contábil proporcionará uma visão crítica dos resultados da empresa,
163

sempre avaliando novos meios que possam alavancar o desempenho empresarial, bem como
acompanhando as mudanças e exigências do mercado, financeira, econômica, fiscal para
garantir a atualização da empresa (MARION, 2009).

2.3 MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE

De acordo com a Lei Geral nº 123/2006 e suas alterações, consideram-se como


Microempresa e Empresa de Pequeno Porte a sociedade empresária ou simples, a empresa
individual de responsabilidade limitada e o empresário devidamente registrado no registro de
empresas mercantis ou no registro civil, aquelas com receita bruta anual de até R$ 360.000,00
ou entre R$ 360.000,01 e R$ 3.600.000,00.
Shahabi, Hosseinpour e Soheila (2014) destacam que as pequenas e médias empresas
(PME) são relevantes para o desenvolvimento econômico da maioria dos países em
desenvolvimento, uma vez que contribuem para a geração de receitas públicas por meio de
pagamento de tributos e proporcionam lucros, dividendos e salários às famílias. No aspecto
social, impulsionam a redução da pobreza pelas transferências financeiras e rendimentos do
trabalho e de propriedade da empresa.
As Micro e Pequenas Empresas geralmente são familiares, na qual trabalham membros
de uma mesma família, em seus primeiros anos de abertura. Eles são inseguros em relação a
movimentação do mercado, clientes e localização. Muitos dos motivos que não permitem que
tais empresas não consigam sobreviver por muito tempo, tem a ver com o mau planejamento e
a competência do empresário, que em sua maioria das vezes não são capacitados, não tem
formação profissional contábil e nem em gestão de negócios, dificultando assim o sucesso da
empresa, levando a maior parte ao fracasso.
As micro e pequenas empresas ao longo dos anos também se tornaram fortes ícones na
economia brasileira, sendo responsáveis pela maior parte dos empregos formais, distribuição
de renda, arrecadação de tributos, desenvolvimento de regiões, entre outros fatores que
movimentam a economia e aumentam o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (SEBRAE,
2007; 2011; 2013).
Porém, a falta de aprimoramento dos gestores e conhecimento de instrumentos
gerenciais tem contribuído para inibir o crescimento destas empresas, pois o gerenciamento
nessas organizações geralmente é realizado de forma intuitiva. Também são poucas as empresas
164

que se utilizam da análise de dados como apoio ao planejamento e à tomada de decisão (LIMA;
IMONIANA, 2008).
As Micro e Pequenas Empresas que utilizam a Contabilidade Gerencial tomam decisões
com segurança e alcançam metas e objetivos, podendo ampliar as oportunidades no mercado.
Segundo Crepaldi (2011), uma das técnicas utilizadas para auxiliar no avanço competitivo é o
uso do sistema de informações, oferecendo as empresas relatórios gerenciais com informações
que auxilie no processo de gestão criando vantagens competitivas no mercado concorrente.
Antonik (2004, p. 37) ressalta que “as pequenas e médias empresas têm capacidade
enorme de adaptação às necessidades do mercado. Podem tomar decisões rápidas e pontuais,
reagindo de imediato às suas mudanças e exigências”.
A facilidade para absorver processos inovadores é uma das características positivas mais
importantes das micros e pequenas empresas. Essas companhias são importantes fontes de
processos inovadores, produtos e serviços e podem ser mais eficientes em produzir inovação
do que as grandes empresas (USITC, 2010).
Segundo Fernandes et al. (2010) outra dificuldade enfrentada por essas empresas é o
empirismo na questão do planejamento, o que acaba fazendo com que elas não utilizem as
ferramentas de planejamento estratégico de forma adequada para uma gestão eficiente, eficaz e
efetiva.

3 METODOLOGIA

Ao analisar a percepção dos gestores sobre a contabilidade gerencial em microempresas


e empresas de pequeno porte de Mossoró-RN, esta pesquisa classifica-se como descritiva
quanto aos seus objetivos, quali-quantitativa quanto à sua natureza, e de campo (survey) quanto
aos seus procedimentos (LAKATOS; MARCONI, 2005).
O universo da pesquisa compreende gestores e empresários de microempresas e
empresas de pequeno porte de Mossoró-RN, tendo como amostra final 10 respondentes, os
quais se disponibilizaram a participar da pesquisa, através do instrumento de coleta de dados.
Cabe ressaltar que a escolha dos participantes se deu por critérios de acessibilidade e
conveniência.
A coleta de dados se deu através de um questionário com questões fechadas, de múltipla
escolha e com escala likert de cinco pontos. O questionário foi adaptado das pesquisas de
165

Caneca et al. (2009), Moreira et al. (2013) e de Barbosa e Santos (2019). O instrumento de
coleta foi aplicado de forma eletrônica, através da ferramenta do google forms, sendo aplicados
no mês de janeiro de 2022. Realizou-se contato com os participantes através de e-mail e rede
social (whatsapp).
A análise se deu através de técnicas da estatística descritiva, com indicação de
frequências. Os dados foram tratados com o auxílio do Microsoft Office (Excel), permitindo
assim a sua apresentação através de tabelas. Além disso, foi realizada uma interpretação das
respostas dos questionários, bem como um confronto com os achados anteriores, permitindo-
se inferir com conclusões voltadas à satisfação do objetivo proposto.

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Esta seção exibe os achados da pesquisa. Para melhor visualização, foram divididos em
dois subtópicos. O primeiro apresenta a caracterização do perfil dos respondentes e empresas
da amostra; e o segundo apresenta a percepção dos gestores sobre a contabilidade gerencial em
microempresas e empresas de pequeno porte de Mossoró-RN.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA

Inicialmente, com o objetivo de caracterizar o perfil dos respondentes e das empresas


da amostra, na Tabela 1 são apresentadas informações sobre o gênero e escolaridade dos
participantes da pesquisa e ainda e o porte (tamanho) e tempo de funcionamento das empresas.
Observa-se uma pequena predominância de respondentes do gênero feminino (60%),
demonstrando assim que há um crescimento da presença feminina em cargos de gestão.
Verifica-se ainda que a maioria dos respondentes possuem ensino superior completo (50%) ou
incompleto (40%).

Tabela 1 – Caracterização dos respondentes e empresas da amostra


Caracterização da amostra Frequência %
Masculino 4 40,0
Gênero
Feminino 6 60,0
Ensino médio incompleto 1 10,0
Escolaridade Ensino superior incompleto 4 40,0
Ensino superior completo 5 50,0
Microempresa 7 70,0
Porte da empresa
Empresa de pequeno porte 3 30,0
166

Tempo de 1 a 3 anos 4 40,0


funcionamento da 4 a 6 anos 1 10,0
empresa 10 anos ou mais 5 50,0
Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Quanto às características organizacionais, observa-se que a amostra do estudo é


composta tanto por microempresas (70%) quanto por empresas de pequeno porte (30%). Cabe
ressaltar que estas empresas estão localizadas no município de Mossoró-RN, sendo que 50%
está em funcionamento no mercado há 10 anos ou mais. Cabe ressaltar ainda que 40% destas
empresas estão no mercado entre 1 e 3 anos, ou seja, estão no início de suas operações.

4.2 PERCEPÇÃO DOS GESTORES SOBRE A CONTABILIDADE GERENCIAL

Esta subseção foi delineada a partir do objetivo geral do estudo de a percepção dos
gestores sobre a contabilidade gerencial em microempresas e empresas de pequeno porte de
Mossoró-RN. Inicalmente, foi indagado aos gestores sobre quais os recursos são mais utilizados
para a tomada de decisão. As respostas podem ser visualizadas no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Recursos utilizados para tomada de decisão

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

De acordo com o Gráfico 1, os recursos mais utilizados pelos gestores no processo de


tomada de decisão são a pesquisa de mercado (60%) e a experiência (50%). Já quanto ao recurso
menos utilizado, destaca-se o uso de planilhas estatísticas, tendo em vista que este recurso é
utilizado por apenas 2 gestores (20%). Na pesquisa de Moreira et al. (2013), aplicada com
gestores da cidade de Teófilo Otoni/MG, observou-se que a maioria dos gestores confia na
própria experiência, recorrendo também a pesquisas de mercado, nesta ordem de importância,
167

corroborando assim os achados deste estudo.


Dando prosseguimento, levantou-se o seguinte questionamento: “Quem você
contrataria para produzir informações que ajudassem no controle das operações e avaliação do
desempenho da empresa?” (Tabela 2).

Tabela 2 – Profissional que contrataria para avaliar e controlar o desempenho


Profissional Frequência %
Contador 6 60,0
Administrador 2 20,0
Economista 2 20,0
TOTAL 10 100
Fonte: Dados da Pesquisa (2022).

Conforme Tabela 2, a maioria dos gestores participantes da pesquisa aponta que


realizaria a contratação do profissional contábil (60%). Entretanto, cabe destacar que 2
respondentes considera que contrataria administradores (20%) ou economistas (20%) para tal
função delimitada na questão.
Na pesquisa de Moreira et al. (2013), o profissional mais indicado para contratação foi
o administrador, com aproximadamente 50% das indicações, ficando o contador em 2º lugar.
Desta forma, observa-se que ao longo dos anos há uma valorização da profissão contábil, tendo
em vista que, de acordo com os dados da presente pesquisa, há uma maior procura por estes
profissionais.
Levando-se em consideração a diversidade de informações que podem ser
proporcionadas pela contabilidade, foi questionado acerca de qual área a informação contábil
tem mais utilidade para as empresas pesquisadas de acordo com a percepção dos participantes
(Tabela 3).

Tabela 3 – Área em que a informação contábil é mais útil sob a percepção dos participantes
Área Frequência %
Fiscal 6 60,0
Controle gerencial e tomada de decisão 2 20,0
Fiscal, trabalhista e contábil 1 10,0
Todas as áreas 1 10,0
Total 10 100
Fonte: Dados da Pesquisa (2022).

Conforme Tabela 3, a área em que a informação contábil é mais útil sob a percepção
dos gestores da amostra é área fiscal (60%). Destaca-se ainda que 2 gestores consideram a
168

informação contábil útil para fins de controle gerencial e tomada de decisão, como também 1
gestor considera útil tanto a informação fiscal, trabalhista e contábil, e 1 respondente considera
a importância da informação contábil para todas as áreas. Confrontando-se tal resultado aos
achados de Moreira et al. (2013), observa-se esta mesma tendência, tendo em vista que a área
de maior destaque foi a fiscal (60,7%), seguida de controle gerencial e tomada de decisão
(21,3%).
Diante disso, foi questionado sobre quais relatórios contendo informações gerenciais a
respeito do seu negócio são recebidos da contabilidade (Tabela 4). Observa-se que a maioria
dos gestores obtém da contabilidade os relatórios fiscais e trabalhistas (60%). Apenas 2 deles
recebem também o fluxo de caixa, balanço patrimonial, balancetes e demonstração do
resultado.

Tabela 4 – Relatórios provenientes da Contabilidade


Relatórios Frequência %
Fluxo de caixa, balanço patrimonial, balancetes, DRE 2 20,0
Relatórios fiscais e trabalhistas 6 60,0
Relatórios de entrada/saída de mercadorias, vendas, contas a pagar 1 10,0
Nenhum 1 10,0
Total 10 100
Fonte: Dados da Pesquisa (2022).

Ainda de acordo com a Tabela 4, apenas 1 gestor recebe da contabilidade relatórios de


entrada/saída de mercadorias, vendas e contas a pagar. Por fim, destaca-se que 1 gestor aponta
que não recebe nenhum relatório. Na pesquisa de Moreira et al. (2013) os destaques foram para
os itens “nenhum” e para “não opinaram”, demonstrando assim que os gestores não recebiam
relatórios da contabilidade. Desta forma, observa-se que houve uma melhoria ao longo dos
últimos anos.
Logo após, foi questionado se as informações recebidas da Contabilidade são
importantes para o suporte à tomada de decisão que envolva questões econômico-financeiras
(Tabela 5). Para este quesito, a resposta foi unânime para sim, demonstrando que os gestores
da amostra desta pesquisa consideram as informações contábeis importantes para a tomada de
decisão. Na pesquisa de Moreira et al. (2013) os resultados foram semelhantes, com cerca de
60% de concordância, porém parcela da amostra assinalou para “não” (15%) e “não opinaram”
(25%). Com isso, evidencia-se mais uma vez a valorização da profissão contábil.

Tabela 5 – Importância das informações contábeis.


169

Opinião Frequência %
Sim 10 100
Não 0 0
TOTAL 10 100
Fonte: Dados da Pesquisa (2022).

Finalizando esta primeira parte do questionário, foi proposto ao gestores a avaliação da


qualidade dos serviços contábeis da sua empresa em uma escala de seis pontos, sendo 1 para
insuficiente, 2 para deficiente, 3 para regular, 4 para boa e 5 para excelente.

Tabela 6 – Qualidade dos serviços contábeis sob a percepção dos gestores


Área Frequência %
Insuficiente 2 20,0
Deficiente 1 10,0
Regular 1 10,0
Boa 3 30,0
Excelente 3 30,0
Total 10 100
Fonte: Dados da Pesquisa (2022).

Conforme Tabela 6, a maioria dos gestores encontram-se satisfeitos com a qualidade


dos serviços contábeis. Observa-se que 3 deles apontam para os itens “boa” e “excelente”. Desta
forma, para avaliar a satisfação dos gestores com os serviços contábeis recebidos, foi indagado
aos gestores o que, na opinião deles, poderia melhorar nos serviços prestados pelos contadores
atualmente. Para auxiliá-los, foi fornecida uma lista com as seguintes opções como resposta: já
está bom; precisa melhorar; eu mesmo faço; não utilizo e sem resposta. Os itens não utilizo e
sem resposta não foram mencionados pelos participantes. Os resultados estão dispostos na
Tabela 7.
A partir das respostas obtidas na Tabela 7, evidencia-se a necessidade de apoio na
geração de informação para controle e planejamento dos negócios. O item que recebeu o maior
número de assinalações (90,0%) de "precisa melhorar" foi "contatos mais frequentes (visitas,
telefonemas, e-mails etc.)". Apenas 10,0% dos entrevistados consideram que esse aspecto já
está bom.
Outro resultado que chama a atenção é que 70,0% dos respondentes também acham que
seus contadores devem adquirir mais conhecimento para poder gerar informação e relatórios
que ajudem na gestão do negócio. Este resultado ganha maior expressão quando se verifica que
apenas 20,0% dos respondentes consideram que esse conhecimento "já está bom", e 10,0%
realiza o item em questão sozinho.
170

Tabela 7 – Satisfação com os serviços prestados pelo profissional contábil


Já está bom Precisa Eu mesmo
Assertivas/variáveis melhorar faço
F % F % F %
1. Entregar relatórios, diferentes dos atuais, que possam ajudar
3 30,0 5 50,0 2 20,0
na gestão do negócio
2. Ter mais conhecimento sobre legislação e impostos 7 70,0 2 20,0 1 10,0
3. Conhecimentos sobre planejamento tributário 2 20,0 7 70,0 1 10,0
4. Mais conhecimento para poder gerar informação e relatórios
2 20,0 7 70,0 1 10,0
que ajudem na gestão do negócio
5. Entregar os relatórios com mais pontualidade (menos atraso) 6 60,0 4 40,0 - -
6. Contatos mais frequentes (visitas, telefonemas, e-mails etc.) 1 10,0 9 90,0 - -
7. Usar mais a Internet para se comunicar com os clientes 4 40,0 5 50,0 1 10,0
8. Melhor relacionamento pessoal 4 40,0 6 60,0 - -
9. Conhecimentos para ajudar a calcular o lucro do mês 3 30,0 6 60,0 1 10,0
10. Mais conhecimento sobre transações bancárias e cálculos
3 30,0 5 50,0 2 20,0
de juros para decisão de tomada de financiamento
11. Conhecimentos para ajudar a calcular o caixa gerado no mês 2 20,0 4 40,0 4 40,0
12. Conhecimentos para ajudar na definição do preço dos
1 10,0 5 50,0 4 40,0
produtos
13. Conhecimentos para ajudar a calcular o custo dos produtos 1 10,0 5 50,0 4 40,0
Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Reforçando a necessidade de apoio na área de contabilidade gerencial esses resultados


confirmam os achados Caneca et al. (2009), que em sua pesquisa aplicada na região
metropolitana de Recife, com 130 gestores de micro e pequenas empresasas, com o objetivo de
investigar as variáveis que afetam a qualidade dos serviços contábeis prestados por contadores
externos, reveleram resultados semelhantes sobre os itens supracitados.
Sobre o aspecto tributário, 70,0% consideram que esses profissionais precisam melhorar
seus conhecimentos sobre planejamento tributário. Alguns resultados são um pouco
preocupantes, pois o distanciamento entre contador e cliente dificulta ao contador perceber as
reais dificuldades e necessidades de seus clientes. Este resultado diverge dos achados de Caneca
et al. (2009), em que a maioria dos respondentes considera que o aspecto tributário “já está
bom”.
Em linhas gerais, os resultados demonstram que apenas para dois aspectos os gestores
estão satisfeitos, considerando-se o percentual para o item "já está bom" indicado para as
assertivas "ter mais conhecimento sobre legislação e impostos (70%) e “entregar os relatórios
com mais pontualidade” (60%). Ainda conforme Tabela 7, as demais variáveis apresentaram
percentuais de 10%, 20% e 30%, em sua maioria, demonstrando assim insatisfação com os
serviços prestados.
Em contrapartida, a maioria dos gestores consideram que muitos serviços prestados pelo
171

profissional contábil precisam melhorar, tendo em vista o alto percentual indicado para as
assertivas. Ademais, em algumas circunstâncias, demonstrou-se que os serviços são feitos pelos
próprios gestores, demonstrando assim a insatisfação destes para com os contadores.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa tem por objetivo analisar a percepção dos gestores sobre a contabilidade
gerencial em microempresas e empresas de pequeno porte de Mossoró-RN. Para tanto,
desenvolveu-se uma pesquisa de caráter descritivo, de natureza quali-quantitativa e de campo
do tipo survey, por meio de aplicação de questionários, cujas análises foram realizadas mediante
técnicas da estatística descritiva. Participaram da pesquisa 10 gestores, sendo 7 de
microempresas e 3 de empresas de pequeno porte.
De maneira geral, os resultados permitiram concluir que: (i) os recursos mais utilizados
no processo de tomada de decisão pelos gestores são a pesquisa de mercado e a própria
experiência; (ii) a maioria dos gestores considera que o profissional apropriado para avaliar e
controlar o desempenho é o contador; (iii) a área em que a informação contábil é mais útil sob
a percepção dos gestores é a área fiscal; (iv) os relatórios fiscais e trabalhistas são os principais
relatórios provenientes da contabilidade; e (v) todos os gestores consideram as informações
contábeis importantes para a tomada de decisão.
Quando questionados sobre a qualidade dos serviços contábeis, a maioria dos gestores
demonstrou-se satisfeita. Entretanto, quando indagados sobre cada item específico proposto no
instrumento de pesquisa acerca dos serviços contábeis prestados, em linhas gerais, verifica-se
que a maioria destes serviços precisam melhorar, sob a ótica dos gestores das microempresas e
empresas de pequeno porte da amostra.
Desta forma, a pesquisa apresenta contribuições de cunho prático ao analisar aspectos
relacionados aos serviços oferecidos pelos contadores, como também as características desses
profissionais contábeis, demonstrando que além dos serviços tradicionais, o desempenho de
outras atribuições simples, como fazer visitas frequentes, dedicar maior atenção aos clientes e
ter um bom relacionamento pessoal com o cliente, influenciam positivamente a qualidade nos
serviços contábeis oferecidos.
Do ponto de vista teórico, a pesquisa avança na discussão do tema e evidencia a
necessidade de os profissionais contábeis buscar sempre conhecimentos para que assim se
172

mantenham atualizados e possam prestar os serviços às empresas de forma qualificada, afim de


evitar que tais empresas venham a abrir falência e assim possam ajudar a diminuir a mortalidade
precoce das mesmas.
O estudo apresenta algumas limitações, especialmente no que diz respeito ao tamanho
da amostra de apenas 10 gestores, em razão do contexto pandêmico causado pela Covid-19, que
impossibilitou a aplicação do instrumento de pesquisa de maneira presencial. Além disso, outro
fator limitante foi a utilização de outras técnicas de análise, também em função da baixa
amostragem. Por esta razão, recomenda-se para futuras pesquisas a ampliação do universo da
amostra, como também a aplicação de outras técnicas estatísticas. Sugere-se ainda investigar a
percepção de gestores de médias grandes empresas e também dos profissionais contábeis.

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175

O PAPEL DA PERÍCIA CONTÁBIL NO CONTEXTO SOCIAL

Keliane de Melo Ramalho1


Sabrina Paulino de Oliveira2
Levy Ruanderson Ferreira da Silva3
Wênyka Preston Leite Batista da Costa 4
Jandeson Dantas da Silva5

RESUMO

O objetivo da pesquisa é verificar a percepção dos discentes de ciências contábeis quanto ao


papel da perícia contábil no contexto social. Utilizou-se uma pesquisa descritiva, levantamento
e quantitativa através de um questionário fechado com as respostas do tipo escala likert para a
consecução dos objetivos propostos. Quanto aos resultados do estudo é possível evidenciar por
meio da percepção dos discentes que a perícia contábil possui seu papel e relevância no meio
social. Visto que ele auxilia ao juiz a obter provas para a solução do litígio, e assim fazer justiça
às partes, por meio de uma sentença mais justa dada pelo magistrado. Pode-se concluir que os
achados dessa pesquisa se fazem relevantes, pois busca contribuir para o meio acadêmico,
prático e social que compreende a Perícia Contábil.
Palavras-chave: Perícia Contábil. Contexto Social. Perito contador.

ABSTRACT

The objective of the research is to verify the perception of accounting sciences students
regarding the role of accounting expertise in the social context. A descriptive, survey and
quantitative research was used through a closed questionnaire with likert scale responses to
achieve the proposed objectives. As for the results of the study, it is possible to show through
the students' perception that accounting expertise has its role and relevance in the social
environment. Since it helps the judge to obtain evidence for the solution of the dispute, and thus
to do justice to the parties, through a fairer sentence given by the magistrate. It can be concluded
that the findings of this research are relevant, as it seeks to contribute to the academic, practical
and social environment that comprises the Accounting Expertise.
Keywords: Accounting Expertise. Social context. Accountant expert.

1 INTRODUÇÃO

1 Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: keliane.melo.14@gmail.com


2
Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: sabrinauern@gmail.com
3
Mestrando em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: levy.silva.700@ufrn.edu.br
4
Doutora em Administração - UNP. E- mail: wenykapreston@hotmail.com
5
Doutor em Administração - UNP. E- mail: jandeson.dantas@gmail.com.br
176

A Ciência Contábil é uma das ciências sociais que possui diversas ramificações e áreas
de atuação para o profissional contabilista. Destacando-se a Perícia contábil como uma área em
ascensão, como auxílio da resolução de conflitos e litígio, nas esferas judiciais e extrajudiciais,
que possuem situações conflitantes que se faz necessária um parecer de um expert para ser
solucionado.
A perícia contábil é segmentada em judicial, extrajudicial, semijudicial ou pública e
arbitral, onde o perito judicial aquele nomeado pelo juiz, irá buscar a verdade de acordo com
todos os fatos levantados a respeito daquele litígio. Sua atuação é imparcial com relação ao
objetivo e as partes envolvidas na lide, característica essa que envolve natureza trabalhista,
cível, criminal e tributária. Intensificando o sentimento de justiça perante a sociedade,
demonstrando a verdade e auxiliando na melhor decisão do juiz (GONÇALVES et al., 2014).
Visando promover a justiça social, a perícia contábil vem atuando na sociedade através
das informações prestadas ao magistrado, em que sua finalidade é possibilitar que uma das
partes possa ser lesada. Dito isto, vem auxiliar aos juízes na sentença, onde os mesmos podem
chegar a uma conclusão mais justa, por meio do suporte do laudo pericial, realizado conforme
as normas deliberadas, de forma clara e objetiva (SÁ, 2011).
Diante do exposto tem-se a seguinte questão de pesquisa: Qual a percepção dos
discentes de ciências contábeis quanto ao papel da perícia contábil no contexto social? Como
objetivo geral busca verificar a percepção dos discentes de ciências contábeis quanto o papel
da perícia contábil no contexto social.
Esse estudo justifica-se pela necessidade de discutir-se a respeito da perícia contábil,
assim como a relação e o seu papel social, auxiliando não apenas na tomada de decisões do juiz,
mas como ela impacta na promoção da justiça, fazendo a verdade vir à tona, propiciando
benefícios para a sociedade através da sua atuação.
Quanto às contribuições, é relevante evidenciar a discussão e disseminação de estudos
a respeito dessa temática abordada no Brasil, tendo em vista poucos estudos trazerem essa
vertente do contexto social da perícia contábil, contribuindo com a literatura pertinente à
contabilidade com o enfoque no papel social do perito contador. Considerando a decorrência
do aumento de processos judiciais e a escassez de profissionais que atuem na área, assim, sendo
necessário se requisitar um profissional especialista. Este trabalho também vai trazer
contribuições práticas, profissionais da área e demais interessados, ou seja, a sociedade de
177

forma geral, visto que este servirá para que as pessoas tomem conhecimento do papel da perícia
contábil como meio de promover a justa solução de litígios (SOUSA, 2020).
Este estudo encontra-se dividido em 5 seções. A primeira com esta contextualização do
tema abordado, em sequência, o referencial teórico levantado por meio dos estudos já
desenvolvidos até o presente momento, em seguida a metodologia trabalhada, logo depois, os
resultados e discussões, e por último as considerações finais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A PERÍCIA CONTÁBIL E SEU CONTEXTO SOCIAL

Para exercer a perícia contábil, é necessário que o profissional possua curso superior em
Ciências Contábeis e que esteja registrado no Conselho Regional de Contabilidade situado em
seu estado atuante. Para tanto, Gonçalves et al. (2014) ressaltam que a perícia contábil exige
um conhecimento técnico-científico o qual possa desenvolver uma diferença plena para que
então haja a obtenção de bons resultados nos fatos exigidos.
Para haver uma melhor desenvoltura na justiça, o perito contábil auxilia o juiz com
laudos periciais com material técnico-científica a qual o juiz não dispõe do conhecimento na
área a, qual o perito atua, portanto, esta é considerada um papel relevante de perito contábil
atuando na justiça social (XAVIER; TURUTA, 2016).
Em seu estudo Strassburg, Ortolan e Borsoi (2019) destacam que 90% dos entrevistados
possuem especialização e 10% concluíram mestrado e doutorado. Os autores ainda ressaltam
que os peritos contábeis não estagnam na graduação. Com isto, considera-se que o perito
contador dispõe deste conhecimento para auxiliar no âmbito jurídico devido a sua constância
em buscar informações técnicas-científicas em especializações, mestrados e doutorados.
O perito contador necessita de ter a ciência de sua relevância, utilizando as metodologias
contábeis cabíveis da perícia e seu conhecimento de responsabilidades para com a sociedade e
justiça. Entende-se que a perícia contábil e a contabilidade integram informações em um único
sistema para disponibilizar aos seus usufruístes noções para as tomadas de decisões (FRAGA,
2017).
Ademais, a perícia contábil reforça que é um dos apoios para que o magistrado demande
suas sentenças, neste sentido o papel do perito contábil nesta esfera é de auxiliar nos conflitos
178

entre as partes (jurídica ou pessoas físicas). Portanto, o perito-contador é de suma importância


para a administração da justiça (GONÇALVES et al., 2014). A Norma brasileira de
contabilidade – NBC PP 01 (R1) que determina sobre perito contábil quanto ao conceito e a
responsabilidade civil e penal, ressalva que:

Perito é o contador detentor de conhecimento técnico e científico, regularmente


registrado em Conselho Regional de Contabilidade e no Cadastro Nacional dos Peritos
Contábeis, que exerce a atividade pericial de forma pessoal ou por meio de órgão
técnico ou científico, com as seguintes denominações:
(a) perito do juízo é o contador nomeado pelo poder judiciário para exercício da
perícia contábil;
(b) perito arbitral é o contador nomeado em arbitragem para exercício da perícia
contábil;
(c) perito oficial é o contador investido na função por lei e pertencente a órgão especial
do Estado;
(d) assistente técnico é o contador ou órgão técnico ou científico indicado e contratado
pela parte em perícias contábeis
A legislação civil determina responsabilidades e penalidades para o profissional que
exerce a função de perito, as quais consistem em multa, indenização e inabilitação.
A legislação penal estabelece penas de multa e reclusão para os profissionais que
exercem a atividade pericial que descumprirem as normas legais (BRASIL, 2020).

A função central da perícia contábil é conhecida por necessariamente auxiliar àqueles


que demandam nas esferas judiciais e extrajudiciais, do papel arbitrário do perito para que este
solucione discutíveis assuntos técnicos quanto a patrimônios de pessoas e sociedade. Portanto,
a perícia contábil torna-se a base da contabilidade, a qual possui compreensão e
desenvolvimento de vias técnicas e científicas (AGUIAR; GONZÁLEZ, 2019).
Para obter um laudo pericial em qualidade, o perito contábil deve possuir a capacidade
técnica de desenvolvê-lo, tal como esta capacidade se adquire durante sua prática profissional,
a competência do rigor técnico torna-se indispensável na contribuição para com a justiça e sua
tomada de decisão final (XAVIER; TURUTA, 2016). Portanto, uma das obrigações do perito
contábil é aplicar o laudo com uma linguagem técnica, mas que seja de fácil entendimento para
leigos.
A perícia contábil necessita apresentar sua qualidade de trabalho e serviço, para tanto,
Sá (2010) destaca algumas características indispensáveis para ter seus princípios e continuidade
de bom serviço, sendo elas a objetividade que define como sendo a desenvoltura do perito a
qual não desvie a matéria que estimulou a questão da perícia.
Quanto à precisão da perícia contábil, equivale o favorecimento em respostas oportunas
quanto às questões elaboradas. A clareza dos relatórios de perícia deve seguir a linguagem
coerente para seus usuários, adequando-se a terminologia tecnológica e científica. Ademais, a
179

confiabilidade a qual a perícia apoia-se, compreende quanto aos elementos pertinentes


legalmente e tecnologicamente (SÁ, 2010).
Considera-se que a perícia contábil aborda não apenas questões de conciliação, mas
principalmente prover a justiça. Portanto, quanto ao viés da justiça, o perito contador tem sua
relevância neste âmbito, focando principalmente ao fornecimento do laudo pericial para haver
a característica de clareza nas dúvidas e questionamentos quanto ao cunho contábil. Por fim, é
através do laudo pericial que o perito contador desenvolve resultados para apoiar a justiça na
solução (FROTA et al., 2020).
Visto que a perícia contábil tem o objetivo auxiliar a justiça em questões de
compreensão quanto a documentos técnicos contábeis presentes em ação judicial, o perito
contábil torna-se indispensável para as decisões judiciais (VITTO et al., 2020). O Código de
Processo Civil que ampara o perito contador, destaca alguns pontos quanto ao perito no âmbito
judicial quanto às suas responsabilidades civis e penais.
O art. 468 do código de processo civil destaca que o perito poderá ser substituído caso
este não possua conhecimento técnico-científico; sem quaisquer motivações e não cumprir com
seu serviço. Por estes motivos, o perito contador poderá sofrer multa e substituição (BRASIL,
2015).
Quanto à pena e reclusão do perito, o juiz determina 2 anos ou 4 anos e multa, além
disso, a pena e multa poderão ser incluída até um sexto, caso haja suborno. No entanto, antes
destas aplicabilidades de penalidade para com o perito, ainda há o tempo de reclusão para que
o perito retrate ou declare a verdade (BRASIL, 2015).
Portanto, a legislação civil define as responsabilidades e penalidades para o perito
contábil, constando multa, indenização e impossibilitação. Quanto ao código penal, ver-se-á
quanto multas e reclusão para os divergentes das normas legais (VITTO et al., 2020).
Tendo delimitado estas deliberações, considera-se que a perícia contábil atribui o dever
de priorizar a ética e zelo em todos os aspectos quanto à sua responsabilidade social. Hasbun,
Lima e Borges (2017) obtiveram em sua pesquisa resultados positivos quanto à ética como
sendo uma das características mais relevantes sob a ótica dos entrevistados, ou seja, a ética,
investigação, critério e sigilo são destaques principais para como sendo características do perito
contador.
Além disso, o perito contador necessita utilizar da sua ética para que não haja
informações inverídicas, pois este responderá por tal atitude diante a lei após causar prejuízos
180

para as partes interessadas. Sendo de inteira responsabilidade deste, resguardar a ética, postura
e garantir a verdade em seus laudos (VITTO et al., 2020).

3 METODOLOGIA

Essa seção apresenta os componentes que fazem parte deste estudo, como tipologia e
abordagem metodológica, universo e amostra, coleta de dados, assim como o meio de
instrumentação para a coleta e corte temporal da pesquisa. Cujo objetivou-se buscar dados que
concentrasse a percepção dos discentes de Ciências Contábeis quanto ao papel da perícia
contábil no contexto social.
Com relação aos objetivos da pesquisa, configura-se este estudo como descritivo,
objetivando a descrição das particularidades da população ou fenômeno, e suas determinantes
no meio o qual estão inseridos (MARION; DIAS; TRALDI, 2002). No que tange aos
procedimentos, realizou-se um levantamento, onde se caracteriza por indagar indivíduos com
diversos comportamentos, buscando conhecê-los, evidenciando o foco com questionamentos
pertinentes ao tema objeto de estudo da pesquisa (GIL,1999).
Considerando o problema de pesquisa, trata-se de uma pesquisa quantitativa, em que
está se distingue da qualitativa, por fazer o uso de técnicas estatísticas tanto na coleta de dados
quanto no tratamento, preocupando-se com o comportamento das ocorrências e sem se
aprofundar em conhecer a realidade dos fenômenos, possibilitando que não haja a interferência
do pesquisador (RAUPP; BEUREN, 2003). Adotou-se o uso de médias e frequência na
investigação dos dados.
Quanto ao instrumento de coleta de dados aplicou-se um questionário com perguntas
fechadas e de múltipla escolha, onde as respostas serão com a utilização da escala Likert. A
coleta ocorreu no segundo semestre do ano de 2019 com as turmas do 9° e 10° período do curso
de Ciências Contábeis de uma Universidade Pública do Estado do Rio Grande do Norte.
Obteve-se 25 questionários retornados no momento da aplicação (de forma presencial), porém
a amostra total ficou em 21 respondentes, pelo fato de quatro questionários serem invalidados
por falta de resposta a todos os questionamentos.
A amostra se limitou a essas turmas, pois todos já cursaram a disciplina de Perícia
Contábil, e já detinham conhecimento sobre a atuação do perito contador, bem como pelo fato
dos mesmos terem participado de um ciclo de palestras de um projeto de extensão da
181

universidade, que abordava a temática trabalhada nesta pesquisa. Quanto ao tempo, trata-se de
estudo transversal.
No tange o tratamento dos dados, se deu por meio do uso dos softwares Microsoft Word
e Excel (versão Windows 2010), para o auxílio da elaboração das tabelas e gráficos expostos
nos resultados da pesquisa. Com relação à análise de dados aplicou-se a técnica de análise
descritiva, com o intuito de obter as distribuições de frequências relativas e médias da amostra
alusiva à análise (SILVESTRE, 2007).

4 RESULTADOS

Inicialmente foi analisado o perfil dos respondentes, que possui como objetivo a
caracterização quando ao gênero e idade, conforme as informações obtidas ficou evidente que
a maioria dos entrevistados, são do sexo masculino 70% (14) e o sexo feminino logo em seguida
com 30% (6). Quanto a idade dos entrevistados 40% possui até 25 anos, ou seja, a idade
predominante na amostra. Seguida de 26 a 30 anos com 35%, 31 a 35 anos com 5%, 36 a 40
com 10%, 41 a 45 com 5%, e por fim, mais de 46 com 5%.
Em seguida foi investigado aspectos que os entrevistados consideram relevantes ao
exercício do perito contador e sua relevância no contexto social. Utilizou-se a escala likert, com
cinco pontos que avalia seu nível de concordância com uma afirmação, ou seja, 1) discordo
totalmente, 2) discordo, 3) indiferente (ou neutro), 4) concordo e 5) concordo totalmente.
A Tabela 1 evidencia o nível de concordância se a Perícia Contábil é composta por
conhecimentos e procedimentos técnicos e científicos.

Tabela 1: A Perícia Contábil é composta por conhecimentos e procedimentos técnicos e científicos


Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 0 0

4 10% 2

5 90% 18
182

TOTAL 100% 20

Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Esses achados corroboram com o estudo de Gonçalves et al. (2014) que a perícia
contábil exige um conhecimento técnico-científico o qual possa desenvolver uma diferença
plena para que então haja a obtenção de bons resultados nos fatos exigidos. Na Tabela 2
evidencia o nível de concordância dos respondentes se o perito contador tem que ser um
conhecedor profundo das normas jurídicas e contábeis.

Tabela 2: O perito contador tem que ser um conhecedor profundo das normas jurídicas e contábeis
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 5% 1

4 30% 6

5 65% 13

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

A Tabela 2 demonstra a concordância dos respondentes quanto ao trabalho pericial atua


como forte auxiliar na administração da justiça, logo, se está recente seu efeito social, pois
segundo a Norma brasileira de contabilidade – NBC PP 01 (R1), o perito contador precisa ser
um conhecedor profundo das normas jurídicas e contábeis para prestar o seu serviço a justiça
da melhor forma possível, se fazendo o uso destas para refletir em seu laudo a verdade. Já a
Tabela 3, busca confirmar a seguinte afirmação: o trabalho pericial atua como forte auxiliar na
administração da justiça, logo, se está recente seu efeito social.

Tabela 3: O trabalho pericial atua como forte auxiliar na administração da justiça, logo, se está recente
seu efeito social
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 5% 1

4 25% 5
183

5 70% 14

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Denota-se que 70% concordam totalmente e 25% concordam, ou seja, existe uma forte
relação do perito no auxílio da administração da justiça, corroborando com Gonçalves et al.,
(2014) onde a perícia contábil reforça que é um dos apoios para que o magistrado demande suas
sentenças, neste sentido o papel do perito contábil nesta esfera é de auxiliar nos conflitos entre
as partes (jurídica ou pessoas físicas). Portanto, o perito-contador é de suma importância para
a administração da justiça.
Tem-se a Tabela 4 que evidencia a concordância dos participantes no tocante ao ponto
central da função pericial é a relação da função social do conhecimento contábil.

Tabela 4: No tocante do ponto central da função pericial é a relação da função social do conhecimento
contábil
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 25% 5

4 25% 5

5 50% 10

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Demonstra-se que 50% concordam totalmente, 25% concordam parcialmente, e 25% é


indiferente, quanto a função pericial e sua relação da função social, indo ao encontro com
Aguiar e González (2019) que a função central da perícia contábil é conhecida por
necessariamente auxiliar àqueles que demandam nas esferas judiciais e extrajudicial, do papel
arbitrário do perito para este solucionar discutíveis assuntos técnicos quanto a patrimônios de
pessoas e sociedade. Portanto, a perícia contábil torna-se a base da contabilidade, a qual possui
compreensão e desenvolvimento de vias técnicas e científicas.
Na Tabela 5 demonstra a se cabe a perícia contábil levar à instância decisória elementos
de prova vitais a subsidiar a justa solução do litígio.
184

Tabela 5: Cabe a perícia contábil levar a instância decisória elementos de prova vitais a subsidiar à
justa solução do litígio
Nível de concordância Percentual Frequência

1 5% 1

2 0 0

3 20% 4

4 25% 5

5 50% 10

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Conforme se evidencia na tabela acima, 50% concordam totalmente, 25% concordam,


20% são indiferentes e 5% discordam totalmente, corroborando com os estudos de Sousa
(2020), visto que a mesma servirá para que as pessoas tomem conhecimento do papel da perícia
contábil como meio de promover a justa solução de litígios.
Na Tabela 6, fica evidente a visão dos respondentes que é indispensável a presença da
qualidade do trabalho do perito contador, devendo conter características indispensáveis como:
objetividade, precisão, clareza, fidedignidade, confiabilidade e plena satisfação da finalidade.

Tabela 6: É indispensável a presença da qualidade do trabalho do perito contador, devendo conter


características indispensáveis como: objetividade, precisão, clareza, fidedignidade, confiabilidade e
plena satisfação da finalidade
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 5% 1

4 5% 1

5 90% 18

TOTAL 100% 20

Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Como visto na Tabela 6, 90% concordam totalmente, 5% concordam, e 5% é indiferente,


indo ao encontro com os achados de Sá (2010) que a perícia contábil necessita apresentar sua
qualidade de trabalho e serviço, para tanto, destaca algumas características indispensáveis para
ter seus princípios e continuidade de bom serviço, sendo elas a objetividade que define como
185

sendo a desenvoltura do perito a qual não desvie a matéria que estimulou a questão da perícia.
Quanto à precisão da perícia contábil, equivale o favorecimento em respostas oportunas quanto
às questões elaboradas. A clareza dos relatórios de perícia deve seguir a linguagem coerente
para seus usuários, adequando-se a terminologia tecnologia e científica. Ademais, a
confiabilidade a qual a perícia apoia-se, compreende quanto aos elementos pertinentes
legalmente e tecnologicamente.
Já na Tabela 7, explana que no trabalho do perito contador, este servirá não só para o
auxílio em questões onde haja divergências de informações, mas também para prover a
justiça.

Tabela 7: Ainda em relação ao trabalho do perito contador, este servirá não só para o auxílio em
questões onde haja divergências de informações, mas também para prover a justiça
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 5% 1

4 25% 5

5 70% 14

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Conforme visto na tabela acima, 70% concordam totalmente, 25% concordam, e 5% é


indiferente, conforme também elucida Frota et al. (2020), a capacidade técnica torna-se
indispensável na contribuição para com a justiça, pois o perito contador é o detentor desse
conhecimento, focando em seu laudo pericial, características que trazem clareza nas dúvidas e
questionamentos quanto ao cunho contábil. Assim, é através do laudo pericial que o perito
contador desenvolve resultados para suplantar a justa solução do litígio.
Na Tabela 8 evidencia que uma das atribuições ao perito contador, é que este deve
sempre priorizar pela ética, agindo com zelo em todos os aspectos, sendo esta uma
responsabilidade social.

Tabela 8: Uma das atribuições ao perito contador, é que este deve sempre priorizar pela ética, agindo
com zelo em todos os aspectos, sendo esta uma responsabilidade social
Nível de concordância Percentual Frequência
186

1 0 0

2 0 0

3 0 0

4 15% 3

5 85% 17

TOTAL 100% 20

Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Como destacado na tabela acima, 85% dos respondentes concordam totalmente e 15%
concordam, constato também por Vitto et al., (2020) onde o perito contador necessita utilizar
da sua ética para que não haja informações inverídicas, pois este responderá por tal atitude
diante a lei após causar prejuízos para as partes interessadas. Sendo de inteira responsabilidade
deste, resguardar a ética, postura e garantir a verdade em seus laudos.
Na Tabela 9 se constata quanto a sensibilidade da linguagem do perito contador em seus
laudos, este pode vir em suas conclusões explicar para leigos de forma mais entendível, fazendo
o uso da troca de alguns termos por outros, desde que não se mude o sentido original.

Tabela 9: Quanto a sensibilidade da linguagem do perito contador em seus laudos, este pode vir em
suas conclusões explicar para leigos de forma mais entendível, fazendo o uso da troca de alguns
termos por outros, desde que não se mude o sentido original
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 5% 1

4 10% 2

5 85% 17

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Como visto na tabela acima, dos respondentes, 85% concorda totalmente, 10%
concordam e 5% é indiferente, corroborando com Xavier e Turuta (2016) que para obter um
laudo pericial em qualidade, o perito contábil deve possuir a capacidade técnica de desenvolvê-
lo, tal como esta capacidade se adquire durante sua prática profissional, a competência do rigor
técnico torna-se indispensável na contribuição para com a justiça e sua tomada de decisão final.
187

Portanto, uma das obrigações do perito contábil é aplicar o laudo com uma linguagem técnica,
mas que seja de fácil entendimento para leigos, assim sem privilegiar nenhuma das partes.
Já a Tabela 10, mostra que ao prestar informações inverídicas, o perito contador
responderá pelos prejuízos que causar, respondendo perante a lei.

Tabela 10: Ao prestar informações inverídicas, o perito contador responderá pelos prejuízos que
causar, respondendo perante a lei
Nível de concordância Percentual Frequência

1 0 0

2 0 0

3 5% 1

4 5% 1

5 90% 18

TOTAL 100% 20
Fonte: Elaborada pelo pesquisador (2021).

Segundo a tabela acima, 90% dos respondentes concordam totalmente, 5% concordam


e 5% é indiferente, conforme visto no estudo de Vitto et al. (2020) o perito contador caso
forneça informações inverídicas, responderá por tal atitude diante a lei após causar prejuízos
para as partes interessadas. Sendo de inteira responsabilidade deste, resguardar a ética, postura
e garantir a verdade em seus laudos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo em questão possui o objetivo de verificar a percepção dos discentes de ciências


contábeis quanto ao papel da perícia contábil no contexto social. Contribuindo por evidenciar
a discussão e disseminação de estudos a respeito dessa temática abordada no Brasil, tendo em
vista poucos estudos trazerem essa vertente do contexto social da perícia contábil, contribuindo
com a literatura pertinente à contabilidade com o enfoque no papel social do perito contador
tanto no âmbito acadêmico quanto o prático, assim como no contexto social.
Como principais achados do presente estudo é possível evidenciar por meio da
percepção dos discentes que a perícia contábil possui seu papel e relevância no meio social,
como auxílio na solução de litígios. Visto que ele auxilia ao juiz a obter provas para a solução
188

de situações adversas, e assim fazer justiça às partes, através de uma sentença mais justa dada
pelo magistrado.
Sendo indispensável na atuação do perito, habilidades e competências técnicas, bem
como sempre priorizar pela ética, agindo com zelo em todos os aspectos, sendo esta uma
responsabilidade social. Possibilitando a levar a instância decisória elementos de prova vitais a
subsidiar à justa solução do litígio. Sendo indispensável a presença da qualidade do trabalho do
perito contador, devendo conter características indispensáveis como: objetividade, precisão,
clareza, fidedignidade, confiabilidade e plena satisfação da finalidade.
De tal maneira que a elaboração dos laudos devem explicar para leigos de forma mais
entendível, fazendo o uso da troca de alguns termos por outros, desde que não se mude o sentido
original. Sendo responsabilizado perante a lei ao prestar informações inverídicas e responderá
pelos prejuízos que causar a uma das partes.
Pode-se concluir que os achados dessa pesquisa se fazem relevantes, pois busca
contribuir para o meio acadêmico, prático e social. Destacando o papel relevante que o perito
contador possui, não apenas pela sua capacidade técnica, mas como provedor de bem-estar e
justiça social. Como limitação, pode-se destacar o número da amostra, ao qual foi limitada a
discentes somente de uma universidade, logo, como sugestão de futuras pesquisas, deixa-se a
extensão da amostra a outras universidades, inclusive instituições públicas e privadas, com o
objetivo de obter novos insights.

REFERÊNCIAS

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para o curso de contabilidade. Revista Multidisciplinar e de Psicologia, v. 13, n. 45, sup. 1,
p. 236-257, 2019.

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Brasília: DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 2015.

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Ciências Contábeis) – Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Criciúma, 2017.

FROTA, G. B.; VIANA, G. O.; GARCEZ, A. L. S.; OLIVEIRA, W. S. A relevância do perito


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159 p.
189

GONÇALVES, P. C.; MACHADO, M. R. R.; MACHADO, L. S.; ZANOLLA, E.


Características do perito-contador: perspectiva segundo juízes da Justiça Federal, advogados
da União e peritos-contadores no contexto goiano. Revista Contemporânea de
Contabilidade, v. 11, n. 22, p. 0-0, 2014.

HASBUN, E. C.; LIMA, V. G. M.; BORGES, E. F. Perícia contábil trabalhista: experiêcias,


características e habilidades relevantes na opinião de peritos e alunos. Revista UNIABEU, v.
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Código de Processo Penal–Aproximações e Distanciamentos. Pensar Contábil, 2020.

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190

PERCEPÇÃO DE ADVOGADOS E CONTADORES SOBRE A REFORMA


TRIBUTÁRIA BRASILEIRA: um estudo aplicado no município de Mossoró-RN

Carlan Amorim Lira Júnior 1


Jane Elly Nunes da Costa Lima2
Ítalo Carlos Soares do Nascimento3
Jerferson Freitas da Silva4
Geison Calyo Varela de Melo5

RESUMO

O Sistema Tributário Brasileiro consiste em um dos mais complexos e com maior carga
tributária do mundo, com cerca de 92 tributos vigentes, composto por impostos, taxas e
contribuições, podendo existir diversas interpretações, assim, sendo relevante a reflexão e a
discussão de especialistas sobre a temática. Deste modo, tem-se como objetivo, analisar a
percepção de advogados e contadores do município de Mossoró-RN sobre a reforma tributária
brasileira. Quanto aos aspectos metodológicos, realizou-se uma pesquisa descritiva, com
abordagem qualitativa, aplicando-se uma entrevista semiestrutura com especialistas graduados
em Direito e em Ciências Contábeis, recorrendo-se à análise de discurso como técnica de
análise. A partir da análise de dados, percebe-se, um consenso dos especialistas quanto a
necessidade de uma reforma tributária para atingir o desenvolvimento social e econômico,
enfatizando para uma reforma drástica, visando a distribuição de renda, geração de emprego,
transparência da arrecadação, melhorar a competitividade empresarial. Em relação a prioridade
na reforma, não se observou um consenso, os pontos mais destacados foram os impostos de
consumo e renda.
Palavras-chave: reforma tributária; impostos; recursos.

ABSTRACT

The Brazilian Tax System is one of the most complex and with the highest tax burden in the
world, with about 92 taxes in force, composed of taxes, fees and contributions, and there may
be different interpretations. The theme. In this way, the objective is to analyze the perception
of lawyers and accountants in the municipality of Mossoró - RN on the Brazilian tax reform.
As for the methodological aspects, descriptive research was carried out, with a qualitative
approach, applied a semi-structured interview with specialists graduated in Law and
Accounting, followed by a discourse analysis. From the data analysis, it is possible to see a
consensus of experts regarding the need for a tax reform to achieve social and economic

1
Graduando em Ciências Contábeis pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
carlanamorim2323@outlook.com
2
Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:
jane_elly@hotmail.com
3
Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:
italocarlos25@gmail.com
4
Graduado Ciências Contábeis pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
jerfersonfreitas111@hotmail.com
5
Mestre em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. E-mail:
geisoncalyo@hotmail.com
191

development, emphasizing a drastic reform, aiming at income distribution, employment


generation, revenue transparency, improve business competitiveness. Regarding the priority in
the reform, there was no consensus, the most highlighted points were consumption and income
taxes.
Keywords: Tax Reform. Taxes. Resources.

1 INTRODUÇÃO

O Sistema Tributário Brasileiro consiste em um dos mais complexos e com maior carga
tributária do mundo, composto por impostos, taxas e contribuições. O Brasil possui mais de 92
tributos vigentes, sendo eles Federais, Estaduais e Municipais, causando situações de guerra
entre eles, pois muitas vezes há uma distorção na estrutura tributária e ineficiência econômica
(ANDRADE, 2015).
Assim, para melhorar as leis e alavancar o sistema social e econômico da sociedade, o
Sistema Tributário no Brasil vem sendo objeto de debates e discussões, seja em relação aos
efeitos macroeconômicos (PAES, 2011); a função distributiva (BALTHAZAR; MACHADO,
2017), aos princípios, estrutura tributária e a reforma (SILVEIRA; PASSOS; GUEDES, 2018;
GOBETTI; ORAIR, 2018; OLIVEIRA, 2021) e a alta carga tributária para as empresas
(PITTA; MÉXAS; PEREIRA, 2018; SCHAFER; KONRAHT; FERREIRA, 2016).
No tocante a reforma tributária e as empresas, o Movimento Brasil Competitivo (MBC,
2021), publicou um estudo, mostrando que em média, 38% do lucro das empresas são para
pagamentos de tributos, cerca de 1,5 trilhão de reais anualmente, o que seria equivalente a 22%
do Produto Interno Bruto – PIB nacional. Assim, a cobrança de tributos pode impactar as
empresas e a sociedade (GALLO, 2007).
No atual cenário brasileiro foram apresentadas duas fases da reforma tributária. Na
primeira fase, tem-se o Projeto de Lei 3.887/2020 que apresenta a junção de alíquotas como
PIS e COFINS, unificando-os e criando a Contribuição de Bens e Serviços (CBS). Já na
segunda fase, o Projeto de Lei 2.337/2021 apresenta a reforma do imposto de renda pessoa
física (IRPF), a atualização do valor de imóveis e a tributação de lucros/dividendos, a reforma
do imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ), com a proposta de uma melhor produtividade,
competitividade, investimento e tributação mais justa (BRASIL, 2021)
Neste processo de discussão sobre a reforma tributária, os especialistas têm um grande
papel no julgamento técnico, econômico e social. Para Orair e Gobetti (2018) é difícil encontrar
uma coerência e estrutura lógica do sistema tributário brasileiro, baseado em fundamentos
192

teóricos. Por isso, a importância de realizar reflexões e discussões com especialistas sobre a
temática.
Diante as explanações, tem-se a problemática: Qual a percepção de advogados e
contadores do município de Mossoró-RN sobre a reforma tributária brasileira? Desse modo,
busca-se, analisar a percepção de advogados e contadores do município de Mossoró-RN sobre
a reforma tributária brasileira, pois os profissionais do direito tributário e da contabilidade,
realizam atividades diretamente associadas ao Código Tributário Nacional (STN), sendo
referências para as reflexões da reforma tributária e das propostas apresentadas ao governo,
podendo destacar os aspectos positivos e negativos.
Quanto a metodologia, realizou-se uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa.
Na coleta dos dados, aplicou uma entrevista semiestrutura com profissionais especialistas sobre
Sistema Tributário Nacional, escolhido por acessibilidade. Na entrevista utilizou-se um
gravador, em seguida, as respostas foram transcritas e analisadas, utilizando a ferramenta
Microsoft Word e Excel (2017).
Este trabalho justifica-se por contribuir no avanço do debate sobre a Sistema Tributário
Brasileiro; ao se analisar a percepção dos especialistas sobre a temática é possível realizar uma
reflexão quanto as reformas tributárias e seu impacto para a sociedade. Dessa forma, o estudo
colabora para a literatura da área, uma vez que o sistema tributário brasileiro é complexo e
deficitário.
Na presente pesquisa tem-se as seguintes seções: referencial teórico, fundamentação
teórica que será a base da pesquisa, os procedimentos metodológicos, a análise e discussão, por
fim, as considerações finais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção faz-se uma abordagem sobre a trajetória e as evoluções do sistema tributário
brasileiro, como também indagar sobre a carga tributária brasileira assim apresentando alguns
impostos contidos nela, por fim colocando em pauta a relação entre o contador e a atual reforma
tributária.

2.1 SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO


193

Desde a criação dos tributos pode-se perceber sua finalidade, criados para colocar em
ordem os aspectos financeiros da sociedade como uma forma de investimento para futuras
demandas da mesma, segundo Carvalho (2000, p. 211), “a competência tributária, em síntese,
é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas,
consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre
tributos”.
De acordo com Souza et al. (2021) o sistema tributário brasileiro é um dos mais
complexos do mundo, a União, os estados e os municípios possuem competências distintas com
relação aos tributos, divididos em: impostos, taxas e contribuições.
O sistema tributário brasileiro data 25 de outubro de 1966 a partir da Lei N. 5.172 e é
regido pelo é regido pelo disposto na Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965,
em leis complementares, em resoluções do Senado Federal, em leis federais, nas Constituições
e em leis estaduais, e em leis municipais (BRASIL, 1966).
A Constituição Federal (BRASIL, 1988), estabelece limites para a constituição de novos
tributos, fazendo com que o poder dado ao legislador tenha parâmetros que são estabelecidos
nos artigos 150 a 152 da Magna Carta de 1988. Os princípios dados pela constituição exigem
um prazo mínimo para o início da vigência do tributo e corresponder aos seguintes critérios:
Legalidade (art. 150, I);
Isonomia (art. 150, II);
Irretroatividade (art. 150, III, "a");
Anterioridade (art. 150, III, "b");
Proibição de Confisco (art. 150, IV);
Liberdade de Tráfego (art. 150, V);
Imunidades (art. 150, VI);
Outras Limitações (art. 151 e 152).
O código tributário nacional (CTN) define tributo como “toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada''.
(BRASIL, 1966, art. 3°)
O CTN define e divide os conceitos de tributos em três tipos, sendo eles impostos, taxas
e contribuições de melhoria, conforme apresentado no Quadro 1.

Quadro 1 – Classificação de Tributos segundo CTN


194

FUNDAMENTAÇÃO
TRIBUTO ARTIGO DEFINIÇÃO
LEGAL
"tributo cuja obrigação tem por fato
(BRASIL, Lei nº 5.172,
gerador uma situação independente de
Imposto (art. 16) de 25 de outubro de
qualquer atividade estatal específica,
1966)
relativa ao contribuinte"
"têm como fato gerador o exercício regular
do poder de polícia, ou a utilização, efetiva (BRASIL, Lei nº 5.172,
Taxa (art. 77) ou potencial, de serviço público específico de 25 de outubro de
e divisível, prestado ao contribuinte ou 1966)
posto à sua disposição"
"instituída para fazer face ao custo de
obras públicas de que decorra valorização
(BRASIL, Lei nº 5.172,
Contribuição imobiliária, tendo como limite total a
(art. 81) de 25 de outubro de
Sociais despesa realizada e como limite individual
1966)
o acréscimo de valor que da obra resultar
para cada imóvel beneficiado"
Fonte: Adaptado Código Tributário Nacional (1966).

Segundo Sant Anna (2021) o imposto é o principal financiador dos serviços públicos,
podendo ser utilizado em qualquer área desde que tenha embasamento na legislação instituída,
por exemplo temos o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). As taxas são uma grande parcela de
arrecadação do estado, são predestinadas pela legislação para se utilizar em algum serviço
público, como por exemplo de taxas são emissão de documentos e taxas de registro em juntas
comerciais. Já as contribuições sociais também são fonte de arrecadação do estado e possuem
destino certo, não sendo utilizadas de forma livre, como por exemplo o pagamento de Programa
de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
(COFINS).
Atualmente são 92 tributos vigentes no Brasil, sendo eles federais, estaduais e
municipais. Para Gusmão (2009) os elementos de obrigação tributária se caracterizam por
quatro pilares, sendo eles: sujeito ativo (pessoa jurídica de direito público ou privado com a
competência para exigir tributos), sujeito passivo (contribuinte, ou responsável, é a pessoa física
ou jurídica que cumprirá a prestação tributária), causa (a lei) e objeto (cumprimento da
prestação positiva ou negativa).
O CTN (BRASIL, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) classifica as obrigações
tributárias em dois tipos sendo elas principais e acessórias: a principal "surge com a ocorrência
do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se
juntamente com o crédito dela decorrente"; Já as acessórias "decorre da legislação tributária e
195

tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação
ou da fiscalização dos tributos".
A carga tributária Brasileira representa de forma ampla e no âmbito nacional a relação
entre a arrecadação tributária e o Produto Interno Bruto. No Brasil, a carga tributária também é
entendida como a relação entre receita tributária total (União, Estados e Municípios) e o Produto
Interno Bruto, indicando a participação do estado na economia nacional (SANTIAGO; SILVA,
2006).
Segundo Piscitelli (2009, p. 3) o PIB é representado pelo somatório de tributos, e o
mesmo destaca que no caso do Brasil se tem um índice bastante elevado, se comparado com
outros países mais desenvolvidos como os Estados Unidos e Japão.

A carga tributária brasileira é muito dependente de impostos sobre a produção e a


circulação de bens e serviços, em contrapartida, a participação da tributação da renda
na carga tributária brasileira é baixa, atingindo apenas 5% da carga fiscal bruta. Sendo
a carga tributária concentrada nas pessoas jurídicas, afetando a competitividade dos
produtores nacionais. (SANTIAGO; SILVA, 2006, p. 31)

De acordo com Santiago e Silva (2006) o Brasil tem uma carga tributária elevada em
relação aos outros países, seu Sistema Tributário é também um dos mais complexos. Com isso
Barbalho (2013, p. 19) afirma que com tamanha carga tributária, os futuros e atuais empresários
tendem a temer seu desenvolvimento, fazendo com que crie um obstáculo para criação de novas
empresas.
Um problema levantado com relação a carga tributária brasileira, também referente ao
sistema tributário brasileiro, diz respeito aos prejuízos à produtividade econômica do país,
causados em parte por tributos de má qualidade, com fiscalização inadequada por parte da
administração tributária (BARBALHO, 2013, p. 20)
Para Varsano (1996, p. 31) uma boa administração fiscal é capaz de melhorar a carga
tributária brasileira entre seus contribuintes, assim garantindo uma boa equidade e
progressividade, dificultando então a sonegação que é o maior inimigo da justiça fiscal.
De acordo Sant Anna (2021) o “Brasil é dotado de tributos exagerados” e que a
população não tem certeza se esses recursos recolhidos têm destinos coerentes, pois não se vê
respostas positivas para tantos investimentos, ressaltando que o não pagamento dos tributos
pode se ter punições, levando até o congelamento dos bens.
196

2.2 REFORMA TRIBUTÁRIA

A reforma tributária é um tema frequentemente levantado como necessário, passando


por debates, gerando propostas e constando na fila de requisições aos legisladores
(BARBALHO, 2013).
Segundo Andrade et al. (2021, p. 11) a mudança tem como objetivo a simplificação da
forma de recolhimento dos impostos, reformulando as leis que determinam a forma de cobrança
e o pagamento de impostos e tributos. Está prevista na PEC (Proposta de Emenda
Constitucional) 45/2019 e a PEC 110/2019. Com isso tornando o sistema tributário mais
transparente e simplificando o tipo de cobrança feio ao contribuinte, assim estimulando a
economia e incentivando futuros investimentos em novos negócios.
Souza et al. (2021) trazem que a discussão sobre uma Reforma Tributária vem
alcançando uma grande repercussão nos meios de comunicação. A Reforma é um pacote de
mudanças que pretendem ser inseridas na atual estrutura e na lei que fala sobre impostos, taxas
e contribuições vigentes.
A Reforma Tributária é motivada por duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC)
que existem e estão sendo julgadas pela Câmara dos Deputados (PEC 45/2019) e pelo Senado
Federal (PEC 110/2019). Essas Propostas vêm como forma de proporcionar a simplificação do
modelo de arrecadação de impostos e tributos atuais sobre a produção e comercialização de
bens e sobre a prestação de serviços, assim, causando impacto nas obrigações fiscais
municipais, estaduais e federais (ANDRADE et al., 2021).
As Propostas de Emenda Constitucional sugerem a extinção de vários impostos,
unificando-os em dois novos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e o Imposto específico
sobre alguns bens e serviços (Imposto Seletivo) (ANDRADE et al., 2021).

Portanto, para que haja necessidade de uma reforma tributária, o sistema tributário em
questão deve se encontrar em um estado desagradável a uma ou mais categorias
envolvidas no processo de tributação, o que é o caso do Brasil. Enquanto uma reforma
capaz de fazer as alterações desejadas não se consolida, os contribuintes buscam
outras maneiras de amenizar seu sofrimento com a carga tributária. Os arrecadadores,
em contrapartida, avaliam meios de cobrir as despesas públicas com as receitas
públicas. Conforme expõe o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) (1996, p. 15),
o Governo reclama que o sistema tributário arrecada recursos insuficientes para o
equilíbrio do orçamento, ao passo que, para os empresários, os tributos pesam muito,
tornando-se uma obstrução para a produção e o investimento. (BARBALHO, 2013,
p. 13)
197

Conforme Quadro 2, a PEC 110/2019 prevê a unificação e a substituição de nove


tributos, que são:

Quadro 2 – Tributos para unificação segundo a PEC 110/2019


Imposto (Sigla) Definição Fundamentação legal
IPI Imposto sobre produtos Suas disposições estão regulamentadas pelo
industrializados. Decreto 7.212/2010 (RIPI/2010).
IOF Imposto sobre operações financeiras. Suas disposições estão regulamentadas pela
Lei nº 5.143, de 20 de outubro de 1966.
PIS Programa de Integração Social. Suas disposições estão regulamentadas pela
Lei nº 9.715, de 25 de novembro de 1998.
PASEP Programa de Formação do Patrimônio Suas disposições estão regulamentadas pela
do Servidor Público. Lei nº 9.715, de 25 de novembro de 1998.

COFINS Contribuição para Financiamento da Suas disposições estão regulamentadas pela


Seguridade Social. Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998.

CIDE Combustíveis, contribuição incidente Suas disposições estão regulamentadas pela


sobre a importação de comercialização Lei no 10.336, de 19 de dezembro de 2001.
de combustíveis;
Salário - Educação Contribuição social para financiamento Suas disposições estão regulamentadas pela
de programas e projetos de educação Lei nº 9.766, de 18 de dezembro de 1998.
pública.
ICMS Imposto sobre Circulação de Suas disposições estão regulamentadas pela
Mercadorias e Prestação de Serviços. Lei complementar nº 87, de 13 de setembro
de 1996
ISS Imposto Sobre Serviço. Suas disposições estão regulamentadas pela
Lei complementar nº 116, de 31 de julho de
2003
Fonte: Elaboração do autor (2022).

No Quadro 3, que tange a PEC 45/2019, esta trará a unificação e a substituição de cinco
tributos:

Quadro 3 – Tributos para unificação segundo a PEC 110/2019


Imposto (Sigla) Definição Fundamentação legal
IPI Imposto sobre produtos Suas disposições estão
industrializados. regulamentadas pelo Decreto
7.212/2010 (RIPI/2010).
PIS Programa de Integração Social. Suas disposições estão
regulamentadas pela Lei nº
9.715, de 25 de novembro de
1998.
COFINS Contribuição para Suas disposições estão
Financiamento da Seguridade regulamentadas pela Lei nº
Social. 9.718, de 27 de novembro de
1998.
198

ICMS Imposto sobre Circulação de Suas disposições estão


Mercadorias e Prestação de regulamentadas pela Lei
Serviços. complementar nº 87, de 13 de
setembro de 1996
ISS Imposto Sobre Serviço. Suas disposições estão
regulamentadas pela Lei
complementar nº 116, de 31 de
julho de 2003
Fonte: Elaboração do autor (2022).

Já com relação aos benefícios que a PEC 110/2019 irá trazer serão a concessão de
incentivos fiscais, prevendo benefícios destinados as operações de alimentos, medicamentos,
transporte coletivo de passageiros urbano, bens do ativo imobilizado, saneamento básico e
educação profissional, infantil, ensino fundamental, médio e superior.
Andrade et al. (2021, p. 2) dissertam que a reforma administrativa e tributária “são
medidas que propõem a alteração nas bases e alíquotas de determinados impostos e
contribuições que irão promover alterações na distribuição da carga tributária entre os setores
produtivos”.
Segundo o Plano Mais Brasil (BRASIL, 2020) a reforma tributária tem a visão de que
quando todos pagam os tributos, todos pagam tarifas menores. Por ano, as empresas gastam em
torno de 1500 horas de seu trabalho apenas para pagar seus impostos, gerando assim uma
concorrência desleal entre as empresas.
A primeira fase da reforma tributária prevê uma grande reforma para que se consiga
corrigir os problemas hoje existentes. Esta reforma está baseada nos seguintes princípios:
redução dos custos, segurança jurídica, equidade, fim dos privilégios, não aumento da carga
tributária, combate à evasão fiscal, neutralidade nas decisões econômicas e mais investimento
e emprego. Esta reforma prevê, se aplicada, produtividade e crescimento, através da junção das
alíquotas do PIS e COFINS (BRASIL, 2020).
O tributo do PIS/COFINS não é viável por questões como: complexidade do seu texto
de lei, que consta mais de duas mil páginas; por ser uma tarifa que pode ser tributada de várias
formas; não há uma definição certa para o que é insumo; o brasileiro não sabe qual o valor que
paga no somatório dos impostos; disputa administrativa e judicial (BRASIL, 2020).
Com a PL 3.887/2020 irá se findar a tributação do PIS/COFINS, irá ser disponibilizado
um crédito financeiro, imediato e monetizado, haverá uma incidência somente sobre o valor
agregado ao produto/serviço; além de mais transparência e uma alíquota de 12%. Com esse
199

novo modelo há uma redução de 52 para 9 campos na nota fiscal e de 70% nas obrigações
acessórias (BRASIL, 2020).
As pessoas jurídicas que não realizam atividade econômica não são contribuintes da
CBS. Quem será o recolhedor da CBS será o importador, através de plataformas digitais
(BRASIL, 2020).
Os efeitos da Contribuição de Bens e Serviços – CBS sobre a economia trazem impactos
como a eficiência da reorganização das atividades empresariais, impulsionando produtividade
e crescimento econômico; e a não uniformidade de impactos entre contribuintes do mesmo setor
ou porte econômico (BRASIL, 2020).
Com relação a segunda fase, os princípios que atuam nesta são, de acordo com Brasil
(2021) é a simplificação e menos custos; Segurança Jurídica e Transparência; redução de
distorções e fim de privilégios, manutenção da carga tributária global; combate à sonegação;
neutralidade nas decisões econômicas; além de mais investimento e emprego. Na primeira fase
focou-se na PL 3887/2020 com o CBS e agora na 2° fase o foco será no Imposto de Renda,
através da Lei 2.337/21, que apresenta a reforma do imposto de renda.
A reforma do imposto de renda irá abarcar três frentes de mudança: a pessoa física, a
pessoa jurídica e os investimentos financeiros, da seguinte maneira (BRASIL, 2021):
Para pessoa física haverá atualização da tabela do IRPF, a atualização do valor de
imóveis e a tributação de lucros e dividendos;
Para as empresas haverá mais produtividade, competitividade e investimento, tributação
mais justa e eliminação de brechas para não pagamento de impostos. A alíquota terá queda de
15% para 12,5% em 2022 e para 10% em 2023;
Para investimentos financeiros haverá a facilitação da vida do investidor, harmonização
do tratamento de grandes e pequenos e o corte dos privilégios dos grandes, facilitando o acesso
ao mercado e trazendo segurança de investimentos, além de uma alíquota única de 15%.

3 METODOLOGIA

Para analisar a percepção de advogados e contadores do município de Mossoró-RN


sobre a reforma tributária brasileira, realizou-se uma pesquisa descritiva com abordagem
qualitativa. A pesquisa descritiva descreve os fatos e os fenômeno de uma determinada
realidade (GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35) com o objetivo de levantar opiniões (GIL,
200

2012). A pesquisa qualitativa busca uma compreensão, mais aprofundado, de um grupo social
(GERHARDT; SILVEIRA, 2009, p. 35).
A pesquisa foi realizada com especialistas na temática, Sistema Tributário Nacional com
ênfase na Reforma tributária, graduados em Direito e em Ciências Contábeis, atuantes no
Município de Mossoró-RN. Para a escolha dos especialistas levou-se em consideração a
acessibilidade dos profissionais, além do tempo de atuação no mercado. A amostra da pesquisa
é não probabilística, composta por 4 (quatro) especialistas, sendo 2 com formação em Direito
e 2 em contabilidade.
Quanto a coleta de dados, realizou-se entrevista semiestruturada no período de junho de
2022. A entrevista foi estruturada com perguntas abertas, levando em consideração os estudos
de Machado e Balthazar (2017) e Orair e Gobetti (2018), organizada em dois blocos: I-
características dos respondentes; II- A percepção dos especialistas sobre a reforma tributária.
As entrevistas foram marcadas e realizadas de forma presencial e remota, utilizando o Google
Meet, mediante a autorização dos respondentes foram gravadas.
Na tabulação dos dados, utilizou-se as gravações para realizar as transcrições das
respostas e organizadas no Microsoft Word (2017), em seguida, analisadas e confortadas com
a literatura.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Nesta seção será evidenciado todo levantamento colhido nas entrevistas realizadas,
buscando uma análise da percepção dos advogados e contadores sobre reforma tributária. As
entrevistas seguiram um roteiro, divididas em dois blocos. Inicialmente, no bloco um, foram
abordadas as características dos respondentes, elencando pontos como formação, sexo,
especialidade e tempo de experiência sobre a temática. O bloco dois se subdividiu em seis
perguntas acerca da reforma tributária e do sistema tributário.

CARACTERÍSTICAS DOS RESPONDENTES

Em relação a caraterística dos respondentes, contendo formação do especialista, sexo,


especialidade e tempo de experiência na área estudada, com isso foi elaborado o Quadro 4.
201

Quadro 4 – Características dos respondentes


TEMPO DE
EXPERIÊNCIA
ENTREVISTADO FORMAÇÃO SEXO ESPECIALIDADE
SOBRE A
TEMÁTICA
Mestrado em Ciências
Especialista 1 Contador Masculino 5 anos
Contábeis

Graduado em Ciências
Especialista 2 Contador Masculino 10 anos
Contábeis
Procuradora do
município de
Mossoró/RN. Mestre
Especialista 3 Direito Feminino em Direito. Membro 11 anos
do Tribunal
Administrativo de
Tributos Municipais
Mestre em Auditoria e
Contador e Perícia Tributária.
Especialista 4 Masculino 22 anos
Advogado Doutor em Ciências
Jurídicas.
Fonte: Elaborado pelo autor (2022).

Foram entrevistadas quatro pessoas: dois contadores, um advogado e um contador que


também era formado em advocacia. O tempo mínimo de vivência com a temática da reforma
tributária foi de cinco anos. 75% do grupo de entrevistados era formado por homens.

PERCEPÇÃO SOBRE A REFORMA TRIBUTÁRIA

A primeira pergunta realizada foi como o entrevistado poderia definir o que é a reforma
tributária. A partir das respostas obtidas foi montado o Quadro 5.

Quadro 5 – Percepção dos entrevistados sobre a reforma tributária


A reforma tributária é um plano proposto pelo Estado para tornar a competitividade
empresarial e promover desenvolvimento no país por meio de alterações normativas em
Entrevistado 1 taxas, impostos, contribuições de pessoas físicas e jurídicas, através de captação e
distribuição desses recursos.
A reforma tributária é uma reformulação dos impostos e de suas formas de cobrança. Os
Entrevistado 2 objetivos dessa mudança estão na simplificação da arrecadação e aumentar a transparência
desse processo
A reforma tributária é o processo de modificação legislativa do Sistema Tributário
Nacional, que promove uma melhor distribuição da carga tributária e busca a efetivação
Entrevistado 3 de um sistema capaz de promover justiça fiscal e desenvolvimento econômico e social do
Estado através de técnicas de tributação que obedeçam a capacidade contributiva e a
isonomia tributária
202

A reforma tributária teria que ser para simplificar, para que as empresas consigam a
retomada da economia, para que possam gerar emprego e renda. Em exemplo a isso, essa
Entrevistado 4 unificação do ICMS – o que ele acha complexo pois mexe em renda e receitas e existe as
peculiaridades de região para região - seria um grande avanço por conta da socialização
de renda, distribuição de renda e riquezas
Fonte: Elaborado pelo autor (2022)

A partir das respostas obtidas, percebe-se que é de comum consenso entre os


entrevistados que a reforma tributária é uma modificação, uma reformulação dos impostos com
o intuito de desenvolver o país através da redistribuição correta de recursos.
Para Machado e Balthazar (2017) os anseios por reformas nos métodos e instrumentos
de tributação sempre foram frequentes, pois as conjunturas sociais e econômicas diferentes
exigem ações diferentes de acordo com as demandas e necessidades da sociedade. Para os
autores, não há Estado sem tributação, porém foi apenas no final do século 18 que a tributação
passou a requerer uma maior atenção da política, economia e financiamentos europeus e
americanos através da preocupação por um sistema de arrecadação de tributos mais justo e
racional.
Conforme apontam Machado e Balthazar (2017) o conceito da reforma tributária não é
um fenômeno contemporâneo, pois sempre houve mudanças nos critérios e procedimentos
referentes a arrecadação tributárias, sempre requerendo razões que impulsionem uma mudança.
A realização das reformas tributárias é buscada para que haja a efetivação da justiça social.
As questões referentes a reforma tributária têm sido cada vez mais apresentadas no
estado brasileiro. Mesmo que existam propostas de reforma tributária no Congresso Nacional,
ainda há o problema de uma letargia política de desigualdades sociais, sendo a reforma chamada
para que possa ser a solução desses problemas na sociedade brasileira (MACHADO;
BALTHAZAR, 2017).
A reforma tributária é, então, uma reformulação dos impostos e da forma que esses
impostos são cobrados, que é utilizada tanto para aumentar quanto para diminuir a quantidade
de impostos e tributos cobrados e o valor financeiro arrecadado (CONTABILIZEI, 2021).

ACERCA DA REFORMA TRIBUTÁRIA BRASILEIRA: REFORMA RADICAL OU


PRAGMÁTICA
203

A segunda pergunta realizada foi se era necessária uma reforma radical ou uma reforma
pragmática. A partir das respostas dos entrevistados foi montado o Quadro 6.

Quadro 6 – Percepção dos entrevistados acerca da reforma radical ou pragmática


Teria que ser uma reforma radical pois não é de hoje que há a necessidade de uma reforma
tributária em prol de equilíbrio de um país tão desequilibrado financeiramente, onde o
sistema tributário atual dificulta oi crescimento do país, pois com a alta dos impostos o
Entrevistado 1 custo de manutenção das empresas sobe, expulsam possíveis investidores externos e
impossibilita a competitividade equilibrada de produtos nacionais com internacionais.

Teria que ser realizada uma reforma radical, para que possa diminuir a burocracia dessas
Entrevistado 2 cobranças e estimular a economia, com taxações mais simples haverá um incentivo para
o consumo e para investimentos, tanto internos quanto externos.
Afirma não acreditar em reformas radicais. Traz que uma verdadeira reforma tributária
deve enfrentar um debate amplo, com a participação de vários setores da sociedade e de
Entrevistado 3 corpo técnico, onde precisa resolver as distorções que ocorrem nas bases tributárias,
onerando mais fortemente o patrimônio e a renda e diminuindo a tributação sobre o
consumo.
Entrevistado 4 É necessária uma reforma radical pois é necessária reformular como um todo.
Fonte: Elaborado pelo autor (2022).

Três dos quatro entrevistados estão em consenso quando dizem que há uma necessidade
de uma reforma radical no estado brasileiro. Apenas a entrevistada três não concorda com essa
ideia, pois afirma não acreditar nesse tipo de reforma, devido ao fato de haver a necessidade de
um debate amplo sobre o assunto na sociedade e no corpo técnico.
A mudança radical que é citada, seria uma proposta ampla e radical de mudança na
forma de cobrança dos tributos, onde se prevê a extinção de sete tributos federais como o IPI,
o IOF, o CSLL, o PIS, o PASEP, o COFINS e o salário educação, do ICMS estadual e do ISS
municipal. Em contrapartida seriam criados três impostos para ficar no lugar dos anteriormente
citados: o Imposto sobre o Valor Agregado – IVA, o Imposto Seletivo e a Contribuição Social
sobre Operações e Movimentações Financeiras. Esses novos impostos seriam utilizados para
que houvesse uma redução das alíquotas da contribuição previdenciária paga por empresas e
pelos trabalhadores. Por fim, os impostos seriam unificados em um único tributo, o IVA,
conforme o modelo de países europeus. Entretanto, essas propostas sofreram resistência do
setor de serviços, que teme pelo aumento da carga tributária para suas empresas (KRESTON
PARTNERSHIP, 2017).

PERCEPÇÃO SOBRE ALGUNS PONTOS ACERCA DA REFORMA TRIBUTÁRIA


204

A terceira pergunta foi sobre a percepção dos entrevistados a partir de alguns pontos
(princípios) presentes na questão da reforma tributária. Tal percepção foi elencada abaixo
através da proposição do Quadro 7.

Quadro 7 – Percepção dos entrevistados sobre alguns pontos da reforma tributária


A arrecadação tributária brasileira feita pelo Estado é uma das maiores do mundo,
não sendo vista a utilização desses impostos no desenvolvimento do país.
(Entrevistado 1)
Arrecadação
Existem vários fundos, pode ser devolvida para saúde de várias maneiras,
dependendo do fundo a que está vinculada. Melhorar arrecadação melhora a
redistribuição. (Entrevistado 4)

Essa percepção seria o ideal, onde quem tem mais paga mais e quem tem menos
Onerar proporcionalmente
paga menos. (Entrevistado 1)
mais aqueles que possuem
Seria uma boa opção pois tributaria quem tem menos capital e mais quem tem
maior capacidade
mais capital. Seria proporcional: tratar iguais com igualdade e desiguais com
contributiva
desigualdade, para que se tenha uma isonomia tributária. (Entrevistado 4)

Evitar arbitrariedades de
Essa percepção é necessária tendo em vista que precisa de maior rigor no controle
tratamentos tributários não
do que possui ou não isenção de tributação (Entrevistado 1)
isonômicos entre
Partiria do princípio da igualdade tributária, trazendo justiça social e uma alíquota
contribuintes, setores
progressiva – quem ganha menos paga menos, quem ganha mais paga mais.
econômicos e fontes de
(Entrevistado 4)
renda
Minimizar as distorções Simplificar a forma de tributação diminuiria os custos e facilitaria o equilíbrio
econômicas e dessas distorções (Entrevistado 1)
administrativas Um grande desafio, pois nosso modelo temos várias estruturas. Há a necessidade
relacionadas à arrecadação de tentar equalizar os sistemas e as pessoas de trabalho formal e informal.
de tributos (Entrevistado 4)
Fonte: Elaborado pelo autor (2022).

A entrevistada 3 não comentou acerca deste ponto por blocos, mas sim como um ponto
só. Ela traz que todos esses objetivos devem ser compatibilizados, sem favorecer em demasia
a elite, que já são os mais beneficiados. Dever ser buscado formas de aplicaras técnicas da
progressividade e seletividade sempre que possível, para, assim, diminuir o problema da
concentração de renda e promover o desenvolvimento mais justo do país, observando-se, assim,
as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,
com aplicação de acordo com as peculiaridades nacionais.
Para Orair e Gobetti (2018) os pontos elencados no Quadro 7 são princípios norteadores
de uma proposta de reforma que busca aproximar a estrutura tributária do estado brasileiro em
um sistema que possa ser considerado ideal de acordo com a teoria econômica e com as
experiências internacionais. Esse sistema ideal seria um sistema que foi desenhado para
combinar e equilibrar eficiência e equidade para que se possa promover uma maior justiça
205

tributária sobre o bem-estar social no estado brasileiro. Essa justiça seria garantida, de acordo
com o pensamento desenvolvimentista latino-americano, através de uma tributação progressiva
da renda e da propriedade, sendo assim capaz de promover uma mudança no padrão de consumo
das famílias e também promover o desenvolvimento.

PERCEPÇÃO SOBRE AS TENDÊNCIAS DA REFORMA TRIBUTÁRIA QUE DEVEM


SER PRIORIZADAS NO BRASIL

A quarta pergunta foi sobre a percepção dos entrevistados a partir de algumas tendências
presentes na questão da reforma tributária. Tal percepção foi elencada abaixo através da
proposição do Quadro 8.

Quadro 8 – Percepção dos entrevistados sobre alguns pontos da reforma tributária

Deve ser priorizado o imposto sobre consumo pois pessoas de poderes aquisitivos
diferentes pagam a mesma quantidade de impostos sobre um produto.
(Entrevistado 1)
A prioridade seria em cima da tributação sobre bens e serviços pois atualmente
Tributação sobre bens e
esses impostos não têm um padrão, dificultando o entendimento sobre o que está
serviços
sendo tributado sobre aquele determinado bem ou serviço. (Entrevistado 2)
Deve ser priorizado, pois é uma tributação que reflete diretamente no consumidor.
Minimizar o impacto para ajudar o consumidor a adquirir e comercializar.
(Entrevistado 4)

Tributação sobre folha Vários tributos na folha, como por exemplo o imposto de renda – um dos fatores
de pagamentos é você contribuir com receita. (Entrevistado 4)
Deve ser priorizado o imposto sobre a renda, pois é necessário o aumento da
tributação sobre grandes fortunas. (Entrevistado 1)
Tributação direta sobre o que se ganha, em uma tentativa de auferir receita para
Tributação sobre renda
que se possa regular os ganhos – reformular para que possa criar um ambiente
mais adequado para que o consumidor pequeno não seja igualado aos grandes
consumidores. (Entrevistado 4)
Impostos sobre a São oriundos de quem possui ou detém algum título. Necessidade de rever a
propriedade reformulação como por exemplo do IPTU. (Entrevistado 4)

Fonte: Elaborado pelo autor (2022).

A entrevistada 3 não comentou esse ponto por blocos, mas sim como uma visão geral.
Ela traz que dever haver uma inversão das bases tributáveis, onde, no Brasil, a tributação sobre
consumo é proporcionalmente muito maior do que a que incide sobre patrimônio e renda e essa
lógica deve ser invertida. Segundo dados extraídos da OCDE e da Receita Federal do Brasil,
no Brasil, 43% da tributação incide sobre o consumo; 27,5% sobre folha de pagamento; 4,5%
206

sobre patrimônio e 22,5% sobre a renda. Além disso, são concedidas renúncias fiscais (gastos
tributários) em valores muito altos em favor de grupos econômicos mais fortes. Sem falar que
existe isenção de lucros e dividendos de empresas em favor de sócios e acionistas. A tabela do
imposto de renda favorece os mais ricos.
O entrevistado 4, além dos pontos presentes no quadro, fala que o Brasil precisa urgente
de uma reforma administrativa e tributária que possa contemplar os pequenos e médios
empresários para que se possa criar um ambiente que gere emprego, renda e riquezas para o
país, assim, o país só tende a crescer, o PIB aumenta e assim aumenta-se a dignidade.
Para Orair e Goretti (2018) os sistemas tributários são historicamente determinados
pelas tendências internacionais do campo da tributação, entre elas citam a homogeneização da
tributação sobre bens e serviços, com base em alíquotas diferenciadas e isenções; conceituação
ampla da base tributável do IVA para lidar com a tributação da recente economia digital; revisão
de benefícios tributários, que são fontes geradoras de desigualdades e que não propiciam
investimentos; gradual esgotamento dos modelos baseados na tributação sobre a folha salarial,
para que se haja modalidades mais flexíveis, com menos impactos sobre a competitividade
nacional; e a erosão da base tributável, através de uma pressão para a queda das alíquotas. A
essas considerações soma-se o imperativo de promover consolidações fiscais, de forma a
recuperar o crescimento do país.
Esses autores trazem ainda que sua preocupação é apontar um modelo compatível com
a redução das alíquotas do imposto de renda para as empresas, dando uma oportunidade de
revisar os benefícios tributários. Para a pessoa física, procura-se compensar através de um
modelo que a tributação traga distintas fontes de renda (ORAIR; GORETTI, 2018).

PERCEPÇÃO SOBRE AS VANTAGENS DA REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL


A quinta pergunta foi sobre quais as vantagens que a reforma tributária traria. Tal
percepção foi elencada abaixo através da proposição do Quadro 9.

Quadro 9 – Vantagens da reforma tributária no Brasil


Equilibrar a tributação brasileira, tendo em vista que a maior porcentagem de tributação é
sob o consumo, onde tratam com igualdade o poder de compra de um rico com o de um
pobre sob o mesmo produto, fazendo com que o rico pague menos impostos em relação
Entrevistado 1 aos pobres. Além disso, a simplificação da arrecadação dos impostos de consumo em um
único imposto, reduziria a complexidade e por consequência, diminuiria a quantidade de
custos para a fiscalização do cumprimento das obrigações acessórias.
207

Simplificação da cobrança de impostos, unindo alguns deles em uma única fonte de


Entrevistado 2 arrecadação e tornando todo o processo mais transparente.
As propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional não resolvem os
principais problemas do país, que são a regressividade do sistema tributário, o alto índice
Entrevistado 3 de sonegação fiscal, a tributação mais elevada sobre os mais pobres, além de não enfrentar
problemas mundiais.
Sobra de capital e o reinvestimento para gerar emprego e renda, gerando riquezas internas
Entrevistado 4 e aumentando o PIB.
Fonte: Elaborado pelo autor (2022).

Machado e Balthazar (2017) trazem que a reforma tributária é urgente e dispensável no


Brasil para que possa haver a promoção da atualização do sistema de arrecadação brasileiros,
para o enfrentamento dos desafios dos mercados globalizados. É necessário corrigir as grandes
distorções do sistema de arrecadação, pois eles acabam levando baixa eficiência para o
funcionamento da economia.
A maior vantagem que reforma tributária brasileira irá trazer é a simplificação da
cobrança de impostos, ao unir alguns tributos em uma única fonte de arrecadação, para que se
possa tornar o processo mais transparente. As perspectivas positivas da reforma apontam o
crescimento do número de oportunidades de emprego, pois os impostos fomentarão
investimentos nos mais variados setores, o entendimento dos impostos que são cobrados e uma
realocação dos recursos de uma forma otimizada.

PERCEPÇÃO SOBRE OS DESAFIOS DA REFORMA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

A sexta e última pergunta foi sobre quais os principais desafios que a reforma tributária
traria. Tal percepção foi elencada abaixo no quadro 10.

Quadro 10 – Desafios da reforma tributária no Brasil


Simplificar, fazer com que o sistema tributário brasileiro faça mais sentido e seja menos
Entrevistado 1
burocrático.
Os resultados só serão observados a longo prazo e há a possibilidade de alguns setores
Entrevistado 2 pagarem mais impostos que outros, o que afetará no preço final de determinados produtos
e serviços.
Realizar uma reforma que realmente enfrente discussões sérias sobre o tema e que consiga
inverter a lógica que favorece os detentores de poder político e, principalmente, poder
Entrevistado 3
econômico, como, por exemplo, por meio da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas
– IGF.
Ser discutido a questão da reforma tributária com a sociedade e conselhos como a OAB e
Entrevistado 4 de contabilidade tributária, para que assim se possa discutir e ver qual o melhor ambiente,
tem que ser bem debatido.
Fonte: Elaborado pelo autor (2022).
208

Para Moreno (2011) a reforma tributária apresenta importantes desafios a serem


enfrentados pelo Brasil, um deles é simplificar o sistema de arrecadação para que ele possa ser
justo para o contribuinte e adequado aos princípios federativos de forma a melhorar a
competitividade dos produtos brasileiros e findar a guerra fiscal. Alguns pontos que podem ser
citados nesse aspecto é que a carga tributária é muito elevada, o que onera a produção; é
necessário buscar soluções para as injustas alíquotas do ICMS e do IPI, privilegiando quem tem
maior renda, pois o indivíduo que tem renda maior paga o mesmo valor do que tem renda
menor; necessidade de os impostos recolhidos retornarem aos cofres públicos, pois apenas 2%
do montante do Imposto de renda e do IPI voltam.
Assim, como desafios, aponta-se que os resultados da reforma tributária no estado
brasileiro só serão vistos a longo prazo, além de haver a possibilidade alguns setores acabarem
pagando mais impostos e isso afetar no preço final de alguns produtos e serviços.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa analisar a percepção de advogados e contadores do município de Mossoró –


RN sobre a reforma tributária brasileira, assim podendo avaliar de uma forma mais crítica seus
possíveis impactos da mesma.
Analisando o atual sistema tributário brasileiro é possível observar sua complexidade e
seu alto nível burocrático, assim levando a ter interpretações distorcidas de suas leis, causando
então uma fuga tributária, podendo levar a sonegação fiscal. Diante disso, a reforma tributária
tem sido um tema bastante discutido no congresso nacional, tendo bastante relevância na vida
dos brasileiros.
Ao final da pesquisa pode-se delinear que a limitação encontrada na coleta dos dados,
foi no tocante a disponibilidade de especialistas quanto a temática e outra limitação importante
se refere ao tamanho da amostra, que ao se apresentar em número reduzido, permite considerar
os resultados encontrados apenas para a população em questão.
Como recomendações para investigações futuras nesta mesma temática, salientamos a
importância de alargar a amostra de participantes, utilizando métodos que expanda a zona de
pesquisa como questionários que possibilitem a recolha de dados com profissionais de outros
estados, assim tendo uma percepção maior sobre a necessidade de uma reforma tributária
brasileira.
209

Podendo concluir que se percebe um consenso dos especialistas quanto a necessidade


de uma reforma tributária para atingir o desenvolvimento social e econômico, enfatizando para
uma reforma drástica, visando a distribuição de renda, geração de empregos e fazendo com que
haja a simplificação da cobrança dos impostos e um melhor direcionamento dessa verba para o
desenvolvimento do estado brasileiro, diante disso tendo transparência da arrecadação,
melhorando a competitividade empresarial. É importante que a partir da reforma tributária, se
passe a tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade para que se possa atingir
uma isonomia tributária.

REFERÊNCIAS

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contabilidade. Revista Projetos Extensionistas, v. 1, n. 1, p. 1-10. jan./jun. 2021. Faculdade
de Pará de Minas - FAPAM.

ANDRADE, Jucilaine. Reforma tributária no Brasil e seus impactos na redução da


desigualdade: uma análise das Propostas de Emenda à Constituição sob a perspectiva da
justiça fiscal. Gestão e Sociedade, v. 9, n. 22, p. 832-852, 2015.

BARBALHO, Igor Almeida. Impacto de uma reforma tributária na atuação do contador.


Brasília, DF, 2013. Monografia (Graduação) - Universidade de Brasília (UNB). Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade (FACE).

BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário


Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e
Municípios. 1966. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 30 nov. 2021.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n° 45 de 2019. PEC


da Reforma Tributária. 2019. Disponível em:
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quem precisa. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-
informacao/acoes-e-programas/reforma-tributaria. Acesso em: 25 ago. 2021.

BRASIL. Ministério da Economia. Plano mais Brasil. Reforma tributária quando todos
pagam, todos pagam menos. Jul. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-
br/centrais-de-conteudo/apresentacoes/2020/julho/Apresentacao-Reforma-
Tributaria.pdf/view. Acesso em: 30 nov. 2021.
210

BRASIL. Ministério da Economia. Reforma Tributária 2° fase. Jun. 2021. Disponível em:
https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentacoes/2021/junho/reforma-
tributaria-jun-2021-4-1.pdf. Acesso em: 30 nov. 2021.

BRASIL. Senado Federal. Proposta de Emenda à Constituição n° 110 de 2019. PEC da


Reforma Tributária. 2019. Disponível
em:https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137699. Acesso em: 30
nov. 2021.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de pesquisa.


Coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação
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GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social / Antonio Carlos Gil. - 6. ed. -
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tributária fatiada. Economia, governo, tributação. Publicado em 10 mar. 2017. Disponível em:
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Instrumento de Efetivação da Justiça Distributiva: uma abordagem histórica. Sequência.
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MORENO, Ivan Netto. Guerra fiscal e os desafios da reforma tributária. Jusbrasil, 2011.
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VARSANO, Ricardo. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século:


anotações e reflexões para futuras reformas [online]. Rio de Janeiro: IPEA, 1996. Disponível
211

em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0405.pdf. Acesso em: 30


nov. 2021.
212

ABORDAGEM SOBRE A DISCIPLINA ÉTICA PROFISSIONAL NAESTRUTURA


CURRICULAR DO CURSO SUPERIOR DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS PARA A
FORMAÇÃO DOS FUTUROS CONTADORES

Ana Claudia Costa Almeida 1

Letícia Tuanne da Costa Freitas 2

Matheus Costa Martins 3

Adriana Martins de Oliveira 4

Iriane Teresa de Araújo 5

RESUMO

O Profissional contábil tem como função informar, de maneira confiável, aos seus clientes e
usuários, a situação financeira do patrimônio das organizações, que precisam ser relacionado
em princípios éticos. A Ética é muito importante no contexto profissional, logo deve ser
conhecida e discutida no contexto acadêmico pelos futuros formandos em contabilidade. O
objetivo desse estudo é analisar qual a importância e a opinião dos discentes de uma Instituição
de Ensino Superior privada sobre esta disciplina no curso de Ciências Contábeis. Dando ênfase
sobre a influência que a disciplina de Ética profissional pode exercer na formação profissional,
sendo analisado os elementos que podem ser aderidos como reflexão sobre a manutenção dessa
disciplina no curso Ciências contábeis. Na pesquisa a metodologia utilizada foi classificada
como bibliográfica com um auxílio de um questionário que foi aplicado e o resultado foi
analisado estatisticamente numa amostra de 47 estudantes que estão cursando do terceiro ao
sétimo período. A pesquisa revelou que o aprendizado da Ética e a sua importância para o
exercício da profissão é muito relevante na visão dos formandos a disciplina Ética e Legislação
Profissional no curso de contabilidade teve impacto essencial na conduta ética dos futuros
profissionais e os seus conhecimentos irão definir o sucesso profissional.
Palavras-chaves: ética, discentes, ciências contábeis.

ABSTRACT

1
Graduanda em Ciências Contábeis pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
claudinhaalm1@gmail.com
2
Graduanda em Ciências Contábeis pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
leticiatuanne45@gmail.com
3
Graduando em Ciências Contábeis pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
matheuscostta@hotmail.com
4
Orientador: Adriana Martins de Oliveira. E-mail: adriana.oliveira@professor.catolicadorn.com.br
5
Orientador: Iriane Teresa de Araújo. E-mail: irianearaujo@hotmail.com
213

The accounting professional has the function of informing, in a reliable way, to its clients and
users, the financial situation of the patrimony of the organizations, which need to be listed in
ethical principles. Ethics is very important in the professional context, so it should be known
and discussed in the academic context by future accounting graduates. The objective of this
study is to analyze the importance and opinion of students from a private Higher Education
Institution about this subject in the Accounting Sciences course. Emphasizing the influence
that the discipline of Professional Ethics can exert on professional training, analyzing the
elements that can be adhered to as a reflection on the maintenance of this discipline in the
Accounting Sciences course. In the research, the methodology used was classified as
bibliographic with the help of a questionnaire that was applied and the result was statistically
analyzed in a sample of 47 students who are studying from the third to the seventh period.
The research revealed that the learning of Ethics and its importance for the exercise of the
profession is very relevant in the view of the trainees, the discipline Ethics and Professional
Legislation in the accounting course had an essential impact on the ethical conduct of future
professionals and their knowledge will define the professional success.
Keywords: ethics, students, accounting sciences.

1 INTRODUÇÃO

A ética é um assunto importante de ser discutido, pois é algo presente na vida de todos
os indivíduos socialmente, descriminando o caráter profissional ou pessoal de cada um. O
meio profissional, o qual deve estar inserida, possui regras, normas e princípios a serem
cumpridos, e a não contemplação deles podem causar prejuízos irreparáveis. Araújo (2020)
afirma isso quando diz que a valorização ética está se tornando cada vez mais um ponto
fundamental na contratação e exigência de um profissional, já que a realização correta da
função do profissional implica diretamente no sucesso de uma empresa.
No ambiente contábil, foi incluído a ética como característica fundamental para a
realização dos serviços profissionais e sua tomada de decisão, diante disso foi criado o Código
de ética. O Código de Ética Profissional do Contador trata-se de um guia padronizado do
comportamento profissional. Seu principal objetivo é fixar a conduta do contador no exercício
da sua profissão. O Contador deve seguir as normas estabelecidas pelo Código de ética assim
como as outras normas estabelecidas pelas Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC).
O contador tem grandes responsabilidades, seu exercício de profissão tem como
capacitação de zelar e ser leal aos seus princípios, é importante que esse profissional tenha
cuidados em cada situação, se mantendo atualizado com competência para desenvolver sua
função. O contador lida com informações que são importantes para seus usuários, portanto,
cada profissional tem o seu comprometimento de aplicar em seus atos do dia a dia o código
de ética com muita precisão assumindo suas responsabilidades (SANTOS, 2019). Entender o
214

conceito de ética, o seu princípio moral e como isso reflete perante a sociedade e a vida
profissional, no que se refere ao seu comportamento ético é de suma importância para o
contador.
Visto a relevância que é a ética profissional e o quanto o mercado passou a necessitar
fortemente disso, em 1992 o Ministério da Educação - MEC formalizou a sugestão de
adicionar esta disciplina nas estruturas curriculares de certos cursos de graduação, atenuando
a notabilidade que se devia ter na postura ética dos futuros profissionais em todas as áreas do
conhecimento. Especificamente sobre o curso de Ciências Contábeis, em 2004 o MEC
indicou as competências e habilidades que é esperado do graduando. O curso de Ciências
Contábeis possui em sua estrutura curricular a Disciplina Ética Profissional, que procura
auxiliar na formação ética dos futuros profissionais da contabilidade, fazendo com que se
intensifiquem o aprendizado dos estudantes sobre o comportamento ético profissional.
Assim, partindo do interesse de entender o conceito de ética e a percepção dos
estudantes do curso de ciências contábeis a respeito do código de ética profissional de
contabilidade, foi levantado o seguinte problema de pesquisa: Qual a importância da
disciplina de ética profissional para a formação dos futuros profissionais contábeis?
Dessa forma, esse estudo tem por objetivo geral verificar a importância e alisar a
opinião dos alunos sobre esta disciplina no curso de Ciências Contábeis.
O interesse pelo tema surgiu devido à importância que os conceitos éticos têm
ganhado atualmente. Nessa perspectiva, este estudo se justifica pelo fato de ser relevante o
conhecimento e entendimento dos estudantes, principalmente para quem vai ingressar no
mercado de trabalho.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A seguir serão abordados os principais temas que norteiam essa pesquisa, essa seção
foi dividida em Profissional Contábil, Ética e O Contador e o Código de Ética Profissional
Contábil.

PROFISSIONAL CONTÁBIL
215

O contador tem por sua responsabilidade analisar, gerenciar, desenvolver e fornecer


informações econômicas e financeiras aos seus usuários internos e externos, de forma a
auxiliar na tomada de decisão. Podemos ver a importância que o profissional terá para os
cuidados que serão utilizados em cada situação, se mantendo atualizado com competência
para desenvolver sua função e fornecer ao cliente informações corretas e úteis que serão
utilizadas em várias finalidades (OLIVEIRA, 2018).
A contabilidade é uma ciência social aplicada, sendo, portanto, influenciada pelo
ambiente em que atua. Com o aprendizado posto nas práticas contábeis vemos que a
contabilidade e a linguagem dos negócios, é utilizada pelos agentes econômicos que buscam
informações para avaliação dos riscos e oportunidades (ALMEIDA, 2012).
Oliveira (2018) considera que as competências necessárias de um profissional são
previstas e estruturadas de maneira a estabelecer um conjunto ideal de conhecimentos, valores
e atitudes éticas que oferecem um melhor desempenho ao trabalho. Com isso, percebe-se que
o profissional contábil para desenvolver suas competências, o contador deve obter
conhecimentos e manter uma postura ética, agindo com moralidade e responsabilidade.

ÉTICA

A ética envolve o comportamento humano e sua conduta na vida pessoal, na sociedade


e nos negócios, enfim no meio em quer o ser humano está inserido. Ela reflete sobre os
princípios e valores orientando o indivíduo perante a sua decisão. A ética analisa a atitude do
homem e identifica os melhores caminhos na vida social considerando a sua base e costumes
corretos (RIBEIRO, 2019).
A ética busca equilibrar o convívio coletivo dos indivíduos, para que as ações estejam
em acordo com os princípios de uso comum. Para tanto, refere-se aos costumes e
comportamentos sociais habituais, manifestando-se por meio de princípios e obrigações que
norteiam o comportamento dos indivíduos em sociedade (MAGRO; SILVA;
ZONATTO,2018).
É muito importante evidenciar a ética na tomada de decisão, pois ela vai nortear a
conduta humana, considerando seu papel fundamental na sociedade. E por outro lado ela pode
auxiliar o indivíduo a conciliar os interesses pessoais com os padrões de vida no meio social.
É fundamental que ela esteja ligada as pessoas de forma que os conhecimentos, atos e
216

acontecimentos da vida estejam em acordo com os princípios éticos. Dessa forma a ética
estará sempre relacionada ao indivíduo, tanto no trabalho quanto na sociedade (RIBEIRO,
2019).
No ambiente empresarial a conduta ética também se torna relevante, sendo que os
profissionais não podem, em nenhum momento, deixar de lado o seu valor ético, visto que a
imagem de qualidade nos serviços está associada aos comportamentos que não se desvirtuam
da sociedade. Para tanto, a ética está vinculada a todas as ações em sociedade, estando
também associada as decisões corporativas e atitudes profissionais, tornando-se relevante
absorver conhecimentos sobre o comportamento ético dos indivíduos na atuação profissional
corporativa (MAGRO; SILVA; ZONATTO, 2018).

O CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL CONTÁBIL

O Conselho Federal de Contabilidade, no exercício de suas atribuições legais e


regimentais, com base no Decreto Lei n° 9.295/1946, que em 7 de fevereiro de 2019 foi
revogada, alterado então pela Lei n°12.249/2010, traz a aprovação da Norma Brasileira de
Contabilidade (NBC): NBC PG 01- Código de Ética Profissional do Contador.
O Código de Ética Profissional do Contador é um conjunto de normas de conduta a
serem observadas pelos contadores nas relações profissionais com seus clientes e colegas de
profissão, sempre vinculando o aspecto do bem e da moral.
O CFC (2019) ressalta, conforme está no código, que são deveres do contador exercer
sua profissão com zelo, diligência, honestidade e capacidade técnica, seguindo todas as
Normas Brasileiras de Contabilidade e também a Legislação atual, preservando todo o
interesse público, os interesses de seus cliente e empregados. Deve-se se negar trabalhos
quando reconheça que não está capacitado para o mesmo. Ainda, é da obrigação do contador
guardar sigilo de tudo que souber em juízo da prática profissional, inclusive quando se tratar
de assuntos ou serviços públicos, ressalvados casos que estão previstos em lei ou casos
solicitados por autoridades competentes, como o Conselho Federal e os Regionais de
Contabilidade. Renunciar obrigações que exerce, assim que perceber falta de confiança tanto
por parte do cliente como por parte do empregador.
Com a nova versão do condigo de ética foi atribuído ao aprendizado do contador
algumas vedações em seu âmbito de trabalho, é vedado ao contador assumir, direta ou
indiretamente, serviços de qualquer natureza, com prejuízo moral ou desprestígio para a
217

classe; auferir qualquer provento em função do exercício profissional que não decorra
exclusivamente de sua prática lícita; assinar documentos ou peças contábeis elaborados por
outrem alheio à sua orientação, supervisão ou revisão; exercer a profissão, quando impedido,
inclusive quando for procurador de seu cliente, mesmo que com poderes específicos, dentro
das prerrogativas profissionais (CFC, 2019).
O Código de Ética do profissional da Contabilidade tem a necessidade de sempre se
manter atualizado, pois é necessário adaptar-se aos costumes da prática do mercado e a
também pela adaptação à tecnologia que está sempre em mudança.

ENSINO DA ÉTICA NO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

Frequentemente no Brasil se têm notícias de condutas antiéticas, seja por parte do


governo ou de corporações que praticaram fraudes e sonegações, gerando perdas à sociedade.
Esses fatos certamente colocam em questionamento as informações contábeis e
financeiras, bem como da formação do profissional.
Diante disso, é que se põe em pauta a discussão sobre a educação ética para a
Contabilidade, voltada para o aprimoramento das práticas utilizadas diante dos dilemas éticos
que se colocam na atualidade. “A educação ética pode ser apontada como alternativa para
promover a consciência ética, podendo ser considerada um importante antídoto contra as más
práticas contábeis” (FRANCISCO, 2019, p. 42).
A disciplina de Ética para Morgan, Fonseca e Fernandes, (2019, p. 15) “ganha status
ao figurar como uma disciplina específica na formação de profissionais contábeis, e espera-
se que chame a atenção dos futuros profissionais como um elemento a mais, além da própria
formação cultural do indivíduo para se construir uma sociedade mais justa”.
O tema ética na educação em contabilidade difere-se entre os organismos e
regulamentações. O MEC o inclui nas habilidades e competências e o currículo mundial
insere os conteúdos de ética em alguns tópicos. Ambos não o referem como uma disciplina
específica. Por outro lado, o Conselho Federal de Contabilidade o propõe como uma
disciplina. “Apesar do conteúdo de ética não ser indicado pelo MEC, as instituições o incluem
como disciplina, e em sua maioria, adicionam o conteúdo proposto pelo CFC, possivelmente
pelo papel exercido pelo órgão da profissão” (MORGAN; FONSECA; FERNANDES, 2019,
p. 16).
218

O ensino da Ética desempenha papel fundamental na profissão de contador, pois o


profissional da contabilidade deve agir sempre levando em consideração os preceitos morais
e éticos para que se possa verificar com maior exatidão e garantir que tudo ocorra da melhor
maneira possível. “A falta responsabilidade e de planejamento pode gerar sérias
consequências para aquelas empresas, gerando com maior facilidade os erros, fraudes,
sanções e até mesmo a falência dessas empresas” (SOUSA; OLIVEIRA, 2019, p. 16).
Francisco (2019) afirma que é possível adicionar outras disciplinas, no campo da
ética, no curso de Ciências Contábeis, como Sociologia Organizacional e Psicologia
Organizacional, que priorizam conteúdos de formação humana e cidadã importantes para a
construção de uma sociedade mais justa e ética.
O estudo aplicado por Silveira e Nascimento (2019) mostra que os resultados,
constatou-se que a maioria dos respondentes são jovens. Os achados da pesquisa revelam
uma preocupação, tendo em vista que 70 discentes, que representam 59,3% da amostra,
afirmaram que não conhecem as mudanças ocorridas no Código de Ética. Concluiu-se
também que há diferenças estatisticamente significantes entre a percepção dos estudantes do
gênero masculino e feminino, demonstrando, portanto, que as mulheres são as que mais
consideram a importância de um profissional conceituado agir com ética.
Na pesquisa desenvolvida por Silva e Melo (2019), a maior parte dos alunos que
responderam ao questionário não tem certeza se o modelo atual de ensino contribui para o
entendimento e futura aplicação dos princípios éticos enquanto profissional. Além disso,
observou-se que 64% dos discentes afirmam ter conhecimento médio sobre o código de ética
contábil, seguido dos 27,80% que alegaram ter baixo nível de conhecimento, 5,10% disseram
não ter conhecimento sobre o código, 2,50% informaram que tem alto conhecimento e 0,6%
dos respondentes tem o nível muito baixo de conhecimento sobre o código de ética contábil.
Já no estudo realizado por Campos et al. (2020) foi indagado aos respondentes o nível
de concordância destes quanto à contribuição da disciplina de Ética ou Ética e Legislação
Profissional para a sua formação profissional, onde 150 (62,90%) do total de respondentes,
disseram concordar de alguma forma, no entanto, 37,1% não concordaram com a contribuição
da disciplina de Ética.

3 MÉTODO
219

A pesquisa proposta tem o objetivo de verificar a importância, na visão dos discentes,


da disciplina de Ética Profissional na estrutura curricular do curso de Ciências Contábeis.
Para atingir os resultados, a pesquisa descritiva, que pretende reconhecer as características e
circunstâncias que correlacionam o processo (PEROVANO, 2014). A pesquisa foi aplicada
em uma Instituição de Ensino Superior – IES em Mossoró – RN. Essa pesquisa foi realizada
através de perguntas fechadas em método quantitativo, de forma transversal, por meio de uma
pesquisa de campo com alunos do curso de contabilidade que já tenham cursado a disciplina
de Ética, o questionário aplicado para pesquisa tem como base o estudo feito por Silveira e
Nascimento (2019), e o presente estudo aplicado por Quaresma e Silva (2019).
Esta pesquisa abrange uma amostra de 47 respondentes, e os dados coletados foram
analisados com o auxílio dos softwares Microsoft Word, Excel (versão Windows 2010) e
Google Forms e o programa de planilhas SPSS. Foi utilizado de forma elaborada a análise
estatística descritiva, amostras da pesquisa elaborada em analises fatorial exploratória.
A pesquisa quantitativa permite a determinação de indicadores e tendências presentes
na realidade. De acordo com Mussi et al. (2019, p. 419) “os estudos quantitativos apresentam
importante proximidade com o modelo estatístico, do nível de planejamento, da variação e
assertividade na seleção das variáveis, dos instrumentos aplicados e da fundamentação teórica
que permitirão a melhor análise da hipótese”.
A pesquisa quantitativa contribui importantemente para o entendimento da presença
de caraterísticas isoladas ou associadas, que podem embasar ações para seu enfrentamento
prioritário, com uma desvalorização da subjetividade e da individualidade. “A matemática
fornece à ciência moderna, não só o instrumento privilegiado de análise, como também a
lógica da investigação, como ainda o modelo de representação, da própria estrutura da
matéria” (SANTOS, 2005, p.27).

4 RESULTADO E DISCUSSÃO

O presente estudo tem como objetivo analisar a abordagem da ética e da disciplina da estica
contábil para os futuros contadores, inicialmente, buscou-se ter conhecimento sobre o perfil
dos participantes com relação ao gênero, idade, qual período está cursando e se trabalha ou
não na área contábil.
220

Os dados da pesquisa demonstram quanto ao gênero dos discentes, uma pequena


predominância do gênero feminino, tendo em vista que dos 47 participantes da pesquisa,
59,6% são do gênero feminino, já 40,4% do gênero masculino. Isso confirma o aumento do
espaço que a mulher vem tendo na área contábil, segundo o CFC (2018) são mais de 224 mil
profissionais mulheres do total de 524,5 mil, representando quase 43% da classe em plena
atividade, corroborando aos achados do estudo. Logo após, foi abordado sobre a faixa etária
desses entrevistados.
Com relação à faixa etária, verifica-se que o público maior está concentrado na faixa de 18 a
25 anos, representando 48,9% dos discentes, verificando-se também que 38,3% estão entre
26 a 35 anos, e 12,8% estão acima de 35 anos. Portanto, demonstra-se um público jovem,
sinalizando que cada vez mais pessoas jovens estão buscando curso de nível superior. Em
seguida, na Tabela 3, são apresentados os dados em relação ao período do discentes.

Tabela 1 - Período que está cursando


Opções Frequência Percentual
3° período 17 36,2%
5° período 15 31,9%
7° período 15 31,9%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Os dados da Tabela 1 evidenciam que a amostra foi bem dividida entre os


participantes da pesquisa, em que se percebe a participação efetiva de discentes das turmas
de 3° período com 36,2%, já as turmas de 5° e 7° período ficaram com o percentual de 31,9%
igualmente. A participação de alunos de diferentes turmas possibilita a coleta de discentes
com nível acadêmico distintos, coletando uma amostra heterogênea, o que é importante para
a pesquisa. A próxima indagação foi sobre a atuação do participante no mercado contábil
(Tabela 2).

Tabela 2 - Trabalha na área contábil


Opções Frequência Percentual
Sim 11 23,4%
Não 36 76,6%
221

Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A Tabela 2 traz o questionamento se os discentes já atuam na área contábil, apenas 11


discentes afirmaram trabalhar na área contábil, o que representa 23,4% da amostra. A maioria,
36 discentes (76,6%), ainda não trabalham na área. A Tabela 3 apresenta se os indivíduos
cursaram a disciplina de ética.

Tabela 3 - Já cursou a disciplina ética contábil


Opções Frequência Percentual
Sim 43 91,5%
Não 4 8,5%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Verifica-se que a maioria dos respondentes do questionário, já cursou a disciplina de


Ética Contábil, correspondendo a 91,5% e 8,5% ainda não cursaram. Então indagou-se a
relevância desta disciplina para a formação do profissional, o que mostra a Tabela 4.

Tabela 4 - Ensino da ética nas instituições de ensino de superior para formação profissional

Opções Frequência Percentual

Muito importante 45 95,7%


Pouco importante 2 4,3%
Nada importante 0 0,0%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Apenas 2 responderam que não consideram a ética importante nas IES, o que
corresponde a 4,3% da amostra. A maioria concorda que a ética é muito importante,
representando 45 estudantes (95,7%). O resultado apurado se alinha à afirmação feita por
222

Morgan, Fonseca e Fernandes, (2019, p. 15) ao retratar que além da própria formação
profissional, o conhecimento da ética da profissão chama a atenção dos estudantes,
apresentando alta importância para a formação dos profissionais. Em razão disso, o próximo
questionamento tratou da razão para esta disciplina fazer parte do curso, o que mostra a
Tabela 5.

Tabela 5 - Razão para disciplina ética profissional fazer parte do curso de ciências contábeis
Opções Frequência Percentual
Aprimorar a educação 4 8,5%
Empregabilidade 0 0,0%
Consciência ética 12 25,5%
Formação ética profissional contábil 31 66%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Na tabela 5 observa-se o motivo de existir a disciplina de ética no curso de ciências


contábeis, na opinião dos discentes, e a maioria assimilou à formação ética profissional,
totalizando 66%, o que se alinha à afirmação de Sousa e Oliveira (2019), quando retratam
que os profissionais contábeis devem agir sempre respeitando os preceitos éticos, pois a falta
de responsabilidade pode gerar más consequências, então deve-se procurar agir da forma mais
correta possível. Além disso, 22,5% responderam consciência ética como o motivo. Portanto,
percebe-se que as duas respostas corroboram com a importância da ética, e totalizam 88,5%
da amostra. Contudo, buscou-se saber qual seria a contribuição desta disciplina para o próprio
exercício da profissão de acordo com os estudantes, a Tabela 6 mostra o resultado.

Tabela 6 - Contribuição da ética profissional para o exercício da profissão contábil


Opções Frequência Percentual
Auxilia com conhecimentos sobre 16 34%
lealdade e integridade

Beneficia dando coerência a pratica da profissão 18 38,3%


Auxilia como agir diante da situação 12 25,5%
A ética profissional é irrelevante para o 1 2,1%
exercício da profissão
223

Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Analisando a tabela 6 é possível notar que a maioria dos entrevistados dão importância
a ética, uma vez que 38,3% responderam que ela da coerência a pratica da profissão e 34%
responderam que a ética auxilia com conhecimentos sobre lealdade e integridade. Apenas 1
discente (2,4%), não considerou a ética importante, assim se alinhando aos dados obtidos por
Campos (2020) quanto à contribuição da Ética para a sua formação profissional, onde 62,90%
do total de respondentes, disseram concordar, no entanto, 37,1% não concordaram com a
contribuição da disciplina de Ética. A Tabela 7 retrata se os discentes possuem conhecimento
do novo código de ética.

Tabela 7 - Conhecimento sobre o novo código de ética


Opções Frequência Percentual
Sim 17 36,2%
Não 9 19,1%
Conheço pouco 21 44,7%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Conforme a tabela 7, os alunos foram questionados quanto ao conhecimento sobre o


novo Código de Ética do Profissional Contábil, 36,2% disseram que sim, que tinham
conhecimento sobre o código, 19,1% responderam que não tinham nenhum conhecimento
sobreo novo código de ética, já 44,7% afirmaram ter pouco conhecimento. Este levantamento
diverge bastante do estudo feito por Silva e Melo (2019), no qual apresentava um percentual
baixíssimo de pessoas que tinha o conhecimento sobre o novo código (2,5%), logo, pode-se
observar que a procura e a importância deste devido conhecimento está se tornando maior o
decorrer do tempo, sendo trazido à tona a afirmativa de Araújo (2020) quando diz que a
valorização ética do profissional está se tornando cada vez mais um ponto fundamental para
contratações. A Tabela 8 mostra se os indivíduos possuem conhecimento de que houve a
mudança no código.
224

Tabela 8 - Conhecimento sobre a mudança do código de ética


Opções Frequência Percentual
Sim 27 57,4%
Não 20 42,6%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Os dados obtidos na Tabela 8 revelam que o conhecimento dos discente é superior já


que 57,4% da amostra, afirmam o conhecimento sobre as mudanças ocorridas no Código de
Ética no ano de 2022, sendo um ótimo resultado em comparação ao estudo de Silveira e
Nascimento (2019), pois mostrou que mais de 59% dos entrevistados não tinham
conhecimento de que houveram mudanças no código. A Tabela 9 trata do nível de influência
desta disciplina para a formação do novo profissional.

Tabela 9 - Nível de influência da disciplina ética profissional na formação do novo profissional


Opções Frequência Percentual
Pouca influencia 5 10,6%
Não é influente 0 0,0%
Muita influência 30 63,8%
Totalmente influente 12 25,5%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

De acordo com a tabela 9, o nível de influência da disciplina de ética contábil para


formação do profissional se destaca com muita influência com 63,8%, 25,5% dos discentes
caracteriza com totalmente influente e como minoria 10,6% caracteriza pouca influência para
formação de um novo profissional. Logo após, pediu-se a opinião dos indivíduos sobre a ação
ética do profissional, o que mostra a Tabela 10.

Tabela 10 - Profissional contábil deve agir com ética


Opções Frequência Percentual
225

Concordo 33 70,2%
Concordo totalmente 14 29,8%
Discordo 0 0,0%
Indiferente 0 0,0%
Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

A tabela 10, mostra o questionamento sobre a percepção dos alunos quanto a um


profissional conceituado, se deve agir com ética. A maioria, 70,2% concordou, 29,8%
concordaram totalmente. Portanto, a resposta da maioria dos respondentes corrobora com a
visão de Ribeiro (2019) em que ética analisa a atitude do homem e identifica os melhores
caminhos na vida social considerando a sua base e costumes corretos. A Tabela 11 apresenta
fatores que podem levar um profissional a não ser totalmente ético.

Tabela 11 - Fatores que levariam a uma pessoa não ser totalmente ético, de acordo com os parâmetros
estabelecidos no código de ética contábil
Opções Frequência Percentual
Alta carga tributaria 6 12,8%
Falta de credibilidade do governo 1 2,1%
Fiscalização ineficiente 10 21,3%
Falta de conhecimento do código de ética dos 30 63,8%
contadores

Total 47 100,00%

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Nota-se que a falta de conhecimento do código de ética (63,8%), como mostra a tabela
11, pode levar o profissional a não ser ético. Podemos notar também uma amostra expressiva
que considera a falta de ética relacionado com a fiscalização ineficiente (21,3%).
À vista dos resultados obtidos, pode-se observar que o conhecimento e a forma ética
de agir está se tornando cada vez mais importante para a formação de um profissional contábil
qualificado, pois principalmente o mercado está exigindo isso, em qualquer área de atuação
há a necessidade de profissionais que dão segurança às empresas no que tange a
confiabilidade e comprometimento do trabalho gerado.
226

4.1 FATORES DETERMINANTES SOBRE Á DISCIPLINA DE ETICA PROFISSIONAL


PARA OS DISCENTES

Esta subseção foi delineada a partir do objetivo geral da pesquisa para identificar os
fatores determinantes sobre a disciplina de ética profissional contábil para os discentes do
curso superior de ciências contábeis. Por tanto, procedeu-se com a aplicação da análise
fatorial, utilizou-se os seguintes índices de base, estabelecidos por Hair Jr. et al. (2009) e
Marôco (2011): (i) Alpha de Cronbach (superior a 0,6); (ii) Kaiser-Meyer-Olkin (KMO)
(igual ou superior a 0,5); (iii) Esfericidade de Bartlett (p menor que 0,5); (iv) Comunalidade
(igual ou superior a 0,5). A Tabela 1 apresenta os testes de KMO, Bartlett, Alpha de
Cronbach.

Tabela 12- Resultado dos testes de consistência das variáveis observáveis para o uso da AFE
Alpha de Cronbach Esfericidade de Bartlett KMO

Sig.
0,199 0,247 0,506
Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Por meio da Tabela 12, observa-se que o KMO (0,506) está dentro dos parâmetros
aceitáveis; o teste de esfericidade (0,247), o Alpha de Cronbach (0,199) demonstra limitações
dos fatores de acordo com as variáveis, sendo um resultado inferior ao quanto se esperava.
Os testes apresentam resultados limitados, sendo assim verificou-se que a reformulação das
perguntas seria o caminho eficaz de uma maior confiabilidade. A tabela 13 identifica a
variância total explicada.

Tabela 13 – Teste de variância total explicada

Somas de extração de Somas de rotação de


Autovalores iniciais carregamentos ao quadrado
Carregamentos ao quadrado
Component
es % e % % % % %
variânci Tota variânci Cumulativ
Total cumulativa Total a l a a
227

variância cumulativ
a

1 ,938 19,380 19,380 1,938 19,380 19,380 1,822 18,217 18,217

1,600 15,998 35,378 1,600 15,998 35,378 1,473 14,727 32,944

1 ,275 12,746 48,124 1,275 12,746 48,124 1,350 13,503 46,447

1,178 11,782 59,906 1,178 11,782 59,906 1,346 13,459 59,906

,993 9,933 69,839

,838 8,337 78,216

,754 7,540 85,756

,578 5,781 91,537

,490 4,898 96,435

,357 3,565 100,000

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Conforme na tabela 13, podemos ver os resultados do teste de variância total


explicada, onde se coloca autovalores iniciais composto pela variância e a cumulativa que
foram atribuídas com resultado de 10, as somas de extração carregamento ao quadrado
obtendo o total de 4 componentes, e pôr fim a somas de rotação de carregamentos ao quadrado
que se dá ao total de resultados de 4 componentes, explicando a variabilidade total dos dados
originais. O gráfico 1 representa a correlação entre duas variáveis.
228

Gráfico 1 – Correlação entre duas variáveis

35
30 y = 0,8267x + 2,0365
R² = 0,9691
25
20
15
10
5
0
0 5 10 15 20 25 30 35
INFLUÊNCIA DA DISCIPLINA ÉTICA PROFISSIONAL NA FORMAÇÃO DO
NOVO PROFISSIONAL

Fonte: Dados da pesquisa (2022).

Conforme o Gráfico 1, em linhas gerais podemos ver que a correlação entre a variável
profissional contábil deve agir com ética e a correlação influência da disciplina de ética
profissional do novo profissional, atribuindo o resultado de 0,984408, onde em se afirmar a
importância da ética.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa consistiu em fazer um levantamento num grupo de estudantes


sobre a percepção dos mesmos acerca da disciplina de Ética na estrutura curricular do curso
de Ciências Contábeis.
A pesquisa aplicada numa instituição de ensino superior privada contou com a
participação de 47 estudantes, do terceiro ao sétimo período, comprovando a afirmação da
ética como fator primordial para a profissão e foi constatado que os discentes reconhecem a
importância do estudo da disciplina no curso para a vida profissional.
Tendo em vista a presente pesquisa, podemos analisar que nenhum discente discordou
totalmente da importância da aplicação da ética no âmbito profissional contábil, apenas uma
minoria discordou parcialmente sobre a obrigação de manter as informações obtidas de forma
confidencial no exercício profissional contábil.
229

As limitações que está presente pesquisa apresenta é que, por ter sido aplicado em
apenas uma instituição, ela não deve ser generalizada. Desse modo, futuros estudos podem
ampliar a pesquisa para um número maior de participantes e analisar quantitativamente os
dados obtidos. O questionário pode ser replicado para possíveis estudos comparativos.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, A. et al. Dilemas éticos e a importância da disciplina de ética: percepção dos


discentes do curso de ciências contábeis de instituição de ensino superior. Refas – ISSN
2359182X. v. 7, n. 2, nov. 2020.

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. NBC PG 01: Código de Ética


Profissional do Contador. Brasília: CFC, 2019.

DAL MAGRO, C. B., DE JESUS SILVA, T. B., & DA SILVA ZONATTO, V. C. Como
discentes de ciências contábeis reagem á dilemas éticos da profissão? Contabilidade Vista &
Revista, v. 28, n. 3, p. 53-81, 2017

FRANCISCO, L. O ensino da ética na graduação em ciências contábeis. Akrópolis, v. 27, n.


1, p. 41-50, jan. /jun. 2019.

MEDEIROS, B. D. et al. Percepção de contadores sobre o código de ética profissional


contábil. Revista Informação Contábil, v. 12, n. 1, p. 1-17, 2018.

MORGAN, B.; FONSECA, M.; FERNANDES, J. Análise da Disciplina de Ética na


Educação Contábil do Brasil. Revista de Ciências Contábeis |RCiC-UFMT| v. 10, n. 19, p.
1-17, jan. /jun. 2019.

MUSSI, R.; MUSSI, L.; ASSUNÇÃO, E.; NUNES, C. Pesquisa Quantitativa e/ou
Qualitativa: distanciamentos, aproximações e possibilidades. Sustinere, v.7, n. 2, p. 414-430,
jul. /dez. 2019.

SANTOS, B. D. S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna.


Estudos avançados, v. 2, p. 46-71, 2005.

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231

PERCEPÇÃO GERENCIAL E CONTROLE FINANCEIRO DA ATIVIDADE DE


APLICATIVO DE MOBILIDADE URBANA EM MOSSORÓ/RN

Victor Jose De Azevedo Batista 1


Maria Do Rosário Da Silva2
Sabrina Paulino de Oliveira3
Keliane de Melo Ramalho4

RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo identificar a percepção dos agentes da atividade
econômica de mobilidade urbana da cidade de Mossoró/RN, a respeito das suas operações e o
conhecimento da contabilidade gerencial e controle financeiro. O estudo possui uma
abordagem descritiva por intermédio de uma análise quantitativa. Optou-se pelo método de
pesquisa survey, aplicada através de um questionário compartilhado de forma online, através
de um link do Google Forms, onde foram disponibilizados para os motoristas de aplicativos,
para grupos de WhatsApp em que os mesmos participavam. Diante dos dados obtidos verificou-
se que a maioria dos agentes são homens e jovens, com idade entre 18 e 40 anos, exercendo o
trabalho de motorista de aplicativo de forma informal e com objetivo de complementar sua
renda, trabalham em média 4 a 6 horas diárias conciliando com uma outra atividade laboral.
Uma parte dos respondentes fazem o controle financeiro em cadernetas de papel, outros em
aplicativos de gestão, afirmam conseguir separar bem suas receitas e despesas obtidas. No
entanto, foi observada certa limitação de conhecimento contábil gerencial, além da falta de
planejamento financeiro em relação à aposentadoria, sendo assim, foi identificada a necessidade
dos mesmos terem conhecimento da contabilidade gerencial e controle financeiro para poderem
ter uma boa alfabetização financeira e assim gerir suas finanças pessoais.
Palavras-Chave: Atividade Informal. Contabilidade Gerencial. Contabilidade financeira.
Aplicativo de Mobilidade Urbana.

ABSTRACT

The present research aimed to identify the perception of the agents of the economic activity of
urban mobility in the city of Mossoró/RN, regarding their operations and the knowledge of
managerial accounting and financial control. The study has a descriptive approach through a
quantitative analysis. We opted for the survey research method, applied through a questionnaire
shared online, through a Google Forms link, where they were made available to application
drivers, to WhatsApp groups in which they participated. In view of the data obtained, it was
found that most agents are men and young people, aged between 18 and 40 years, working as
an app driver informally and with the aim of supplementing their income, they work an average

1
Graduado em Ciências Contábeis - UERN. E-mail: Victorbatista@alu.uern.br.
2
Doutoranda em Ciências Contábeis - UnB. E-mail: mariarosario@uern.com.
3
Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: sabrinauern@gmail.com.
4
Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: keliane.melo.14@gmail.com.
232

of 4 to 6 hours. daily allowances, reconciling with another work activity. A part of the
respondents make the financial control in paper notebooks, others in management applications,
claim to be able to separate their income and expenses obtained. However, a certain limitation
of managerial accounting knowledge was observed, in addition to the lack of financial planning
in relation to retirement, thus, it was identified the need for them to have knowledge of
managerial accounting and financial control in order to have a good financial literacy and thus
manage your personal finances.
Keywords: Informal Activity. Management/Financial Accounting. Profitability of Mobility
Application Activity.

1 INTRODUÇÃO

As constantes transformações que a sociedade vem vivendo são impossíveis de serem


ignoradas, as organizações e trabalhadores precisam se adequar a esta nova realidade para
garantirem sua sobrevivência (LEITE, 2008). Uma dessas novas formas pode ser exemplificada
com o fato de que profissionais liberais têm trabalhado e atuado com vínculo a organizações,
ou seja, o indivíduo exerce uma profissão liberal e trabalha com uma certa flexibilidade, porém
responde a uma organização que o gere e remunera (FONSECA et al., 2015).
A característica básica da informalidade estaria na ausência de contratos e da proteção
social ao trabalhador vinculada a esses contratos. Para Lima e Soares (2002) o trabalhador é
responsável pelo acesso à proteção desde que pague por ela. No caso das atividades econômicas
informais, o profissional autônomo de transportes de aplicativo, que é, normalmente, o próprio
agente, aufere receitas, executando algum tipo de atividade. Que muitas vezes, encontra-se
desprovido de informação contábil, ou seja, não possui uma estratégia específica, baseado em
alguma característica para gerenciar seus proventos e despesas, acarretando numa observação
incorreta do lucro exercido sobre a atividade.
E neste contexto Savóia, Saito e Santana (2007) destacam a relevância da educação
financeira para a sociedade brasileira contemporânea, visto que influencia diretamente as
decisões econômicas dos indivíduos e das famílias. Vieira, Bataglia e Sereia (2011) corroboram
essa visão, ao mencionar que a educação financeira desenvolve habilidades que facilitam as
pessoas a tomarem decisões acertadas e fazerem boa gestão de suas finanças pessoais. Esta
habilidade, na visão dos autores, contribui para que haja maior integração entre os indivíduos
na sociedade e possibilita a ascensão de um mercado mais competitivo e eficiente (VIEIRA;
BATAGLIA; SEREIA, 2011).
A contabilidade está envolvida com o processo de identificação, mensuração, análise e
interpretação dos dados para transformá-los em informações, que serão utilizadas no
233

planejamento, controle e tomada de decisão pelos agentes da atividade econômica de


mobilidade urbana, para mensurar a rentabilidade da operação pela empresa
(LAURENTINO,2008).
Deste modo, um ponto relevante na construção da informação está em transmitir uma
informação que tenha valor, conteúdo, relatividade, precisão e objetividade. Além disso,
Padoveze et al. (2004) afirmam que uma boa informação gerada reduz a incerteza no processo
de tomada de decisão, e aumenta assim a qualidade da decisão. Como exemplo, o total de
vendas mensais que é uma informação útil, ou seja, as relações podem ser estabelecidas para
organizar os dados em informação útil e valiosa. A contabilidade é um sistema que o homem
dispõe para dar suporte ao processo de tomada de decisão, tendo como objetivo apurar e
controlar as riquezas obtidas através de um processo econômico-financeiro, e como objeto o
patrimônio.
Assim, pode-se notar que, independentemente da atividade desempenhada, a
informação contábil prestada seja ela para pessoas de natureza física ou jurídica, serve como
um instrumento para que os gestores possam executar as ações. A falta dessas informações,
precisas e eficazes pode, e tendem, a acarretar numa má gestão dos recursos disponíveis e dos
não disponíveis.
No estudo realizado por Rodrigues (2019), o mesmo procurou investigar quais
informações são utilizadas pelos agentes da atividade econômica de mobilidade urbana, para
mensurar a rentabilidade da operação na cidade de João pessoa-PB, com os achados de sua
pesquisa identificou que os motoristas analisados em sua maioria não possuem um bom
conhecimento sobre finanças e que seria de suma importância receberem auxílio de um
profissional do universo contábil, relata ainda que durante o estudo não foi encontrado
trabalhos relacionados ao transporte de mobilidade urbana (Uber) voltado a área contábil e
sugeriu a realização da pesquisa em outras regiões.
Como uma resposta a demanda do mercado a atividade de aplicativos de mobilidade
urbana, tais como: UBER, XOFER, XEGOU, 99POP, CABIFY, LADY DRIVER, MOOVIT,
que serviu como incentivo para muitas pessoas aplicarem recursos na atividade, a qual se
constitui naturalmente, em uma atividade econômica. Em situações dessa natureza, é comum
que haja indivíduos que resolveram entrar nesse mercado de trabalho, sem ter a experiência
necessária para compreender a relevância da informação contábil para o processo de gestão.
234

Diante do exposto surge a questão de pesquisa: Qual a percepção dos agentes da


atividade econômica de mobilidade urbana da cidade de Mossoró/RN, a respeito das suas
operações e o conhecimento da contabilidade gerencial e controle financeiro?. Perante a questão
de estudo têm-se como objetivo principal identificar a percepção dos agentes da atividade
econômica de mobilidade urbana da cidade de Mossoró/RN, a respeito das suas operações e o
conhecimento da contabilidade gerencial e controle financeiro.
Logo, a pesquisa justifica-se pela necessidade da verificação do nível de conhecimento
contábil dos motoristas para fins gerenciais, permitindo a oportunidade de analisar como os
agentes gerenciam suas finanças, e se os dados gerados têm relevância para mensurar a
rentabilidade da atividade. Assim, essa pesquisa contribui significativamente para a
possibilidade de uma gestão financeira mais coerente através dos dados dessa pesquisa e
embasamento de outros estudos, demonstrando e explorando a necessidade de que essa
atividade econômica precisa de informações para auferir um bom desempenho gerencial.
Está pesquisa divide-se em quatro seções, inicialmente com a introdução que traz o
contexto do tema evidenciado, por conseguinte o referencial teórico que está disposto nos
seguintes pontos: atividade informal, contabilidade gerencial e indicadores de desempenho,
rentabilidade de atividade de aplicativo de mobilidade, os procedimentos metodológicos que
serão utilizados neste estudo, apresentação e discussão dos resultados, e por último a conclusão.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Nesta seção será abordado o referencial teórico pertinente a este estudo. Adota-se como
principais tópicos, para melhor compreensão e desenvolvimento do estudo, os seguintes temas:
Atividade informal, contabilidade gerencial e financeira, rentabilidade de atividade de
aplicativo de mobilidade, na busca por informações e conhecimentos que auxiliem o
desenvolvimento do trabalho.

2.1 ATIVIDADE INFORMAL

O termo trabalho informal teve sua gênese no ano de 1972 quando se discutia as
condições de trabalho existentes em países da África, como Gana e Quênia, em que muitos
235

trabalhadores exerciam atividades sem reconhecimento por parte do governo e, assim, sem
qualquer proteção ou regulamentação (GONDIM et al., 2006).
O trabalho informal é um fenômeno social que se encontra em praticamente todo o
mundo capitalista, e com a diminuição do emprego tradicional, o trabalho informal ou as formas
mais flexíveis de trabalho aparecem como maneiras de inserção no mercado, como alternativas
ao emprego ou mesmo como tentativas de saída de uma situação de desemprego. Cabe ressaltar
que tão relevante quanto ter um trabalho é ter um projeto de carreira, que permita atingir as
necessidades do ser humano e ingressar numa situação de auto realização em um planejamento
futuro (AGOSTINI, 2018; RIBEIRO,2009).
Ainda na visão de Ribeiro (2009), o trabalho informal surge nas formas flexíveis ou
precárias do trabalho em tempo parcial, temporário, teletrabalho, terceirização e informalidade,
exercidas por cada vez mais trabalhadores como fuga para a situação de desemprego diante da
impossibilidade de ter um emprego. Lima e Soares (2002) complementam explicando que a
característica básica da informalidade estaria na ausência de contratos e da proteção social ao
trabalhador vinculada a esses contratos. O trabalhador é responsável pelo acesso à proteção
desde que pague por ela, porém os mesmos afirmam que com o crescimento da informatização
e a valorização do trabalho autônomo e microempreendedor, acompanhados da degradação das
relações de trabalho torna o que antes era considerado desemprego disfarçado ou subemprego,
passando a ser visto como um paradigma das relações de flexibilização.
Esta progressiva flexibilidade do emprego observada atualmente na sociedade é uma
variável que pode contribuir para a precarização do trabalho. As novas relações de trabalho que
surgiram a partir da evolução da tecnologia, em sua maioria, não oferecem ao trabalhador os
direitos e compensações que leis e contratos tradicionais vinham garantindo (PIALARISSE,
2017).
Atualmente um indivíduo que possui um computador ou smartphone consegue usufruir
ou prestar de vários tipos de serviços sem qualquer contrato formal além da transação pontual.
Singer (1996) acrescenta que a vantagem disso é a flexibilidade que esse novo tipo de relação
gera a empresa, pois tudo isso faz com que o trabalhador custe menos, pois ela não terá que
pagar o pela ociosidade, ou as horas extras (quando os trabalhadores têm uma urgência de
demanda no trabalho e precisam ficar além do período habitual).

2.2 CONTABILIDADE GERENCIAL E FINANCEIRA


236

Antes de falar sobre contabilidade gerencial, é relevante ressaltar sobre o papel da


contabilidade, que surgiu e se apresenta paralelamente diante a necessidade do homem em obter
informações em relação à natureza econômica ou financeira dos seus bens. No qual seu objetivo
é o controle do patrimônio e os registros dos fatos e atos, utilizando estas informações como
uma ferramenta para o gerenciamento da evolução do patrimônio da entidade (CHUPEL;
SOBRAL; BARELLA, 2014).
Como descrito por Morais e Júnior (2019), a contabilidade possui inúmeros recursos,
ficando a critério dos usuários a utilização desta ciência nos mais variados processos na gestão
empresarial. Além disso, os gestores devem estar sempre atentos e bem preparados para cuidar
da saúde financeira e auxiliar nas decisões conforme a realidade dos negócios, cuidando do
controle de contas a pagar, contas a receber, dos fluxos de caixa e principalmente dos
orçamentos empresariais. Assaf Neto e Lima (2014) complementa conceituando gestão
financeira como o ato de acompanhar e avaliar o desempenho das finanças, analisando se o
planejamento financeiro está sendo executado conforme o previsto, comparando gastos
previstos e realizados.
De acordo com Horngren, Sundem e Stratton (2004), o tipo de informação contábil
demandada difere de usuário para usuário, onde cada usuário vai necessitar de uma informação
específica para seu uso. Estes usuários é que irão influenciar a contabilidade para gerar
informações cada vez mais exclusivas, assim forçando a diversificação da contabilidade “que
tende a adaptar-se de acordo com a perspectiva de seu usuário” (LAURENTINO et al., 2008,
p. 23).
Assim, os autores Marion e Osni (2017) afirmam que a contabilidade gerencial poderá
assumir características distintas dependendo da área de atuação desses agentes ou da própria
natureza das decisões que eles precisam tomar, segregando assim três importantes funções da
contabilidade gerencial: operacional, gerencial e estratégica.
Ao abordar a contabilidade gerencial com intuito de administrar melhor a empresa, é
relevante enfocar sobre os indicadores de desempenho como medidas para verificar seu
andamento. E conforme Gitman (2004), a análise dos indicadores envolve métodos de cálculo
e interpretação que visam analisar e acompanhar o desempenho da empresa.
A análise da situação econômica, de acordo com Gitman (2010), envolve a rentabilidade
e lucratividade do desempenho da empresa, ou seja, refere-se à avaliação do retorno sobre os
237

investimentos realizados e a outra do ganho obtido sobre as vendas realizadas. Segundo


Marques (2004), os quocientes de rentabilidade, geralmente, relacionam uma medida do lucro
procedente da demonstração de resultado em relação a determinado grupo patrimonial do
balanço. Por sua vez, os quocientes de lucratividade relacionam as medidas de lucro derivadas
da receita operacional líquida.

2.3 RENTABILIDADE DA ATIVIDADE DE APLICATIVO DE MOBILIDADE

Com o crescimento e desenvolvimento econômico, houve a necessidade das pessoas se


movimentarem na cidade, tendo em vista que o deslocamento a pé ou por um veículo não
motorizado não supria a necessidade ocasionada pela expansão territorial da cidade, ocorrendo
o crescimento do uso dos automóveis e motocicletas, por serem veículos confortáveis e com
facilidade de deslocamento e reduz significativamente o tempo gasto até o seu destino
(PIASSAROLO, 2014).
Para Estevam et al. (2019), a mobilidade urbana que integra os diversos meios de
transporte é uma área estudada e aplicada recentemente pela sociedade contemporânea.
Atualmente essa área está diretamente influenciada pela era digital. Visto que os negócios e
serviços vêm incrementando rapidamente a necessidade de eficiência e agilidade, o
deslocamento e a origem destino da população também segue essa demanda.
Silva e Balassiano (2018) destacam que as inovações trouxeram grandes concorrentes
para o mercado que já era bastante disputado, como, por exemplo, o surgimento de serviços de
transportes baseados na utilização de aplicativos para celular, que provocaram um grande
debate sobre seu papel no transporte urbano. Esse tipo de serviço, surgido nos Estados Unidos,
permite que qualquer proprietário de veículo, após se associar a uma empresa, trabalhe
transportando passageiros sem uma rota fixa.
Complementando Sundfeld (2018), as empresas de tecnologia passaram a disponibilizar
estes aplicativos para os empreendedores individuais se conectarem com mais facilidade,
rapidez e segurança aos potenciais consumidores, contratando livremente com eles e prestando
serviços privados de transporte de baixo custo. Uma evolução tecnológica que trouxe aos
empreendedores individuais oportunidades de trabalho e aos consumidores opções variadas de
mobilidade
238

De acordo com Lisa et al. (2016), esse tipo de serviço chamado de ridesourcing (serviço
de transporte de passageiros solicitado através de um aplicativo de smartphone) nos Estados
Unidos, combina dinamicamente a oferta e a demanda pelo transporte, permitindo que os
viajantes solicitem um serviço de carro em tempo real usando um aplicativo de smartphone. De
modo a oferecer segurança e uma otimização no tempo do trajeto, as viagens são amparadas
por algum aplicativo de trânsito, fornecendo ao motorista, em tempo real, o melhor trajeto. No
Brasil as empresas que surgiram oferecendo esse tipo de serviço, destacam-se a Uber, 99 Pop,
Carbefy etc.
Logo, diante da crise de mobilidade urbana, surgiram-se os aplicativos de transportes
com o intuito de criar formas de melhorar o sistema de transporte, tendo se mostrado um modelo
muito eficiente e promissor, assim, conquistando um enorme número de usuários,
principalmente em razão do preço acessível, a segurança e o conforto (ANDRADE, 2017). No
que lhe concerne, os motoristas que utilizam os serviços do aplicativo conseguem oferecer
serviço semelhante ou até melhor por preços mais baixos que os oferecidos pelos táxis. Isto
porque, não possuem os custos da regulação estatal, como a necessidade de pagar pela emissão
de licenças e por sua fiscalização. Estes preços mais baixos são capazes de gerar, por exemplo,
ganhos de bem-estar para os consumidores na forma de excedente do consumidor tal como
mostrado em Cohen et al. (2016).
Um diferencial relevante da Uber é o seu sistema de classificação, que avalia motoristas
e passageiros. No que diz respeito aos motoristas, a avaliação das corridas envolve vários
aspectos que vão desde a qualidade do carro até a qualidade do atendimento e segurança da
corrida. Motoristas mal avaliados (nota inferior a 4,6) são excluídos do aplicativo. E costuma-
se oferecer bônus aos motoristas, por meio do pagamento de 4 valores fixos por um determinado
período de ativação ou estabelecimento da garantia de um valor mínimo de faturamento em um
determinado período. Por conseguinte, são criados incentivos para que nenhuma corrida seja
negada e mesmo que existam corridas que possam gerar prejuízo, os motoristas ganham na
média das corridas (OLIVEIRA; MACHADO, 2017).
Este aplicativo (APP) pioneiro no segmento se coloca como uma oportunidade de
emprego, ou como um novo negócio que pode melhorar a vida dos colaboradores. Seus
motoristas não são contratados, mas sim cadastrados e vinculados a um sistema próprio. Não
ganham salários fixos e são remunerados semanalmente de acordo com os trajetos realizados.
239

Os carros também não pertencem à empresa, mas sim, aos motoristas cadastrados (BARROS,
2015).
Serrano e Baldanza (2017) explicam que o sistema de pagamento é todo intermediado
pelo aplicativo, orientado por recurso do Global Positioning System (GPS), ou seja, por um
sistema de localização global e estimativas de tempo de percurso, em que, antes mesmo da
confirmação determina-se o valor que será cobrado. O pagamento no aplicativo é feito por meio
de pagamento em espécie, Uber Cash e cartão de crédito cadastrado pelo usuário, com 20% do
valor ficando com a Uber e 80% repassando para o motorista o total cobrado pela viagem.
O crescimento das empresas de serviço de transportes por aplicativo nos últimos anos
foi considerável, isso ocorreu principalmente pelo apoio e fidelidade de seus clientes (LISA et
al., 2016). Souza (2016) ressalta que já existe uma grande concorrência, a exemplo do setor de
transporte por estar constantemente na mídia e por permitir baixos investimentos, ele é visto
como um dos setores que mais permite a percepção da oportunidade de empreender, esse
sistema de transporte individual de passageiros não exige alta qualificação, a oportunidade é
imediata, há demanda de profissionais e pode ser um negócio lucrativo.
Diante do exposto Barros (2015) acrescenta que a Uber que é um aplicativo com um
sistema de fácil manuseio, com todas as informações sempre disponíveis ao usuário,
proporciona um serviço de transporte seguro e com boa experiência, possibilita informações a
respeito do passageiro e do motorista para a segurança de ambos, faz cotação do valor a ser
cobrado pelo trajeto, permite a divisão da tarifa com outros passageiros, que é um diferencial,
dentre outros serviços mais específicos para a empresa. E para os motoristas, existe uma cotação
de lucros semanais, evolução financeira, mostrando valores recebidos, carga horária gasta, entre
outros.
Marques et al. (2016) coloca que a depreciação tem como principal objetivo registrar o
desgaste efetivo dos bens pelo uso ou perda da utilidade, mesmo que seja por ação do tempo ou
por simples obsolescência. Sendo assim, os motoristas precisam ter conhecimento que essa
perda também vai estar presente ao exercer sua atividade laboral, sendo relevante ser levada em
consideração no momento de fazer o levantamento das despesas, a rentabilidade e retorno
financeiro.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
240

Diante da necessidade de descrever as tipologias e o delineamento dos métodos e


procedimentos adotados para a construção desse estudo, com o intuito de atender o objetivo de
identificar a percepção dos agentes da atividade econômica de mobilidade urbana da cidade de
Mossoró/RN, a respeito das suas operações e o conhecimento da contabilidade gerencial e
controle financeiro, classifica-se como uma pesquisa descritiva, pois busca a descrição das
características de uma determinada população ou fenômeno, com a não interferência do
pesquisador no objeto de estudo, nesse sentido, busca-se observar, descrever, analisar, registrar
e ordenar dados do objeto de estudo sem interferir ou manipular os mesmos (GIL, 2002;
PRODANOV; FREITAS, 2013).
Em relação aos procedimentos trata-se de um levantamento, cujo o intuito é obter os
dados referentes a características da amostra selecionada, agrupando essas informações para
uma melhor interpretação e análise dos dados obtidos, tendo esses participantes como
representantes de uma população (RAUPP; BEUREN, 2006). Buscando responder através de
uma análise quantitativa dos resultados o problema de pesquisa instigado, quanto ao objeto de
estudo. Na abordagem quantitativa considera-se que tudo pode ser quantificado, neste sentido,
dados e informações são traduzidos e sintetizados em números e aplicando-se métodos
estatísticos (PRODANOV; FREITAS, 2013).
Optou-se pelo método de pesquisa survey, classificada quanto ao tempo classifica-se
como uma pesquisa transversal, onde foi aplicado um questionário adaptado da pesquisa de
Rodrigues (2019), aos motoristas de aplicativos de transporte urbano da cidade de Mossoró-
RN. O instrumento de coleta foi disponibilizado de forma online para os agentes através de um
link do Google Forms para grupos de WhatsApp em que os mesmos participam. Onde na visão
de Tomaél et al. (2005, p.93) “as redes sociais constituem uma das estratégias subjacentes
utilizadas pela sociedade para o compartilhamento da informação e do conhecimento, mediante
as relações entre atores que as integram”.
Para tratamento dos dados foi aplicado a estatística descritiva que segundo Freund e
Simon (2000) “compreende no manejo dos dados para resumi-los ou descrevê-los, sem ir além,
isto é, sem procurar inferir qualquer coisa que ultrapasse os próprios dados”. Tabulação
realizada por meio do Softwares Microsoft Excel, em que foi realizada uma análise descritiva
dos dados.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


241

Nesta seção são apresentadas as análises dos dados coletados através do questionário,
que foi aplicado aos motoristas de aplicativos de mobilidade urbana na Cidade de Mossoró-RN.
Foi enviado link para os motoristas nos grupos de WhatsApp e atingimos um número de 42
respondentes. Serão demonstrados os resultados da pesquisa, que foram segregados entre perfil
do profissional (motorista de aplicativo) e as informações contábeis.

4.1 ANÁLISE DO PERFIL

Conforme os dados da Tabela 1, observamos que 95% dos motoristas de aplicativo são
homens e apenas 5% se classificaram mulheres. Dentre os quais, a faixa de idade predominante
é de 18 a 30 anos, com um percentual de 55%. Seguido dos motoristas de idade entre 31 a 40
anos com 26%, e se atentarmos a tabela observa-se que conforme a faixa etária de idade
aumenta o percentual de motoristas diminui.

Tabela 1 - Faixa de Idade / Gênero


Faixa de idade
Entre 31 e 40 Entre 41 a 50 Total
Gênero 18 a 30 anos Mais 50 que anos
anos anos
10%
Feminino 0 0% 3 7% 1 2% 0 0% 4
Masculino 23 55% 8 19% 5 12% 2 5% 38 90%
Total 23 55% 11 26% 6 14% 2 5% 42
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Este resultado é corroborado com a pesquisa de Rodrigues, Nicacio e Paula (2019), que
levantaram as mesmas características de pesquisa, assim há uma semelhança entre os
resultados, mesmo considerando a diferença entre as regiões, está aplicada em Mossoró-RN e
a pesquisa de Rodrigues, Nicacio e Paula (2019) realizada em João Pessoa-PB. O Gráfico 1
apresenta as informações quanto o nível de escolaridade dos respondentes.
242

Gráfico 1 - Nível de escolaridade


Especialização 5%
Superior completo 10%
Superior incompleto 14%
Ensino médio completo 48%
Ensino médio incompleto 12%
Ensino fundamental 12%

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Conforme apresentado no Gráfico 1 identificou-se que o nível de escolaridade dos


respondentes, com maior incidência foram os que têm ensino médio completo com 48%,
apresentando menores percentuais para os níveis de superior completo com 10% e 5% para
especialistas.
Demonstrando que os motoristas com nível médio estão com maior incidência entre os
trabalhadores informais, estes que segundo o IBGE (2021) corresponde a uma taxa de 40,6%
no mercado de trabalho no trimestre até junho, com 35,618 milhões de trabalhadores atuando
informalmente, segundo os dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua). O Gráfico 2 evidencia a experiência anterior dos respondentes da
pesquisa quanto sua atuação como motorista.

Gráfico 2 - Experiência na Área

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Conforme o Gráfico 2, 60% dos respondentes declararam que não possuíam experiência
anterior como motoristas, e 40% sim. Sendo possível apontar alguns pontos positivos desta
atividade, onde não exige experiência, permitindo também total flexibilização de dias e horários
para atuação, corroborando com Oliveira e Machado (2017). Se apresentando como uma
alternativa para os trabalhadores, frente a crescente taxa de desemprego do país ou até mesmo
uma opção de segunda fonte de renda para alguns. Na região existem diversas outras
plataformas que oferecem a mesma proposta de serviço que a Uber (BARROS, 2015). Em
seguida, o Gráfico 3 estará demonstrando as plataformas mais utilizadas além da Uber.
243

Gráfico 3 – Tipos de Plataforma Utilizadas Além da UBER

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Os dados do Gráfico 3 apresenta as plataformas utilizadas pelos respondentes da


pesquisa, conforme Lisa et al. (2016) existem diversos aplicativos que os indivíduos podem
fazer uso para essa atividade, os dados apresentados evidenciou-se que o 99pop é a plataforma
mais utilizada com 52%, posteriormente 29% dizem utilizar 99pop e Xofer simultaneamente
com a Uber, apenas 2% usam a plataforma Xegou e 10% confirmaram utilizar somente a Uber
na atividade.
Na Tabela 2 estão evidenciadas as informações sobre a quantidade de horas trabalhadas
por dia, bem como a informação de os respondentes exercerem outra atividade além da de
motorista de aplicativo.

Tabela 2 – Horas Trabalhadas / Outra Atividade


Horas por dia
Exerce outra 11 a 12 09 a 10 06 a 08 04 a 06 01 a 03 Total
atividade horas horas horas horas horas geral
Não 2% 7% 26% 5% 0% 40%
Sim 0% 5% 7% 33% 14% 60%
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Na Tabela 2, constata-se que 60% dos motoristas afirmam exercer outra atividade
para fins de complementação da renda, logo, dispõem de menos tempo para a atividade, e de
33% que usam a plataforma em média, de 4 a 6 horas por dia. Os que afirmam utilizar o
aplicativo como sua única fonte de renda, responderam em 26% que trabalham em média de 06
a 08 horas diárias. É relevante ressaltar que para uma atividade informal a carga horária é o
diferencial para que o profissional tenha mais ganhos financeiros, tendo em vista que sua
rentabilidade é proporcional a quantidade de horas trabalhadas.
No Gráfico 4, evidencia os resultados sobre a situação do veículo em relação à propriedade, se
seria próprio ou alugado, por exemplo.
244

Gráfico 4 – Situação do veículo: próprio ou alugado

Próprio quitado 33%; 14

Proprio pagando sem financiamento. 2%; 1

Próprio financiado 57%; 24

Alugado 7%; 3

0 5 10 15 20 25 30
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

De acordo com os resultados, aponta-se que maioria os veículos utilizados são de cunho
próprio, onde 57% responderam possuir carro próprio financiado, 33% carro próprio quitado e
um percentual de 7% informou utilizar carro alugado para trabalho na atividade.

4.2 INFORMAÇÕES GERENCIAIS/FINANCEIRAS

A escolha de se perguntar sobre contabilidade gerencial é que esta envolve diversos


conceitos que poderiam fornecer ótimas ferramentas para a gestão financeira de sua atividade,
que por se tratar de uma atividade informal não exige auxílio de um profissional contábil, porém
há uma necessidade de controle financeiro mínimo que possibilite uma análise de lucratividade.
Quando indagado aos motoristas a respeito se há conhecimento sobre contabilidade gerencial,
a maioria (62%) dos respondentes não têm conhecimento acerca da Contabilidade Gerencial.
Essa pergunta teve como intuito identificar se estes profissionais têm um conhecimento mínimo
sobre contabilidade gerencial e finanças pessoais, o que pode contribuir para um melhor
gerenciamento de seus custos, despesas e consequentemente receitas. Portanto, estes não fazem
o uso dos benefícios da mesma como descrito por Chupel, Sobral, e Barella (2014) e, Morais
e Júnior (2019), a contabilidade gerencial auxilia os gestores a estar sempre atentos e bem
preparados para cuidar da saúde financeira e na tomada de decisões.
O Gráfico 6 apresenta a ciência do motorista em relação ao consumo médio de
combustível do veículo.
245

Gráfico 6 – Ciência de Consumo Médio De Combustível

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Os resultados do Gráfico 6, mostram que 100% dos motoristas estão cientes do consumo
médio de combustível do veículo utilizado para o transporte urbano, sendo um custo relevante
no que tange à avaliação do lucro. Realizar a análise da situação econômica, de acordo com
Gitman (2010), envolve a rentabilidade e lucratividade do desempenho da empresa, ou seja,
refere-se à avaliação do retorno sobre os investimentos realizados e o ganho obtido sobre as
vendas realizadas ou serviços prestados. Sendo assim, os respondentes levam em consideração
esse custo quando vão avaliar os seus ganhos obtidos.
No Gráfico 7, tem-se os resultados quando indagados se conseguem separar suas
despesas relativas à atividade empresarial das suas despesas pessoais.

Gráfico 7 – Despesas relativas à atividade e despesas pessoais

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

O Gráfico 7, apresenta que 79% dos entrevistados afirmam conseguir separar facilmente
as suas despesas relativas à atividade empresarial das suas despesas pessoais. E este controle
de custos, despesas e demais tipos de gastos são essenciais para o gerenciamento da saúde
financeira de qualquer negócio. Logo, os respondentes reconhecem a necessidade e a relevância
de se ter o gerenciamento e controle financeiro a respeito do seu patrimônio. O papel da
contabilidade é realizar os registros dos fatos e atos, subsidiar o gestor com informações para
uma melhor tomada de decisão (CHUPEL; SOBRAL; BARELLA, 2014).
246

Na Tabela 3, demonstra-se os resultados sobre alguns gastos mensais provenientes da


atividade, como, por exemplo: combustível, alimentação durante a atividade, contribuição
previdenciária e pacotes de internet.

Tabela 3 – Gastos Mensais


Contribuição com Gastos mensal com
Gastos com combustível Gastos com alimentação
previdência internet
Até Até R$ 50,00 a Até 45
29% 40% 33%
R$500,00 R$50,00 R$100,00 R$50,00 %
R$ 500,00 a R$ 50,00 a R$100,00a R$50,00a 55
52% 17% 07%
R$1.000,00 R$100,00 R$200,00 R$100,00 %
R$1.000,00a R$100,00a Não
10% 19% 60%
R$1.500,00 R$150,00 contribuo
R$1.500,00a Mais que
07% 02%
R$2.000,00 R$ 150,00
Não
02% Não gasto 21%
contabilizado
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Pode-se observar a partir dos dados da Tabela 3 que, alguns gastos apresentam
variações, como por exemplo, o combustível que é considerado um custo essencial para
execução da atividade, e, 2% da amostra não contabilizam este custo. Ainda conforme a tabela,
29% gastam em média R$ 500,00 reais, 52% dizem gastar entre R$ 500,00 e R$1.000,00 reais
e 19% afirmam ter um gasto médio com combustível de até R$2.000,00 reais, e esta diferença,
pode ser explicada pela diversidade e potência dos veículos utilizados, carga horária de
trabalho, quantidade de corridas e o tipo de combustível utilizado (Gasolina Comum ou
Aditivada, Gás GNV, Álcool, Diesel), e consequentemente o valor. Outro gasto essencial citado
é com internet móvel, pois se utiliza um aplicativo, e neste não foi observado variações de
valores que de acordo com as respostas, os pacotes apresentam valores entre R $50,00 e
R$100,00 reais, atendem bem as necessidades para esta atividade.
Um detalhe importante seria em relação ao gasto com previdência, onde 33% afirmaram
contribuir entre R$ 50,00 e R$100,00 reais, 7% afirmam contribuir com valores entre R$100,00
a R$200,00 reais, entretanto, 60% dos respondentes não contribuem o que pode indicar uma
falta de planejamento financeiro em relação à aposentadoria. Na Tabela 4, estão apresentados
os dados dos gastos semestrais e anuais perguntados aos motoristas. Estes que atuam como uma
ferramenta de gestão, podendo ser provisionados e assim serem liquidados de forma mais
eficiente.
247

Tabela 4 – Gastos Semestrais / Anuais


Gastos semestrais Gastos anuais
IPVA e licenciamento do carro
Manutenção do carro Seguro do carro
(Encargos e impostos)
Até R$500,00 12
Até 300,00 31% Até R$500,00 14%
%
R$ 500,00 a
57
R$ 300 a R$1.000,00 60% R$ 500,00 a R$1.000,00 67% R$1.000,00
%
R$ 1.000,00 a
R$ 1.000,00 a 19
R$2.000,00 5% R$ 1.000,00 a R$2.000,00 17%
R$2.000,00 %
Não gasto com 12
5% Não pago 2% Não possuo
manutenção %
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Na coluna 1 da Tabela 4, 60% dos respondentes afirmaram ter um gasto semestral com
manutenção do veículo de até R$1000,00 reais. Já 31% afirmam ter um gasto de até R$300,00
reais, 5% apontaram um gasto de R $1.000,00 a R$2.000,00 reais, porém 5% afirmaram não ter
gasto com manutenção, isso pode ser justificado pelo fato do veículo ser alugado.
Os gastos anuais elencados na coluna 2 da Tabela 4 estão sujeitos a variáveis externas,
como por exemplo: tempo de uso e valor do veículo (que influencia no valor dos encargos e
impostos), a idade do condutor que influencia no valor dos seguros, dentre outras. Com base
nos dados anuais 67% e 57% dos respondentes dizem ter gastos entre R $500,00 e R$1.000,00
com IPVA e Seguro do veículo, respectivamente. Seguindo a mesma ordem, 17% e 19%
afirmam ter gastos de R$ 1.000,00 a R$2.000,00 reais, 14% e 12% apontaram gastos de até
R$500,00 reais, e 02% e 12% afirmam não pagar IPVA nem o Seguro do veículo, o que também
pode ser explicado no caso de o veículo ser alugado.
No Gráfico 8 é demonstrado se é realizado provisionamento dos gastos futuros
mencionados anteriormente.

Gráfico 8 – Realiza provisões mensais para os gastos futuros

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Os resultados expressos no Gráfico 8, demonstra que 64% dos agentes não conseguem
realizar provisões de seus gastos futuros e 36% afirmam separar mensalmente valores de suas
248

receitas para cobrir seus gastos futuros mencionados acima. Para Lima e Soares (2002) o
trabalhador é responsável pelo acesso à proteção desde que pague por ela, uma característica
básica da informalidade estaria na ausência de contratos e da proteção social ao trabalhador
vinculada a esses contratos. Portanto, observa-se o risco exposto desses profissionais
autônomos que estarão sujeitos a dificuldades em realizar seus gastos futuros tendo em vista
sua renda variável e imprevisível.
No Gráfico 9 apresenta se há conhecimento sobre a depreciação do veículo utilizado.

Gráfico 9 – Ciência da depreciação do veículo

Sim 14%

Não 86%

0 4 8 12 16 20 24 28 32 36 40
Fonte: Dados da pesquisa (2021).

Os dados do Gráfico 9 expressam a limitação do conhecimento em relação à área


contábil, 86% dos respondentes afirmaram não ter noção sobre a depreciação do seu veículo,
logo, observa-se que o conhecimento em relação à área contábil é limitada.
Considerando a relevância da mensuração desse custo ensina Marques et al. (2016) que
a depreciação tem como principal objetivo registrar o desgaste efetivo dos bens pelo uso ou
perda da utilidade, mesmo que seja por ação do tempo ou por simples obsolescência. Assim,
sendo o bem empregado diretamente na produção, sua taxa de depreciação é contabilizada
como custo e pode ser atribuído diretamente ao valor do produto final.
No Gráfico 10 estão os meios de registros utilizados pelos motoristas para organizar
despesas e receitas.
249

Gráfico 10 – Formas de Registros de Receitas e Despesas

Fonte: Dados da pesquisa (2021).

De acordo com o Gráfico 10, verifica-se os meios pelos quais os motoristas registram
os recursos referentes à atividade do Uber. Com 36% dizendo utilizar cadernetas, 19% preferem
usar aplicativos específicos, 14% se organizam em planilhas, 17% afirmaram tentar organizar
mentalmente, além dos 14% que dizem não organizar ou registrar. Ficando evidente o
desconhecimento, esses achados corroboram com Lima e Soares (2002), no caso das atividades
econômicas informais, o profissional autônomo de transportes de aplicativo, que é,
normalmente, o próprio agente, aufere receitas, executando algum tipo de atividade. Que muitas
vezes, encontra-se desprovido de informação contábil, ou seja, não possui uma estratégia
específica, baseado em alguma característica para gerenciar seus proventos e despesas,
acarretando numa observação incorreta do lucro exercido sobre a atividade.
O Gráfico 11 tratará sobre as receitas, questionado aos motoristas qual a média mensal
de recursos recebidos a partir da atividade do Uber.

Gráfico 11 – Média de Recursos Recebidos por Mês

Fonte: Dados da pesquisa (2021).


250

Observa-se no Gráfico 11 que há variações das receitas recebidas, as quais pode-se


associar a disponibilidade e flexibilidade de carga horária trabalhada que área permite. Percebe-
se que 38% em média recebem uma receita bruta entre R$1.000,00 e R$2.000,00 reais, 26%
afirmaram receber entre R$2000,00 e R$3000,00 reais, 12% afirmam ter receitas acima de
R$3.000,00 reais, e, apenas 5% dos respondentes tem receita de até R$ 500,00. Padoveze et al.
(2004) afirmam que uma boa informação gerada reduz a incerteza no processo de tomada de
decisão, e aumenta assim a qualidade da decisão. Assim, é notório o conhecimento dos
respondentes a respeito das suas receitas, ainda conforme Padoveze et al. (2004), a falta dessas
informações, precisas e eficazes pode, e tendem, a acarretar numa má gestão dos recursos
disponíveis e dos não disponíveis, assim, a contabilidade serve como um instrumento para que
os gestores possam executar as ações.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No mundo globalizado, em que atividades econômicas informais estão em crescente


avanço, surgindo novos ramos, dentre eles o profissional autônomo de transportes de aplicativo
Uber, que é o próprio agente, aufere receitas, mas, por muitas vezes, encontra-se desprovido de
informação contábil, ou seja, não possui uma estratégia específica, baseado em alguma
característica para gerenciar seus proventos e despesas, acarretando numa observação incorreta
do lucro exercido sobre a atividade.
O presente trabalho teve como objetivo geral “verificar quais informações são utilizadas
pelos agentes da atividade econômica de mobilidade urbana, para mensurar a rentabilidade da
operação”. Diante das sugestões sugeridas nas pesquisas de Rodrigues (2019) e Nicácio e Paula
(2019) despertou-se o interesse de realizar o estudo na cidade de Mossoró. Para isso foi aplicado
questionário eletrônico de questões objetivas com ênfase na análise do perfil profissional e
gerencial/financeiro dos motoristas.
Diante dos dados obtidos verificou-se que a maioria dos motoristas de aplicativo são
homens e jovens, com idade entre 18 e 40 anos, grau de escolaridade predominantemente em
ensino médio e superior incompleto, corroborando com os resultados de outras pesquisas
semelhantes, aplicadas em outras regiões. Porém, em discordância aos mesmos estudos que
citaram esta atividade como fonte de renda principal dos agentes.
251

Verificou-se que na cidade de Mossoró esta atividade é predominantemente destinada à


complementação da renda desses trabalhadores, uma vez que a maioria afirmou exercer outra
atividade como fonte de renda principal e destinam 4 a 6 horas diárias para trabalhar como
Uber. Com relação ao perfil financeiro, verificou-se que a maioria dos motoristas fazem algum
tipo de controle financeiro, sendo anotações em cadernetas de papel e aplicativos de gestão as
ferramentas mais utilizadas, o que expressa um conhecimento básico e individual sobre gestão,
realizam contas básicas a partir das médias de receitas e despesas para mensurar a rentabilidade,
e apontam conseguir separar muito bem suas receitas e despesas obtidas da atividade como
Uber.
No entanto, observa-se certa limitação de conhecimento contábil e financeiro, visto que
não provisiona o pagamento de seus custos semestrais/anuais, desconhecimento da depreciação
do veículo, que deve ser levada em consideração, principalmente pela atividade desempenhada,
além da falta de planejamento em relação à sua aposentadoria.
Por fim, este trabalho teve como principal contribuição o estudo de uma categoria de
trabalhadores informais, com renda variável e que necessita possuir uma boa alfabetização
financeira para gerir suas finanças pessoais. Quanto a limitação de pesquisa, tem-se o envio dos
questionários aos motoristas de aplicativos, onde muitos não quiseram colaborar com a
pesquisa, além do cenário de pandemia vivido que limitou a coleta de dados. Como sugestão
para trabalhos futuros, sugere-se replicar essa pesquisa em mais regiões do estado do Rio
Grande do Norte a fim de criar um cenário de todo o estado e realizar comparações entre os
achados.

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CIÊNCIA E EDUCAÇÃO
256

A ARTE DA RESISTÊNCIA COMO SUPORTE AO DESERTO DO REAL

Amanda Oliveira da Frota1


Luiz Antônio Gomes Lopes2
Joriana Pontes3
Karlla Christine Araújo Souza Souza4

RESUMO

Diante do cenário nacional que estamos a presenciar, tomado pela instabilidade democrática,
pelo abalo das instituições através de ataques antidemocráticos, pela violência material
simbólica e psicológica, pela intolerância política e pela fome, nos pusemos a pensar questões
pontuais, relacionadas a alguns aspectos culturais brasileiros, tendo a educação popular, através
da arte, como movimento de possível ruptura e interrupção de práticas de exploração, violência
e violação de direitos e garantias fundamentais. Nossa investigação se deu através de uma
pesquisa bibliográfica e uma entrevista com o coletivo Pé de Barro, grupo de Hip hop da nossa
cidade, Mossoró-RN. Já os resultados e discussões são apresentados através uma escrita crítica,
de contornos ensaísticos (tendo o ensaio como algo que não está pronto, está sempre a se
renovar, aprimorar – não buscamos respostas prontas e fechadas), que dialoga com os materiais
colhidos na investigação, descortinando cenários de violência e demonstrando que, apesar das
dificuldades, o futuro ainda está em aberto.
Palavras chave: Educação popular. Violência. Práxis. Libertação.

ABSTRACT

Faced with the national scenario that we are witnessing, taken by democratic instability, by the
shaking of institutions through anti-democratic attacks, by symbolic and psychological material
violence, political intolerance and hunger, we started to think about specific issues, related to
some Brazilian cultural aspects. , having popular education, through art, as a movement of
possible rupture and interruption of practices of exploitation, violence and violation of
fundamental rights and guarantees. Our investigation took place through a bibliographic
research and an interview with the collective Pé de Barro, a hip hop group from our city,
Mossoró-RN. The results and discussions are presented through a critical writing, with
essayistic contours (having the essay as something that is not ready, it is always being renewed,
improving - we do not seek ready and closed answers), which dialogues with the materials

1
Licenciada em Ciências Sociais, mestranda em Ciências Sociais e Humanas pela UERN. E-mail:
amandatchu@hotmail.com .
2
Advogado especialista em Segurança Pública e Cidadania, pós-graduado em Ciências Penais, graduando em
Psicologia pela FCRN, mestrando em Ciências Sociais e Humanas pela UERN. E-mail: lulalopes02@gmail.com
3
Mestranda em Ciências Sociais e Humanas pela UERN, especialista em arte educação com ênfase no teatro pela
FVJ, especialista em educação e contemporaneidade pela IFRN. E-mail: jorianapontes@gmail.com
4
Dra. em Sociologia, professora adjunta IV da UERN e docente permanente do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais e Humanas PPGCISH/UERN. E-mail: karllasouza@uern.br
257

collected in the investigation. , revealing scenarios of violence and demonstrating that, despite
the difficulties, the future is still open.
Keywords: Popular education. Violence. Praxis Release.

1 INTRODUÇÃO

A vida nos impõe inúmeros desafios, tal qual este: escrever, pondo em prática o
esperançar de Paulo Freire, em tempos de exceção. Mas, como dizia a avó do Luiz: “quem tem
vontade e fé, tem quase tudo”. E, diga-se de passagem, depois de pagar a disciplina Teorias e
Métodos de Pesquisa com Cultura Popular, no Programa de Mestrado em Ciências Sociais e
Humanas da UERN, conduzida com maestria pela professora que nos orienta, não somos as
mesmas (os), fica tudo mais fácil. Esse trabalho é fruto das reflexões levantadas durante esse
caminhar.
Escrevemos um dia depois da tragédia onde um fanático bolsonarista (apoiador do atual
presidente) executou um membro do Partido dos Trabalhadores (PT), ceifando, em razão do
fanatismo político, uma vida no auge da sua comemoração, em plena festa de aniversário.
Tragédias como essa não atingem apenas a família do violentado, mas, sim, toda a
sociedade e, ainda, serve como retrato dos tempos de opressão e estímulo a violência que temos
vivido e experimentado em nosso país. Garantias individuais são dilapidadas, grupos são
perseguidos e violentados, a fome volta com uma voracidade que há muito não víamos, 14
(quatorze) anos de políticas sociais vão pelo ralo em pouco mais de 3 (três) anos de desgoverno.
Queríamos começar o texto com uma mensagem poética, esteticamente bonita, mas
achamos pertinente trazer o retrato fidedigno da atual sociedade brasileira, digitado e relatado
por essa tragédia.
Comovidos, indignados, escrevemos. Fazemos do papel e das ideias a nossa arma.
Lutamos por uma ciência humana, justa e ao alcance de todas (os). Uma ciência que possa
recompensar, reconhecer, validar e trabalhar em sintonia com os saberes populares. Que possa
validar a potência do subalterno, dando-lhe, espaço de fala e de promoção de ideias e saberes
outrora marginais. Logicamente, ao almejar isso, não pensamos em algo novo, mas em um
resgate que retoma a divisão do protagonismo histórico.
Como bem nos ensinou Paulo Freire, cremos que a educação não muda o mundo, mas,
sim, as pessoas e, as pessoas, mudam o mundo. Ele nos ensina com maestria que: “não podemos
esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de “coisas”. Por isto, não
258

é autolibertação – ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de uns feita por outros”
(FREIRE, 1987, p.30).
Assim, para o desenrolar deste trabalho, precisamos não só nos perguntar - de que
educação estamos falando? -, mas também entender um pouco dos aspectos culturais que
permeiam a sociedade brasileira, oprimindo e tornando submisso, inoperantes, os mais diversos
sujeitos que não gozam de capital social, cultural e financeiro, ou seja, a esmagadora maioria
da população.
As causas de opressão e a efetivação da violência são multifatoriais, interseccionais.
Assim, se faz importante pensarmos um pouco sobre algumas construções tecidas por Marilena
Chauí, em seu artigo denominado Democracia e Sociedade autoritária.
Ela já começa o texto arguindo que “estamos acostumados a aceitar a definição liberal
da democracia como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais”
(CHAUÍ, 2012, p. 149). Mas que Lei e qual ordem? Lei a serviço de quem? Quais garantias?
Democracia? Vivemos sob o manto de apoio a violência, onde o atual presidente vem a
público cobrar “ações enérgicas” dos seus seguidores e está, a todo tempo, ameaçando as
instituições. Vemos um Congresso Nacional de homens, brancos e representantes de uma elite
coronelista e autoritária. Assistimos (mesmo que aos gritos, infelizmente não faz diferença) o
sucateamento da educação pública e o emergir do apoio público a uma educação privada e
bancaria. Presenciamos reformas educacionais que visam mão de obra barata e, não, a
construção de sujeitos críticos, empoderados. Vamos existindo, como dá, tentando apenas
chegar ao próximo dia e esquecer o anterior.
Nesse modelo, a democracia de uma liberdade que ordena, surge como regime político
eficaz, em virtude, apenas, de ser possível a escolha dos nossos representantes. O medo tem
sido usado como mecanismo de condução das massas e engajamento políticos através de
discursos e ideias que permitem e validam a violência como forma de combate da violência.
Vivemos, indubitavelmente, tempos difíceis, atravessados por uma pandemia sem fim,
por um modelo econômico hegemônico e violento, afrouxamos nossas amarras com o popular,
com o local, com o tradicional. Consequentemente, abrimos mão da soberania e nos
desorganizamos politicamente, perdendo, “o poder do povo” e, também, a razão da democracia.
Necessitamos repensar o existir diante das diretrizes dos novos tempos. Se faz
necessário que criemos e/ou adaptemos formas de resistência que coadunem com as
singularidades que ainda existem em nós. Precisamos, pela educação (práxis pedagógica de
259

resistência) e através da arte, resgatar e juntar os cacos da resistência tornando audível nossa
voz.
É essa tarefa, talvez imprudente aos olhos da ciência, que propomos aqui. Somos,
seremos e devemos ser, sujeitos políticos. A ciência precisa “tomar partido”, ter um lado. Não
queremos com isso abraçar políticos e seus partidos, mas, fugir da ideia de neutralidade que
tende a nos calar e tornar mecânicos o nosso agir, o nosso brandar. Por uma educação de
resistência, inclusiva, popular e que empodere, já!
Assim se faz necessário analisarmos de fato o cenário político e a complexidade que o
engloba, percebendo qual político e/ou partido possibilita uma política democrática, que
trabalhe junto aos movimentos sociais, fortalecendo-os, e, também, esteja próxima do povo,
dialogando, acolhendo e buscando construir um Brasil mais justo e igualitário para todas(os).
Se nos voltarmos para as nossas(os) educadoras(es), pesquisadoras(es), veremos que
existe um ponto em comum entre todas(os), que deve ser considerado por nós na desenvoltura
de um projeto pedagógico transformador, que é a bagagem cultural e as vivências que elas(es)
trazem, que carregam consigo diuturnamente, essas(es) educandas(o), alunas(os) – da vida e
para à vida-, pessoas humanas e não coisas a educar, merecem e precisam de voz audível. A
educação como conhecimento e aprendizagem dialoga com o cotidiano e a vida de cada uma
dessas pessoas, nelas e com elas, devemos nos permitir construir um saber pautado na existência
plural, multidisciplinar e igualitária entre todas(os) que participam do processo.
A arte do Hip hop nasceu na periferia como resposta a opressão do sistema racista,
capitalista e hegemônico que sufoca até hoje nossas(os) jovens, especialmente as das camadas
“subalternas” do mundo, porque não se restringe só ao Brasil (O Hip hop e a opressão, talvez,
esse seja um dos motivos para a arte ser universal). Essa arte nasceu na periferia de Nova York
se espalhou para todos os lugares. É considerada revolucionaria e de resistência.
Aqui em Mossoró-RN, entrevistamos o coletivo Pé de Barro, no intuito de aprender com
eles e não de encaixá-los ao nosso saber. Segundo os entrevistados, em Mossoró-RN, o
movimento surgiu nos anos 2000 e permanece até hoje, através do coletivo Pé de Barro, que
versam entre dança do break, música do rep, discotecagem e grafite.
Essa pesquisa, parte bibliográfica e parte de campo, analisa a educação popular e o Hip
hop em Mossoró-RN, como vertentes de resistência e suporte ao deserto do real, pensando a
interseccionalidade - tão presente no cenário nacional – e alguns dos seus reflexos. Portanto,
para adentrarmos no Hip hop, se faz necessário dialogarmos um pouco com a educação popular
260

e sua possível e ensejada práxis libertadora; na sequência refletiremos sobre o Hip hop como
movimento de resistência e, posteriormente, sobre a interseccionalidade, tão necessária na
compreensão desses processos dialógicos das(os) jovens oprimidas(os). Concluiremos então,
esse trabalho de pesquisa, com uma síntese crítica, seguindo com o arcabouço bibliográfico
utilizado.

2 A EDUCAÇÃO POPULAR COMO FACILITADORA DE UMA PRÁXIS


LIBERTADORA

Não há como falar de educação popular sem recorrer a algumas questões que perpassam
a construção e difusão de uma pedagogia crítica e transformadora. Inicialmente, se faz
importante pensarmos sobre costumes.
Conforme leciona Thompson, “muitos costumes eram endossados e frequentemente
reforçados pela pressão e protestos populares” (THOMPSON, 1998, p. 15).
Ele ainda ensina que “[...] a educação formal, esse motor da aceleração (e do
distanciamento) cultural, ainda não se interpôs de forma significativa nesse processo de
transmissão de geração para geração” (THOMPSON, 1998, p. 18). E mais: “As tradições se
perpetuam em grande parte mediante a transmissão oral [...]” (THOMPSON, 1998, p. 18).
Ele põe a cultura popular como rebelde, demonstrando, ao que parece inicialmente um
paradoxo, a exposição de uma cultura tradicional, mas ao mesmo tempo rebelde, que reage, por
exemplo, em nome do costume, as inovações capitalistas, que é quase sempre experimentada
pela plebe como uma exploração (THOMPSON, 1998).
Entendendo parte da complexidade que nos é inerente e, através da apropriação e
domínio de saberes locais e globais, populares e científicos, ligados a psique e ao
comportamento humano, o capitalismo, em especial, o capital, e toda a teia de exploração nele
presente, passou, por meio de vários artifícios, dentre eles a propaganda, a dominar temas
chaves para conduzir algumas massas e suas potências.
Institui-se, então, um mecanismo potente de domínio e formação, a educação bancária,
rígida, restrita (tornando-se desejada), condicionante e escrita, que passa a desvalorizar e
oprimir saberes orais, locais e populares, em detrimento de um ensinamento técnico, maçante
e opressor, que encontra na palavra escrita, uma maneira firme e repressiva de dominar a
história, prescrevendo e decretando destinos. Capitalismo e conduta não econômica baseada em
261

costumes, entram em conflito, inconsciente para este e consciente para aquele. Um conflito
programado e conduzido pelas grandes corporações, massivizado e efetivado pelo político a
serviço do capital.
Nesse modelo, satisfações materiais se ampliam e galopam para tornarem-se maior que
as satisfações culturais. Na verdade, o cultural passa a ser matéria possibilitada apenas às
estirpes dominantes, tornando-se um capital desejado, além de seu acesso ser matéria de
distinção e erudição. Já o popular, toma um rumo indesejado e torna-se uma experiência da ralé,
que simboliza uma falta de qualidades, rusticidade e atraso.
Assim, como bem ensina nossa orientadora:

Numa interpretação mais economicista o popular passou a ser também a cultura feita
pelo povo e consumida pelo próprio povo; dentro das relações hierárquicas do
conhecimento, o popular está associado ao fazer desprovido de saber. Nos nossos dias,
o popular passa a se constituir como tudo o que for acessível ao povo, da massa
desaculturada aos setores desprovidos de movimentos políticos organizados
(SOUZA, 2010, p. 14).

A educação popular prega um pensamento da existência, luta pela conquista de uma


forma crítica de pensar o existir, compromete-se com a práxis humana, política, que coaduna
como uma prática de liberdade.
O professor Ernani Maria Fiori, na introdução à obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo
Freire, aduz que “a educação como prática da liberdade postula, necessariamente, uma
pedagogia do oprimido” (FREIRE, 1987, p. 05).
Pautar esse tipo de pedagogia como forma de libertação é edificar a importância de um
saber sócio-pedagógico, aberto ao novo, que possa reconhecer e trabalhar os problemas
relacionados ao misoneísmo científico. Uma pedagogia que impulsione o homem a reconhecer
sua própria forma e a trabalhar novos projetos existenciais, onde a consciência possa demandar
apelos que, a priori, estariam além dos seus limites, desenvolvendo-se um pensar crítico.
A complexa teia social que nos forma impõe e massifica uma descrença no fazer humano
e consequentemente no próprio homem. Essa descrença nos mantém passivos, inertes, reféns,
tolhendo as experimentações que devem ser vivenciadas em estreita relação com a nossa vida
e o nosso existir. Nos furta a palavra, ou seja, o poder e o privilégio de testemunhar a própria
história. Passamos a ser meros instrumentos de destinos irrevogáveis.
Assim, precisamos alimentar uma rede de referências que possam retomar a narrativa
das histórias e estórias, valorizando o que realmente importa a determinados grupos e coletivos,
bem como a sociedade como um todo.
262

Nossos estudos bibliográficos e nossa entrevista com o coletivo Pé de Barro 5 nos


remeteram a arte como método possível de aplicabilidade e uso pedagógico para uma práxis
libertadora, promovida por uma educação de resistência, que incentiva continuadamente a
experimentação, os ensaios, as tentativas de renovação, diante de um cenário opressor e
violento, possibilitando reflexões críticas e gritos de insurgências, que alimentam os mais
diversos movimentos.
Mais uma vez, trazendo os ensinamentos de nossa Mestra, orientadora, aprendemos que:

O sentido de cultura popular, estabelecido para o que pretendemos discutir, parte da


idéia de que a cultura popular está ligada tanto a uma cultura feita e praticada no
cotidiano, quanto às representações desses hábitos, ressignificando os vários
elementos que compõe o povo. Assim a cultura popular adquire conteúdos estéticos
que se esboçam em diversas manifestações como música, poesia, artesanato, dança,
representações dramáticas, literatura etc (SOUZA, 2014, p. 14).

Os integrantes do coletivo Pé de Barro nos ensinaram que a arte possibilita uma


adaptação (não um aceite relacionado a passividade) através da vontade de potência, que leva
a consciência cenários de opressão devastadores que outrora eram lidos apenas como destinos
irrevogáveis. Na arte está viva uma pluralidade de perspectivas que é, senão, um sintoma de
força, haja vista que, através dela, se conectam vidas, contrariando vertentes hoje ditas como
tradicionais (por exemplo, a religião) que tem repelido a pluralidade (mas algo curioso é que na
entrevista percebemos que o primeiro contato deles com a arte foi, justamente, na igreja).
A conscientização fruto de uma pedagogia libertadora promove a reflexão crítica. E
como nos ensina Paulo Freire: “A verdadeira reflexão crítica origina-se e dialetiza-se na
interioridade da “práxis” constitutiva do mundo humano – é também “práxis” (FREIRE, 1987,
p. 08). “As consciências não se encontram no vazio de si mesmas, pois a consciência é sempre,
radicalmente, consciência de mundo” (FREIRE, 1987, p. 08).
Com o coletivo Pé de Barro, percebemos que a palavra como comportamento humano
é verdadeiramente práxis, significante do mundo e não apenas de coisas, ao contrário, mostra
que as classes oprimidas não podem ser relacionadas as coisas, não podem ser tratadas como
coisa, a palavra surge com vida e torna pleno o trabalho que, mais que instrumento, se torna
diálogo e comunicação que ultrapassa as barreiras já alicerçadas.

5
Grupo de Hip hop e dança break de Mossoró-RN.
263

Por fim, cumpre-nos ressaltar que a educação popular rompe com o medo da liberdade,
que fora construído, alicerçado e trabalhado, ao longo dos tempos, pelas classes opressoras e
dominantes, porém, fica de fora da educação escrita, alimentando-se ainda mais a alienação já
tanto dissipada e evitando-se a todo custo um pensar crítico.

3 O HIP HOP COMO ARTE DE RESISTÊNCIA E PONTE PARA A PRÁXIS


LIBERTADORA

O Hip hop considerado como movimento social e cultural, arte que hoje já é, também,
considerada esporte, nascida nas condições sociais de luta contra o racismo, contra a falta de
igualdade na distribuição da renda percapita no mundo e, contra o sistema hegemônico, nasceu
nas camadas subalternas do Brooklyn – Nova Iorque – EUA, e tomou o mundo pela importância
do movimento de resistência que pregava, ganhando potência junto aos movimentos sociais,
por se tratar de um movimento popular, educativo, combativo, de resistência social e
pedagógica, em virtude da sua construção e constituição político-democrática.
O Hip hop, parafraseando Sergio Domingues (2014), compreende quatro pilares
importantes da arte, como a discotecagem, dança chamada de break, grafite e música rap.
Importante verificar que nenhum desses pilares tem mais importância que o outro, pelo
contrario, unidos formam o Hip hop e constroem um processo de educação popular, de
militância, que caminha para uma consciência política, antirracista e contra-hegemônica,
combativa e de resistência.
As batalhas no Hip hop são consideradas como importantes no contexto de amenizar os
conflitos existentes entre periferias e suas questões antagônicas, de princípios e disputas por
espaços e lideranças. Um recorte importante da fala dos componentes do break coletivo Pé de
Barro, indica esse aspecto como a origem real do surgimento do Hip hop, no Brooklyn, em
meio a tantas brigas que levavam os subalternos a morte.
Com o surgimento das batalhas se construiu, também, um processo de paz coletiva e a
disputa por espaço e liderança na periferia se restringiu, em sua maioria, as disputas em dança
no break, discotecagem (com os DJs) e grafite (com os artistas), que grafitavam, na sua maioria,
muros, paredes e música com os Reps.
Verificamos grande importância no movimento Hip hop enquanto processo pedagógico,
porque dialoga com os grupos subalternos de moradores periféricos e promove o processo de
264

persuasão nas relações dos grupos sociais e nos movimentos organizados, não como
propaganda, mas como práxis crítica.
A luta do movimento Hip hop visa justiça racial e social, é combativa a hegemonia em
todas as esferas sociais de controle. Os movimentos sociais conseguiram, através de diálogos
com o movimento do Hip hop, incorporar os mesmos nas suas lutas e pautas políticas e isso
possibilitou que o Hip hop fosse divulgado e reconhecido como uma arte plural, quebrando os
paradigmas da marginalidade, ao qual já fora associada.
O movimento do Hip hop tomou e atingiu outras esferas do seio social, ganhando
adeptos e a importância merecida na sociedade dos anos 2000, quando se iniciaram uma
discussão interna sobre o real papel do movimento, pensando-se o “onde ele está” e o sucesso
de cada um e cada uma, como uma contradição ética relativa ao motivo pelo qual sugira (como
um movimento de luta dos subalternos contra a falta de políticas públicas em relação aos povos
marginalizados, também como pautas contra o racismo, hegemonia do país extremamente
patriarcal, sexista, xenófobo e machista).
O Hip hop surgiu no Bronklyn, em Nova Iorque, como dito, porém ganhou o mundo
com uma velocidade incrível nas discotecas frequentadas pela sociedade capitalista e opressora,
sendo divulgado, contraditoriamente, pelos jovens burgueses que tinham acesso a viagens e
informações. Segundo Sérgio Domingues (2014, p. 41):

O hip-hop foi introduzido no Brasil por meio de “agentes sociais” da classe média
paulistana, que teriam trazido a dança break do exterior para danceterias de bairros
nobres de São Paulo, no início dos anos 1980. Somente algum tempo depois teria
chegado às camadas mais pobres da população. No entanto, há relatos que mostram
que esse contato com o gênero musical aconteceu de maneira mais difusa.

Considerando o movimento como pedagogia da resistência e pedagogia revolucionaria,


o Hip hop, em Mossoró-RN, iniciou-se nos anos 1980, resistindo e se versando entre o repente,
embolada de coco, poesia grafite, funk e outras artes potentes da época, fazendo valer o pensar
em interseccionalidade manifestado nas áreas artísticas, sociais e culturais. Só em 2009,
concretamente com o coletivo Pé de Barro - nome de batismo que levou em consideração as
histórias de quando surgiu a cultura do Hip hop em danças de break, no metro na cidade de São
Paulo, onde os participantes não tinham condições de usarem sapatos para dançar o break e por
isso eram chamados de Pé de Barro (informação repassada pelos próprios membros do coletivo
Pé de Barro, especialmente Biboy MK, na entrevista realizada na cidade de Mossoró-RN).
265

Além de entrevistá-los, nos possibilitamos dançar juntos, sentindo a energia e parte do


recado que eles tinham a nos enviar, uma mensagem de requintes de resistência e que, sem
dúvidas, pode chamar as mais diversas gerações para uma revolução no pensar e no agir.
No encontro com o coletivo Pé de Barro, o Biboy Susu, nos revelou outro aspecto
importante do Hip hop no recorte da dança do break, que são as competições, aqui no Brasil, já
consideradas esporte. Essas disputas de quem tem uma melhor performance na arena, revelou
a importância da arte na dança, para gerar posição e condições sociais aos participantes, que
passaram a atuar como performances em grupos e/ou solos. Essa geração de renda e o
reconhecimento social da dança do break, no Hip hop, como um movimento esportivo,
expandiu as possibilidades de existência, tornando a dança um meio de gerar empregos e renda,
devido aos inúmeros torneios promovidos pelo Brasil e suas respectivas premiações.
As opressões geradas pelo sistema hegemônico e racista do país, com suas lacunas na
viabilidade de políticas públicas de responsabilidade social e de combate a pobreza nas camadas
subalternas das periferias, motivaram muitos grupos a ficarem “no meio do caminho”,
desistindo desse movimento artístico, social e cultural do Hip hop. Segundo o Biboy di Rocha,
a formação do coletivo Hip hop Pé de Barro, se deu em 2020, motivada por outros agentes
culturais que treinavam em escolas e igrejas, dissipando a arte entre os jovens que lá estavam.
Dado importante para percebermos que o movimento, originariamente vindo de periferias,
ganhava “espaço de resistência” em locais de extrema relevância social (e até então
considerados conservadores), mas, que, historicamente, são considerados opressores.
Todos os três “artevistas” do movimento coletivo Pé de Barro, o Biboy Susu,o Biboy di
Rocha e o Biboy Mk, externaram sua insatisfação pela falta de iniciativa dos governos e
governantes em investir e/ou, até mesmo, reconhecer o movimento do Hip hop como uma
possibilidade pedagógica de Educação popular para jovens oprimidos que estão afastados das
escolas e/ou alocados naquelas de um sistema educacional bancário, falido e sem atrativos para
engajamento das novas classes e grupos que se reerguem diante da opressão, ainda violentados
por questões interseccionais, invisibilizados entre as luzes ofuscantes das disciplinas e projetos
bancários que reprimem e reprovam as inovações e os atos revolucionários que posam gerar um
pensar crítico.
E foi através do diálogo que manuseamos entre o material colhido com o coletivo Pé de
Barro – aprendendo com os “artevistas”- e nossas pesquisas bibliográficas que pudemos pensar
o hip hop como potência, válvula propulsora, de/na revolução entre jovens “coisificados”.
266

4 A INTERSECCIONALIDADE E A SOCIEDADE “À BRASILEIRA”

A constituição da sociedade brasileira perpassa pela exclusão de grupos étnicos, classes


sociais e por relações hierárquicas de gênero. Para que possamos compreender as práticas de
exclusão existentes na atualidade é necessário considerar o modelo de trabalho escravocrata
instituído no Brasil no período colonial, o racismo estrutural e a exclusão das classes subalternas
que refletem formas de opressão e exclusão que perduram nos dias atuais e atingem grupos
específicos de indivíduos. As práticas excludentes do passado se repetem no presente com outra
roupagem, sob o manto de uma falsa ideia de democracia que inviabiliza o acesso igualitário
ao capital social, cultural e financeiro.
Também é importante delinearmos um aspecto relacionado a violência, entendendo-a e
observando-a de forma ampla, conforme leciona Marilena Chauí:

Em resumo, a violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde
se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda ideia que
reduza um sujeito à condição de coisa, que viole interior e exteriormente o ser de
alguém, que pontue relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e
cultural, isto é, de ausência de direitos. Mais do que isso, a sociedade brasileira não
percebe que as próprias explicações oferecidas são violentas porque está cega para o
lugar efetivo de produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira.
Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões
econômicas, políticas e sociais, a corrupção como forma de funcionamento das
instituições, o racismo, o machismo, a intolerância religiosa, sexual e política não são
consideradas formas de violência, isto é, a sociedade brasileira não é percebida como
estruturalmente violenta e a violência aparece como um fato esporádico da superfície
(CHAUÍ, 2021, p. 41).

Em seu trabalho sobre juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina,


Mirian Abramovay (2002) destaca que a falta de oportunidades econômicas e sociais pode
resultar no fracasso e no abandono da escola, bem como em situações de violência como um
todo. Disto isto, é possível inferir que o acesso igualitário a uma educação de qualidade impacta
diretamente no sucesso ou fracasso dos indivíduos. Importante enfatizar que quando falamos
de educação, não falamos de uma educação bancária, mas, sim, plural.
As causas da exclusão de certos grupos de indivíduos são diversas e se inter-
relacionam entre si, formando uma intersecção entre desigualdades sociais e econômicas. Nesse
sentido consideramos pensar tais questões a partir da perspectiva da teoria da
interseccionalidade, de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2021), captando a ideia
267

desenvolvida pelas autoras acerca do domínio cultural e disciplinar do poder, que disseminam
falsas narrativas de acesso igualitário e oportunidades, o que alimenta nossa reflexão.
Segundo Collins e Bilge (2021), alguns padrões específicos de relações de poder
relativos à raça, gênero, sexualidade, são resultado de processos históricos ocorridos no Brasil,
a exemplo da escravidão, colonialismo, da ditadura militar e da redemocratização do país, o
que fez com que alguns grupos específicos tivessem dificuldades para acessar bens sociais, por
exemplo, a educação e o emprego.
A teoria da interseccionalidade consiste em uma ferramenta de investigação crítica que
pode ser utilizada em contextos globais, regionais e locais, portanto, tem o potencial para
proporcionar uma visão mais abrangente no campo educacional.
A educação, segundo Patricia Collins e Sirma Bilge (2021), também tem se constituído
como um campo aplicado da interseccionalidade. Elas destacam que “pesquisadores(as) em
educação abordam questões relativas ao modo como interações entre desigualdades sociais de
raça, classe, gênero, sexualidade e capacidade moldam as experiências e os resultados no ensino
de populações desprovidas de direitos” (COLLINS; BILGE, 2021, p. 60).
Outro fator importante trazido por Souza (2019) diz respeito a distribuição desigual de
tipos de capitais econômicos, culturais e sociais, por meio de relações pessoais que se refletem
na reprodução das desigualdades e da estratificação social.

Tudo que chamamos de sucesso ou fracasso na vida depende de acesso privilegiado


ou não a esses capitais. Daí que todos os indivíduos e classes sociais lutem com tudo
que têm não apenas para ter acesso a eles, mas, principalmente, para monopolizá-los.
É o monopólio dos capitais que irá fazer com que uma classe social possa reproduzir
seus privilégios de modo permanente (SOUZA, 2019, p. 97).

É preciso destacar que a escola muitas vezes reproduz desigualdades sociais. Segundo
Pierre Bourdieu (1998), a escola desfavorece as classes sociais mais pobres. Em vez de
conceder oportunidades iguais para todas as classes sociais, ela perpetua essas desigualdades
excluindo os grupos mais vulneráveis da sociedade. Nas sociedades colonizadas isso se
acentua.
Questões como raça, classe, gênero e capacidade, por exemplo, podem estar interligadas
dificultando o acesso a um processo educacional mais significativo, reproduzindo-se, então,
dentro do contexto escolar situações de exclusão verificadas fora dele, consequentemente,
aqueles indivíduos com formação deficitária irão preencher vagas de emprego com vínculos e
condições de trabalho mais precários. Daí a importância da abordagem interseccional, por se
268

tratar de uma ferramenta de investigação crítica. O termo “crítica” é usado pelas autoras no
sentido de criticar, rejeitar e/ou tentar corrigir problemas sociais que surgem em situações de
injustiça social (COLLINS; BILGE, 2021).
Por outro lado é importante destacar também o processo educacional, o engajamento político
e a ciência como instrumentos eficazes de resistência contra variadas formas de opressão e
condições desiguais de existência.
Por mais que se pretenda criar uma ideia de que vivemos em democracia e que as
oportunidades são ofertadas de modo igualitário, na prática, o que vemos é a culpabilização ou
responsabilização do próprio indivíduo em relação ao seu sucesso ou fracasso social e
econômico, todavia, em uma sociedade marcada por desigualdades, como a nossa, ocorre o
acesso privilegiado de alguns grupos de indivíduos a uma educação de qualidade superior,
excluindo outros grupos do exercício pleno da cidadania. Juntem-se a isso as políticas
neoliberais de desinvestimento na educação pública em detrimento do apoio financeiro a grupos
privados.
Vivenciamos na atualidade, em nosso país, tempos sombrios, com sucessivas tentativas
de descrédito na educação e na ciência, contudo, é necessário construir, a partir disso, condições
e formas de resistência que possibilitem vislumbrarmos tempos melhores e, é sobre isso que
tentamos refletir. A crença na educação e na ciência, o engajamento político, a cultura de paz,
associados a um regime democrático bem consolidado, que se torne cultural, juntos, poderão
contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, através da criticidade que lhe seria
atinente.

5 CONCLUSÃO

Pretendíamos com a reflexão que aqui tecemos, dialogar saberes “acadêmicos”,


oriundos da colheita bibliográfica, com saberes que, para muitos, seriam “marginais”, ou seja,
os colhidos na entrevista com o coletivo Pé de Barro (esperamos que tenhamos conseguido). A
articulação desse conteúdo nos conduziu, necessariamente, para uma escrita crítica,
compromissada com os oprimidos e que viesse a calhar como uma mensagem de protesto.
Uma reflexão que se põe no mundo, para o mundo. Um pensamento crítico e ativo. Uma
denúncia elaborada pela análise histórico-políticado que se apresenta. Uma tomada de posição
que pensa nas novas gerações.
269

Queremos promover um engajamento intelectual que não alimente o tecido que


temos fiado entre nós (tecido que nos sufoca e impede de agir), através de uma escrita combativa
e denunciativa da violência que nos implode e tem nos impedindo de viver a democracia,
ceifada pelos fundamentos da violência instituídos na sociedade brasileira.
Entendemos que precisamos refletir sobre o que nos impede de pensar e agir livremente,
por isso, tentamos oferecer a leitora, uma experiência de leitura como prática da liberdade.
Se aquela que leu o que tecemos aqui puder perceber que há uma possibilidade, que o
futuro ainda está aberto e que, mesmo diante do cenário grotesco, não é pré-determinado, pois
podemos de alguma maneira adotar posturas combativas, cumprimos parte do nosso papel.
A outra parte deste papel vislumbrava manter o futuro no horizonte do possível, e, para
tanto, é fundamental iluminar o desenvolvimento de uma pedagogia libertadora que culmine
em uma práxis libertadora. Tornar visível o que era obscuro, denotar os males enraizados na
sociedade brasileira, compreender o fundamento da violência em nosso país, ser instrumento
combativo de formação, também faz parte desse projeto e, é, sem dúvidas, objeto da arte.
Precisamos descortinar a violência que é exercício de poder em nosso Estado nação,
além de romper com o medo que é manuseado como instrumento e causa desse poder.
Transformar a concepção do que vivemos deveria ser objetivo principal das Ciências Sociais e
Humanas.
Reconhecer que a violência atravessa a concepção física para também atingir as
concepções psíquicas e simbólicas é essencial. Assim, saberemos que a Lei, para alguns, é
privilégio; já para outros, repressão.
Por aqui ficamos, em uma conclusão sem desfecho, mas com proposta de continuidade,
de união de forças, de chamamento a uma aventura única e dilacerante, a de libertar o nosso
pensamento, consequentemente, o nosso agir.

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, Miriam. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América


Latina. Miriam Abramovay et alii. Brasília: UNESCO, BID, 2002.

BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura.


In: Escritos de Educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

CHAUÍ, Marilena. Democracia e sociedade autoritária. Comunicação & informação, v. 15,


n. 2, p. 149-161, jul/dez, 2012.
270

CHAUÍ, Marilena. Sobre a violência. Organizadoras Ericka Marie Itokazu, Luciana Chaui-
Berlinck. 1ª ed. 3. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.

COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Tradução de Rane Souza. 1.


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271

A ARTE COMO CAMPO DE SABER NAS CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS

Luiz Antônio Gomes Lopes1

Guilherme de Paiva Carvalho2

RESUMO

As Ciências Sociais e Humanas, como todas as ciências, buscam beleza e verdade; na leitura
de expressões e transformações sociais, dependem de imaginação criativa, prerrogativas da arte,
mas, como ciências, distinguem-se desta, nas suas formas de expressão. Tendo essa projeção
como ideia central, pensamos o contexto contemporâneo, baseando-nos em algumas questões
nacionais, para delinearmos uma investigação bibliográfica exploratória, materializada em uma
escrita ensaística, que pudesse pensar na aproximação entre ciência e arte, investigação e
criação. Para tanto, desenvolvemos um diálogo plural, entre algumas questões nacionais e
teorias de grandes pensadores contemporâneos, no intuito de, clarear, as similitudes existentes
entre a investigação científica e o processo de criação e materialização da arte, em especial a
literatura. A luta para separá-las (ciência e arte) foi preponderante para a elaboração e
aperfeiçoamento de ambas que, embora distintas, estiveram sempre a caminhar juntas, mas,
chega o momento, de uma nova e necessária aproximação, onde ambas ganham – inclusive a
sociedade em geral. Refletir sobre uma ciência que proporcione, de fato, uma transformação no
que vivemos, foi o nosso objetivo e são essas reflexões que delineamos abaixo.
Palavras chave: Arte. Ciência. Investigação. Criação.

ABSTRACT

The Social Sciences and Humanities, like all sciences, seek beauty and truth; in the reading of
expressions and social transformations, they depend on creative imagination, prerogatives of
art, but, as sciences, they differ from it in their forms of expression. Having this projection as a
central idea, we think about the contemporary context, based on some national issues, to outline
an exploratory bibliographic research that could think about the approximation between science
and art, research and creation. To this end, we developed a plural dialogue, between some
national issues and theories of great contemporary thinkers, in order to clarify the existing
similarities between scientific research and the process of creation and materialization of art.
The struggle to separate them (science and art) was preponderant for the elaboration and
improvement of both that, although distinct, were always walking together, but, the moment
comes, for a new and necessary approximation, where both win - including the society in
general. Thinking about a science that actually provides a transformation in what we live is our
goal, these are the reflections that we outline below.
Keywords: Art. Science. Investigation. Creation.

1
Advogado pós-graduado em Segurança Pública e Cidadania pela UERN, graduando em Psicologia pela FCRN,
mestrando em Ciências Sociais e Humanas pela UERN. E-mail: lulalopes02@gmail.com
2
Orientador: Licenciado em Filosofia, Mestre em Filosofia, Doutor em Sociologia. E-mail:
guilhermemartins@uern.br
272

1 INTRODUÇÃO

A vida nos impõe inúmeros desafios, tal qual este: escrever, pondo em prática o
esperançar de Paulo Freire, em tempos de exceção. Mas, como dizia minha avó: “quem tem
vontade e fé, tem quase tudo”. E, diga-se de passagem, depois de pagar a disciplina
Epistemologias das Ciências Humanas, conduzida com maestria pelo professor que aqui nos
orienta, não somos mais os mesmos. De alguma maneira, ficou mais fácil, embora ainda seja
um árduo trabalho, visto que a convulsão social que vivemos ainda nos toca e, talvez, com mais
intensidade, haja vista que agora podemos perceber o que outrora era imperceptível. Mas, como
disse, a tarefa se torna mais fácil, podemos esperançar e constituir pontes, caminhos. Esse
trabalho é fruto das reflexões levantadas durante esse caminhar.
Escrevemos pouco depois da tragédia, ainda consternados, onde um fanático
bolsonarista (apoiador do atual presidente) executou um membro do Partido dos Trabalhadores
(PT), ceifando, em razão do fanatismo político, uma vida no auge da sua comemoração, em
plena festa de aniversário.
Tragédias como essa não atingem apenas a família do violentado, mas, sim, toda a
sociedade e, ainda, serve como retrato dos tempos de opressão e estímulo a violência que temos
vivido e experimentado em nosso país. Garantias individuais são dilapidadas, grupos são
perseguidos e violentados, a fome volta com uma voracidade que há muito não víamos, 14
(quatorze) anos de políticas sociais vão pelo ralo em cerca de 3 anos de desgoverno.
Queríamos começar o texto com uma mensagem poética, esteticamente bonita, afinal,
propomos falar de arte, mas achamos pertinente trazer o retrato fidedigno da atual sociedade
brasileira, digitado, relatado e retratado por essa tragédia. Talvez, a arte que mais falasse desse
momento, seria o quadro denominado “O grito”, de Edvard Munch. Ele dizia que não pintava
o que vê, mas o que viu. Já expressava com isso, indubitavelmente, a ansiedade que
experimentaríamos no mundo líquido. Entendia que, era atributo do artista, ver além.
Comovidos, indignados, escrevemos. Fazemos do papel e das idéias a nossa arma.
Lutamos por uma ciência humana, justa e ao alcance de todos. Uma ciência que possa
recompensar, reconhecer, validar e trabalhar em sintonia com os saberes populares e locais,
mas que também não despreze os globais. Que possa validar a potência do subalterno, dando-
lhe, espaço de fala e promoção de idéias e saberes outrora marginais. Uma ciência que, assim
273

como a arte (ou se utilizando dela), possa retratar, também, emoções, subjetividades e
acontecimentos que provocam o pesquisador, trazendo à tona pessoas vivas, que respiram,
sofrem e amam, não como mera leitura nua e crua do que fora colhido, mas como elementos do
vivido.
Falar de uma ciência aliada à arte não é apenas falar de estética, mas reconhecer um
campo de saber pouco explorado, que traz consigo análises, marcas, assinaturas, dos mais
fantásticos pensadores e críticos de todos os tempos.
Como nos ensina a dádiva freiriana, cremos que a educação não muda o mundo, mas,
sim, as pessoas e, as pessoas, mudam o mundo. Assim, para o desenrolar deste trabalho,
precisamos não só nos perguntar - de que educação estamos falando? -, mas também entender
um pouco dos aspectos culturais que permeiam a sociedade brasileira, oprimindo e tornando
submisso, inoperantes, os mais diversos sujeitos que não gozam de capital social, cultural e
financeiro, ou seja, a esmagadora maioria da população.
Para a construção de um pensar crítico, julgamos importante nos questionar (até pelo
devir ético): que ciência está sendo construída? A serviço de quem está nosso pensamento? Que
emergência esses pensamentos relatam? Quais os caminhos que seguimos “em troca” do título?
Estamos a constituir uma ciência crítica?
Não quero trazer, de início, conceitos complexos sobre o que seriam as Ciências Sociais
e Humanas. A priori, se faz importante contextualizar que as Ciências Sociais visam os estudos
dos mais diversos aspectos sociais e a influência do comportamento humano no contexto social;
já as Ciências Humanas são mais voltadas a aspectos individuais, como, por exemplo, a
psicologia.
As causas de opressão e a efetivação da violência (inclusive científica) são
multifatoriais, interseccionais, locais e globais. A explicação e as reflexões pertinentes sobre o
assunto, também o são. Encontramos na arte as mais profundas reflexões sobre os mais diversos
contextos sociais (individuais e/ou coletivos).
Assim, se faz importante pensarmos um pouco sobre algumas construções tecidas por
Marilena Chauí, em seu artigo denominado Democracia e Sociedade autoritária3. Ela já
começa o texto argüindo que “estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia

3
Palestra proferida pela professora Marilena Chauí, em Goiânia, no dia 14 de março de 2013, no Espaço Oscar
Niemayer, no evento Café de Idéias. O evento também se caracterizou como a Aula Inaugural do PPGCOM –
UFG turma 2013.1.
274

como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais” (CHAUI, 2012,
p.149). Mas que Lei e qual ordem? Lei a serviço de quem? Quais garantias?
Democracia? Vivemos sob o manto de apoio a violência, onde o presidente vem a
público cobrar “ações enérgicas” dos seus seguidores correligionários e está, a todo tempo,
ameaçando as instituições. Vemos um Congresso Nacional constituído, em sua esmagadora
maioria, por homens, brancos e representantes de uma elite coronelista e autoritária. Assistimos
(mesmo que aos gritos, infelizmente não faz diferença) o sucateamento da educação pública e
o emergir do apoio público a uma educação privada. Presenciamos reformas educacionais que
visam mão-de-obra barata e, não, a construção de sujeitos críticos, empoderados. Observamos,
perplexos, ou talvez nem tanto, orçamentos secretos bilionários, contemplados com verbas que
são retiradas da saúde e educação. Vamos existindo, como dá, tentando apenas chegar ao
próximo dia e esquecer o anterior.
Nesse modelo, a democracia de uma liberdade que ordena, surge como regime político
eficaz, em virtude, apenas, de ser possível a escolha dos nossos representantes. O medo tem
sido usado como mecanismo de condução das massas e contempla engajamentos políticos
através de discursos e idéias que permitem e validam a violência como forma de combate da
violência.
Vivemos, indubitavelmente, tempos difíceis, atravessados por uma pandemia sem fim,
por um modelo econômico hegemônico e violento, por uma cultura sexista que tem se
consolidado e se fortificado, afrouxamos nossas amarras com o popular, com o local, com o
tradicional. Consequentemente, abrimos mãos da soberania e nos desorganizamos
politicamente, perdendo, “o poder do povo” e, também, a razão da democracia. E isso se reflete
na academia. Na nossa vizinhança, temos o exemplo da UFERSA, onde muitos defendem que
uma “interventora” foi nomeada reitora em virtude do descumprimento ao modelo de eleição
outrora adotado.
Necessitamos re-pensar o existir diante das diretrizes dos novos tempos. Se faz
necessário que criemos e/ou adaptemos formas de resistência que coadunem com as
singularidades que ainda existem entre nós. Precisamos, pela educação e através da arte,
resgatar e juntar os cacos da resistência, tornando audível a nossa voz.
É essa tarefa, talvez imprudente aos olhos da ciência, que propomos refletir aqui, através
de uma escrita ensaística. Somos, seremos e devemos ser, sujeitos políticos. A ciência precisa
“tomar partido”, ter um lado – e deve ser o do povo. Não queremos com isso abraçar políticos
275

e seus partidos, mas, fugir da ideia de neutralidade que tende a nos calar e tornar mecânicos e
obsoletos o nosso agir, o nosso discurso. Por uma ciência de resistência, inclusiva e que
empodere, precisamos re-pensar a ciência e suas fontes; beber em novas fontes é essencial ao
nosso evoluir e essa é a reflexão que propomos aqui.
Apresento esses escritos que são frutos de uma pesquisa bibliográfica exploratória que
ocorrera ao longo do atual semestre, no decorrer da disciplina, no intuito de pensar sobre uma
Ciência Social e Humana que proporcione, de fato, uma transformação na concepção do que
vivemos; que possa estruturar um pensamento que torne visível, por exemplo, que o medo tem
sido usado como forma de poder; que re-pense a ética como ideologia; que nos mostre que há
uma divisão social do/no medo que pode gerar um processo de desesperança, uma servidão
voluntária; que repense a si própria, demonstrando que alguns preceitos iluministas, condutores
dos caminhos sociais e científicos ao longo de quase dois séculos, são, na verdade,
enfraquecedores da formação de um corpo social verdadeiramente coletivo e que provocam
divisões, fissuras, massificando, validando e efetivando a diferença entre grandes e pequenos,
fortes e fracos, cultos e não cultos (matérias difusoras da violência no seio social).

2 A ARTE

Precisamos, além dos manuais, repensar o nosso fazer de pesquisador, empregando-o


criatividade para que a ciência faça sentido na vida das pessoas. É profundamente necessário
afrouxar algumas amarras científicas. Não queremos com isso invocar a derrubada de um rigor
metodológico, epistemológico, mas, apenas, repensá-lo e, quem sabe, abrir novas perspectivas
de atuação, estruturação e validação do nosso saber.
Quem valida o saber em Ciências Sociais e Humanas? Faz sentido constituir uma ciência
que não faça sentido para o povo? Lutamos contra a violência entre pares ou as validamos na
tentativa de criar modelos replicáveis?
A pandemia serviu para nos demonstrar que há certo descrédito no científico. Teorias
conspiratórias rompem, com facilidade, a construção epistemológica há tempos estruturada.
Acreditamos que isso nos fala sobre os rumos que o “fazer ciência” tomou, distanciando-se da
vida do povo. O modelo tem proporcionado o emergir de semideuses que, são, em sua grande
maioria, brancos, ricos, homens, europeus e que, carregam consigo, supostamente, a resposta
para todos os males.
276

Vemos que a arte, ao se aproximar da ciência, resgata sua popularidade e sua similitude
com o real, com o movimento vivenciado socialmente ao longo dos tempos e das modificações
dele decorrentes. Além disso, torna nosso discurso audível para o público em geral e não,
apenas, para os bancos acadêmicos.
Para esboçar o pensamento construído e materializado neste trabalho, tivemos
influência, do que constrói Vygotsky em Psicologia da Arte. Paulo Bezerra (USP – UFF), no
prefácio a edição brasileira, escreve:

A arte aparece como um fenômeno humano, que decorre da relação direta ou mediata
do homem com um cosmo físico, social e cultural, onde se constroem e se multiplicam
variedade de facetas e nuanças que caracterizam o homem como integrante desse
cosmo (VYGOTSKY, 1999, p. 10).

A arte surge como um processo de reorganização, de leitura, de contação e propagação,


do cosmo físico, social e cultural de uma época. Portanto, não vemos as Ciências Sociais e
Humanas como meras tradutoras das obras de arte. Não propomos uma Ciência Social e
Humana da obra de arte, mas uma Ciência Social e Humana na obra de arte. Paulo Bezerra
(USP – UFF) diz que “a arte é o social em nós” (VYGOTSKY, 1999, p. 12).
Reconhecendo o complexo modo de ser, viver e estar juntos, a arte pode constituir um
rico campo de saber para alicerçar, compartilhar e validar saberes desenvolvidos nas Ciências
Sociais e Humanas que outrora seriam marginais ou marginalizados. Quem melhor escreveu
sobre a condição humana que Dostoiévski? Quem melhor retratou a solidão do mundo líquido
que Edward Hopper? E o que falar das angústias contemporâneas retratadas nas obras de Edvard
Munch?
Dostoiévski tem iluminado inúmeras obras e reflexões nas Ciências Sociais e Humanas.
Por exemplo, foi, talvez, quem mais estimulou o pensamento de René Girard. Por sua vez,
Edward Hopper, em seus retratos da solidão, estimulou outros grandes artistas que brandavam
sobre questões sociais e políticas, como, por exemplo, Renato Russo. Além disso, sua obra
serviu de base e reflexões para inúmeras obras cinematográficas.
Vários autores consagrados usam a arte, mesmo que de forma tímida, para enfatizar seus
pensamentos e retratar seu tempo. Jung diz que “devemos nos perguntar sobre a nossa arte que,
sem dúvida, constitui o instrumento de registro mais refinado da mente de um povo” (JUNG,
2012, p. 44).
277

Boaventura, na sua obra “Um discurso sobre as ciências” (2008), argumenta sobre a
crise do paradigma dominante, uma limitação que torna infrutífera as sementes que regem o
paradigma emergente.
A arte carrega o trunfo de não ter que responder um “por que” ou um “para que”, nos
possibilitando experenciar novas fontes e formas fenomenológicas. A arte não é pragmatizada
nem pragmatiza-se. A condição de ser arte é justamente a da (im) possibilidade.
A natureza humana é fluida, indefinida. A segurança almejada por nós ultrapassa o
aspecto pessoal e resvala no social, tem cunho subjetivo. A arte é combatida (seja na política,
na ciência ou em outro campo) não apenas por ser objeto de protesto, reflexão, mudança, mas
por ser objeto de desestabilização, de confrontamento, de combate a um saber normatizado,
sexista, não visionário (no aspecto social). Ao romper com protocolos científicos,
democratizando o saber, a arte é combatida como campo de saber, tornando-se marginalizada
e constituindo-se como fonte de esperança àqueles marginalizados (que estão à margem). A
expansão por ela praticada não é interessante aos que desejam manutenir o saber ao domínio de
poucos. Nosso atual governo, por exemplo, vem dilapidando a arte, questionando-a desde a sua
essência e atacando-a com a mais eficaz das armas modernas: sufoca financeiramente.
Todorov (2011, p.321) nos ensina que a arte “representa uma advento de sua forma, sua
clarificação: a descoberta, sempre provisória, de seu sentido”. Continua:

A arte é uma revelação do ser; mesmo a arte destrutiva traz consigo forma e sentido.
Sua vantagem suplementar – a da arte compreendida no sentido amplo, incluindo
narrativas, imagens e ritmos – é de se dirigir a todas e a todos, e de incitar
discretamente cada um a se abrir para a beleza do mundo. Sua mensagem não se fixa
a um dogma religioso ou filosófico: propõe em vez de impor, respeitando a liberdade
de cada um. Os homens são matéria e vivem na matéria; a ciência lhes ensina a
conhecê-la, a técnica, a transformá-la. Mas os homens vivem também em meio a suas
representações, tanto a deles próprios quanto as da humanidade, e não tem menos
necessidade de conhecer e transformar essas representações; para esse
empreendimento, a arte é boa companheira. Não há lugar para escolher entre técnica
e arte, e de deixar uma eliminar por inteiro a outra: as duas nos são igualmente
necessárias. (TODOROV, 2011, p. 321 e 322)

A literatura, por exemplo, desde os contos infantis, nos ensina através de destinos
dolorosos, as armadilhas das quais devemos desconfiar. Nos mostra, que o passado tem um
legado a ser levado conosco para o futuro, mas não é receita, solução, tal e qual, para o que
vivemos. Isso nos demonstra que, retornar aos tempos de exceção, não é saída considerável.
“Nesses tempos obscuros e devastadores a arte é necessária” (TODOROV, 2011, p.
325), podemos pensar, re-pensar e dirigir nossa existência através do saber que a ela é inerente.
278

Gilson Iannini, no prefácio do livro O homem sem conteúdo, nos diz que: “em outros
termos, a reflexão de Agamben acerca da arte e da estética é condição para a correta
compreensão dos rumos que seu pensamento político iria tomar” (AGAMBEN, 2013, p.11).
A arte, seja através de conceitualizações e/ou como influência na edificação de teorias
e pensamentos, tem influenciado inúmeros autores. Nietzsche, Einstein, Benjamin, Freud,
defenderam a importância da arte na conjuntura social. Agamben dedica obras como O Homem
Sem Conteúdo e Gosto às interlocuções entre a arte e o social.
O inconsciente coletivo descrito por Jung, muitas das discussões Freudianas, alicerçam-
se na conjuntura artística de símbolos e literatura mítica. Einstein diz: “para mim, o papel mais
importante da arte e da ciência consiste em despertar e manter desperto o sentimento delas
naqueles que estão abertos” (2016, p.20). É essa abertura que deve ser pautada na ciência para
que possamos invocar um sentimento de apoio, comunhão e acessibilidade para com a
sociedade em geral. A arte pode tornar a ciência próxima e acessível da sociedade e ainda
contribuir no seu processo criativo e reflexivo, essa experiência, pode ser bem proveitosa para
ambas.

3 A ARTE COMO POTÊNCIA A SERVIÇO DAS CIÊNCIA SOCIAIS E HUMANAS


De início, precisamos relatar que a arte como potência, a serviço da ciência, é uma
promoção, uma idéia, um instrumento, que proporcionará reflexão, aprimoramento e difusão às
representações sociais nelas trabalhadas.
Como instrumento de pesquisa, proporcionará ao pesquisador (a) uma visão complexa
e expandida da matéria estudada, auxiliando, uma visão contemporânea dos fatos sociais.
Apropriamo-nos da ideia de contemporâneo trabalhada por Agamben, intimamente ligada a
condição de atemporalidade.
Agamben (2009) defende que seus alunos devem ser contemporâneos, ou seja, devem
olhar para o seu tempo e observar não só as luzes nele presentes, mas a escuridão que também
lhe é peculiar. Ou seja, contemporâneo não é aquele que está imerso em seu tempo, mas que
consegue se distanciar dele para observar as luzes e a escuridão nele presentes.
Retomando a questão da potência, também, nos apoiamos no que dita Agamben 4,
influenciado pela construção aristotélica. Ou seja, potência é aquilo que ainda não é, mas pode

4
Para maior aprofundamento, ler A potência do pensamento, de Agamben, no link
https://www.scielo.br/j/rdpsi/a/N6v9wqP8ChHzLQwQNMjLNGt/?lang=pt#:~:text=O%20conceito%20de%20po
t%C3%AAncia%20tem,da%20sua%20teoria%20da%20pot%C3%AAncia.
279

vir a ser. É uma possibilidade. Para Agamben, existimos sobre o modo de potência, podendo
ser ou não ser, fazer ou não fazer, ser uma coisa ou o seu contrário. Para entendê-lo é importante
saber que ele diferencia o “não poder fazer” do “poder não fazer”. Para esse estudo, a priori,
propomos que a arte seja para a ciência um “poder não fazer” e não um “não poder fazer”.
Assim, para trabalharmos a arte como leitura do processo de saber aqui trazido, diríamos
que ser contemporâneo é apoderar-se dos ensinamentos trazidos por Saramago em seu texto “O
conto da ilha desconhecida”, onde ele diz que “é necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos
vemos se não saímos da ilha5”.
O texto “O que é contemporâneo?” de Giorgio Agamben (2009), foi escrito a partir da
lição inaugural para o curso de Filosofia Teorética, ministrado entre 2006 e 2007. Tinha como
intenção demonstrar aos alunos que a capacidade de cada um deles de se fazer contemporâneo
ao seu tempo, assim como a de autores e textos que iriam estudar, era crucial para o sucesso do
curso. Neste contexto, ele “elaborou” um conceito mais amplo de contemporaneidade, que a
“desligava” da perspectiva temporal, como dito. Essa, a nosso ver, deve ser uma das
perspectivas do pesquisador em Ciências Sociais e Humanas da era líquida.
Agamben (2009) define:
A contemporaneidade, portanto, é a singular relação com o próprio tempo, que adere
a este e, ao mesmo tempo, dele toma distância; mais precisamente, essa é a relação
com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles
que coincidem muito plenamente com época, que em todos os aspectos a esta aderem
perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem
vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2009, p. 59)

Neste sentido, o contemporâneo, tem como característica um presente que nunca pode
nos alcançar. Ser contemporâneo significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no
escuro de uma época, mas também perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós,
distancia-se infinitamente de nós (AGAMBEN, 2009, p. 65).
Einstein defende que “a arte, mais do que a ciência, pode desejar e esforçar-se por atingir
o aperfeiçoamento moral e estético (EINSTEIN, 2016, p. 23).
A escola de Frankfurt foi um movimento de contemporâneos. Tentavam restaurar uma
teoria social capaz de interpretar as grandes mudanças sociais que ocorriam no início do século.
Walter Benjamin (primeira geração da escola), por exemplo, foi um estudioso da arte e dos
movimentos que ela proporciona no seio social.

5
https://www.escolahenriquemedina.org/bibdigital/download/1733/O%20Conto%20da%20Ilha%20Desconhecid
a%20-%20Jose%20Saramago.pdf
280

Obras literárias como “Ensaios sobre a cegueira”, se Saramago, conseguem muito bem,
retratar as angustias de nosso tempo. Um tempo de excesso de informação, de muita clareza, de
verdades puras, apocalípticas, que se solidificam e, em um piscar de olhos, se esvaem no ar
(claridade em excesso, cega. Esse é um dos ensinamentos da obra).
Outras tantas obras literárias também nos são cruciais para entender nosso tempo: “O
médico e o monstro”, de Louis Stevenson; “O alienista”, de Machado de Assis; “A revolução
dos bicho” e “1984”, de George Orwell; “Memórias do subsolo”, “Crime e Castigo”, “Os
irmão Karamazov”, de Dostoiévski; “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarden; dentre outros.
René Girard foi um dos pensadores que descobriu e descortinou a potência do
pensamento literário. Da literatura, pode extrair a hipótese do desejo mimético (égide do
pensamento girardiano). “No arco temporal entre Cervantes e Proust, a recorrência de um
mesmo dado representou o elemento catalisador [...] e levou à formulação da teoria mimética”
(GIRARD, 2009, p.15). É como se os mais importantes escritores tivessem refletido sobre a
mesma e fundamental distinção (GIRARD, 2009).
O aprimorar da “descoberta literária” abriu as portas para o desenvolvimento da sua
teoria, que tem o desejo humano como fruto da presença de um mediador, ou seja, o desejo é
sempre mimético (GIRARD, 2009).
O desenvolvimento da concepção de Girard deságua em inúmeras frentes e, é hoje,
amplamente usado e capitaneado pelo marketing. Girard certamente não queria isso, procurava
demonstrar o quão nosso desejo não é autônomo e, se essa informação, fosse transferida para
as pessoas, se pudéssemos torná-la acessível, talvez, essa não fosse uma das “armas
publicitárias”. Se fôssemos conhecedores de sua teoria, os efeitos poderiam ser sentidos,
inclusive, no fenômeno complexo da violência (que assola nosso país).
Girard vem falar, com base na literatura dos romancistas, em mentira romântica e
verdade romanesca (título de uma das suas obras). Naquela, os sujeitos se relacionam
espontânea e diretamente, nesta, os sujeitos desejam através da imitação de modelos. E foi
através da leitura de romances que Girard identificou zonas sombrias no processo mimético,
que muito fala sobre a nossa sociedade e as violências praticadas em nossas ações cotidianas.
Para finalizarmos a nossa leitura sobre a potência que a arte nos empresta, nos cede, nos
proporciona, adentrando em uma contextualização cultural nossa, brasileira, já retratada por
inúmeros autores nacionais, como Jessé Souza, Chauí, etc., trazemos mais um exemplo da
construção girardiana, que baseada em textos shakesperianos, nos mostra um pouco da origem
281

do que alguns chamam de “complexo de vira-lata”, da origem do mito da “sociedade não-


violenta”, etc.
Vejamos:

Uma parte considerável das idéias que fazemos de nos mesmos, e que acreditamos
serem “genuínas” do Brasil bem brasileiro, na verdade foram propostas pelo olhar
estrangeiro, que assimilamos como se fosse nosso. Um exemplo? Dois ou três. O mito
da miscigenação como a verdadeira contribuição brasileira à civilização moderna foi
sistematizado por um alemão – Karl Friedrich Philipp Von Martius. O projeto de
representação da natureza tropical como a marca distintiva da literatura romântica
tupiniquim foi ideado por um francês – Ferdinand Denis. A fundação da mais
importante universidade brasileira, a Universidade de São Paulo, criada em 1934, teve
suas bases lançadas através de uma mítica missão francesa – cuja maior contribuição
foi a de voltar os olhos dos alunos à realidade brasileira. (GIRARD, 2009, p. 23)

Ao fim dessa citação, temos uma importante nota de rodapé (nota 11) que trago-lhes na
íntegra:

Recorde-se, nesse sentido, a observação de Antônio Candido, recordando os anos


iniciais da Universidade de São Paulo e o saldo positivo da missão francesa: “(...) para
os professores brasileiros, o chic era conhecer a Europa. Davam aulas falando sobre a
França, a Inglaterra, citando línguas estrangeiras, nos puxavam para fora. Os
professores estrangeiros, falando francês, nos puxavam para dentro 6. (GIRARD,
2009, p. 23)

O que mudou? O quanto evoluímos? Que armas usamos para traçar nossa percepção
científica? Com quais olhos nos olhamos, os nossos ou os dos outros? A grande sacada de
Girard nos textos shakesperianos foi perceber que, muitas vezes, necessitamos de uma
autoridade externa para validar e sustentar nossas afirmações. Inclusive, as mais banais.
Os olhos shakesperianos, emprestados por Girard, pode nos possibilitar uma
compreensão renovada da cultura brasileira. Eis, aí, toda a potência que a arte tem a nos ofertar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS – UM DESFECHO SEM FECHAMENTO

Podemos ainda contextualizar de outras formas, ligando, por exemplo, a descoberta de


Girard, a várias outras, inclusive, aquelas das “ciências duras”. Assim, poderíamos trazer as
referências positivas de um dos descobridores dos chamados “neurônios-espelho” (um
considerável avanço da neurociência), o Vittorio Gallese, que fez referências positivas à teoria
mimética (GIRARD, 2010).

6
Sônia Maria de Freitas. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993, p. 40.
282

Poderíamos, também, tecer informações e reflexões relacionadas às outras múltiplas


possibilidades das artes como campo de saber, quais sejam: às relacionadas ao encontro de
evidência “direta”, ensinando o pesquisador/investigador a decodificar vestígios, “o que mais
tarde o historiador italiano Carlo Ginzburg denominaria de “paradigma indiciário” (GIRARD,
2010, p. 14); poderíamos, ainda, falar na valorização do potencial cognitivo da “evidência
circunstancial” de Arthur Maurice Hocart (GIRARD, 2010); ou mesmo na teoria das
assinaturas, discutida por Agamben em Signatura Rerum (2019), que explica que uma coisa
pode mudar sua função na sociedade a depender da assinatura que ela carrega, inserindo
algumas questões em novas redes paradigmáticas, tornando efetivos e falantes, signos mudos
da criação (artística, por que não?).
Assim, a riqueza de percepção, os múltiplos significados, as formas de criação, o
produto materializado, as leituras próprias e profundas (Girard driblou alguns obstáculos das
formas descritas acima criando um método comparativo próprio com o texto literário),
conduzem a arte para um local de destaque no que concerne ao saber das Ciências Sociais e
Humanas.
João Cesar de Castro Rocha, em A dupla face da unidade, texto que abre a obra
girardiana “Dostoiévski: do duplo à unidade”, diz:

Com base nas obsessões, isto é, nos temas recorrentes e nos procedimentos
estruturadores da obra de determinado autor, Girard associa organicamente vida e
literatura. Tudo se passa como se esta elaborasse as questões daquela e, por sua vez,
a experiência fosse revista à luz da escrita (GIRARD, 2010, p. 15).

Já Bauman (1925 – 2017), recorre a fala do herói Desmond Bates, o qual descreve como
“um homem de muitas fraquezas, mas um linguista de conhecimento e percepção antes
impecáveis tanto da língua quanto da fala” (BAUMAN, 2020, p. 22):

Sistema de direito consiste em discurso. A diplomacia consiste em discurso. As


crenças do grande mundo religioso consistem em discurso. E em um mundo de
capacidade crescente de ler e escrever e de multiplicação de mídias de comunicação
verbal – rádio, televisão, internet, propaganda, embalagens, assim como revistas e
jornais -, o discurso passou cada vez mais a dominar até os aspectos não verbais de
nossas vidas.

Retomamos, então, as reflexões iniciais: Quais discursos têm constituído o povo


brasileiro? Bauman (2020, p. 22) analisa que “discurso é aquilo que nos faz enquanto nós o
fazemos”.
283

Sugere ainda que:

A experiência humana chega às mesas de trabalho de escritores e sociólogos


igualmente sob forma pré-interpretada. Tanto a literatura quanto a sociologia são
exercícios de “hermenêutica secundária” – reinterpretação do já interpretado. Ambas,
consequentemente, precisam se engajar na busca das costuras ocultas ao longo das
quais as cortinas de interpretação possam ser rasgadas, e nenhuma das duas consegue
deixar de revelar novas cortinas ocultas por trás daquelas que estão desmantelando.
Elas são, sem dúvidas, como você sugere, “duas irmãs”. Eu daria um passo a mais e
sugeriria que a literatura e a sociologia não são apenas irmãs comuns, mas gêmeas
siamesas – gêmeas siamesas tais que, por compartilharem seus órgãos de alimentação
e digestão, são cirurgicamente inseparáveis. Como irmãs, nós nos inclinamos a nos
engajar em rivalidades fraternais; como siamesas, contudo, nós somos obrigados a
parar muito antes de separar nossos caminhos e estamos condenados a compartilhar
os mesmos empreendimentos e a coordenar nossos movimentos (BAUMAN, 2020, p.
24 e 25).

Ainda seguindo o movimento de reflexão inicial desenvolvido no começo do texto,


trazemos mais uma passagem da mesma obra, onde Bauman cita o artigo “We should not take
freedom for granted”, da professora do Curso de Políticas Públicas na Universidade de
Queensland, Katharine Gelber, que diz:

Num nível muito geral, os australianos dizem acreditar que a liberdade de expressão
é importante, e eles acreditam que nós temos liberdade de expressão. Quando você
arranha a superfície, o consenso se fratura, com relativa facilidade. As pessoas têm
uma propensão a violar os direitos de livre expressão onde eles são importantes – no
exercício real das disputas políticas e comunitárias. Há numerosos exemplos disso
(BAUMAN, 2020, p. 28).

Essas violações se dão de inúmeras formas no contexto brasileiro. Sejam pelos discursos
de ódio, pelas práticas literais de violência ou mesmo pelas Ações Judiciais estratégicas, de
governos e/ou corporações, contra a participação pública - e que, por vezes, atinge a ciência –
protocolando ações judiciais onde cobram cifras altíssimas de membros que militam e ou
pesquisadores, calando-os – em uma luta desigual, onde grupos que dispõe de tempo, estrutura
e dinheiro, massacram grupos vulneráveis ao poder político e institucional. Nesse ponto, a arte
como campo de saber, também pode ser importante instrumento de resistência e transformação,
identificando e combatendo violências simbólicas em prol de uma coletividade que pode
acessar livremente suas proposituras.
Competências, sensibilidade, imaginação/pensamento, emoções, razões práticas,
sociabilidade, habilidade em associações, são alguns dos instrumentos que dispõe a arte para
auxiliar o pesquisador em Ciências Sociais e Humanas.
284

Como dito, não visamos trazer respostas, revolucionar, renegar valores e preceitos
científicos, causar abruptamente rupturas de paradigmas, pretendemos, diga-se de passagem,
levantar reflexões críticas pertinentes que, futuramente, podem compor um caminho, uma
margem criativa de acesso ao vasto campo de saber em Ciências Sociais e Humanas. Somos rio
perene.
O reconhecimento da participação humana e do posicionamento social, da representação
social, da ideologia, entre outras, na interpretação da realidade, problematiza de maneira
perspicaz a relação entre sujeito e objeto, definindo o conhecimento como um processo, e não
como uma fotografia (DEMO, 1987).
Sensíveis aos mais diversos campos de saberes e as mais complexas perspectivas do
social, propomos a arte, como campo de instrumentalização do saber científico em Ciências
Sociais e Humanas, abrindo novas perspectivas para se pensar emergências do social,
especialmente, características da violenta sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

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Horizonte: Autêntica Editora, 2017.

AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Tradução, notas e posfácio de Cláudio


Oliveira. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Tradução Vinícius


NicastroHonesko. Chapecó: Argos, 2009.

AGAMBEN, Giorgio. SignaturaRerum – sobre o método.Tradução de Andrea Santurbano e


PatriciaPeterle. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:


Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. O elogio da literatura/ZygmuntBauman, Riccardo Mazzeo. Tradução


Renato Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

CHAUÍ, Marilena. Democracia e sociedade autoritária. Comunicação & informação, v. 15,


n. 2, p. 149-161, jul/dez, 2012.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1987.

EINSTEIN, Albert. Como vejo o mundo. Tradução H. P. de Almeida. [ed. Especial] – Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2016.
285

GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. Tradução Martha Conceição Gambini; revisão


técnica Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista,
1990.

GIRARD, René. Dostoiévski: do duplo à unidade. Tradução Roberto Mallet. São Paulo: É
realizações, 2011.

GIRARD, René. Mentira Romântica e Verdade Romanesca. Tradução Lilia Ledon da


Silva. São Paulo: É realizações, 2009.

JUNG, Carl Gustav, 1875-1961. Aspectos do Drama Contemporâneo. Tradução de Lucia


M. E. Orth; revisão técnica Jette Bonaventure. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2012.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2008.

TODOROV, Tzvetan. A beleza salvará o mundo: Wilde, Rilke e Tsvetaeva: os aventureiros


do absoluto.Tradução Caio Meira. Rio de Janeiro: DIFEL, 2011.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch, 1896-1934. Psicologia da arte. Tradução Paulo Bezerra.


São Pulo: Martins Fontes, 1999.
286

A ATUAÇÃO DO PEDAGOGO NA AVALIAÇÃO NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO


NÃO ESCOLAR: NARRATIVA DE EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA PROFISSIONAL

José Tales de Oliveira Clemente 1


Leidiane Fernandes de Souza Araújo2
Glícia Rafaella Tavares Oliveira3
Alessandro Teixeira Nóbrega4

RESUMO

A temática do trabalho é: a atuação do pedagogo na avaliação nos espaços de Educação não


escolar: narrativa de experiência da prática profissional. O trabalho visa, conhecer a atuação do
Pedagogo na Educação não escolar, especialmente na Educação Profissional, bem como refletir
sobre o relato de experiência da prática profissional em um dos espaços de Educação não
escolar. O trabalho tem como problemática: Qual atuação do Pedagogo na avaliação de
Educação não escolar, em especial na Educação Profissional? Quais as contribuições das
experiências da prática profissional? O trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica, de
natureza qualitativa, por livros, artigos e leis oficiais. A fundamentação teórica baseou-se por
autores: Libâneo (2010), Maciel (2020), Severo (2015) e dentre outros. A partir da pesquisa foi
possível conceber que pedagogo atua auxiliando o aprendiz, buscando estratégias e
metodologias para uma aprendizagem significativa, pois o desempenho deste irá interferir
diretamente no processo de avaliação. O pedagogo procura informações e dados para subsidiar
o processo de avaliação. As ações são reflexivas, intencionais e críticas. A avaliação considera
todo crescimento do aluno seja em agregar novas habilidades/competências, bem como
constatar possíveis desvios. A pesquisa foi fundamental para conhecer desde os parâmetros da
Educação a consolidação da Educação não escolar. Além disso, a importância da discussão
acerca da avaliação e a ação do Pedagogo no âmbito da Educação Profissional, bem como
reflexões da narrativa de experiências na formação e avaliação de jovens aprendizes.
Palavras-chave: Educação não escolar, Avaliação, Pedagogo.

ABSTRACT

1
Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pós-graduado em
Agronegócio e Pós-graduando em Psicopedagogia e Educação Especial pela Faculdade Integrada Instituto Souza.
talesmessioliver@gmail.com
2
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pós-graduada em Gestão
Estratégica de Pessoas e Liderança Organizacional pela Faculdade Vale do Jaguaribe - FVJ. Bacharelanda em
Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN leidiane.defernandes@gmail.com
3
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pós-graduada em Gestão
Estratégica de Pessoas e Liderança Organizacional pela Faculdade Vale do Jaguaribe - FVJ. Bacharelanda em
Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte -FCRN gliciarafaellat@gmail.com
4
Graduado em Licenciatura em Sociologia do 2º grau e Bacharel em Ciência Política (1996), Especialista em
Historiografia Colonial do Brasil (1998), Mestrado em História (2007) e Doutorado em Ciências Sociais (2011)
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pesquisador do Grupo de Pesquisa Educação e
Linguagens (GEPEL/UERN), fundamentando-se em Gaston Bachelard, na Linha de Pesquisa Ciência, Arte e
Literatura. Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) desde 1998.
alessandronobrega@uern.br
287

The theme of the work is: The role of the pedagogue in the evaluation in non-school education
spaces: narrative of experience of professional practice. The work aims to know the role of the
Pedagogue in non-school Education, especially in Professional Education, as well as to reflect
on the experience report of professional practice in one of the non-school Education spaces.
The work has as a problem: What is the role of the Pedagogue in the evaluation of non-school
Education, especially in professional education? What are the contributions of professional
practice experiences? The work used bibliographic research, of a qualitative nature, by books,
articles and official laws. The theoretical foundation was based on authors: Libâneo (2010),
Maciel (2020), Severo (2015) and among others. From the research it was possible to conceive
that the pedagogue works helping the learner, seeking strategies and methodologies for a
meaningful learning, because the performance of this will directly interfere in the evaluation
process. The pedagogue seeks information and data to support the evaluation process. Actions
are reflexive, intentional, and critical. The evaluation considers all student growth, whether in
adding new skills/competencies, as well as detecting possible deviations. The research was
fundamental to know from the parameters of education the consolidation of non-school
education. In addition, the importance of the discussion about the evaluation and the action of
the Pedagogue in the scope of professional education, as well as reflections of the narrative of
experiences in the formation and evaluation of young apprentices.
Keywords: Non-school education. Evaluation. Pedagogue.

1 INTRODUÇÃO

A temática da pesquisa é: A atuação do pedagogo na avaliação nos espaços de Educação


não escolar: narrativa de experiência da prática profissional. O assunto está dentro do contexto
que remete a conhecer a atuação do Pedagogo no aspecto da avaliação nos espaços de Educação
não escolar e refletir sobre a prática profissional nesse ambiente a partir da narrativa de
experiência.
O trabalho tem como objetivos, conhecer a atuação do Pedagogo na Educação não
escolar, especialmente na Educação Profissional, bem como refletir sobre o relato de
experiência da prática profissional em um dos espaços de Educação não escolar. Nesse sentido,
o devido estudo tem como problemática: Qual atuação do Pedagogo na avaliação de Educação
não escolar, em especial na Educação Profissional? Quais as contribuições das experiências da
prática profissional?
Posto isto, existem diversos espaços de Educação, de aprendizagem e contribuem
diretamente para a formação do indivíduo. Um desses espaços que acontece o processo de
Educação estão fora da escola, ou seja, a Educação não escolar. A Educação não escolar é uma
gama diversificada, sendo uma demanda social e importante para sociedade. Tornando-se cada
vez mais necessário conhecer e aprofundar os conhecimentos acerca desse espaço.
288

A Educação não escolar está relacionada à Educação em diversos espaços: na área


Profissional, na empresa, hospital, penitenciária, religiosa e dentre outras. Esses diversos
espaços são indispensáveis para que a Educação prossiga na vida das pessoas, seja com intuito
de dar continuidade à Educação escolar ou para aprimorar a formação teórica e profissional dos
indivíduos. O aspecto da avaliação de desempenho na escola é periódica, existem provas e
boletins, mas no espaço não escolar como é desenvolvido? O trabalho irá discutir acerca da
avaliação no âmbito não escolar.
Além disso, o relato de experiência possibilita refletir sobre as vivências e suas
contribuições na formação do próprio indivíduo. Podendo partilhar das experiências práticas
profissionais e agregar a partir do relato, os aprendizados significativos para o desenvolvimento
profissional e acadêmico.
A metodologia utilizada nesta pesquisa foi a bibliográfica, de natureza qualitativa. O
trabalho baseou-se em teses, livros, artigos e trabalhos acadêmicos oficiais publicados. A
temática possui uma relação significativa com a literatura científica disponível, pois direciona
suas inquietações a partir das narrativas e memórias, experiências e vivências dos sujeitos.

2 DAS RAÍZES DA EDUCAÇÃO A EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR

A Educação em uma perspectiva ampla possibilita percebê-la em diversos espaços. Em


várias instâncias surge a necessidade de processos de instrução e mediação, seja de saberes ou
modos de ação. (LIBÂNEO, 2010, p. 26). Nessa conjuntura, a Educação é indispensável e
continua. O antropólogo Carlos Brandão (2007, p. 7) elucida que:

[…] Ninguém escapa da Educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um


modo ou de muitos modos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para
aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou
para conviver, todos os dias misturamos a vida com a Educação. […]

A LDB - Lei das diretrizes e bases da Educação Nacional (1996), ratifica de forma sólida
a abrangência da Educação desde os processos formativos na família aos movimentos
sociais. Maciel e Carneiro (2006, p.68) ampliam a discussão afirmando que: “A Educação é
um processo social que ocorre em toda sociedade através de diferentes meios e em distintos
espaços sociais.” Além disso, a Educação é um direito social assegurado para a sociedade.
(BRASIL, 1988).
Nesse sentido, a Educação consolida-se por meio de diferentes formas, desde os
289

processos dentro de sala de aula à utilização de tecnologias digitais, conforme Franco (2008, p.
80): "[...] todas as práticas sociais exercidas, quer pelos diversos meios de comunicação, quer
por diversas instituições culturais, políticas, sociais ou por diferentes agrupamentos, […]
possuem potencial educativo.”
A partir disso, confirma-se que a Educação não se restringe a um espaço ou área,
possibilitando discussões acerca da Educação em suas diversidades. Libâneo (2010, p. 31)
ratifica defendendo que: “[…] o campo educativo é bastante vasto, porque a Educação ocorre
na família, no trabalho, na rua, na fábrica, nos meios de comunicação, na política. […].”
Gohn (2006, p. 28) amplia demarcando os campos de desenvolvimento da Educação:

[…] a Educação formal é aquela desenvolvida nas escolas, com conteúdos


previamente demarcados; a informal como aquela que os indivíduos aprendem
durante seu processo de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc., carregada
de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados: e a Educação
não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de
compartilhamento de experiências, principalmente em espaços e ações coletivos
cotidianas.

Dessa forma, existe a Educação formal, informal e não formal. Os quais cada uma delas
possui sua especificidade, mas ambas têm uma importância crucial na formação cidadã,
profissional e educacional das pessoas. Entretanto, Libâneo (2010, p. 31) faz uma ressalva entre
as três modalidades: “[…] embora distintas, não podem ser consideradas isoladamente.”
Entende-se que apesar das suas diferenças uma não exclui a outra, de forma que a Educação em
todas as suas modalidades se misturam trazendo aprendizados oriundos de diversos espaços.
Mas as práticas formativas além das escolas podem influenciar na formação dos
indivíduos? Segundo Franco (2008, p. 80) argumenta que: “Todos os outros espaços, além da
escola, produzem influências formativas sobre sujeitos, produzem saberes, propõem
comportamentos e valores, estimulam ações e pensamentos. No entanto, nem sempre estão
explícitas as intencionalidades presentes nessas práticas.”
Partindo desse pressuposto, a Educação é ampla, os campos permeiam diversos espaços
sociais. Nessa conjuntura, a Educação não ocorre apenas no ambiente escolar, mas além dela.
Por isso, torna-se indispensável esticar os horizontes acerca da Educação não escolar, o seu
surgimento e possíveis campos que demarcam esse âmbito.
O processo de consolidação de práticas educativas da Educação não escolar, iniciou a
partir da década de 60, conforme Severo (2015, p. 36):
290

[...] especialmente a partir dos anos de 1960, iniciou-se o processo de consolidação de


práticas educativas não escolares institucionalizadas, bem como a expansão e
visibilidade de outras práticas que não se inscrevem diretamente em programa
instrucionais estruturados por instituições e se desenvolvem informalmente em
cenários diversos da sociedade, [...]

Compreende-se a partir do exposto que não teve apenas o avanço da consolidação, mas
também da visibilidade e atenção para as práticas educacionais para os ambientes fora da escola
ou que são desenvolvidos de forma informal. Além disso, a Educação não escolar tem uma
relação com: “[...] Práticas educativas que se desenvolvem fora do marco escolar e que são
delineadas por saberes, contextos, sujeitos e objetivos distintos do projeto escolar, [...]”
(SEVERO, 2015, p. 73). Figueiredo e Filho (2020, p. 286) em concordância confirma essa
concepção conceituando que os espaços conhecidos como Educação não escolar são realizados
fora da sala de aula.
Mas o que diz respeito à conceituação de Educação não escolar? Segundo Severo (2015,
p. 564): “A ENE corresponde a um termo cuja conceituação repousa em uma necessidade
histórica emergente, dado o atual contexto de fortalecimento do caráter estruturado de práticas
educativas para além dos limites da escola.” Posto isso, a Educação não escolar surge
emergente a necessidade histórica e social de “novos” cenários que demandam práticas
formativas.
Na visão de Franco (2008, p. 84): “à medida que nossa sociedade tem diminuído as
fronteiras entre o conhecimento formal e informal, entre espaços escolares e não escolares, urge
a ampliação da tarefa pedagógica sobre os mais diversos ambientes potenciais de aprendizagem
e formação.”
A partir do exposto, entende-se que a Educação não escolar são os espaços que estão
além da margem dos muros das escolas percorrendo diversos ambientes. Segundo Severo
(2015, p. 116) os espaços da Educação não escolar que possui ações pedagógicas são:

Pedagogia Corporativa, Pedagogia Empresarial, Pedagogia Laboral, Pedagogia do


Trabalho, entre outras denominações, Educação Sociocomunitária, envolvendo as
ações de Educação de Adultos, Animação Sociocultural e Educação Especializadas
em diversos aparelhos, incluindo as organizações associativas do Terceiro Setor,
organizações não governamentais e os movimentos sociais, na Educação Hospitalar
[…]
291

Libâneo (2011, p. 89) contribui nessa mesma linha ratificando os espaços de Educação
não escolar como: “[…] a Educação de adultos, a Educação sindical, a Educação profissional,
[…].” Nesse sentido, deve-se refletir a desmistificação que a Educação é apenas na escola,
como também, que os espaços de atuação do Pedagogo são restritas aos ambientes escolares,
pois conforme Libâneo (2011, p. 51): “[…] o campo de atuação do profissional formado em
Pedagogia é tão vasto quanto são as práticas educativas na sociedade.” Desse modo, entende-
se que os espaços de Educação não escolar são amplos e podem ocorrer nas empresas, hospitais,
clínicas ou em instituições sem fins lucrativos.

2.1 ATUAÇÃO DO PEDAGOGO NA AVALIAÇÃO NOS ESPAÇOS DE EDUCAÇÃO NÃO


ESCOLAR: EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Compreendendo a Educação e o processo de consolidação da Educação não escolar,


bem como os diversos espaços sociais que demandam práticas educativas, torna-se necessário
conhecer especialmente a atuação do Pedagogo na Educação Profissional, pois este trabalho
visa conhecer a ação avaliativa pedagógica neste ambiente. A Educação Profissional é um dos
espaços que o Pedagogo pode atuar. Entretanto, como surgiu a Educação Profissional?
A Educação Profissional: “Tem seu surgimento vinculado à ideia da necessidade de
formação e/ou preparação dos Recursos Humanos nas empresas.” (RIBEIRO, 2010, p. 11). A
partir da ótica de Ribeiro (2010), entende-se que se trata de uma necessidade de práticas
formativas em um âmbito fora do marco escolar.
Costa (2011, p. 35) desenvolve afirmando que “É a Educação Profissional, que possui
como objetivo preparar o homem para exercer uma profissão, uma atividade dentro da
empresa.” Nessa perspectiva, a Educação Profissional, não tem apenas seu início vinculado à
necessidade de formação, mas também possui um objetivo muito sólido: preparar pessoas para
realizar suas atribuições em uma instituição corporativa.
Mas como a Pedagogia pode realmente contribuir nesse ambiente? Ribeiro (2010, p.13)
argumenta que: “[…] cabe à Pedagogia a busca de estratégias e metodologias que garantam
uma melhor aprendizagem/apropriação de informações e conhecimentos, tendo sempre como
pano de fundo a realização de ideias e objetivos precisamente definidos.”
Com base em Maciel (2020, p. 44) amplifica-se ação do Pedagogo:
292

Concebe-se pedagogo como o profissional que atua em várias instâncias da prática


educativa, direta ou indiretamente ligadas à organização e aos projetos de transmissão e
assimilação ativa de saberes e modos de ação, tendo em vista os objetivos de formação humana
definidos em sua contextualização histórica.

A partir da concepção exposta, percebe-se que a formação humana tem:“[…] sólida


preparação técnico-científica, integrada a uma base humanista e de cultura geral, […]”.
(MACIEL, 2020, p. 25). Percebe-se que, a base dessa formação é humanística, responsável,
reflexiva, pois é destinada para humanos em diferentes contextos sociais, econômicos e
mentais. O pedagogo não atua em uma perspectiva como na: “[...] concepção do professor
técnico, que se dedica à reprodução e à transmissão de informações e conhecimentos
selecionados e escolhidos por instâncias burocráticas e alheias ao próprio professor. (Franco,
2008, p. 94). De forma alguma, o Pedagogo desde de sua formação atua como: “[…]
profissional crítico e reflexivo, que saiba mediar as diversas relações inerentes à prática
educativa […].” (FRANCO, 2008, p. 110). Mas que outras características tem a atuação do
Pedagogo nesse espaço? O pedagogo na empresa:

Cabe ao Pedagogo empresarial auxiliar o desenvolvimento de instrumentos e a


capacitação quanto à observação sistemática do funcionário, à obtenção de dados e
informações a respeito dos funcionários em termos de seu desempenho, assim como
quanto à proposição de medidas com vistas a corrigir os desvios constatados.
(RIBEIRO, 2011, p. 60)

Mas como são constatados os desempenhos dos colaboradores? Como a avaliação é feita
no espaço de Educação não escolar de Educação Profissional? Ribeiro (2010, p. 137) afirma
que: "A avaliação estabelece um juízo de valor sobre algo realizado, a partir de um
acompanhamento constante de todo o processo desencadeado desde a concepção até a
realização/operacionalização da proposta/projeto.”
Mas esse estabelecimento de juízo de valor está relacionado às provas? Baseando-se em
Libâneo (1994, p. 198): “O mais comum é tomar a avaliação unicamente como ato de aplicar
provas, atribuir notas e classificar os alunos. O professor reduz a avaliação a cobrança daquilo
que o aluno memorizou e usa a nota somente como instrumento de controle.”
A partir dessa visão, deve-se discutir a diferença entre os exames e a avaliação: “Basta
relembrar sucintamente que o ato de examinar se caracteriza, especialmente (ainda que tenha
outras características) pela classificação e pela seletividade do educando, enquanto que o ato de
avaliar se caracteriza pelo seu diagnóstico e pela inclusão.” (LUCKESI, 2014, p. 18). Percebe-
293

se que uma é seletiva e a outra inclusiva, por isso a relevância de se discutir que atuação o
Pedagogo está procedendo na avaliação, especialmente nesta pesquisa: na Educação não
escolar, no âmbito profissional.
Dentro desse cenário, Luckesi (2014) traz uma reflexão da necessidade para “aprender
a avaliar” ampliando a discussão acerca da avaliação e processo de acompanhamento
educacional. Entretanto, o que seria “aprender a avaliar”? Dentro desse cenário, Luckesi (2014,
p. 19) explica que: “[…] Significa aprender os conceitos teóricos sobre avaliação, mas,
concomitante a isso, aprender a praticar a avaliação, traduzindo-a em atos do cotidiano […]”.
A partir dessa contribuição, entende-se que avaliar é processo contínuo, necessitando de um
investimento cotidiano onde cada progressão é válida para o desenvolvimento educacional.
Libâneo (1994, p. 197) expande trazendo uma perspectiva acerca da avaliação
diagnóstica que: “[…] permite identificar progressos e dificuldades dos alunos e a atuação do
professor que, por sua vez, determinam modificações do processo de ensino para melhor
cumprir as exigências dos objetivos.” A avaliação não se trata apenas dos alunos, mas do
professor também, pois: “[…] fornece informações sobre como ele está conduzindo o seu
trabalho: andamento da matéria, adequação de métodos e materiais, comunicação com os
alunos, adequabilidade da sua linguagem etc.” (LIBÂNEO, 1994, p. 197).
Entretanto, torna-se necessário ressaltar que existem alguns equívocos na perspectiva
avaliativo: as extremidades da avaliação apenas quantitativa ou qualitativa. Segundo Libâneo
(1994, p. 199) esses equívocos colocam em oposição às duas em relação à avaliação onde os
professores consideram apenas uma e desconsiderando a outra. Por isso deve considerar que:
“O entendimento correto da avaliação consiste em considerar a relação mútua entre os aspectos
quantitativos e qualitativos.”
Nesse sentido, é de suma importância esse entendimento para todos os profissionais
responsáveis pela mediação de práticas formativas para refletir de forma crítica, porque uma
perspectiva não remete a desconsiderar a outra, pois ambas podem contribuir para o mesmo
fim.

2.2 A EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA PROFISSIONAL EM UMA ENTIDADE DE


FORMAÇÃO PROFISSIONAL
294

A narrativa de experiência recorre ao relato de experiência: “[…] à construção de um


relato de experiência, por meio de métodos descritivos e observacionais, que possibilitam, a
partir das memórias dos aprendizados e vivências. […]” (CHAVES, BARBOSA &
THERRIEN, 2017, n.p.). Partindo dos aprendizados ao longo da história, Souza (2006, p. 27)
elucida

a utilização do termo História de vida corresponde a uma denominação genérica em


formação e em investigação, visto que se revela como pertinente para a
autocompreensão do que somos, das aprendizagens que construímos ao longo da vida,
das nossas experiências e de um processo de conhecimento de si e dos significados
que atribuímos aos diferentes fenômenos que mobilizam e tecem a nossa vida
individual/coletiva.

Partindo dessa conjuntura, as histórias de vida proporciona a investigação não apenas


do que nos tornamos, mas os aprendizados que contribui ao longo da vida, levando em
consideração uma ótica histórica, pois: “[…] tornam-se valiosas, pois elas têm significados
essenciais naquele contexto, bem como nos ajudam a nos conhecermos e refletirmos sobre nós
mesmos.” (CLEMENTE, 2021, p. 42).
A experiência tratada nessa pesquisa é sobre a prática profissional em espaço de
Educação não escolar, em uma instituição de formação profissional de jovens aprendizes. Quais
as características desses jovens? De acordo com Costa (2011, p. 76):

Jovem Aprendiz é aquele contratado diretamente pelo empregador ou por intermédio


de entidades sem fins lucrativos; que tenha entre 14 e 24 anos; esteja matriculado e
frequentando a escola, caso não tenha concluído ainda o Ensino fundamental; e esteja
em curso ou programa de aprendizagem desenvolvidos por instituições de
aprendizagem.

Posto isso, compreende-se o público da formação técnico-profissional do Programa de


Aprendizagem, com base legal na Lei nº 10.097 e o Estatuto da Criança e do Adolescente –
Eca, Lei nº 8.069, o espaço não escolar é espaço de integração e multiplicação de saberes. Além
dos muros das salas de aulas tradicionais, ele tem características que aproximam a todos,
acolhendo suas diferenças e potencializando os diversos saberes. Assim, o espaço não-escolar
amplia as normas estabelecidas no processo avaliativo tradicional, apresentando um processo
mais qualitativo sobre o aspecto quantitativo.
Em sala de capacitação de ensino técnico-profissional, onde a faixa etária de educando
norteia-se de 14 anos a 24 anos, e que o ensino tradicional não poderia apenas ser repassado,
295

ocorrendo assim uma multiplicidade de conhecimentos, mas de desafios por parte do professor.
Nestes espaços a função do profissional da educação é ser mediador dos diversos
conhecimentos, facilitando a troca de experiências e atingindo ao mesmo tempo a
interdisciplinaridade dos vários aprendizados existentes.
A diversidade de pensamentos, conhecimentos e estratégias, não são vista apenas como
conteúdo a serem depositados e posteriormente diagnosticados através de avaliação tradicional,
pois mostra que o processo de ensino aprendizagem pode ser verificado de maneira qualitativa
em avaliação formativa, preocupando com todo o processo e com o sujeito deste processo.
Nesse raciocínio, os alunos não são bancos de depósitos a receber o conhecimento de forma
passiva e sem reflexão. (FREIRE, 1977).
Rodas de conversas, temas norteadores, exercícios que sejam pertinentes a realidade do
aluno são apresentados e discutidos. Sua constante participação, curiosidade e responsabilidade
geram neste indivíduo o crescimento ou não de sua trajetória. O professor passa a avaliá-lo de
forma geral, não apenas por notas e aplicação de instrumentos quantitativos - provas, testes e
testes orais - o processo é extenso e contínuo desde a sua chegada até sua finalização de contrato
especial de Aprendizagem.
A preparação vai além do ensino formal, ela conta com a marcação dos mais variados
ambientes que o jovem está inserido, e a partir deles que o professor do espaço não escolar
poderá trabalhar o processo de desenvolvimento e ensino-aprendizagem levando não só em
consideração os aspectos formais, como mencionados acima, mas a história de vida de cada um
deles.
Assim, a jornada avaliativa do profissional do espaço não escolar, vai além do
diagnóstico na atribuição de notas. O professor é em todo o tempo o mediador dos saberes que
estão sendo construídos e observador dos processos comportamentais, onde é apresentado na
avaliação por competências e habilidades.
Essa avaliação por competência e habilidade, verifica pontos cruciais, a saber:
comprometimento, comunicação, conduta ética, assiduidade e flexibilidade. Estes pontos serão
construídos em conjunto entre professor e o aluno, como também o aprendiz irá avaliar as
competências e habilidades do profissional. Seria para o espaço não escolar a avaliação 360º ou
a avaliação compartilhada, onde o objetivo é a melhoria de todos os envolvidos no processo.
É substancial pensar sobre os aspectos acerca da sua prática profissional, em especial
nesta pesquisa sobre o aspecto avaliativo do professor na formação profissional, pois o seu
296

trabalho seria objeto investigativo, de melhoria e de reflexão, conforme Libâneo (2011, p. 84)
“A ideia é de que o professor possa “pensar” sua prática, ou em outros termos, que o professor
desenvolva a capacidade reflexiva sobre sua própria prática. Tal capacidade implicaria por parte
do professor uma intencionalidade e uma reflexão sobre seu trabalho.”
Diante de uma proposta de aprendizagem que vai além do espaço escolar (salas de aula),
também se faz necessário pensar sobre sugestões relacionadas ao processo avaliativo dos
aprendentes que se encontram nos mais diversos espaços de aprendizagem. Sair do método
tradicional de avaliação, onde há a ministração de conteúdos e posteriormente aplicação de
provas avaliativas para medir o nível de conhecimento dos alunos, ainda é pouco aplicável no
espaço escolar, porém, já nos espaços não escolares, podemos perceber que o processo
avaliativo vem se configurando como um modelo de avaliação mais qualitativa do que mesmo
quantitativa.
A avaliação do desenvolvimento de habilidades e competências dos jovens aprendizes
estão sendo cada vez mais evidenciadas, principalmente em ambientes técnicos-
profissionalizantes, a fim de preparar de fato o indivíduo em questão para o mercado formal de
trabalho. Nesse modelo de avaliação, o desenvolvimento do sujeito é observado de forma
contínua, e, assim, o mediador, facilitador ou instrutor, consegue enxergar a evolução do
aprendente que se encontra no processo de aprendizagem, diferentemente da avaliação
quantitativa, onde se dá mais ênfase as notas que são obtidas através da aplicação de provas.
Durante o desenvolvimento dessas habilidades e competências, o aprendiz também
consegue perceber sua capacidade de desenvolver a escrita, a fala, o pensamento de forma mais
lógica e a interação com outras pessoas de diversas culturas e saberes, fazendo com que ele faça
reflexões sobre quem ele é/era e como esse processo de ensino-aprendizagem se faz presente
em sua vida, trazendo uma autoconfiança e melhorando as relações de trabalho e vida pessoal,
inclusive melhorando a sua autoestima. Nesse modelo de avaliação, também é permitido que
sempre que identificada uma habilidade ou competência, o instrutor, mediador ou facilitador
possa juntamente com o aprendente trabalhar estratégias para potencializá-las assim como
também ao identificar pontos que possam ser melhorados, construir um planejamento que possa
facilitar o desenvolvimento desses aspectos, trazendo um benefício substancial para a
aprendizagem desse aluno.
Ao final de toda essa trajetória, o sujeito se torna capaz de perceber e reconhecer todo o
seu processo evolutivo, fazendo então com que ele ganhe mais confiança, podendo então
297

mostrar seu diferencial competitivo e potencial no mercado de trabalho, produzindo assim uma
carreira profissional mais sólida e criando mais expectativas de futuro.
Nesse sentido, a avaliação na formação profissional não diz respeito ao conteúdo das
áreas do conhecimento Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, mas sim, de habilidades e
competências como: comprometimento, comunicação, conduta ética, assiduidade, autonomia e
flexibilidade. Apesar que a avaliação não seja propriamente das áreas dos conhecimentos, mas
os conhecimentos de português, raciocínio lógico e as demais estão presentes de forma
interdisciplinar respingando nos diversos assuntos profissionais, pois o jovem aprendiz que
trabalha no setor administrativo precisará de noções básicas das regra gramatical para elaborar
textos no envio de e-mails, realização de relatórios, registro de informações e dentre outros. O
aprendiz terá que aprender noções básicas de cálculo para compreender de forma geral os
conhecimentos acerca dos direitos trabalhistas que abrange porcentagem, regra de três,
multiplicação, subtração e dentre outros em relação aos descontos e proventos no seu
contracheque.
Além disso, aprendizes chegam tímidos, inseguros, com dificuldades na comunicação e
o instrutor na avaliação constata o fato, buscando com o aprendiz a construção da superação
dos obstáculos. Portanto, no final do contrato especial é perceptível as mudanças nos diversos
aspectos pontuados durante todo contrato que varia de um a até dois anos. Muitos dos
aprendizes que finalizam o contrato com período posterior retornam a unidade de formação
para rever os instrutores para agradecer, partilhar do sucesso, das experiências e incentivar os
outros jovens na carreira profissional. Alguns após o contrato são efetivados na empresa, outros
alcançam cargos de supervisores de loja, gerentes, analistas e tutores de outros aprendizes na
empresa.

3 METODOLOGIA

O trabalho foi conduzido a partir da escolha do tema, aspecto esse que segundo Gil
(2002, p.60) é uma das etapas do processo de pesquisa, mas não é uma tarefa, partindo do
pressuposto que: “No entanto, a escolha de um tema que de fato possibilite a realização de uma
pesquisa bibliográfica requer bastante energia e habilidade do pesquisador.”
Nesse sentido, o trabalho utilizou-se da pesquisa bibliográfica, segundo Severino (2007,
p. 106):
298

A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro


disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como
livros, artigos, teses etc. Utiliza-se de dados ou de categorias teóricas já trabalhados
por outros pesquisadores e devidamente registrados.

Desse modo, a pesquisa baseou-se nos diversos trabalhos disponíveis e publicados


oficialmente para fundamentar as discussões, bem como os resultados obtidos. Este tipo de
pesquisa possibilita um vasto campo para a investigação da temática, com base em Gil (2002,
p. 45): “A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente.”
Além disso, a pesquisa é de natureza qualitativa, conforme Minayo (2002, p. 21): “A
pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências
sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado.” Nesse sentido, este trabalho
também irá abordar o relato de experiência em uma perspectiva de narrativa de experiência,
com base nas vivências, na prática profissional.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados obtidos na investigação foram de extrema importância para análise e reflexão


a partir das contribuições da fundamentação teórica e narrativa de experiência. A partir do
trabalho foi possível discutir acerca da Educação, compreendendo que ela é vasta, ampla e pode
acontecer em diversos espaços sociais como: escola, igreja, hospitais, trabalho e dentre outros
espaços que demandam práticas formativas.
Além disso, pode-se discutir as características da Educação formal, informal ou não
formal. Apesar de suas diferenças, elas possuem uma responsabilidade significativa para
contribuir na formação do indivíduo, bem como não necessitando isolar uma da outra ou
desvalorizar a partir de sua formalização, ou estruturação.
Compreendo que a Educação não se restringe à escola ou a um determinado espaço, o
trabalho possibilitou reflexões para o conhecimento da Educação não escolar. A Educação não
escolar diz respeito às práticas formativas fora dos limites estruturais da escola e sua
consolidação iniciou-se em meados da década de sessenta. Surge com uma visibilidade
299

demarcada a partir de uma necessidade histórica emergente ligada aos movimentos sociais,
Educação de adultos e dentre outros aspectos ou espaços.
Além disso, a pesquisa colaborou para o aprofundamento da atuação do Pedagogo na
Educação Profissional e a respeito da avaliação neste espaço. A ação do Pedagogo nesse
ambiente surge a partir da necessidade de formação profissional e com objetivo de preparar as
pessoas para o trabalho, no exercício de suas atribuições nos diversos segmentos do mercado
trabalhista.
O Pedagogo atua de forma substancial nesse ambiente, na formação dos aprendizes e
colaboradores do quadro funcional da empresa. Esta formação é técnico-científica com base
humanista. O pedagogo contribui no auxílio e desenvolvimento de habilidades e competências.
Atua buscando estratégias e metodologias para garantir que possa possibilitar uma melhor
aprendizagem, seja em um treinamento a um projeto com objetivos definidos.
A atuação do Pedagogo no ambiente empresarial não é enrijecida, mas sim, reflexiva,
intencional e crítica. Busca informações e dados do desempenho do aluno para fornecer
subsídios para avaliação, bem como perceber possíveis desvios constatados. Mas de que forma
é realizada essa avaliação? Aplicar provas e questionários, conforme os conteúdos passados em
sala?
A investigação discutiu acerca da avaliação sendo um assunto primordial para
pedagogos e todos aqueles responsáveis direta e indiretamente no desempenho dos alunos. A
avaliação vai além de aplicar apenas provas e questionários, pois essa atribuição está bastante
ligada ao profissional examinador. Os exames são seletivos, classificatório e excludentes.
Portanto, a perspectiva do avaliador é considerável, pois é diagnóstica, inclusiva e que
possibilita apreciação de todo progresso, de forma contínua. Entretanto, ressalta-se que os
aspectos quantitativos e qualitativos contribuem quando alinhados ao melhor desempenho do
aprendiz. Além disso, pode-se desmistificar que deve utilizar um e desvalorizar o outro, onde
ambos podem se complementar de forma a proporcionar estratégias de acordo com as
especificidades das turmas.
Na narrativa foi possível abordar a atuação do Pedagogo no ambiente profissional e
explicar como se dá o processo avaliativo. Discutiu acerca das especificidades da ação
pedagógica nesse âmbito, quais os conteúdos trabalhados na oficina e quais as características
do processo de avaliação na Educação não escolar, especialmente na Educação Profissional.
Pode-se perceber o quanto é significativo a contribuição do Pedagogo na formação e avaliação
300

dos jovens aprendizes, bem como perceber a importância da formação de aprendizes e as


possibilidades que a Educação Profissional pode proporcionar na ascensão na vida profissional
de jovens e adolescentes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa visa conhecer a atuação do Pedagogo na Educação não escolar,


especialmente na Educação Profissional, bem como refletir sobre o relato de experiência da
prática profissional em um dos espaços de Educação não escolar. A investigação teve como
problemática: Qual atuação do Pedagogo na avaliação de Educação não escolar, em especial na
Educação Profissional? Quais as contribuições das experiências da prática profissional?
O pedagogo atua auxiliando o aprendiz buscando estratégias e metodologias para uma
aprendizagem significativa, pois o desempenho deste irá interferir diretamente no processo de
avaliação. O pedagogo busca informações e dados para subsidiar o processo de avaliação. As
ações são reflexivas, intencionais e críticas. A avaliação leva em consideração todo crescimento
do aluno seja em agregar novas habilidades e competências, bem como constatar possíveis
desvios. Logo, não há uma fórmula concreta e fechada acerca da atuação do pedagogo na
avaliação dentro do espaço profissional.
Portanto, a partir das reflexões da narrativa de experiências no espaço de formação de
jovens aprendizes foi concebido que o processo avaliativo tem se caracterizado pela avaliação
qualitativa e relacionada às habilidades, bem como às competências que são substâncias para
os jovens no mercado de trabalho.
Além disso, os conteúdos trabalhados em sala não são da área do conhecimento como:
Português, Geografia, Ciências e sim, assuntos como: ética, comunicação, postura e
comportamento profissional e dentre outras. Entretanto, apesar de os conteúdos não serem da
área do conhecimento, podem ser trabalhados de forma interdisciplinar com diversos assuntos.
Foi possível concluir que no que diz respeito a avaliação, no espaço de formação de
aprendizes, não são aplicadas provas para dar notas aos alunos. A avaliação é contínua, onde
são considerados as habilidades e competências elencados na avaliação e partir disso perceber
as ações cotidianas dos aprendizes nas atividades individuais e coletivas. Todas as informações
observadas e obtidas em sala irão subsidiar o processo avaliativo. Logo, a atuação do Pedagogo
é indispensável desde a integração do início da capacitação teórica à avaliação. A ação do
301

Pedagogo na avaliação é diversa, conduzindo o processo avaliativo a partir de várias ações no


rol de atividades considerando a perspectiva contínua e qualitativa. Logo, a narrativa de
experiências e aprendizados foram substanciais para agregar conhecimentos, bem como
perceber as contribuições do relato de experiência para valorizar as vivências ao longo da
história de vida.

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303

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO: A AUSÊNCIA DA AFETIVIDADE ENTRE


PROFESSORES E EDUCANDOS NO CONTEXTO DA PANDEMIA DE 2020

José Roberto Da Silva1

RESUMO

A pandemia de 2020 lançou o mundo inteiro em uma crise sanitária que remodelou as
estratégias da sociedade para continuar o seu cotidiano. E a educação também sentiu o impacto
dessas mudanças utilizando a tecnologia e conhecimento para continuar seu projeto de educar
e divulgar o conhecimento, dito, cientifico. Assim, procuramos analisar a complexa interação
social entre professores e famílias e como a grande imprensa abordou essa relação.
Palavras-chave: Pandemia 2020. Educação. Grande imprensa.

ABSTRACT

The 2020 pandemic launched the entire world into a health crisis that reshaped society's
strategies to continue its daily life. And education has also felt the impact of these changes using
technology and knowledge to continue its project of educating and disseminating scientific
knowledge. Thus, we seek to analyze the complex social interaction between teachers and
families and how the mainstream media approached this relationship.
Keywords: Pandemic 2020. Education. mainstream press.

INTRODUÇÃO

O objetivo de nosso artigo é analisar através de fontes e bibliografia alguns eventos do


cotidiano de 2020 que marcou um novo olhar sobre a forma de perceber o ensino realizado na
escola. Esse ano foi marcado pelo vírus COVID-19 que definiu novas estratégias para a
população mundial sobreviver. Máscaras, álcool em gel, higienização e distanciamento social
eram assuntos recorrentes na grande imprensa e como a escola faz parte da sociedade, as
mudanças também foram adotadas nesse espaço educacional. Os atores da escola passaram a
adotar o lockdown e a necessidade dessa ação gerou algumas questões para refletimos no
percurso de nosso texto.
Uma dessas questões são os usos, e abusos, da tecnologia como uma ferramenta para
reflexão dos conteúdos do ensino fundamental e médio. Será que as chamadas aulas online
obtiveram resultados satisfatórios? Iremos recorrer aos dados publicados nos jornais, e artigos

1
Doutorando em Ciências da Religião, pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP e professor de
História da Igreja da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN
304

científicos, que registraram informações importantes sobre essa temática. Outro ponto relevante
é a questão do ensino domiciliar que é um tema recorrente e está sempre em debate nas pautas
políticas do Brasil.
Será que esse formato de ensino passou pelo crivo no contexto da pandemia? Como os
pais conseguiram suprir a ausência dos discentes na sala de aula? Acreditamos que a presença
do professor experiente, em sala de aula, é um fator fundamental para definir métodos e
estratégias para explicar os conteúdos. Outro ponto importante foram as falas do atual
presidente e a urgência da vacinação que não passaram despercebidas pela grande imprensa
brasileira.
O negacionismo, a crítica aos professores, os incentivos as aglomerações dividiram
opiniões dos brasileiros sobre as atitudes de Bolsonaro no contexto da pandemia. Essas, e outras
questões, serão de fundamental importância para refletimos o contexto da escola no período da
pandemia e quais estratégias poderemos adotar para minimizar o impacto desse triste capítulo
da nossa história.

NARRATIVAS SOBRE A PANDEMIA DE 2020: A ESCOLA NA ROTA DO


LOCKDOWN

Para Maria Inês, apesar dos pesares, o saldo das aulas online é positivo até o momento.
"Falar com os alunos a distância está sendo uma experiência difícil, marcante e
incrível. Sentimos falta da sala, do aluno, sabemos que os alunos sentem falta dessa
presença, do contato, e esperamos poder voltar com segurança o mais rápido
possível", finaliza2

A narrativa acima aponta uma condição que ocorreu com todos os professores do Brasil
e do mundo no ano de 2020: a possibilidade da ausência da afetividade entre educandos 3,
professor e outros atores que fazem parte da escola4. Os primeiros meses de 2020 marcaram a
memória coletiva5 por apresentar dias de incerteza diante da expansão do vírus mortal COVID

2
https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2020/05/21/professores-e-alunos-falam-sobre-desafios-e-
dificuldades-de-aulas-online-durante-pandemia-em-ms.ghtml
3
Utilizamos a expressão “educando” Segundo a Lei de nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 proposto na LDB
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm)
4
ALARCÃO, Isabel. A escola Reflexiva In: Escola reflexiva e nova racionalidade/organizado por Isabel
Alarcão. - Porto Alegre: Artmed editora 2001.p. 23
5
Segundo Jaques Le Goff “A evolução das sociedades na segunda metade do século XX clarifica a importância
do papel que a memória coletiva desempenha. Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo
tempo a montante enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e a
aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades
305

19 em diversos países do mundo. Era tempo de repensar estratégias que possibilitava os alunos
e professores manterem contatos diante do isolamento social.

Com a crise pandêmica global, a quarentena foi instalada mundialmente, e no Brasil


não foi diferente. No mês de fevereiro, o Brasil tem o diagnóstico do primeiro caso da
COVID-19 e em 17 de março o Ministério da Educação aprova a substituição das
aulas presenciais por aulas remotas emergenciais com o apoio dos meios digitais
devido às medidas de afastamento social declaradas em diversos Estados do país [...]6

A dinâmica cotidiana7 entre professor e aluno, que é definida pelo método tradicional
agora encontrava-se diante de uma questão crucial: será que o discente tinha possibilidade de
arcar com os custos de internet, aparelho de celular e aprender os usos das novas tecnologias? 8
Antes de nos debruçarmos sobre essa reflexão vamos procurar compreender o sentido de um
método tradicional na escola.
De acordo com Mizukami “... Ao indivíduo que está “adquirindo” conhecimento
compete memorizar definições, enunciados de leis, sínteses e resumos que lhe são oferecidos
no processo educacional formal a partir de um esquema atomístico. 9” Quadro, pincel, caderno,
entre outros componentes que constrói o espaço da sala de aula do modelo tradicional, iriam
experimentar “o fechamento das escolas que resultou de uma tentativa inicial de tentar conter a
propagação de um vírus pouco conhecido até aquele momento10.”

desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas,
lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção” In: LE GOFF, J. História e Memória.
São Paulo: Ed. Unicamp, 1996. [Original dos ensaios: 1987-1982] [original do livro: 1982]. pp. 409 - 410
6
Nataly Moretzsohn Silveira Simões LUNARDIL, Andrea NASCIMENTO, Jeff Barbosa de SOUZA, Núbia
Rafaela Martins da SILVA Teresa Gama Nogueira PEREIRA, Janaína da Silva Gonçalves FERNANDES. Aulas
Remotas Durante a Pandemia: dificuldades e estratégias utilizadas por pais In: Educação & Realidade, Porto
Alegre, v. 46, n. 2, e106662, 2021
7
Para Heller “a vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma exceção, qualquer que seja
seu posto na divisão de trabalho intelectual e físico. [...] a vida cotidiana é heterogenia.” p.17-18 HELLER, Agnes.
O cotidiano e a história. 11º ed. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016
8
De acordo com a Vanessa Zinderski Guirado a “mudança trouxe um grande acúmulo de trabalho para os
professores, que além de não terem nenhum tipo de apoio ou instrução quanto às melhores práticas para fazer
a migração do presencial para o virtual, se viram obrigados a aprender como usar, literalmente, do dia para a
noite, essas novas ferramentas, sendo que, em muitos casos foi preciso comprar equipamentos que atendessem
às novas necessidades, ou seja, os docentes também tiveram que arcar com todos os custos referentes a essas
mudanças, sendo necessário ainda fazer a modulação das suas aulas para os novos formatos e desenvolver métodos
para ensinar aquilo que os discentes precisavam aprender, fazendo com que a jornada de trabalho virtual se
estendesse por muito mais horas do que as habitualmente direcionadas para as ações pré-aula, com o estudo,
seleção e preparo do material [...] p. 631 IN : GUIRADO Zinderski, V. (2022). A Formação de Professores
através de narrativas para o esperançar: aprendizagens, constatações e resistências. Fênix - Revista De
História E Estudos Culturais, 19(1), 623 -644. https://doi.org/10.35355/revistafenix.v19i1.1225
9
MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. p.11
10
FONSECA, Rochele. SGANZELA, Giovanna Coghetto, ÉNEAS, Larissa Valency. Fechamento das escolas
na pandemia de Covid-19: impacto socioemocional, cognitivo e de aprendizagem In Paz Revista Debates em
Psiquiatria - Out-Dez 2020 P.30
306

O tempo de preparar as famílias dos educandos para ausência da vida escolar tradicional
estava chegando e agora uma nova responsabilidade estava estruturando-se: está presente na
vida do estudo das crianças.

A ausência dos pais na vida escolar dos filhos é o segundo elemento. Sabemos que
muitas são as razões que justificam a ausência dos pais na vida escolar dos filhos,
contudo, na maioria das vezes, estão diretamente vinculadas às relações familiares.
Muitas crianças moram com os avós, tios ou demais parentes; alguns pais alegam
trabalhar o dia todo e não dispor de tempo para acompanhar a vida escolar das
crianças.11

Os primeiros meses de 2020 “Entre os quase 56 milhões de alunos matriculados na


educação básica e superior no Brasil, 35% (19,5 milhões) tiveram as aulas suspensas
devido à pandemia de covid-19, enquanto que 58% (32,4 milhões) passaram a ter aulas
remotas. Na rede pública, 26% dos alunos que estão tendo aulas online não possuem acesso à
internet”12. Como os pais iriam suprir a presença do professor no cotidiano? Como iriam dá
conta de explicar diversos conteúdos que eles não foram capacitados para lecionar? O
distanciamento social “ressuscitava” uma questão adormecida pelas pautas políticas: o ensino
doméstico. Durval Muniz de Albuquerque aponta as razões e os grupos que têm interesses nesse
modelo de ensino.

A educação doméstica é defendida, justamente, por grupos econômicos e religiosos


que não querem seus filhos tenham acesso a um pensamento diferenciado e crítico de
seus valores e privilégios. O ensino doméstico visa colocar as crianças totalmente sob
o poder dos pais, sem que elas possam ter possiblidades de ter contato com outras
formas de pensar e conceber a vida e o mundo 13.

A pandemia que estava em expansão no mundo e agora lançava a prova o ensino


domiciliar imaginado pelos grupos econômicos e religiosos. As frágeis estruturas que
sustentavam a possibilidade de os pais aplicarem os conteúdos antes ministrados pelos
professores agora apresentavam rachaduras. No Jornal Correio Braziliense, uma informação
descreve o cotidiano de uma família diante do desafio de ensinar as crianças e praticar
atividades que produzam efeitos para ampliar os saberes dos educandos. No início os

11
OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de (org.). Escolas em quarentena: o vírus que nos levou para casa.
/Organizadora: Sandra Regina Ferreira de Oliveira. 1. ed. Londrina, PR: Editora Madrepérola, 2020. p.08
12
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/08/12/datasenado-quase-20-milhoes-de-alunos-deixaram-
de-ter-aulas-durante-pandemia
13
Jornal Diário do Nordeste de 24 de maio de 2022
307

jornalistas14 sinalizam que os pais estão dando “conta do recado”, mas no último parágrafo do
texto as ações dos pedagogos e professores são requisitadas para auxiliar no trabalho dos pais.

Para a pedagoga Fatima Guerra, professora aposentada da faculdade de educação da


universidade de Brasilia (UnB), Phd em educação infantil pela universidade de Ohio
e ex-secretaria de educação do DF, do ponto de vista da saúde, os pais tem que
procurar alternativas, justamente como Carla fez. Na dúvida, na dificuldade, buscar
informações com os professores, manter o contato sempre15.

O ato de educar é uma dinâmica entre escola, família, sociedade e aluno 16 e essas
atitudes estão para além da formação dos pais. Um professor de uma área especifica dedica
anos, e as vezes décadas, para dominar o conhecimento especifico e repassar para os alunos de
forma crítica. O isolamento social apresentou possibilidades para os pais experimentarem algo
próximo a educação doméstica e as consequências dessa experiência será sentida durante anos
ou até mesmo décadas 17.
Outra questão pertinente é a tecnologia disponível para os discentes, pois de acordo com
o G1 Globo “No país, 63% dos estudantes têm acesso à banda larga, e 37% não têm. Fica difícil
se encantar pela tecnologia avançada na educação sem lembrar que ainda falta a básica: internet
na casa dos alunos e nas escolas que, segundo educadores, hoje é tão importante quanto uma
biblioteca. Eles dizem que, até que todas as regiões do país estejam conectadas, a tendência é
que as desigualdades se aprofundem18.”

14
Segundo Robert Darnton “quaisquer que sejam suas imagens e fantasias subliminares, os jornalistas têm pouco
contato com o público em geral e não recebem quase nenhum retorno deles. A comunicação pelos jornais é muito
menos intima do que pelos periódicos especializados, cujos redatores e leitores pertencem ao mesmo grupo
profissional. p. 89 IN: DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução:
Denise Bottman. - São Paulo: Cia das Letras, 2010.
15
Correio Braziliense 30/08/20
16
De acordo com Figueiredo, Lima, Queiroz e Vidal “O ato de educar em seu sentido é aprender a conviver e,
atualmente se faz necessário, pois a humanidade está perdendo o amor pelo próximo, o interesse de fazer o outro
se sentir bem com pequenas ações de bondade e gentilezas.” IN: O papel do educador no ato de cuidar e de
educar na educação infantil apresentado na V CONEDU (Congresso Nacional de Educação) de 12/09/2018⋅ a
17/09/2018. p.5
17
Para Andressa Pellanda, coordenado geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, trouxe alguns
aspectos não discutidos sobre a regulamentação da educação domiciliar durante sua participação na audiência
pública de ontem (12/4) na Câmara dos Deputados. Entre eles, a necessidade de formação no ensino superior, a
utilização de tutores, os custos da criação e da manutenção de um portal do Ministério da Educação para
acompanhar as menos de 7 mil famílias que praticam a educação domiciliar, os critérios e avaliações dos planos
pedagógicos apresentados pelos responsáveis etc.
A questão da formação dos pais e a necessidade ou não de tutores evidencia as características elitistas e de viés de
privatização da educação domiciliar. Maria Alice Junqueira reforça o papel essencial do (a) educador (a) na
garantia a uma educação de qualidade IN : https://www.cenpec.org.br/noticias/os-riscos-da-educacao-domiciliar
18
G1 Globo 12/03/2022
308

A tecnologia disponível para os educandos, por incrível que pareça, ainda é, mínima
para atender à complexidade de uma sala de aula e as orientações dos docentes. Muitos
discentes utilizam os celulares dos pais, ou de outros familiares, para desenvolver atividades e
muitas vezes esses aparelhos não estão disponíveis. A ação de enviar as atividades deve estar
baseada no LD19, pois ele é um principal suporte disponível para os alunos e professores.
De acordo com Martins e Klein

No ano de 2020, fomos acometidos por uma pandemia mundial, e a educação do


mundo inteiro teve que acontecer sem a presença física dos professores e alunos nos
espaços escolares. Todavia, no nosso país, contamos com regiões de situação
econômica muito peculiar e distintas, e não se pôde homogeneizar a forma como o
ensino iria ocorrer. Para alguns contextos, foi oportunizado uma variedade de recursos
didáticos, enquanto para outros, o acesso foi mais restrito. Considerando esse aspecto,
coube ao professor fazer uso dos recursos didáticos disponíveis, para promover o
desenvolvimento dos educandos, possibilitando, assim, o diálogo com os
conhecimentos necessários20

De acordo com os autores citados acima o LD foi fartamente utilizando no contexto da


pandemia de 2020.

Gráfico 1- Utilização do livro didático na pandemia

Fonte: dados da pesquisa.

Os dados da pesquisa apontam para a farta utilização do LD no contexto do isolamento


social de 2020. O ato de possuir o livro em casa, e seguindo a orientação do professor,

19
De acordo com Amanda Penalva Batista “...quando se fala em livro didático (LD), é natural associá-lo a todos
os impressos que circulam na escola. Isso ocorre porque o LD, por ser tão comum, e recorrente no contexto escolar,
acaba não chamando a atenção para sua singularidade no que se refere sua produção e consumo, por esse motivo
tem sido pouco utilizado como objeto de interesse de pesquisas que queiram delimitá-lo, sendo analisado
apenas enquanto revelador das práticas escolares.”. BATISTA, A. P. Uma análise da relação professor e o livro
didático. Monografia apresentada na Universidade do Estado da Bahia. Salvador, BA: UNEB, 2011.p.13
20
Jessica Viera, MARTINS e Delci Heinle KLEIN. O livro didático e sua (sub) utilização: possibilidades em
tempos de pandemia. Extensão – v. 8, n 2, julho\dezembro de 2020.p.114
309

possibilitou os alunos a fazerem uso deles através de atividades. De acordo com Atenor Soares,
“As atividades de leitura presentes nos LD devem apresentar uma grande diversidade de opções
para ajudar o aluno a desenvolver sua capacidade crítica, por exemplo, explorar bem o contexto
de produção do gênero, dados dos autores que vão auxiliar a contextualizar no texto
apresentado. Também trazer textos que circulam facilmente na sociedade, como aqueles que
estão relacionados com o que os alunos têm bastante contato: textos de blogs, de reportagens,
notícias, crônicas e sites.21” As últimas linhas do parágrafo apontam para uma nova reflexão, a
saber: Será que o saber promovido pelo livro apresenta uma linguagem acessível para o público
leitor? Diante da pandemia de 2020 como os educandos percebiam as informações do LD?
De acordo com Amanda Penalva Batista

A família tem como referência de “bom ensino” a prática de exercícios exaustivos,


fato que pressiona o professor a ensinar em conformidade com o LD, devendo
obedecer à disposição dos conteúdos dentro do livro. A família cobra que se façam
todos os exercícios propostos no livro. E o professor, devido à frágil formação
acadêmica, vê o LD como verdade absoluta e praticamente não utiliza de outros
elementos para enriquecer o aprendizado na sala de aula. E quando ele consegue
romper as barreiras do livro didático, buscando outros suportes para o ensino-
aprendizagem, enfrenta resistência, inclusive dos alunos que muitas vezes não
entendem o seu método de ensino e solicitam o uso de LD 22

A afirmação de Amanda notifica uma relação bastante complexa, a saber: o interesse da


família do discente em manter uma tradição de terminar todo o LD23- e o objetivo do professor
de ampliar o conhecimento para além do LD. No contexto da pandemia fazer uso de outros
estilos de textos e atividades para além do modelo tradicional gerou alguns questionamentos
entre os responsáveis pelos educandos, os pais, e será que vídeos, blogs e músicas
fundamentaria o conhecimento básico para os discentes sobre as matérias?
As consequências da crise sanitária de 2020 ainda estão em processo em nossa sociedade
e os impactos dos usos, e abusos, da tecnologia da internet pelos professores e alunos ainda é

21
SOARES, Atenor Machado da Silva. Os impactos do uso do livro didático nas práticas de ensino de leitura
em uma escola pública de João Pessoa. Universidade Federal da Paraíba (UFPB) – Centro de Ciências Humanas,
Letras, Artes e Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas – Licenciatura Plena em Letras e Português, João
Pessoa, Paraíba. (2017)
22
BATISTA, A. P. Uma análise da relação professor e o livro didático. Monografia apresentada na
Universidade do Estado da Bahia. Salvador, BA: UNEB, 2011.p.13
23
Munakata define “...a adoção do livro didático, o mesmo para toda uma turma da escola, foi fundamental para
a consolidação de um dos aspectos mais arraigados da cultura escolar desde o final do século 19: o ensino
simultâneo, pelo qual o mesmo professor ensina a mesma disciplina para muitos alunos, ao mesmo tempo. ”
MUNAKATA, Kazumi: “O livro didático como indício da cultura escolar”: IN Revista História
Educação (online), v.20, n.50 (Porto Alegre) (2016), p. 119-138.
310

fruto de pesquisas de diversas áreas dos saberes humanos. E a chegada do COVID 19


incrementou outras possibilidades para o futuro das escolas e os atores sociais que vivenciam o
seu cotidiano.

A GRANDE IMPRENSA E AS NOTICIAS SOBRE OS PROFESSORES, PAIS E


EDUCANDOS DIANTE DA PANDEMIA DE 2020

"A didática é diferente no ensino remoto em comparação com a presencial. Na escola


tem a troca, você faz uma pergunta, eles retornam, e a gente faz um conjunto. Agora,
sou eu falando, é uma aula gravada – eu coloco no YouTube, mando o link pela
plataforma, eles assistem e enviam as dúvidas. Tivemos que aprender a filmar uma
vídeo aula. E os alunos tiveram que aprender a ouvir os professores [...]. É uma
matéria que eles precisam entender para fazer exercício", afirma Karina 24.

A narrativa acima dá visibilidade a preocupação de uma professora, Karina Batelli, da


rede municipal de São Paulo e aponta a visibilidade da fala dela através da grande imprensa 25
para noticiar o cotidiano da relação professores, pais e discentes no contexto da pandemia de
2020. De acordo com Rodrigo Santos de Oliveira “ao selecionar o texto jornalístico como sua
fonte de pesquisa, o historiador deve levar em conta que sua fonte não é um documento “puro
e cristalino” que contenha todas as verdades. É importante dialogar com essas fontes, fazer
entrecruzamentos com outras informações e, às vezes, buscar as razões do seu silêncio ou de
sua omissão.26”
Nessa linha de pensamento, vamos analisar uma fonte27 produzida por chargista Nando
Motta28 que é chargista no jornal digital Brasil 247. Na Figura 1, analisamos uma professora
ministrando aula online e, ao mesmo tempo, cuidado dos afazeres de casa, ou seja, ela é
professora, mas também é mãe. A crítica de Nando aponta para uma jornada de trabalho mais

24
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/07/08/quase-90percent-dos-professores-nao-tinham-experiencia-
com-aulas-remotas-antes-da-pandemia-42percent-seguem-sem-treinamento-aponta-pesquisa.ghtml
25
De acordo com Regina Vilella a grande imprensa foi a primeira a utilizar a Internet para transmissão de notícias.
[...] até então, os principais instrumentos desse canal de comunicação era o envio de mensagens e sons em arquivos
multimídia para os assinantes de notícias, fazendo com que os usuários ganhassem a possibilidade de ter
informações imediatas, além de receber as matérias quem mais lhes interessavam. In: VILLELA, Regina. Quem
Tem Medo da Imprensa? – Como e quando falar com jornalistas. Rio
de Janeiro, Campus: 1998. p.24
26
OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. A relação entre a história e a imprensa, breve história da imprensa e as
origens da imprensa no Brasil (1808-1930). HIstoriae, Rio Grande, v. 2, n. 3, pp. 125-142, 2011.
27
Para Peter Burke “...já foi sugerido que os historiadores começaram a fazer novos tipos de perguntas sobre o
passado, para escolher novos objetos de pesquisa, tiveram de buscar novos tipos de fontes para suplementar os
documentos oficiais”. p.25 In: BURKE, Peter. A escrita da História, novas perspectivas. São Paulo. Editora da
Universidade Estadual Paulista, 1992.
28
https://www.brasil247.com/authors/nando-motta
311

árdua, pois agora não tem mais horário fixos para lecionar e o educador precisa estar sempre
online para atender aos questionamentos dos pais e alunos.

Figura 1 - Professores respondem Bolsonaro.

Nando Motta. Fonte: Brasil 247, 2020

Sobre a imagem produzida por Nando Motta captamos ela sobre o olhar de Sandra
Jathay Pesavento que afirma “Assim, a imagem tem, para o historiador, sem dúvida, um valor
documental, de época [...] O que importa é ver como os homens se representavam, a si próprios
e ao mundo, e quais os valores e conceitos que experimentavam e que queriam passar, de
maneira direta ou subliminar, com o que se atinge a dimensão simbólica da representação. [...]
Da pintura ao cinema, da história em quadrinhos à fotografia, do desenho à televisão, tais
imagens povoam a vida e a representam, oferecendo um campo enorme às pesquisas dos
historiadores.”29
Segundo Matias e Vidal - Maia as charges representam “o principal propósito da charge
é apresentar criticamente um problema, um fato ou um acontecimento que possa interessar à
sociedade na qual se insere. Quase sempre recria, através de caricaturas, a imagem de pessoas
públicas envolvidas em eventos capazes de gerar polêmica. Para que essa leitura seja dinâmica,
o texto chárgico tem como meta satirizar, muitas vezes associando o humor satírico ao deboche
e à ironia.30
A charge de Nando conecta-se à narrativa da professora, Karina Batelli dando
visibilidade ao cotidiano dos professores e discentes sobre o contexto da pandemia de 2020.
Agora uma frase de cunho político “professores respondem a Bolsonaro” ganha visibilidade

29
PESAVENTO, S. J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.p. 87-88
30
MATIAS, Avanúzia Ferreira. ; VIDAL-MAIA Janicleide . A História da Charge e Seu uso No Pós-64. In:
XIII ECHE - III ENHIME - III SINECGEO, 2014, FORTALEZA. Educação, História e Geopolítica no Contexto
do Pós-1964, 2014.p.7
312

através dos conflitos que ocorreram registrados no jornal Agencia Pública onde Matheus
Santino e Rute Pina publicam a reportagem “Professores relatam vigilância em aulas remotas
na pandemia”
De acordo com esses repórteres, o professor “Gabriel diz que já viveu situações
constrangedoras durante as aulas online. No início deste ano, por exemplo, em um debate
organizado com outro professor, uma mãe interrompeu a discursão e disse que estava
horrorizada com os professores, que fizeram críticas à lentidão da campanha de vacinação. “A
gente teve que entrar em uma discussão com a mãe da aluna na hora da aula” 31, lembra.
As experiências sentimentais dos educadores – Maria Inês, Fátima Guerra,
Karine Batelli e Gabriel Meneses Barros – apresentam uma luta em comum, a saber: uma
tentativa de adaptar-se a tecnologias da informática, manter o padrão de ensino para os
educandos e apontar a ausência do executivo, representado aqui pelo presidente, na busca por
vacinas. De acordo com a revista Istoé de 07 março de 2021 “... O governo de Jair Bolsonaro
(sem partido) rejeitou em 2020 uma proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de
doses de vacinas contra a Covid-19 até junho deste ano. Dessas, 3 milhões estavam previstas
até fevereiro32.”
Outras falas do presidente na mesma revista, em 18 de dezembro de 2020,
afirmam que tomando a vacina “da Pfizer/BioNtec, [...] não há garantia de que ela não
transformará quem a tomar em “um jacaré”33. No percurso do ano de 2021 apresentou
possibilidades para o retorno das aulas em formato hibrido que de acordo com o periódico
Gazeta de São Paulo de 24 de fevereiro de 2021 uma mãe informa “Gente, o que vocês estão
achando do ensino híbrido? Aqui em casa está uma loucura! ”, “Eu me perco nos dias em que
as crianças precisam ir para a escola ou não”, “Na escola da minha filha, ela vai metade da
semana presencial e a outra metade assiste às aulas em casa, não tenho certeza se isso é seguro,
mas acho melhor do que no ano passado”.34”

CONCLUSÃO

31
https://apublica.org/2021/12/professores-relatam-vigilancia-em-aulas-remotas-na-pandemia/#Link2
32
https://istoe.com.br/governo-bolsonaro-rejeitou-70-milhoes-de-doses-da-pfizer-diz-jornal/
33
https://istoe.com.br/bolsonaro-sobre-vacina-de-pfizer-se-voce-virar-um-jacare-e-problema-de-voce/
34
313

As consequências da pandemia de 2020, e dos discursos do presidente, ainda estão em


andamento e o ônus dessa crise sanitária para educação, entre outras áreas da sociedade, ainda
está permeada de incertezas. As falas dos docentes apresentaram dados importantes sobre os
usos, e abusos, da tecnologia demostrando as bases frágeis de inserir um conhecimento que não
chega para todos discentes. O ensino domiciliar também não deu frutos, pois os pais dos alunos
não têm preparo pedagógico, e didático, para produzir resultados duradouros, seja dos
conteúdos do ensino fundamental ou médio, para compreender os assuntos propostos dos livros
didáticos. As falas dos docentes, dos pais e da grande imprensa apresentam inúmeras
possibilidades para pesquisas dos historiadores sobre essa crise sanitária que lançou a
humanidade em um furacão de incertezas nas primeiras décadas do século XXI35.

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, Isabel. Escola reflexiva e nova racionalidade/organizado por Isabel Alarcão. -


Porto Alegre: Artmed editora 2001.

BATISTA, A. P. Uma análise da relação professor e o livro didático. Monografia


apresentada na Universidade do Estado da Bahia. Salvador, BA: UNEB, 2011.p.13

BURKE, Peter. A escrita da História, novas perspectivas. São Paulo. Editora da


Universidade Estadual Paulista, 1992.

DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. Tradução: Denise


Bottman. - São Paulo: Cia das Letras, 2010.

DORNELES, Beatriz Vargas. (Org) Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 46, n. 2,
e106662, 2021.

FONSECA RP, Sganzerla GC, Enéas LV. Fechamento das escolas na pandemia de Covid-
19: impacto socioemocional, cognitivo e de aprendizagem. Debates em Psiquiatria [Internet].
1º de dezembro de 2020 [citado 13º de junho de 2022];10(4):28-37.

HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 11º ed. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2016
LE GOFF, J. História e Memória. São Paulo: Ed. Unicamp, 1996. [Original dos ensaios:
1987-1982] [original do livro: 1982].

35
A pandemia da doença causada pelo novo coronavírus 2019 (COVID-19) tornou-se um dos grandes desafios do
século XXI. p.54 IN: Pires Brito, S. B., Braga, I. O., Cunha, C. C., Palácio, M. A. V., & Takenami, I. (2020).
Pandemia da COVID-19: o maior desafio do século XXI. Vigilância Sanitária Em Debate: Sociedade, Ciência
& Tecnologia, 8(2), 54-63.
314

MATIAS, Avanúzia Ferreira.; VIDAL-MAIA Janicleide . A História da Charge e Seu uso


No Pós-64.. In: XIII ECHE - III ENHIME - III SINECGEO, 2014, FORTALEZA. Educação,
História e Geopolítica no Contexto do Pós-1964, 2014.

MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.


O papel do educador no ato de cuidar e de educar na educação infantil apresentado na V
CONEDU (Congresso Nacional de Educação) de 12/09/2018⋅ a 17/09/2018.

OLIVEIRA, Sandra Regina Ferreira de (org.). Escolas em quarentena: o vírus que nos
levou para casa. /Organizadora: Sandra Regina Ferreira de Oliveira. 1. ed. Londrina, PR:
Editora Madrepérola, 2020.

PESAVENTO, S. J. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003

Revista De História E Estudos Culturais, 19(1), 623 -644. Disponível em


https://doi.org/10.35355/revistafenix.v19i1.1225. Acesso em 10 jul 2022.

Revista História Educação (online), v.20, n.50 (Porto Alegre) (2016).

SOARES, Atenor Machado da Silva. Os impactos do uso do livro didático nas práticas de
ensino de leitura em uma escola pública de João Pessoa. (UFPB) – Centro de Ciências
Humanas, Letras, Artes e Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas – Licenciatura
Plena em Letras e Português, João Pessoa, Paraíba. (2017)

VILLELA, Regina. Quem Tem Medo da Imprensa? – Como e quando falar com jornalistas.
Rio de Janeiro, Campus: 1998.
315

VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NO BRASIL: DA PRÁTICA POLÍTICA


OPRESSORA AO DISCURSO LIBERTATÓRIO

Luiz Antônio Gomes Lopes36

Francisco Vanderlei de Lima 37

RESUMO

O presente trabalho visa refletir sobre a construção e difusão do medo como discurso
(mecanismo) de poder, consequentemente, político, analisando questões pontuais que
caracterizam aspectos culturais da sociedade brasileira (mito da não violência e/ou da
democracia racial, por exemplo) sobre o prisma da apropriação e manipulação de temas centrais
que fundamentam discursos paradoxais que supostamente defendem a liberdade, mas que, na
realidade, se apresentam como mecanismos de opressão, violência e manipulação das massas,
originando além da violência material, a simbólica e a psicológica, que atingem de maneira
mais cruel e evidente, as classes que não dispõe de capitais sociais, culturais e/ou financeiro. O
presente trabalho é fruto de uma pesquisa bibliográfica exploratória que transcorre da
construção da nossa dissertação de mestrado e segue parâmetros de escrita alinhados aos textos
ensaísticos.
Palavras chave: Poder. Opressão. Medo. Violência.

ABSTRACT

The present work aims to reflect on the construction and diffusion of fear as a discourse
(mechanism) of power, consequently, political, analyzing specific issues that characterize
cultural aspects of Brazilian society (myth of non-violence and/or racial democracy, for
example) on the prism of appropriation and manipulation of central themes that underlie
paradoxical discourses that supposedly defend freedom, but which, in reality, present
themselves as mechanisms of oppression, violence and manipulation of the masses, originating,
in addition to material, symbolic and psychological violence, that affect in a more cruel and
evident way, the classes that do not have social, cultural and/or financial capital. The present
work is the result of an exploratory bibliographical research that follows the construction of our
master's thesis and follows writing parameters in line with the essay texts.
Keywords: Power. Oppression. Fear. Violence.

1 INTRODUÇÃO

36
Advogado especialista em Segurança Pública e Cidadania, graduando em Psicologia pela FCRN, mestrando
em Ciências Sociais e Humanas pela UERN. lulalopes02@gmail.com
37
Orientador: Licenciado em Ciências Sociais, Mestre em Sociologia pela UFRN e Doutor em Sociologia pela
UFPB. Vanderleil58@gmail.com
316

Escrever para a academia visando publicar em eventos é sempre um desafio. Dinamizar


a escrita para publicação, também. Tais desafios são potencializados quando vivemos em
tempos de incertezas, midiatização, violências (das mais complexas que possamos imaginar) e
se, aliamos, a tudo isso, um tema delicado.
O tema da violência traz consigo temas como segurança e liberdade, complexos e
polêmicos, desde seus fundamentos até a sua conceitualização. Tais temas perpassaram as obras
de inúmeros autores contemporâneos. Freud, por exemplo, já em O mal estar na civilização,
relacionava segurança à felicidade. Arguia que “o homem civilizado trocou um tanto de
felicidade por um tanto de segurança (FREUD, 2010, p. 82).
Escolas de pensamentos, como a de Frankfurt, refletiram sobre temas relacionados com
o contexto social e cultural do surgimento de teorias e valores no mundo de uma sociedade
industrial avançada, como veremos mais a frente, temas esses umbilicalmente ligados as
questões relacionadas à violência, à segurança e à liberdade.
Então, para dar seguimento às reflexões que propomos, precisamos esclarecer que
quando falamos em “psicologismo”, não queremos nos ater a uma imposição do viés
psicológico sobre as demais ciências, mas, sim, percorrer um caminho contrário, que
desnaturaliza, desmonta e repensa o mau uso das questões psicológicas relacionadas ao tema,
bem como seus usos pelas estirpes de poder, quase sempre ligadas à dominância política e
econômica, que visam à condução das massas e o apoio delas (mesmo que inconscientemente)
a projetos de poder.
Outra questão que precisamos necessariamente esclarecer, é que falamos de violência
em um contexto amplo e não em determinado tipo de violência, por isso se faz importante
delinearmos este aspecto, entendendo-a e observando-a, em suas múltiplas formas, conforme
leciona Marilena Chauí:

Em resumo, a violência não é percebida ali mesmo onde se origina e ali mesmo onde
se define como violência propriamente dita, isto é, como toda prática e toda ideia que
reduza um sujeito à condição de coisa, que viole interior e exteriormente o ser de
alguém, que pontue relações sociais de profunda desigualdade econômica, social e
cultural, isto é, de ausência de direitos. Mais do que isso, a sociedade brasileira não
percebe que as próprias explicações oferecidas são violentas porque está cega para o
lugar efetivo de produção da violência, isto é, a estrutura da sociedade brasileira.
Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões
econômicas, políticas e sociais, a corrupção como forma de funcionamento das
instituições, o racismo, o machismo, a intolerância religiosa, sexual e política não são
consideradas formas de violência, isto é, a sociedade brasileira não é percebida como
estruturalmente violenta e a violência aparece como um fato esporádico da superfície
(CHAUÍ, 2021, p. 41).
317

As causas de opressão e a efetivação da violência (inclusive científica) são


multifatoriais, interseccionais, locais e globais. A explicação e as reflexões pertinentes sobre o
assunto, também o são. Por isso precisamos discutir o tema, entende-lo, sob pena de “o medo”
se perpetuar como arma político-opressora eficaz e inquestionável.
Também é importante pensarmos um pouco sobre algumas construções tecidas por
Marilena Chauí, em seu artigo denominado Democracia e Sociedade autoritária38. Ela já
começa o texto argüindo que “estamos acostumados a aceitar a definição liberal da democracia
como regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais” (CHAUI, 2012,
p.149). Mas que Lei e qual ordem? Lei a serviço de quem? Quais garantias?
Democracia? Vivemos sob o manto de apoio a violência, onde o presidente vem a
público cobrar “ações enérgicas” dos seus seguidores correligionários e está, a todo tempo,
ameaçando as instituições. Vemos um Congresso Nacional constituído, em sua esmagadora
maioria, por homens, brancos e representantes de uma elite coronelista e autoritária. Assistimos
(mesmo que aos gritos, infelizmente não faz diferença) o sucateamento da educação pública e
o emergir do apoio público a uma educação privada. Presenciamos reformas educacionais que
visam mão-de-obra barata e, não, a construção de sujeitos críticos, empoderados. Observamos,
perplexos, ou talvez nem tanto, orçamentos secretos bilionários, contemplados com verbas que
são retiradas da saúde e da educação. Vamos existindo, como dá, tentando apenas chegar ao
próximo dia e esquecer o anterior.
Nesse modelo, a democracia de uma liberdade que ordena, surge como regime político
eficaz, em virtude, apenas, de ser possível a escolha dos nossos representantes. O medo tem
sido usado como mecanismo de condução das massas e contempla engajamentos políticos
através de discursos e idéias que permitem e validam a violência como forma de combate da
violência. A materialização do pensar freiriano, que diz que o sonho do oprimido é ser opressor,
nunca foi tão evidente.
O saudoso Paulo Freire nos ensina ainda que a educação não muda o mundo, mas, sim,
as pessoas e, as pessoas, mudam o mundo. Por isso decidimos pautar o tema da violência em
um evento tão importante, no intuito de trazer a tona reflexões sérias e fundamentais,
assumindo, indubitavelmente, um lado, e, em conseqüência disso, fugindo da tão pleiteada

38
Palestra proferida pela professora Marilena Chauí, em Goiânia, no dia 14 de março de 2013, no Espaço Oscar
Niemayer, no evento Café de Idéias. O evento também se caracterizou como a Aula Inaugural do PPGCOM –
UFG turma 2013.1.
318

neutralidade científica que, diga-se de passagem, de neutra não tem nada (é só observarmos
quem estudamos, ou seja, quem tem hegemonia dentro das academias: brancos, homens e
europeus).
É crucial entender um pouco dos aspectos culturais que permeiam a sociedade brasileira,
oprimindo e tornando submissos, inoperantes, os mais diversos sujeitos que não gozam de
capital social, cultural e financeiro, ou seja, a esmagadora maioria da população.
É por esse caminho que pretendemos conduzir esses escritos. Necessitamos re-pensar o
existir diante das diretrizes dos novos tempos. Se faz necessário que criemos e/ou adaptemos
formas de resistência que coadunem com as singularidades que ainda existem entre nós.
Precisamos, pela educação e através dela, resgatar e juntar os cacos da resistência, tornando
audível a nossa voz.
É essa tarefa, talvez imprudente, mas fundamental, que propomos refletir aqui, através
de uma escrita ensaística. Somos, seremos e devemos ser, sujeitos políticos. A ciência precisa
“tomar partido”, ter um lado – e deve ser o do povo. Não queremos com isso abraçar políticos
e seus partidos, mas, sim, fugir da ideia de neutralidade que tende a nos calar e tornar mecânicos
e obsoletos o nosso agir, o nosso discurso.
Assim, apresento esses escritos, frutos de uma pesquisa bibliográfica exploratória que
ocorrera ao longo do atual semestre, se apropriando, ainda, no intuito de levantar reflexões
críticas, dos acontecimentos políticos e sociais que transcorreram no período. Pensamos aqui
uma Ciência Social e Humana que proporcione, de fato, uma transformação na concepção do
que vivemos; que possa estruturar um pensamento que torne visível, por exemplo, que o medo
tem sido usado como forma de poder; que re-pense a ética como ideologia; que nos mostre que
há uma divisão social do/no medo que pode gerar um processo de desesperança, uma servidão
voluntária; que repense a si própria, demonstrando que alguns preceitos iluministas, condutores
dos caminhos sociais e científicos ao longo de quase dois séculos, são, na verdade,
enfraquecedores da formação de um corpo social verdadeiramente coletivo e que provocam
divisões, fissuras, massificando, validando e efetivando a diferença entre grandes e pequenos,
fortes e fracos, cultos e não cultos (matérias difusoras da violência e opressão no seio social).

2 A VIOLÊNCIA E SEUS USOS POLÍTICOS E MERCADOLÓGICOS


319

Precisamos, além dos manuais, repensar o nosso fazer de pesquisador, empregando-o


criatividade para que a ciência faça sentido na vida das pessoas. É profundamente necessário
afrouxar algumas amarras científicas. Não queremos com isso invocar a derrubada de um rigor
metodológico, epistemológico, mas, apenas, repensá-lo e, quem sabe, abrir novas perspectivas
de atuação, estruturação e validação do nosso saber.
Precisamos pensar a violência de forma integrativa, contextualizando-a na sua
complexidade, na materialização da vida das pessoas comuns, senão estaremos apenas
numerando e quantificando a violência entre pares, validando-as, na tentativa de criar modelos
replicáveis. Isso nos afasta da promoção e da difusão de reflexões críticas, que versem sobre a
alienação, que é peça fundamental na complexa engrenagem que replica e valida a violência.
A pandemia serviu para nos demonstrar que há certo descrédito no científico. Teorias
conspiratórias rompem, com facilidade, a construção epistemológica há tempos estruturada.
Acreditamos que isso nos fala sobre os rumos que o “fazer ciência” tomou, distanciando-se da
vida do povo. O modelo hegemônico tem proporcionado o emergir de semideuses que, são, em
sua grande maioria, brancos, ricos, homens, europeus e que, carregam consigo, supostamente,
a resposta para todos os males, respostas estas que não tem tido efeitos práticos nas vidas das
pessoas.
A violência não pode ser pensada apenas em números, expostos com sangue, na busca
pela corrida midiática informativa, capitaneada por um nicho econômico “promissor” (a
vulgarização e midiatização dos crimes de sangue). Também não pode ser contextualizada aos
moldes europeus (que entende o Brasil sob os olhos do mito da não violência39). Não podemos,
ademais, ainda, constituir um pensar que desconsidere o medo, ou a edificação deste, como
fruto de uma política financeira, economicista, que visa e busca, a todo custo, o lucro.
Desmistificar o medo é uma das nossas funções como pesquisador da violência. Assim,
só assim, estaremos a cumprir um pensar crítico sobre o tema.
Quando falamos em “desmistificar”, temos vários exemplos em mente: quando ainda
crianças, aprendemos a temer estranhos, mas os números mostram que, quem mais comete
violência contra crianças, são pessoas próximas. Mais de 70% dos casos de abuso sexual contra
crianças ocorre dentro de casa40.

39
Ao longo do texto discorreremos mais sobre esse mito, pensado por Marilena Chaui.
40
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-05/mais-de-70-da-violencia-sexual-contra-
criancas-ocorre-dentro-de
320

A maior parte da nossa população carcerária (39,42%) responde por crimes relacionados
às drogas, em seguida, em percentual bem próximo (36,74%), temos os crimes relacionados ao
patrimônio. Apenas 11,38% estão relacionados aos crimes contra a pessoa 41. Então, será que
queremos mesmo armar as pessoas para defender suas famílias?
Mia Couto diz que o medo foi o mestre que mais o fez desaprender 42. Ele argüia que há
nesse mundo mais medo das coisas más do que coisas más propriamente ditas. Ideologia,
política e religião passaram, ao longo do tempo, a co-habitar a mesma casa, compondo teias de
estratégias de poder que precisam urgentemente ser descortinadas.
A indústria do medo (armamento e segurança privada, por ex.) tem sido, talvez, a mais
potencialmente promissora. Não sentem as crises de mercado e projetam, cada vez mais,
investimentos, compondo organizações que zoneiam, mapeiam e criam uma psico-geografia do
medo, articulando poderes, conduzindo massas e ganhando dinheiro, muito dinheiro.
Aliado a isso temos uma política massiva de publicização do medo que, insere, em
todos, o ardente desejo de se “proteger” (ou seria proteger as coisas materiais que carregam
consigo?).
No âmbito da vida e das supostas garantias, temos, indubitavelmente, inúmeras questões
que denotam uma “sociedade das coisas e para as coisas” e não uma sociedade das pessoas e
para as pessoas. No direito, vemos, por exemplo, que o crime de latrocínio43 (roubo seguido de
morte) pune muito mais severamente que o crime de homicídio44. Aquele, crime contra o
patrimônio, este, crime contra a vida.
Será que no âmbito científico costumamos nos perguntar: Por que falamos mais de
segurança do que de justiça social? Por que compomos elaborados quadros de uma geografia
da violência em detrimento de uma geografia da exploração? Por que as áreas tidas como mais
violentas são as áreas que mais acomodam a massa da mão de obra geral (que fazem a roda
girar)?
Os estereótipos são construídos e constituídos para possamos garantir um suposto
“sossego mental”. Já pensaram como seria se não tivéssemos imagens mentais descritivas do
que seria um sujeito potencialmente ameaçador? Já perceberam que essas imagens são rotuladas
e constantemente direcionadas a pretos, pobres e periféricos? Quais as conseqüências disso?

41
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-02/brasil-tem-mais-de-773-mil-encarcerados-maioria-no-
regime-fechado#:~:text=A%20maioria%20dos%20presos%2C%2039,sexual%20representam%204%2C3%25.
42
https://www.miacouto.org/murar-o-medo/
43
Art. 157, § 3º, II, do Código Penal. Pena de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e multa.
44
Art. 121 do Código Penal. Pena de 6 (seis) a 20 (vinte anos).
321

Somos ensinados a pensar assim desde o berço. Mas tudo isso tem um preço. Os efeitos
desse processo precisam ser reconhecidos para que possam ser gerenciados, desmuniciando
composições e tessituras políticas que usam do tema para manter exploração e subjugação de
classes e camadas sociais.
Deveria ser também, objetivo do pesquisador, denunciar o que (aqui e agora) torna
impossível o pensar e o agir livre. O curioso é que paradoxalmente essa obstacularização se dá
através de um discurso que prega a liberdade, a prática da liberdade. Compreender o mal que
tecemos entre nós é necessário para que encontremos os fundamentos originários da violência
desenfreada que nos assola (social, política e cultural). Reconhecer o mal em nós e não apenas
nos outros é retomar a viabilidade democrática.
Nessa complexa teia a violência surge como fator fundante dela mesma. É algo que se
retroalimenta, como a nossa resposta cardíaca, pressão sanguínea, taxa de respiração etc. Os
questionamentos reflexivos acima servem para que pensemos a necessidade de re-pensar
criticamente o tema, para que as massas possam ter a capacidade de refletir de forma concisa e
oportuna sobre esses estereótipos, quebrando um ciclo atualmente, supostamente necessário e
crescente de, a cada dia, como coisa, mostrarmos nosso valor, nossa distinção do demais
(prioritariamente através do consumo – grifes, carros, posses, nos tira os rótulos de ameaça), o
que, a nosso ver, alimenta uma complexa e violenta (mas muito lucrativa) cadeia de consumo,
tornando a violência um exercício da prática do poder e, consequentemente, um exercício da
política.

3 PRÁTICAS OPRESSORAS

Tais práticas de poder, conforme delineamos acima promovem uma intrínseca relação
entre direito e poder, apresentando a Lei como privilégio para alguns e como repressão para
outros. Assim, conforme delineia Chaui, através de pensamento do filósofo Espinosa: “O medo
é a causa desse poder” (CHAUI, 2021, p. 22).
Toda essa complexa teia social montada em cima do medo faz com que a violência se
instaure não porque os homens estão divididos entre opiniões diversas, mas porque estão (são)
divididos entre Grandes e Pequenos (CHAUI, 2021). Razão essa, talvez, da opressão, haja vista
que a dimensão física da violência torna-se e efetiva-se através das dimensões psíquicas e
simbólicas.
322

Com isso precisamos relatar que a ciência que se próxima do povo, como práxis
libertadora, goza de potência para a promoção e clarificação de idéias, tornando-se instrumento
que proporcionará reflexão, aprimoramento e difusão às representações sociais nela
trabalhadas.
Como instrumento de pesquisa, proporcionará ao pesquisador (a) uma visão complexa
e expandida da matéria estudada, auxiliando, uma visão contemporânea dos fatos sociais e não
apenas mera reprodutividade. Apropriamo-nos da ideia de contemporâneo trabalhada por
Agamben, intimamente ligada a condição de atemporalidade. Com ela podemos pensar na
contribuição para a redução das práticas opressoras através do nosso fazer científico.
Agamben (2009) defende que seus alunos devem ser contemporâneos, devem olhar para
o seu tempo e observar não só as luzes nele presentes, mas a escuridão que também lhe é
peculiar. Ou seja, contemporâneo não é aquele que está imerso em seu tempo, mas que consegue
se distanciar dele para observar as luzes e a escuridão nele presentes.
Retomando a questão da potência, também, nos apoiamos no que dita Agamben 45,
influenciado pela construção aristotélica. Ou seja, potência é aquilo que ainda não é, mas pode
vir a ser. É uma possibilidade. Para Agamben, existimos sobre o modo de potência, podendo
ser ou não ser, fazer ou não fazer, ser uma coisa ou o seu contrário. Para entendê-lo é importante
saber que ele diferencia o “não poder fazer” do “poder não fazer”. Para esse estudo, a priori,
propomos que o “tecer uma ciência crítica” seja para a ciência um “poder não fazer” e não um
“não poder fazer”.
Assim, tentamos fazer da ciência um meio de acesso ao saber contemporâneo,
traduzindo-se no pensar de Saramago em seu texto “O conto da ilha desconhecida”, onde ele
diz que “é necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não saímos da ilha 46”.
O texto “O que é contemporâneo?” de Giorgio Agamben (2009), foi escrito a partir da
lição inaugural para o curso de Filosofia Teorética, ministrado entre 2006 e 2007. Tinha como
intenção demonstrar aos alunos que a capacidade de cada um deles de se fazer contemporâneo
ao seu tempo, assim como a de autores e textos que iriam estudar, era crucial para o sucesso do
curso. Neste contexto, ele “elaborou” um conceito mais amplo de contemporaneidade, que a

45
Para maior aprofundamento, ler A potência do pensamento, de Agamben, no link
https://www.scielo.br/j/rdpsi/a/N6v9wqP8ChHzLQwQNMjLNGt/?lang=pt#:~:text=O%20conceito%20de%20po
t%C3%AAncia%20tem,da%20sua%20teoria%20da%20pot%C3%AAncia.
46
https://www.escolahenriquemedina.org/bibdigital/download/1733/O%20Conto%20da%20Ilha%20Desconheci
da%20-%20Jose%20Saramago.pdf
323

“desligava” da perspectiva temporal, como dito. Essa, a nosso ver, deve ser uma das
perspectivas do pesquisador em Ciências Sociais e Humanas da era líquida.
Agamben (2009) define:

A contemporaneidade, portanto, é a singular relação com o próprio tempo, que adere


a este e, ao mesmo tempo, dele toma distância; mais precisamente, essa é a relação
com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles
que coincidem muito plenamente com sua época, que em todos os aspectos a esta
aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não
conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (AGAMBEN, 2009, p.
59)

Neste sentido, o contemporâneo, tem como característica um presente que nunca pode
nos alcançar. Ser contemporâneo significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no
escuro de uma época, mas também perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós,
distancia-se infinitamente de nós (AGAMBEN, 2009, p. 65).
A ciência precisa beber em novas fontes para refrescar o pensamento de uma época
como a nossa. René Girard foi um dos pensadores que descobriu e descortinou a potência do
pensamento literário, uma fonte até então pouco e usual e ainda hoje combatida. Da literatura,
pode extrair a hipótese do desejo mimético (égide do pensamento girardiano). “No arco
temporal entre Cervantes e Proust, a recorrência de um mesmo dado representou o elemento
catalisador [...] e levou à formulação da teoria mimética” (GIRARD, 2009, p.15). É como se os
mais importantes escritores tivessem refletido sobre a mesma e fundamental distinção
(GIRARD, 2009).
O aprimorar da “descoberta literária” abriu as portas para o desenvolvimento da sua
teoria, que tem o desejo humano como fruto da presença de um mediador, ou seja, o desejo é
sempre mimético (GIRARD, 2009). Talvez, por isso, tentemos imitar nossos opressores.
O desenvolvimento da concepção de Girard deságua em inúmeras frentes e, é hoje,
amplamente usado e capitaneado pelo marketing, que entendeu nele toda a potência de consumo
ofertada. Girard certamente não queria isso, procurava demonstrar o quão nosso desejo não é
autônomo e, se essa informação, fosse transferida para as pessoas, se pudéssemos torná-la
acessível, talvez, essa não fosse uma das “armas publicitárias”, muito menos de propagandas
político-opressiva. Se fôssemos conhecedores de sua teoria, os efeitos poderiam ser sentidos,
inclusive, no fenômeno complexo da violência (que assola nosso país).
Girard vem falar, com base na literatura dos romancistas, em mentira romântica e
verdade romanesca (título de uma das suas obras). Naquela, os sujeitos se relacionam
324

espontânea e diretamente, nesta, os sujeitos desejam através da imitação de modelos. E foi


através da leitura de romances que Girard identificou zonas sombrias no processo mimético,
que muito fala sobre a nossa sociedade e as violências praticadas em nossas ações cotidianas.
Acho que todos os brasileiros já ouviram falar no termo “complexo de vira lata”, que
nos liga a servidão cultural estrangeira. Jessé Souza, Marilena Chaui e tantos outros renomados
pensadores brasileiros já construíram e fundamentaram reflexões culturais que muito dizem
sobre esse “mal”, mas foi um exemplo da construção girardiana, que baseada em textos
shakesperianos, melhor nos fez refletir sobre a origem dessa forma de funcionamento, tão
peculiar ao nosso povo, que dá origem, talvez, ao mito da “sociedade não-violenta”.
Vejamos:

Uma parte considerável das idéias que fazemos de nos mesmos, e que acreditamos
serem “genuínas” do Brasil bem brasileiro, na verdade foram propostas pelo olhar
estrangeiro, que assimilamos como se fosse nosso. Um exemplo? Dois ou três. O mito
da miscigenação como a verdadeira contribuição brasileira à civilização moderna foi
sistematizado por um alemão – Karl Friedrich Philipp Von Martius. O projeto de
representação da natureza tropical como a marca distintiva da literatura romântica
tupiniquim foi ideado por um francês – Ferdinand Denis. A fundação da mais
importante universidade brasileira, a Universidade de São Paulo, criada em 1934, teve
suas bases lançadas através de uma mítica missão francesa – cuja maior contribuição
foi a de voltar os olhos dos alunos à realidade brasileira. (GIRARD, 2009, p. 23)

Ao fim dessa citação, temos uma importante nota de rodapé (nota 11) que trago-lhes na
íntegra:

Recorde-se, nesse sentido, a observação de Antônio Candido, recordando os anos


iniciais da Universidade de São Paulo e o saldo positivo da missão francesa: “(...) para
os professores brasileiros, o chic era conhecer a Europa. Davam aulas falando sobre a
França, a Inglaterra, citando línguas estrangeiras, nos puxavam para fora. Os
professores estrangeiros, falando francês, nos puxavam para dentro 47. (GIRARD,
2009, p. 23)

O que mudou? O quanto evoluímos? Que armas usamos para traçar nossa percepção
científica, nosso fazer científico? Com quais olhos nos olhamos, os nossos ou os dos outros? A
grande sacada de Girard nos textos shakesperianos foi perceber que, muitas vezes, necessitamos
de uma autoridade externa para validar e sustentar nossas afirmações. Inclusive, as mais banais.
Os olhos shakesperianos, emprestados por Girard, podem nos possibilitar uma
compreensão renovada da cultura brasileira e de toda contextualização opressiva que a rodeia.
Eis, aí, toda a potência que a arte tem a nos ofertar e que pode ser trunfo no fazer científico

47
Sônia Maria de Freitas. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993, p. 40.
325

voltado a uma práxis crítica, contribuindo para que nós, seres racionais e sensíveis, dotados de
linguagem e liberdade, possamos nos distanciar das acepções opressoras que nos coisificam,
calando nossa voz e nos impondo inércia e passividade para que sejamos manuseados como
instrumentos políticos de massivização de um poder opressor que se distancia da prática
democrática e que age em nome da manutenção de privilégios e favorecimentos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS – DO DISCURSO LIBERTATÓRIO A UMA PRÁXIS


LIBERTADORA

Como bem nos ensinou Paulo Freire, cremos que a educação não muda o mundo, mas, sim, as
pessoas e, as pessoas, mudam o mundo. Ele nos ensina com maestria que: “não podemos
esquecer que a libertação dos oprimidos é libertação de homens e não de “coisas”. Por isto, não
é autolibertação – ninguém se liberta sozinho, também não é libertação de uns feita por outros”
(FREIRE, 1987, p.30).
A libertação é uma prática coletiva que passa necessariamente por um pensar crítico. Como
dizíamos no inicio do texto: escrever cientificamente é um processo árduo, difícil, se queremos
constituir um pensar crítico, uma práxis libertadora. Haverá inúmeras resistências, inclusive em
nos mesmos, já que somos resultado do “fazer cultural” que nos rodeia.
Chaui refletindo sobre o mito da não violência evidencia que “é exatamente no modo de
interpretação brasileira da violência que o mito encontra meios para conservar-se” (CHAUI,
2021, p. 38). Isso se dá por inúmeros mecanismos que podem ser estudados e levantados em
outro contexto de maior aprofundamento, mas que refletem questões simbólicas e imagéticas
que corroboram para um psicologismo da violência, delineando usos cotidianos dessa forma de
poder para justificar, homologar e massificar a opressão, contraditoriamente fundada na suposta
defesa da “liberdade”.
Essa forma de poder, baseada no psicologismo da violência, esconde, de fato, a sociedade a
qual estamos a viver, uma sociedade brutalmente violenta, oligárquica, verticalizada,
autoritária, hierarquizada, que impede a prática massiva de uma cidadania verdadeiramente
democrática.
Quais discursos têm constituído o povo brasileiro? Bauman (2020, p. 22) analisa que “discurso
é aquilo que nos faz enquanto nós o fazemos”.
326

Sabemos que nenhuma palavra pode dizer toda a verdade. Não é nossa intenção trazer discursos
sacramentados e hipóteses sensacionalistas, mas, sim, gozar de paridade de armas, fazendo com
que nossa voz e esse espaço possa ser “arma” na construção e constituição de uma práxis crítica.
O tema liberdade perpassa inúmeras questões e é constantemente usado na forma de “liberdade
de expressão” para dissipar pensamentos violentos, racistas, homofóbicos e desfazedores da
tessitura sensível e humana que deveria nos assistir.
Bauman cita o artigo “We should not take freedom for granted”, da professora do Curso de
Políticas Públicas na Universidade de Queensland, Katharine Gelber, que diz:

Num nível muito geral, os australianos dizem acreditar que a liberdade de expressão
é importante, e eles acreditam que nós temos liberdade de expressão. Quando você
arranha a superfície, o consenso se fratura, com relativa facilidade. As pessoas têm
uma propensão a violar os direitos de livre expressão onde eles são importantes – no
exercício real das disputas políticas e comunitárias. Há numerosos exemplos disso
(BAUMAN, 2020, p. 28).

Essas violações se dão de inúmeras formas no contexto brasileiro. Sejam pelos discursos
de ódio, pelas práticas literais de violência ou mesmo pelas Ações Judiciais estratégicas, de
governos e/ou corporações, contra a participação pública - e que, por vezes, atinge a ciência –
protocolando ações judiciais onde cobram cifras altíssimas de membros que militam e ou
pesquisadores, calando-os – em uma luta desigual, onde grupos que dispõe de tempo, estrutura
e dinheiro, massacram grupos vulneráveis ao poder político e institucional. Nesse ponto, a arte
como campo de saber, também pode ser importante instrumento de resistência e transformação,
identificando e combatendo violências simbólicas em prol de uma coletividade que pode
acessar livremente suas proposituras.
O homem é seu próprio lobo. Se me permite expressar isso em outros termos, eu diria
que ninguém pode se considerar a salvo de si mesmo: estamos sempre ameaçados diante da
possibilidade de nossa própria traição (BAUMAN E DESSAL, 2017, p.22).
Nos conhecer, entender o contexto que vivemos, pensar criticamente sobre uma
realidade posta, impositiva, psicologicamente manipulada, faz parte do contexto de combate da
violência que, não é combatida por ela própria, mas, sim, retroalimentada. Precisamos
desconfiar da soberania da razão e do progresso, essa é uma lição tecida por autores consagrados
como Freud, Bauman, Morin, Girard, etc.
O reconhecimento da participação humana e do posicionamento social, da representação
social, da ideologia, entre outras, na interpretação da realidade, problematiza de maneira
327

perspicaz a relação entre sujeito e objeto, definindo o conhecimento como um processo, e não
como uma fotografia (DEMO, 1987).
Sensíveis aos mais diversos campos de saberes e as mais complexas perspectivas do
social, propomos a arte, como campo de instrumentalização do saber científico em Ciências
Sociais e Humanas, abrindo novas perspectivas para se pensar emergências do social,
especialmente, características da violenta sociedade brasileira.

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? e outros ensaios. Tradução Vinícius


NicastroHonesko. Chapecó: Argos, 2009.

AGAMBEN, Giorgio. SignaturaRerum – sobre o método.Tradução de Andrea Santurbano e


PatriciaPeterle. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro:


Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. O elogio da literatura/ZygmuntBauman, Riccardo Mazzeo. Tradução


Renato Aguiar. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

BAUMAN, Zygmunt. O retorno do pêndulo: sobre a psicanálise e o futuro do mundo líquido


/ ZygmuntBauman, Gustavo Dessal. Tradução Joana Angélica d´Avila Melo . 1. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2017.

CHAUÍ, Marilena. Democracia e sociedade autoritária. Comunicação & informação, v. 15,


n. 2, p. 149-161, jul/dez, 2012.

CHAUÍ, Marilena. Sobre a violência. Organizadoras Ericka Marie Itokazu, Luciana Chaui-
Berlinck. 1ª ed. 3. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.

DEMO, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1987.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias e outros


textos (1930-1936) / Sigmund Freud; Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
das letras, 2010.

GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. Tradução Martha Conceição Gambini; revisão


técnica Edgard de Assis Carvalho. 2. ed. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista,
1990.

GIRARD, René. Dostoiévski: do duplo à unidade. Tradução Roberto Mallet. São Paulo: É
realizações, 2011.
328

GIRARD, René. Mentira Romântica e Verdade Romanesca. Tradução Lilia Ledon da


Silva. São Paulo: É realizações, 2009.

JUNG, Carl Gustav, 1875-1961. Aspectos do Drama Contemporâneo. Tradução de Lucia


M. E. Orth; revisão técnica Jette Bonaventure. 5. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2012.

SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez,
2008.
329

LEMBRANÇAS DA NOITE: Medos modernos à sombra do desconhecido

Débora Ariane Siqueira Nunes1

Valdir Gabriel Garcia Arruda 2

Lindercy Francisco Tomé de Souza Lins 3

RESUMO

O presente artigo objetiva discutir os medos da sociedade moderna pré-industrial no Ocidente,


e entender como suas histórias de terror e figuras simbólicas ecoaram na contemporaneidade.
Justifica-se pela possibilidade de promover reflexões acerca do imaginário popular, entre
temporalidades e sociedades distintas, debatendo a forma com a qual lidam com o
desconhecido. De natureza qualitativa, descritiva e transversal, é uma análise documental
baseada em pesquisas bibliográficas, fílmicas e literárias. Analisou como a noção moderna de
medo ainda impacta a contemporaneidade e como está sendo retratado pela cultura popular no
século XXI, ressaltando a importância de um olhar crítico sobre o medo e as estruturas que o
cercam.
Palavras-chave: Medo; Idade Moderna; Terror Moderno; Cultura Pop.

ABSTRACT

The present article intends to discuss the fears of pre-industrial modern society in the West, and
understand how their horror stories and symbolic figures resonate in contemporaneity. It is
justified by the possibility of promoting reflections about popular imagination, between distinct
temporalities and societies, debating the way in which they deal with the unknown. With a
qualitative, descriptive and transversal nature, it is a documental analysis based on
bibliographic, filmic and literary research. It analyzed how the modern notion of fear still
impacts contemporaneity and how it is being portrayed by popular culture in the 21st century,
emphasizing the importance of a critical look at fear and the structures that surround it.
Keywords: Fear; Modern age; Modern Horror; Pop Culture.

1 INTRODUÇÃO

A emoção mais forte e mais antiga do homem é o medo, e a espécie mais forte e mais antiga de
medo é o medo do desconhecido. (LOVECRAFT, 1987, p. 11).

1
Discente do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte; discente do curso de História da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte; membro do Grupo de Pesquisa do Pensamento Complexo
(GECOM/UERN). E-mail: debyariane310@gmail.com.
2
Discente do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte; discente do curso de História da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail: valdirgabriel@alu.uern.br.
3
Orientador desta pesquisa, Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo; docente do curso de
História da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail: lindercylins@uern.br.
330

A citação acima é uma tese emblemática do romancista estadunidense Howard Phillips


Lovecraft, responsável por contos de terror centrados na fragilidade humana perante um
universo hostil e, frequentemente, indiferente. Ele veio a compor o “panteão” basilar de
escritores do horror ocidental, desde Edgar Allan Poe e Mary Shelley a Stephen King e Clive
Barker. Todavia, a escrita do macabro e assombrado não é uma tendência inédita, mas sim uma
continuação de crenças e mitos humanos ao longo do tempo, as quais utilizam de uma emoção
em comum: o medo.
O medo é, conforme as teorias biopsicossociais4, uma resposta involuntária a situações
de aparente risco, sendo elas muitas vezes frutos do desconhecido. Múltiplos animais utilizam
mecanismos naturais para garantir sua segurança, como um rugido ou a adoção temporária de
uma postura alongada ou bípede - para dar a impressão de maior altura. Os humanos
gradualmente aprenderam a temer, mas também a dominar tais mecanismos. Desde o primeiro
relâmpago caído, às chamas por ele espalhadas, os humanos reagem ao diferente com assombro
e curiosidade. Nasce disso uma busca incessante por sentido e causa nos fenômenos vivenciados
pela humanidade.
No decorrer da história, as sociedades humanas interagiram - e ainda interagem - com o
meio habitado de formas variadas, da coleta e caça ao cultivo e expansão. Isso é impulsionado
também por crenças e valores relativos a cada grupo e indivíduo, algo que tende a adquirir um
viés metafísico e místico. A prática da magia e o gradual estabelecimento de religiões abriu
caminho para a ideia de espíritos, encantamentos e outros fenômenos hoje postos enquanto
sobrenaturais. A fé no espiritual ajudaria a explicar o que havia de desconhecido e temeroso no
mundo, contribuindo assim para uma vida mais ordenada existencialmente (TUAN, 2005).
No período comumente referido enquanto Idade Moderna, se personificou nas figuras
mais intransponíveis para os homens antes da Era das Luzes, os “filhos da noite” e “herdeiros
da morte”. Fantasmas, vampiros, demônios, bruxas e lobisomens, vagando por cemitérios e
casas assombradas para atormentar os inocentes. Mas esse passado ainda vagueia na crença e
imaginário popular, sussurros ecoados por séculos de narrativas noturnas.
Enquanto que nas crenças nipônicas os gatos são vistos como seres com acesso ao
mundo místico e que trazem sorte, mas nos países ocidentais, gatos pretos ainda são associados
à má sorte e principalmente bruxas. A bem da verdade, o imaginário popular conservou por
muito a imagem da bruxa velha e decrépita prestando auxílio duvidoso, como apresentada na

4
Para mais detalhes, ver os trabalhos de Baptista, Carvalho e Lory (2005); Tuan (2005); Pauluk e Ballão (2019).
331

obra Macbeth (2001), de Shakespeare. Fantasmas como almas condenadas e vampiros, o guia
da danação aos poucos assumindo tons do pecado carnal (lascividade). Mansões antigas como
palco do tormento de moradores desavisados e as sombras da noite a um passo de revelar um
demônio. Contudo, as últimas décadas tem instaurado mudanças na perspectiva das histórias
que causavam terror na idade moderna, os mesmos medos estão enraizados na cultura ocidental,
aos poucos ganhando novas roupagens para se adequar aos presentes tempos.
Portanto, o presente artigo trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, descritiva e
transversal, sendo um estudo de caso baseado em pesquisas bibliográficas e documentais
(fílmicas e literárias) com base nas obras de terror e suspense da cultura pop do ocidente e
fontes históricas do período moderno e envolve-se de referências teóricas previamente
analisadas e publicadas de 24 obras entre artigos, livros e filmes, com o objetivo analisar
representações das figuras que aterrorizavam o imaginário popular na idade moderna, traçando
paralelo com a representações dos mesmos na contemporaneidade para entender a evolução
destes no inconsciente coletivo através da cultura pop. A pesquisa foi realizada no acervo
pessoal dos autores além das plataformas Google Scholar e SciELO, usando dos seguintes
descritores: Medo; Idade Moderna; Terror Moderno; Cultura Pop; Imaginário popular.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Um mar igualmente desconhecido para nós na atualidade como o oceano na Idade


Moderna, a mente humana perpassa caminhos escuros, a prima criatura da noite e herdeira dos
medos mais escusos; mas também às vestes de "monstruosidade". Inconcebíveis pela
racionalidade pelo ato simples e forçado de mantê-las alheias à própria alteridade humana.
Renegando a cantos tão sombrios do imaginário que tomaram formas em criaturas da noite e
pesadelos.
Lobos dormem noite adentro
Morcegos voam ao relento
Uma alma perdida que dorme jamais
Com medo de bruxas e sombras fatais

O trecho da versão brasileira da música “Lullaby Of Woe” (2015), tema do jogo The
Witcher III, ilustra de maneira poética os medos da Europa pré-industrial. Antes que a
eletricidade permitisse a apropriação das sombras, a noite era palco de tarefas e pessoas escusas,
332

terreno fertil para os tenebrosos eventos, logo atribuídos ao sobrenatural. Ainda que na idade
moderna, natural e sobrenatural tivessem barreiras mais cinzentas que na atualidade, crença e
incerteza se completavam para embasar criaturas e histórias de vivacidade mórbida até hoje.

2.1 PRELÚDIOS NOTURNOS

Entre as mais diversas crenças humanas no tempo, não é incomum se deparar com
perspectivas dualistas sobre a vida - ao passo em que muito da existência é dividido entre o
bem/justo/correto e o mal/injusto/incorreto. Do politeísmo egípcio e grego ao monoteísmo
cristão e islâmico, faz-se presente figuras associadas tanto a aspectos “positivos” quanto
“negativos” da vida - muitas vezes perpassando uma relação antagônica entre divindades
benevolentes e entidades malignas. Um exemplo básico e conhecido na cultura popular
contemporânea são os anjos e demônios.
Cada época e cultura ensinou novos medos à humanidade, mas entre suas rupturas e
permanências, é notável o persistente medo de monstros. Do multicultural dragão aos variados
fantasmas e mortos-vivos, a humanidade tende a culpabilizar essas criaturas míticas pelo que
há de ruim e errado em suas vidas - visando também compreender melhor o desconhecido.
Novamente, um dos objetivos disso é oferecer sentido à existência e seus fenômenos, talvez
livrando as pessoas de parte da responsabilidade por suas ações, mas também garantindo-lhes
uma relativa “paz de espírito”.
Antes da saga literária Harry Potter (1998-2007), onde bruxos voam em vassouras e
jantam com lobisomens e fantasmas, havia um temor genuíno que cercava as ditas “criaturas
da noite”. Noite e escuridão eram os domínios de demônios e outros perigos, mas a bem da
verdade, a luz do entendimento era negada também a corujas, gatos e mulheres. Quaisquer
eventos e criaturas que os homens não pudessem explicar ou conter.

2.2 DANÇANDO COM ECOS

“Um rapaz vagando na noite enluarada, recita votos apaixonados no bosque, ensaiando
seu noivado. Tão logo concluiu suas palavras, os galhos se torcem e movem, revelando a mão
óssea de uma jovem morta que passa a persegui-lo para assim selarem o matrimônio”. Uma
narrativa contada à boca miúda nas feiras do início da idade moderna? Na verdade, é o primeiro
333

ato do filme A Noiva Cadáver (2005), de Tim Burton. É importante pontuar que, na idade
moderna, a crença no duplo (não divorciação do corpo e alma após a morte, que se mantinham
num estado de semi-vida) era quase hegemônica ao ponto que cadáveres eram desenterrados
para receber uma sentença judicial ou mesmo indicar seus assassinos numa prática conhecida
como cruentação (DELUMEAU, 2009).
A perspectiva dos mortos se erguendo dos túmulos era um medo palpável por toda a
Europa e inspirou criaturas no imaginário popular, bem como, mais tarde, histórias como a de
Giselle (1840), um balé trágico marcado pela presença das willis, espectros de donzelas mortas
e presentes no folclore do nordeste europeu. Para evitar que os defuntos se inclinassem a
resolver assuntos pendentes entre os vivos, erguiam-se uma cruz no local de uma morte trágica
a fim de evitar que o espírito ficasse atormentado, vagando sem saber de sua morte.
Realizavam-se missas e dedicavam orações para apaziguar suas almas — que não eram de tudo
cortadas do corpo (DELUMEAU, 2009).
Essa prática ainda resiste, uma tradição sólida no catolicismo, com o intento de garantir
que a alma encontre paz, mas também pode ser encarada como eco da crença em fantasmas.
Mesmo hoje, as pessoas parecem pouco dispostas a socializar com os espíritos dos mortos e
medo da caminhada destes fundou todo um gênero de terror na cultura pop, os zumbis. Segundo
Kronzek e Kronzek (2003, p. 301): "Seja qual for o método, a tentativa de criar um zumbi é
vista como um ato perverso [...] Pelas leis atuais do Haiti, a criação de zumbis é considerada
assassinato, sujeitando o ofensor às mesmas penas de qualquer outro tipo de homicídio".
Uma obra muito presente na cultura pop são as Crônicas de Gelo e Fogo (1996-
atualidade), que inspirou a série televisiva Game of thrones (2011-2019), e narra mortos
caminhando na noite invernal para personificar o mal encarnado. Ainda que a adaptação para a
TV tenha personificado o mal que deturpa a natureza e se apropria da morte para tornar mais
reconhecível ao público, a saga literária, até então, não deu face ao medo mundano, sendo
chamados nos livros apenas de "os Outros", numa toada mais aterradores e impactante que
"meros" zumbis. Eles são algo mais, que perseguem tudo que é vivo e quente e vem trazendo a
longa noite com frio da morte. Então tanto na saga como no mundo primário, a incompreensão
quanto a natureza destes seres instiga uma parte inconsciente que teme o desconhecido que
habita nas sombras.
Mas personificar os medos da morte e da noite não foi uma tendência criada por Martin.
De acordo com Kronzek e Kronzek (2003) o termo zumbi é de origem haitiana, mas o conceito
334

de um cadáver vagante é bem mais antigo. Por toda a Europa pré-industrial, relatos de mortos
atacando vivos eram um traço cultural, e cada região adaptou suas próprias lendas. Na Romênia
haviam os strigoi, strigon na Ístria, vampir nos Balcãs, opyr em Cárpatos; não importava, eram
defuntos que vagavam pela noite em busca de sangue e se recolhiam em caixões durante o dia
(LECOUTEUX, 2005). Uma crença comum na época era que uma estaca fincada no coração
podia mantê-los presos à terra, ou o emprego do sempre eficiente método de decapitação.
Delumeau (2009) ressalta que esses seres desempenhavam nas comunidades europeias
um papel expiatório como “costas-largas” carregando a culpa por acontecimentos fora da
compreensão natural da época. Mas não havia porque tais criaturas terem medo da morte se já
estavam mortas. Contudo, aos poucos, a criatura sanguinária de caráter violento, foi ganhando
traços mais bem definidos e refinados, até assumir a versão aristocrática e erudita no livro
Drácula (1897), que serviu como base para o imaginário atual sobre vampiros.
Parente moderno e inimigo jurado dos vampiros na cultura pop, os lobisomens
evocavam o lado bestial e primitivo do homem que se via como modelo de evolução. Deste
modo, assim como representado na saga Harry Potter (1998-2007), o lobisomem causava horror
e desconfiança no homem racional, com seus traços físicos e instintos próximos ou inteiramente
de um lobo ou animal selvagem. Durante a inquisição, homens foram torturados sob a acusação
de licantropia alcançada por meio de um pacto com o Diabo, chegando mesmo a relacionar nos
países eslavos lobisomens como a forma “viva” dos vampiros.
A Romênia tinha ainda sua espécie particular de lobisomem, o vârkolac, defuntos que
se transformavam em monstros para atacar antigas inimizades e desafortunados, mas sua
natureza não era, então, muito divergente da atribuída aos próprios vampiros (LECOUTEUX,
2005). Muitos creditavam suas circunstâncias de despertar na morte como castigo, punição por
pecados e crueldades cometidas em vida. Pouco pode ser mais assustador que consequências,
e, embora na contemporaneidade muitos acreditem numa divisão mais robusta entre vida e
morte, físico e metafísico — quando se acredita nele — como não temer o que a racionalidade
não entende?
O horror moderno pode ter nascido no passado, mas certamente não morreu lá. Casas
velhas que rangiam nas noites frias, ditas moradas de espíritos atormentados por suas vidas e
mortes; pode parecer um cenário arcaico, mas o Estado de Nova York, EUA, obriga, por lei, as
imobiliárias a informarem os compradores caso o imovel em questão seja mal-assombrado. Isso
pode constar inclusive na escritura da propriedade (ROSSINI, 2019). Obras como A Maldição
335

da Residência Hill (2018), série da Netflix baseada no romance de Shirley Jackson, são capazes
de induzir medos genuínos por trazer paralelos familiares e comuns ao nosso imaginário de
maneira palpável ao espectador. Talvez, da mesma forma como antes das grandes navegações,
retratavam monstros no oceano bravio (ALVES, 2013), a morte sempre foram águas
insondáveis em sua plenitude e o primeiro instinto humano é se preparar para o perigo.
Voltando às Crônicas de Gelo e Fogo, os Outros são criaturas associadas a tudo que é
frio e mortal, inominável; com seu eterno rival representando a luz, o fogo e a vida. Muito
embora no plano geral da obra faça críticas à dicotomia pelo caráter subjetivo que atravessa as
crenças, as tornando sempre cinzas interpretativas, como no mundo primário, aqueles imersos
nela, têm maior dificuldade de captar suas nuances. Mas esse receio e polarização não ficam só
na ficção.
Uma particularidade das casas assombradas americanas, que corrobora com o medo
tendo fonte no desconhecido, são as construções sobre cemitérios indígenas, assombradas por
entes retratados como maléficos, como em O Iluminado (1987), de Stephen King. A tendência
se repete em muitas histórias reais e fictícias, em atribuir o mal e perigo a religiões e figuras
não-cristãs. A "magia negra" por exemplo carrega a crença que não pode ser praticada durante
o dia e é largamente associada — de maneira errônea e preconceituosa — às práticas
ritualísticas do vodu (KRONZEK; KRONZEK, 2003).

2.3 MEDO, ORGULHO E PRECONCEITO

No Julgamento das Bruxas de Salem (1692-1693) uma das primeiras mulheres acusadas
foi Tituba, escrava de etnia debatida, mas certamente não branca. Muito embora a cultura pop
tenha mudado a imagem das bruxas de: ameaça a ordem natural para associá-las a figuras, em
especial mulheres, que desafiam as convenções socialmente aceitas a exemplo do patriarcado.
Sendo assim, elementos de contracultura. Contudo, esse movimento de descoberta crítica na
cultura pop não tem se estendido a desmistificar as culturas de grupos não hegemônicos. Ainda
hoje é inegável o estigma direcionado ao vodu, nos EUA e no Brasil às religiões de matrizes
africanas ainda são as mais vandalizadas e vítimas de intolerância religiosa como aponta Portela
et al.(2021).
É comum ouvir adeptos de outros credos referirem-se, pejorativamente,aos
praticantes da Umbanda e do Candomblé como “macumbeiros” ou “fazedores
de macumba”.A definição da palavra “macumba” possui significados diversos,
dentre eles, a associação com um instrumento de percussão, de origem africana,
336

com o mesmo nome, utilizado em terreiros de cultos afro-brasileiros (PORTELA et


al, 2021, p.21).

O peso desse estigma no imaginário popular é tão grande que no Brasil, em 1992, o
“Caso Evandro”, como ficou conhecido caso do desaparecimento e morte do garoto de seis anos
e ganhou notoriedade pela mídia ao ter dentre os acusados, duas mulheres relacionadas ao
prefeito da cidade de Guaratuba — onde aconteceu o crime — e frequentadoras de um terreiro
culto afro-brasileiro, sendo acusadas de crime ritual. A investigação concluiu que elas foram
mentoras, e junto a um pai de santo e outros homens, teriam “praticado magia negra” e
“sacrificado a criança”. A investigação foi veiculada de maneira sensacionalista pela mídia
como o caso “Bruxas de Guaratuba”, e o linchamento dos acusados era pedido pelo publico,
enquanto confições foram obtidas por meio de torutura, como mais tarde uma nova investigação
jornalistica mostrou a natureza enviezada da apuração judicial. Mas também revelando o poder
que a informação tem na construção e influência do imaginário do social (VELOSO; SOUZA,
2021).
Com a divulgação da fita não editada de confissão obtida por meio de tortura dos
acusados e a comprovoção da violação dos direitos humanos destes durante a primeira
investigação, eles foram absorvidos no ano de 2018, após mais de duas decadas de prisão. Mas
ficando a provocação de: Por que um crime — ainda hoje sem solução — foi tão facilmente
associado pela população brasileira a práticas ritualísticas de crenças não cristãs?
Não o é feito sem precedentes, de fato. O método medieval de cruentação foi empregado
inclusive na acusação judicial contra Elizabeth Ridgeway em meados do século XVII. Telfer
(2019) apura que supostamente o corpo apodrecido do marido de Elizabeth "sangrou" após o
toque desta. O que para o júri da época era o bastante para provar sua autoria do crime, com
seu desinteresse pela religião servido de augúrio de seus maus atos e prática de bruxaria. Sendo
Elizabeth inclusive retratada, nas poucas fontes sobreviventes nos dias de hoje, no familiar
arquétipo de bruxa malvada e dissimulada, como salientado: "E, apesar de ter vivido no século
XVII [...] ela é surpreendentemente reconhecível, um espírito familiar, e tudo mais" (TELFER,
p. 82 2019). Independente da veracidade de sua culpa, é curioso notar como foi fácil acreditar
por nela como culpada a realocando a uma categoria menos humana e mais “deturpada” e
“corrompida”, a de bruxa.
Então, muito embora a representação de bruxas no imaginário contemporâneo tenha se
modificado em comparação a idade moderna — com a saga literária Harry Potter tendo um
mérito expressivo em popularizar de maneira positiva a prática de magia e bruxaria — as
337

acusações de bruxaria na vida real ainda são feitas de maneira pejorativa, para criminalizar e
denegrir. “Nesse sentido, o preconceito se configura como uma opinião desfavorável, que
não é fundamentada em dados objetivos, tendo base unicamente em um sentimento hostil.”
(PORTELA et al, 2021, p.20).
Tais fatos aludem à complexidade das estruturas sociais na qual estamos inseridos e
como suas raízes podem ferir e estrangular divergentes, não sendo, de modo algum, uma tarefa
fácil, enxergá-las com olhar crítico ou mesmo modificá-las. Tarefa esta, que levaria no mínimo
uma fração do tempo de sua existência e muitas ações e pensamentos conjuntos que não
extinguem, mas lançam sobre esses conceitos e estruturas a perspectiva de sua época.
E com a explicação para o que há de "bom" e justo no mundo, também vem a explicação
para o que há de "mal" e justo. A humanidade de modo geral não parece suportar a noção de
que são responsáveis por suas ações, então encarregam anjos e demônios por seus atos. À luz
de Terry Pratchett (2008), precisamos das “pequenas mentiras”, como o Papai Noel, fantasmas
e zumbis, para acreditar nas “grandes mentiras”, como justiça, direito e deveres. Precisamos de
um monstro debaixo da cama para lembrarmos do que é certo e errado.
Prosseguindo com os casos fílmicos, A Bruxa (2015) revela que às vezes a “escuridão”
vence, e nem mesmo a fé e ordem, por muito associados à luz, são incorruptíveis. A trama
expõe os conflitos de uma família inglesa altamente religiosa, durante a ocupação das 13
colônias norte-americanas. Sofrendo de pragas na colheita e no gado, a família também aparenta
ser perseguida por uma bruxa residente da floresta circundante. Em um cenário beirando à
miséria, o patriarca e a matriarca tentam encontrar sentido nos seus desafios, ainda que precisem
culpabilizar uma figura perversa e quase invisível.
Gradualmente, os familiares conspiram entre si próprios, acusando um ao outro de
bruxaria, e eventualmente se destruindo. A forma com a qual o roteiro é apresentado pode levar
a audiência a questionar se sequer havia uma bruxa antagonista nesse contexto, ou se as crenças
da família - junto de sua paranóia afastada de quaisquer outros contatos sociais - acentuaram a
frustração gerada pelo trabalho infrutífero no campo. Novamente, a análise de uma obra como
essa pode ajudar a refletir sobre o imaginário popular, ora do passado colonial, ora do presente
contemporâneo - que inclui, naturalmente, a interpretação subjetiva de uma equipe
cinematográfica quanto ao imaginário da época.
Como expresso no texto de Delumeau (2009) e facilmente compreendido é que, as
sombras temidas na Idade Moderna e negadas com afinco pela contemporaneidade, que,
338

derramando luzes pela noite para compensar sua ausência nos céus – a verdade que, a escuridão
oferece liberdade. Noite, eterna cúmplice daquilo que não pode ser visto. E principalmente, das
histórias que não querem ser contadas.
Entendendo o desconhecido como fonte de aprendizagem e margem da descoberta, o
presente trabalho se baseia na análise das representações das figuras que aterrorizavam o
imaginário popular na idade moderna, traçando paralelo com a representações dos mesmos na
contemporaneidade para entender a evolução destes no inconsciente coletivo. Partindo da
premissa que tais conceitos e criaturas sombrias eram interpretadas por aterradoras por estarem
associadas ao que os homens da época não tinham controle e conhecimento, deste modo,
considerou-se que assim como na idade moderna, o horror é imprimido no psicológico através
do incompreendido e inexplicável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se por muito tempo esse medo vinculado ao sobrenatural estava marcado em tinta preta
na história moderna e ecoado em contos de terror noturnos, com personagens que são a
personificação dos medos humanos; o cinema e a literatura têm narrado de maneiras diferentes
essas mesmas histórias, se perguntando qual a perspectiva e raízes desses seres. Bruxas,
lobisomens e vampiros têm se tornado os protagonistas nas últimas décadas, heróis como
Batman da DC Comics e a Feiticeira Escarlate da Marvel parecem se apropriar do medo,
escuridão e desconhecido para narrar novas perspectivas. Uma tendência que pode ser
considerada humanizadora para com as criaturas da noite, talvez porque, a atualidade não
reconhece em cenários dicotômicos e vem habitando os contornos cinzas. Mesmo os fantasmas
que assombram velhas mansões podem não ser tão perigosos quanto os vivos que os levaram
ao túmulo, como o filme de Del Toro, A Colina Escarlate (2015) mostra em tons de poesia
macabra.
Não é sem mérito associar o medo, em parte, à ignorância, e algumas das histórias
noturnas foram contadas a tal ponto que seus personagens se tornaram familiares. Neste
enquadramento, o terror ainda se mostra genuíno quando sua fonte se mantém inexplicada,
inexplorada e indizível, como era no passado, quando aqueles que não viram, eram obrigados
a acreditar no que lhes contavam. O Conto dos Três Irmãos (ROWLING, 2008) apresenta
formas diferentes de lidar com o medo e como ele é importante para a sobrevivência e
339

crescimento numa época cheia de perigos, mas sem deixar de ressaltar a sapiência em respeitá-
lo, para assim tornar a figura que personifica o medo num velho conhecido. Talvez questionar
e abraçar o desconhecido seja uma forma de evitar muitas histórias aterradoras, especialmente
as não fictícias, também renegadas às sombras.
A valor de conclusão, espera-se com esse trabalho refletir acerca do medo, e como ele
se manifesta no imaginário das pessoas ao longo da história. Sua realização parte de diálogos
interdisciplinares, entre a própria história, a psicologia e a antropologia, além dos múltiplos
meios artísticos nos quais se fazem representações do terror. Com as discussões feitas aqui,
também pretende-se abrir caminhos para trabalhos subsequentes, e tematicamente relacionados.

REFERÊNCIAS

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A COLINA ESCARLATE. Direção: Guillermo del Toro. Universal Pictures e Legendary


Pictures, 2015.

ALVES, Américo Vidigal. MAR MEDO e UTOPIA MEDO e UTOPIA MEDO e UTOPIA,
2013.

A NOIVA CADÁVER. Direção: Tim Burton; Mike Johnson. Warner Bros. Pictures e Laika
Entertainment. 2005.

BAPTISTA, Américo; CARVALHO, Marina; LORY, Fátima. O medo, a ansiedade e as suas


perturbações. Psicologia, v. 19, n. 12, 2005, p. 267-277. Disponível em:
https://revista.appsicologia.org/index.php/rpsicologia/article/view/407. Acesso em: 10 ago.
2022.

BRUSSI, Fernanda. Lullaby Of Woe (A Night To Remember). 2015. Letra completa em:
https://www.letras.mus.br/fernanda-brussi/lullaby-of-woe-a-night-to-remember-portugues/.
Acesso em: 17 de janeiro de 2022.

DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente (1300-1800). São Paulo: Cias de bolso,
2009.

FARGE, Arlete. Famílias. A honra e o sigilo. In: CHARTIER, Roger. História da vida
privada, 3: da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p.
559-594.

JACKSON, Shirley; LANDSBERG, Débora. A assombração da casa da colina. Tradução


de Débora Landsberg. São Paulo: Suma/Companhia das Letras, 2018.

KING, Stephen; ALBUQUERQUE, Betty Ramos. O iluminado. Nova Cultural, 1987.


340

KRONZEK, Allan Zola; KRONZEK, Elizabeth. O Manual do Bruxo: Um dicionário do


mundo mágico de Harry Potter. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

LECOUTEUX, Claude. História dos vampiros. UNESP, 2005.

LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural na literatura. Trad.: João


Guilherme Linke. Rio de Janeiro: Editora S. A., 1987. Disponível em:
https://visionvox.net/biblioteca/h/H._P._Lovecraft_o_Horror_Sobrenatural_Na_Literatura.pdf
. Acesso em: 10 ago. 2022.

MARTIN, George R.R; As Crônicas de Gelo e Fogo. Volume 1: A Guerra dos Tronos. 1 ed.
São Paulo: Leya, 2012.

PAULUK, Luiz Ricardo; BALLÃO, Cléa Maria. Considerações sobre o medo na História e
na Psicanálise. Fractal: Revista de Psicologia, v. 31, n. 2, 2019, p. 60-66. Disponível em:
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PORTELA, Eunice Nóbrega et al. O PRECONCEITO E A INTOLERÂNCIA


ENFRENTADOS PELA UMBANDA E CANDOMBLÉ RELIGIOSOS AFRO-
BRASILEIROS: UMA ABORDAGEM TRANSVERSAL E MULTIDISCIPLINAR.
Processus Journal of Management, Legal and Financial Studies , v. 12, n. 43, pág. 15-30,
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PRATCHETT, Terry. Hogfather: (Discworld Novel 20).Casa Aleatória, 2008.

ROSSINI, Maria Clara. Nos Estados Unidos, uma casa pode ser legalmente assombrada.
Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/nos-estados-unidos-uma-casa-pode-ser-
legalmente-assombrada/. Acesso em: 19 de janeiro de 2022.

ROWLING, J. K. Harry Potter e as Relíquias da Morte, v. 7. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.

ROWLING, J. K. O Conto dos Três Irmãos. Os contos de Beedle, o bardo. Tradução: Lia
Wyler. 1 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2008.

SHAKESPEARE, William. A tragédia de Macbeth. Companhia de Livros Clássicos, 2001.

STOKER, Bram. Dracula. Broadview Press, 1997.

TELFER, Tori. Lady Killers-Mulheres: mortais ao longo da história: mulheres mortais ao


longo da história. Editora Kings Road, 2018.

TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. Unesp, 2005.

VELOSO, Gabrielle Gonçalves; DE SOUZA, Bruna Garcia. A influência midiática no


processo penal: uma análise do “Caso Evandro”. Anais do EVINCI-UniBrasil, v. 7, n. 1, p.
328-328, 2021.
341
342

DIREITO
343

A APOSENTADORIA POR IDADE RURAL E O SEU CARÁTER ASSISTENCIAL (E


NÃO PREVIDENCIÁRIO): reflexos da dificuldade probatória à comprovação da
atividade rural pelo segurado especial

Kivia Yngrid Costa Holanda Maia1


Kelly Kercy Nogueira da Silva2
Sabrina Paulino de Oliveira3
Keliane de Melo Ramalho4
Levy Ruanderson Ferreira da Silva5

RESUMO

O presente trabalho possui como objetivo averiguar os aspectos relativos à dificuldade


probatória à comprovação da atividade rural pelo segurado especial. Para alcançar o objetivo
proposto, adotou-se como pressupostos metodológicos um estudo de caráter bibliográfico a
partir da leitura e fichamento de textos em livros, revistas, artigos científicos, dentre outros
meios que trazem subsídios para a construção deste nosso trabalho. O texto está dividido
didaticamente em algumas seções, inicialmente, cabe conceituar a seguridade social
discorrendo sobre a natureza jurídica da seguridade social e a previdência social como espécie
do gênero seguridade social. Logo após, tece-se sobre como se dá a assistência social do estado,
enfatizando a proteção do estado como garantia à dignidade da pessoa humana, e o risco social
inerente à dificuldade probatória à comprovação do exercício da atividade rural. Em seguida,
exemplificam-se as contribuições previdenciárias; em se tratando da aposentadoria por idade
rural, empregado rural e segurado especial. Posteriormente, foi retratada a aposentadoria rural
e sua a dificuldade probatória à comprovação da atividade rural e os seus reflexos e a
necessidade de flexibilização dos meios probatórios à comprovação da atividade rural. E por
fim, foram tecidas as considerações finais acerca da temática.
Palavras-Chave: Previdência Social. Seguridade Social. Aposentadoria Rural. Empregado
Rural. Segurado Especial.

ABSTRACT

The present work has as objective to investigate the aspects related to the evidentiary difficulty
to the proof of the rural activity by the special insured. To achieve the proposed objective, a
bibliographic study was adopted as methodological assumptions, based on the reading and
recording of texts in books, magazines, scientific articles, among other means that provide

1
Especialista em Direito Previdenciário e Processo do Trabalho - UNP. E-mail: kiviayngrid@hotmail.com
2
Mestre em Administração - UNP. E-mail: kellykercynogueira@unp.br
3
Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: sabrinauern@gmail.com
4
Mestranda em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: keliane.melo.14@gmail.com
5
Mestrando em Ciências Contábeis - UFRN. E-mail: levy.silva.700@ufrn.edu.br
344

subsidies for the construction of our work. The text is didactically divided into some sections,
initially, it is necessary to conceptualize social security by discussing the legal nature of social
security and social security as a species of the social security genre. Soon after, it is weaved
about how the social assistance of the state is given, emphasizing the protection of the state as
a guarantee to the dignity of the human person, and the social risk inherent to the evidential
difficulty in proving the exercise of rural activity. Then, the social security contributions were
exemplified; in the case of retirement by rural age, rural employee and special insured.
Subsequently, the rural retirement was portrayed and its evidentiary difficulty to prove rural
activity and its reflexes and the need for flexibility of the evidentiary means to prove rural
activity. And finally, the final considerations about the theme were made.
Keywords: Social Security. Social Security. Rural retirement. Rural employee. Special
Insured.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, os trabalhadores rurais alcançaram a igualdade previdenciária por meio da


Constituição Federal de 1988, quando foi determinada a equiparação dos trabalhadores rurais
aos urbanos, tendo em vista a vida dificultosa do trabalho no campo e beneficiando a esses
trabalhadores uma redução de cinco anos para se aposentar em relação os trabalhadores
urbanos.
O presente trabalho tem como tema a aposentadoria por idade rural e o seu caráter
assistencial (e não previdenciário): reflexos da dificuldade probatória à comprovação da
atividade rural pelo segurado especial, a ideia central é averiguar os aspectos relativos à
dificuldade probatória à comprovação da atividade rural pelo segurado especial.
Pretende-se fazer um breve estudo em torno da concessão dos benefícios para a
aposentadoria por idade rural, das provas que são cabíveis, bem como a questão dos indícios de
provas materiais no campo do Direito Previdenciário, com ênfase ao trabalhador rural segurado
especial, com o escopo de verificar que muitas vezes a lei não atinge o seu real objetivo, ou
seja, o de proteger os segurados especiais, na maioria das vezes, menos favorecidos, portanto,
havendo uma interpretação errônea da norma jurídica.
Justifica-se a temática visto que a legislação brasileira aduz sobre o benefício da
aposentadoria rural pelo segurado especial, e diante de diversos fatores, como, por exemplo, a
falta de conhecimento devido à exclusão do âmbito social; não possuir cadastro de pessoa física;
falta de educação, pois muitos são analfabetos e não conseguem preencher os requisitos
(carência), ou seja, provas suficientes para adquirirem a sua aposentadoria, consequente não
adquirida, impossibilita na grande maioria das vezes o alcance do benefício.
345

A legislação brasileira determina um regime jurídico diferenciado aos trabalhadores


rurais, segurados especiais. Conforme o parágrafo 1º do artigo 48 da Lei nº. 8.213/1991 têm
direito à aposentadoria rural por idade o trabalhador rural que completar 60 (sessenta) anos, se
homem, ou 55 (cinquenta) anos, se mulher, no valor de um salário mínimo.
Para a concessão desse benefício, além do requisito idade, deve o segurado especial
(trabalhador rural em regime de economia familiar) comprovar o exercício da atividade rural,
ainda que de forma não contínua, pelo período mínimo de 180 meses, conforme estabelecido
no artigo 142 da Lei nº. 8.213/91, observado o regime de economia familiar.
Destarte, a Constituição da República definiu as categorias de trabalhadores rurais que
possam ter acesso aos benefícios previdenciários na forma de segurado especial, por meio do
artigo 195 § 8º, sendo por assim entender o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rural,
bem como o pescador artesanal, assim como seus respectivos cônjuges, desde que suas
atividades sejam realizadas em regime de economia familiar, sem empregados permanentes.
Esses farão suas contribuições para a seguridade social por intermédio da aplicação de uma
alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e, ainda assim, terão direito aos
demais benefícios previdenciários (BRASIL, 1988).
Apesar da inserção desta categoria de trabalhador junto ao sistema previdenciário, o
texto constitucional não trouxe um rol taxativo de documentação necessária para a
comprovação de sua atividade rural, ficando a cargo de outras normas, em sua maioria
secundária, expedida pelos órgãos governamentais e previdenciários. À vista do supracitado, os
parâmetros necessários para o deferimento ou indeferimento de pedido de concessão de
benefícios previdenciários formulados por segurados especiais se tornaram espaços, a depender,
na maioria das vezes, de critérios subjetivos e extremamente mutantes.
O estudo tratará de aprofundar e identificar de forma concisa e clara a compreensão
sobre os limites da legislação e a informalidade sempre presente nas relações entre os pequenos
trabalhadores rurais. Nesse intuito, para alcançar o objetivo proposto, foi adotado o pressuposto
metodológico de caráter hipotético dedutivo que envolveu estudos bibliográficos a partir da
leitura e fichamento de textos em livros, revistas, artigos científicos, dentre outros meios que
trazem subsídios para a construção deste trabalho.
A pesquisa desenvolvida espera colaborar, mesmo que de forma modesta, para a melhor
compreensão da questão projetada, indicando observações emergentes de fontes secundárias,
346

tais como posições doutrinárias e jurisprudenciais relevantes, de modo a serem aplicadas


quando do confronto judicial com o tema em relação ao caso concreto.

2 DA SEGURIDADE SOCIAL BRASILEIRA

A luta frente à desigualdade social no Brasil é abordada há anos, se não, podemos dizer
há séculos; em decorrência da evolução socioeconômica as desigualdades acentuam-se no
coletivo social e concentra-se em diferentes grupos, conforme mencionado por Marisa Santos
(2019, p. 41), “a pobreza não é um problema apenas individual, mas, sim, social”.
Destarte, em consequência aos fatores socioeconômicos de modo a garantir o mínimo
existencial – os bens necessários e garantidor do mínimo para viver com dignidade – é que
surgiu a necessidade de fomentar a seguridade social no Brasil. A seguridade social é resultado
de profundas mudanças ocorridas no seio da sociedade e na concepção de Estado, conforme
assevera Frederico Amado (2016, p. 21), seguridade é um direito fundamental de segunda
dimensão fundada em prestações positivas e com intuito de implementar a isonometria material.
O termo seguridade social assume conceituações com abrangência mais ampla ou mais
restrita nos diferentes países. Em sua amplitude, seguridade social é um sistema complexo que
busca resguardar a sociedade contra eventos que venham a lhe causar danos. Nesse aspecto,
alude Fábio Zambitte Ibrahim (2011, p. 5) que a seguridade social concebe uma rede ampla de
proteção, formada pela união dos esforços do Estado e sociedade na totalidade, com o objetivo
de implantar ações para amparar pessoas carentes, trabalhadores em geral e seus dependentes,
para que esses grupos tenham um mínimo de dignidade.
Para Frederico Amado (2016, p. 21), a seguridade social tem a missão de proteger os
brasileiros dos riscos que podem ocasionar miséria e intranquilidade social. Essa proteção é
direcionada para pessoas em situação de vulnerabilidade social que foram empreendidas por
algum evento social que venha a comprometer sua subsistência e manutenção, assim como de
seus dependentes, como doença, idade avançada, morte, reclusão, dentre outros.
A assistência pública foi prevista pela Constituição do Império de 1824, cujo art. 179,
XXXI, garantia os socorros públicos. Conforme podemos observar, o texto faz referência no
sentido amplo da palavra, no que lhe concerne, não especificando o que seriam esses “socorros
públicos”.
347

Por sua vez, de fato, os socorros públicos não podiam ser dimensionados e resumidos
em uma só palavra, pois, muito embora não delimitado, referir-se a uma necessidade realmente
ampla e genérica. Nesse sentido, é que essa garantia consistia em um apelo mundial, na época,
em meados de 1941, o governo inglês formou uma Comissão Interministerial para o estudo dos
planos de seguro social e serviços afins e, por seu lado, nomeou como presidente da mesma o
economista britânico e notável reformista social progressista, William Beveridge.
Beveridge afirma que a miséria não seria combatida apenas quando se cessava a fome
dos necessitados; tão pouco, quando dotava de exclusividade os direitos dos trabalhadores. E
os não trabalhadores? Seja pela falta de oportunidade, pelo baixo grau de instrução ou em razão
de alguma anomalia, eles existiam e, por inúmeros motivos, não eram trabalhadores formais.
Dessa forma, o Estado não poderia se omitir com relação aos fatos, esse não era o
caminho. Então, concluiu Marisa Santos (2019, p. 49):

O seguro social, completamente desenvolvido, pode proporcionar a segurança dos


rendimentos; é um combate à Miséria. Mas a Miséria é apenas um dos cinco gigantes,
que se nos deparam na rota da reconstrução, e, sob vários aspectos, o mais fácil de
combater. Os outros são a Doença, a Ignorância, a Imundície e a Preguiça.

Por fim, o que podemos definir em suma amplitude é que, a seguridade social é gênero
que comporta variadas e importantes espécies fundamentais ao desenvolvimento social dessa e
de outras gerações. Já dizia Wladimir Novaes Martinez, “o legislador fica devendo as normas
sobre a efetivação da seguridade social, por falta de definição política e reconhecida
incapacidade de efetivamente atender às diretrizes constitucionais da ambiciosa matéria”.

3 DA ASSISTÊNCIA SOCIAL DO ESTADO

Inicialmente, cumpre ressaltar que nem sempre o Estado atuou como garantidor dos
direitos individuais e coletivos em sociedade, até hoje, a missão ainda é regida de muitas falhas,
porém não se pode negar, a conquista tem sido alcançada; através de lutas incessantes,
reivindicações, bem como, da efetivação das normas jurídicas regidas por um Estado
Democrático de Direitos.
Castro e Lazzari (2020) asseguram que, foi entre o Estado Moderno e o Contemporâneo
que se efetivou a proteção social dos indivíduos, em face aos acontecimentos que lhe acarretam
dificuldades, ou, em muitos casos, ocasionam a impossibilidade de subsistência por conta
348

própria; por sua vez, vale salientar que, a referida proteção consolida-se nas políticas públicas
da Seguridade Social.
Além disso, denota que na relação de emprego – a época do Estado Moderno – o trabalho
era compensado meramente pelo salário; sem nenhuma garantia, tão pouco regulamentações
que o regesse; nesse viés, nos deparamos, por mais difícil que seja, com situações análogas às
condições de escravaturas, pois não havia intervenção do Estado para garantir sequer o mínimo.
A conjuntura dos fatos só ocasionava consequências drásticas, revoltas e reivindicações
dos trabalhadores. Surgiu daí as primeiras preocupações com a proteção previdenciária do
trabalhador, ante a inquietação dos detentores do poder nos Estados com a insatisfação popular,
o que acarretou a intervenção estatal no que diz respeito às relações de trabalho e segurança do
indivíduo quanto a infortúnios.
Como disse Bismarck, governante alemão daquela época, justificando a adoção das
primeiras normas previdenciárias: Por mais caro que pareça o seguro social, resulta menos
gravoso que os riscos de uma revolução.
Dessa forma, a partir desse aspecto é que obtivemos a evolução social por parte do
Estado no que tange a sua atuação, de suma importância para evolução e garantia dos direitos
sociais; objetivando a garantia do mínimo existencial, com a finalidade de manter a dignidade
da pessoa humana – objetivo de estudo em nosso próximo tópico – especialmente àqueles em
situação de miserabilidade.

3.1 A PROTEÇÃO ESTATAL COMO GARANTIA À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Ao longo do exposto o que se sabe é que o direito à previdência social é indispensável


para o cidadão viver com dignidade, dessa forma, urge demonstrar sua garantia constitucional
à luz dos direitos fundamentais, essencial e/ou necessário a preservar a dignidade da pessoa
humana.
Em uma breve conceituação doutrinária, Barroso e Barcellos, afirmam que a dignidade
da pessoa humana é o centro primordial dos direitos fundamentais.

A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as


condições materiais de subsistência. Não tem sido singelo, todavia, o esforço para
permitir que o princípio transite de uma dimensão ética e abstrata para as motivações
racionais e fundamentadas das decisões judiciais. Partindo da premissa anteriormente
estabelecida de que os princípios, a despeito de sua indeterminação a partir de um
349

certo ponto, possuem um núcleo no qual operam como regras, tem-se sustentado que
no tocante ao princípio da dignidade da pessoa humana esse núcleo é representado
pelo mínimo existencial. Embora existam visões mais ambiciosas do alcance
elementar do princípio, há razoável consenso de que ele inclui pelo menos os direitos
à renda mínima, saúde básica, educação fundamental e acesso à justiça (2003, p.372,
grifou-se).

É importante destacar que o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo


1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, exige permanente concretização e delimitação
pela prática constitucional. Dessa forma, não há como negar a fundamental e imprescindível
importância do caso concreto na definição da dignidade.
A dignidade da pessoa humana foi adquirida com a entrada em vigor da Constituição
Federal Brasileira de 1988, com status de norma constitucional, tal princípio, segundo Sarlet
(2001), assume duas dimensões: defensiva e prestacional.
Na fase defensiva, a dignidade da pessoa humana atua como limite à atividade dos
poderes públicos, logo, dignidade é uma qualidade que pertence a todos os seres humanos e a
qual estes não podem renunciar. Já a segunda, refere-se à dimensão prestacional, imposta ao
Estado, no momento em que exige que este desenvolva suas ações no sentido de preservá-la e
que promova as condições necessárias à sua efetivação.
Dessa forma, com relação a essa dupla dimensão da dignidade, pode-se dizer que possui
íntima ligação com o princípio de liberdade, na medida em que o ser humano não deve ser
tratado como mero objeto para a realização de fins alheios; surgindo a necessidade de sua
proteção por parte da comunidade e do Estado, principalmente quando essa pessoa não for capaz
ou não se encontre em condições de exprimir sua vontade, em situações vulneráveis, como é o
caso dos absolutamente incapazes e das pessoas, por exemplo, involuntariamente submetidas a
um tratamento médico ou a uma internação exaustiva.
A doutrina constitucional brasileira é pacífica quanto ao entendimento de que a
concepção de homem-objeto constitui justamente a negação da ideia da dignidade da pessoa
humana. De acordo com Sarlet (2001), onde não houver respeito pela vida, pela integridade
física e também moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna
não se façam presentes, onde não houver limitação do poder e onde a liberdade, a autonomia
de vontade e a igualdade em direitos e dignidade não forem minimamente asseguradas, não
haverá concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Assim, levando-se em consideração os pontos da dignidade da pessoa humana até então
abordados, vale citar a definição de Sarlet:
350

Assim sendo, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distinta
de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte
do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de
cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa
e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os
demais seres humanos. (2001, p. 60; grifou-se).

Destarte, viver com dignidade é ter a garantia do mínimo, renda mínima, saúde básica,
moradia, educação fundamental e acesso à justiça, este último na maioria das vezes sendo o
garantidor da proteção estatal.

3.2 DO RISCO SOCIAL FRENTE À DIFICULDADE PROBATÓRIA À COMPROVAÇÃO


DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL

Prontamente, Marisa Santos (2019, p. 51) conceitua e discorre de maneira sucinta o que
viria a ser o risco social, para ela no seguro social, só tinham proteção aqueles que contribuíssem
para o custeio. Era adequada, então, a noção de risco social. A relação jurídica do seguro, social
ou privado, tem como objeto o risco, isto é, a possibilidade de ocorrência futura de um
acontecimento que acarrete dano para o segurado. No seguro privado, o contrato estabelece os
riscos cobertos, conforme escolha dos contratantes. No seguro social, entretanto, os riscos são
previstos em lei, ou seja, são o objeto da relação jurídica de proteção social. “A relação jurídica
preexiste ao acontecimento danoso, e nela são previstas situações causadoras de dano, que
podem ocorrer no futuro, e que serão objeto de indenização pela parte seguradora. O interesse
na asseguração de um bem reside na possibilidade da ocorrência da contingência danosa. ”
A autora ainda destaca que a seguridade social, não está relacionada com a noção de
risco, mas, sim, na de necessidade social, visto que os benefícios não têm intuito de indenizar;
podem ser voluntários, não são necessariamente proporcionais à cotização, e destinam-se a
prover os mínimos vitais.
Dessa forma, vale destacar que:

A relação jurídica de seguridade social só se forma após a ocorrência da contingência,


isto é, da situação de fato, para reparar as consequências — a necessidade — deles
decorrentes. Os valores dos benefícios de seguridade social destinam-se a garantir os
mínimos vitais, isto é, o necessário à sobrevivência com dignidade, o que se distancia
da indenização própria do seguro. Os benefícios, na seguridade social, não têm caráter
indenizatório. Além disso, na seguridade social, a contingência pode não gerar danos.
351

Costumamos dar como exemplo, no Brasil, o salário-maternidade. O nascimento do


filho gera o direito ao salário-maternidade porque, ao dar à luz, a mulher deixa de
trabalhar e, por isso, não recebe remuneração; é gerada, então, a consequência-
necessidade que dá direito ao benefício, para suprir a ausência de remuneração. “Há
contingências desejadas, que não causam danos, mas geram necessidades. ”

Dessa forma, a necessidade se enquadra como social, visto que, tem importância para a
sociedade, para que todos os seus integrantes tenham os mínimos necessários à sobrevivência
com dignidade.
Com relação a entender como se insere esse risco social em se tratando de questões de
aposentadoria, Marisa Santos (2019, p. 483) assevera que:

O risco social aplicável ao benefício previdenciário da aposentadoria especial é o


exercício de atividade em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física, de
forma que torna indispensável que o indivíduo trabalhe exposto a uma nocividade
notadamente capaz de ensejar o referido dano, porquanto a tutela legal considera a
exposição do segurado pelo risco presumido presente na relação entre agente nocivo
e o trabalhador.

Nesse sentido, vale destacar o risco social frente à dificuldade probatória de


comprovação do exercício da atividade rural, pois se sabe que o trabalhador rural exerce
atividade extremamente penosa, desgastante, exposto a condições variáveis do tempo e aos
raios solares, sujeitando-o a sofrer doenças malignas, prejudicando sua saúde e sua integridade
física e, frente a os desgastes do labor diário o segurado ainda é miseravelmente limitado
quando necessita dos benefícios previdenciários.
Existe grande dificuldade para os trabalhadores rurais comprovarem o exercício de sua
atividade rural durante o período de carência dos benefícios, pois, em grande parte, trabalham
de maneira informal, como é o caso de vários empregadores rurais que não registram seus
empregados ou de contribuintes individuais, que não recolhem suas contribuições.
Infelizmente, a falta de instrução e vida no campo os afastam das regras sociais
impostas, por muitas vezes, os fazem esquecidos por parte do poder público, dada a importância
da seguridade social pelo Estado como um todo.
Muitos empregados rurais não possuem o básico, que é o registro em Carteira de
Trabalho, exigir muito além disso, como comprovantes de pagamento, ficha de registro de
empregados, entre outros documentos formais é desproporcional.
Ante o exposto, podemos perceber a importância da proteção estatal como garantia à
dignidade da pessoa humana, em especial, ao trabalhador rural, seja como empregado celetista,
seja como segurado especial em regime de economia familiar.
352

4 DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Conforme a norma constitucional, ao legislador ordinário compete o encargo de aprovar


um plano previdenciário hábil a fim de atender as necessidades básicas dos cidadãos.
Nesse enfoque, foi criado quatro tipos de aposentadorias (por invalidez; idade; tempo
de contribuição, para os beneficiários que completou os requisitos antes da reforma
previdenciária – EC. 103/2019; bem como, a aposentadoria especial), três tipos de auxílios
(auxílio doença; acidente e reclusão, o último é destinado aos dependentes do segurado), alguns
salários de proteção (salário maternidade e salário família), por último, não menos importante,
a pensão por morte devida aos dependentes do falecido, conforme discorrido no art. 201 da
Constituição Federal.
Destarte, é importante mencionar que os benefícios supracitados são previstos pelo
Regime Geral da Previdência Social – RGPS, cada qual com regramento próprio e regras que
as competem individualmente. Ademais, a lei 8.213/91, dispôs acerca dos planos de benefícios
da previdência social, estabeleceu também as prestações conferidas pela Previdência Social
para a garantia da manutenção da vida de seus beneficiários e reforça em caráter de norma
infraconstitucional o que podemos verificar a seguir:

Art. 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações,


devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas
em benefícios e serviços:

I - Quanto ao segurado:
a) aposentadoria por invalidez;
b) aposentadoria por idade;
c) aposentadoria por tempo de contribuição;
d) aposentadoria especial;
e) auxílio-doença;
f) salário-família;
g) salário-maternidade;
h) auxílio-acidente;
II - Quanto ao dependente:
a) pensão por morte;
b) auxílio-reclusão;
III - quanto ao segurado e dependente:
a) pecúlios; (Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995);
b) serviço social;
c) reabilitação profissional.
353

Acerca do exposto, é cabível trazer as sábias palavras dos professores, Carlos Alberto
Pereira de Castro e João Batista Lazzari, acerca do assunto:

Nada impede que o número de prestações seja ampliado, para dar ensejo à proteção
do indivíduo em face da ocorrência de outros eventos de infortunística. Todavia, a
ampliação da proteção previdenciária não pode ser feita sem que, previamente, se
tenha criado a fonte de custeio capaz de atender ao dispêndio com a concessão
(Constituição, art. 195, parágrafo 5º). Também pode ocorrer supressão de prestações,
mantido, sempre, o direito adquirido daqueles que implementaram as condições
exigidas por lei para a obtenção das mesmas (CASTRO; LAZZARI, 2006, p. 455).

Dessa forma, percebemos que a prestação previdenciária irá substituir os rendimentos


do segurado, sempre que uma contingência social prevista em lei ocorrer na vida deste, que o
impeça de sustentar e prover sua subsistência e de sua família, por exemplo, morte ou invalidez
do segurado. Daí a importância e responsabilidade quanto a forma de custeio do sistema
previdenciário, tendo em vista que, o seu fracasso irá afetar negativamente as prestações
devidas e necessárias ao segurado.
Em casos como esses, deve ser aplicado e respeitado o que diz o artigo 201, parágrafo
segundo, da Constituição Federal: “Nenhum benefício que substitua o salário-de-contribuição
ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário-mínimo”.
No entanto, se o evento legalmente previsto ocorrer na vida do segurado de forma que
apenas reduza a sua força de trabalho e, dessa forma, seus rendimentos, a previdência não irá
substituir o rendimento do trabalho em sua totalidade, pois nesse caso, o segurado não deixa de
exercer sua atividade laboral, apenas diminui o fluxo. Dessa forma, será reforçado os seus
ganhos, indenizando o segurado pelo evento que lhe diminuiu a capacidade do trabalho.
A contingência social legalmente prevista é o acidente, este que reduz a capacidade de
trabalho e o benefício concedido pela previdência é o auxílio-acidente. Como não há
substituição do rendimento do trabalho, o benefício concedido pela previdência poderá ser
inferior ao salário-mínimo.
O artigo 18 da Lei 8213/91 classifica as prestações da Previdência Social em:

BENEFÍCIOS – prestações pecuniárias (pagas em dinheiro).


(Exemplos: aposentadorias; auxílio-doença, auxílio-acidente).
SERVIÇOS - prestações não-pecuniárias.
(Exemplo: reabilitação profissional).

Outras classificações das prestações previdenciárias, anteriormente mencionadas,


contudo, delimitadas conforme o art. 18 da Lei 8.213/91:

1) Quanto aos destinatários:


354

a) prestações concedidas somente aos Segurados (Lei 8.213/91, art. 18, inciso I):
Aposentadorias (por invalidez, por idade, por tempo de contribuição, especial);
Auxílio-doença;
Auxílio-acidente;
Salário-família;
Salário-maternidade.
b) prestações concedidas somente aos Dependentes:
Pensão por morte;
Auxílio-Reclusão
c) prestações concedidas aos segurados e aos dependentes:
Serviço social e reabilitação profissional.
2) Benefícios de caráter substitutivo ou não-substitutivo do rendimento do
segurado
a) Substitutivos: substituem os rendimentos do segurado.
b) Não-substitutivos: não substituem os rendimentos do segurado. Apenas os
reforçam.

Destarte, é importante mencionar que há uma série de requisitos que são necessários
para a obtenção das prestações previdenciárias, estas são previstas em lei, e são: i) qualidade de
beneficiário; ii) ocorrência da contingência social legalmente prevista; ambos os requisitos são
exigidos em todos os benefícios; e iii) cumprimento do período de carência, exigido em alguns
benefícios.
Diante do exposto, compreende-se que prestações previdenciárias são os benefícios e os
serviços oferecidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social aos segurados e dependentes do
Regime Geral de Previdência Social.

5 APOSENTADORIA POR IDADE RURAL

Com relação às aposentadorias por idade, existe a aposentadoria do trabalhador urbano


e rural; no entanto o trabalhador rural poderá ser empregado ou segurado especial, este que
trabalha em regime de economia familiar e de contribuição facultativa. Entretanto, antes de
adentrar mais especificamente na aposentadoria rural, é necessário saber quem são os
trabalhadores rurais sob a perspectiva do direito previdenciário, bem como, o conceito de
empregado.

Apenas os trabalhadores rurais enquadrados nas categorias de segurado empregado,


trabalhador eventual (bóia fria), trabalhador avulso e segurado especial são abrangidos
pela diminuição na idade para aposentadoria (art. 48, § 1º, da Lei n. 8.213/1991, com
a redação conferida pela Lei n. 9.876/1999; art.51 do Decreto n. 3.048/1999), não se
aplicando a regra ao produtor rural. O pescador artesanal também tem direito à
aposentadoria por idade, independentemente de ter recolhido contribuição
previdenciária, uma vez que está equiparado ao trabalhador rural, na qualidade de
355

segurado especial, para fins de proteção previdenciária (CASTRO; LAZZARI, 2020,


p. 560 a 561).

Diante do exposto, percebemos que há variadas espécies de trabalhadores rurais, no


entanto, para melhor compreensão faremos uma distinção dos principais: o empregado rural e
o segurado especial, analisados nos tópicos posteriores.
Destarte, vale deslindar que a diferença entre um trabalhador urbano e rural não é
somente o local onde o serviço é prestado, mas a natureza da prestação de serviço, por vez, de
eventualidade. Por exemplo, um trabalho executado em um escritório, no meio rural, será de
natureza urbana, logo se é executado em local urbano, mas com natureza rural, prontamente
será considerado trabalho rural.
O artigo 201, I, da Constituição Federal descreve como evento a ser coberto pela
Previdência Social essa proteção, por muitos doutrinadores, justificada como um direito ao
descanso, baseado em uma necessidade social, em virtude da redução da capacidade laboral do
indivíduo decorrente do seu envelhecimento e atividade desgastante.
De acordo com Costa (2005, p.115):

O trabalhador rural que contribui têm direito à aposentadoria por idade, satisfazendo
os requisitos: idade (sessenta anos, homem, e cinquenta e cinco, mulher) e a carência,
que é a mesma do trabalhador urbano, isto é, cento e oitenta contribuições o, se estava
no sistema antes da promulgação da Lei 8.213/91, sessenta contribuições, se já havia
preenchido as condições para a aposentação. Em não tendo vertido as sessenta
contribuições ou não tendo a idade ainda, mas estando filiado, anteriormente, à
legislação aludida, é necessário perfazer um período que está descrito na regra de
transição do artigo 142 da Lei Previdenciária.

Observa-se desse modo que, a idade do trabalhador rural em comparação à idade do


trabalhador urbano, é reduzida em cinco anos, isso decorre em função do desgaste físico que
estes trabalhadores sofrem, pois sabe-se que as atividades desenvolvidas em meio rural são mais
braçais, desenvolvidas em um período extenso de tempo, requerendo muito esforço físico por
parte do trabalhador.
Em que pese às espécies de trabalhador rural, com relação ao trabalhador rural sem
contribuição, isento de contribuir, é aquele não registrado na Carteira Profissional de Trabalho,
tendo em vista que o mesmo trabalha para diversos empregadores, e é costumeiramente
chamado de “bóia-fria”, por muitos doutrinadores considerado trabalhador rural em regime de
economia individual, tendo em vista que muitas vezes é o único da sua entidade familiar que
trabalha na agricultura, o que por vez, descaracteriza o trabalho em regime de economia
356

familiar, estes são isentos das contribuições à Previdência Social, seja em regime de economia
familiar, seja em regime de economia individual.
Vale ressaltar o que diz Costa (2005, p.117) acerca desses trabalhadores:

Os requisitos para sua aposentação são: idade avançada (sessenta anos, homem, e
cinquenta e cinco, mulher) e a prova do trabalho no campo, em período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, e em número de meses idênticos à carência
necessária ao referido benefício. Dessa feita, o bóia-fria deve provar que trabalha ou
que trabalhava no campo. Não pode ter havido afastamento da área rural, quando do
pedido de aposentadoria, posto que esta é excepcional, quando o segurado não
contribui, cujos requisitos são estabelecidos na legislação previdenciária.

Dessa forma, tanto o trabalhador urbano, como o rural, possui o bônus de quando
preenchidos os requisitos legais ter o direito da aposentadoria por idade reduzida em cinco anos,
ou seja, essa redução ocorre na idade e não nas contribuições, como percebemos, alguns tipos
de trabalhadores rurais não precisam contribuir.
Ademais, o § 1º do art. 48 refere-se expressamente aos trabalhadores rurais,
respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inc. I na alínea g do inc. V e nos
incs. VI e VII do art. 11 da lei n. 8.213/91, que são:

a) segurado empregado: aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à


empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração,
inclusive como diretor empregado;
b) contribuinte individual: que presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter
eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;
c) trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo;
d) segurado especial: pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano
ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda
que com o auxílio eventual de terceiros.

5.1 EMPREGADO RURAL

Inicialmente cumpre destacar o conceito de empregado, de acordo com o art. 3º da


Consolidação das Leis Trabalhistas: empregado é a pessoa física que presta serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Castro e Lazzari (2020), afirmam que o trabalho, para ser considerado relação de
emprego, deve ser realizado por conta alheia – os frutos do trabalho (a produção) ficam com a
pessoa distinta da que executa o trabalho. Não é emprego o trabalho realizado por conta própria,
quando os frutos ficam, em sua totalidade, com o próprio trabalhador, estabelecendo sua
condição de autônomo.
357

Destarte, os empregados, sejam urbanos ou rurais, encontram-se taxativamente no rol


de segurados obrigatórios da Lei n. 8.213/91, disposto no art. 11. Inciso I, alínea “a”, ou seja,
devem contribuir de forma obrigatória para o sistema previdenciário.
Dessa forma, conforme já mencionado anteriormente, o trabalhador rural tem direito à
mesma cobertura previdenciária devida aos trabalhadores urbanos. No entanto, ainda existem
diferenças entre ambos os trabalhadores em alguns benefícios previdenciários, e de acordo com
Marisa Santos (2019, p. 684), essas diferenças decorrem de duas condições: a) da constante
modificação da legislação previdenciária em relação aos rurícolas, o que impõe a observação
de algumas regras de transição específicas; ou b) da situação peculiar dos segurados especiais.
Vale destacar que, por estarem no mesmo regime previdenciário, os trabalhadores rurais
também não podem receber menos que um salário mínimo. E, com relação à trabalhadora rural,
este direito aos mesmos benefícios concedidos ao seu cônjuge.
Ademais, por consequência do princípio da uniformidade, o trabalhador rural deve
receber os mesmos benefícios do urbano. É necessária a compreensão destes benefícios e suas
regras. Marisa Santos (2019, p. 685) explicita:

O trabalhador rural segurado empregado, avulso, contribuinte individual ou


facultativo tem direito aos mesmos benefícios devidos aos trabalhadores urbanos, em
razão do princípio da uniformidade. O sistema previdenciário é eminentemente
contributivo, o que faz com que, em respeito ao princípio da equivalência, os
benefícios sejam concedidos nas mesmas condições e com os mesmos critérios de
cálculo utilizados para a cobertura previdenciária dos trabalhadores urbanos. Também
devem ser respeitadas as mesmas regras relativas à carência para concessão dos
benefícios. Esses segurados têm, então, cobertura previdenciária de aposentadoria por
invalidez, aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de contribuição, auxílio-
doença, salário-família, salário-maternidade e auxílio-acidente. Os dependentes têm
direito à pensão por morte e ao auxílio-reclusão. Quanto aos serviços, os segurados e
seus dependentes também têm direito ao serviço social e à habilitação/reabilitação
profissional.

O art. 201, § 7º, II, da CF, garantiu a aposentadoria por idade aos trabalhadores rurais
ao completar 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher. No entanto, vale ressaltar a PEC n. 287-
A/2016, nas palavras de Marisa Santos (2019, p. 689):

A Emenda Aglutinativa à PEC n. 287-A/2016 propõe a extinção do tratamento


diferenciado dado aos trabalhadores rurais. A proposta pretende a total alteração do §
7º do art. 201, fazendo desaparecer a aposentadoria por idade do trabalhador rural,
que será submetido ao mesmo regramento dado aos trabalhadores urbanos. Com a
alteração, o trabalhador rural só terá direito à aposentadoria com requisitos
cumulativos de idade (65 anos, se homem, e 62 anos, se mulher) e tempo de
358

contribuição (15 anos), com o que restará definitivamente igualado ao trabalhador


urbano para fins de cobertura previdenciária.

Além dos trabalhadores rurais até aqui destacados, há também uma classe de segurados
especiais que também são destinatários da aposentadoria rural, objeto de estudo no tópico
seguinte.

5.2 SEGURADO ESPECIAL

Os segurados especiais constituem, de acordo com a doutrina, com algumas


especificações é a última categoria dos segurados obrigatórios. Esses trabalhadores possuem
características que os diferenciam dos demais segurados da previdência social (CASTRO;
LAZZARI, 2015). Os mesmos autores ressaltam que a principal característica desta classe é
que os mesmos trabalham por conta própria e em regime de economia familiar, que com
pequenas produções mantêm a sua subsistência.
A Lei 8.213/91, em seu artigo 11, § 1º, tratou de conceituar o regime de economia
familiar, de modo que, entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o
trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento
socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e
colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718,
de 2008).
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a dar o devido reconhecimento aos
trabalhadores rurais, até então ignorados por Constituições anteriores. Nela vieram dispostas as
regras próprias, trazendo: conceitos de segurado especial, sua abrangência e seu modo de
contribuição para o sistema, por meio do resultado de sua produção.
Na Carta Magna, o legislador inseriu o trabalhador rural no sistema previdenciário
brasileiro independente da prévia contribuição – e aqui podemos encontrar uma das principais
conquistas da classe rurícola – substituindo esta condição à comprovação do tempo dispensado
em atividade rural.
Ao incluir o trabalhador rural no rol constitucional de segurado especial, o legislador
fez a utilização do Princípio da Solidariedade, em que se buscou dar dignidade a quem sofre
com as dificuldades do labor do campo. Além disso, a população que ainda resiste à dura vida
359

no campo, possui participação para economia do país, através da sua produção, mesmo que por
meio de um regime de economia familiar.

Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos


membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento
socioeconômico do núcleo familiar, e é exercido em condições de mútua dependência
e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (KERTZMAN, 2015, p.
117).

De acordo com Santos, “o conceito de segurado especial é extremamente importante


porque a lei pretende amparar aquele que faz da atividade laboral em pequenas propriedades o
instrumento de seu sustento e de sua família” (SANTOS, 2015, p. 179).
Acerca do segurado especial, o art. 195, § 8º, da Constituição, determina ao legislador
que observe tratamento diferenciado àqueles que, trabalhando por conta própria em regime de
economia familiar, realizam pequena produção, com a qual retiram sua subsistência.
De modo especial, cumpre mencionar de forma resumida como se dá o sistema
contributivo do segurado especial, conforme Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista
Lazzari (2020, p. 275):

O dispositivo constitucional determina que a base de cálculo das contribuições à


Seguridade Social destes seja o produto da comercialização de sua produção, criando
assim regra diferenciada para a participação no custeio. É que, sendo a atividade
destes instáveis durante o ano (em função dos períodos de safra, no caso dos
agricultores, temporadas de pesca, para os pescadores, criação e engorda do gado, no
caso dos pecuaristas, etc.), não se pode exigir dos mesmos, em boa parte dos casos,
contribuições mensais, em valores fixos estipulados.

Dessa forma, é considerado segurado especial, a pessoa física que resida em imóvel
rural ou em aglomerado urbano ou rural, que de forma individual ou em regime de economia
familiar, mesmo com o auxílio eventual de terceiros colaboradores, de forma que sejam: i)
produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados,
comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: agropecuária; ou de seringueiro ou
extrativista vegetal; ii) pescador artesanal ou a este assemelhado; e iii) cônjuge ou companheiro,
bem como filho maior de dezesseis anos de idade ou a este equiparado, trabalhem com o grupo
familiar.
Sobre esta classe previdenciária, esclarecem Folmann e Soares (2015, p. 138):

O segurado especial é a pessoa física que exerce, individualmente ou em regime de


economia familiar, atividade agropecuária, extrativista, pesca artesanal ou de
360

heveicultura (extração de borracha das seringueiras). Ou ainda, que seja parente dessa
pessoa, na qualidade de cônjuge ou companheiro, bem como filho ou equiparado,
desde que comprovadamente trabalhem na lide campesina.

Ao segurado especial é garantido também alguns benefícios, conforme demonstra


Marisa Santos (2019, p. 275):

A lei garante ao segurado especial apenas aposentadoria por idade, aposentadoria por
invalidez, auxílio-acidente e auxílio-doença. A Lei n. 8.861/94 acrescentou o
parágrafo único ao art. 39, garantindo à segurada especial o salário-maternidade. A
renda mensal desses benefícios é igual a um salário mínimo. Contudo, o auxílio-
acidente deverá ser calculado na forma do disposto no art. 86 da Lei n. 8.213/91 (v.
item 5.3.5.10, supra). Para terem direito aos demais benefícios previstos no PBPS e
com renda mensal superior ao valor mínimo, os segurados especiais têm a faculdade
de se inscreverem como segurados contribuintes individuais. Do segurado especial
não se exige o cumprimento de carência porque não existe a sua contribuição pessoal
ao RGPS, a menos que, evidentemente, esteja inscrito como contribuinte individual e,
nessa condição, pagando contribuições previdenciárias.

Ainda conforme Marisa Santos (2019), o segurado especial para ter direito aos
benefícios, deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que de forma descontínua,
desde que em período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número
de meses correspondentes à carência do benefício pretendido. Ademais, os dependentes do
segurado especial, têm garantia de pensão por morte e auxílio-reclusão, estes benefícios
também de um salário mínimo.

6 DIFICULDADE PROBATÓRIA À COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL E OS


SEUS REFLEXOS

O trabalhador rural se diferencia dos demais segurados na hora de comprovar sua


qualidade de segurado especial rural junto ao INSS, devendo apresentar a carência exigida e
inúmeros comprovantes de documentais relacionados à atividade rurícola exercida,
estabelecido no art. 106, da lei 8.213/91.
O segurado especial dispõe de proteção da Constituição Federal, como já mencionado
em tópicos anteriores. E mesmo diante disso, e de princípios previstos na constituição, como o
da dignidade humana e a igualdade, são diversas as dificuldades administrativas e judiciais,
para validar a qualidade de segurado.
Berwanger (2014) afirma que quando se trata de segurado especial, não é necessário
apenas provar que trabalhou, é crucial comprovar que o realizou em certas condições, que o
361

asseguram nessa espécie, quais sejam: atividade rural ou pescador artesanal em regime de
economia familiar, sem empregados permanentes. Dessa forma, é indispensável.
Pelo exposto, é necessário aprofundar o estudo da prova. Porém, é justamente essa
análise mais profunda do estudo da prova que desencadeia dificuldade ao segurado trabalhador
rural para conseguir seu benefício, principalmente em se tratando de segurado especial em
regime de economia familiar e/ou individual.
Infelizmente, ante a ilegalidade de algumas pessoas que agem de má-fé, no momento
em que pleiteiam o benefício previdenciário cabível ao agricultor, sem exercer essa atividade,
tendo em vista a dispensa da contribuição mensalmente para adquirir um benefício, é que os
agricultores natos sofrem as consequências. Por conta disso, muitas pessoas que vivem na
miséria e sobrevivem exclusivamente da atividade rural têm mais dificuldade para conseguir
esse direito, mesmo fazendo jus ao mesmo.
Essas dificuldades decorrem devido o único e crucial requisito para requerer o benefício,
sendo este a comprovação de sua atividade rural, em caso de aposentadoria por idade rural
sendo de 180 contribuição, ou seja, 15 anos de atividade rurícola, conforme os arts. 48, §1º, da
Lei 8.213/91 e o art. 201, §7º, inciso II, da Constituição Federal.
Ademais, a dificuldade da comprovação da atividade rural ocorre, principalmente, pela
falta de instrução e apoio social. Tendo em vista que, aqueles que têm condições econômicas
mais difíceis, vivem, muitas vezes, na informalidade, o que origina a falta de documentos
probatórios – na prática, há necessidade de um vasto número de documentos – para comprovar
seus próprios direitos.
Para Ribeiro (2016) a informalidade citada, a qual o segurado é vítima, em diversas
vezes, ocasiona a impossibilidade do segurado apresentar somente um único documento dentre
os descritos no artigo 106 da Lei 8.213/91. Ainda, conforme Ribeiro (2016), muitas autoridades
só se dão por satisfeitas quando preenchido o rol deste artigo. Descrito abaixo:

Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente,


por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008):
I - Contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
(Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008);
II - Contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº
11.718, de 2008);
X - Licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº
11.718, de 2008.
362

Como se observa, há um rol extenso e exaustivo à comprovação dessa classe de


segurados, e geralmente, o segurado não detém nem um terço dessa documentação.
Infelizmente, a maior parte dos benefícios em que pese aos segurados rurícolas na qualidade de
segurado especial, são negados na esfera administrativa e, após adentrarem via judicial, quando
o magistrado observa a existência de alguma incongruência, já julga de forma equivocada pela
improcedência do feito.
Contudo, para Ribeiro (2016) entende o Superior Tribunal de Justiça que o rol de
documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no artigo 106, é
meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos
além dos previstos no mencionado dispositivo.
Destrate, cumpre frisar, ainda com o entendimento pacificado do STJ, os documentos
colecionados que ultrapassem o rol supracitado devem ser apresentados e corroborados por
provas testemunhais. Isto posto, observa-se que o posicionamento dos julgadores é bem
diferente do da doutrina, lei e jurisprudência; até a dificuldade imposta no âmbito administrativo
(INSS) e judiciário. Diante disso, essa situação só fomenta, ainda mais, injustiça com as pessoas
que já vivem em situação de calamidade pública e necessidade social, como no caso dos
trabalhadores rurais e segurados especiais em regime de economia familiar.

6.1 DA NECESSIDADE DE FLEXIBILIZAÇÃO DOS MEIOS PROBATÓRIOS À


COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL

Se por um lado, a lei exige o início de prova material e de faz a vedação da prova
exclusivamente testemunhal, é inescusável para assegurar os benefícios que a justiça identifique
quem realmente é detentor do direito, entretanto, há de se ressaltar considerar que há situações
excepcionais, nas quais o trabalhador rural não é possuidor de meios que produzam a prova
documental exigida e imprescindível ao exercício do direito, em consequência de sua
informalidade.
Neste caso, há de se considerar a existência das exceções e em determinados casos que
haja a reconsideração e a atenuação do rigor legal, devendo as leis, nestas ocasiões, serem
interpretadas de maneiras mais brandas e de modo que favoreça o segurado, sob pena de se
inviabilizar a proteção social e desviar a lei de sua finalidade existencial.
363

Destarte, a exigência do início de prova material, é necessária, para que o benefício seja
concedido de forma justa e segura, conquanto, esta exigência não deve ser absoluta e inviolável
de modo que prejudique a proteção social do trabalhador e distancie a lei do objetivo
constitucionalmente pretendido, de contrário, teríamos um verdadeiro retrocesso social.
A Jurisprudência do TRF1 reafirma o entendimento do STJ trazido no tópico anterior,
dispondo pela não taxatividade do art. 106, da Lei nº 8.213/91, e ainda demonstra que
documentos que contenham fé pública, como registro civil, certidão de casamento ou de
nascimento dos filhos servem para comprovar a atividade rural, vejamos:

REEXAME NECESSÁRIO. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL.


SALÁRIO-MATERNIDADE. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL. INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PRESCRIÇÃO. BENEFÍCIO
INDEVIDO. 1. Apesar de ilíquida a sentença, tendo em vista o curto período entre o
ajuizamento da ação e a publicação da sentença, e considerando o valor mínimo do
benefício previdenciário, fica evidenciada a impossibilidade de a condenação de 1º
grau ultrapassar o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, devendo, assim, ser
aplicado in casu o disposto no art. 475, § 2º, do CPC. 2. Para além de ser um direito
social elencado (art. 6º) na Constituição Federal -, a proteção à maternidade se
constitui em um dos focos de atendimento da previdência social (art. 201, inciso II). 3.
O entendimento jurisprudencial se consolidou no sentido de que é possível se
comprovar a condição de rurícola através de dados do registro civil, como em certidão
de casamento ou de nascimento dos filhos e, ainda, em assentos de óbito, no caso de
pensão - em suma, por meio de quaisquer documentos que contenham fé pública,
prerrogativa que é extensível, inclusive, ao cônjuge do segurado -, sendo certo que o
art. 106 da Lei n. 8.213/91 contém rol meramente exemplificativo, e não taxativo. [...].

Como já visto anteriormente, a informalidade à qual o segurado é vítima, impossibilita


na maioria das vezes a apresentação de um único documento dentre os relacionados no art. 106,
da Lei nº 8.213/91, os quais são considerados prova plena da condição de segurado especial,
desobrigando da prova testemunhal.
Dessa forma, ante o exposto, é notório o grau de dificuldade do trabalhador rurícola,
principalmente, o segurado especial, frente ao sistema burocrático e desproporcional da
Previdência Social na busca incessante de um benefício concedido por este, em que pese a
aposentadoria por idade rural.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo seguiu os parâmetros de um sumário


previamente elaborado. Buscou-se cumprir e atender coerentemente as exigências da temática,
364

ou seja, averiguar os aspectos relativos à dificuldade probatória à comprovação da atividade


rural pelo trabalhador rural e, principalmente, pelo segurado especial. Como exposto, pode-se
observar os diversos aspectos previdenciários do trabalhador rural, pode-se também verificar
que a Constituição Federal ampliou sua proteção jurídica, por meio do princípio da
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços entre trabalhadores urbanos e rurais.
O segurado especial, tendo em vista toda sua normatização peculiar, pode ter
dificultado, devido à sua falta de conhecimento, a comprovação de atividade rural. Dessa
forma, a legislação prevê um amplo rol exemplificativo de documentos que podem servir como
prova de sua atividade rural. Outrossim, basta um início de prova material, a ser ratificada por
outros meios de prova, conforme entendimento dos Tribunais pátrios, para que se comprove a
atividade rural.
Nota-se que a legislação ampliou a proteção ao trabalhador rural, ampliando direitos ao
seu grupo familiar, como no caso do segurado especial, passando a estendê-la a um grupo de
pessoas desamparadas e que com dificuldades econômicas, sociais e culturais, tinham de buscar
amparo, muito tempo depois, na assistência social. Além da justiça social, são estes
trabalhadores que colaboram para o progresso do país durante toda sua vida profissional.
Como direito social que é, garantir Previdência Social a todos os trabalhadores rurais, é
validar sua condição de cidadão em uma sociedade justa e solidária, da qual se viam
desamparados antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Devido à falta de instrução dos trabalhadores, institui-se uma barreira linguística entre
os servidores da Previdência Social e os requerentes, situação que dificulta o diálogo entre
ambos, e promove a inadequação das respostas aos questionamentos realizados. Esse fato acaba
provocando indeferimentos de benefícios, principalmente no momento das entrevistas,
momento no qual sempre é firmada a convicção, muitas vezes equivocada do servidor
entrevistador.
Desse modo, a legislação previdenciária faz-se mister em vários aspectos, tanto
direcionada ao segurado, quanto direcionada ao atendimento, devendo ser disseminada pelos
meios de representação de massa.
Os operadores do direito, nesse assunto, vêm buscando rever conceitos absolutos a fim
de encontrar a melhor solução jurídica caso a caso, tendo em vista que a tão almejada inclusão
social do trabalhador rural tem encontrado empecilhos que os afastam de seus direitos, embora
possuidores dos mesmos.
365

Aliado a uma mudança técnica de flexibilização das normas conforme o caso concreto
que se apresenta, faz-se necessário também, é muito importante, buscar-se uma mudança
comportamental e cultural de toda sociedade, principalmente no que atinge as relações rurais
de trabalho, reprimindo a informalidade e proporcionando e/ou facilitando ao rural o acesso à
escola e aos seus direitos como cidadão.
Soa estranho, na atualidade, era da globalização, ainda existir esse extenso caminho a
ser percorrido em termos de evolução social, mas isto é normal em sociedades modernas que
não aceitam facilmente as mudanças implementadas pela lei quando esta aborda conceitos
culturais já consolidados.
Dessa forma, essa adaptação da legislação à realidade social é mais que necessária, posto
que possibilitará o acesso ao direito pelos segurados da previdência social, em especial os
trabalhadores rurais, até que se consiga uma efetiva mudança comportamental da sociedade.
Conclui-se, que toda problemática identificada no presente estudo, desencadeado por
meio de pesquisa bibliográfica, do aprofundamento e do confrontamento de posições entre os
diferentes atores envolvidos na pesquisa, apontam para a necessidade urgente de mudanças
profundas na interpretação legislativa, através de definições que estejam em plena consonância
com a realidade, no tocante aos segurados especiais.
Enquanto essa mudança não for realizada, faz-se necessário que ações minimizadoras,
tanto da alçada da Previdência social, como dos movimentos organizativos do campo, sejam
postas em prática, através de efetiva e consistente parceria entre as partes envolvidas,
almejando, assim, uma busca de solução dos obstáculos, com aplicação correta e justa dos
dispositivos em vigência.

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A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA: O impasse dos moradores da zona


rural da Mossoró/RN

João Paulo Avelino Bezerra Sobrinho1


Prof. Me. Gabriel Leite, de Freitas Junior 2

RESUMO

O presente artigo busca através dos dados franqueados pela Defensoria Pública nacional e do
Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, oportunizar o
debate sobre as vicissitudes e os percalços consistentes na democratização do acesso à justiça.
Nessa perspectiva, a problemática desabrocha na discrepância e desigualdade concernente as
mais variadas dificuldades da população que habita nas zonas rurais, circunvizinhas dos centros
urbanos, enfrenta para conseguir o acesso à justiça, enquanto a sociedade que reside nos centros
urbanos não encontra a mesma dificuldade. A situação acima citada é vedada pela Constituição
Federal de 1988, que em seu artigo 5° ao qual versa sobre a igualdade de todos perante a lei, e
de igual forma reprime qualquer tipo de discriminação. A pesquisa em tela busca expor que a
prerrogativa legislada in pro societate não é cumprida em solo canarinho, principalmente em
terras Norte Riograndense, pois a pesquisa toma como base a cidade de Mossoró/RN e as
comunidades rurais que estão ao seu redor. Para obter os resultados dessa pesquisa foi utilizado
tipo de pesquisa bibliográfica, que por intermédio dos dados cedidos pela Defensoria Pública
Nacional e do Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte foi
possibilitado a realização do presente trabalho científico. De igual sorte, o artigo evidencia a
indispensabilidade de órgãos como a Defensoria Pública e instituições como a Prática Jurídica
da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte na evolução da democratização do acesso à
justiça, embora enfrentem inúmeros percalços levam justiça a população mais carente.
Palavras Chaves: Acesso à justiça. Democratização. Defensoria Pública. Prática Jurídica.

ABSTRACT

Through the data provided by the National Public Defender's Office and the Nucleus of Legal
Practices of the Catholic Faculty of Rio Grande do Norte; this article aims to provide an
opportunity for the debate on the vicissitudes and mishaps consistent in the democratization of
access to justice. In this perspective, the problem comprises on the discrepancy and inequality
concerning the most varied difficulties of the population that lives in rural areas, surrounding
urban centers, which struggles to obtain access to justice, while the society that resides in urban
centers does not face the same difficulty. That situation is prohibited by the Federal Constitution
of 1988, which in its fifth article, which deals with the equality of all before the law, and
likewise represses any type of discrimination. The research on screen seeks to expose that the
prerogative legislated in pro societate is not fulfilled in Brazilian lands, especially in Rio Grande
do Norte State, as the research is based on the city of Mossoró/RN and the rural communities

1
Graduando em Direito, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, integrante do projeto de pesquisa e
extensão Direito na Comunidade, joao.sobrinho@aluno.catolicadorn.com.br
2
Mestre e Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, gabriel.junior@professor.catolicadorn.com.br
369

around it. To obtain the results of this research, a type of bibliographic research was used,
which, through the data provided by the National Public Defender's Office and the Nucleus of
Legal Practices of the Catholic Faculty of Rio Grande do Norte, made it possible to carry out
this scientific work. Likewise, the article highlights the indispensability of agencies such as the
Public Defender's Office and institutions such as the Legal Practice of the Catholic Faculty of
Rio Grande do Norte in the evolution of the democratization of access to justice, although they
face numerous mishaps to bring justice to the neediest population.
Keywords: Access to justice. Democratization. Public Defense. Legal Practice.

1 INTRODUÇÃO

O famoso artigo 5º da ilustre Constituição Federal de 1988, garante de forma taxativa


que todos somos iguais perante a lei, sem qualquer distinção ou discriminação. Concernente a
isso, deve-se destacar que sem acesso a justiça, o Brasil não pode denominar-se um estado
democrático de direito, vide que nem todos os seus habitantes possuem alcance ao sistema
jurídico nacional.
Deve ser entendido, que o primeiro passo para que se tenha um país democrático é
viabilizar meios isonômicos para que sua população como um todo possa gozar de acesso a
meios judiciários para resolver suas lides.
Observando estes fatos, o presente artigo tem como escopo principal: pesquisar de forma
aprofundada as questões que compõem o acesso à justiça da população mais vulnerável da
sociedade, tomando como base de estudo a cidade de Mossoró/RN, principalmente as
comunidades mais afastadas do centro urbano da cidade Norte Riograndense.
A presente pesquisa possui como base de dados os números franqueados pela Defensoria
Pública em âmbito nacional e pelo Núcleo de Práticas Jurídicas da Faculdade Católica do Rio
Grande do Norte, fornecendo materiais acerca da localidade em que os seus assistidos residem
e informações sobre condições financeiras, bem como dificuldades encontradas pelos assistidos
para conseguir tal acesso ao poder judiciário.
Desta maneira, a partir das pesquisas feitas sobre o acesso à justiça da sociedade, busca-
se evidenciar as dificuldades das comunidades mais carentes e afastadas do centro urbano da
cidade de Mossoró, abordando inclusive as melhores soluções possíveis a serem tomadas,
fomentando o debate sobre a eficácia do acesso à justiça na Capital do Oeste Potiguar.

2 CONCEITO E HISTÓRIA DO ACESSO À JUSTIÇA


370

A fim de que seja entendido de forma coerente do que se trata o acesso a justiça, é de
bom tom que sejam esmiuçados os aspectos históricos e os conceitos que envolveram o acesso
à justiça desde sua existência.
É salutar ao inicio do debate a menção do crescimento do acesso à justiça no Brasil, em
que pese ser um progresso dilatado e ameno, não se pode deixar de mencionar tal feito positivo
em sede nacional.
Durante sua história, o acesso à justiça teve seu surgimento registrado inicialmente na
Grécia antiga, através dos debates filosóficos que ocorriam naquela época, aos quais,
influenciados pelo jusnaturalismo, ou seja, buscavam entender a justiça como uma concepção
do que pode ser compreendido como “inerente a existência”, almejando a isonomia como
objetivo principal.
É possível a confirmação das informações supracitadas nas palavras do Dr. Pedro
Manoel Abreu:

“As primeiras discussões filosóficas sobre o direito nasceram na Grécia antiga,


tomando forma, inclusive, a expressão isonomia que, associada ao pensamento
jusnaturalista, influenciaria enormemente, no futuro, a questão dos direitos humanos.
A Escola Pitagórica representava a justiça com a figura geométrica do quadrado, pela
absoluta igualdade de todos os seus lados. Aristóteles formulou a teoria da justiça
fundada na igualdade das razões, influenciado pelo pensamento pitagórico (sobre
peso, medidas de igualdade e proporcionalidade). Através da chamada régua de
Lesbos, enunciou o conceito de equidade, evidenciando a possibilidade de o juiz
adaptar a lei ao caso concreto.”3

É indispensável mencionar que os filósofos gregos, à época, já tratavam acerca da


equidade, principalmente se analisado o que dispõe o princípio constitucional de igualdade, ao
versar que devido as situações divergentes, conjecturando-se que o tratamento também deve ser
diferente nas mesmas proporções, que exigidas pelas circunstâncias.
Dessa forma, segundo Nelson Nery Júnior:

“Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e


desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades” 4

3
ABREU, Pedro Manuel. O PROCESSO JURISDICIONAL COMO UM LOCUS DA DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA E DA CIDADANIA INCLUSIVA. Florianópolis: TESE DE DOUTORADO. UFSC, 2008. p.
319.
4
NERY JUNIOR, Nelson. PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 8. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1999, p. 42.
371

Volvendo a cronologia do acesso à justiça, a gênese dos registros dos debates sobre o
acesso à justiça dada na Grécia, teve papel fundamental na ascensão das discussões por todo o
mundo, como por exemplo: a Itália, mais especificamente a Roma antiga, que tomou por base
as conversas sobre o acesso à justiça iniciadas na Grécia para edificação do sistema Jurídico
Romano.5
A sociedade está em constante evolução e, com esse avanço, há também um crescimento
demográfico, que acarreta inevitavelmente no aumento das demandas jurídicas. É inegável, que
o sensu individual de cada um deve ser deixado em segundo plano quando o assunto é de
interesse coletivo, e nesse sentido discorre Mauro Cappelletti e Bryant Garty:

“À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade,


o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir
do momento em que caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas
necessariamente deixaram pra trás a visão individualista dos direitos, refletida nas
“declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove.” 6

Evidentemente, esse crescimento da sociedade influenciou para um progresso em uma


visão mais coletivista, buscando distanciar-se do individualismo impregnado das eras
medievais, em melhores palavras, seria dizer que houve um afastamento do instinto de
“sobrevivência” mantido outrora.
Enquanto o mundo crescia a passos largos nas discussões pelas buscas de um acesso a
justiça mais democrático, o Brasil, como já costumeiro, tinha o surgimento e a evolução do
acesso à justiça de forma consideravelmente lenta, como podemos entender ao analisar o que
versa Patrícia Marques Oliveski:

“Do ponto de vista legislativo, até o final do século 18, pouquíssimas eram as
referências a um direito próprio e exigível de acesso à Justiça. Ordenações Filipinas,
que passaram a vigorar no Brasil, como a de 11 de janeiro de 1603, continham algumas
disposições relativas a um suposto direito de as pessoas pobres e miseráveis terem o
patrocínio de um advogado”7

5
ABREU, Pedro Manuel. O PROCESSO JURISDICIONAL COMO UM LOCUS DA DEMOCRACIA
PARTICIPATIVA E DA CIDADANIA INCLUSIVA. Florianópolis: TESE DE DOUTORADO. UFSC, 2008. p.
319.
6
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução e revisão de Ellen Gacie Northfleet.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 10-11.
7
OLIVESKI, Patrícia Marques. Acesso à Justiça. Ijuí/RS, 2013. p. 72.
372

Em posição antagônica ao resto do globo terrestre, os séculos de 18 (dezoito) e 19


(dezenove) trouxeram avanços irrisórios ao povo brasileiro, não menosprezando o início, que
em algum momento iria acontecer, todavia a morosidade ao qual se deu o processo de
democratização do acesso à justiça, certamente trouxe prejuízos à sociedade canarinha, que
ainda nos dias atuais, não atingiu um nível satisfatório, tendo em vista a grande população
brasileira.
Nessa perspectiva, Patrícia Marques Oliveski elucida que:

“O acesso à Justiça, portanto, como o entendemos hoje, mesmo próximo dele,


simplesmente inexistiu no Império brasileiro, porque é fruto de um processo histórico
e político ainda não consolidado àquela altura da evolução do país. ” 8

É inconcebível imaginar em quantos aspectos a sociedade brasileira foi prejudicada em


virtude do processo de desenvolvimento social e político aplicado desde o seu “descobrimento”,
o poder judiciário da era imperial no Brasil equiparasse a uma nota cédula de dinheiro falsa,
que denota uma a sensação de poder econômico, entretanto tergiversa quanto a sua função
primordial, in casu, havia um governo legislando, contudo, não cumpria sua função mor, de
auxílio ao povo.
O século XX (vinte), certamente, foi o que obteve maior progressão se tratando de
acesso à justiça, e com o advento da Constituição Brasileira de 1934 é criada a assistência
judiciária para população mais necessitada, dando a estes, isenção de emolumentos, custas,
taxas e selos, expressando a obrigatoriedade da União e dos Estados de constituírem órgãos que
possuíssem como único objetivo suprir tais necessidades da sociedade.9
Em que pese a constituição brasileira de 1934 versar sobre a obrigatoriedade da criação
de órgãos para o atendimento à população necessitada, os entes federativos apenas despertaram
interesse de assim proceder mediante vigência da Lei nº 1060 de 1950, tendo a primeira
defensoria sido instalada no estado do Rio de Janeiro em 1954, com a criação de alguns
cargos.10

8
Ibidem. P. 73
9
OLIVESKI, Patrícia Marques. Acesso à Justiça. Ijuí/RS, 2013. p. 73.
10
Ibidem. P. 73-74.
373

Para que seja demonstrado de forma mais ilustrativa, vale a menção de um gráfico
produzido pela Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União,
disponibilizado pela Pesquisa Nacional Da Defensoria Pública11, vejamos:

Gráfico 01 – histórico da criação das Defensorias Públicas no Brasil:

Fonte: Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União | Pesquisa Nacional da
Defensoria Pública (2022).

Através do gráfico supra colacionado, é reverberado ainda mais a morosidade que o


processo de acesso a justiça padeceu, principalmente nos estados: Acre; Alagoas; Maranhão;

11
https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/
374

Rondônia, Rio Grande do Norte, São Paulo, Goiás, Paraná, Santa Catarina e o Amapá, que
somente tiveram acesso a uma defensoria pública em seus estados no século XXI (vinte e um).
Noutro norte, as práticas jurídicas, que assim como as defensorias públicas possuem
papel indispensáveis na facilitação do acesso à justiça, tardaram a surgir, sendo obrigatório à
graduação de direito somente a partir de 1994, como explica Eveline de Castro Correia:

“Foi através da Portaria nº 1.886/94, editada pelo Ministério da Educação e Cultura,


que surgiram as primeiras diretrizes curriculares para os cursos de Direito no Brasil,
e dentre elas a obrigatoriedade de estágio de prática jurídica. ” 12

A cronologia do acesso a justiça ainda não chegou ao seu momento final, pois ainda está
em desenvolvimento gradativo, e mesmo passado tanto tempo de seu surgimento, o Brasil ainda
está longe de alcançar um nível satisfatório de qualidade, isonomia e democracia no acesso à
justiça.

3 DOS PERCALÇOS ENFRENTADOS PELAS DEFENSORIAS PÚBLICAS E A


IMPORTÂNCIA DE SUA EXISTÊNCIA PARA A SOCIEDADE MAIS CARENTE:

Em primeiro plano, a lei complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994, dispõe em seu


artigo primeiro que:

Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional


do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático,
fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de
forma integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso
LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº
132, de 2009).

Como bem esmiuçado no tópico anterior, o exercício das atividades da defensoria


pública detém papel fundamental para a função jurisdicional do Estado, pois a democratização
do acesso à justiça passa diretamente pela existência das defensorias públicas em conjunto com
as práticas jurídicas.

12
CORREIA, E. C. . Núcleo de Prática Jurídica: Um dialogo entre a teroria e a prática nos cursos de direito. In:
Conpedi - Conselho Nacioal de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, 2012, Uberlandia. Anais do Conpedi de
Uberlandia, 2012.
375

Embora o processo de evolução do acesso à justiça fora deveras gradativo na história


brasileira, sem a existência dos defensores públicos e dos operadores do direito in loco nas
práticas jurídicas, a democratização do judiciário, que hoje está distante daquilo que é almejado,
estaria em situação ainda mais precária.
Mesmo com a presença das defensorias, vislumbram-se algumas problemáticas, pois
uma das maiores vicissitudes facilmente observadas, é a falta de efetivo de servidores da
defensoria Pública em âmbito nacional, que devido ao crescimento demográfico em grande
escala, não houve acompanhamento quantitativo de defensores públicos proporcional ao
aumento da população, o que ocasiona diretamente em grande fluxo de demanda nos centros
que possuem defensoria pública.
Os dados fornecidos pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul expõem
as seguintes informações:

“No Brasil, existe um defensor público para cada 33.796 habitantes. Levando em
consideração exclusivamente a população economicamente vulnerável, há um
defensor público para cada 29.730 habitantes com renda familiar de até três salários
mínimos. ”13

Nessa perspectiva, é desumano pensar que um único defensor público, independente das
pessoas que componham o seu gabinete, consiga suprir as necessidades jurídicas de quase de
30.000 (trinta mil) habitantes.
A média nacional é superada no Estado do Rio Grande Norte, que possui
aproximadamente 33.752 (trinta e três mil setecentos e cinquenta e dois) habitantes para cada
defensor público no Estado.14
Para elucidar de forma mais dinâmica os números dos defensores públicos por cada
estado, vale salientar um gráfico produzido e disponibilizado pela pesquisa nacional da
Defensoria Pública, vejamos:15

Gráfico 02 – Número de Defensores Públicos em cada Estado:

13
https://www.defensoria.rs.def.br/quase-25-da-populacao-brasileira-esta-impedida-de-reivindicar-seus-direitos-
aponta-pesquisa-nacional-da-defensoria-publica.
14
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/panorama
15
https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/
376

Fonte: Defensorias Públicas dos Estados, do Distrito Federal e da União | Pesquisa Nacional da
Defensoria Pública (2022).

Destacamos que o Rio Grande do Norte é um dos estados que possui menos defensores
públicos, totalizando 101 (cento e um) defensores lotados e divididos nos núcleos de
defensorias do Estado.
O Rio Grande do Norte possui cerca de 167 (cento e sessenta e sete) municípios, e desse
total, somente 59 (cinquenta e nove) são comarcas judiciárias (somando as Entrâncias: iniciais,
intermediárias e finais), destas 59 (cinquenta e nove) comarcas, apenas 40 (quarenta) possuem
núcleos de defensorias públicas, e como mencionado acima, possui 101 (cento e um) defensores
públicos.
Evidentemente, o Estado Norte Riograndense está em caminho oposto ao almejado ao
acesso a justiça pensado, haja vista que somado os municípios do estado, somente
377

aproximadamente 35,5% destes municípios são comarcas e apenas cerca de 25% possuem um
núcleo de Defensoria Pública.
A situação torna-se ainda mais grave se for pensado na comunidade rural, que em suma
maioria não tem sequer um transporte para se locomover de sua casa para um local mais
distante. A respeito disso, surge a indagação: será que um morador da zona rural, que mora
consideravelmente distante de um polo urbano conseguirá resolver sua demanda judiciária caso
necessite? Possui o morador da Zona Rural condições financeiras para procurar ajuda do poder
judiciário?
As indagações acima não possuem difíceis respostas, tendo em vista que até mesmo
aquelas pessoas que vivem nos centros urbanos sentem dificuldade de acionar a justiça para
resolução de alguma lide, é no mínimo ingênuo crer que boa parte das pessoas que habitam na
zona rural desfrutam da regalia de poder deslocar-se de sua comunidade até um local onde
consiga acesso à justiça de forma gratuita.
Nessa esteira, um aspecto que poderia diminuir os impactos causados pela distância
entre os municípios e as comunidades que cercam seus limites seria a efetivação e melhoria da
defensoria pública itinerante.
No site da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o projeto é explicado da seguinte
forma:

“A Justiça Itinerante é um projeto do Tribunal de Justiça onde a Defensoria Pública


exerce papel fundamental: o atendimento às pessoas que não têm condições de
contratar um advogado para resolver problemas de menor complexidade, com
audiências no local e solução mais rápida de questões jurídicas, facilitando a vida de
quem não tem acesso aos fóruns do local onde reside.”16

O programa de Justiça Itinerante promovido pela Defensoria Pública do Estado Carioca


se encaixaria de forma satisfatória aos anseios do Estado do Rio Grande do Norte, e seria uma
alternativa para auxiliar a evolução da democratização do acesso à justiça para a população que
reside em locais afastados dos centros urbanos.
A elaboração sistemática para atender melhor o estado do Rio Grande do Norte não seria
fácil e exigiria um investimento em estrutura para execução de tal ideia, todavia não seria
impossível.

16
https://defensoria.rj.def.br/Cidadao/Programas-e-Servicos/detalhes/2882-Justica-Itinerante
378

Pode-se imaginar, que se cada núcleo de defensoria pública, ao qual encontra-se alocado
em uma determinada região do estado, se dispor a promover caravanas itinerantes de
atendimentos judiciários nos municípios de menores portes, municípios estes não detentores de
defensorias e, não executante da função de sede do poder judiciário, resultaria em uma
significativa parcela de assistência à democratização do acesso à justiça para a população que
se vê mais esquecida pelo poder judiciário.
A defensoria pública do Rio Grande do Norte possui um esboço de um projeto similar
chamado defensoria na comunidade, entretanto o site oficial do órgão não expõe maiores
detalhes de como acontece e tampouco demonstra uma programação de quais comunidades
receberão sua assistência.
Seria ideal, um calendário anual, esmiuçando a data, local e os moldes da prestação de
serviço para a comunidade. Desse modo, para que o projeto não sufocasse os poucos defensores
em exercício, poderia se fazer um rodizio entre os militantes daquele núcleo responsável por
aquela comunidade, possibilitando dessa forma até uma caravana social a cada 15 (quinze) dias,
fazendo sempre uma rotatividade das comunidades assistidas.
O acesso a justiça passa diretamente por um serviço de qualidade prestado pela
Defensoria Pública estatal, e para uma maior democratização deste acesso, é imprescindível a
atuação dos defensores nas comunidades mais afastadas dos centros urbanos, procedendo
sistematicamente como no exemplo supracitado, ou em um modelo viável ao atendimento.
Indubitavelmente, o que não se pode restar é uma parte da população brasileira esquecida pelo
poder judiciário, ensejando a reflexão sobre a veracidade do estado democrático de direito ao
qual o Brasil e o Rio Grande do Norte se autodenominam e buscam ser.

4 DOS DADOS FORNECIDOS PELO NÚCLEO DE PRÁTICAS JURÍDICAS DA


FACULDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO NORTE E SUA CONTRIBUIÇÃO
AO ACESSO À JUSTIÇA PARA A CIDADE DE MOSSORÓ/RN E AS
COMUNIDADES CIRCUNVIZINHAS:

A Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN) possui uma prática jurídica de
profusa atuação na cidade Mossoró/RN desde meados do ano de 2021, ano de início de suas
atividades na seara jurídica.
379

O Núcleo De Práticas Jurídicas (NPJ) da FCRN, concentra os seus atendimentos na


comunidade mais carente da comarca de Mossoró, e seus serviços alcançam todos os bairros da
cidade em questão, assistindo também as comunidades circunvizinhas pertencentes a zona rural
que busca por auxílio judiciário.
Em virtude dos dados fornecidos pelo NPJ da FCRN, está pesquisa elaborou um gráfico
para demonstrar os mais diversos bairros da cidade de Mossoró/RN dos assistidos que buscaram
auxílio da prática jurídica em debate:

Gráfico 03 – distribuição dos Assistidos do NPJ:

BAIRROS DOS ASSISTIDOS DA NPJ


Santo Antônio
Aeroporto
Belo Horizonte
Barrocas
6% Abolições
6%
6% 6% Alto do Sumaré
Boa Vista
6%
9% Doze Anos
5% Santa Delmira
Planalto Treze de Maio
9% 4% Dom Jaime Câmara
Nova Betânia
4% Alto de São Emanuel
Centro
4%
13% Ilha de Santa Luzia
3% Costa e Silva
3% Bom Jardim
0% 1% 2%
1% Nova Mossoró
1% 2%
1% 1% 2% 2% 2% Zona Rural
Redenção
0% Alto da Conceição
Bela Vista
1%
Bom Jesus
Rincão
Vingt Rosado
Paredões
Pintos

O gráfico acima demonstra uma distribuição de assistidos bastante satisfatória entre os


bairros, dando esperanças que mesmos aqueles bairros mais afastados da zona nobre e do centro
da cidade, conseguem se deslocar até a prática jurídica para ser assistidos pelos estagiários que
ali atendem.
380

Nota-se, que a democratização do acesso a justiça vem sendo alcançada com êxito, vide
que os dados expõem que independentemente da localidade, importância e poderio financeiro,
o NPJ da FCRN alcança os mais distintos bairros da cidade em debate.
A cidade de Mossoró/RN é a maior cidade do estado no sentido territorial, e muitos de
seus bairros são bastantes antagônicos, distantes, e por isso os dados de distribuições dos
atendidos que são alcançados se tornam surpreendentes em virtude das variedades de
localidades encontradas.
Noutro norte, há um ponto negativo a ser mencionado, a zona rural de Mossoró apenas
representa 2% nos dados estatísticos quantitativos de assistidos do NPJ da FCRN, e tal fato
demonstra uma enorme discrepância entre assistidos da zona urbana e rural, como ilustrado no
gráfico a seguir:

Gráfico 04 – discrepância entre os números de assistidos da Zona urbana e rural:

DIFERENÇA DOS NÚMEROS DE ASSISTIDOS


DA ÁREA URBANA E ZONA RURAL

Urbana
98%

Urbana

Rural Rural
2%

Em recente levantamento da equipe responsável pelo censo rural, foi relatado que o
município de Mossoró possui aproximadamente 36 (trinta e seis) comunidades localizadas na
zona rural de Mossoró.17

17
https://www.prefeiturademossoro.com.br/noticia/censo-rural-ja-visitou-quase-25-mil-familias-em-36-
comunidades-de-mossoro.
381

Nesse sentido, torna-se ilógico crer que apenas 2% dos atendidos do NPJ da FCRN
representam de forma fiel as 36 (trinta e seis) comunidades da Zona Rural de Mossoró/RN.
Vislumbrando tal vicissitude, a coordenação do curso de direito e a coordenação do NPJ
da FCRN criaram um projeto denominado Direito na Comunidade, que em parceria com o
Centro de Referências da Assistência Social (CRAS) de cada comunidade, não apenas promove
ações sociais como também exerce intervenções nas comunidades em visitas diversas para
explicar algumas das leis inerentes ao cidadão, a qual ele possa não gozar de devido
conhecimento.
Não há atitude mais salutar ao processo de evolução do acesso à justiça do que levar a
justiça ao cidadão, que por motivos diversos não consegue de maneira facilitada esse acesso.
Nessa perspectiva, o projeto de extensão Direito na Comunidade da FCRN exerce papel
fundamental para o progresso do acesso a justiça para população mais carente, pois de forma
voluntária e gratuita, assiste a comunidade de maneira itinerante, com qualidade na prestação
de serviço, buscando promover a isonomia entre as comunidades rurais e o seu polo urbano.
Portanto, é evidenciado a importância das atividades exercidas pelo NPJ da FCRN, que
durante todo o seu período de existência, leia-se: um ano, segue numa busca incessante por não
se deter apenas “as quatro paredes” de um prédio e leva justiça para a comunidade, seguindo
uma conduta humanística esperada dos operadores de direito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Como já explanado nos tópicos anteriores, a legislação é taxativa ao definir que somos
todos iguais perante a lei, e dessa forma devemos gozar de isonomia quando o tema é acesso à
justiça, promovendo contextos e o básico para que a população em sua integralidade e de forma
homogênea possa conseguir acesso ao poder judiciário sem quaisquer discriminações.
É impraticável a criação de novas leis para se regulamentar aquilo que já é
regulamentado, seria um desperdício de investimento financeiro e de tempo dos legisladores na
elaboração de novas leis para tal fim. A melhor solução que consiste para a problemática é a
execução e fiscalização das leis que já possuímos, pois dessa maneira, à democratização se daria
de forma mais célere.
382

De igual sorte, o tema acesso a justiça não pode e não deve ser esquecido dos debates,
pois somente debatendo melhores soluções para a matéria que se obterá o progresso necessário.
Por fim, o direito fundamental de acesso a justiça somente irá alcançar as proporções
almejadas quando os órgãos e instituições, leia-se: defensoria pública e prática jurídica, agirem
em conjunto, de maneira itinerante, para abrangerem o maior quantitativo de pessoas levando
a melhor qualidade no serviço possível, dessa forma a população gozará de acesso democrático
à justiça.

REFERÊNCIAS

ABREU, Pedro Manuel. O PROCESSO JURISDICIONAL COMO UM LOCUS DA


DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DA CIDADANIA INCLUSIVA. Florianópolis:
TESE DE DOUTORADO. UFSC, 2008.

NERY JUNIOR, Nelson. PRINCÍPIOS DO PROCESSO CIVIL NA CONSTITUIÇÃO


FEDERAL. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda., 1999.

ABREU, Pedro Manuel. O PROCESSO JURISDICIONAL COMO UM LOCUS DA


DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E DA CIDADANIA INCLUSIVA. Florianópolis:
TESE DE DOUTORADO. UFSC, 2008.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. ACESSO À JUSTIÇA. Tradução e revisão de
Ellen Gacie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

OLIVESKI, Patrícia Marques. ACESSO À JUSTIÇA. Ijuí/RS, 2013.

ANÁLISE NACIONAL, 2020, disponível em:


https://pesquisanacionaldefensoria.com.br/pesquisa-nacional-2020/analise-nacional/. Com
acesso em: 01/08/2022

CORREIA, E. C. NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA: UM DIALOGO ENTRE A


TERORIA E A PRÁTICA NOS CURSOS DE DIREITO. In: Conpedi - Conselho Nacioal
de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, 2012, Uberlandia. Anais do Conpedi de Uberlandia,
2012.

QUASE 25% DA POPULAÇÃO BRASILEIRA ESTÁ IMPEDIDA DE REIVINDICAR


SEUS DIREITOS, APONTA PESQUISA NACIONAL DA DEFENSORIA PÚBLICA,
Porto Alegre/RS, disponível em: https://www.defensoria.rs.def.br/quase-25-da-populacao-
brasileira-esta-impedida-de-reivindicar-seus-direitos-aponta-pesquisa-nacional-da-defensoria-
publica. Acesso em: 03/08/2022.

Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística, Rio Grande do Norte, 2017, disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/panoramaAcesso em: 03/08/2022.
383

JUSTIÇA ITINERANTE, Rio de Janeiro/RJ, 2022, disponível em:


https://defensoria.rj.def.br/Cidadao/Programas-e-Servicos/detalhes/2882-Justica-Itinerante.
Acesso em: 03/08/2022

CENSO RURAL JÁ VISITOU QUASE 2,5 MIL FAMÍLIAS EM 36 COMUNIDADES


DE MOSSORÓ, Mossoró/RN, 2021, disponível em:
https://www.prefeiturademossoro.com.br/noticia/censo-rural-ja-visitou-quase-25-mil-
familias-em-36-comunidades-de-mossoro. Acesso em: 04/08/2022.
384

A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL: uma crítica aos cortes de gastos


na educação pelo atual governo

Leidiane Fernandes de Souza Araújo1


Alciomar Lopes de Araújo Filho2
Maria do Socorro Diógenes Pinto3

RESUMO

A pesquisa tem como problemática a preocupante diminuição de investimentos das verbas


públicas destinadas à educação, bem como o descaso que o atual governo tem demonstrado ao
tratar sobre o tema. O trabalho se justifica pela preocupação daqueles que têm visto a redução
desenfreada na educação pública brasileira, que causará sérios problemas, sociais e econômicos,
além da paralisação das pesquisas que são capazes de trazer desenvolvimento à nação. A
metodologia utilizada será a bibliográfica, através de consultas de materiais existentes, tendo
como enfoque a análise do método dedutivo. Como objetivo temos a intenção de demonstrar
que as verbas destinadas à educação são insuficientes para assegurar a eficiência do serviço
público prestado, que possui fim, social, econômico e cultural. Além da garantia de não
retrocesso nas conquistas estabelecidas, a fim de garantir um crescente desenvolvimento do
país. Como |direito fundamental, o acesso à educação, é parte significativa de um crescimento
social, pois é a partir dela que os indivíduos podem e devem ter conhecimentos sobre seus
direitos e deveres, buscando assim na vida em comunidade.
Palavras-Chave: Educação, corte de gastos, direito fundamental.

ABSTRACT

The research has as a problem the worrying decrease in investments of public funds destined to
education, as well as the neglect that the current government has shown when dealing with the
subject. The work is justified by the concern of those who have seen the unbridled reduction in
1
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Pós-graduada em
Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança Organizacional, pela Faculdade Vale do Jaguaribe (FVJ).
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
leidiane.defernandes@gmail.com
2
Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências e Tecnologia Mater Christi. E-mail:
lopesaraujo.dir@gmail.com
3
Doutoranda em Direito, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Especialista em Educação em Direitos Humanos, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Especialista em Língua Inglesa, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Graduada em Letras, com habilitação em Língua Inglesa, e em Direito, pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Advogada e Professora Universitária do Curso de Graduação em Direito e da Pós-Graduação
em Direito Processual Civil da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
diogenesadvocacia@hotmail.com
385

Brazilian public education, which will cause serious social and economic problems, in addition
to the stoppage of research that is capable of bringing development to the nation. The
methodology used will be the bibliography, through consultations of existing materials,
focusing on the analysis of the deductive method. As an objective, we intend to demonstrate
that the funds destined for education are insufficient to ensure the efficiency of the public
servisse provided, which has a social, economic and cultural purpose. In addition to the
guarantee of no setbacks in the established achievements, in order to guarantee the contry’s
growing development. As a fundamental right, acess to education is a significant part of social
growth, since it is from there that individuals can asn should have knowledge about their rights
and duties, thus seeking community life.
Keywords: Education, cost cutting, fundamental right.

1 INTRODUÇÃO

A educação como direito fundamental vem descrita na Carta Magna 4 de 1988, uma carta
cidadã que visa à garantia dos direitos de todos os cidadãos, entre eles o direito à educação, o
qual será foco deste trabalho, especificamente, quanto aos cortes sofridos por este direito
durante o atual governo e o seu impacto na educação do país.
A falta de incentivo apresentada pelo atual governo mostra preocupação com o
desenvolvimento educacional do país. A necessidade de investimento em educação básica e de
ensino superior é de extrema importância visto o crescimento que a educação traz à sociedade,
fazendo com que os indivíduos sejam mais conscientes dos seus direitos e conhecedores dos
seus deveres.
A pesquisa tem como problemática a atual situação em que se encontra a educação
brasileira, em que a preocupante diminuição de investimentos das verbas públicas destinadas à
educação vem sofrendo pelo descaso que o governo Jair Messias Bolsonaro tem demonstrado
quando se trata do tema e o desgaste que as instituições de ensino vêm sofrendo com a atual
gestão.
O trabalho se justifica pela preocupação daqueles que têm visto a redução desenfreada
na educação pública brasileira, que causará sérios problemas, sociais e econômicos, além da
paralisação das pesquisas que são capazes de trazer desenvolvimento à nação por meio de
projetos que lidam com temas de relevante valor social.
O incentivo ao desenvolvimento educacional do país, através da destinação das verbas
públicas, é fundamental para a prestação de serviço público na área da educação. As políticas

4
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:
Presidência da República, [2021].
386

públicas necessitam desse investimento para que possam alcançar o objetivo desejado com
eficiência, mas não deixando de ser oferecer subsídios reais para que estes objetivos sejam
alcançados de forma significativa.
Diante dessa perspectiva, o objetivo do presente artigo é demonstrar que as verbas
destinadas à educação são insuficientes para assegurar a eficiência do serviço público prestado,
que possui fim, social, econômico e cultural. Além da garantia de não retrocesso nas conquistas
estabelecidas, a fim de garantir um crescente desenvolvimento do país.
Para tanto, utilizamos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica, sob
uma abordagem qualitativa, a partir da leitura da doutrina, de leis e tratados internacionais,
buscando a ênfase para a construção de uma amostragem, onde se incentiva a constante busca
pelo incentivo à educação e criação de políticas públicas para o desenvolvimento dessa área.
Segundo Gil (2002) “a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já
existente, como por exemplo livros e artigos científicos constituídos. ”. A pesquisa bibliográfica
é usada como fonte e fundamentação do referencial teórico abordado neste trabalho, fornecendo
bases para a construção do estudo, tendo como aplicação o método dedutivo.

2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

A educação é direito fundamental do cidadão e para que sejam efetivamente


desenvolvidas as políticas públicas na área, é necessário que os recursos sejam suficientes, para
que esse direito possa ser garantido ao cidadão, havendo, dessa forma, a obediência às normas
legais que estabelecem o que deve ser seguido pelo gestor público.
O artigo 3º da Constituição Federal trata dos objetivos da República Federativa do
Brasil, estabelece metas a serem alcançadas pelos administradores da gestão pública, servindo
como norteadores dos investimentos das políticas públicas do estado. Porém quando os
analisamos percebemos ser impossível alcançá-los sem que exista investimento voltados para
a educação.
Conforme consta na Carta Magna de 1988, em seu artigo 3º5, constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil. No mesmo sentido, o artigo 6º da Constituição
Federal, que faz parte do título direitos e garantias fundamentais, estabelece que a educação é

5
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).
387

um direito social, devendo o seu acesso ser garantido pelo estado. Porém, o direito à educação
não deve estar restrito apenas ao acesso, mas deve haver esforços de todos os poderes da
república, na busca de garantir a qualidade do serviço disponibilizado ao público.
No artigo 6º6 da Constituição Federal de 1988 e apesar de disposto em nossa Carta
Magna, e em legislações infraconstitucionais, as normas de direito a educação não são normas
autoaplicáveis, pois, necessitam de intervenção do estado para que possam ser concretizadas,
sendo assim, é necessário que os órgãos e entidades públicas responsáveis tenham de políticas
públicas que deem efetividade a esse direito.
Além de constar no ordenamento jurídico brasileiro, o direito à educação é
regulamentado por tratados internacionais, como exemplo: o Pacto de São José da Costa Rica7,
também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual o Brasil é
signatário, e se comprometeu perante o mundo a desenvolver formas de incentivo e
desenvolvimento da educação nacional.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o Pacto de São José da Costa Rica ingressa no
ordenamento jurídico com status de norma supralegal, ou seja, está em posição superior a uma
norma, observada a disposição hierárquica jurídica existente, oportunizando assim uma maior
garantia de direitos fundamentais.
Ademais, no dia 20 de novembro de 1996, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional8 (LDB). Esta Lei cria parâmetros a serem seguidos quando se trata de
educação como ponte norteadora para políticas de incentivo educacional e políticas públicas
voltadas para o crescimento desta área, apontando ainda a necessidade de investimento, para
que além de desenvolvimento na educação básica, possa ocorrer incentivos na área da pesquisa,
por ser de extrema importância (BRASIL, 1996).

6
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição (BRASIL, 1988).
7
DECRETO No 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”), 1969. O
Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos Humanos,
publicado no final da década de 60, em 1969, é apontado como marco político e normativo na proteção, no
respeito e na promoção dos Direitos Humanos, especialmente, nas Américas. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 09 set. 2021.
8
LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Brasília: MEC, 1996. BRASIL. Disponível em: L9394. Acesso em: 08 Set. 2021. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação ou LDB é a legislação que define e regulamenta o sistema educacional brasileiro, seja ele público ou
privado.
388

Como podemos observar o direito à educação está positivado em nossa Constituição,


em tratados internacionais, e em normas infraconstitucionais, sendo um direito social, que
necessita da intervenção do estado para que seja efetivado, pois, é um direito que demanda
tempo e investimento público para que possa ser efetivado com eficiência. Sendo assim, o
investimento na educação é fator preponderante para o desenvolvimento social.
O acesso ao conhecimento é fator libertador, dando ao ser humano a capacidade de
desenvolver o raciocínio crítico sobre os fatos que acontecem em seu cotidiano, e esta
capacidade ajuda o cidadão na cobrança daqueles que governam, e no tocante ao
desenvolvimento de ações que promovam bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida.
Tendo acesso à educação de qualidade o cidadão é capaz de exercer com plenitude a sua
cidadania, por meio do voto, não sendo facilmente manipulado por aqueles que apenas almejam
o poder. Além disso, é capaz de se utilizar dos meios legais para exigir daqueles que o representa
no legislativo e executivo as políticas públicas necessárias ao desenvolvimento da educação
básica e superior.
É senso comum para qualquer cidadão quando questionado sobre qual área o setor
público deve investir, que seja citada a educação como um dos itens de maior relevância, pois
sabe-se que a educação é a base para uma sociedade igualitária, e com oportunidades para todos,
o que tem como consequência melhor qualidade de vida.
Sobre o dever em educar o artigo 205 da Constituição Cidadã de 1988 explicita que:

A educação, direito de todos e dever do estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988).

O Estado brasileiro tem como função, estabelecida constitucional, o dever de promover


a toda população acesso à educação, e para que isso ocorra com qualidade, e seja garantida a
isonomia entre o setor público e o privado, é necessária a destinação de verbas públicas
suficientes para suprir as necessidades, ou seja, além da questão da estrutura física das escolas
e materiais utilizados, é imprescindível que os profissionais sejam bem remunerados e tenham
boas condições de trabalho, e isso só pode ser alcançado se o orçamento previsto for suficiente.
O Brasil como signatário do Pacto de São José da Costa Rica, assumiu o compromisso
com o incentivo à educação, na busca de alcançar os direitos decorrentes de áreas como
389

educação, ciência, e cultura, e para isso é necessário que o estado brasileiro se comprometa
economicamente com essas áreas.
No artigo 26, da Convenção Americana de Direitos Humanos, encontra-se a seguinte
previsão:

Desenvolvimento progressivos Estados-partes comprometem-se a adotar as


providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional,
especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena
efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre
educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados
Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos
disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

Para que o país possa suprir suas as questões internas relativas à educação, é necessário
o volume de investimento suficiente para suprir as deficiências advindas de décadas de descaso
com o ensino no Brasil, ou seja, nós temos uma dívida histórica com a educação, e a simples
alegação de que os recursos utilizados são suficientes, não é o bastante para resolver o
problema. É preciso observar, no caso concreto, se houve melhoria no ensino, e em caso de
negativa, além de observar a gestão, deve ser revisto qualquer tipo de corte nos investimentos
públicos na área.

3 UMA CRÍTICA AOS CORTES NOS INVESTIMENTOS DA EDUCAÇÃO

Quanto aos investimentos, o legislador deixou a critério do gestor público o quanto deve
ser destinado a essa importante área, pois LDB é explícita ao tratar de um valor mínimo de
investimento por parte da união, demonstrando que a educação é um dos pilares do
desenvolvimento do país, o que explica a legislação não impor limite máximo de investimento,
pois a educação é fundamental quando se pensa em desenvolvimento nacional.
A União será responsável, de acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo
69, por aplicar, in verbis:

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito


Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas
Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as
transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.
390

Acerca dos recursos, é necessário lembrar que o Brasil apesar de destinar mais de 5%
do seu PIB9 para a educação, possui uma dívida histórica com a educação pública, pois, quando
comparada com a qualidade da educação privada, as crianças que dependem do ensino público
encontram forte desvantagem.
O país possui um déficit no investimento com o ensino, se fizermos uma analogia da
educação brasileira com uma pessoa em estado de inanição, a educação do Brasil seria uma
pessoa que necessita de uma complementação a mais de nutrientes, o que demanda maior
investimento.
A Fundação Sem Fins Lucrativos de Crédito Educacional (2019) relatou sobre o fator
histórico de crédito nos país que:

Há um fator histórico que deve ser considerado quando se compara o Brasil a países
desenvolvidos, apontam educadores ouvidos pela reportagem. Para o doutor em
Educação Gabriel Grabowski, avaliações como o Pisa precisam ser melhor
contextualizadas, pois analisam, lado a lado, países, processos, públicos, realidades
bem diferentes. O Brasil, ele argumenta, não tendo investido em educação durante
séculos, contando com grande contingente de analfabetos e baixa escolaridade de
níveis médio e superior, é “comparado a nações que, há 200 anos não têm
analfabetismo”.

O desenvolvimento nacional está intrinsecamente ligado a quanto se investe na


educação, fato que justifica maior investimento na área.
Muitos comparam em valores percentuais o valor que o Brasil investe na educação em
relação à alguns países desenvolvidos, como, por exemplo, o Japão, que investe 3,3% de seu
PIB e recebeu a terceira maior média mundial no pisa, enquanto o Brasil destina 5,7%, mas o
fator histórico é importante na hora de buscar entender essa questão de desempenho, pois, temos
um maior número de analfabetos, escolas em mal estado de conservação e sem estrutura
adequada, professores mal remunerados e baixa escolaridade da população mais idosa
(FUNDACRED, 2019).
No cenário do governo atual temos visto uma diminuição no investimento em educação,
pois tal governo alega que o estado já investe o suficiente na área e que o que deve ocorrer é
apenas uma gestão mais eficiente dos recursos. 10 Devemos salientar que se a educação não teve

9
O Produto Interno Bruto tem como referência o valor agregado, depurado das transações intermediárias e
medido a preços de mercado, de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico do
país sob consideração (ROSSETTI, 1979, p.164).
10
Bolsonaro corta verbas da educação, INSS, saúde e meio ambiente no Orçamento. A segunda maior redução
foi feita no Ministério da Educação, totalizando 740 milhões de reais. Entre as áreas impactadas, está o programa
Educação Básica de Qualidade, com redução de aproximadamente 400 milhões de reais. Também foi travado um
391

melhora na qualidade, podemos concluir que o investimento é insuficiente, ou que o governo


Bolsonaro não tem tido uma boa gestão da educação.
Os investimentos na área da educação tiveram uma grande diminuição nos últimos
anos, passando de um total de R$ 94,47 bilhões no ano de 2019, para R$ 51,51 bilhões em 2021,
o que representa uma redução de 45,47%. Esse fato gera um enorme problema social, pois, a
educação brasileira que já vinha historicamente sofrendo com má gestão e pouco investimento,
agora se encontra em situação preocupante (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2020).
Ainda sobre os cortes existentes, tivemos um sério corte nas bolsas do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico11 (CNPQ), que apesar de ligada ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, afeta diretamente a educação brasileira, tendo em vista
queas bolsas de mestrados e doutorados são financiados por essa verba, e apesar de receber o
nome de bolsa, na verdade funcionam como salário, visto que os pesquisadores estão impedidos
de exercer atividade remunerada simultaneamente, gerando assim um forte atraso na ciência e
na educação brasileira (VAIANO, 2021).
Ainda sobre as bolsas de ensino pesquisa e extensão, Vaiano (2021) informa que:

O maior problema, porém, é o valor das bolsas, que não é reajustado desde 2013. No
início da série histórica pós-Plano Real, em 1995, um auxílio de doutorado do CNPq
valia R $1.073; hoje, são R $2.200. Caso o valor tivesse acompanhado o INPC – usado
normalmente para reajuste de salários –, a bolsa estaria em R$ 6.006. Muitos
doutorandos não moram originalmente nas cidades em que ficam suas faculdades, e
portanto, não têm a opção de morar com os pais: precisam arcar aluguel e outras
despesas básicas com os 2.200.

Tais cortes geram sérios riscos ao país. A sociedade está podendo presenciar a
importância das pesquisas científicas, quando nesse momento de pandemia, os pesquisadores
estão desenvolvendo vacinas capazes de salvar milhões de vidas, e em contrapartida existe um

repasse de 34,4 milhões de reais para apoio à consolidação, reestruturação e modernização das instituições
federais de ensino superior. Em relação ao funcionamento e gestão de instituições hospitalares federais,
vinculadas ao Ministério da Educação, o corte foi de 100 milhões de reais.
https://www.istoedinheiro.com.br/bolsonaro-corta-verbas-de/
11
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico responsável pelo fomento às pesquisas
científicas e tecnológicas brasileiras e pela formação de pesquisadores. O CNPq é subordinado ao Ministério da
Ciência e Tecnologia (MCT) e sua trajetória está intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento científico
brasileiro.O CNPq oferece bolsas e auxílio à pesquisa em diferentes modalidades. As bolsas são destinadas a
pesquisadores experientes, a pessoas recém doutoradas, a alunos de pós-graduação, graduação e ensino médio.
Os valores das bolsas são variados. Existem duas categorias de bolsas: bolsas individuais (no Brasil ou no
exterior), ou bolsa por quotas. As Bolsas individuais, tanto no país, como no exterior, são de fomento científico
ou tecnológico. https://www.infoescola.com/ciencias/cnpq/
392

significativo retorno financeiro, mas em oposição aos fatos, a gestão federal vem impondo
dificuldades à área e buscando diminuir a importância do setor.
O governo federal tem feito cortes na educação, durante a campanha falava-se em
diminuir gastos com o ensino superior para investir na educação infantil, mas o que, na verdade,
está ocorrendo é um corte geral na educação, tanto na educação superior, e pesquisas, quanto
na educação infantil, que piora ainda a situação da educação do país que já precisava de mais
atenção por parte dos gestores.
Em uma reportagem a Agência O Globo (2021) descreve sobre a promoção de inscrição
do financiamento estudantil:

Enquanto tenta promover financiamento de matrículas da educação infantil em


escolas que não sejam da rede pública, o governo tem reduzido os gastos destinados
ao programa Proinfância, ano a ano, desde o início do mandato do presidente Jair
Bolsonaro. De acordo com dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE), no ano passado, foram pagos cerca de R$155 milhões, menos da
metade do gasto registrado em 2019, quando foram pagos R $325,6 milhões. Já em
2021, a quatro meses do fim do ano, o recurso empregado foi de R$ 44 milhões, que
não chega a um terço do valor de 2020, o que indica que o dinheiro para a área pode
sofrer mais uma baixa.

Ao contrário do prometido durante a campanha, o governo cortou verbas da educação,


retirou investimentos12 no ensino superior, e das pesquisas, contudo, ao invés de destinar esses
recursos à educação básica deu andamento aos cortes, quando observado os investimentos entre
os nos anos anteriores13, ou seja, a educação superior, que estava tendo uma melhora com os

12
Segundo o 6º Relatório Bimestral da Execução Orçamentária do MEC, publicação lançada este mês pelo
Todos Pela Educação, a pasta encerrou o exercício de 2020 com a menor dotação desde 2011, R$ 143,3 bilhões.
Outros números demonstram a falta de priorização da Educação Básica da atual gestão, confirmado pelos cortes
no orçamento do MEC e pelo insuficiente apoio técnico e financeiro destinado ao combate à pandemia ao longo
do ano: a Educação Básica encerrou 2020 com R$ 42,8 bilhões de dotação, 10,2% menor em comparação ao ano
anterior, e R$ 32,5 bilhões em despesas pagas. Após 12 meses, o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação) consumiu apenas 63% do seu limite de empenho e 77% do limite de pagamento das despesas
discricionárias, evidências da baixa execução e dos problemas de gestão que cercam a pasta.
https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2021/02/6%C2%B0-Relatorio-Bimestral-da-
Execucao-Orcamentaria-do-MEC
13
O governo triplicou o orçamento do Ministério da Educação nos últimos oito anos, passando de R$ 17,4
bilhões em 2003 para R$ 51 bilhões em 2010. Se forem incluídos nesta conta os recursos da transferência do
Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), do salário educação e da quarta parte do
repasse estadual, o valor passa de R$ 19,1 bilhões em 2003 para R$ 59,1 bilhões em 2010. Os dados foram
divulgados neste final de semana pelo ministro da Educação, Fernando Haddad. Ele disse que os recursos estão
sendo aplicados de forma consistente para melhorar a educação no país, sobretudo na educação básica. “Isso
quer dizer que o orçamento triplicou em termos nominais e dobrou em termos reais”, disse o ministro.
O valor do investimento por aluno evolui em todas a etapas da educação básica e se mantém estável na educação
superior. O investimento por aluno, que era de R$ 1,6 mil em 2000, saltou para R$ 3 mil, e a meta é a de atingir
R$ 3,5 mil. “O aumento de 0,8% do PIB (Produto Interno Bruto) foi todo destinado à educação básica. ” Já para
o ensino médio profissionalizante, em que o investimento por aluno é mais alto, deve ser de R$ 4,5 mil por
393

governos anteriores, está em baixa, e a educação básica, que tinha promessa de investimentos,
também está sofrendo cortes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Educação é direito fundamental do cidadão, e deve receber do gestor público a


dedicação necessária para que este serviço seja prestado de forma eficiente, visto que além de
importante para cada pessoa individualmente, é usufruída de forma a multiplicar o
conhecimento por parte de quem recebe, seja de maneira formal, através da escola, ou de
maneira informal, em rodas de conversas e discussões.
O atual governo tem deixado de investir na educação, realizando frequentes cortes e
crescente falta de incentivos na área, o que pode ser acompanhado por qualquer cidadão ao
realizar uma consulta nas bases de dados do Ministério da Educação, bem como nos relatórios
do Ministério da Economia. A preocupante onda de cortes é vista como desastrosa por parte da
sociedade, principalmente por aqueles que são da área educacional.
Direito fundamental, a educação é vista como garantia ao não retrocesso, oportunizando
educação básica - educação infantil, ensino fundamental e médio - a todos e proporcionando
ao ensino superior o tripé de ensino, pesquisa e extensão, o que a longo prazo trará benefícios
significativos para toda a população como cidadãos conscientes do seu papel em contribuir por
uma sociedade mais justa, em que a educação deve ser priorizada e não apenas tratada como
moeda de campanha política.
Nesse sentido, a implementação de políticas que garantam e incentivem o indivíduo aos
mais altos níveis de educação, assim como costa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, já aqui discutida sobre sua importância, encontrou uma forte barreira na gestão do
atual governo do então Presidente Jair Messias Bolsonaro.

aluno. Os números também mostram que a distância entre o investimento na educação básica e na educação
superior vem caindo. Em 2000, essa diferença era de 11 vezes, em 2008 caiu para 5,6 vezes, o que é muito
próximo do patamar da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os
países ricos.O percentual do investimento por estudante em relação ao PIB por aluno elevou-se de 14,5% em
2002 para 19%. Na OCDE, a média é de 25%. A meta do ministério, diz Haddad, é a de acabar 2010 com o
orçamento em 5% do PIB, o que dá 1% do PIB a mais do que foi investido historicamente. Ele projeta pelo
menos mais 1% para o próximo período, com um aumento de pelo menos 0,2% ao ano.
http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/investimento-em-educacao
394

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:


Presidência da República,1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 Ago.
2021.

BRASIL. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Estabelece as diretrizes e bases


da educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
Acesso em: 08 Set. 2021.

Bolsonaro corta 62% da verba para educação infantil entre 2018 e 2020. Agência o
Globo, 22/08/2021. Disponível em: https://economia.ig.com.br/2021-08-22/bolsonaro-verba-
creche.html Acesso em: 02 Set. 2021.

Ciência brasileira sofre com cortes de verbas e encara cenário dramático para pesquisas
em 2021. Academia brasileira de ciência. Disponível em:
http://www.abc.org.br/2021/01/05/ciencia-brasileira-sofre-com-cortes-de-verbas-e-
encaracenario-dramatico-para-pesquisas-em-2021. Acesso em 02 Set. 2021.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa.4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos,


1948. Disponível em: Declaração Universal dos Direitos Humanos. Acesso em: 23 Ago.
2021.

ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana de Direitos


Humanos (“Pacto de San José de Costa Rica”). 1969. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm. Acesso em: 09 set. 2021.

Portal da transparência. Controladoria-Geral da União, Disponível em: Educação - Portal


da transparência Acesso em: 19 Ago. 2021.

FUNDACRED, Quanto e como é o gasto do Brasil com educação. Disponível em:


https://www.fundacred.org.br/site/2019/04/16/quanto-e-como-e-o-gasto-do-brasil-
comeducacao/. Acesso em: 27 Ago. 2021.

ROSSETTI, José Paschoal. Contabilidade Social. 7 Ed. São Paulo: Atlas, 1994.

VAIANO, Bruno. CNPq só conseguirá pagar 13% das bolsas aprovadas para cientistas
em 2021. 426 Ed. São Paulo. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/cnpq-so-
conseguira-pagar-13-das-bolsas-aprovadas-para-cientistas-em-
2021/#:~:text=O%20Conselho%20Nacional%20de%20Desenvolvimento,que%20foram%20a
provados%20para%202021. Acesso em: 27 Ago. 2021
395

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FISCAL PARA A DEMOCRACIA

Dara Lourdes Praxedes Silva1


Heloisa Helena de Oliveira Soares2
Anna Laura Alcantara de Lima e Moura3

RESUMO

A educação fiscal como sendo um tema transversal à legislação educacional brasileira tem
previsão na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei 9.394. O Programa Nacional
de Educação Fiscal - PNEF - tem caráter educativo e visa promover e institucionalizar a
Educação Fiscal ocasionando o exercício efetivo da cidadania, visando a melhoria contínua da
relação participativa e consciente entre o Estado e seus cidadãos, além de contribuir à defesa
permanente das garantias constitucionais. O estudo enseja e estimula o cumprimento das
obrigações tributárias pelos cidadãos a fim do bom funcionamento dos programas sociais, além
de incentivar também os cidadãos a fiscalizarem a aplicabilidade dos recursos públicos. A
temática apontou quais são os efeitos desejáveis ao sistema democrático de direito
impulsionados pelos objetivos dispostos no PNEF. Demonstrando que a base educacional sobre
educação fiscal gera efeitos diretos e indiretos sobre o Estado democrático.
Palavras-chave: Educação. Educação fiscal. Estado Democrático. Direito à educação.

ABSTRACT

Tax education as a crosscutting theme of Brazilian educational legislation has provision in the
Law of Guidelines and Bases of National Education - Law 9,394. The National Fiscal Education
Program - PNEF - has an educational character and aims to promote and institutionalize Fiscal
Education, causing the effective exercise of citizenship, aiming at the continuous improvement
of the participatory and conscious relationship between the State and its citizens, in addition to
contributing to the permanent defense of constitutional guarantees. The study encourages and
encourages the fulfilment of tax obligations by citizens in order to properly operate social
programs, and also encourages citizens to monitor the applicability of public resources. The
theme pointed out what are the desirable effects on the democratic system of law driven by the
objectives set out in the PNEF. Demonstrating that the educational base on tax education
generates direct and indirect effects on the democratic state.
Keywords: Education. Tax education. Democratic State. Right to education.

1
Acadêmica da Graduação no curso de Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN,
participante do grupo de pesquisa e extensão Educação Fiscal e Controle de Gastos Públicos (EDUFISCON). E-
mail: darapraxedes@hotmail.com
2
Acadêmica da Graduação no curso de Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN,
participante do grupo de pesquisa e extensão Educação Fiscal e Controle de Gastos Públicos (EDUFISCON) e
do grupo de pesquisa e extensão Galeria Jurídica. E-mail: heloisa59helena@gmail.com
3
Professora orientadora. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários
(IBET), Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) –
subsecional Mossoró́ /RN. Graduada pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail:
anna.moura@professor.catolicadorn.com.br
396

1 INTRODUÇÃO

A educação exerce um papel fundamental na sociedade. Vai bem além de


conhecimentos teóricos, ela contribui na formação de cidadãos e transforma o meio social. Esta
perspectiva é afirmada na relação da educação fiscal com o Estado democrático, visto na
manutenção do sistema governamental, na relação dos poderes e no sistema educacional.
Seguindo a linha transversal, ou seja, em paralelo à educação e ao estudo do estado
democrático existe uma ligação de direitos distintos. O Ministério da Educação afirma que “são
temas que estão voltados para a compreensão e para a construção da realidade social e dos
direitos e responsabilidades relacionadas com a vida pessoal e coletiva” (MEC,2021). Desta
forma, a educação influencia no funcionamento e na manutenção do Estado de Direito, na
formação dos cidadãos e consequentemente no desempenho do Estado.
A linha de formação integra a construção do cidadão em fomento com as suas funções,
como também o dever de ser cidadão social e político, e diante disso constrói a ideia para tratar
do tema que proporciona o desenvolvimento da participação. Em delimitação ao conteúdo de
educação, o exposto neste artigo tem sua estruturação com enfoque na educação fiscal.
A educação fiscal deveria está implementado em bases de ensino escolar, servindo como
fundamento auxiliar e necessário para o ser social, este com o papel formador de conhecimentos
sobre direitos constitucionais sobre matéria financeira.
É importante distinguir o direito financeiro do direito tributário, a primeira matéria deste
escrito, trata do estudo da atividade do Estado, ponto este que integra a educação fiscal, a qual
afirma o PNEF “a Educação Fiscal para o efetivo exercício da cidadania, visando ao constante
aprimoramento da relação participativa e consciente entre o Estado e o cidadão” (PNEF,2014,
p. 8). Enquanto o ramo do direito tributário é destinado ao estudo da regularidade dos tributos
entre o Estado e o contribuinte.
A atividade fiscal, ora estatal, está relacionada, a participação social e o conhecimento
sobre os assuntos integrantes. Além do mais, esses dois tipos de atividades encontram- se em
um ciclo capazes de enfatizar a importância do pagamento dos tributos, como sendo primordial
para o bom funcionamento dos serviços públicos.

2 DEFINIÇÃO DE EDUCAÇÃO FISCAL


397

A educação fiscal é um processo de ações educativas facilitadoras na compreensão dos


gastos públicos. Além disso, possibilita também aos cidadãos a participação no funcionamento
e aperfeiçoamento dos instrumentos de controle social e fiscal do Estado. Falar em educação
fiscal, é poder compreender tributos, embora isso seja algo que parece ser distante de entender.
Além disso, a educação fiscal é guiada por dois pilares importantes, sendo um a
educação, que busca educar o cidadão sobre os tributos e sua importância para sociedade e
estado, e o outro a fiscalização, ou seja, como o cidadão pode participar de forma autêntica
nessas ações.
É objetivo da Educação Fiscal contribuir no processo de participação da sociedade.
Além disso na conscientização e no desenvolvimento das vertentes financeiras. Para que haja
saúde, educação, segurança e a manutenção básica dos direitos sociais é necessário que haja o
tributo, pois só se pode custear os serviços públicos através da arrecadação de tributos estatais.
Em análise, existem três eixos dentro da Educação Fiscal sendo eles – valores, cidadania
e cultura fiscal. A função da cidadania é contribuir para uma sociedade mais justa e democrática,
pois ela possibilita a participação da sociedade em diversas esferas como por exemplo na
política e na esfera social. E quando se fala cidadania da educação fiscal, fala-se em tributos.
A função social dos tributos é oferecer uma qualidade básica de saúde, educação e
segurança a todos os cidadãos. Além disso garante direitos e deveres aos cidadãos, e entre
outros aspectos como reduzir a desigualdade social e o avanço do desenvolvimento sustentável.
Ser cidadão é ter direitos civis, alguns desses direitos como por exemplo: ter direito a vida, a
liberdade de expressão, a igualdade, poder votar, além disso a propriedade. A própria
constituição assegura e resguarda esses direitos no artigo 1º inciso II.
Quando se fala em valores, a primeiro ponto enquanto concepção ética, é que eles irão
refletir na importância das ações humanas e no comportamento enquanto sociedade. Os valores
na educação fiscal, servem de norteadores para o bom funcionamento das tomadas de decisões,
e em especial na transparência, como por exemplo, todos os cidadãos possuem o direito de
serem informados sobre como os recursos financeiros são usados e em como estão sendo
aplicados.
A cultura fiscal está vinculada a forma em que o estado propõe para que aja políticas
públicas capazes de fomentar a cultura fiscal. É através dos recursos arrecadados que se pode
398

contribuir com a formação cultural. Sua importância é buscar movimentar a economia, pois
dessa forma o Estado garante a arrecadação de verbas e mantém acordos políticos culturais.
Entender a importância da educação fiscal, vai muito além de entender a tributação, pois
quando se compreende sua importância, o cidadão passa a contribuir na formação da receita e
despesa pública estatal.

2.1 INSTITUCIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FISCAL NA EDUCAÇÃO

Em analise a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB do ano de 1996, que
garantia a população o acesso à educação gratuita e com qualidade, onde este direito foi
assegurado mais acertadamente em 1988 com a promulgação da Constituição Brasileira onde
sua base normativa fundamenta-se em Estado democrático de direito, soberania popular,
soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valorização do trabalho, livre iniciativa e
pluralismo político, extrai a normatização sobre a educação e sua abrangência nos mais distintos
segmentos. Em conformidade com o disposto pelo Dr. Gabriele Sapio em sua tese de doutorado
expõe:
De fato, a constituição de 1988 com suas disposições abrangentes, detidas e objetivas
veio a contemplar a educação bem como o seu respectivo direito social público
subjetivo e seu gozo de uma forma como nunca houvera sido contemplada na história
do constitucionalismo brasileiro, sendo que pelo alcance e abrangência de seus
dispositivos fez-se necessário complementar e completar o disposto na referida carta
constitucional mediante legislação complementar e ordinária. (SAPIO, 2010, p. 5)

Em face da necessidade de mais profundidade, em decorrência de sua efetivação na


educação, em matéria deste trabalho, ou seja, a educação fiscal, que possui objetivo de fomentar
na formação de cidadãos, onde conheça e compreenda o verdadeiro papel do Estado tornando
consciente, sensível e responsável sobre o que é o fisco, como é estruturado e qual é o seu papel
em meio a sua funcionalidade, exercendo assim funções com fim de intervir e modificar seu
contexto, sendo partícipes ativo.
De forma simplificada, importa em conceituar no âmbito da normatização educacional
para demonstrar a importância deste tema transversal a educação como é exposto no Programa
Nacional de Educação Fiscal – PNEF:

É nesse contexto que a Educação Fiscal se alinha a um amplo projeto educativo, com
o objetivo de propiciar o bem-estar social, consequência da consciência cidadã e da
construção crítica de conhecimentos específicos sobre os direitos e deveres do cidadão
399

em busca da efetivação do princípio constitucional da dignidade humana. (PNEF –


CADERNO 1,2014, p.8)

É nesta perspectiva que o ensino fiscal se torna um instrumento de disseminação sobre


um novo olhar em virtude de contextos sociais culturais, construindo um caminho da
participação popular, através do conhecimento sobre a atividade do Estado nos procedimentos
a finalidade dos gastos; funcionamento das espécies tributarias (obtenção de receitas);
endividamento público; os fins dos fundos públicos.
Em uma sociedade em que todos os fatos são transmitidos e divulgados em uma
velocidade extrema, superando muitas vezes, o caráter humanista que a sociedade possui.
Dentro deste aspecto que a participação social é de extrema importância para o mover contínuo
da sociedade. Muitos fatores podem influenciar os ambientes distintos, seja geograficamente
ou culturalmente, fatores este que muitas vezes interferem na economia dos seus respectivos
locais.
Desta forma, passar a identificar os fatores são consequências dos protagonistas, sendo
estes os sujeitos ativos, que exercem diretamente a administração, sejam sujeitos passivos, ou
aqueles que assim como um analfabeto funcional tem a capacidade de compreender a
decodificação, mas não habilidade de compreender do contexto inserido. Por isto ressalva com
base do caderno do PNEF sobre a educação crítica:

Uma educação crítica e questionadora reflete-se diretamente na vida das pessoas e da


sociedade, pois leva ao conhecimento dos princípios que fundamentam as práticas
sociais e o respeito às normas democráticas. Além disso, reafirma os valores culturais
e artísticos, sejam eles locais, regionais ou nacionais e possibilita o resgate da
dignidade humana por meio de novos saberes. (PNEF – CADERNO 1,2014, p.27)

No cenário do Brasil em seu crescimento econômico é um país com fontes de receitas,


mas em relação a distribuição de conhecimento específico não foi capaz de partilhas de forma
justa e beneficia de igual forma, gerando uma disparidade dentro da população com relação a
seu desenvolvimento. Em uma tentativa de minimizar as desigualdades foram estabelecidas
diretrizes de desenvolvimento, divididos entre os problemas a serem superados e qual estratégia
utilizar para sua sanção.
Na busca pela relação entre o Estado, o ente democrático, e o povo surge o Programa
Nacional de Educação Fiscal. Inicialmente denominado de CONFAZ, Conselho Nacional de
Política Fazendária, onde partiu do posicionamento para compreensão de conhecimentos das
finanças públicas, bens e serviços públicos em face da gestão da coisa pública, possuindo ainda
400

a finalidade de instrumentação da população, como disseminação de acompanhamento sobre


obter e gastar desenvolvido em atividade Estatal.

A construção do cidadão consciente preconiza que ele compreenda, entre outros


saberes, quais são os seus direitos e deveres; tenha conhecimento em ética e zele pelo
cumprimento da lei; saiba qual é a função social do tributo e participe do processo
orçamentário do município, do estado e do país onde reside. Esses conteúdos com-
põem a Educação Fiscal. O Documento Base do Programa Nacional de Educação
Fiscal conceitua a Educação Fiscal como a sensibilização do cidadão quanto à função
socioeconômica dos tributos e a sua responsabilidade na sociedade, propiciando a
participação do cidadão no funcionamento e aperfeiçoamento dos instrumentos de
controle social e fiscal do Estado, o que se alia perfeitamente aos imperativos legais
acima citados. (Pimenta, Karen Veríssimo; Aveliz, Rafaela Lisboa Gomes de; Pereira,
Orcione Aparecida Vieira; Souza, Laércio Xavier de; Sousa, Vera Lúcia de Jesus.
2020)

A criação do PNEF visa conscientização com foco cívico projetado para promover e
institucionalizar a educação fiscal. Defende-se que os cidadãos compreendam a função social
da tributação, participem ativamente das atividades sociais e participem da gestão dos recursos
públicos. Também busca melhorar a relação do indivíduo com o Estado, pois quando uma
pessoa participa das finanças públicas e acompanha seus gastos, pode contribuir na vida social,
na educação, na política, nas relações Estado-sociedade, na administração pública e na
tributação.
O PNEF anteriormente era desenvolvido e promovido pela Escola de Gestão Financeira,
que realizava um trabalho juntamente com o Grupo Estadual de Educação Fiscal e do Grupo
Municipal de Educação Fiscal. O objetivo desses grupos era formar comunicadores de educação
financeira, preparar materiais didáticos, divulgar o programa e realizar pesquisas sobre ele.
É importante destacar que a criação do Grupo Municipal de Educação Fiscal, foi partir
do interesse e da participação de cada município, afetava decisivamente a prática docente da
educação financeira, pois o assunto não era mencionado diretamente no Plano Nacional de
Educação, nos Parâmetros Curriculares ou Currículo Básico Comum por estado, apenas na
Resolução do Conselho Estadual de Educação (CNE) 7 de 2010 (Pimenta, Karen Veríssimo;
Aveliz, Rafaela Lisboa Gomes de; Pereira, Orcione Aparecida Vieira; Souza, Laércio Xavier
de; Sousa, Vera Lúcia de Jesus. 2020).
Atualmente o desenvolvimento do PNEF foi modificado pelo governo em nível
federal, onde o programa não é mais administrado por um órgão federal. Agora, o Auditor-
Geral Federal, a Secretaria de Orçamento Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
estão envolvidos como órgãos de governo, administrados pelo CONFAZ.
401

A política passou a ser definida pelo grupo de trabalho "GT66 - Educação Fiscal" no
âmbito da Comissão Técnica Permanente do ICMS (Cotepe/ICMS). Representantes da Cotepe,
em sessão especial, aprovaram a criação de um grupo de trabalho, convênio ICMS 44/19 para
manter e fortalecer as ações em nível estadual para planejar, implementar, monitorar e avaliar
o PNEF, atuando como integrador da experiência no âmbito federal, campos e expressores
estaduais e municipais.
Neste grupo de trabalho são definidas políticas e forma de atuação, além da produção
de um relatório de ações que forneceu à Cotepe o presente contexto da Educação Fiscal no
Brasil. (CONFAZ,2021). Atualmente o PNEF sofreu uma modificação por parte do governo
em esfera federal onde o programa não é mais gerido por órgãos federais.
O PNEF atualmente tem como instituições gestoras a Controladoria-Geral da União, a
Secretaria do Orçamento Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Sua condução
é feita pelo Conselho Nacional de Política Fazendária, CONFAZ e as políticas são definidas
pelo Grupo de Trabalho “GT66- Educação Fiscal”, no âmbito da Comissão Técnica Permanente
do ICMS (Cotepe/ICMS).
Em reunião extraordinária, os representantes da Cotepe, aprovaram a criação do Grupo
de Trabalho, Protocolo ICMS 44/19 para a manutenção e fortalecimento em âmbito Estadual
que vai planejar, executar, acompanhar e avaliar as ações do PNEF, atuando como integrador e
articulador de experiências das esferas federal, estadual e municipal.

2.2 ESTADO DEMOCRÁTICO E EDUCAÇÃO FISCAL

A palavra democracia tem sua origem grega formada por dois termos démos, que
significa povo ou comunidade, e krasia, que diz respeito a governo, não somente a composição
do seu nome, mas também sua essência possui berço, surgimento, grego. Primeiramente
surgindo como uma democracia direta e não representativa, como atualmente, seguindo um
pressuposto que todos são iguais perante a lei e teriam o direito de expressar suas ideias em
reuniões.
Ao falar-se de democracia é importante destacar a fala de Abraham Lincoln (1863) “o
governo do povo, pelo povo e para o povo” que coincide com o primeiro dispositivo de
Constituição Federal de 1988 “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio dos
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL,1988, Art.1)
402

No regime de governo democrático é necessário a participação do povo. Nas


democracias participativas diretas, São as próprias pessoas que tomam as decisões políticas e,
em democracias semidiretas, as pessoas elegem representantes e participam de suas tomadas de
decisão. Em qualquer das formas adotada o cidadão exercera ser dever com a sociedade.
Como toda ideia o conceito de democracia precisa de uma base para que se fundamente
e é neste ponto que a igualdade e a liberdade, comumente com o suporte do Estado Democrático
de Direito elaboram suas raízes para o surgimento dele, uma peculiaridade é a definição dos
mesmos passa também pelo conceito de cidadania, fortalecendo mais ainda o elo existente entre
o cidadão e suas obrigações.
Dentro dos mesmos pontos de raiz democrática é possível notar que neles também é
observado os pontos necessários para sua manutenção, ou seja, é neles que sua sobrevivência é
retirada. É importante ressaltar neste viés a ideia, também compartilhada por Arthur Schlesinger
Jr. em que as democracias se manifestam através de ciclos pendulares, ou seja, elas evoluem,
mas depois retroagem, este ciclo duraria em teoria trinta anos.
Alguns exemplos de recuos democráticos são os ataques à liberdade de imprensa, ataque
às instituições, aproximação constitucional com a teologia e perda dos valores democráticos.
Ao longo da história e dos mais variados estudiosos houve a inovação do conceito de cidadania
pois ao lhe promover mais direito, ao cidadão, é aumentado suas responsabilidades sobre o bem
comum social.
Cidadão é quem pertence à cidade. Mas não só: é também aquele que participa do
poder. Trata-se da dimensão pública de todos nós, por meio da qual nos envolvemos
na discussão de nosso destino comum. (ARANHA. 2005, p. 6)

Mas é de grande varia ressaltar que não a uma harmonização existente em todos os
conjuntos sociais, ou seja, no Brasil, em seu território, pode haver locais em que a sociedade
esteja sempre em passividade para debates dos mais variados assuntos, mesmo que não haja
uma unanimidade sobre o assunto, mas é possível um diálogo dentre os membros.
O direito não é somente um todo, mas vários direitos que se convergem para uma forma
de participação em uma escala mundial. Nos pensamentos promovidos pelos pensadores
modernos surgem a ideia de direitos inatos, que seriam direitos de natureza humana e
posteriormente com o movimento Iluminista promovendo uma liberdade de pensar e agir.
Sendo após duas grandes guerras que resultaram com a morte de milhões de pessoas que
os direitos humanos foram firmados em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, sendo eles universalizáveis, mas não são universais, pois não são eternos, imutáveis,
403

cósmicos nem religiosos, como se acreditou ao longo da história da humanidade, indivisível e


participativos, tendo como objetivo o engajamento que é, sem dúvida, o aperfeiçoamento dos
mecanismos de proteção internacional dos direitos humanos., mas que cotidianamente é
desrespeitada, mesmo após anos de lutas.
Em análise, o Brasil em seu regime é uma democracia semidireta ou participativa, onde
existem ferramentas de participação da população, mas estas necessitam serem aperfeiçoadas.
É notório que nos últimos anos a uma fragilização e desta forma alguns pontos podem ser
citados como pontos fragilizados, em face de serem ineficientes, da participação popular:
convocar plebiscitos e referendos, mas somente o Congresso Nacional o pode realizar, não
tratando-se de uma ação comum, não havendo decisões diretas da população; iniciativa popular,
instrumento que pode ser utilizado pela população para projeto de lei ordinárias, onde seu
processo de lei segue o mesmo de uma lei criada por representantes, sendo que o primeiro é
necessário a assinatura de um terço do eleitorado, ficando demonstrado uma judicialização
excessiva; emenda constitucional, sendo que a própria população não pode propor sendo restrita
somente a um terço dos deputados ou senadores, presidente da república e mais da metade das
assembleias legislativas, não podendo o próprio povo reformar a Constituição Federal;
referendo revogatório/recall, instrumento este que não tem previsão no Brasil, que oferece ao
governado a possibilidade de a partir da metade do mandato do representante é possível, por
meio de voto, cancelar o mandato, demonstrando este instituto uma efetivação da participação
social.

2.3 LIGAÇÃO ENTRE O FUNCIONAMENTO DO ESTADO E A EDUCAÇÃO

Diversos são os conceitos de Estado, dentre vários podemos entender o conceito da


seguinte maneira como nos diz o caderno, ao qual foi baseado esse estudo.

Estado, um povo social, política e juridicamente organizado, que, dispondo de uma


estrutura administrativa, de um governo próprio, tem soberania sobre determinado
território e é reconhecido pela comunidade internacional. (Brasil. Ministério da
Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Programa Nacional de Educação
Fiscal – PNEF - Caderno 2, p. 30)

O estado é composto por alguns elementos como, povo ou população onde formam uma
reunião de indivíduos, que mantém uma cultura semelhante, território onde o governo exerce
sua organização e valida suas normas jurídicas, e a soberania que compõe o conjunto de normas
404

e leis onde ela regula o convívio social. Ainda podemos especificar esses elementos como um
quebra cabeça, onde temos peças especificas que se formam e assim também se completam.
Ou seja, esses polos têm como finalidade cuidar e disponibilizar a funcionalidade dos
interesses dos cidadãos. Para que esses interesses sejam supridos, ou exercidos existem as
instituições que exercem essas funções, ao qual conhecemos como os três poderes,
independentes e harmônicos entre si. Esses três poderes são; Legislativo, Executivo e
Judiciário.
Em primeiro lugar o Legislativo onde é exercido pelo Congresso Nacional, e é composto
pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Ainda tem como função primordial a
elaboração das leis. Em segundo lugar temos o poder Executivo, exercido pelo Presidente da
República, porém com auxílio dos Ministros de cada Estado, e dos Governadores, secretários
nos estados e prefeitos nos municípios. Sua função essencial é proceder a execução das leis.
Além do mais, sua atribuição é administrar os interesses públicos, cumprindo assim as ordens
legais.
Em característica específica sobre o poder norteador do ministério da educação, temos
o poder Executivo, sendo sua função essencial é proceder à execução das leis. Além do mais,
sua atribuição é administrar os interesses públicos, cumprindo assim as ordens legais, onde o
ministro, responsável, exerce um cargo político, atribuindo-lhe o governo responsável pela
elaboração e execução da Política Nacional de Educação, PNE.
Por fim o Poder Judiciário, composto por juízes, desembargadores e Ministros, de
acordo com suas instâncias. Vale ressaltar que todos são considerados magistrados. (Supremo
Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais,
Tribunais e Juízes do Trabalho, Tribunais e Juízes Eleitorais, Tribunais e Juízes Militares,
Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal).
Sua atribuição interpretar de forma real e concreta os sentidos das leis. Ademais, o poder
Judiciário julga os conflitos que surgem na sociedade, compete ainda interpretar as leis e aplicar
o direito de acordo com os casos a ele apresentado, através de procedimentos legais iniciados
pelas partes interessadas.
Sendo a administração pública a responsável por desenvolver atividades estatais,
visando ao bem comum. Ainda de acordo com a lei, ela compreende o conjunto de órgãos,
funções e agentes públicos, tendo como finalidade o desenvolvimento das atividades do Estado,
onde visa assim o interesse coletivo. Ainda de acordo com a constituição, as atividades da
405

Administração Pública devem sempre obedecer aos princípios ao qual conhecemos como
LIMPE.
São características da Limpe a legalidade, onde ela garante um limite para a atuação do
Estado, visando a proteção do administrado ao abuso de poder. A impessoalidade, que existem
duas situações nesse princípio, a primeira é relacionada aos administrados, ou seja, a
administração não poderá atuar discriminando pessoas de forma gratuita, a menos aquelas que
venham privilegiar o interesse público. E a segunda, se trata da própria administração, que a
responsabilidade deve ser imputada ao órgão/pessoa jurídica e não ao agente público.
A moralidade, trata dos princípios éticos de justiça, ou seja, objetivar algum tipo de
vantagem indevida, em razão do cargo por exemplo, ou mandato de emprego. A publicidade,
que é a obrigação, o dever atribuído a Administração de dar total transparência a todos aqueles
atos que praticar. E a eficiência, como o próprio nome já diz, visa buscar bons resultados e
atender o interesse público da melhor maneira possível e com maior eficiência.
A função desses princípios é de dar unidade e coerência a Administração Pública, em
relação direta com o Direito Administrativo, controlando as atividades administrativas de todos
os entes que integram a federação brasileira (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A
administração pública exerce suas funções por meio de seus agentes, órgãos, entes e atividades
públicas, garantindo assim a direta e imediata realização plena dos fins erguidos pelo Estado.
Administrar para muitos significa também planejar, e elaborar ações no sentido de enfrentar os
problemas vividos diariamente pela sociedade, ou seja, elaborar políticas públicas que possam
orientar as ações governamentais. Em suma, podemos definir Administração Pública como toda
atividade do Estado.
Compreender a educação fiscal é fundamental para fortalecer a cidadania. Ao se
familiarizar com o assunto, os educandos ficarão mais conscientes da importância de tomar
decisões acertadas sobre questões fiscal, sendo esta como já exposta atividade financeira do
Estado.
Em construção doutrinaria professora Dra. Tathiane Piscitelli demonstra que a atividade
do Estado deve ser conhecida não somente por sua atividade já atuante, mas que a estrutura
norteadora dele, sua base de matéria constitucional juntamente com a base educacional, pois
precede o surgimento dos fatos geradores deste meio.

Mas não é só. Considerando que o exercício da atividade financeira se situa na base
da própria manutenção do Estado, naturalmente que tanto a persecução da receita
406

pública quanto a realização do gasto devem observar os princípios que norteiam o


modelo de Estado inaugurado pela Constituição de 1988. Essa afirmação decorre da
premissa de que o Estado tal qual conhecemos é realidade institucional que nasce de
forma concomitante à tributação. Os tributos são os meios materiais de manutenção
do Estado e, não por outra razão, o sistema tributário atua como realizador dos fins
desse mesmo Estado que ele ajuda a constituir. (Piscitelli, Tathiane. Direito
financeiro. 6. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018.
p, 23.)

Então, quando introduzimos educação financeira de qualidade, podemos mudar essa


construção cultural para que ela mude em termos de educação e demografia. Uma vez que a
falta de conscientização se torna um problema nacional, mudanças precisam ser feitas.
Conforme implementado, pelo Ministério da Educação, com o PNEF. Conscientizar os
cidadãos brasileiros sobre o ensino fiscal segundo Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, OCDE, (2005) é:

O processo mediante o qual os indivíduos e as sociedades melhoram a sua


compreensão em relação aos conceitos e produtos financeiros, de maneira que, com
informação, formação e orientação, possam desenvolver os valores e as competências
necessários para se tornarem mais conscientes das oportunidades e riscos neles
envolvidos e, então, poderem fazer escolhas bem-informadas, saber onde procurar
ajuda e adotar outras ações que melhorem o seu bem-estar. Assim, podem contribuir
de modo mais consistente para a formação de indivíduos e sociedades responsáveis,
comprometidos com o futuro. (AEF Brasil, 2017)

Estas violações de não efetiva política de educação infiltrassem na norma majorante


de forma a desfavorecia-la. Mas estas práticas podem ser sancionadas por meio da prática
do ensino, onde é perpetuada a informação a população, pois é através de decisões que gera
o torno político, educacional e social da atividade da personalidade civil e política.

2.4 COMO A EDUCAÇÃO FISCAL INFLUENCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO

As reflexões que os estudos sobre a educação fiscal geram não se prendem somente a
questões de finanças ou da atividade financeira do Estado, mas se reproduzem inicialmente na
escolha participativa que integram a administração pública, ou seja a escolha dos
representantes.
Segundo a matéria publicada no jornal folha de São Paulo somente uma parte da
população tem a consciência da necessidade de participar das escolher dos representantes, votos
eleitorais, sem que este seja com qualquer meio de vantagem imprópria, votos vendidos, ou
demonstram terem ainda conhecimento sobre os representante já escolhidos e suas atividades
407

no exercício de suas funções (FOLHA DE SÃO PAULO, 2022), demonstrando assim um ato
em que pode ser entendido como um leigo-democrático, a fase que os próprios eleitores, povo
em sua capacidade política, não conhecem que o cometimento desses atos infringiram
diretamente em matéria fiscal, uma vez que esta é influenciada por escolhas eleitorais.
O não cumprimento efetivo de seu papel de controlador social dos recursos públicos
alocados por meio do pagamento de impostos diretos e indiretos abre espaço para corrupção e
desperdício. O povo elege seus representantes, dando-lhes amplos poderes para exercer a
governança sobre uma cidade, estado ou o próprio país, mas após a eleição, esses representantes
agem de forma aleatória, muitas vezes sem medo da repressão dos cidadãos que os elegeram.
É por isso que é necessário fazer amplas mudanças na cultura educacional das pessoas para que
elas compreendam as inúmeras formas de participação constante na Constituição Brasileira.
O controle social pode ser feito por qualquer cidadão ou grupo de pessoas. O Conselhos
gestores de Políticas Públicas é um exemplo de canal efetivo de participação que permite a
criação de uma sociedade em que os cidadãos não sejam mais apenas um direito, mas uma
realidade. A democracia participativa envolve a participação popular na gestão e controle dos
recursos públicos, garantindo que sejam utilizados corretamente e de acordo com os planos.
A participação e o controle social não são apenas direitos, mas também deveres de todo
cidadão garantidos pela Constituição Federal. Por isso, é importante que todos acompanhem
continuamente a aplicação dos recursos públicos, conforme expressa o próprio PNEF:

O controle social pode ser entendido como a participação do cidadão na gestão


pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da administração
pública. Trata-se de importante mecanismo de prevenção da corrupção e de
fortalecimento da cidadania. (PNEF p.50)

As noções de participação e controle social estão intimamente relacionadas, pois através


de cidadãos participantes da gestão pública podem intervir na tomada de decisões
administrativas, orientar o departamento administrativo a tomar medidas que sejam
verdadeiramente de interesse público e, ao mesmo tempo, controlar o comportamento do
Estado.
Com a adoção da educação financeira e do orçamento escolar participativo, os alunos
passam a obtenha uma compreensão mais clara da natureza pública da ação educacional, como
a educação é financiada no Brasil e como os recursos escolares são administrados. O que detém
conhecimento sobre a área percebem que os recursos públicos são provenientes de impostos
408

pagos pela comunidade, são limitados e devem ser utilizados de forma racional. Devido ao
tamanho do Estado brasileiro, a participação social deve ser permanentemente estimulada para
que os cidadãos controlem os gastos públicos e a gestão pública das condições de coautoria.
Em exposição do Professor Dr. Rafael Lamera Giesta Cabral (2021), refere-se que “a
constituição não está velha” e em complemento com palavras do Professor Dr. Flávio
Martins Alves Nunes Júnior (2020) “a cura para o doente não está em matá-lo, mas em
procurar um remédio” não basta apenas a norma escrita, mas experimentá-la e em caso de
distâncias busque desenvolvê-la para superar seus limites.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática apontou-se quais são os efeitos desejáveis que um regime democrático


conduzindo ao exercício ativo e participante efetivo da cidadania, visando a melhoria contínua
da relação e consciente entre o Estado e seus cidadãos, contribui para a defesa permanente das
garantias constitucionais. A qual é o impacto ideal no sistema democrático em termos de
promoção dos objetivos estabelecidos pela educação fiscal.
As ideias de política já existentes, ressalta-se, produzir decisões, e direito,
responsável por tomar uma decisão, elementos que integram o regime governamental tem
um papel de influência direta sobre a constituição, normas estas que regem e ditam a
sociedade. Havendo tensões, divergências, entre estes elementos podem acarretar
movimentos dentre os meios sociais e causar mudanças na composição da norma suprema.
Isso leva a uma reflexão no poder executivo de que a educação estadual e fiscal está em um
ciclo em que uma domina a outra para influenciar ambas.
De acordo com as pesquisas realizadas a respeito da educação fiscal no regime
democrático possui duas condições básicas e simples: primeiramente, todo imposto tem que ser
criado por lei, ou seja, em exercício da administração pública em detrimento do poder
Legislativo, atribuindo sua função, como já mencionado, é proceder a execução das leis.
Além do mais, sua atribuição é administrar os interesses públicos, cumprindo assim as
ordens legais, ou seja, a forma e a carga que precisa; e segundamente o pressuposto que o gasto
público deve ser autorizado por lei, ou seja, o governo só pode utilizar os recursos públicos
após os mesmos representantes previamente eleitos pelo povo e através do orçamento
autorizarem claramente como os recursos serão utilizados.
409

É inegável a existência de desafios na aplicação do PNEF, seja em virtude da falta de


materiais de apoio aos alunos e professores ou pela difícil compreensão dos alunos sobre a
temática. Mas é de suma importância dar continuidade as pesquisas em educação fiscal para
avançar esses indivíduos para desencadear debates em torno de políticas públicas que reduzam
a desigualdade social e ajudem a informar a sociedade sobre as consequências das políticas
públicas, sendo esta corrupção; evasão fiscal e irresponsabilidade na gestão dos recursos
públicos demonstrações.
A função socioeconômica da tributação, a distribuição adequada dos recursos públicos
e tudo relacionado a ela. Os cidadãos podem pressionar as autoridades públicas para que ajam
com transparência. Assim, poderão avaliar o desempenho da gestão e recolher eventuais
irregularidades, bem como as responsabilidades das autoridades e dos agentes políticos.
A administração pública pautada na ética e buscando formas de exercício da democracia
também pode ser disseminadora da educação fiscal. O acompanhamento das contas públicas é
a espinha dorsal dos direitos básicos e responsabilidades sociais dos cidadãos.
A democracia pressupõe a participação efetiva da sociedade civil desde a elaboração
dos orçamentos públicos até sua execução. A educação financeira que buscamos desenvolver
por meio deste livro é uma ferramenta para o exercício dessa liberdade democrática. Todo
cidadão tem o direito de exigir e participar ativamente das decisões governamentais e
legislativas sobre recursos públicos.

REFERENCIAS

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conceitos (enotas.com.br)> Acesso em 01 agos. 2022.

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412

A PARTICIPAÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO NA FORMAÇÃO DO DIREITO


TRABALHISTA E NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Ana Júlia Loureiro Gurgel1


Juarez Soares de Souza Neto Constantino2
Luany Oliveira Régis3
Maria Fernanda de Gois Silveira4
Anna Laura Alcântara de Lima e Moura 5

RESUMO

O presente artigo discute a herança do trabalho escravo na formação do Direito Trabalhista no


Brasil, tendo em vista como procedeu a formação do trabalho escravo, desde o período de Brasil
Colônia até seu declínio com a promulgação da Lei Áurea. Outrossim, apresenta evolução do
direito do trabalho, no Brasil e no mundo, tendo como fato inicial a reação à Revolução
Industrial, do século XIX. A partir disso, analisamos como se encontra o cenário atual, e como
o trabalho escravo ainda é praticado na atualidade, mesmo com diversas leis trabalhistas.
Portanto, podemos entender que a escravidão praticada no início da colonização do Brazil
resultou em um processo histórico que teve seu ápice com a promulgação do Direito
Trabalhista, garantindo os direitos necessários para o trabalhador.
Palavras-chave: Trabalho escravo; Lei Áurea; Revolução Industrial; Leis Trabalhistas.

ABSTRACT

This article discusses the inheritance of slave labor in the formation of Labor Law in Brazil, in
view of how the formation of slave labor proceeded, from the period of Colonial Brazil to its
decline with the enactment of the Áurea Law. In addition, it presentes the evolution of labor
law, in Brazil and in the world, having as its initial fact the reaction to the Industrial Revolution
of the nineteeenth century. From this, we analyze how the current scenario is, and how slave
labor is still practiced today, even with several labor laws. Therefore, we can understand that
slavery practiced at the beginning of the colonization of Brazil resulted in a historical process
that culminated with the promulgation of Labor Law, guaranteeing the necessary rights for the
worker.
Keywords: Slave Labor; Áurea Law; Industrial Revolution; Labor Laws.

1
Graduanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, juliana12lou@gmail.com;
2
Graduando em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte j_neto.j@hotmail.com;
3
Licenciada em História pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, com pesquisas na área
de escravidão no Império do Brasil, e graduanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte,
regisluany@gmail.com;
4
Graduanda em Direito pela Faculdade do Rio Grande do Norte, mariagois2310@gmail.com;
51
Professora orientadora. Advogada. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos
Tributários (IBET), Vice-Presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) – subsecional Mossoró́ /RN. Graduada pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN.
anna.moura@professessor.catolicadorn.com.br.
413

1 INTRODUÇÃO

O processo de consolidação do Direito do Trabalho é fruto de uma incessante evolução no


Brasil e no cenário internacional. A primeira forma de trabalho existente no Brasil foi a mão de
obra escrava, em que negros eram enviados do Continente Africano e forçados a trabalhar nas
piores condições possíveis, após todo o desgaste, tortura e precariedade que eram submetidos
no transporte entre os locais de origem e seu destino, na qual deixou heranças ainda presentes
no século XXI.
Os direitos trabalhistas no Brasil foram sendo construídos ao longo dos anos, sob pressão
do contexto histórico mundial, como foi o caso da Revolução Industrial, em que trabalhadores
eram submetidos a jornadas diárias absurdas para receber um valor que não permitia nem
mesmo custear as necessidades básicas de uma casa, quem dirá prover algo melhor para os
filhos, que desde cedo eram levados para trabalhar nas fabricas para completar a renda da casa.
Muitos sofriam acidentes de trabalho devido às condições degradantes dentro das fábricas
e alguma das vezes chegavam até mesmo a perder a vida ou tornarem-se inválidos. Com fortes
influências externas surgiram as primeiras leis abolicionistas, como a Lei Eusébio de Queiroz,
que proibia o tráfico negreiro, até chegar a Lei Áurea, que aboliu a escravidão.
A partir deste fato, começa a se formar um novo cenário de trabalho, sendo promulgadas
Leis que visam garantir os direitos sociais básicos aos trabalhadores. No entanto, mesmo diante
de tantas contribuições históricas, o trabalho escravo ainda é presente na sociedade
contemporânea, mesmo não sendo de forma explicita, como no tempo da escravidão, mostrando
assim, quão enraizada está a mão de obra escrava na sociedade brasileira. Dessa forma, o
presente trabalho tem como objetivo estudar a participação da escravidão na construção do
Direito do Trabalho no Brasil.

2 A FORMAÇÃO DO BRASIL E O TRABALHO ESCRAVO

Antes mesmo da escravidão passar a existir nas novas terras descobertas por Portugal e ao
redor do mundo, havia a escravização dentro do próprio continente africano. Entre as disputas
territoriais que ocorriam entre as tribos que ali residiam, o comum era que os guerreiros das
tribos que acabavam perdendo, passassem a ser prisioneiros e escravos de quem levava a vitória.
414

Com a chegada dos europeus para iniciar a colonização da África, também foi comum
observar a presença do escambo nas práticas do dia a dia, mas ao contrário dos espelhos e
bugigangas que eram distribuídos na colonização brasileira aos povos originários, algumas
tribos africanas trocavam os seus escravos por objetos supérfluos, armas e a falsa segurança
que os europeus transmitiam ao dizer que aquela prática os manteria seguros.

Por meio violento, é que normalmente tinha início o processo de escravização, e


ocorria de diversas formas. A guerra era a mais comum, sendo necessário distinguir
quando o escravizado era apenas um subproduto desta, ou quando era o único objetivo
da ação. A maneira mais antiga era a razia ou gazua, seja por meio de ataques
predatórios, sequestros, emboscadas ou de outras artimanhas. Podia ocorrer por
castigos penais (crimes) como assassinato, furto, adultério, feitiçaria. Por dívidas ou
ainda, ser voluntária, quando havia ameaça de morrer de fome (SILVA, 2003).
(PACHECO, 2008)

Apesar de ser incomum pensar em negros escravizando negros, essa era uma prática
comum dentro das civilizações residentes na África. Essas ações tornaram-se benéficas quando
passou a beneficiar as ações dos colonizadores europeus. Um claro exemplo disso é a inserção
dos negros escravizados na colonização do Brasil, colonizado pelos portugueses.
Nos primeiros anos houve a tentativa de forçar os indígenas a realizar o trabalho que
viria a beneficiar a coroa portuguesa, mas devido ao marasmo da vida destes, essa tornou-se
um a opção não viável. Desse modo, a opção do negro vindo da África foi a opção que viria
para tornar-se o principal meio de trabalho do Brasil Colônia.
Segundo Nayara Toscano de Brito Pereira e Yara Toscano Dias Rodrigues, a
manutenção do sistema escravocrata era decorrente do interesse comum entre grandes e
pequenos escravistas, ao contrário do que muitos acreditam por ser somente dos grandes
senhores:

A escravidão foi muito mais do que um sistema econômico. Ela moldou condutas,
definiu desigualdades sociais e raciais, forjou sentimentos, valores e etiquetas de
mando e obediência. A partir dela instituíram-se os lugares que os indivíduos
deveriam ocupar na sociedade, quem mandava e quem devia obedecer. Os cativos
representavam o grupo mais oprimido da sociedade, pois eram impossibilitados
legalmente de firmar contratos, dispor de suas vidas e possuir bens, testemunhar em
processos judiciais contra pessoas livres, escolher trabalho e empregador
(ALBUQUERQUE; FRAGA FILHO, 2006).

O período de escravidão no Brasil durou séculos, mas o negro sempre foi visto como
um ser inferior na sociedade, não é à toa que durante o transporte destes do continente africano
415

para as terras novas e recém-descobertas, estes eram amontoados em navios negreiros. Muitos
embarcavam em porões, mas sequer chegavam a ver a luz do sol ou terra novamente.

Os homens eram empilhados no fundo do porão, acorrentados, pois se temia que se


rebelassem e matassem todos os brancos a bordo. As mulheres eram colocadas no
segundo convés, as que se encontravam gravidas eram colocadas na cabine traseira.
As crianças eram espremidas no primeiro convés como sardinhas em latas. Se queriam
dormir, caíam uns sobre os outros. Havia sentinas para satisfazer as necessidades
fisiológicas, mas como muitos não queriam perder o lugar, os homens em especial,
cruelmente amontoados, se aliviavam lá mesmo onde se encontravam (MATTOSO,
2016).

A taxa de mortalidade dentro dos navios negreiros era altíssima, mas a partir do século
XIX, estes números entram em declínio, passando de 9,5% para 7,1%, segundo Katia Mattoso.
Havia um embarque mais numeroso de homens do que de mulheres, afinal, a mão de obra
masculina e jovem eram priorizadas, já que se acreditava que eles eram mais fortes e resistentes
para o trabalho, além de serem comercializados por um valor mais alto. Boa parte desses negros
eram carregados para os navios mediante a disputas entre diferentes tribos africanas que
acabavam rendendo os perdedores e os trocando por algo com os europeus.
A chegada ao Brasil era marcada por feiras ao ar livre para a comercialização desses
escravos vindos do estrangeiro e as famílias, mãe e filho ou conhecidos de uma mesma tribo
que embarcavam no mesmo navio eram separados e na maioria das vezes sequer voltavam a se
ver novamente na vida. Foi entre 1831 e 1851, devido a pressões internacionais, em especial da
Inglaterra, que iniciou um processo de repreensão ao tráfico negreiro.
Em 28 de setembro de 1850 foi promulgada a Lei nº 581 de 4 de setembro de 1850, em
portaria ministral, assinada por Eusébio de Queirós Coutinho Mattoso da Câmara, resultando
no nome popular de Lei Eusébio de Queirós.
A cita Lei estabeleceu medidas para a repreensão do tráfico de negros africanos no
Império do Brasil. Apesar desta tentativa de conter a chegada de novos negros no país, passou
a haver muitos locais para o desembarque clandestino de negros. O tráfico interno passou a
crescer dentro do país, já que o saldo do século XIX foi o aumento do comercio ilegal dos
cativos.
A adaptação do escravo no Brasil era quase inexistente, já que quando estes chegavam
em terras da ex-colônia portuguesa e já eram inseridos no sistema de trabalho da época, os
engenhos de açúcar, mineração, corte do pau-brasil e cafeicultura. A dificuldade com o idioma
era um grande problema, já que era o senhor ou o capataz responsável por ensinar essa tarefa,
e a falta de progresso também era motivo de punições e chibatadas. A educação de escravos em
416

escolas era proibida, inclusive aos alforriados, e por muitos séculos, apenas a educação informal
fazia parte da vida daquelas pessoas.
Quando a Lei Eusébio de Queirós foi promulgada a fim de conter o tráfico negreiro que
transportava, em péssima qualidade, por sinal, escravos vindos do continente africano, a
alternativa encontrada pelos senhores de escravos foi incentivar e consentir que as negras da
senzala começassem a ter filhos (REGIS, 2021). Deste modo, além da mão de obra de trabalho,
a reprodução do escravo também passou a ser uma fonte de renda maior para o seu senhor, em
especial se a criança gerada resultasse em um homem forte.
A partir dos 12 anos, a criança escrava já era designada para começar a aprender o
trabalho que iria ser feito na vida adulta. Mesmo com a presença constante dos filhos dos
senhores, a idade era um marco para que o “negrinho” passasse a ser inserido no trabalho da
casa, lavoura ou engenhos. Em Patu, por exemplo, há o registro de crianças que foram vendidas
em idades próximas a esta para que fossem aprender e servir em outros núcleos familiares. O
inciso XXXII da Constituição de 1824 não incluía os cativos para receber educação, restando
apenas o aprendizado do ofício que desde cedo lhes eram impostos.
Apesar de ser incomum o estudo do instituto jurídico da escravidão negra no Brasil, foi
este um período que deixou incontáveis heranças ainda vigentes na vida cotidiana em pleno
século XXI. André Barreto Campello afirma em sua pesquisa que ao contrário de outras
localidades na América, o Brasil nunca houve um Código Negro, mas que “isso não significa
que não existia um arcabouço jurídico que viesse a regulamentar as complexas situações
decorrentes das relações humanas presentes na exploração da mão de obra escrava”.
Por muitos anos, o sistema jurídico brasileiro permitia que milhares de homens e
mulheres fossem privados dos direitos mais básicos que são previstos e conhecidos na atual
Constituição Federal: o direito a própria vida, bem como a dignidade e a liberdade. Apesar da
Constituição Imperial de 1824 excluir o cativo de pele negra de suas páginas, foram estes a
fonte da forma do trabalho que, por décadas e mais décadas, carregou a economia do país até a
Lei no 3.353, de 13 de maio de 1888, promulgada pela Princesa Isabel, que iria vir à abolir
definitivamente a escravatura. A inexistência de um Código Civil e até mesmo uma Legislação
Trabalhista daquela época dificulta arduamente na pesquisa para entender como se deu este
processo, contudo, o que foi deixado nos tempos atuais são vistos como transmissão de
costumes de épocas passadas.
417

Ao se estudar as relações de trabalho que se baseavam no emprego do elemento servil,


nota-se que, para as autoridades públicas e para os proprietários, havia um receio constante de
que a classe oprimida viesse a insurgir-se contra aqueles que possuíam os meios de produção e
contra o Poder público (CAMPELLO, 2018). Sendo assim, o temor de rebeliões sempre foi
propício a opressão.
A Lei nº 581, de 04 de setembro de 1850 incentivou o tráfico de escravos dentro do
território nacional, já que a demanda pela mão de obra servil continuava mesmo após a
proibição do tráfico negreiro. Este acontecimento resultou em muitos escravos saindo do Norte
do Império para o Sul do país, com o objetivo de trabalhar nas lavouras cafeeiras. Apesar disto,
caso o senhor permitisse, o cativo poderia ter um pecúlio, ou seja, aquilo que era permitido que
ele usufruísse, adquirisse, ganhasse ou recebesse de doação e/ou de herança, para que
futuramente conseguisse comprar sua alforria.
A mão de obra também era uma moeda de troca, para os mais espertos, para que obtivessem
a liberdade. Nada era fácil, tampouco a almejada carta de alforria, afinal, a maioria das vezes
tinha o famoso “se”, deixando bem claro a condição necessária para alcançar a liberdade. O
fruto do trabalho escravo também poderia ser para adquirir o pecúlio, uma espécie de
pagamento que futuramente viria a ser usado para adquirir a liberdade.

3 A EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

Mediante o cenário pós-colonização do Brasil, tentaremos entender como ocorre a formação


do Direito do Trabalho dentro do cenário nacional e internacional, com foco nos impactos que
o período de Revolução Industrial resultou na vida do trabalhador. Neste momento, a
remuneração era quase inexistente, obrigando a todo o núcleo familiar ser inserido em um
ambiente de trabalho.
O sexo biológico ou a idade não importavam desde que a renda da casa fosse maior para no
fim do dia a comida fosse servida a mesa. Era comum que ocorresse acidentes, que em sua
grande maioria eram negligenciados e em muitos casos ocorria até mesmo a amputação de
algum membro, forçando o trabalhador a invalidez, ou levando-os ao óbito.
Em tempos distantes, em geral, o trabalho não era fruto de uma relação consensual. Nos
tempos antigos, essa tarefa era essencialmente realizada por escravos, e era tratada como algo
sem qualquer direito. Na Idade Média, havia um acordo de obediência entre senhores feudais e
418

servos: os primeiros ofereciam proteção contra ameaças externas e em troca recebiam a maior
parte da produção dos camponeses que trabalhavam em suas terras. Na Idade Moderna, o
trabalho assalariado começou a apresentar-se na sociedade.

3.1 O TRABALHO ESCRAVO E A EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO


MUNDO

Embora a história possa remontar às suas raízes, o ponto de partida para a evolução do
direito do trabalho foi a Revolução Industrial no século XIX. Dezoito. O nascimento do direito
do trabalho foi uma reação à Revolução Industrial, à crescente e incontrolável exploração
desumana dos empregos. É o produto de uma reação da classe trabalhadora do século XIX
contra o uso ilimitado do trabalho humano. (CASSAR, 2012). Esse período é caracterizado por
profundas mudanças no modo de produção social.
Desde o crescimento da indústria, ela teve que ser considerada por outro motivo que não
a manutenção ou a vontade de Deus para a obra. A ética do trabalho passa então a aplicar
princípios éticos e sociais àqueles que a utilizam e, como resultado, priva aqueles que nunca
praticaram esses mesmos valores. Começamos também a vivenciar novas relações entre as
pessoas, com grande diversidade: aquelas que tinham meios econômicos para manter os
negócios e aquelas que tinham seus funcionários como meio de garantir sua existência. Assim,
aparecem estatísticas de gerentes e funcionários.
As condições de vida dos trabalhadores do século XIX, seja na Inglaterra, início da
revolução industrial, ou em outros países europeus após a revolução industrial, eram
degradantes. Eles, os trabalhadores a época, ficavam expostos à fome e a uma variedade de
doenças como cólera e tifo, que encontraram terreno fértil em cidades recém-construídas,
devido ao grande fluxo de trabalhadores emergentes. Nas áreas rurais para encontrar uma nova
maneira de ganhar a vida. Essas cidades careciam de saneamento básico: os esgotos corriam a
céu aberto e homens, mulheres e crianças ocupavam a área com ratos e vários insetos.
Normalmente, duas ou mais famílias dividiam um quarto em uma área de trabalho, ocupada por
ambos os trabalhadores e garantida a dependência de inquilinos, já que as aldeias eram as
principais proprietárias da terra.
419

O trabalhador vivenciava tudo isso depois de uma jornada de trabalho árdua, às vezes
de até 16 horas, em condições anti-higiênicas, levando a sérios problemas físicos. Muitos
trabalhadores com menos de 30 anos foram desqualificados do trabalho devido a uma série de
danos à saúde provenientes da limpeza de pó de carvão, por exemplo.
Em muitos casos, esse trabalho não garantia nem o menor indício de atender às suas
necessidades básicas. Mulheres e crianças trabalham nos mesmos campos e ganhavam menos,
o que torna a produção mais barata e aumenta os lucros. Por outro lado, isso gerou desemprego
entre os homens mais velhos. Essa situação era comparável à abundância de riquezas que
existiam naquela época.
A aparente desigualdade entre as unidades produtivas não tardou a causar conflitos,
principalmente durante a revolução industrial, quando metade da força de trabalho foi
substituída por máquinas de produção, que trariam agilidade da produção. A classe trabalhadora
e os menos populares geralmente não gozavam de amparo legal, embora organizações inglesas
como o ludismo e o cartismo buscassem resolver essas questões. A fim de equilibrar essa
relação e acalmar a crescente ira dos sindicatos e outros sindicatos que se uniram às classes
mais pobres contra a classe capitalista, os governos se propuseram a estabelecer o que seria
uma nova ideologia para a reforma (por exemplo, o socialismo). Nesse sentido, o Direito do
Trabalho se desenvolve justamente como resposta a essas questões sociais.

3.2 AS FASES DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO

Nos tempos antigos, uma pessoa não tinha a menor ideia de que estava trabalhando,
afinal, sem saber o que era, eles faziam apenas o essencial para sobreviver, plantando a comida
necessária para a própria subsistência. O homem da época não conhecia o conceito de trabalho
e mercadoria, e tudo isso viria depois.
Surgiu então a troca ou escambo, onde as pessoas trocavam entre si, alimentos, roupas,
entre outras coisas de subsistência, que tinham por aquelas que não tinham, agregando valor às
coisas que trocavam e criando a fonte do conceito de mercadoria e mercado de trabalho, os
quais foram desenvolvidos posteriormente. Durante o período da escravidão, ainda não se fala
em direito do trabalho, pois o escravo era como um simples objeto de propriedade de seu
“dono”, não havendo, portanto, nenhuma razão para ter ou direitos a serem garantidos. Depois
veio a servidão, pessoas ou famílias em troca de proteção trabalhavam nas terras feudais,
420

naquela época o trabalho era considerado, como a escravidão, como uma punição, não podendo
ainda falando de trabalho.
Mais tarde vieram as corporações de ofício, nesta fase há uma certa semelhança com a
concepção atual do direito do trabalho, pois, em suma, as corporações de ofício uma forma de
aprendizagem, onde um mestre ensinou ao filho os ofícios de sua "profissão", para que ele a
exercesse no futuro, com a condição de que, não sendo dele, passasse por um exame e fosse
aprovado. Existiam outras maneiras de se tornar um mestre, como por exemplo, casando-se
com a filha do seu mestre. No entanto, com o surgimento da Revolução Francesa, as
corporações se extinguiram, principalmente com o advento da lei de Le Chapelier.
Com a Revolução Francesa podemos começar a falar em direito do trabalho, pois seu
ideal de liberdade do homem fez com que paradigmas fossem quebrados, abrindo caminho para
novos conceitos e, porque não dizer: para uma nova sociedade.
A Revolução Industrial, no entanto, é a fase em que nasce, mesmo que de maneira
tímida, o direito do trabalho. Neste estágio o trabalho manual é substituído pelas máquinas,
criando, assim, diversos conflitos trabalhistas, dado que os trabalhadores começam a se associar
e surgem, dessa maneira, os sindicatos dos trabalhadores, passando-se a exigir direitos e
melhores condições de trabalho.
Assim, o Estado deixa de se abster e passa a intervir nas relações trabalhistas. Até
mesmo a igreja passa a ter interesse nas relações de trabalho, tanto que expedem diversas
encíclicas sobre o tema.
Finalmente, emerge a última fase da evolução do trabalho no mundo, a fase do
constitucionalismo social. Com a criação e implementação das constituições os países começam
a tratar sobre direitos sociais, trabalhistas e econômicos.
A primeira constituição social a ser implementada foi a Constituição do México (1917),
que estabelecia alguns direitos para os trabalhadores, como redução da jornada de trabalho,
proibição de trabalho de menores de 12 anos, salário-mínimo, proteção à maternidade etc.
Depois veio a Constituição de Weimar (1919), que deu poder ao sindicato dos trabalhadores e
estabeleceu o sistema de seguro social. Importante também foi o Tratado de Versalhes (1919),
por meio do qual foi viabilizada a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
imediatamente passou a emitir convenções e recomendações sobre questões trabalhistas e
previdenciárias.
421

A Carta Del Lavoro (1927), fundada na Itália, criou o sistema fascista, que inspirou
muitos outros sistemas políticos, especialmente o do Brasil, que foi projetado para organizar a
economia em torno do Estado, promover interesses sociais e fazer cumprir regras. Esta Carta
previa o sindicato único, o imposto sindical, a representação classista e a proibição da greve e
do lockout.
Então, neste momento, sim, podemos dizer que as leis trabalhistas surgiram e
começaram a se desenvolver, atingindo seu apogeu na sociedade capitalista.

3.3 A FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

As leis trabalhistas do Brasil começaram a tomar forma sob a influência do contexto


histórico mundial, partindo da pré-história e se desenvolvendo de acordo com as características
históricas do país. No Brasil, a conquista social relacionada ao trabalho está atrasada, assim
como nossa desconexão com a escravidão e nossa indústria. O marco inicial no
desenvolvimento do direito do trabalho foi a abolição gradual da escravatura, culminando na
Lei Áurea (1888). Com a proibição do trabalho forçado, o trabalho precisa ser distribuído pelas
oficinas, armazéns, fazendas e manufaturas do país. A imigração de italianos, portugueses,
espanhóis e outros estrangeiros atendeu amplamente a essa necessidade.
Acontece que, com a proclamação da Declaração da República (1889), prevaleceu o
conceito de liberalismo. Como resultado, os movimentos sociais não exerceram pressão
suficiente para ecoar o ordenamento jurídico nacional. Essa situação mudou gradativamente
com a implementação de leis isoladas. O livro História do Trabalho, Direito do Trabalho e
Justiça do Trabalho traz os seguintes exemplos:
- Decreto nº. A Lei 1.313 de 1891 regulamenta a fiscalização de fábricas que empregam trabalho
infantil;
- O Código Civil de 1916 tem algumas disposições para o arrendamento de serviço;
- Lei nº 4.982, de 25 de dezembro de 1925, que estabelece férias anuais de 15 dias.
A real expansão do direito trabalhista brasileiro ocorreu após a revolução de 1930,
quando o governo Vargas promulgou diversas leis e decretos trabalhistas, como a criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Uma das primeiras constituições a tratar do
direito do trabalho foi a de 1934, que garantia os direitos dos trabalhadores, a saber: liberdade
422

de associação, igualdade de salários, salário-mínimo, trabalho de oito (oito) horas, proteção ao


trabalho da mulher e dos filhos, descanso e férias anuais remuneradas.
No entanto, a constituição de 1937 resultante do golpe de Vargas foi um grande
retrocesso em tudo o que havia sido implementado na Carta Magna anterior. Por isso, o governo
criou a Lei Uniforme do Trabalho (CLT) em 1943 para agrupar, organizar e sistematizar as
regras trabalhistas. A segunda é o surgimento da constituição cívica, a constituição de 1988,
por meio da qual os direitos trabalhistas ganharam status constitucional e, assim, formalmente
consagrados no ordenamento jurídico brasileiro.
Houveram outras medidas na história recente, quase sempre impulsionadas por tensões
entre trabalhadores, governo e grandes corporações. Como vimos neste breve, os direitos
trabalhistas giram em torno dessas tensões e muitas vezes servem como um anestésico funcional
para as massas em geral.
Embora consideráveis os avanços alcançados pela Constituição Cidadã, não é possível
negar que problemas antigos foram mantidos, a preservação de mecanismos autoritários, os
quais claramente confrontavam os preceitos democráticos; conflitos esses que se arrastaram e
questionaram, inclusive, a direção e existência do Direito Individual do Trabalho ocorrido na
década de 1990. Nos 20 anos seguintes à Constituição de 1988, o sistema trabalhista foi
fortalecido e estabelecido diante de um número crescente de trabalhadores vinculados a seus
princípios e normas.

4 ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA NO BRASIL

De forma mais simples, o termo trabalho escravo contemporâneo é usado no Brasil para
designar a situação em que a pessoa está submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva,
servidão por dívidas e/ou condições degradantes.

A escravidão contemporânea no Brasil então persistia e ainda insiste, de forma mais


cruel e sutil que aquela abolida pela Princesa Isabel em 1888: os escravos modernos
são pessoas descartáveis, sem valor agregado à produção-simplesmente não custam
nada, não valem nada e por isso, não merecem segundo uma lógica puramente
econômica, nenhum tipo de cuidado ou garantia por suas vidas. (AUDI, 2006).

O trabalho fruto da escravidão contemporânea é vantajoso apenas para o empregador,


já que este não necessita de recursos para “comprar” o escravo e superfatura em cima do
trabalho produzido por horas não remuneradas, de acordo com Gabriella Yang. A falta de
423

informação e formação dos trabalhadores é uma das principais causas da manutenção do


trabalho em condições análogas à escravidão.

A mais notória das Leis que trouxe alguma mudança no cenário do sistema
escravocrata brasileiro à época do Império foi a Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888,
comumente chamada de Lei Áurea. Com ela, oficialmente foi declarada extinta a
escravidão no Brasil. [...] Todavia, há que se perceber que o trabalho escravo deixou
de ser legal, mas, na concretude da realidade social, continuou a existir
clandestinamente nos dias hodiernos. Por isso, é de suma importância,
contemporaneamente, instrumentos legais, somados à efetiva fiscalização e à atuação
dos profissionais nas instâncias judiciárias, possam inibir essa prática secular de
degradação do homem: o trabalho escravo (PEREIRA; RODRIGUES, 2014).

No Brasil, segundo afirmou o juiz do Tribunal Regional Trabalhista da 23ª Região


(TRT23), José Humberto Cesário, no I encontro do Fórum Nacional para monitoramento e
resolução dos conflitos fundiários rurais e urbanos, promovido pelo Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), em Campo Grande (MS), em que foi palestrante, “a falta de conhecimento dos
seus direitos e da forma como ter acesso à justiça, torna a pessoa vulnerável e, por isso, é uma
das principais causas desse ciclo vicioso de opressão que ainda persiste no Brasil no século
XXI”. Na palestra, Cesário relatou alguns casos que julgou nas varas do trabalho dos
municípios de São Félix do Araguaia e Juína, ambos em Mato Grosso, os quais demonstram o
tratamento bárbaro a que muitos trabalhadores ainda são submetidos no Brasil. “São regiões
em que o estado não se fez presente durante anos”, destacou.
Apesar disto, o art. 243 da CFRB/88, dispõe o seguinte:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho
escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a
programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no
art. 5º (BRASIL, 1988).

Mesmo assim, é no meio rural em que mais podemos ver casos análogos a escravidão,
em especial dentro dos modelos citados no gráfico a seguir.
424

Fonte: Site A Pública. 5

Na região, foram denunciadas situações de trabalhadores obrigados a dormir em


depósitos de agrotóxicos e a beber a mesma água que utilizavam para fazer suas necessidades
básicas. Funcionários considerados “fugitivos” pelos patrões torturados diante dos demais
colegas de trabalho, para servir de exemplo para os “rebeldes”, foi outra situação apresentada
pelo juiz. “Em um dos casos, o trabalhador foi torturado com correntes e teve seus dedos
esmagados com alicate, como castigo pela fuga”, contou.
Como forma de combater essa situação desumana que ainda persiste no município de
São Félix do Araguaia, o juiz conta que desenvolveu uma série de projetos sociais destinados à
conscientização da população quanto aos seus direitos trabalhistas. Ao todo 30 pessoas, entre
professores, líderes indígenas, militantes de direitos humanos, entre outros, participaram da
formação, para servirem como multiplicadores na comunidade.
A escravidão moderna causa profundo impacto na saúde física e mental das vítimas,
deixando traumas, com relação aos maus tratos, e o medo da socialização com os demais, isso
afeta não só a vítima, mas também toda a sociedade. A necessidade faz com que a maioria dos

5
Gráfico extraído de reportagem do site A Pública, disponível em: https://apublica.org/2017/10/no-mapa-o-
trabalho-escravo-no-brasil/
425

cidadãos que se encontram neste cenário, permaneçam com a esperança de no futuro ter uma
renda proveniente do trabalho que já foi prestado. Para Bittencourt, o trabalho escravo é

[…] reduzir alguém a condição análoga à de escravo equivale a suprimir-lhe o direito


individual de liberdade, deixando-o completamente submisso aos caprichos de
outrem, e exatamente aí reside a essência desse crime, isto é, na sujeição de uma
pessoa a outra, estabelecendo uma relação entre sujeito ativo e sujeito passivo análoga
à da escravidão: o sujeito ativo, qual senhor e dono, detém a liberdade do sujeito
passivo em suas mãos (BITTENCOURT, 2012).

O Brasil também ratificou diversos tratados no que diz respeito ao cenário de escravos
do século XXI no âmbito internacional, como por exemplo a Convenção 105, que passou a
vigorar a partir de 18 de julho de 1965, no qual estabelece que “todo País-membro da
Organização Internacional do Trabalho que ratificar esta Convenção compromete-se a adotar
medidas para assegurar a imediata e completa abolição do trabalho forçado ou obrigatório” em
seu art. 2º.
Já na Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica,
realizado em 6 de novembro de 1992, nos itens 1 e 2º do artigo 6º, relata que “ninguém poderá
ser submetido a escravidão ou servidão e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de
mulheres são proibidos em todas as suas formas e ninguém deve ser constrangido a executar
trabalho forçado ou obrigatório [...]”. (BRASIL, 1992, P.15562)
Desse modo, observa-se que apesar da abolição oficial da escravatura ter ocorrido a
séculos atrás, na contemporaneidade este aspecto vai muito além das leis trabalhistas, pois não
pressuposto sexo, tampouco idade, mas permite que uma série de características sejam
confundidas dentro de um jogo psicológico, principalmente de dependência, que acaba
prendendo a vítima em um sistema inescrupuloso. Afinal, “o controle abusivo de um ser
humano sobre outro é a antítese do trabalho decente” (OIT, 2001).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho escravo sofreu um grande processo de evolução ao longo dos anos. Com as
revoluções acontecendo em toda a Europa e os pensamentos abolicionistas sendo cada vez mais
presente no Brasil. Sendo assim, surgiram os primeiros direitos trabalhistas, com a finalidade
de regulamentar o direito do trabalhador baseado nos princípios da dignidade humana.
426

No primeiro momento, o presente estudo aborda a trajetória dos escravos desde sua
chegada no país, as péssimas condições em que aqui viviam, os surgimentos das primeiras Leis
que foram sendo adquiridas, até o fim da escravidão com a promulgação da Lei Áurea.
Na segunda etapa do artigo, retrata a evolução dos direitos trabalhistas no Brasil e no
mundo. Com o advento da Revolução Industrial, deu-se início às conquistas da classe
trabalhadora, tendo influência em várias partes do mundo, em especial no Brasil, até acontecer
a consolidação das Leis do Trabalho, sancionadas pelo até então presidente Getúlio Vargas.
Nesse cenário, as condições de trabalho mudaram significativamente.
Foi a partir de pequenas mudanças como estas que o trabalho escravo passou a oferecer
uma esperança para o futuro. Muitos foram os negros que morreram de exaustão no trabalho
para que no século XXI podemos disfrutar de uma jornada de horas diária e semanal que nos
assegura um bem-estar e uma qualidade de vida. Foram as rebeliões, as chibatas e as fugas das
senzalas que permitiram termos direito à liberdade, a dignidade, a educação e, em especial, o
direito de trocar os serviços que são prestados por uma quantia justa de capital para suprir as
necessidades econômicas básicas de alguém. O trabalho da criança escrava, futuramente passou
a ser inadmissível e o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que estes estejam dentro
de sala de aula e que até atingir a maioridade não sejam submetidos a trabalho forçado.
Levando em consideração toda a evolução que aconteceu ao longo da história e a
contribuição da escravidão para tamanha conquista, buscamos estudar o cenário atual. Que
mesmo diante de tantas leis, a escravidão ainda é bastante presente no corpo social brasileiro,
sendo praticada de diversas formas no território nacional, pelo fato de muitas das vezes os
trabalhadores não conheceriam seus direitos.
Conclui-se, então, que a escravidão teve grande influência na conquista do Direito
Trabalhista, que foi através do sofrimento de diversos negros escravizados, que conseguimos
desfrutar de direitos que possuímos na atualidade. As lutas de classes e as revoluções ocorridas
ao redor do mundo, foi outro fator de suma importância para a implantação de diversas leis,
mesmo não sendo praticadas de forma correta no século XIX, por falta de conhecimento da
classe trabalhadora, resultando em uma série de aparatos dentro da Lei para a proteção do direito
trabalhista, com foco em medidas de fiscalização e repreensiva de tais atos de abuso.

REFERÊNCIAS
427

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428

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429

ADOÇÃO TARDIA: o processo da adoção e seus desafios

Joice Milena de Oliveira Freitas1


Nayla de Freitas Fernandes2
Maria do Socorro Diógenes Pinto3

RESUMO

O presente artigo aborda a temática da adoção tardia, que se trata da adoção de crianças acima
dos 3 (três) anos de idade, tendo como objetivo analisar o processo de adoção e os desafios que
o acompanham, tendo em vista que a adoção é um ato delicado e complicado, podendo
aumentar a preocupação quando se trata de uma criança mais velha. Como procedimentos
metodológicos utilizamos pesquisas bibliográfica, documental e de campo, através de uma
abordagem quali-quatantitativa e aplicação do método dedutivo. Diante disso, quais os desafios
enfrentados na adoção tardia? Foi possível observar que os estereótipos negativos gerados
sobre essa temática é o que leva os adotantes a preferência por crianças mais novas. Portanto,
concluímos que todo meio de adoção exige paciência e dedicação no que concerne a adaptação.
Palavras-Chaves: Adoção Tardia. Crianças. Adolescentes. ECA.

ABSTRACT

This article addresses the theme of late adoption, which is the adoption of children over 3 (three)
years of age, aiming to analyze the adoption process and the challenges that accompany it,
considering that adoption is a delicate and complicated act, and may increase concern when it
comes to an older child. As methodological procedures we use bibliographic, documentary and
field research, through a quali-quatantitativa approach and application of the deductive method.
In view of this, what challenges are faced in late adoption? It was possible to observe that the
negative stereotypes generated on this theme is what leads the adores to prefer younger children.
Therefore, we conclude that every means of adoption requires patience and dedication with
regard to adaptation.
Keywords: Late Adoption, Children and Adolescents, ECA.

1 INTRODUÇÃO

1
Graduanda em Direito, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
Joice_milena@hotmail.com.
2
Graduanda em Direito, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
naylafernandes3@gmail.com.
3
Doutoranda em Direito, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Especialista em Educação em Direitos Humanos, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Especialista em Língua Inglesa, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Graduada em Letras, com habilitação em Língua Inglesa, e em Direito, pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Advogada e Professora Universitária do Curso de Graduação em Direito e da Pós-Graduação
em Direito Processual Civil da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
diogenesadvocacia@hotmail.com.
430

A adoção é um ato jurídico por meio do qual um indivíduo é assumido como filho por
um adulto ou casal de forma irrevogável. Tratar a temática da adoção é um ato complexo,
principalmente, se vislumbramos as complexidades envolvidas, levando em consideração o
meio cultural, econômico, psicossocial, político e moral, partindo do preceito de que a maioria
dos casos de adoção vem por meio de um abandono. Diante desse contexto, a adoção de crianças
acima dos 2 (dois) anos de idade se torna um assunto ainda mais complexo (ARNOLD, 2011).
Nesse sentido, a adoção tardia é o termo designado para a adoção de crianças acima dos
3 (três) anos de idade. No entanto, nem sempre a adoção foi tratada com tanto respeito e
delicadeza.
Nas primeiras civilizações, a adoção tinha como objetivo a continuidade do lar, no que
se refere a falta da presença masculina, adotando uma criança ou adulto para dar seguimento a
linhagem familiar ou com o objetivo de conceber filhos aos que não podiam gerar de forma
natural, não havendo, assim, preocupação com o bem-estar do adotado (ARNOLD, 2011).
Em vista disso, observamos as mudanças necessárias para a proteção da criança e do
adolescente no processo de adoção, o que, atualmente é assegurado pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA), a Lei n° 12.010, de 3 de agosto de 2009 e a Lei n° 13.509, de 22 de
novembro de 2017.
Entretanto, ainda com todas as inovações e progressos acerca da adoção, é notável que
o preconceito causado pelos mitos e fantasias no que diz respeito a essa temática ainda estão
presentes na sociedade que se diz humana, mas contribui para o enfraquecimento do instituto
da adoção (ARNOLD, 2011).
Nessa perspectiva, a adoção ainda é cercada de estereótipos negativos, tendo em vista
que apesar de haver legislação disciplinando-a, ainda persiste a ausência de divulgação sobre a
sua importância, bem como sobre o seu processo e responsabilidades.
Assim, essa a ausência de informações acaba gerando mitos e preconceitos sobre o
instituto da adoção (ARNOLD, 2011), principalmente no que concerne a adoção tardia, diante
dos obstáculos enfrentados na adoção de uma criança acima dos 3 (três) anos de idade.
Nesse contexto, o presente artigo objetiva analisar a temática da adoção tardia, com esse
propósito, realizou como procedimentos metodológicos as pesquisas bibliográfica, documental
e de campo, através de uma abordagem quali-quatantitativa e aplicação do método dedutivo.
431

A pesquisa bibliográfica foi realizada através da análise de artigos científicos e


legislações sobre o tema abordado, enquanto a pesquisa documental se baseou na análise
estatística dos dados disponibilizados pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA),
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Já a pesquisa de campo foi desenvolvida por meio de visita in locu ao Núcleo Integrado
de Apoio à Criança (NIAC), no município de Mossoró RN, para melhor percepção de como se
dá a entrada de crianças no abrigo, e, consequentemente, como é desenvolvida a adoção tardia,
bem como a realização de entrevista com a assistente social responsável pelo aludido órgão.
Na entrevista utilizamos perguntas abertas e semiestruturadas, levando em consideração
os nossos objetivos, mas também permitindo que a nossa interlocutora expressasse a sua
opinião.
Outrossim, ressaltamos que foi apresentada à entrevistada Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, através do qual foi informado os objetivos, procedimentos e justificativa
dessa pesquisa, seguindo, assim, as diretrizes estabelecidas pela Resolução Nº 466/12, do
Conselho Nacional de Saúde.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Segundo Santos (2022, p. 02)

Embora não seja possível definir com previsão quando e onde surgiu a “cultura da
adoção”, sabemos que esta já existe desde a antiguidade na sociedade e acontece em
praticamente todos os povos, o ato de adotar crianças de outras famílias como se seus
naturais, fossem.

Condiz relembrar que nos primórdios da civilização, a adoção tinha como objetivo dar
continuidade ao lar familiar, que não havendo presença masculina nesse meio, adotava um
menino ou adulto para conservar a tradição da família e assegurar filhos aos que não podiam
gerar de forma natural, dessa forma, era visado somente os maiores interesses dos adotantes e
não era pensado no bem-estar e interesse dos adotados (ARNOLD, 2011).
Tendo em vista essa pratica enraizada desde os primórdios, e os melhores interesses das
crianças e adolescentes, se fez necessário uma legislação que pudesse dispor sobre os critérios
da adoção, sendo assim, foi implementado a Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990, dispondo a
respeito do Estatuto da Criança e do Adolescente.
432

É nítido que esse instituto tem por objetivo assegurar os direitos das crianças e
adolescentes desemparados, sem família e sem um lar, promovendo, assim, medidas cabíveis
com o fim de amparar e promover uma vida digna aos mesmos (ARNOLD, 2011).
Desse modo, é possível perceber que a adoção visa garantir às crianças e adolescentes
desemparados a formação de um núcleo familiar, levando em consideração o impacto pertinente
que tem no desenvolvimento social e emocional de todo indivíduo, modelando singularmente
a forma de agir e pensar, além do fator ambiental, entendendo que o ambiente que uma criança
se desenvolve pode vir a definir como pessoa (SANTOS, 2022).
Nesse sentido, se faz importante considerar que a estrutura e desenvolvimento
psicossocial de uma criança precede de variados fatores, além do fator genético, atentando para
a convivência social e o ambiente que está inserida, firmando, assim a relevância da infância
como fase primordial para a formação de um indivíduo (SANTOS, 2022).
A Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, em seu artigo 39, §1º, denomina o instituto da
adoção, como:

Art. 39.
§ 1º A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas
quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família
natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei (BRASIL, 1990).

Além disso, a referida lei estabelece, em seu artigo 19, o direito que toda criança ou
adolescente tem de ser criado no seio de sua família, e excepcionalmente, em família substituta,
garantindo a convivência familiar e comunitária em um ambiente que possa fornecer seu
desenvolvimento integral. Por meio deste dispositivo, as crianças e adolescente obtiveram uma
proteção maior e cuidado mais detalhado com seus interesses.
Ademais, como bem destacaram Maux e Dutra (2010, p. 6) “As leis nacionais anteriores
ao E.C.A privilegiavam os filhos biológicos em detrimento dos adotivos, valorizando o
chamado laço de sangue, dando ao fator biológico um status superior. ”.
Dessa forma, é possível evidenciar uma importante alteração proveniente do ECA, que
em seu artigo 41, dispôs que, in verbis: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com
os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais
e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. ” (BRASIL, 1990).
433

No ano de 2009, por meio da implementação da Lei nº 12.010, foi aperfeiçoado o


sistema de adoção, alterando-se, por conseguinte, o ECA, ao detalhar como deve ser realizado
o procedimento da adoção, e ampliar os direitos do adotado e deveres do adotante.
Ademais, a recente Lei nº 13.509, promulgada em 2017, também alterou o ECA,
favorecendo a pratica da adoção e trazendo inovações a esse instituto, que já se encontrava
ultrapassado.
Porém, de certo modo, a intenção das legislações vigentes acerca da adoção é promover
segurança aos adotados e assegurar aos mesmos um bom lar familiar, contudo, embora as
mudanças tenham sido benéficas, podem ter acarretado a burocratização do procedimento, o
que pode vir a inviabilizar a adoção, tendo em vista que tornou o processo moroso (SANTOS,
2022).
Por fim, é possível observar que a medida que a sociedade se desenvolve, as legislações
demonstram preocupação em acompanhar seu desenvolvimento, mantendo-se atualizadas para
garantir aos adotados seus devidos direitos.

3 O PROCESSO DE ADOÇÃO

O processo de adoção no Brasil, embora seja gratuito, é burocrático e moroso. O trâmite


varia de acordo com cada Estado e com as Varas de Infância, no entanto, no geral segue o
mesmo procedimento.
Conforme o artigo 42 do ECA, a idade mínima para realizar a adoção é de 18(dezoito)
anos, além disso, o mesmo artigo, em seu parágrafo § 3, expõe ser necessário a diferença de 16
(dezesseis) anos entre o adotante e o adotado (BRASIL, 1990).
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, após tomada a decisão de constituir uma
família adotiva, o interessado deve procurar o Fórum ou a Vara da Infância e da Juventude da
sua cidade ou região levando toda a documentação necessária, podendo mudar de acordo com
cada Estado, em razão disso, se faz importante entrar em contato com a unidade judiciária e
conferir a documentação exigida. (CNJ, 2019)4
Em seguida, será realizada uma análise de documentos, os quais serão autuados pelo
cartório e remetidos ao Ministério Público para depois prosseguir com o processo. A etapa

4
Informação disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao/passo-a-passo-da-adocao/.
Acesso em: 03 ago. 2022.
434

seguinte é uma das mais importantes do procedimento, se tratando de uma avaliação dos
adotantes por equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário, momento no qual será
averiguado tudo referente a adoção, incluindo o lar familiar e as motivações para realizar o
procedimento, além das informações sobre o perfil da criança que sejam adotar. (CNJ, 2019)
O resultado da avaliação será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de
Infância, a partir disso, o juiz irá proferir sua decisão, se acolherá ou não o pedido. Se a decisão
proferida por favorável, o nome do interessado será inserido no Sistema Nacional de Adoção e
Acolhimento, entrando, assim na fila. (CNJ, 2019)
A fase seguinte é participação em programa de preparação para adoção, sendo um
requisito também previsto no art. 50, § 3º, do ECA.
Em seguida, o adotante aguarda ser chamado para a apresentação da ficha da criança
e/ou adolescente disponível, devendo manifestar se têm interesse em efetivar a adoção. Em caso
positivo, será realizada uma aproximação de entre adotante e adotado, dando início ao estágio
de convivência monitorado pela Justiça e pela equipe técnica multidisciplinar, em
conformidade com o artigo 46 do ECA.
Finalizado esse processo de estágio, consoante o artigo 19-A do ECA, § 7, o adotante
tem um prazo de quinze dias para propor a ação de adoção contando do dia seguinte à data do
término do estágio de convivência, se a decisão proferida for favorável, conforme o artigo 47,
caput e seu § 1º, será realizado um novo registro de nascimento contendo o sobrenome da
família.
Conforme o ECA, em seu artigo 47, § 10, o prazo para concluir a ação de adoção é de
120 dias e só poderá ser prorrogado uma única vez.

4 UM PANORAMA SOBRE O SISTEMA NACIONAL DE ADOÇÃO E


ACOLHIMENTO

De acordo com o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) em seu painel de


acompanhamento, os três estados brasileiros com maior número de criança para adoção são:
São Paulo, com 968 (novecentos e sessenta e oito) crianças e adolescentes disponíveis para a
adoção, seguido de Minas Gerais, que possui 513 (quinhentos e treze) crianças e adolescentes
cadastrados para a adoção e o Rio Grande do Sul, com 474 (quatrocentos e setenta e quatro)
crianças e adolescentes disponíveis para a adoção.
435

Em contrapartida, o mesmo SNA também mostra os três estados brasileiros com menor
número de crianças disponíveis para adoção, sendo o Acre com o total de 4 (quatro) crianças
disponíveis, Roraima com 6 (seis) e Rondônia com 20 crianças disponíveis para a adoção.

4.1 OS DESAFIOS DA ADOÇÃO TARDIA

O termo “Adoção Tardia”, em regra, é designado para crianças maiores de três anos de
idade (SAMPAIO, MAGALHÃES, MACHADO,2020). A grande problemática referente à essa
modalidade de adoção, que é pouco comum no Brasil, encontra-se associada a pouca
correspondência das preferências do adotantes com as crianças que estão na fila de espera para
serem adotadas, tendo em vista que os mesmos, em sua maioria, preferem adotar crianças de
até 2 (dois) anos de idade.
É possível reconhecer que adoção, no decorrer dos anos, passou por inúmeros
progressos e inovações imprescindíveis para formar a sociedade mais humanitária, no entanto,
o preconceito no que tange a adoção tardia ainda faz parte das mentes atuais, formado por mitos
e fantasias referentes ao tema, causando ao instituto da adoção uma debilidade e,
consequentemente, retrocedendo no humanitarismo social (ARNOLD, 2011).
Os institutos e legislações pertinentes a adoção representam uma conquista de direitos
para as crianças e adolescentes nesse meio. Todavia, conforme Arnold (2011, p. 6):

[...] essa conquista esbarra especialmente no que tange à discriminação de nossas


crianças e jovens, apresentando, lamentavelmente, resultados não satisfatórios no
plano material, o que leva, inegavelmente, a se afirmar que o problema da criança e
do adolescente abandonados é um dos mais angustiantes da sociedade brasileira.

Conforme observamos, através da análise dos dados constantes no Sistema Nacional de


Adoção e Acolhimento, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, existem 5.089
(cinco mil e oitenta e nove) crianças e adolescentes em processo de adoção5. Porém, como
podemos perceber o interesse dos adotandos são por aquelas de menor idade, vejamos:

Gráfico 01: Crianças e Adolescentes em Processo de Adoção no Brasil, por faixa etária

5
Informação disponível em: <https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=d2a446f2-be58-47ef-b0e6-fb35e768c976&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall>. Acesso em: 07 ago. 2022.
436

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

Dessa forma, em conformidade com Arnold (2011, p. 4) “O fato de não se obter índices
mais altos no ato de adotar crianças com mais de dois anos de idade, revela o quanto a
civilização moderna se encontra mergulhada nos preconceitos mais descabidos e retrógrados”.
Os dados evidenciam que à medida que a idade aumenta, as chances de adoção
diminuem, este fato pode ser comprovado pelos dados de crianças disponíveis para adoção por
faixa etária, também disponibilizados pelo mesmo SNA 6. Atualmente, existem 4.061 (quatro
mil e sessenta e uma) crianças e adolescentes disponíveis para a adoção distribuídas pelas
seguintes faixas etárias, vejamos:

Gráfico 02: Crianças e Adolescentes disponíveis ou vinculados para a adoção, por faixa etária.

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

6
Informação disponível em: <https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=68b8631d-d2f5-4ea1-b05a-b0256c5fb581&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall>. Acesso em: 07 ago. 2022.
437

Conforme observado, o número de crianças e adolescentes com idade mais avançada é


maior do que o número de crianças mais novas, observando, assim, o desafio da adoção tardia.
Isso ocorre em razão do receio de adotar uma criança mais velha, seja por preconceitos
com relação ao seu passado ou por medo do processo de adaptação não ser bem-sucedido.
Nessa perspectiva, o instituto da adoção tardia possui vários mitos e histórias que
acabam se tornando um grande obstáculo. O mais recente desses mitos diz respeito à adoção de
adolescentes que tenham histórico com famílias difíceis, supondo-se que esse fator possa gerar
uma bagagem que resulte em uma péssima educação (SANTOS, 2022).
Nesse sentido, os adotantes costumam nutrir o pensamento de que não poderiam mudar
os hábitos do adolescente e, assim, seria mais difícil sua adaptação, levando-os a procurar por
crianças mais novas ou bebês, tendo em vista que seria mais fácil educar e ensinar os valores
da vida familiar (SANTOS, 2022).
Assim, concordamos com Arnold (2011, p. 3-4) quando asseverar que:

Aceitar passivamente esses tristes dados seria como dar as costas à realidade,
coroando todos os preconceitos e barreiras que envolvem a problemática da adoção
tardia com a roupagem da inconstitucionalidade por estarem ferindo frontalmente os
princípios da igualdade, da não discriminação e da dignidade a exemplo dos artigos
3º, inciso IV e 5º da Constituição Federal, bem como estaria arruinando com um dos
pilares em que se sustenta o Estado Democrático de Direito fundamentado no artigo
1º, inciso III da Constituição Federal.

Certamente a adaptação de uma criança adotada no início da vida será mais fácil, no
entanto, não é possível dizer que a mesma não terá recordações e lembranças do momento de
abandono e da vida anterior a adoção, considerando, assim, que pode vir a influenciar no
desenvolvimento da vida adulta (SANTOS, 2022).
Ademais, também se encontra disponível no SNA a relação dos pretendentes habilitados
para realizar a adoção, que, atualmente, são 18.925 (dezoito mil, novecentos e vinte e cinco)7,
e suas preferências no tocante à idade do adotado, vejamos:

Gráfico 03: Preferência dos Pretendentes em realizar a Adoção, com relação à faixa etária.

7
Informação disponível em: <https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=f6217f68-c638-49eb-9d00-ca8591a16175&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall>. Acesso em: 07 ago. 2022.
438

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.

Assim, diante dos dados, é possível perceber a preferência por crianças mais novas. É
valido ressaltar que por uma criança ser mais velha ou mais nova, não irá tirar a mesma da
realidade de ter sido abandonada, o que pode gerar, independentemente da idade, memorias
armazenadas da vida antes de ser acolhida por sua família adotante.
Nesse contexto, conforme Sampaio, Magalhães e Machado (2020, p. 3):

O descompasso entre a demanda das crianças e dos pretendentes exige intenso


trabalho de conscientização e desmitificação das adoções tardias. As especificidades
relacionadas à condição e à história das crianças maiores precisam ser tratadas sem
estigmas e preconceitos, aspectos ainda muito presentes no imaginário social.

Nota-se que a discrepância entre a demanda dos adotantes e dos adotados exige uma
desmistificação, no que diz respeito a adoção tardia. (SAMPAIO, MAGALHÃES,
MACHADO,2020)
Nessa perspectiva, consoante Arnold (2011, p. 6):

Em decorrência disso, a adoção ganha especial relevo e torna-se emergencial a sua


utilização e o seu estudo especialmente calcados nos problemas que obstam o seu
pleno exercício. Somente através de campanhas de elucidação e de esclarecimentos
poderemos melhorar esse quadro desolador, tornando aplicáveis e, portanto, eficazes
os propósitos do instituto da adoção, permitindo o ingresso de crianças e adolescentes
em famílias substitutas que possuem condições econômicas, sociais e psicológicas em
dar um lar a elas, mas o que até então não o faziam por uma série de temores, angústias
e preconceitos infundados. Vale dizer que precisamos varrer de nossas mentes a ideia
de que o preconceito da sociedade vale mais do que o interesse dos infantes e
adolescentes abandonados.
439

Qualquer forma de adoção, inclusive a tardia, requer cuidado e dedicação,


principalmente levando em consideração que a criança carrega traumas e marcas (SANTOS,
2022). A paciência, o amor, o preparo, fará a diferença no vínculo de adoção entre adotante e o
adotado, além de que, a adoção tardia exige ainda mais dedicação e paciência por parte dos
adotantes no período de adaptação, fazendo com que a criança se sinta amada e acolhida naquele
lar, para, assim, obter uma adaptação bem-sucedida e natural (SANTOS, 2022).
Assim, é possível entender que os estereótipos negativos gerados, no que se refere à
adoção tardia, faz com que os adotantes busquem um perfil de crianças mais novas, com a ilusão
de ser mais fácil adaptar e educar uma pessoa criada desde bebê do que outra que já possui um
entendimento maior decorrente da idade. Dessa forma, é nítido a falta de lugar de fala sobre
esse assunto, pois para a conscientização e desmitificação sobre uma temática é fundamental a
discussão da mesma, principalmente, por àqueles que sofrem o peso do preconceito.

4.2 PERFIS MAIS PROCURADOS PELOS ADOTANTES

Além da preferência por idade, o Sistema Nacional de Adoção apresenta dados da


preferência dos pretendentes disponíveis para a adoção com relação à etnia 8:

Gráfico 04: Preferência dos Pretendentes em realizar a Adoção com relação à etnia dos adotandos.

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

8
Informação disponível em: https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=d2a446f2-be58-47ef-b0e6-fb35e768c976&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall. Acesso em: 07 ago. 2022.
440

Conforme os dados acima, nota-se que a preferência predominante com relação a etnia
é indiferente, mas, além disso observa-se o favoritismo por crianças brancas ou pardas e ainda,
a pouco escolha por crianças pretas, amarela ou indígena. Assim, é possível evidenciar o maior
número de escolhas não só por crianças mais novas, como também com relação a cor de pele.
Ademais, o Sistema Nacional de Adoção mostra os dados da preferência de crianças
com ou sem irmãos9:

Gráfico 05: Preferência dos Pretendentes em realizar a Adoção com relação aos adotando possuírem
ou não irmãos.

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

A partir desses dados, observamos a inclinação pela adoção de crianças sem irmãos ou
com apenas um irmão, levando as crianças possuem irmãos a ficarem mais tempo em abrigos
e lares de adoção.
Ademais, outro dado de relevante conhecimento é a escolha por crianças com ou sem
deficiência, observemos10:

Gráfico 06: Preferência dos Pretendentes em realizar a Adoção com relação aos adotandos com
deficiência.

9
Informação disponível em: <https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=d2a446f2-be58-47ef-b0e6-fb35e768c976&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall>. Acesso em: 07 ago. 2022.
10
Informação disponível em: <https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=d2a446f2-be58-47ef-b0e6-fb35e768c976&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall>. Acesso em: 07 ago. 2022.
441

Fonte: Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento

Desse modo, com base em todos os dados apresentados, se torna evidente o perfil de
maior escolha entre os adotantes, com relação à faixa etária (criança de até dois anos). À etnia,
sem grupo de irmãos e sem deficiência, evidenciando uma criança idealizada e,
consequentemente, levando as crianças e jovens de perfis menos desejados, a permanência em
lares de adoção e instituições.
Para tanto, é valido ressaltar que o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
garante para às crianças e adolescentes o direito de serem criados no seio de sua família, e,
excepcionalmente, em famílias substitutas, com o objetivo de garantir aos menores um
ambiente saudável para o seu desenvolvimento.

5 JOVENS NÃO ADOTADOS QUE COMPLETAM A MAIORIDADE

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não prevê em sua legislação, como


obrigatório, lares de acolhimentos para esses jovens até que tenham estabilidade financeira e
autonomia para dar início a vida adulta. No entanto, um Projeto de Lei do Senado, o PL
507/2018, aprovado pelo plenário, prevê moradia provisória para jovens que tenham entre 18 e
21 anos em situação de vulnerabilidade social desligados de instituições de acolhimento.
Conforme o artigo 2° do Projeto de Lei do Senado Nº 507, de 2018:

Art. 2º O Poder Público é responsável pela criação de serviço de apoio para garantir
moradia acessível destinada a jovens egressos de instituições que estejam em situação
de vulnerabilidade e risco pessoal e social, que tenham vínculos familiares rompidos
ou extremamente fragilizados, que estejam em processo de desligamento de
instituições de acolhimento, que não tenham possibilidade de retorno à família de
442

origem ou de colocação em família substituta e que não possuam meios para prover o
próprio sustento.
A iniciativa do projeto de lei intitulou os lares de acolhimentos como repúblicas para
jovens, além de fornecer acesso a atividades culturais, esportivas, profissionalizantes e de
aceleração da aprendizagem objetivando o preparo e autonomia, conforme o artigo 8º, § 2º do
Projeto de Lei do Senado Nº 507, de 2018:

Art. 8º [...]
§2º O adolescente em fase de desligamento de unidade de acolhimento e subsequente
transferência para república deve ter acesso a:
I – programas, projetos e serviços nos quais possam desenvolver atividades culturais,
artísticas e esportivas que propiciem a vivência de experiências positivas e
favorecedoras de sua autoestima;
II – programas de aceleração da aprendizagem, para os casos de/grande distorção entre
idade e nível escolar; e
III – cursos profissionalizantes e programas de inserção gradativa no mercado de
trabalho, especialmente com estágios e programas de adolescente aprendiz,
respeitados seus interesses e habilidades.

Outrossim, além da pesquisa bibliográfica e documental realizamos uma pesquisa de


campo, por meio da qual visitamos o Núcleo Integrado de Apoio à Criança (NIAC), no
município de Mossoró/RN, instituição municipal que atua no apoio e abrigo para crianças e
adolescentes disponíveis para a adoção.
Na oportunidade, foi realizada uma entrevista com a psicóloga do NIAC que esclareceu
que o local acolhe crianças de até 12 (doze) anos de idade completos, em sua maioria, vindo de
situações de acolhimento emergencial causado pela violência no núcleo familiar. Além disso,
foi informado que pós completar a referida idade, as crianças são transferidas para outras
instituições.
A entrevistada revelou, ainda, que o perfil de crianças mais procurado por parte dos
adotantes são de até 05 (cinco) anos de idade, sem grupo de irmãos e de cor branca.
Esclarecendo, ainda, que as pessoas aptas a adotar preferem as crianças mais novas por medo
da adaptação não ser bem-sucedida, receio do adotado vir com comportamentos inadequados e
pela vontade de passar por todas as fases de desenvolvimento da criança, desde bebê até sua
fase adulta.
Ademais, a psicóloga declarou que, no município de Mossoró/RN, os jovens não
adotados quando completam a maioridade são acolhidos por uma Organização Não
Governamental (ONG) intitulada Aldeias. Nesse local é trabalhada a emancipação dos
adolescentes, além do processo para inseri-los no mercado de trabalho.
443

Assim, entende-se a importância de preparar os jovens para a possibilidade de não serem


adotados, e consequentemente, para a vida fora dos lares de adoção com o objetivo de deixá-
los aptos e instruídos a seguir com suas vidas particulares.

6 A IMPORTÂNCIA DOS GRUPOS DE APOIO À ADOÇÃO TARDIA

Conforme a Associação Nacional de Apoio à Adoção (ANGAAD), os grupos de apoio


a adoção, em sua maioria, são compostos por pais adotivos que de forma voluntariam cooperam
na divulgação da prática da adoção, objetivando a prevenção do abandono, a preparação de
adotantes e o acompanhamento de pais adotivos pós adoção. Além disso, fazem o papel de
auxiliar na busca de famílias para a doção de crianças que não tenham o perfil mais procurado,
como crianças de mais idade, com necessidades especiais e inter-raciais.11
Conforme já ressaltado, o preconceito e a desinformação, conjuntamente presentes na
sociedade, são obstáculos para o êxito da adoção (PAIM, 2011). Nesse contexto, os grupos de
apoio possuem grande relevância para a preparação de pretendentes à adoção, considerando
que podem fornecer uma troca de vivências e reflexões sobre o tema, além de rever os
estereótipos acerca da adoção tardia, contribuindo para a alteração do perfil que os pretendentes
buscam adotar, contribuindo, assim, para a flexibilização e ampliação das possibilidades de
perfis, passando a incluir aqueles que, até então, eram menos desejados (SAMPAIO,
MAGALHÃES, MACHADO,2020).
Nesse sentido, conforme Barbosa e Dutra (2010, p. 15):

Acreditamos que reflexões sobre essa temática devam ultrapassar os limites do núcleo
familiar – nos casos de uma família por adoção – percorrendo as discussões e
produções científicas e culturais, possibilitando, assim, a revisão de valores e, quem
sabe, a promoção de mudanças que visem construir uma nova cultura da adoção,
pautada em atitudes como o respeito ao outro e à sua singularidade.

Portanto, toda ação que promove a cultura da adoção, contribui de forma significativa
para a desmistificação do instituto, levando a prevenção e solução do abandono de crianças e
adolescentes (ARNOLD, 2011). Assim, objetivando a redução, e consequente, a extinção dos
estereótipos negativos gerados acerca da adoção, entende-se que toda forma que tenha

11
Informação disponível em: <https://www.angaad.org.br/portal/>. Acesso em: 02 ago. 2022.
444

oportunidade de lugar fala sobre a temática se torna imprescindível para seu processo de
desmitificação.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio das pesquisas realizadas, podemos perceber que a maioria das crianças
disponíveis para adoção possuem mais de 3 (três) anos de idade, dessa forma, a adoção tardia
seria a única alternativa para que eles venham a ter uma família. Porém, o perfil procurado nem
sempre corresponde ao que está disponível, tendo como consequência a permanência das
crianças em lares e instituições de acolhimento. Nesse sentido, entendemos ser necessário o
desenvolvimento de ações, especial pelo Poder Público, que possibilitem uma reflexão acerca
das escolhas dos adotantes, principalmente, no que concerne a adoção tardia (SAMPAIO,
MAGALHÃES, MACHADO, 2020).
Portanto, para atingir bons resultado referentes a adoção tardia é necessário trabalhar a
mente humana com a finalidade de informar e educar por meio de uma equipe de profissionais
especializados, tirando dúvidas referentes ao tema com a finalidade de derrubar os estereótipos
negativos, como também, por meio de palestras e eventos promovidos no qual algumas pessoas
que realizaram a adoção tardia poderiam relatar suas experiências (ARNOLD, 2011).
Assim, com base no que foi apresentado, é passível de conclusão o pouco lugar de fala
no que diz respeito a adoção de crianças acima dos 03 (três) anos de idade, tendo em vista que
a temática ainda precede de uma preconcepção distanciada da realidade em si, sendo relevante,
a compreensão da importância do núcleo familiar para as crianças classificadas na adoção
tardia, da mesma forma, que tem para os mais novos.
Portanto, entende-se a adoção tardia uma temática precedida de muitos preconceitos
gerados em meio a uma sociedade que não abre lugar de fala para o assunto, e obtendo como
consequência, fatores negativos para jovens que tem a necessidade de crescer em um núcleo
familiar e não a oportunidade.

REFERÊNCIAS

ARNOLD, Clarice Paim. Adoção tardia: do estigma à solidariedade. Revista Amicus Curiae,
V. 5, N. 5, p. 1-9, 2011. Disponível em: https://scholar.google.com.br/scholar?hl=pt-
445

BR&as_sdt=0%2C5&as_vis=1&q=Ado%C3%A7%C3%A3o+tardia%3A+do+estigma+%C3
%A0+solidariedade&btnG=. Acesso em: 13 jul. 2022.

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE GRUPOS DE APOIO À ADOÇÃO. Brasília, 2012.


Disponível em: https://www.angaad.org.br/portal/. Acesso em: 02 jul. 2022.

BRASIL. Projeto de Lei do Senado Federal. Brasília, DF, 2018.Acesso em: 28/07/2022
BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências. Brasília, DF, 13 de julho de 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 07 jul. 2022

BRASIL. Lei n° 12.010, de 03 de agosto de 2010. Brasília, DF, 03 de agosto de 2009.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12010.htm.
Acesso em: 07 jul. 2022.

BRASIL. Lei n° 13.509, de 22 de novembro de 2017. Brasília, DF, 22 de novembro de 2017.


Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13509.htm.
Acesso em: 07 jul. 2022
CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
https://paineisanalytics.cnj.jus.br/single/?appid=ccd72056-8999-4434-b913-
f74b5b5b31a2&sheet=d2a446f2-be58-47ef-b0e6-fb35e768c976&lang=pt-
BR&opt=ctxmenu,currsel&select=clearall. Acesso em: 27 jul. 2022.

CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Passo a passo da adoção. Disponível em:


https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/adocao/passo-a-passo-da-adocao/. Acesso em: 25
jul. 2022.

MAUX, Ana Andréa Barbosa. DUTRA, Elza. A adoção no Brasil: algumas reflexões.
Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, RJ, p. 1-17, 2010. Disponível em:
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SAMPAIO, D. S.; MAGALHÃES, A. S.; MACHADO, R. N. MOTIVAÇÕES PARA


ADOÇÃO TARDIA: entre o filho imaginado e a realidade. Psicologia em Estudo, v. 25, 4
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SANTOS, Raimundo. Adoção tardia no Brasil. Conteúdo Jurídico, N. 2, p. 1-6, Junho, 2022.
Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58675/adoo-tardia-no-brasil.
Acesso em: 28 jul. 2022.
446

ANÁLISE DAS ESTASTÍSTICAS DO CRIME DE ESTUPRO

Rosana Nogueira Fernandes de Queiroz1


Manuella de Oliveira Cabral Rocha Linnhares2
Cid Augusto da Escóssia Rosado 3

RESUMO

Nos últimos anos os órgãos de Segurança Pública estão sistematizando as informações de forma
padronizada, o que contribui para formação da Base Nacional de Estatísticas Criminais, a qual
está sob a responsabilidade da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Essa base
de dados é fornecida para elaboração do Atlas da violência, que é uma análise criteriosa do
comportamento da violência nos Estados brasileiros, possibilitando a comparação entre níveis
de violência nos diversos estados e a criação de indicadores para o diagnóstico, de padrões
criminais no país, de forma que favoreça a formulação de políticas de segurança pública
nacional e local. Diante do crescimento e da gravidade do crime de estupro em especial em
relação aos vulneráveis, o objetivo do estudo foi analisar as estatísticas do crime de estupro
registrados no Brasil, com foco no Rio Grande do Norte e Mossoró. A pesquisa foi feita a partir
de material já publicado, constituído principalmente de: livros, revistas, publicações em
periódicos e artigos científicos, jornais, boletins, monografias, dissertações, teses, material
cartográfico, internet e informações fornecidas pelos órgãos oficiais de Segurança Pública. No
Brasil constatou-se recorde etário infantil das vítimas, 60,6% tinham no máximo 13 anos
quando sofreram violência. O que gera um desafio tanto em relação à responsabilização do
autor, como em relação à proteção da vítima. Entende-se ser importante garantir a crianças e
adolescentes o acesso à informação, para que conheçam seus direitos, saibam identificar
diferentes formas de violência para se proteger e pedir ajuda.
Palavras-chave: Crime contra liberdade sexual, violência, estupro, vulnerável.

ABSTRACT

In recent years, Public Security agencies are systematizing information in a standardized way,
which contributes to the formation of the National Criminal Statistics Base, which is under the
responsibility of the National Public Security Secretariat (SENASP). This database is provided
for the elaboration of the Atlas of Violence, which is a careful analysis of the behavior of
violence in Brazilian states, enabling the comparison between levels of violence in the different
states and the creation of indicators for the diagnosis of criminal patterns in the country in a
way that favors the formulation of national and local public security policies. In view of the
growth and severity of the crime of rape, especially in relation to the vulnerable, the objective
of the study was to analyze the statistics of the crime of rape registered in Brazil, with a focus

1
Mestre em Manejo de Solo e Água (UFERSA)/ Discente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-
mail: rosana.queiroz@catolicadorn.com.br.
2
Doutora em Ciência Animal (UFERSA). Discente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
manuella.linhares@aluno.catolicadorn.com.br.
3
Doutor em Estudos da Linguagem (UFRN)/ Professor da Faculdade Católica do Rio Grande Norte. E-mail:
cidaugusto@gmail.com
447

on Rio Grande do Norte and Mossoró. The research was based on previously published
material, consisting mainly of: books, magazines, publications in periodicals and scientific
articles, newspapers, newsletters, monographs, dissertations, theses, cartographic material,
internet and information provided by official Public Security agencies. In Brazil, there was a
record child age of victims, 60.6% were at most 13 years old when they suffered violence. This
creates a challenge both in relation to the accountability of the author and in relation to the
protection of the victim. It is understood that it is important to guarantee children and
adolescents access to information, so that they know their rights, know how to identify different
forms of violence to protect themselves and ask for help.
Keywords: Crime against sexual freedom, violence, rape, vulnerable.

1 INTRODUÇÃO

O Código Penal do Brasil em seu Título VI, trata dos Crimes Contra a Dignidade Sexual,
o qual teve sua Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009. Conforme Nucci et all (2010) a nova
legislação se preocupou, principalmente, com o respeito à dignidade da pessoa humana, pilar
do Estado Democrático de Direito, pois não há dúvidas sobre a intensidade da violação que as
vítimas dessa espécie de infração sofrem, observando-se a tentativa de combate às diversas
espécies de violência sexual, não reguladas de forma eficaz pela legislação anterior.
Nos últimos anos os órgãos de Segurança Pública estão sistematizando as informações
de forma padronizada, o que contribui para formação de uma base analítica de dados, a Base
Nacional de Estatísticas Criminais, a qual está sob a responsabilidade da Secretaria Nacional
de Segurança Pública (SENASP). Essa base de dados é fornecida para elaboração do Atlas da
violência, que é uma análise criteriosa do comportamento da violência nos Estados brasileiros,
possibilitando a comparação entre níveis de violência nos diversos estados e a criação de
indicadores para o diagnóstico, de padrões criminais no país, de forma que favoreça a
formulação de políticas de segurança pública nacional e local. No entanto a garantia da
efetivação desse trabalho depende do compromisso de cada Estado fornecer as informações
com fidelidade e de acordo com o padrão estabelecido.
Conforme CERQUEIRA (2021), 18 UFs tiveram um aumento nos registros de estupros
de mulheres em relação ao ano anterior. Os maiores destaques são os estados da Paraíba
(111,3%), Maranhão (46,3%), Alagoas (23,5%), Piauí (19,3%), Sergipe (19%) e Rio Grande
do Norte (16,9%), cujos registros superaram, em 2021, o patamar anterior à pandemia.
Em relação a violência contra criança e adolescente, segundo o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (2021) dos 129.844 registros compilados em 12 Unidades da Federação com
448

vítimas de 0 a 17 anos, 56,6% são de estupro, com 73.442 casos identificados. A faixa etária
mais atingida por esse tipo de crime é a de 10 a 14 anos.
Diante do crescimento e da gravidade do crime de estupro em especial em
relação aos vulneráveis, o objetivo do estudo foi analisar as estatísticas do crime de estupro
registrados no Brasil, com foco no Rio Grande do Norte.

2 DA VIOLÊNCIA SEXUAL

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do


Ministério da Saúde, violência sexual é qualquer ação na qual uma pessoa, valendo-se de sua
posição de poder e fazendo uso de força física, coerção, intimidação ou influência psicológica,
com uso ou não de armas ou drogas, obriga outra pessoa, de qualquer sexo e idade, a ter,
presenciar ou participar de alguma maneira de interações sexuais, ou a utilizar, de qualquer
modo, a sua sexualidade, com fins de lucro, vingança ou outra intenção.
Incluem-se como violência sexual situações de estupro, abuso incestuoso, assédio
sexual, sexo forçado no casamento, jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas e/ou
impostas, pornografia infantil, pedofilia, voyeurismo, manuseio, penetração oral, anal ou
genital, com pênis ou objetos, de forma forçada. Inclui, também, exposição
coercitiva/constrangedora a atos libidinosos, exibicionismo, masturbação, linguagem erótica,
interações sexuais de qualquer tipo e material pornográfico. Igualmente, caracterizam a
violência sexual os atos que, mediante coerção, chantagem, suborno ou aliciamento, impeçam
o uso de qualquer método contraceptivo ou forcem ao matrimônio, à gravidez, ao aborto, à
prostituição; ou que limitem ou anulem em qualquer pessoa a autonomia e o exercício de seus
direitos sexuais e reprodutivos. A violência sexual é crime, mesmo se exercida por um familiar,
seja ele pai, mãe, padrasto, madrasta, companheiro (a), esposo (a)
O tipo penal em análise nesse estudo é o Estupro, este é tratado no capítulo I do Código
Penal que se refere aos Crimes contra a Liberdade Sexual em seu Art. 213 e é definido como:
Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar
ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. E por sua vez a Lei nº 12.015, de 2009,
também acrescentou o Estupro de Vulnerável, antes inexistente, no Capítulo II - Dos Crimes
Sexuais Contra Vulnerável, sendo definido conforme no Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou
praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos. E deixa explicito outras espécies
449

de vulnerabilidades em seu § 1o como: enfermidade ou deficiência mental, não ter o necessário


discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência.
Outro ponto de alteração, significativa, feita pela Lei 12.015/09 foi que tanto o homem
quanto a mulher possam ser sujeitos ativo ou passivo do crime de estupro. Atualmente, portanto,
o estupro passa a ser classificado como crime comum, sem qualquer exigência de qualidade do
sujeito ativo ou passivo.
A OMS (1999), ao referir-se à violência sexual em que a vítima é uma criança ou um
adolescente, adota o termo abuso sexual infantil. Abuso sexual infantil é o envolvimento de
uma criança em atividade sexual que ele ou ela não compreende completamente, é incapaz de
consentir, ou para a qual, em função de seu desenvolvimento, a criança não está preparada e
não pode consentir, ou que viole as leis ou tabus da sociedade. O abuso sexual infantil é
evidenciado por estas atividades entre uma criança e um adulto ou outra criança, que, em razão
da idade ou do desenvolvimento, está em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder
(World Health Organization - WHO -, 1999, p. 7). Conforme Neves (2010) também se define
quanto ao envolvimento de crianças e adolescentes que, por serem dependentes e imaturos
quanto ao seu desenvolvimento, não têm condições de compreender integralmente as atividades
sexuais em que se veem envolvidos e, portanto, são incapazes de dar o consentimento. De modo
amplo a violência sexual inclui a pedofilia, abusos sexuais violentos e o incesto, e são divididos
entre intrafamiliar e não familiar.
O trauma vivenciado pelas vítimas deixa muitas sequelas na vida e na saúde dos
atingidos, resultando em sérios efeitos nas esferas física e/ou mental, no curto e longo prazo.
Vítimas de estupro podem sofrer lesões nos órgãos genitais, contusões e fraturas, alterações
gastrointestinais, infecções do trato reprodutivo, gravidez indesejada e a contração de doenças
sexualmente transmissíveis (VILELLA, 2007). Em termos psicológicos o estupro pode resultar
em diversos transtornos, tais como depressão, disfunção sexual, ansiedade, transtornos
alimentares, uso de drogas ilícitas, tentativas de suicídio e síndrome de estresse pós-traumático
(CERQUEIRA, 2014).
O estupro é uma modalidade de violência sexual e é um dos mais brutais atos de
violência, humilhação e controle sobre o corpo de outro indivíduo.
O forte poder do medo infligido sobre as vítimas pode determinar o comportamento
desta diante da violência sofrida, por isso, destaca-se para discussão jurídica que os estupros
450

são crimes cerceados por ambientes de coerção e intimidação, seja da relação da vítima com o
agressor ou do momento da comunicação do fato às autoridades policiais, quando a vergonha
e o medo podem ser obstáculos. Tal cenário suscita uma reflexão a respeito das condições de
possibilidade das vítimas de dizerem não a seus algozes, de modo que o consentimento não
pode ser tomado como uma ação passiva (LEITE, LIMA e CAMARGO, 2020).

3 METODOLOGIA

A pesquisa foi feita a partir de material já publicado, constituído principalmente de:


livros, revistas, publicações em periódicos e artigos científicos, jornais, boletins, monografias,
dissertações, teses, material cartográfico, internet. Com especial atenção para as informações
fornecidas pelos órgãos oficiais de Segurança Pública.

3.1 POLÍTICAS DE APOIO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Em Mossoró, as ações de apoio às vítimas de violência sexual são desenvolvidas por


várias instituições que colaboram para formar uma rede silenciosa e discreta de proteção às
vítimas também de violência doméstica.
Nos casos de violência sexual eles normalmente vêm atrelados às ameaças, chantagens.
Às vezes, o abusador é um padrasto, o próprio pai, avós, tios, enfim, pessoas que tenham vínculo
afetivo e consanguíneo com a criança. A denúncia pode ser feita pelo Disque 100 de forma
anônima ou não, que é um número a nível nacional onde se pode fazer a ligação de forma
gratuita. Também pode ser feita através dos conselhos tutelares, no caso de Mossoró da 33ª e
34ª zona através dos contatos 3315-4808, 3315-4809. Também para o próprio CREAS (Centro
de Referência Especializado da Assistência Social), que trabalha atendendo pessoas que
passaram pela situação de violação de direitos ou o Ministério Público, as delegacias,
principalmente quando ocorre no turno noturno e nos finais de semana.
O dia 18 de maio foi instituído pela Lei Federal nº 9.970/00 como o “Dia Nacional de
Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”. A data foi escolhida
por ser o dia da morte da menina Araceli Santos, vítima de sequestro, estupro e assassinato em
1973, em Vitória, Espírito Santo. A menina que tinha oito anos foi espancada, violentada e
assassinada e os culpados pelo crime não foram punidos.
451

Mossoró possui uma rede de enfretamento à violência que é formada pelas seguintes
instituições:
a. Centro de Referência da Mulher,
b. Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS 4),
c. Unidades Básicas de Saúde (UBS) preparadas para identificação e atendimento das
vítimas de violência doméstica,
d. Polícia Civil (com a Delegacia de Atendimento à Mulher – DEAM),
e. Casa de Acolhimento Anatália de Melo Alves (AMA),
f. Projeto Olhar (CREAS) - Conjunto de procedimentos técnicos especializados para
atendimento às crianças e adolescentes vítimas de exploração, abuso e violência sexual e
suas famílias.
g. Defensoria Pública (DPE/RN) - Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar
contra a mulher da comarca de Mossoró-RN (atua na formação de grupos reflexivos com
homens autores de violência dentro do âmbito judicial),
h. Patrulha Maria da Penha - sob a responsabilidade e autoria da Guarda Municipal de
Mossoró, é a mais recente política implantada no município - A equipe da Patrulha está
composta por 38 guardas municipais, sendo 18 mulheres e 18 homens, que atuam
especificamente com vítimas de violência doméstica.
i. Projeto Flor de Lótus - Centro de Referência e Atendimento para Crianças e Adolescentes
Vítimas de Violência Sexual, no Hospital Maternidade Almeida Castro, implantado em
Mossoró/RN em junho de 2021. É uma iniciativa que tem parceria do Ministério Público
Estadual, UERN e Associação de Assistência e Proteção à Maternidade e à Infância de
Mossoró (Apamim). Os exames de corpo delito, laudos psiquiátricos, todos são realizados
na maternidade, para que vítima não tenha que passar pelo constrangimento de ir ao ITEP,
a Delegacia, ao Ministério Público, enfim, para que não fique peregrinando por justiça.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 ESTUPRO NO BRASIL

4
O CREAS trabalha com pessoas em que o risco já se instalou, tendo seus direitos violados, sendo
vítimas de violência física, psíquica e sexual, negligência, abandono, ameaças, maus tratos e discriminações
sociais.
452

a) Estupro no Brasil – pessoas adultas


A secretaria de Segurança Pública, constatou 60.926 registros de violência sexual no
Brasil em 2020, sendo 16.047 (26, 34%) de estupro e 44.879 (73,66%) de estupro de vulnerável,
provenientes dos boletins de ocorrência lavrados pelas Polícias Civis. A Paraíba é o estado que
possui menor taxa de casos de Estupros (3,5), seguido pelo Rio Grande do Norte com uma taxa
de 15,7, quatro vezes superior a Paraíba. Observa-se 68,9 crimes por 100 mil em Mato Grosso
do Sul.
Os dados informados pelo Estado da Paraíba, no entanto, parecem muito baixos,
deixando dúvidas sobre sua confiabilidade (registro de apenas 140 casos no último ano).

Gráfico 01: Taxas de estupro e estupro de vulnerável em 2020, por UF.

Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Coordenadoria de Informações
Estatísticas e Análises Criminais - COINE/RN; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE);
Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A análise do perfil racial das vítimas indica que 50,7% são negras, 48,7% brancas, 0,3%
amarelas e 0,3% indígenas. Os crimes de estupro e estupro de vulnerável são dos poucos delitos
onde não se verifica grande diferença na vitimização entre negros e brancos.
b) Estupro de LGBTQ+5
Os dados oficiais do Anuário de segurança Pública (2021) expressam aumento nos
registros de lesão corporal dolosa (20,9%), homicídio (24,7%) e estupro (20,5%) de LGBTQI+,

5
LGBTQI+ é o acrônimo para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais
453

todos superiores a 20%. Os dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, contudo,


sinalizam para um aumento significativo (41%) no número absoluto de mortes de pessoas trans
auferido pela organização, que saltou de 124 em 2019 para 175 em 2020 (BENEVIDES;
NOGUEIRA, 2021).
A inexistência de políticas públicas de promoção de direitos LGBTQI+ em larga escala
contribui para o quadro de mortalidade violenta intencional incontida do segmento no Brasil.
As contagens realizadas por organizações da sociedade civil buscam preencher esse vácuo
deixado pelo Estado.

4.2 ESTUPRO DE VULNERÁVEL NO BRASIL

73% dos casos de estupro no Brasil se referem a estupro de vulnerável, conforme


Gráfico 03. Um dado importante é que 85,2% dos autores eram conhecidos das vítimas, quase
sempre (96,3%) do sexo masculino, muitas vezes parentes e outras pessoas próximas que têm
livre acesso às crianças e tornam qualquer denúncia ainda mais difícil. Apenas 14,8% dos
estupros no Brasil foram de autoria de desconhecidos das vítimas.

Gráfico 02: Distribuição dos crimes de estupro e estupro de vulnerável - Brasil (2020)

Fonte: Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais de
Segurança Pública e/ou Defesa Social. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020.

a) Estupro de vulnerável no Brasil – crianças e adolescentes


454

UNICEF e FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, em seu relatório


sobre o Panorama da Violência Letal e Sexual Contra Crianças e Adolescentes no Brasil, retrata
que entre os anos de 2017 e 2020 foram registrados 179.277 casos de estupro ou estupro de
vulnerável com vítimas de até 19 anos – uma média de quase 45 mil casos por ano. Crianças de
até 10 anos representam 62 mil das vítimas nesses quatro anos – ou seja, um terço do total.
Conforme o gráfico abaixo, em relação a faixa etária, a maioria das vítimas de violência
sexual são crianças na faixa de 10 a 13 anos (28,9%), seguidos de crianças de 5 a 9 anos
(20,5%), adolescentes de 14 a 17 anos (15%) e crianças de 0 a 4 anos (11,3%).

Gráfico 03: Vítimas de estupro e estupro de vulnerável, por faixa etária - Brasil (2020).

Fonte: Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais de
Segurança Pública e/ou Defesa Social. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020.

A grande maioria das vítimas de violência sexual é menina – quase 80% do total. Para
elas, um número muito alto dos casos envolve vítimas entre 10 e 14 anos de idade, sendo 13
anos a idade mais frequente.
Para os meninos, os casos de violência sexual concentram-se especialmente entre 3 e 9
anos de idade. A subnotificação já característica parece ser um problema ainda maior em
relação a meninos, e alguns estudos sugerem que essa característica está ligada aos imaginários
de virilidade e iniciação sexual da sociedade em relação aos homens, e não como violência
455

(Rosa, 2020). Diante do exposto, constata-se que a possibilidade da subnotificação ser ainda
maior em homens adultos, onde as expectativas sociais sobre masculinidades pesam ainda mais.
A maioria dos casos de violência sexual ocorre na residência da vítima e, para os casos
em que há informações sobre a autoria dos crimes, 86% dos autores eram conhecidos das
vítimas.

Gráfico 04: Registros de Estupro e estupro de vulnerável em delegacias da Polícia Civil por
mês. Brasil, 2020.

Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.

Embora o gráfico apresente alguma redução nos registros policiais, nos meses de março,
abril e maio, CERQUEIRA (2021) considera que apesar da redução verificada, o número de
Medidas Protetivas de Urgência concedidas cresceu, passando de 281.941 em 2019 para
294.440 em 2020, crescimento de 4,4% no total de MPU concedidas pelos Tribunais de Justiça.
Neste contexto, ainda é cedo para avaliar se estamos diante da redução dos níveis de
violência doméstica e sexual ou se a queda seria apenas dos registros em um período em que a
pandemia começava a se espalhar, as medidas de isolamento social foram mais respeitadas pela
população e muitos serviços públicos estavam ainda se adequando para garantir o atendimento
não-presencial (Cerqueira, 2021).

Gráfico 05: Evolução do número de estupros e estupros de vulnerável - 2011-2020.


456

Fonte: Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social; Fórum Brasileiro de Segurança
Pública.

A distribuição dos crimes de estupro e estupro de vulnerável é diferente. Enquanto os


casos de estupro ocorrem majoritariamente aos sábados e domingos, os estupros de vulnerável,
categoria em que a maioria das vítimas são crianças, ocorrem em maior proporção de segunda
à sexta-feira, quando mães e outros responsáveis provavelmente saem para trabalhar e a criança
fica mais vulnerável.

Gráfico 06: Estupro e estupro de vulnerável, por dia da ocorrência - Brasil (2020).

Fonte: Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais de
Segurança Pública e/ou Defesa Social. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020.
457

Quanto mais nova a criança, maiores são as chances de elas serem estupradas nas suas
próprias residências, o Gráfico 07 mostra que pelo menos 50% dos estupros, em todas as faixas
etárias, acontecem nas residências das próprias vítimas. Conforme as idades das vítimas
aumentam, cresce a proporção de crimes que ocorrem em espaços públicos e locais privados.
E independente de faixa etária, em 83% dos casos de estupro de 0 a 19, os agressores são
pessoas conhecidas da vítima.

Gráfico 07: Distribuição dos crimes de estupro contra crianças e adolescentes, por faixa etária
e tipo de local do crime - Brasil (2020).

Fonte: Análise produzida a partir dos microdados dos registros policiais e das Secretarias estaduais de
Segurança Pública e/ou Defesa Social. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2020.

a) Estupro de vulnerável no Brasil – pessoas com deficiência


Conforme descrito no Atlas da Violência por CERQUEIRA (2021) a violência sexual
se destaca entre as pessoas com deficiência intelectual (35%). Em termos de gênero, há
variações importantes: as proporções de violência sexual são mais altas para mulheres (28%)
que para homens (10%) quando comparada a outras violências sofridas por pessoas com
deficiência. Um maior registro de casos de violência contra mulheres (4.847) do que contra
homens (2.755) se deve à maior notificação de violência sexual contra mulheres, que só se
aproxima do caso dos homens na faixa de 0 a 9 anos; na faixa de 30 a 39 anos, há vinte vezes
mais registros de violência sexual contra mulheres.

4.3 ESTUPRO NO RIO GRANDE DO NORTE


458

a) Estupro no Rio Grande do Norte – pessoas adultas


Verifica-se na análise nacional uma queda de 14,1% dos registros de estupro e estupro
de vulnerável em 2020, tendência que se verificou em 24 UFs. No entanto o Rio Grande do
Norte apresentou um aumento de 2,4% na variação geral e um aumento de 8,5% em relação as
vítimas mulheres, conforme tabela 01.

Tabela 1 - Registros de estupro tentativa de estupro 2019-20206 no RN.

Fontes: 1. Brasil. Secretaria Nacional de Segurança Pública. 2. Anuário Brasileiro de Segurança Pública
2021.

Em relação a tentativa de estupro, houve um aumento superior a 200%, de acordo com


a Tabela 2. Pode ter ocorrido, a possível, subnotificação em 2019 para considerar esse aumento
do número de tentativas de estupro.

Tabela 2 - Registros de tentativa de estupro 2019-2020 no RN.

Fontes: 1. Brasil. Secretaria Nacional de Segurança Pública. 2. Anuário Brasileiro de Segurança Pública
2021.

6
Tabela 2.6.1.2 - Registros de estupro e tentativa de estupro, segundo as Unidades da Federação - 2019-2020.
459

b) Estupro de LGBTQ+7 no Rio Grande do Norte


Foram registrados no Brasil 73 estupros em 2019 e 88 estupros em 2020, sendo que
2,8% (2019) e 3,4% (2020) aconteceram no Rio Grande do Norte. No entanto, deve-se
considerar que há uma deficiência nos registros de casos, bem como casos não registrados,
assim como acontece a nível nacional.

4.4 ESTUPRO NO MUNICÍPIO DE MOSSORÓ RN

De acordo com as últimas estatísticas da Polícia Civil do Rio Grande do Norte, Mossoró
apresentou um número de denúncias maior em relação ao estupro de vulnerável em relação ao
Estupro. Verifica-se também um aumento significativo nos registros ocorridos até o mês de
maio de 2022, considerando que o número de estupro de vulnerável teve um aumento de 67%
em apenas 5 meses.
Não foi constatada denúncia de estupro de vulnerável (vítima com enfermidade ou
deficiência mental) em Mossoró, embora o Rio Grande do Norte tenha registrado 8 casos no
ano de 2021 e um aumento significativo de casos em 2022, chegando a 11 casos registrados em
apenas 5 meses do ano.

Gráfico 08: Estupro e estupro de vulnerável em Mossoró RN (2021 e 2022).

7
LGBTQI+ é o acrônimo para lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis e intersexuais
460

Fonte: Estatísticas da Polícia Civil do Rio Grande do Norte8

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estupro é um crime frequente e importante de ser levado em conta quando se discute


infância no Brasil, pois constatou-se recorde etário infantil das vítimas, 60,6% tinham no
máximo 13 anos quando sofreram violência. O que gera um desafio tanto em relação à
responsabilização do autor, como em relação à proteção da vítima. Portanto, se exige maior
investimento e atenção dos gestores de saúde, políticos e da segurança pública no combate à
violência sexual e em especial à violência sexual contra crianças e adolescentes.
Para além dos efeitos mais visíveis e imediatos da violência sexual; tais como gravidez
indesejada, lesões físicas e doenças sexualmente transmissíveis, vítimas da violência sexual
com frequência sofrem de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão, ansiedade,
transtornos alimentares, distúrbios sexuais e do humor, maior uso ou abuso de álcool e drogas,
comprometimento da satisfação com a vida, com o corpo, com a atividade sexual e com
relacionamentos interpessoais (SOUZA et al, 2012); o abuso sexual na infância deixa marcas
por toda a vida
No período da pandemia, as vítimas enfrentaram muita dificuldade para fazer denúncias
e registros de boletins de ocorrência, em função de estarem em isolamento social; sendo,
portando, uma maior parcela de casos de violência sexual subnotificados.
A Patrulha Maria da Penha tem desenvolvido um trabalho integrado com o Juizado da
Violência Doméstica através de visitas diárias, atendimentos às denúncias (através do número
153) e o patrulhamento ostensivo realizado no entorno das residências das vítimas de violência,
na zona urbana e rural do município de Mossoró; essas ações contribuem para mitigar a
problemática da violência contra a mulher e as vítimas de violência sexual, que ocorrem em
ambiente doméstico (considerando que em todas as faixas etárias a maior parte dos crimes
acontece dentro da residência da vítima).
O Projeto Flor de Lótus - Centro de Referência e Atendimento para Crianças e
Adolescentes Vítimas de Violência Sexual, no Hospital Maternidade Almeida Castro,
implantado em Mossoró/RN, tem uma equipe multidisciplinar, integrada e qualificada para

8
http://www.policiacivil.rn.gov.br/Conteudo.asp?TRAN=ITEM&TARG=5517&ACT=&PAGE=0&PARM=&L
BL=Documentos. Acesso em junho 2022.
461

oferecer cuidados médicos, atendimento psicossocial e orientações que garantam a proteção e


direitos das vítimas, com encaminhamento para a Promotoria, Delegacia, ITEP, Conselho
Tutelar e acesso aos serviços de Assistência Social do município. Minimizando o sofrimento
da repetição dos fatos, onde a integração do atendimento contribuí para aliviar o trauma da
vítima.
Entende-se ser importante garantir a crianças e adolescentes o acesso à informação, para
que conheçam seus direitos, saibam identificar diferentes formas de violência para se proteger
e pedir ajuda.
É de significativa importância para o combate à violência, a fidelidade das informações
repassadas pelo Estados, para que o combate à violência sexual, dentre outros crimes, receba
amparo científico e sejam desenvolvidas políticas públicas para sanar o impacto social que sua
existência causa, em especial na vida das crianças e adolescentes atingidos.

REFERÊNCIAS

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Pública 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, v. 15, 2021. Disponível
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BENEVIDES, Bruna G.; NOGUEIRA, Sayonara Naider Bonfim (Orgs). Dossiê dos
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Expressão Popular, ANTRA, IBTE, 2021

CERQUEIRA, D., Coelho D. S. C. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados


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CERQUEIRA, D.; BUENO, S. Atlas da Violência 2021 / Daniel Cerqueira et al., — São
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463

EDUCAÇÃO FISCAL: direção para um bem-estar social

Maria Dalva André da Silva1


Esp. Fernanda Lucena de Albuquerque 2

RESUMO

A considerável ferramenta de participação de um cidadão no contexto social garantida pela


Constituição Federal faz se adormecida quando não praticada, infelizmente banalizada, assim
como o grande descaso educacional. Entretanto a educação garantida constitucionalmente no
artigo 205 “... como um direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade...”; porém para a existência de uma
corresponsabilidade social será necessário a participação de um cidadão crítico e ativo,
conhecedor do seu importante papel no sistema democrático para não se pôr em risco conquistas
do passado. A direção para um constante crescimento será necessária a exploração de meios
informativo desde a trajetória escolar e na convivência coletiva com o intuito de estimular a
participação social do indivíduo. Nesta conjuntura de conscientização humana o Programa
Nacional de Educação Fiscal (PNEF) objetiva serum instrumento para explicitar a aplicabilidade
dos tributos e sua transparência na relaçãoda gestão dos recursos para uma satisfatória política
pública. Desmistificando conceitos e regras para se exigir um bem-estar social, aprimorando o
sistema de proteção social do welfare state.
Palavras-Chave: Educação Fiscal; Democracia; Contexto social;

ABSTRACT

An educational tool for the participation of a citizen in the social context guaranteed by
the Federal Constitution becomes dormant when not practiced, trivialized, as well as
neglected. However, integral education, constitutionally in article 205 “[...] as a ri/.ght of
society and a duty of the State and the family, will be possible and encouraged with a
collaboration of society of all [...]”; But for the existence of a necessary co-responsibility for
the participation of a critical and active citizen, aware of their important role in the democratic,
so as not to put themselves at risk conquered by the past. In the direction of rights, the
exploration of didactic and informative material from the school trajectory and in collective
coexistence will be essential in order to stimulate a social participation of the individual. In this
matter, the objective of the National Program of Fiscal Education (NPFE) is to be an instrument
of humanresources awareness for the explictiation of applicability and transparency in public
relations of a satisfactory public gestion. Demystifying concepts and rules to demand social
welfare, improving the social protection system of the welfare state.
Keywords: Fiscal Education; Democracy; social context.

1 INTRODUÇÃO

1
Acadêmica de Direito na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. Email:
maria.silva@aluno.catolicadorn.com.br
2
Mestranda em Direito na Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Email: felucena20@hotmail.com
464

No intuito de analisar hábitos normais da sociedade e o necessário comprometimento


social e fiscal, como também verificar a consequência danosa desta omissão, visto a existência
de desinteresse de alguns em participar de decisões e planejamentos de uma receita pública. O
estudo deste contexto será através do procedimento bibliográfico e documental dos diversos
pesquisadores no interesse em usufruir do conhecimento prático, aplicando neste o método
hipotético dedutivo. A aplicação das informações labora uma abordagem qualitativa na
preparação das ideias com objetivo descritivo da atuação do cenário atual, posto que o interesse
nesta discussão terá como proposta estimular a uma ampla participação social.
A fim de fazer parte deste incentivo educacional na exploração dos materiais didáticos
existentes e divulgar para incentivar a um proveito amplo do Programa Nacional de Educação
fiscal interligados diretamente a Lei Maior como garantia dos direitos e deveres fundamentais.
No entanto o poder de controle de um cidadão perpassa pelo caminho do conhecimento
que a educação proporciona. Visto ser essa autonomia que direciona à realização dos direitos
constitucionais, benefícios primeiramente humanos, tão necessário em uma sociedade que
persistea desigualdade.
A dinâmica da desigualdade social beneficia uma minoria detentora da riqueza
econômicano desempenho do capitalismo, enquanto a maior parte da população lhe é cerceada
o direito a uma vida digna. Visto ser uma realidade global as consequências aplicadas a cada
sistema escolhido para o seu país, mas existirá a obrigação do Estado em possibilitar políticas
pública para amenizar tal desproporção de um mundo globalizado.
A noção atual da globalização não é novidade para o passado, já que a finalidade das
conquistas territoriais de posse iniciou também a mundialização. Sucedendo assim com a
liberdade moderna da doutrina do liberalismo ao proporcionar uma globalização do poder
territorial e financeira. Nessa circunstância não se pode negar a humanidade sacrificada pelos
ideais de poucos, visto ser causa de desigualdade econômica e social, como está contextualizada
na história da Série Educação Fiscal - Escola de Administração Fazendária do programa Nacional
de Educação Fiscal: Tais postulados liberais são derivados das ideias de John Locke (1632-
1704) sobre a defesa da propriedade privada e de Adam Smith (1723- 1790) sobre a “mão
invisível do mercado”; esta seria representada pelo conjunto das forças naturais do mercado, que
agiriam de modo a otimizar a alocação dos recursos por parte dos agentes econômicos em
regime de concorrência perfeita (sem a presença de monopólios e a intervenção do Estado), o
465

que conduziria as nações a um processo consistente de acumulação de riquezas. A história


econômica do capitalismo demonstrou, no entanto, que o regime econômico de concorrência
perfeita cedeu lugar a um crescente oligopolização dos mercados e hoje o mundo convive com
o fenômeno da globalização monopolista. (EDUFISCON caderno 1; pág.10)3
A globalização passa, desta forma, a moldar a soberania de cada país quando redefine
características comuns de acordo com a necessidade econômica e política, passando a unificar
também a disparidade desigualdade como causa de exclusão social.

2 AMPARO LEGAL

A responsabilidade constitucional na garantia do bem-estar social de um Estado


assistencialista, ainda distante da conceituação aplicada para o welfare state. A concepção deste
conceito assegura benefícios e serviços comum a todos na defesa de uma estabilidade social,
negando se neste momento a análise do mérito de ser correto ou não a devida intervenção do
Estado na economia, mas apenas a obrigação de favorecer a organização da atividade econômica
quando visa o progresso e a garantia dos direitos sociais do art. 6º da Constituição Federal ao
descrever que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção, à maternidade, e a infância, a
assistência aos desamparados.
Conforme o conjunto de ações delimitado pela política pública com a intenção de
redistribuir, distribuir, regular ou estruturar os recursos públicos para atender a população,
influenciando diretamente no modo de vida coletivo, que de acordo com Flávia Piovesan: Da
Constituição de 1988 emerge uma ordem jurídica própria dos Estados intervencionistas, cuja
dinâmica está condicionada à eficiência e competência na obtenção de resultados, que se
subordinam à concretização de políticas públicas.
A Constituição confirma também como um direito no artigo 2054 a educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

3
Educação fiscal no contexto social / Programa Nacional de Educação Fiscal- PNEF.Caderno 1. Brasília: ESAF,
2014, 5ºed, p.10
4
"Constituição da República Federativa do Brasil", Artigo 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. ”
466

cidadania e sua qualificação para o trabalho. Porém, como explicar o índice de analfabetismo
brasileiro e a evasão escolar diante da Lei Maior e do projeto das Políticas Públicas?
Ainda que na Constituição Federal, artigo 206, VII5 mencione uma garantia de padrão
dequalidade, necessário se faz comprovar em todas as regiões deste imenso Brasil o resultado
total satisfatório, pois há onde exista uma estrutura escolar inadequada ou a falta do básico
material didático.
Portanto não basta a existência de leis, mas a essencialidade da prática acompanhar a
evolução do tempo, como defende Flávia Piovesan ao ponderar o sucesso da atuação do Estado
e de suas instituições, no que tange à consolidação da cidadania, que está absolutamente
condicionado à tarefa de repensar e reimaginar a atuação estatal, sob uma nova lógica e
referência. Essa referência é a concepção inovadora de cidadania. Entretanto não poderá o Poder
negar a responsabilidade da preparação de um cidadão diante das transformações do seu meio.
O Estado perante a iniciativa de uma formação cidadã, motivando a participação da
sociedade no início da década de 1990 desenvolveu um projeto composto por cartilhas e vídeo
que foi decidido em uma reunião do Confaz no ano de 1996. Este Programa Nacional de
Educação Tributária iniciou o trabalho nas escolas com este material pedagógico na tentativa
deinteragir socialmente desde o ensino escolar para uma conscientização tributária.
Assim também fez se a abordagem com este material didático direcionada para uma
conscientização da contribuição fiscal, pois de acordo com o art.3º6 do Código Tributário
Nacional6ao conceituar o tributo como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou
cujo valor nela se possa exprimir, no interesse de arrecadar recursos para os cofres públicos,
para que possa ser redistribuído em benefício de um bem-estar social quando justamente
utilizado.
A gestão dos recursos públicos arrecadados continua sendo causa de entrave na
distribuição proporcional de uma eficiente aplicabilidade na educação, saúde, emprego e renda
satisfatória para uma vivência digna. Empenhando em ser um instrumento de conscientização,
fiscalização e cobrança da ação do Estado, visto o fortalecimento de uma democracia
participativa que o projeto da educação fiscal foi pensado, a fim de proporcionar um exercício
efetivo da cidadania.

5
PIOVESAN, flávia. TEMAS DE DIREITOS HUMANOS. 10º ed. São Paulo, Saraiva, 2017, p.578
6
CTN. Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir,
que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada.
467

A exigência da transparência e a publicidade dos gastos e recursos dos cofres públicos


faz parte da apresentação do programa quando promete combater a corrupção. O Programa
Nacional de Educação Fiscal – PNEF de acordo com conceito no Caderno 1:

“a Educação Fiscal é um Programa que visa compartilhar conhecimentos e interagir


com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, a partir
da adoção de uma abordagem didático-pedagógica interdisciplinar e contextualizada,
capaz de favorecer a participação social.”7

A produção do material didático do PNEF é apresentado como primeiro tema do caderno


a Educação Fiscal no Contexto Social ao abordar: “ as diretrizes do Programa, objetivos e
abrangência, no contexto da educação fiscal e da educação pública”. Conscientização da função
socioeconômica dos tributos;
A divisão do caderno em quatro partes, de acordo com a fonte disponibilizada pelo
programa, nesta segunda analisa a “Relação Estado-Sociedade: suscita temas relativos à
organização da vida em sociedade e suas implicações na garantia do estado democrático de direito
e da cidadania”.
O terceiro material descreve a “Função Social dos Tributos: destaca a importância do
tributo na atividade financeira do Estado para a manutenção das políticas públicas e melhoria
dascondições de vida do cidadão”. Definindo o tributo como principal fonte de financiamento
sustentável das atividades estatais. Apontando o dever do Estado em cumprir com as funções
degarantir a aplicação dos recursos necessários, conduzindo a distribuição de renda igualitária
de acordo com a necessidade das regiões, tentando amenizar as diferenças para garantir o
desenvolvimento social.
O último detalha a “Gestão Democrática dos Recursos Públicos: evidenciando temas
relativos ao orçamento, ao compromisso social e fiscal do gestor público e ao exercício do
controle social”.A consideração dos fatores interdependentes dificulta uma convivência social,
saudável e útil para a pessoa humana, como já mencionado antes na Carta da Terra a correlação
de uma condutacorreta com uma visão ética integrado pobreza, degradação ambiental, injustiça
social, conflitosétnicos, paz, democracia, ética e crise espiritual.

7
Educação fiscal no contexto social / Programa Nacional de Educação Fiscal- PNEF.Caderno 1. Brasília: ESAF,
2014, 5ºed, p.3
468

No ofício da aplicação dos recursos público, para o seguimento e direcionamento de


uma política fiscal, será conveniente analisar a carência urgente e considerar a receita e os
gastos. Entretanto a composição dos fatores ultrapassa a simplicidade da ação, pois existe
também, infelizmente, a corrupção dos detentores do Poder para alterar o agravamento da
partilha. Contudo a mudança de hábito se faz necessário por todos, desde o simples ato de
negligenciar a própria conduta, também do descaminho quando se busca barganhar do menor
ao elevado valor,assim como o contrabando, a pirataria, a falsificação e o plágio. De acordo
com o conceito retirado do Caderno 3 – Função Social dos Tributos ao identificar o contrabando
como produtosilegais, enquanto o descaminho como produtos legais, mas sem recolhimento
dos tributos. Algumas ações cometidas na sociedade como ato comum e simples, no entanto,
ocorre danos a outrem, como plágio identificado como crime contra a propriedade intelectual
que quando não identificando a obra retirada da pessoa do autor causa um dano fundamentado
na Lei n° 9.610/988 disposto no art. 1° que regula os direitos autorais, entendendo-se sob
esta denominação os direitos do autor e os que lhe são conexos. Assim como os crimes contra
a saúde pública, identificado no art. 267 do Código Penal, causa danos sociais, também contra
o consumidor e contraordem tributária que é a sonegação fiscal e a apropriação indébita de
tributo ou contribuição, de acordo com a Lei n° 8.137/909.

8
Art. 1º Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que
lhessão conexos. Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - publicação - o oferecimento de obra
literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer
outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo; II - transmissão ou emissão - a difusão de
sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor;
meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético; III - retransmissão - a emissão simultânea da
transmissão de uma empresa por outra; IV - distribuição - a colocação à disposição do público do original ou
cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante
a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse;V - comunicação ao
público - ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e
que não consista na distribuição de exemplares; VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma
obra literária, artísticaou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer
armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que
venha a ser desenvolvido; VII - contrafação - a reprodução não autorizada;

9
Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer
acessório, mediante as seguintes condutas: I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades
fazendárias; II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer
469

O Programa Nacional de Educação Fiscal apresenta como propósito ser um instrumento


depolítica afirmativa quando diante da diversidade popular buscar a igualdade do respeito para
todos, seja racial, étnica ou religiosa na correção da desigualdade de um Estado Democrático de
Direito.
Dentre uma lista apresentado no material como proposta de defesa a contribuição para
fortalecer os mecanismos de transformação social por meio da educação, difundindo as
informações que possibilitem a construção da consciência cidadã a respeito da função
socioeconômica dos tributos e dos orçamentos públicos. Ampliar a participação popular na
gestão democrática do Estado, aperfeiçoando a ética na administração pública e na sociedade,
ampliandoa preocupação com a harmonização da relação de um todo Estado-cidadão.
Entretanto uma participação popular não se faz presente apenas por número, mas que a
quantidade em massa seja consciente do seu papel atuante na sociedade, com uma participação
expressiva e diversificada de representação, dentre outras: a câmara municipal, assembleia
legislativa, reunião comunitária, associação de bairro, associação sindical, nos conselhos,
conferências e ouvidorias. Não se limitar as oportunidades e possibilidades de envolvimento e
investigação nos gastos público como propõe no material didático do PNEF a aumentar a
eficiência, a eficácia e a transparência do Estado para promover o desenvolvimento de uma
consciência crítica da sociedade.
Na proposta do programa compartilhar o conhecimento sobre a gestão pública
reforçando o conceito de bem público como patrimônio da sociedade na preocupação em
aumentar a responsabilidade fiscal na busca de manter o equilíbrio para contribuir com o
aprimoramento da qualidade do gasto público, à medida que a população participa das ações
estará contribuindo para o fortalecimento da ética na administração pública. Independendo da
fase de vida para ser coadjuvante, já que a abrangência do programa se dará por toda a sociedade,
desde o estudante do ensino fundamental ao ensino médio, aos servidores públicos e a
comunidade universitária.
O comprometimento em executar a implementação da definição da missão aponta para
todosa direção dos passos, assim como um guia, buscando a aplicação no seguimento de uma

natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata,
nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir, fornecer,
emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ouinexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando
obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço,
efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
470

finalidade, conforme o desenvolvimento de um planejamento estratégico, seja para um período


de curto prazo na introdução do material didático nas escolas, ou a longo prazo visando um
futuro melhor ao projetar como missão: “ compartilhar conhecimentos e interagir com a
sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, favorecendo a participação
social.” Assim como a fundamentação baseada na conscientização de valores alicerçado na:
cidadania, comprometimento, efetividade, ética, justiça, solidariedade e transparência de
acordocom o conceito dado no PNEF relacionando a fundamentação:

Na educação, o exercício de uma prática educativa na perspectiva de formar um


cidadão consciente, reflexivo e mobilizador, de forma a contribuir para a
transformação social;
Na cidadania, objetiva possibilitar e estimular o crescente poder do cidadão quanto ao
controle democrático do Estado, incentivando-o à participação individual e coletiva
nadefinição de políticas públicas e na elaboração de leis para suaexecução;
Na ética, fortalecer uma conduta responsável e solidária, quevalorize o bem comum;
Na política, compartilhar conhecimentos sobre gestão pública eficiente, eficaz e
transparente quanto à captação, à alocação e à aplicação dos recursos públicos, com
responsabilidade fiscal, e ênfase no conceito de bem público como patrimônio da
sociedade;
No controle social, disseminar conhecimentos e instrumentos para que o cidadão
possa atuar no combate ao desperdício e a corrupção;
Na relação Estado-Sociedade, desenvolver uma relação de confiança entre a
administração pública e o cidadão, oferecendo-lhe um atendimento respeitoso e
conclusivo, comênfase na transparência das atividades;
Na relação Administração Tributária-Contribuinte, estimular o cumprimento
voluntário das obrigações tributárias e o combate à sonegação fiscal, ao contrabando,
ao descaminho eà pirataria;
Na condução do PNEF, realizar práticas democráticas em permanente integração com
todos os segmentos sociais, de modo a contribuir para que o Estado cumpra seu papel
constitucional de reduzir as desigualdades sociais e ser instrumento de fortalecimento
10
permanente do Estado Democrático de Direito.

Os órgãos que estão envolvidos na operacionalização das metas fazem parte do Grupo
de Trabalho de Educação Fiscal (GET), para acompanhar e colocar em prática as diretrizes do
programa, interagindo no exercício da cidadania para uma aplicação de um controle da
fiscalização, são eles: Ministério da Educação, Ministério da Fazenda, Secretaria do Tesouro
Nacional, Escola de Administração Fazendária, Secretarias Estaduais de Educação e Fazenda.
Participando também órgãos voluntários que ajudam a promover a realização do projeto e a

10
Educação fiscal no contexto social / Programa Nacional de Educação Fiscal- PNEF.Caderno 1. Brasília:
ESAF, 2014, 5ºed, p.42
471

fiscalização, como o Ministério do Planejamento; Orçamento e Gestão; Controladoria-Geral da


União (CGU) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Cada órgão envolvido terá uma participação valorosa no desempenho da sua função.
Contudo para a atuação dos profissionais da educação será necessário um aprimoramento
constante na delicadeza da apresentação do material. Utilizando uma dinâmica possível de se
fazer entender, e principalmente conquistar e não impor dificuldade na visão do conceito, já
quena sociedade atual alguns se distanciam do tema devido a uma ideia formada de dificuldade.
A apresentação do tema quando explicado por parte se tornará simples o entendimento,
quando aplica a lei à realidade, da regra ao comportamento. Embora os hábitos mudem com o
tempo, mas a Lei formulou a forma da aplicação do Tributo como “toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir...”, como exemplo a prestação
pecuniária deste Código Tributário Nacional ao vincular a forma de prestação ser paga e não
ser troca, garantia ou serviço, mas apenas pagamento em dinheiro. Quando antigamente a
negociaçãopoderia ser diferenciada, como já no radical da palavra pecuniária ser do mesmo
contexto relacionado a pecuária quando a negociação existente era com os donos de terra na
criação do gado.11 No entanto a função de um tributo sempre foi obter recursos financeiros para
o Estado, sem negar a função extrafiscal quando interferir na atividade econômica.
Quanto a classificação dos tributos, no art. 5º do mesmo Código apresenta as espécies
dos tributos como impostos, taxas e contribuições de melhoria12. O estudo doutrinário apresenta
o empréstimo compulsórios e contribuições especiais de acordo o reforço do art. 149 da
Constituição Federal, segundo Hugo de Brito no estudo das espécies quanto a divergência da
natureza tributária dos empréstimos.13
De acordo com o estudo da ciência poderá existir outras classificações dos tributos,
porém como introdução ao estudo do principiante relacionado ao ensino educacional de base,
direcionando o plano de aula implementar como princípio de um estudo. Conhecer também a
competência, a quem direcionar um questionamento, saber da competência impositiva dos
tributos federais, estaduais ou municipais. O tributo federal relacionado na Constituição Federal
art. 153 dispõe da competência da União instituir Impostos sobre a Importação de produto
estrangeiros( II); O Imposto de produto Exportação para o exterior, de produtos nacionais ou

11
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 8a ed. São Paulo: Método, 2014.
12
CTN, Art. 5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria
13
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª ed. São Paulo.p.62
472

nacionalizados (IE); O Imposto de Renda e proventos de qualquer natureza (IR); Imposto de


Produtos Industrializados (IPI); Imposto de operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativo
a títulos ou valores mobiliário (IOF), Imposto de Propriedade Territorial Rural (ITR); por
último imposto federal o referente a Grandes Fortunas (IGF14).
Quanto aos impostos de competência de arrecadação dos Estados e Distrito Federal
poderáinstituir impostos previsto no art. 155 da Constituição Federal o Imposto de Transmissão
Causa Mortis e Doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD); Imposto de operações relativas
à Circulação de Mercadoria (ICMS); Imposto Propriedade de Veículo automotores (IPVA).15
A competência de os Municípios instituir impostos de acordo com o art. 156 da CF:
Impostosobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU); Imposto sobre Transmissão Inter
Vivos,a qualquer título, por ato oneroso, de Bens Imóveis, por natureza ou acessão física, e de
direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição
(ITBI); Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza, não compreendidos aqueles em que há
incidênciade ICMS (ISS).16

14
Art. 153.CF: Compete à União instituir impostos sobre:
I –Importação de produtos estrangeiros;
II -exportação para o exterior, de produtos nacionais ou
nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer
natureza;
IV -produtos industrializados;
V -operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou
valores mobiliários;VI -propriedade territorial rural;
VII -grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

15
Art.155. CF: Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
I - Transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 3, de1993)
II - Operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual
e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação
dada pela EmendaConstitucional nº 3, de 1993)
III - propriedade de veículos automotores.
16
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - Propriedade predial e territorial urbana;
II - Transmissão "intervivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física,
e de direitosreais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
III - vendas a varejo de combustíveis líquidos e gasosos,
exceto óleo diesel; (Revogado)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
(Redação dada pelaEmenda Constitucional nº 3, de 1993)
IV - Serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, I, b, definidos em lei complementar.
473

A função dos tributos serem fiscais, extrafiscais e para fiscais por serem dotados de
finalidade fiscal em arrecadar os recursos de acordo com o seu objetivo como instrumento de
transferência de recursos financeiro. A função extrafiscal quando regula a atividade de um
particular e a para fiscal para a questão de ordem social sem existir a necessidade de arrecadação
monetária.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A metodologia educacional de uma Educação Fiscal para proporcionar um bem-estar


socialperpassa pelo processo de formação de um cidadão consciente e preparado para opinar na
forma,como também direcionar onde será aplicado o orçamento público. Intervindo no processo
de definição dos gastos públicos para fazer parte do orçamento participativo na busca do bem
comum, conhecido também pelo Estado-Providência, na língua inglesa: Welfare State. De
acordo com o conceito deste termo, o caderno n.1 da Educação Fiscal descreve como o Estado
exerce a pratica da sua função na organização das atividades econômicas, mesmo diante da critica
ao limite deste envolvimento. Mas a finalidade visualizada será assegurar elevados níveis de
progresso social para todos. Nessa orientação, o Estado é o agente regulador da vida social,
política e econômica do país”.17
Embora, atualmente, mesmo com a garantia dos direitos constitucionais ainda existe a
carência social da aplicação completa do modelo idealizado. Porém caberá a cidadania a
exigência de tais direitos, já que existe diversas formas garantida em Lei a um cidadão fazer
parte do contexto de uma gestão pública, podendo ser de maneira coletiva ou individual a
fiscalização.
Além do regramento explicito para servir na gestão pública, também será norteado pelos
princípios, dentre outros o princípio da publicidade e da transparência no orçamento público,
para a existência de um controle interno, externo, jurisdicional, político, parlamentar e
legislativo. O orçamento público quando lançado será vinculado ao planejamento, de modo que
o cidadão deverá manter se alerta e participativo em todas as fases do processo, da proposta ao
acompanhamento na cobrança porque em um regime democrático o povo faz a escolha.

17
Educação fiscal no contexto social / Programa Nacional de Educação Fiscal- PNEF.Caderno 1. Brasília:
ESAF, 2014, 5ºed, p.8
474

O caminho para a emancipação de um povo será possível através do processo de


aprendizagem educacional para ser alcançada uma consciência crítica. Assim, cada vez que
participa das decisões, mais será possível a realização das transformações necessárias para o
desenvolvimento humano.
A convicção da importância da educação fiscal no contexto social mundial despertou
para a realização de um planejamento de ação em diversos países, desenvolvendo formas de
trabalhar um plano de educação fiscal. Além da visão na educação escolar, também
esclareceram e divulgaram quanto a orientação conceitual dos tributos na sociedade,
informando a necessidade da aplicação. Como também, uma outra forma de ação foi estabelecer
um calendário para o pagamento do tributo, enviando avisos como informativo ou cobrança,
utilizando meios de comunicação para facilitar e esclarecer dúvidas. Ao ceder este espaço para
responder o questionamento estará promovendo o governo do povo e facilitando o
desenvolvimento da gestão como a atitude dos países na publicação de Ivan Cordeiro,
exemplificando países como o Líbano, Coreia do Sul, Cingapura, África do Sul, Zâmbia e
Estados Unidos.18
A compreensão da atividade econômica no meio social é o primeiro passo para uma
ação consciente de participação, pois diante de uma visão complexa facilmente acontecerá o
distanciamento. A fim de promover um melhor envolvimento e obtenção de um bem-estar social
no momento atual e para a futura geração será a direção de uma ampla educação fiscal.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 8a ed. São Paulo: Método, 2014
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2017,p.562
476

LEI Nº 7.210/1984, A LEI DE EXECUÇÃO PENAL, E SUA APLICAÇÃO NO


SISTEMA CARCERÁRIO DE MOSSORÓ/RN: reflexões sobre a materialização das
assistências

Victor Leonardo Dias Oliveira1


Daniela Cristina Lima Gomes2

RESUMO

A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210 de 1984, é um dos diplomas normativos
responsáveis por disciplinar a aplicação da pena no Brasil, objetivando proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado. Em seu Capítulo II, a LEP
positiva as assistências que devem ser ofertadas pelo Estado ao preso e ao internado, com o
intuito de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. O artigo analisa
como as assistências previstas na LEP estão materializando-se nas quatro unidades carcerárias
do município de Mossoró/RN, a partir das visitas técnicas à estas, proporcionadas pelo Projeto
Integra I da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, utilizando-se, para tanto, do método
dedutivo, de pesquisa bibliográfica a respeito da temática estudada e da coleta de dados oficiais
fornecidos pelas unidades, bem como observados durante as visitas. Por fim, constata-se que,
embora as assistências previstas na LEP sejam de algum modo materializadas, estas ainda
acontecem de forma precária, reforçando o descaso estatal e o estigma para com os apenados.
Palavras-Chave: Lei de Execução Penal. Assistências. Sistema carcerário. Execução Penal no
Rio Grande do Norte.

ABSTRACT

1
Graduando do 6º período do curso de Direito da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN) –
Mossoró/RN. E-mail: doliveiravictor19@gmail.com.
2
Professora do curso de Direito da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN) – Mossoró/RN.
Advogada e sócia do Escritório Cabral & Cabral Advogados Associados. Doutoranda em Direito Constitucional
pela Universidade de Fortaleza. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (2019). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp (2011) e
em Direito Constitucional pela Faculdade IBMEC São Paulo (2021). Graduada em Direito pela Faculdade de
Ciências e Tecnologia Mater Christi (2008). E-mail: danielaclg@hotmail.com.
477

The Penal Execution Law (LEP), Law nº 7.210 of 1984, is one of the normative diplomas
responsible for disciplining the application of the sentence in Brazil, aiming to provide
conditions for the harmonious social integration of the convict and the interned. In its Chapter
II, the LEP affirms the assistance that must be offered by the State to the prisoner and the
interned, in order to prevent crime and guide the return to coexistence in society. The article
analyzes how the assistance provided for in the LEP is materializing in the four prison units in
the municipality of Mossoró/RN, from the technical visits to these, provided by the Integra I
Project of the Catholic Faculty of Rio Grande do Norte, using, for that, the deductive method,
bibliographic research about the studied theme and the collection of official data provided by
the units, as well as observed during the visits. Finally, it appears that, although the assistance
provided for in the LEP is somehow materialized, it still happens in a precarious way,
reinforcing the state's neglect and stigma towards the inmates.
Keywords: Penal Execution Law. Assists. Prison system. Criminal Execution in Rio Grande
do Norte.

1 INTRODUÇÃO

O sistema prisional brasileiro tem uma historicidade marcada por um profundo descaso
das ações estatais, por constantes e polêmicas crises e por um preconceito, fruto desses fatores
e das ações midiáticas.
Mesmo a Constituição Federal de 1988 sendo responsável por inaugurar não só um
processo de redemocratização no Brasil, como também, uma nova ordem jurídica no país,
pautada no Estado Democrático de Direito e, sobretudo, no seu maior fundamento e princípio:
a dignidade da pessoa humana, ainda há uma densa discussão a respeito das pessoas privadas
de liberdade, que, muitas vezes, são desumanizadas e, por isso, não são consideradas como
sujeitos de direitos.
Essa perspectiva implica no funcionamento dos sistemas penitenciários, principalmente,
no que diz respeito ao tratamento dado aos internos. Dentro do viés legal, temos não só a Magna
Carta assegurando direitos sociais e fundamentais para toda e qualquer pessoa humana, sem
distinção, como também, a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como “Lei de
Execução Penal (LEP) ”, que assegura logo em seu terceiro artigo, aos condenados e internados,
todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Assim, a LEP tem por objetivo,
478

conforme seu artigo primeiro, efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e


proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado
(BRASIL, 1984). Referidas legislações já caracterizam um grande avanço na esfera aqui
discutida, mas não podem apenas existir, precisam ser efetivamente aplicadas.
Nesse sentido, a disciplina do Projeto Integra I, que compõe a grade curricular dos
discentes do primeiro período do curso de Direito da Faculdade Católica do Rio Grande do
Norte, tem como objetivo despertar nos discentes um pensamento reflexivo e humanístico sobre
o sistema penitenciário no Brasil, de forma mais precisa no município de Mossoró/RN, cidade
onde a Faculdade está localizada, sendo proposta aos estudantes quatro visitas, uma em cada
unidade prisional do município – a saber: o Presídio Federal, a Cadeia Pública, o Centro de
Acolhimento Socioeducativo (CASE) e o Complexo Penal Estadual Agrícola Mário Negócio.
Nas visitas, os discentes têm a oportunidade não só de conhecer as instalações e
funcionamento das unidades, como também observar como se materializam as assistências
previstas na Lei de Execução Penal, em seus artigos 10 ao 27: material, saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa.
Portanto, o artigo analisa como as assistências previstas na Lei de Execução Penal estão
materializando-se nas quatro unidades carcerárias do município de Mossoró/RN, a partir das
visitas técnicas à estas, proporcionadas pelo Projeto Integra I da Faculdade Católica do Rio
Grande do Norte e, a partir disso, discute a necessidade de desconstruir a concepção
preconceituosa e excludente, enraizada na sociedade brasileira, sobre o tratamento e os direitos
destinados aos indivíduos privados de liberdade, apresentando uma visão concreta da realidade
tal qual foi exposta. Utiliza-se, para tanto, do método dedutivo, de pesquisa bibliográfica em
livros, artigos e legislações a respeito da temática estudada e da coleta de dados oficiais
fornecidos pelas unidades, bem como observados durante as visitas.
Depois deste capítulo introdutório, o artigo apresenta em seu referencial teórico breve
contextualização histórica a respeito do surgimento da pena, sua função social e aplicação,
apontamentos a respeito da Lei de Execução Penal e seus desdobramentos e explanação sobre
as assistências asseguradas ao preso e previstas na LEP. Depois, expõe os resultados coletados
por meio das visitas às unidades carcerárias e os discute, finalizando com breves considerações
e apontamentos sobre a pesquisa, não pretendendo esgotar o assunto discutido, mas lançar luz
para que as problemáticas apontadas possam ser pensadas, questionadas e, sobretudo,
resolvidas.
479

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 DO SURGIMENTO DA PENA, SUA FUNÇÃO SOCIAL E APLICAÇÃO

Desde os primórdios das civilizações e da vida em sociedade, as penas existem e foram


criadas para submeter as pessoas a se adequarem aos padrões impostos para conservação do
bem-estar do coletivo. Todavia, a forma como a pena é aplicada nem sempre foi a mesma.
Em períodos anteriores, a pena era utilizada para degradar a moral e o físico do ser
humano, de modo que passava pela tortura, pela mutilação, diversos castigos corporais com
requintes de crueldade e até mesmo a morte e, ainda, era, muitas vezes, aplicada de forma
pública para “servir de exemplo” aos demais do que poderia acontecer ao infringir as normas.

As sanções da Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as


impunham em função do "status" social a que pertencia o réu. A amputação dos
braços, a forca, a roda e a guilhotina constituem o espetáculo favorito das multidões
deste período histórico. Penas em que se promovia o espetáculo e a dor, como por
exemplo, a que o condenado era arrastado, seu ventre aberto, as entranhas arrancadas
às pressas para que tivesse tempo de vê-las sendo lançadas ao fogo. Passaram a uma
execução capital, a um novo tipo de mecanismo punitivo (MAGNABOSCO, 1998,
p.1).

Nesse sentido, em outros momentos, como a Idade Média, em consonância com o que
Magnabosco leciona, a pena apresentava caráter desproporcional ao crime cometido e não se
pensava em reeducação, a intenção era a vingança e a punição.
Diante desse cenário, surgiu a preocupação em se buscar um sistema punitivo que se
insurgisse contra a vingança, a crueldade e a desproporcionalidade. Cesare Beccaria, em Dos
delitos e das penas, sua pioneira e renomada obra quando o assunto é o sistema punitivo, já se
questionava a respeito do sistema que era aplicado e defendia mudanças neste:

Contudo, qual a origem das penas, e em que se funda o direito de punir? Quais as
punições que se devem aplicar aos diferentes crimes? A pena de morte será
verdadeiramente útil, necessária, imprescindível para a segurança e a estabilidade
social? Serão justos os tormentos e as torturas? Levarão ao fim proposto pelas leis?
Quais são os meios mais apropriados para prevenir os delitos? As mesmas penas serão
igualmente úteis em todas as épocas? Qual a influência que exercem sobre os
costumes? (BECCARIA, 2011, p. 20-21).

Nesse mesmo sentido, Bitencourt (2012, p. 38) apontou:


480

A pena deve ser proporcional ao crime, devendo-se levar em consideração, quando


imposta, as circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo,
produzir a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo
tempo, a menos cruel para o corpo do delinquente.

Assim, pensadores humanistas como os citados embasaram a discussão a respeito da


necessária mudança no sistema punitivo anteriormente empregado e possibilitaram um novo
entendimento sobre a pena e suas devidas aplicações de forma mais humanizada.
Como uma das alternativas às mudanças que urgiam surge a prisão e a pena privativa
de liberdade, baseando-se não só na proporcionalidade, como também na existência de meios
que possibilitem ao preso o cumprimento da pena de forma humanizada, cabendo ao Estado
ofertar estrutura adequada para isso e a busca pela reeducação do condenado para que este possa
voltar a viver em sociedade.
Fazendo um recorte à nível de Brasil, somente com a aprovação do primeiro Código
Criminal brasileiro, em 1830, que se estabeleceu que as penas deveriam ser proporcionais aos
delitos cometidos e extinguiu-se as torturas, as penas perpétuas ou coletivas. E somente em
1890, com um novo Código Penal, exclui-se a pena de morte e determina-se que a pena não
pode ser maior que trinta anos.
Em 1940, foi criado um novo Código Penal, entrando em vigor somente em 1942, sendo,
inclusive, o que permanece até hoje com inclusão de algumas alterações que foram sendo feitas
com o tempo. Referida legislação mantem um sistema punitivo excluindo as práticas que
anteriormente eram utilizadas.
Em 11 de julho de 1984, entrou em vigor a Lei de Execuções Penais, Lei nº. 7.210, a
qual destina-se o próximo tópico do artigo.

2.2 A LEI Nº. 7.210/1984, LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP) – DA ASSISTÊNCIA

Como visto alhures, nem sempre as penas foram aplicadas da forma como são hoje.
Com o avanço da sociedade, buscou-se formas mais humanizadas e eficazes de aplicação da
pena, acarretando a criação, de alguns dispositivos que regulamentam tal aplicação.
Existem diversos diplomas legais que regulamentam as garantias legais previstas na
execução da pena, assim como os direitos humanos dos presos. À nível mundial, por exemplo,
existem a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Resolução da ONU que prevê as
481

Regras Mínimas para o Tratamento do Preso3. Já em nível nacional, a Constituição Federal de


1988 dispõe de 32 incisos no artigo 5º que trata das garantias fundamentais do cidadão, além,
de modo específico, a Lei nº 7.210 de 1984.
A Lei de Execução Penal (LEP), Lei nº 7.210 de 1984, é um dos diplomas normativos
responsáveis por disciplinar a aplicação da pena no Brasil, objetivando, conforme seu artigo 1º,
efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado. Em seu 3º artigo, a LEP assegura ao
condenado e ao internado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, e no
parágrafo único do mesmo artigo positiva que não haverá qualquer distinção de natureza racial,
social, religiosa ou política (BRASIL, 1984).
Em seu Capítulo II, do artigo 10 ao 27, a LEP positiva as assistências que devem ser
ofertadas pelo Estado ao preso e ao internado, com o intuito de prevenir o crime e orientar o
retorno à convivência em sociedade:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir


o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa (BRASIL, 1984).

Para que a pena cumpra seu caráter ressocializador, é de suma importância a assistência
destinada ao apenado. Nesse sentido, Brito (2020, p. 164) disserta:

Quando o Estado-juiz determina a custódia de uma pessoa, surge a obrigação de


fornecer a ela os elementos mínimos para a manutenção de suas necessidades diárias
quanto à alimentação, vestuário, acomodação, ensino, profissionalização,
religiosidade e quaisquer outras que não confrontem com a natureza da execução da
pena. A reclusão somente poderá reeducar para a liberdade enquanto o modo de vida
do recluso esteja prudentemente disposto para essa finalidade.

Faz-se mister abordar cada uma das assistências previstas na Lei de Execução Penal.

3
As Regras Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil preveem que o tratamento dispensado às pessoas que
cumprem pena privativa de liberdade deve ser realizado em condições que permitam a justa reparação do delito
cometido sem prejuízo da integridade física, mental e social do apenado, cabendo ao Estado o dever de
desenvolver, no ambiente prisional, as estruturas físicas e humanas necessárias ao cumprimento da pena
(CARDOSO, 2009, p. 109).
482

A assistência material, conforme o art. 12 da LEP, consiste no fornecimento ao preso e


ao internado de alimentação, vestuário e instalações higiênicas (BRASIL, 1984). Referida
assistência, nos termos na Resolução nº. 14 da ONU, de 1994, que fixa as regras mínimas para
o tratamento de preso no Brasil, deve obedecer a parâmetros mínimos necessários e assegurar
a dignidade da pessoa privada de liberdade.
A assistência à saúde do preso e do internado, segundo o art. 14 da LEP, possui caráter
preventivo e curativo, além de compreender o atendimento médico, farmacêutico e
odontológico (BRASIL, 1984). Ainda é possibilitado ao detento o direito de acompanhamento
médico particular, em casos mais graves, quando a unidade não puder fornecer o atendimento
necessário.
Ainda no que diz respeito à saúde, a LEP passou a assegurar o acompanhamento médico
à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, sendo extensivo ao recém-nascido (§§ 3º
e 4º da LEP – BRASIL, 1984).
Por meio do seu artigo 15, a Lei de Execução Penal positiva a assistência jurídica,
garantindo-a ao recluso hipossuficiente. Ainda, positiva nos parágrafos do mesmo artigo que o
Estado deve fornecer toda assistência a Defensoria Pública para realização dos serviços
necessários para a concretização da assistência jurídica (BRASIL, 1984).
A assistência educacional, por sua vez, conforme disposto no art. 17 da LEP,
compreende a instrução escolar a formação profissional do preso e do internado, sendo o ensino
profissional ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico (art. 19 da LEP)
(BRASIL, 1984).
Os demais artigos até o 21 positivam algumas singularidades da assistência educacional,
in verbis:

Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da


Unidade Federativa.
Art. 18-A. O ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação
profissional de nível médio, será implantado nos presídios, em obediência ao preceito
constitucional de sua universalização.
§ 1o O ensino ministrado aos presos e presas integrar-se-á ao sistema estadual e
municipal de ensino e será mantido, administrativa e financeiramente, com o apoio da
União, não só com os recursos destinados à educação, mas pelo sistema estadual de
justiça ou administração penitenciária.
§ 2o Os sistemas de ensino oferecerão aos presos e às presas cursos supletivos de
educação de jovens e adultos.
§ 3o A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal incluirão em seus
programas de educação à distância e de utilização de novas tecnologias de ensino, o
atendimento aos presos e às presas.
Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades
públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.
483

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma


biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos,
recreativos e didáticos (BRASIL, 1984).

O art. 21-A da LEP, ainda sobre a assistência educacional, positiva algumas informações
que o censo penitenciário deve apurar sobre referida assistência e seus desdobramentos.
A assistência social, prevista no art. 10, V, e nos arts. 22 e 23, I – VII, é mais uma
modalidade de assistência que, se aplicada corretamente, fortalece as relações entre o
condenado e a sociedade, promovendo uma melhor reinserção e inclusão na sociedade:

Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e
prepará-los para o retorno à liberdade.
Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:
I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames;
II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades
enfrentadas pelo assistido;
III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias;
IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação;
V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do
liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;
VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e
do seguro por acidente no trabalho;
VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da
vítima (BRASIL, 1984).

A assistência religiosa, conforme art. 24, §§ 1º e 2º da LEP, é prestada aos presos e aos
internados, garantindo-lhes, primeiramente, a liberdade de culto, e permitindo-lhes a
participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros
de instrução religiosa (BRASIL, 1984).
Por fim, a assistência ao egresso está positivada nos artigos 25, 26 e 27 da LEP, ad
litteram:

Art. 25. A assistência ao egresso consiste:


I - na orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade;
II - na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, em estabelecimento
adequado, pelo prazo de 2 (dois) meses.
Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma única
vez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção de
emprego.
Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos desta Lei:
I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento;
II - o liberado condicional, durante o período de prova.
Art. 27.O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de
trabalho (BRASIL, 1984).

A assistência ao egresso é aquela prestada àqueles que cumpriram a pena privativa de


liberdade em sua integralidade ou parcialmente, progredindo para regime semiaberto. Se faz
484

muito necessária, uma vez que, existem muitos estigmas para com pessoas que foram presas,
dificultando a inserção no mercado de trabalho e em outras instâncias da vida pessoal.
Pelo exposto, é possível notar que a Lei de Execução Penal acompanha o progresso do
sistema punitivo, preocupando-se com a dignidade do condenado, bem como, com o caráter
ressocializador da pena. Porém, na prática não é bem assim que funciona.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO NO PRESÍDIO FEDERAL DE


MOSSORÓ/RN: REFLEXÕES SOBRE A MATERIALIZAÇÃO DAS ASSISTÊNCIAS

A primeira visita técnica foi realizada nas instalações do Presídio Federal do município
de Mossoró/RN, ocorrendo no dia 18 de outubro de 2021, no período matutino, das 09h00min
às 13h00min. Toda a visita foi acompanhada e guiada pelo Chefe de Segurança da unidade,
pelo Diretor da unidade e por um Policial Penal
Ao chegar no terreno ao redor do Presídio Federal, já foi possível perceber um sistema
de monitoramento bastante seguro e eficaz. Antes de adentrar às instalações da unidade, de fato,
passa-se por uma “guarita”, onde são conferidas as identidades, recolhidos os objetos e feita
uma primeira inspeção por detectores de metais.
Há uma série de requisitos quanto às cores, modelos e composição das vestimentas para
adentrar ao local e é proibido portar qualquer objeto, com exceção do documento de
identificação com foto ou alguma declaração de aparelho ortodôntico.
Após esse primeiro momento, as pessoas que estavam guiando a visita direcionaram-se
ao auditório da unidade para uma breve explanação a respeito do funcionamento do Presídio
Federal e a forma como se dava a materialização das assistências previstas na Lei de Execução
Penal.
O presídio abriga presos de alta periculosidade, todos do gênero masculino, e é
composto por 218 celas, divididas em 4 pavilhões, geralmente, separados por facções, para
evitar contatos de presos que possam ter algumas inimizades e, assim, evitar conflitos. Os
presos não têm mais direito a visitas, sejam elas sociais, sejam íntimas, e, portanto, não recebem
nada externo. Tudo é fornecido pelo Estado.
485

Quanto às assistências previstas na Lei de Execução Penal, foi possível constatar que:
no que diz respeito a assistência material, cada preso fica em uma cela e o próprio Governo
Federal é quem fornece a alimentação, o vestuário e os demais produtos necessários. Cada preso
tem direito a 6 refeições diárias – café, lanche, almoço, lanche, janta e ceia –, todas elas
balanceadas e com supervisão nutricional. Dentro de cada cela, já tem um banheiro, onde o
preso faz uso para banho e necessidades fisiológicas. Sendo ele, também responsável pela
organização e limpeza da sua cela.
Quanto à assistência à saúde, foi possível constatar que acontece de forma muito efetiva
dentro da unidade. Há médicos, dentistas, enfermeiros e psicólogos o tempo todo para
atendimentos e situações necessárias, bem como todo um aparato de medicações e vacinas. No
entanto, o preso, durante todo e qualquer atendimento, fica algemado com correntes presas ao
chão.
Quanto à assistência jurídica, ocorre, mas a maioria dos presos fazem uso de advogados
particulares. Há muitas restrições para as visitas dos advogados e, atualmente, ainda em
decorrência da pandemia, a maioria das visitas acontecem de forma virtual.
A assistência educacional acontece para apenas alguns presos. Com relação a isso,
também há um projeto de remissão da pena pela leitura, no entanto, não são quaisquer livros
que entram na unidade. Foi possível visitar a biblioteca da unidade e perceber alguns livros com
folhas faltosas, que quando questionados, os agentes explicaram que eram arrancadas em uma
“triagem” que os livros passavam antes de chegar à biblioteca, por entender que não seria
adequado para o ambiente.
Com relação a assistência social, não acontece em sua totalidade. Inclusive, os
servidores parecem não acreditar no processo de ressocialização para aqueles presos, por se
tratar de presos de alta periculosidade. Chegaram até a expressar que o retorno destes para o
convívio social não interessa a comunidade, por isso, não se preocupam com tanto.
A assistência religiosa acontece por meio dos grupos das diversas religiões, que se
cadastram e desenvolvem atividades com os presos, principalmente, aos domingos. A
participação é facultada ao preso. Por conta da pandemia, essas atividades seguem suspensas.
A assistência ao egresso, por fim, não acontece em nenhuma instância.
Depois da explanação, foi possível conhecer as instalações da unidade, inclusive,
algumas celas, e logo após os servidores fizeram uma demonstração do equipamento utilizado
por eles.
486

3.2 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO NA CADEIA PÚBLICA DE


MOSSORÓ/RN: REFLEXÕES SOBRE A MATERIALIZAÇÃO DAS ASSISTÊNCIAS

A segunda visita técnica ocorreu na Cadeia Pública do município de Mossoró/RN, no


dia 03 de novembro de 2021, no período vespertino, das 15h00min às 17h00min. Toda a visita
foi guiada pelo Diretor da unidade.
Foi possível notar diferenças com o Presídio Federal logo de imediato. A segurança não
era tão rígida e havia impedimento apenas de eletrônicos e acessórios, não existindo uma
restrição rígida quanto as cores e metais. Não foi preciso passar por detectores de metais em
nenhum momento e, incialmente, despertou-se a atenção para o fato de alguns dos detentos
estarem andando livremente pela unidade, porém, depois foi explicado que se tratava de
indivíduos que se voluntariavam para exercer um programa de remissão de pena, seja na
manutenção da unidade, seja para ajudar em algumas ocasiões. Para estes, que são selecionados
pelos delitos cometidos e comportamento, há diminuição de um dia da pena após três dias de
trabalho, eles não ficam na mesma cela que os demais e se vestem com camisa e calção na cor
verde, distinguindo-se dos que não participam do programa.
A Cadeia Pública abriga presos de todas as regiões que ainda não foram sentenciados,
ou seja, a unidade possui uma grande rotatividade de detentos. É subdividida em quatro
pavilhões e celas que devem abrigar doze presos, cada. Contudo, durante a visita, percebemos
que existia um número bem maior de presos dentro de cada cela. As condições de higiene eram
um tanto quanto precárias, sendo o odor, além da superlotação, algo bastante presente no espaço
das celas.
Os pavilhões são divididos por facções. O detento, ao ingressar na unidade, já informa
se pertence a alguma e passa por uma triagem. Isso acontece para que a rivalidade não seja
motivo de desordem dentro da unidade. Os detentos que se dizem não faccionados, fazem parte
da “massa carcerária” e, consequentemente, ficam em celas distintas dos faccionados, em um
outro pavilhão.
Após o conhecimento das instalações da unidade, foi-se encaminhado para o refeitório,
local atualmente utilizado para as visitas mensais, e lá foi feita a explanação a respeito da
materialização das assistências.
487

Percebe-se que a assistência material é fornecida pela família: todo o material, da


higiene à produtos de limpeza, bem como a vestimenta (podendo somente, duas mudas de
roupas – camisa branca e calção azul –, e os produtos, todos colocados em frascos transparentes
e de plásticos, não devendo ter nada cortante, apenas a lâmina de barbear). A alimentação é
composta por três refeições (café da manhã, almoço e janta), balanceada com cerca de 500g e
entregues aos detentos dentro da cela. Cada cela possui um banheiro de uso coletivo dos
detentos.
A assistência relacionada à saúde acontece por meio de alguns profissionais que vão à
cadeia regularmente, possuindo assistência psicológica também dentro da unidade. Em casos
mais graves, o detento é direcionado a Unidade Pública de saúde do município.
Em relação à assistência jurídica, é fornecido o aparato da Defensoria Pública, mas
alguns dos presos possuem advogados particulares. As visitas são feitas por meio de
videoconferência e uma presencial no mês.
A assistência escolar se materializa da seguinte forma: dentro da unidade o detento pode
fazer o ENEM e o ENCEJA. Fazendo faculdade, a sua pena pode ser remida em alguns dias.
A assistência social existe, basicamente, por meio do programa dentro da unidade, que
foi relatado no início do tópico, referente ao preso realizar serviços de manutenção da unidade.
A assistência religiosa é realizada em parceria com algumas instituições religiosas aos
finais de semana, durante o banho de sol, mas em consequência da pandemia, houve uma pausa
e estão voltando aos poucos.
A assistência ao egresso, por sua vez, devido à grande transitoriedade dos detentos, em
virtude de se tratar de presos, na maioria dos casos, em processo judicial para ser sentenciados,
acaba por não existir.

3.3 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO NO CENTRO DE


ACOLHIMENTO SOCIEDUCATIVO (CASE) DE MOSSORÓ/RN: REFLEXÕES SOBRE A
MATERIALIZAÇÃO DAS ASSISTÊNCIAS

A terceira visita técnica, por sua vez, foi às instalações do Centro de Acolhimento
Socioeducativo (CASE) do município de Mossoró/RN, ocorrendo no dia 17 de novembro de
2021, no período vespertino, das 15h00min às 17h00min. Toda a visita foi guiada pelo Diretor
da Unidade e alguns membros da equipe técnica.
488

No primeiro momento, aconteceu toda a explanação das dúvidas quanto às assistências


que são fornecidas e às carências que a unidade apresenta.
Com relação a alimentação, vestuário e instalações higiênicas, isto é, a assistência
material, é fornecida pela família, mas em casos que a família do interno não pode fornecer, a
unidade de detenção o ampara. A alimentação é composta por cinco refeições (café, almoço,
lanche, janta e cia) e é fornecida pela própria unidade, por meio de convênio com uma
terceirizada, que já garante uma supervisão nutricional.
A assistência à saúde ocorre por meio de visitas de profissionais da saúde e psicólogos
na unidade. Podendo a família, também, caso queira e possa, agendar consultas particulares
externas, desde que necessárias.
Já a assistência jurídica, é prezada a visita do advogado ao menor assistido, tanto por
meio de videoconferência como presencial, sendo que o menor que não possuir condições
financeiras, aciona a Defensoria Pública.
Como dentro da unidade encontra-se menores infratores de 12 a 21 anos não completos
de idade, a assistência educacional é bem presente. Dentro do centro existe uma escola com
salas de aula e biblioteca. Durante a pandemia, as aulas eram gravadas pelos educadores, porém,
os detentos tiveram uma recusa e passou-se a utilizar o método de aula ao vivo. A biblioteca é
ainda bem pequena e conta com poucos exemplares.
Existem, ainda, vários projetos para desenvolvimento do conhecimento acadêmico e
cultural dos menores, como palestras e discussões a respeito de temáticas atuais e relevantes:
machismo estrutural, racismo, dentre outras. No dia da visita, estava acontecendo um momento
com alguns menores sobre o Dia da Consciência Negra, com participação de alguns artistas do
município.
Há uma equipe técnica formada por pedagogos, psicólogos e assistentes sociais,
responsáveis por essas assistências e demais atividades que se fazem necessárias para o bom
funcionamento da unidade. Os professores da unidade também são próprios e prestam concurso
público com este fim específico.
A assistência social é fornecida de tal maneira que o menor infrator tem possibilidade
de ter contato com a educação, muitos, inclusive, pela primeira vez, em virtude de alguns viver
em um ambiente familiar precário.
A assistência religiosa acontece em parceria com algumas instituições, de maioria
protestantes.
489

A assistência dada ao egresso existe, porém, com uma série de carências, principalmente
se tratando da ressocialização do menor fora da unidade. O Diretor relatou a deficiência nos
CRAS em atender os menores infratores, informando que, na maioria dos casos, os menores
vão ao CRAS, mas não são atendidos por “medo” ou preconceito dos próprios servidores.
Finalizando a explanação das assistências, foi possível conhecer as instalações da
unidade. O local é grande e arborizado, possui alojamentos de vivências diferentes, uma vez
que, atualmente, os menores são alocados por facções (faccionados e simpatizantes destas).
Cada alojamento é composto por três pessoas. Dentro do centro também tem uma quadra
poliesportiva e uma piscina olímpica, esta última em desuso. Com relação às visitas, os
familiares que não são do município chegam à unidade através de transportes fornecidos pelo
próprio centro e, além da visita pessoal, também tem direito a visita por chamada de vídeo.
Ainda, foi possível observar que existe um respeito notório entre os agentes e os jovens,
além dos profissionais demonstrarem uma constante busca por meios para que o menor infrator,
ao sair do centro de acolhimento, possua um cenário de vida diferente do que vivia ao chegar
na unidade.

3.4 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E SUA APLICAÇÃO NO COMPLEXO PENAL


ESTADUAL AGRÍCOLA MÁRIO NEGÓCIO DE MOSSORÓ/RN: REFLEXÕES SOBRE A
MATERIALIZAÇÃO DAS ASSISTÊNCIAS

A quarta e última visita técnica ocorreu nas instalações do Complexo Penal Estadual
Agrícola Mário Negócio do município de Mossoró/RN, ocorrendo no dia 22 de novembro de
2021, no período matutino, das 08h00min às 11h00min, sendo guiada pelo Chefe de Segurança
da unidade e por uma Policial Penal.
O Complexo Penal, atualmente, só possui detentos no regime fechado, mas também faz
a instalação e monitoramento das tornozeleiras eletrônicas dos detentos em regime semiaberto.
É o único, das quatro visitas realizadas, que possui uma ala feminina.
Inicialmente, o Chefe de Segurança e a Policial Penal possibilitaram conhecer um pouco
da unidade, sendo possível compreender a expressão “agrícola” no nome do Complexo Penal:
há alguns animais circulando o ambiente, bem como toda a estrutura, na qual alguns presos
estavam trabalhando, através de vários serviços, dentre eles, a capinagem e a limpeza. Esse
490

trabalho só é feito por presos “classificados” de acordo com uma série de requisitos e contribui
para a remissão da pena.
A parte masculina do Complexo é a maior. Passou por uma recente reforma e
encontrava-se em ótimo estado, muito parecido, inclusive, com o padrão do Presídio Federal.
A ala feminina, por outro lado, estava totalmente deteriorada, apresentando até condições um
tanto quanto insalubres para as detentas.
Com relação às assistências previstas na Lei de Execução Penal, foi possível constatar,
no geral, que: a assistência material é provida por meio das famílias no que diz respeito aos
produtos de higiene, vestuário e demais coisas que se fizerem necessárias. A alimentação é
cedida pelo Estado, por meio de uma empresa terceirizada contratada, sendo composta de cinco
refeições diárias.
No que diz respeito a assistência da saúde, a unidade não dispõe de um setor específico
e constante internamente, desse modo, os profissionais do município são cedidos e variam os
atendimentos entre o Complexo Penal e a Cadeia Pública. Há atendimentos semanais de cunho
clínico, odontológico e psicológico. Foi possível perceber também, que alguns detentos fazem
uso de psicotrópicos. Segundo os servidores, referidos medicamentos são mandados pela
família, mas não são entregues ao detento, ficando com a administração da unidade, que faz o
repasse da medicação, conforme receitado.
A assistência jurídica sofreu severas críticas dos servidores da unidade. Segundo eles, a
Defensoria Pública não presta apoio de forma adequada e os presos que não possuem condições
de contratar advogados particulares sentem-se, muitas vezes, desamparados. A maior fonte de
assistência jurídica, hoje, na unidade, se dá por meio de um Promotor de Justiça, que com seus
alunos da Prática Jurídica, promovem ações.
As assistências educacional e social caminham juntas e são as que melhor funcionam
dentro do Complexo Penal, pelo que foi observado. A unidade possui uma escola e uma
pequena biblioteca. Muitos detentos estão matriculados no ensino básico ou no ensino médio e
têm aulas na própria unidade. No entanto, devido a pandemia, as aulas estão sendo de forma
remota e a unidade garantiu os equipamentos necessários para o bom funcionamento dessa
modalidade. Há detentos que fazem o ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de
Competências de Jovens e Adultos). Existem também alguns dos detentos que cursam nível
superior em instituições parceiras, como o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte (IFRN) e a Pitágoras. Os presos entram por meio do Exame Nacional
491

do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (ENEM PPL). Paralelamente a isso,
existe também uma parceria com o SENAI, que oferta cursos profissionalizantes. Existem,
ainda, os projetos de plantio e de fabricação de mudas. Todas essas atividades contribuem para
a diminuição da pena.
A assistência religiosa acontece por meio de grupos religiosos, previamente cadastrados,
que vão até a unidade, geralmente, aos domingos. Os grupos desenvolvem algumas atividades
com os detentos no espaço do banho de sol, enquanto os detentos ficam nas celas. A maioria
dos grupos fazem parte da religião cristã protestante. Existe uma Bíblia em cada cela. As
atividades possuem bastante adesão da maioria dos detentos. Os grupos, ainda, desenvolvem
ações para arrecadação de produtos de higiene e limpeza para os presos. No período da
pandemia, para não deixarem os presos sem essa assistência, gravaram pregações e músicas e
colocaram em um pendrive, que foi colocado em um som na unidade para os presos escutarem.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com uma história marcada pelo não apoio estatal e pelas diversas crises, o sistema
penitenciário brasileiro, ainda hoje, depois de significativos avanços, apresenta-se com grandes
déficits, sobretudo, no que diz respeito a existência de políticas públicas e a efetivação de
direitos sociais e fundamentais aos privados de liberdade. Em um país como o Brasil, que possui
não só a Constituição de 1988, conhecida com a “Constituição Cidadã”, mas também
legislações específicas sobre os direitos e deveres de detentos, ainda podemos afirmar que,
infelizmente, o encarceramento continua a significar muito mais do que a privação da liberdade.
São nos complexos penitenciários que evidenciamos a precariedade desse sistema, a não
efetivação do que está positivado e uma série de violações aos direitos humanos.
As visitas às unidades do município de Mossoró/RN possibilitaram despertar o olhar
para a realidade e ver que, embora aconteça de alguma forma a materialização das assistências
previstas na Lei de Execução Penal, essas ainda acontecem de forma precária, o que não é o
objetivo da legislação. As mudanças econômicas, políticas, sociais e ideológicas no sistema
capitalista, a expansão do sistema prisional e a ausência do Estado nas realidades de cada lugar
são, sem dúvidas, os maiores contribuintes para essa realidade. Aliado a esses fatores, temos
também a mídia, que transforma toda essa precária realidade em um espetáculo, muitas vezes,
492

com programas próprios para isso, disseminando uma cultura de preconceito para aqueles que
são vítimas desse sistema.
Quando falamos de Estado, não estamos falando apenas dos representantes políticos que
encabeçam as chefias e possuem a caneta na mão, falamos da Administração Pública no geral,
sobretudo, dos Funcionários Públicos que gerem essas instituições. Existe uma vastidão de
profissionais, muitos, no entanto, não acreditam no próprio sistema. O sistema não funciona,
também, porque os profissionais que fazem o sistema não acreditam nele e, não acreditando,
colocam a culpa do mal funcionamento nos detentos, que, na verdade, em sua maioria, são
vítimas de um sistema fadado ao fracasso.
O processo de ressocialização e a socioeducação precisa partir, primeiramente, da
premissa de que os detentos que passam por eles são seres humanos, possuem histórias e
vivências e, muitas vezes, já chegam nessa situação por uma ausência do Estado. Aonde o
Estado não chega, a criminalidade tende a chegar com uma força muito maior. É preciso,
portanto, uma ação mais preventiva, fazendo com que a educação, a saúde, o lazer, a comida, o
trabalho chegue também aos mais vulneráveis e, assim, a criminalidade possa começar a
diminuir.
Cabe também, nessa análise, um recorte de gênero. As políticas hoje implementadas
afetam bastante as mulheres. Apenas uma unidade, das visitadas, possuía uma ala feminina e,
ainda assim, era a ala mais deteriorada da unidade. A discussão é bem mais ampla do que esse
espaço nos permite, mas vale salientar que, historicamente, as mulheres sofrem uma dupla
invisibilidade nos sistemas carcerários, primeiro pela invisibilidade própria enquanto sujeitos
em cárcere, depois, pelo machismo/sexismo estrutural enraizado na sociedade.
Como nação humana precisamos pensar nas prisões. Pensar que as prisões não estão
distantes de nós. Pensar com um olhar profissional, mas, sobretudo, com um olhar humanizado
para com os sujeitos privados de liberdade. É preciso pensar a prisão não como um depósito
daquilo que, socialmente, é marginalizado e negado, mas como a oportunidade de reestabelecer
o contrato social e de usar como um laboratório de vivências reais para pensar políticas públicas
preventivas eficazes, até que não mais sejam necessárias prisões, mas quando necessárias, que
estas cumpram para além do seu viés punitivista, o viés social de ressocialização que, primeiro
parte do entendimento de que cada encarcerado é também um ser humano, é também um sujeito
de direitos.
493

É importante ressaltar, no entanto, que antes de pensar nas prisões, precisamos pensar
na falta de acesso à educação e à justiça, na gritante desigualdade social, na agenda política
neoliberal de negação de direitos e na intensa criminalização do que está rodeado dessas
deficiências. Se não conseguirmos acreditar e garantir eficácia dos sistemas prisionais, não
conseguiremos, portanto, encontrar argumentos solidificados para defender a existência delas.
A presente pesquisa não pretende esgotar o assunto discutido, mas lançar luz para que
as problemáticas apontadas possam ser pensadas, questionadas e, sobretudo, resolvidas.

REFERÊNCIAS

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Ciências Criminais, 2020. 104 p.

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BORGES, Juliana. Encarceramento em massa / Juliana Borges. – São Paulo: Sueli


Carneiro; Pólen, 2019.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 24 jun.
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tentativa de inclusão social do apenado. SER Social, Brasília, v.11, n. 24. Jan – jun, 2009.

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do Norte e a lei de execuções penais. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54776/a-
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494

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em tempos de pandemia: uma análise da Penitenciária Doutor Francisco Nogueira
Fernandes (Alcaçuz) – 2021. 77f.: il. Disponível em:
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execução da pena e sua influência na reinserção social do apenado. Disponível em:
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Disponível em: https://repositorio.unifametro.edu.br/handle/123456789/234. Acesso em 28
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VIEIRA, Renan Garcia; PAIVA, Sérgio Henrique Navarro. Análise ao sistema carcerário
brasileiro diante da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal. Disponível em:
http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/view/7964. Acesso em 26 jun.
2022.
495

O DIREITO AO TRATAMENTO DE SAÚDE E O ROL DA ANS: (I) LIMITAR A


DIGNIDADE

Davy Dias da Silva1


Islla Monyza Oliveira Silva2
Kayo Henrique Duarte Gameleira3

RESUMO

O presente artigo tem como designo a análise com relação ao direito à saúde e o rol da Agência
Nacional de Saúde Suplementar - ANS. Primeiramente, procurou elucidar do que se trata a
dignidade da pessoa humana voltada para o direito à saúde e o desenvolvimento de tal garantia
no ordenamento jurídico brasileiro. Conjuntamente, buscou analisar a limitação criada pela
ANS quanto aos procedimentos a partir da criação do rol pela Resolução Normativa 465/2021
e a partir disto observar se o rol sendo considerado taxativo, afetaria a dignidade da pessoa
humana e feriria o direito à saúde, desse modo cerceando o direito à vida do beneficiário do
plano de saúde e colocando em xeque a sua própria dignidade. Assim, os meios utilizados para
coleta de informações foram artigos, doutrinas, portarias, legislação vigente e, com enfoque,
nas jurisprudências dominantes do Superior Tribunal de Justiça-STJ, entre os anos de 2015 e
2022, no que concerne ao rol de prestação da saúde suplementar. Por fim, restou evidenciado
que a Corte há algum tempo não mudava a jurisprudência sobre elencar que o rol da ANS era
exemplificativo, porém suscitaram um novo debate e foi proferido a tese que a lista é taxativa,
assim ocasionando no indivíduo que possui plano de saúde uma limitação da garantia
constitucional a saúde.
Palavras-chave: Direito à Saúde. Rol da ANS. Dignidade humana.

ABSTRACT

This article is designed to analyze health law and the list of the National Agency for
Supplementary Health - ANS. First, it sought to elucidate what the dignity of the human person
is about focused on the right to health and the development of such a guarantee in the Brazilian
legal system. Together, it sought to assess whether the list being considered taxing would affect
the dignity of the human person and hurt the right to health, thereby civilly granting the right
to life of the beneficiary of the health plan. Thus, the means used to collect information were
articles, doctrines, ordinances, current legislation and, with a focus, on the dominant
jurisprudence of the Supreme Court of Justice-STJ, between the years 2015 and 2022, about

1
Graduando em direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN. E-mail:
davydiask13@gmail.com
2
Graduanda em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN, Bolsista no Programa de
Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-saúde – 2022-2023 E-mail: Islla12@hotmail.com
3
Orientador: Mestre em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH-EU|RN), Especialista em Direito e Processo do
Trabalho (UNP/Esmat-21), Professor da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Advogado. E-mail:
kayogameleira@hotmail.com
496

the list of supplementary health provision. Finally, it was evidenced that the Court for some
time did not change its understanding about listing that the list of the ANS was exemplifying
but raised a new debate and the thesis was given that the list is exhaustive, thus causing the
individual who has health insurance a limitation of the constitutional guarantee to health.
Keywords: Right to Health. ANS list. Human dignity.

1 INTRODUÇÃO

A saúde pode ser assegurada pelos âmbitos públicos e privados, o tratamento de doenças
dos indivíduos pertence a esses institutos, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro
dispõe que é dever do Estado garantir a saúde e pode ser prestado por entes privados. Tal
proteção está ligado intrinsicamente com o direito a dignidade que a pessoa possui.
A saúde dos brasileiros é direito de todos e responsabilidade do Estado para garanti-la,
ou seja, o bem-estar físico, mental e social é dever desse como consta na Constituição Federal
de 1988, nos artigos 196 a 200, dessa forma há à assistência em saúde de maneira nacional que
aborda todo o corpo social brasileiro e para garantir esse direito constitucional de forma efetiva
existe o Sistema Único de Saúde - SUS.
Com base na Constituição Federal, a saúde no Brasil pode se dá de duas formas, cunho
público e universal, Sistema único de Saúde (SUS), e pelo viés privado adquirido pelo indivíduo
por uma atitude particular, como consta na Constituição Federal “A assistência à saúde é livre
à iniciativa privada” (BRASIL, 1988). .
Desse modo, na lei nº 8.080 de 1990 preceitua sobre as condições para promoção,
proteção e recuperação da saúde, a organização e funcionamento dos serviços correspondentes
e em seu artigo 4º elenca que o conjunto de ações e prestações de serviços de cunho público
federal, estadual e municipal conta com administração indireta ou direta e suas fundações são
conservadas pelo Poder Púbico, o SUS, o qual é constituído por um conjunto de ações e
prestações de serviços de saúde ofertados pelas instituições (BRASIL, 1990)
Diante disso, foi de suma importância a criação e efetivação de um órgão para
regulamentar e fiscalizar as operadoras e os planos de saúde ofertados por elas, sendo assim
nos anos 2000 fundou-se a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS com a finalidade
institucional em defender os interesses públicos, regularizar os serviços de cunho privado
ofertados para a população brasileira como também as relações entre prestadores de serviços e
consumidores, como consta no artigo 3º da Lei nº 9.961/2000.
497

A ANS atua com intuitos fiscalizadores e supervisionais se os serviços ofertados pelos


planos de saúde estão conforme o contrato com o cliente, como também a ética presente nessa
contratação.
Sendo assim, pode-se afirmar que a ANS é a autarquia responsável por verificar os
planos de saúde e os tratamentos ofertados, contudo os procedimentos concedidos pelos planos
seguem o rol e aqueles que não estão presentes nesse respectivo necessita de intervenção do
Poder Judiciário mediante provocação da parte interessada com o ajuizamento de uma ação
visando pleitear o direito a algum tratamento/medicamento. Assim o magistrado possui a
incumbência de analisar o caso concreto para verificar se o serviço desejado pelo beneficiário
é ou não de direito devido pela operadora.
Portanto, considerando o contexto abordado acima a presente pesquisa busca responder
a seguinte pergunta: como se dá o direito ao tratamento de saúde de acordo com o rol da ANS?
O estudo possui como objetivo geral analisar o direito ao tratamento de saúde e se o rol da ANS
é taxativo ou exemplificativo e com isso identificar se há a limitação ou não do direito à
dignidade da pessoa. No contexto atual é uma temática de suma importância por esclarecer
direitos de um cidadão brasileiro, além de analisar e trazer discussões acerca de como se dá o
tratamento a saúde e a efetivação da atuação e do rol da ANS.
Somado a isso, parte de um estudo interdisciplinar, o qual aborda questões do direito e
da psicologia que se encontram em uma só identidade para discorrer sobre o tema com um olhar
mais humano e crítico de duas grandes áreas de conhecimento que em união abrangem o
conteúdo e colaboram com o corpo social, sendo assim enriquecendo a base de conhecimentos
abordando o mesmo contexto de forma ampla.
O presente estudo consiste em uma pesquisa de revisão bibliográfica. Sendo assim, foi
realizado buscas eletrônicas preliminares em distintas bases de dados, utilizadas apenas aqueles
que condiziam com o tema proposto, direito ao tratamento de saúde e o rol da ANS; são elas:
Google Scholar, Scielo, Periódicos Capes, legislações vigentes no ordenamento jurídico
brasileiro, a exemplo disso a Constituição Federal de 1988, além das portarias, jurisprudências
e julgados do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

2 DIGNIDADE DA PESSOA E O DIREITO À SAÚDE


498

A dignidade da pessoa está intrinsecamente ligada a proteção dos direitos mínimos que
devem ser garantidos a todo e qualquer indivíduo, seja por meio de tratados, leis, portarias,
agências reguladoras, visando a plena convivência em sociedade e para que não ocorra uma
sobreposição do Estado sobre o povo.
Segundo Morais (2003), com o surgimento da Declaração Universal de Direitos
Humanos – DUDH DE 1948, propiciou o fortalecimento dos direitos para os indivíduos, para
que todo ser humano pudesse viver em um ambiente que contenha paz, saúde, segurança e
assim ter uma vida digna.
Deste modo, a DUDH, dispõe em seu preâmbulo que os direitos humanos, assim como
a dignidade da pessoa humana é um direito universal e que deve ser garantido a toda e qualquer
pessoa, independentemente da sua raça, cor, sexo, religião, sexualidade e/ou condição
econômica.
Em conformidade, Awad (2006) alude que a adoção da dignidade da pessoa humana
como valor basilar do Estado Democrático de Direito visa reconhecer o indivíduo como centro
e o fim do direito.
Assim, a Constituição Federal Brasileira, trata sobre a dignidade da pessoa humana,
como um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, para que seja
garantido o Estado Democrático de Direito. Se faz necessário ressaltar que para esse
fundamento ser assegurado é importante que os direitos como saúde, educação, segurança e
poder ir e vir, sejam garantidos a todo e qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro que se
encontre em território nacional.
Verifica-se, então, que o legislador constituinte considerou os valores da pessoa humana
de relevante importância, consagrando assim ela como um dos fundamentos que deve ser
seguido no ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, o conjunto de institucionalizações de direitos e garantias fundamentais, como
por exemplo o direito a saúde, tem por finalidade basilar o respeito a dignidade da pessoa
humana, por meio da proteção contra o livre arbitramento por parte das entidades estatais e o
estabelecimento de condições mínimas essenciais a proteção da vida (MORAES et. al. 2018).
Além disso, se faz importante lembrar da Teoria dos Limites dos Limites ou das
Restrições das Restrições de origem alemã, ao qual estabelece limites ao exercício da restrição
aos direitos fundamentais. Essa teoria se divide em duas ordens, formais e materiais. A primeira,
os direitos fundamentais somente poderão sofrer alguma restrição por normas elaboradas por
499

órgãos dotados de poder pela própria Constituição Federal, deste modo as restrições possíveis
já estariam na própria constituição. Já a segunda, referente a ordem material, diz respeito ao
núcleo mínimo essencial, que não podem ser limitados aos quais já são previstos expressamente
ou implicitamente na Constituição Cidadã (LOPES, 2021).
Por fim, segundo Gilmar Mendes (2016), o núcleo mínimo essencial são direitos
intangíveis dos direitos fundamentais, que deve sempre ser protegidos em quaisquer
circunstâncias, pois caso sejam negligenciados criarão uma situação clara de
inconstitucionalidade. Assim esse núcleo delimita um espaço onde a lei não pode adentrar, o
legislador não pode ultrapassar, sob pena de inconstitucionalidade da norma jurídica (LOPES,
2021). É sob esta perspectiva que será analisada a questão do Direito à Saúde.

2.1 DIREITO À SAÚDE

Se faz importante, a princípio, conceituarmos do que se trata a palavra saúde. Assim,


Dallari (2008), preceitua que a saúde é composta pela percepção de sua dependência das
condições de vida e organização social como a noção de ausência de doenças no ser humano.
Ademais, relata que o conceito de saúde é amplo, pois tal amplitude foi aceita pela sociedade
que sobreviveu a Segunda Guerra Mundial do século XX e, conjuntamente, surgiu a
Organização Mundial da Saúde – OMS.
Portanto, segundo a Organização Mundial da Saúde (1946), em seu preâmbulo, a saúde
é o bem-estar físico, mental e social completo e não bastando, somente, a negativa de doença,
infecção ou enfermidades.
De mesmo modo, Gregori (2010) relata que a saúde significa salvação, por está
diretamente ligado à vida, cura e bem-estar do indivíduo. Ademais, a saúde pode ser
considerada como as condições físicas, mentais e sociais boas, para dar continuidade a
existência da vida, com preservação do bem-estar (RIBEIRO, 2019).
Neste contexto, confere-se que a saúde é, além da negativa de doença, o bem-estar sendo
ele físico ou mental do indivíduo que vive em sociedade. Sendo o meio pelo qual se alcança
outro direito de extrema importância que é o direito à vida.

2.1.1 Desenvolvimento do direito à saúde no Brasil


500

Segundo Polignano (2005), até os anos de 1.500 o Brasil não detinha uma atenção
voltada a garantir o direito à saúde da população, o que possuíam era uma saúde limitada a
tratamentos com plantas e ervas naturais. Todavia, após a vinda da Família Real para o Rio de
Janeiro, necessitou de uma criação de uma estrutura sanitária mínima. Assim, até 1.850 a saúde
era voltada para as atribuições sanitárias, sendo dirigido aos municípios, navios e saúde dos
portos.
Posto isso, somente em 1889, que as práticas voltadas a saúde da população atingiram
um nível nacional. Com o intuito, inicial, de erradicar as epidemias urbanas foi instituído um
modelo sanitarista e desenvolvido o Código de Saúde Pública (RIBEIRO, 2019).
A lei 3.987 de 1920 criou o Departamento Nacional de Saúde Pública e reorganizou os
serviços de Saúde Pública. Assim, Polignano (2005) alude que o Departamento Nacional de
Saúde, era ligado ao Ministério da Justiça e foi com ele que houve a criação de órgãos que
visavam a luta contra a tuberculose, doenças venéreas e a lepra.
Todavia, o Brasil só veio a efetivar como prioridade a saúde, no final do século XX.
Isso ocorreu, por conta da implementação da exportação de café na região sudeste, ao qual
necessitava que as condições sanitárias, passassem de simples controle de epidemias, sendo
necessário se tornarem efetiva política do Estado (FINKELMAN, 2002).
Segundo Dalarri (2008) a Primeira Constituição Federal que constituiu competência
para todas as esferas de poder, foi a de 1934. Em seu artigo 10, inciso II, disciplinou,
expressamente, que a União e os Estados detinham a incumbência de cuidar da saúde e
assistência públicas, assim não foram estipulados deveres no que concerne à saúde aos
Municípios e ao Distrito Federal, este porquê somente foi criado no ano de 1960. No artigo 138,
em suas alíneas, relatam que os entes cabem a adoção de medidas legislativas e administrativas
que busquem a diminuição da mortalidade e morbidade infantil, de higiene social e que
impeçam a propagação de doenças transmissíveis; e em conjunto, cuidar da higiene mental e
incentivar as lutas contra os venenos sociais.
Desse modo, no ano de 1953, com a necessidade da desvinculação da saúde com o
Ministério da Justiça, foi editada a Lei nº 1.920, ao qual em seu artigo 1º, estabelece a criação
do Ministério da Saúde, ficando sobre sua responsabilidade os problemas referentes à saúde
humana (BRASIL, 1953).
O direito à saúde somente veio a ser assegurado com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, que disciplina em seu artigo 6º que são direitos sociais o direito à saúde. Além
501

disso, em seu artigo 196, alude que a saúde é um direito de todos e dever do Estado e que deve
este instituir esses direitos por meio de políticas públicas que visem a redução de riscos de
doenças e outros agravos.
Visto isso, Dallari (2008) relata que para que esse direito fosse instituído na
Constituição, foi resultado dos movimentos populares no momento da redemocratização
política no final dos anos oitenta. Nesse momento histórico houve, até então inédito, a
participação social para a definição dos objetivos constitucionais.
Diante da efetivação do direito à saúde, o próprio texto Constitucional, elencou quais as
formas que ocorreria a efetivação dessa garantia, sendo uma delas a saúde pública, que é
universal, regionalizada, hierárquica, descentralizada de atendimento integral e com a gestão
participativa, orientada pelas diretrizes estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde – SUS
(MACHADO, 2022).
Assim, a Lei nº 8.080 de 1990, disciplina as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, em seu artigo 4º, relata que o SUS é constituído pelo conjunto de ações
e serviços de saúde, que deve ser prestada pelos três entes da República Federativa do Brasil,
pela administração pública direta ou indireta e as fundações que são mantidas pelo Poder
Público.
Hodiernamente, a estrutura do SUS é construída pelo Ministério da Saúde, pelas
Secretaria Estadual de Saúde, Secretaria Municipal de Saúde, pela Comissão Intergestores
Tripartite e Bipartite, Conselhos de Saúde, e pelo Conselho Nacional de Secretário da Saúde,
Conselho Estadual de Secretarias da Saúde e Conselho de Secretarias Municipal de Saúde
(RIBEIRO, 2019).
Todavia, em conjunto com a prestação dos serviços referentes à saúde por parte do
Estado, a Carta Magna instituiu como possibilidade a saúde complementar, que assegura ao
Poder Público a possibilidade de prestar serviços de saúde por intermédio de uma pessoa
jurídica de direito privado, porém deve seguir as diretrizes do sistema público. Ademais, a
Constituição permitiu que a saúde também fosse prestada de forma suplementar, que consiste
nos serviços de saúde prestado diretamente por profissionais da iniciativa privada ou por
intermédio de operadoras de planos privados de assistência à saúde (MACHADO, 2022).
Por fim, com a criação Constitucional da possibilidade de a prestação da saúde ser
efetivada de forma suplementar, houve a necessidade da criação da Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS, com o intuito de garantir os direitos que devem ser prestados pelos planos.
502

Assim o próximo capítulo buscará elucidar do que se trata a ANS e para quais fins veio a ser
instituída.

3 AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - ANS

Com base na Constituição Federal Brasileira de 1988, é dever do Estado garantir a saúde
pública e de qualidade para toda população, para assegurar esse direito federal existe o Sistema
Único de Saúde - SUS, o qual é de cunho público, universal e gratuito à população brasileira.
Contudo o Estado também autorizou, com base na Constituição de 1988, a iniciativa privada
pelas agenciadoras de planos com assistência à saúde, sendo assim o beneficiário do plano deve
adquirir os serviços de maneira comercial com base em um contrato estabelecendo assim uma
relação de consumo indivíduo-operadora (RIBEIRO, 2019). Dessa forma fez-se necessário a
criação de um órgão responsável por averiguar essas operadoras, o qual é a Agência Nacional
de Saúde Suplementar comumente conhecida por ANS.
Após a permissão e atualização da Lei n.º 9656/1998, a qual dispõe sobre os planos e
seguros privados de assistência à saúde verificou a necessidade de esses serem regularizados,
assim surge a ANS, uma agência capaz de controlar e fiscalizar essa assistência de cunho
privado. Além disso, o seu surgimento é mediante a um contexto de privatização durante o
governo de Fernando Henrique Cardoso e uma proposta de reforma de estado (1995-2002), de
acordo com os seus dois mandatos, sendo assim uma maior privatização no território sem uma
fiscalização poderia ocasionar problemas futuros, já que não haveria um monitoramento
econômico e controle de atividades realizadas pelas operadoras privadas de saúde.
Somado a isso, nesse período histórico o Brasil percorria uma crise fiscal, em 1995,
decorrente de três grandes problemas, uma perda de crédito estatal, da maneira político-
burocrática juntamente com a administração pública e do esgotamento da estratégia de
intervenção estatal; a apresentação da criação de um autarquia fiscalizadora foi visto como uma
melhor alternativa para esse momento, já que a administração seria de forma direta e com uma
regularização efetiva, desse modo pode-se afirmar que a agência reguladora é um apoio do
poder legislativo com sua atuação dentro dos limites destinados pela lei de sua criação.
(CUNHA, 2021).
Assim surge a ANS, a qual foi fundada pela Medida Provisória nº. 1.928/1999, sofreu
uma edição pela Medida Provisória nº. 2.012/1999, sendo esta convertida na Lei nº. 9.961/2000,
503

composta por um conselho de cinco administradores temporários, essa agência tem a finalidade
de fiscalização e regular o sistema de saúde privado que ofertam assistência à saúde
suplementar, com o intuito de garantia de direitos para a população brasileira que consome tais
serviços, aliado a isso estão para combater falhas ao mercado e riscos morais, regular as
operações e os serviços deixando isentos os prestadores desse (RIBEIRO, 2019). Dentre os
serviços assegurados pela ANS os mais recentes são os de saúde mental.
Desse modo, é competência da ANS elencar quais são os procedimentos, tratamentos e
medicamentos mínimos, que os planos devem assegurar para aquele que contrata uma
prestadora de serviços de saúde suplementar. Sendo assim, a Resolução Normativa 465/2021
disciplinas o rol dos procedimentos mínimos que as operadoras são obrigadas a fornecer para
aquele que venha a contratar seus serviços. Todavia, mesmo sendo ela a responsável por elencar
os procedimentos mínimos a Lei nº 9656/ 98, artigo 10º relata que deve ser assegurado todo e
qualquer tratamento das doenças reconhecidas pela Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde.

4 ENTENDIMENTO DO STJ REFERENTE AO ROL DA ANS

Conforme elucidado no capítulo anterior, a ANS é a autarquia responsável por


disciplinar quais tratamentos devem ser ofertados pelos planos de saúde, que por sua vez são
responsáveis por oferecerem de forma privada a saúde suplementar. Todavia, como os planos
de saúde seguem o rol, alguns tratamentos que não estão elencados nessa lista acabam sendo
negados ao contratante, ocorrendo assim a necessidade do ajuizamento de uma ação para
pleitear se é direito ou não o fornecimento de auxílio, pelo plano, de tratamentos/ medicamentos
que não estão no rol.
Visto isso, Shulze (2018) apurou o quantitativo de ações ajuizadas perante o Poder
Judiciário entre os anos de 2015 e 2018. No ano de 2015 foram de 293.449 ações, já no ano de
2016 foram 427.267, em 2017 567.090, por fim no ano de 2018 foram 677.897. Portanto, em
um intervalo de 4 anos houve um aumento de 231% nas ações ligadas à saúde suplementar.
Assim, a grande maioria das demandas judiciais estão ligadas a extensão, limites e
negativas da cobertura pelos planos de saúde, estando conectados de forma direta com o rol
estipulado pela ANS (JOBIM, 2020).
504

Com tal negativa, como visto, o Poder Judiciário é um dos responsáveis no Estado
Democrático de Direito, por solucionar os problemas da sociedade que não consigam efetuar a
autocomposição. Com a necessidade de adentrar no poder judiciário com uma ação, sendo o
magistrado o responsável por sanar os litígios, que por sua vez deve fundamentar sua decisão.
Isto posto, o Superior Tribunal de Justiça no ano de 2015, no julgamento do Agravo em
Recurso Especial nº 750.941/MG, sendo a Ministra relatora Maria Isabel Gallotti, integrante da
4ª turma do STJ, relatou que:

Saliento que não pode prosperar a alegação do réu que a ausência de previsão do
procedimento requerido no rol da ANS, ou a ausência do enquadramento às diretrizes
para cobertura elencadas pela Agência, torna legítima sua negativa de cobertura. Ora,
é sabido, que o rol de procedimentos previstos na RN 262 da ANS não é taxativo. Ao
contrário, elenca os procedimentos mínimos que devem ser colocados à disposição
dos segurados (...). (STJ – Resp. nº 750.941/MG. Relator: Maria Isabel Gallotti, data
do julgamento: 21/08/2015 – 4ª TURMA)

Como visto, decidiu que o rol da ANS consiste em referências mínimas a serem seguidas
pelos planos de saúde. Assim, mesmo que o tratamento/medicamento não esteja disciplinado
na lista da ANS, os operadores de saúde suplementar são obrigados a fornecer.
A partir disto, as turmas da Corte Especial passaram a entender que o rol da ANS é
meramente exemplificativo. As turmas usavam como fundamentação que o consumidor ocupa
uma posição de vulnerabilidade e ao contratar o plano possuía uma expectativa de serem
atendidos em qualquer demanda voltadas à saúde, uma vez que no momento da firmação do
contrato não seriam capazes de vislumbrar quais procedimentos necessitariam. Desse modo a
3ª turma no STJ no REsp 1.876.630/SP., sendo relatora Ministra Nancy Andrighi, disciplinou
que:

(...)12. Não é razoável impor ao consumidor que, no ato da contratação, avalie os


quase 3.000 procedimentos elencados no Anexo I da Resolução ANS 428/2017, a fim
de decidir, no momento de eleger e aderir ao contrato, sobre as possíveis alternativas
de tratamento para as eventuais enfermidades que possam vir a acometê-lo.
13. A qualificação do rol de procedimentos e eventos em saúde como de natureza
taxativa demanda do consumidor um conhecimento que ele, por sua condição de
vulnerabilidade, não possui nem pode ser obrigado a possuir; cria um impedimento
inaceitável de acesso do consumidor às diversas modalidades de tratamento das
enfermidades cobertas pelo plano de saúde e às novas tecnologias que venham a
surgir; e ainda lhe impõe o ônus de suportar as consequências de sua escolha
desinformada ou mal informada, dentre as quais, eventualmente, pode estar a de
assumir o risco à sua saúde ou à própria vida.(...) (STJ – REsp 1.876.630/SP. Relator:
Nancy Andrighi, data do julgamento: 09/03/2021 – 3ª TURMA)
505

Assim, não pode o consumidor arcar com o risco do negócio, pois não é razoável que o
contratante saiba todos os procedimentos elencados no rol da ANS. Ademais, o adquirente do
plano de saúde, por diversas vezes não possuí entendimento científico para entender os
procedimentos que estão elencados no rol, ficando com a presunção que está assegurado por
possuir um plano.

4.1 INCOMPATIBILIDADE DE ENTENDIMENTO PELO STJ

Como disciplinado, o STJ detinha o entendimento majoritário que o rol da ANS era
meramente exemplificativo, mas em dezembro de 2019 por meio do julgamento do Recurso
Especial 1.733.013/PR de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, a 4ª turma, de forma
inovadora, decidiu pela taxatividade do rol da ANS, pois segundo ele deve haver um rol mínimo
e obrigatório, como dispõe o relator:

(...)4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui


relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços
acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por
conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que
é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a
cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. (...) (STJ – REsp:
1.733.013/PR 2018/0074061-5, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data
de Julgamento: 10/12/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe
20/02/2020)

Com o intuito de enriquecer o debate acerca da taxatividade ou não do rol e com a


intenção de mudar o entendimento por parte da corte, o julgamento contou com a participação
de diversos amicus curiae, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), o Conselho Federal de Medicina (CFM), o
Conselho Federal de Farmácia (CFF), Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da
Secretaria Nacional do Consumidor, o Instituto Brasileiro de Atuária - IBA, a Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), a Federação Nacional de Saúde Suplementar
(FenaSaúde), a Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde
(ADUSEPS), o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Comissão Especial de Saúde
Suplementar do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (MACHADO, 2022).
Visto isso, em meio ao debate todos amicus curiae se manifestaram acerca da
taxatividade ou não do rol, a grande maioria deliberou que é devido à taxatividade. Os únicos
506

a se manifestarem de forma contrária a taxatividade foram o IDEC, o CNS e a ADUSEP,


argumentando que se faz impossível cobrar do consumidor a previsão dos procedimentos que
irão vir a precisar e, conjuntamente, criticaram a periodicidade de 2 anos para a renovação da
lista. Todavia, a ANS disciplinou por meio da resolução normativa RN nº 470/2021, que deve
ser atualizada a lista que consta os procedimentos a cada seis meses. Ademais, o CNS expôs
que com o rol sendo considerado taxativo haverá uma sobrecarga no SUS.
Mesmo ocorrendo a revisão a cada 6 meses não seriam suficientes para tornar o rol
exaustivo, pois mesmo sendo atualizado, no dia seguinte pode surgir nova doença que necessite
de um tratamento que não conste no rol ou algum tratamento/medicamento se torne obsoleto
em meio a evolução célere dos estudos voltados para a farmacologia e medicina. Ademais, as
prescrições de tratamento, medicamentos e procedimentos pelos profissionais da saúde ocorre
em meio a realidade diária, desse modo conforme chegam as demandas por parte dos pacientes
os médicos vão prescrevendo os procedimentos atualizados. Assim, caso não conste no rol da
ANS, acarretará a negativa de cobertura pelas operadoras (RESENDE, 2021).
Assim, após todos os Ministros deliberarem sobre a temática, por unanimidade
seguindo o posicionamento do Ministro Luis Felipe Salomão, proferiu acórdão que declara o
rol da ANS como taxativo. Ademais, uma das alegações presentes no acórdão, foi que não cabe
a Poder Judiciário substituir a vontade do legislador, pois tal interferência viola a tripartição de
poderes e caso isso ocorra o magistrado colocará sua própria subjetividade, afastando assim as
prerrogativas da agência reguladora que detém expertise para estipular as doenças da lista. Além
disso, elencou que a agência comporta diretrizes técnicas relevantes de alta complexibilidade,
como a observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências – SBE e a utilização de
Avaliação de Tecnologias em Saúde – ATS.
Em contrapartida, a 3ª turma, por unanimidade, defende que o rol da ANS é
exemplificativo, através da Ministra relatora Nancy Andrighi, por meio do REsp 1.876.630/SP,
em 09 de março de 2021, entendeu que a lista disciplinada pela ANS se trata de um plano-
referência, ao qual se fundamenta por meio do artigo 10 da Lei nº 9.656/98, que impõe que deve
haver a cobertura de todas as doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde – CID, sendo cabível a negativa nos casos que se
encontram, expressamente, nos incisos do artigo 10. Desse modo, como alude Machado (2022),
o rol elaborado pela ANS não pode criar limitações que restrinjam as prerrogativas que foram
507

asseguradas por lei, pois caso o faça colocará o consumidor em desvantagem acentuada em
comparação ao fornecedor.
Outro ponto suscitado no REsp 1.733.013/PR foi a questão do equilíbrio econômico-
financeiro. Segundo o Ministro relator, caso o rol seja considerado exemplificativo, o
ecossistema da saúde suplementar se encontrará prejudicado, pois colocará em desequilíbrio a
situação econômico-financeira, uma vez que o plano se encontrará obrigado a arcar com todo
tipo de demanda por parte do contratante, impossibilitando assim previsão dos impactos
gerados. De acordo com o julgado, a taxatividade do rol, proporcionará um maior acesso ao
sistema de saúde suplementar, pois os preços se encontrarão padronizados.
De mesmo modo, o Ministro Marco Aurélio Mello (2012), relata que caso seja
entendido que o plano se encontra obrigado a prestação de toda demanda levantada por parte
do consumidor, ocasiona uma ruptura no equilíbrio econômico-financeiro. Ademais aduz que
mesmo que o indivíduo consiga o tratamento/medicamento, pode vir a prejudicar o universo de
benificiários do plano, caso a seguradora não possua condições financeiras de suportar todas as
necessidades estipuladas.
Além disso, segundo Resende (2021), elucida que caso seja assegurado um rol mínimo
e obrigatório, tende a ocorrer uma popularização de acesso a saúde através de preços acessíveis,
pois segundo o próprio relator, hoje, as pessoas que possuem planos de saúde em sua maioria
são de classes média alta e alta.
Como decorrência do desequilíbrio econômico-financeiro a 4ª turma, do STJ,
argumentou que o rol não sendo taxativo, ocorre a impossibilidade de precificação da
mensalidade dos planos de saúde e com a flexibilização do rol, traz consigo um risco de
elevação exponencial dos preços, podendo levar um aumento nas mensalidades.
Todavia, mesmo sendo considerado o aspecto econômico-financeiro, a escolha pela
taxatividade ocasiona a limitação dos direitos ao beneficiário dos planos de saúde e seguro de
saúde, pois o consumidor é a parte vulnerável da relação, inclusive economicamente (LOPES,
2021)
Assim, a Ministra relatora Nancy Andrighi no REsp 1.876.630/SP, sendo a favor do rol
ser considerado exemplificativo, elucidou que a ANS considera os riscos assumidos por parte
das seguradoras de saúde, mas desconsidera que a taxatividade coloca o consumidor em posição
de desvantagem, pois não possui condições de prever do que necessitará e acredita que se
encontra assegurado pela existência do contrato. Por fim, relata que a própria ANS autoriza a
508

atualização da mensalidade, que deve ocorrer anualmente, para que não venha a ocorrer o
desequilíbrio econômico-financeiro.
Por outro prisma, o Ministro relator Luiz Felipe Salomão, no REsp 1.733.013/PR,
ressaltou que a corrente que defende a taxatividade do rol da ANS, preceitua que ela deve
garantir procedimentos mínimos obrigatórios, podendo o consumidor contratar uma cobertura
superior que venha a instituir outros tratamentos e medicamentos que vão além do rol.
De modo contrário, a 3ª turma defende que não pode o fornecedor do plano de saúde
exigir que indivíduo conheça todos os tratamentos do rol da ANS, visto que a lista é técnico
científica, para o leigo e especialmente para aquele que ocupa posição vulnerável perante a
operadora.
Nessa perspectiva a mesma turma, no julgamento do REsp 1.769.557/CE, sendo a
Ministra relatora Nancy Andrighi, aludiu que a prestadora de plano de saúde não deve negar
tratamento com indicação médica, mesmo que seu uso não seja aprovado pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária - ANVISA ou não esteja presente no rol da ANS.
Por fim, se mostra evidente que a 3ª e 4ª turma do STJ, se encontraram em meio a
discordância jurisprudencial no que concerne ao rol da ANS, necessitando assim a padronização
dos julgados.

4.2 NOVO POSICIONAMENTO MAJORITÁRIO

Com o surgimento de divergência jurisprudencial, ocorre a necessidade de uniformizar


o posicionamento da Corte. Por sua vez, a Segunda Seção do Tribunal é a responsável por sanar
divergências de jurisprudências da 3ª e 4ª turmas do STJ. De mesmo modo, o Ministro relator
Luis Felipe Salomão, por meio do REsp 1.733.013/PR elenca que ao contrário das divergências
doutrinárias que são saudáveis, os dissídios jurisprudenciais são indesejáveis.
Visto isso, no dia 8 de junho de 2022, a Segunda Seção do STJ confirmou, por ocasião
do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial – EREsp nº 1886929 e o
EREsp nº 1889704, o entendimento jurisprudencial que o rol da ANS é taxativo com placar de
6 x 3. Onde ficaram vencidos quanto à tese da taxatividade os Srs. Ministros Nancy Andrighi,
Paulo de Tarso Sanseverino e Moura Ribeiro. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel
Gallotti, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr.
Ministro Relator Luiz Felipe Salomão, desse modo votaram pela taxatividade. Assim, os planos
509

de saúde não são obrigados a assegurar tratamentos/medicamentos, que não se encontram no


rol, como presente no acordão do EREsp 1886929:

1 - o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo;


2 - a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento
não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento
eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao Rol; (Documento: 160376796 - EMENTA
/ ACORDÃO - Site certificado - DJe: 03/08/2022 Página 6 de 7 Superior Tribunal de
Justiça)

Todavia, fixou parâmetros para que, em circunstâncias excepcionais, os planos arquem


com os ônus do procedimento. Outrossim, foi concretizado a possibilidade da contratação de
cobertura ampliada ou negociação para introdução de tratamento e/ou medicamento não
constante no rol.
Isto posto, as balizas que serão utilizadas para garantir tratamentos/medicamentos extra
rol, desde que não tenha substituto terapêutico na lista, são: o procedimento não pode ter sido
indeferido, expressamente, pela ANS; deve conter comprovação de eficácia, baseadas em
evidências médicas; deve conter recomendações de órgãos técnicos nacionais; por fim, deve o
magistrado efetuar diálogos interinstitucional com entes ou pessoas com conhecimento técnico
na área de saúde.
Com base na tese estipulada pela Segunda Seção, a Corte entendeu no EREsp 1.886.929,
que o plano de saúde suplementar deveria custear tratamento não contido no rol da ANS, para
paciente diagnosticada com esquizofrenia. De igual modo, entendeu no EREsp 1.889.704 que
cabe ao plano cobrir o tratamento de pessoa com transtorno do espectro autista, pois a própria
ANS já reconhecia que, a terapia com Análise Comportamental Aplicada – ABA, é
contemplada nas sessões do rol de saúde suplementar.
Posto isso, hodiernamente com o rol sendo considerado taxativo, os planos poderão
indeferir os pedidos dos consumidores, desde que não estejam presentes no rol da ANS.
Ademais, os adquirentes dos planos de saúde, só conseguirão tratamentos que não conste no rol
se estiverem nas balizas estipuladas pela Segunda Sessão ou que arbitre um contrato com o
plano colocando procedimentos extra rol.
Desse modo, Lopes (2021) relata que a taxatividade não compromete somente a
proteção do consumidor em frente a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico,
mas também compromete o atendimento eficiente em casos de contingências. Por exemplo, em
meio a pandemia que os médicos por falta de medicamentos e insumos, se o profissional da
510

saúde indicasse algum medicamento alternativo que não constasse no rol da ANS, poderia o
plano de saúde negar o pedido de imediato. Assim, ocasionando possíveis riscos à saúde e,
consequentemente, a vida dos pacientes.

5 ROL DA ANS E DIGNIDADE DA PESSOA

A dignidade da pessoa é um direito preceituado, como visto, pela Constituição Federal


Brasileira e a limitação desse direito é uma afronta direta à vontade do legislador constituinte,
visto que com tal negativa, poderá ocasionar danos aos direitos basilares de cada ser humano.
Assim, com a decretação da taxatividade do rol da ANS, pela Segunda Sessão do STJ,
podendo ser relativizada somente em casos específicos, ocorrerá uma supressão do direito à
saúde e também à vida daqueles que necessitarem de tratamentos/ medicamentos, acarretando
assim uma limitação do direito à dignidade da pessoa.
Dessa maneira, mesmo com o rol sendo considerado exemplificativo, os planos de saúde
cerceavam alguns procedimentos por não estarem presentes no rol da ANS, necessitando de
uma ação perante o Poder Judiciário para assegurar determinados tratamentos contra doenças,
como o câncer de mama, câncer de pulmão, esclerose múltipla, transtorno do espectro autista,
asma grave.
Seguindo a necessidade de assegurar a dignidade da pessoa, no Recurso Especial nº
1986692/SP, em 06 de junho de 2022, que versava sobre a negativa do plano de assegurar para
portadora de atópica grave, que se trata de uma doença dermatológica ocasionando inflamação
na pele, que gera lesões e coceiras. Ela é de difícil controle terapêutico, com indicação do
medicamento dupilumabe 300mg (depixent), por médico, para tratamento. O plano por sua vez
elencou que não deveriam fornecer o medicamento, porque não constava no rol da ANS. O
Ministro relator Moura Ribeiro em resposta ao recurso interposto, relatou que:

2. O entendimento dominante nesta Corte é de que o plano de saúde pode estabelecer


as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de terapêutica indicada por profissional
habilitado na busca da cura, sendo abusiva a cláusula contratual que exclui tratamento,
procedimento ou material imprescindível, prescrito para garantir a saúde ou a vida do
beneficiário, inclusive os experimentais, ou ainda não previstos em rol da ANS.
3. Em que pese a existência de precedente da eg. Quarta Turma entendendo ser
legítima a recusa de cobertura com base no rol de procedimentos mínimos da ANS,
esta eg. Terceira Turma, no julgamento do REsp nº 1.846.108/SP, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, julgado aos 2/2/2021, reafirmou sua jurisprudência no sentido
do caráter exemplificativo do referido rol de procedimentos. (STJ – REsp nº 1986692
511

Relato: Ministro Moura Ribeiro, Data de Julgamento em 06 de junho de 2022, 3ª


turma)

Ao momento do julgamento, o entendimento majoritário era que o rol se tratava de


exemplificativo e que a negativa pelo plano não era devida mesmo a 4ª turma do STJ
entendendo o rol como taxativo.
No mesmo sentido, no REsp nº 1974111/DF, julgado em 20 de junho de 2022, onde o
beneficiário do plano pleiteava o direito ao fornecimento de medicamento para tratamento da
amiotrofia espinhal, que consiste na incapacidade de produção de proteínas essenciais para os
neurônios motores. A operadora de saúde alegou não está obrigada a fornecer medicamento que
na bula não conste como tratamento para doença, mesmo que o médico tenha prescrito.
Todavia, a Ministra relatora Nancy Andrighi, entendeu que “Considera-se abusiva a
negativa de cobertura do tratamento consistente no uso off label de medicamento que se mostra
imprescindível à conservação da vida e saúde do beneficiário”. Além disso a 3ª turma entendeu
que autorizar que a operadora negue a cobertura de tratamento sobre a justificativa de que a
doença não está contida na bula representa inegável ingerência na ciência médica e, “em odioso
e inaceitável prejuízo ao paciente enfermo”. Desse modo, não cabe ao plano limitar o direito à
tratamentos que não se encontre no rol, visto que tal medida afetaria a conservação da vida e
assim limita de forma direta a dignidade da pessoa.
Seguindo os mesmos parâmetros, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, por meio do
REsp nº 1953880/RJ. Onde atuou como parte autora a Eliane nascimento Alves da Silva, em
desfavor da GEAP autogestão em saúde, este negou o direito a procedimento cirúrgico alegando
que não possuía previsão na lista da ANS. Assim, o Ministro relator, dispôs que:

REAFIRMADA A CONDUTA ILÍCITA DA OPERADORA, A NÃO


AUTORIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO MÉDICO TROUXE AFLIÇÃO E
SOFRIMENTO QUE VÃO ALÉM DE UM MERO ABORRECIMENTO DO
COTIDIANO, VIOLANDO O DIREITO À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA, DIREITOS FUNDAMENTAIS PROTEGIDOS PELA
CONSTITUIÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM
INDENIZATÓRIO QUE DEVE SER MAJORADO PARA R$ 10.000,00 (DEZ MIL
REAIS), CONSIDERANDO-SE AS ESPECIFICIDADES DO CASO', afronta os
artigos 10, § 4º, da Lei 9.656/98 e art. 186, 187 e 927 do Código Civil, uma vez que
tais artigos dispõem sobre a cobertura mínima do plano-referência, as quais só serão
obrigatórias pela operadora caso estejam incluídas no Rol da ANS, o que não é o caso
dos autos, bem como da não incidência de danos morais por ausência de configuração
de ato ilícito por cumprimento do contrato". (STJ – REsp nº 1953880/RJ Relato:
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento em 30 de maio de 2022, 3ª
turma)
512

Visto isso, conforme posicionamento do STJ, a negativa indevida pela operadora de


saúde gera no paciente aflição e sofrimento que vão além de simples aborrecimentos da vida
em sociedade. Além disso, relata, expressamente, que a negativa pelo plano de saúde viola o
direito à saúde, à vida e, consequentemente, à dignidade da pessoa humana.
Desse modo, no mesmo julgado, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, enfatiza que:

“A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece o direito ao recebimento


de indenização por danos morais oriundos da injusta recusa de cobertura por parte do
plano de saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no
espírito do usuário, já abalado e com a saúde debilitada. ” (STJ – REsp nº 1953880/RJ
Relato: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento em 30 de maio de
2022, 3ª turma)

Assim, fica evidenciado que a negativa injustificada pelo plano, gera no beneficiário
situação de aflição psicológica e angústia no espírito daquele que se encontra acometido por
uma doença. Desse modo, com o rol da ANS sendo considerado taxativo, pode gerar diversas
dificuldades, além da (s) doença (s) já presentes no indivíduo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto, o direito à saúde se trata de uma garantia constitucional, ao qual foi
assegurado após um longo percurso sem a preocupação com a saúde dos indivíduos. Ademais,
ficou demonstrado que o direito à saúde deve ser garantido a todo e qualquer pessoa que se
encontre no território brasileiro e deve ser fornecido pelo Estado, não se tratando somente da
negativa de doenças, mas sim o ser humano deve conter um bem-estar físico, mental e social.
Desse modo, com o dever do Estado em garantir por meio de suas políticas públicas o
direito à saúde, dispõe na própria constituição que essa garantia pode ser ofertada de forma
direta, complementar ou suplementar. Como prestação direta pelo Estado, foi instituído o SUS,
ao qual compete garantir a saúde pública. Todavia, na própria constituição o legislador
possibilitou a prestação dos serviços de saúde por meio de operadoras de planos, como forma
de saúde suplementar. Assim, com a necessidade de assegurar a plena efetivação dos direitos
do consumidor, foi criada a autarquia denominada como ANS, ao qual compete a fiscalização
para que não ocorra uma sobreposição do plano sobre o consumidor, visto que este é a parte
vulnerável da relação contratual. Também é de competência da ANS a elaboração de uma lista
que deve estar presente os procedimentos que as operadoras são obrigadas a custear.
513

Nessa perspectiva, chegou até os tribunais brasileiros ações que versam sobre saúde
suplementar, ao qual é questionado se a negativa por parte do plano de saúde de procedimentos
que não se encontra no rol da ANS é devida. O entendimento do STJ era que o rol se tratava de
meramente exemplificativo. Todavia, no ano de 2019, voltaram a discutir sobre a taxatividade
ou não do rol, onde ficou evidenciado que o novo posicionamento do STJ é que a lista é taxativa,
sendo os planos de saúde obrigados a fornecerem aqueles procedimentos e, em casos
excepcionais, poderão ser obrigados a custearem tratamentos não previstos no rol.
Segundo as teses firmadas no julgamento, deve haver um equilíbrio econômico-
financeiro entre as partes. Além disso, elencou que com a taxatividade do rol os planos tendem
a padronizar os preços, pois agora está estipulado o que deve ser garantido, assim ocasionando
uma maior procura por parte da população mais vulnerável. Assim, o Ministro relator expôs
que caso o consumidor queira colocar algum procedimento que não conste no rol, poderá
adicionar em seu contrato.
No entanto, como ficou demonstrado, não é aceitável que o indivíduo no momento da
pactuação do contrato, que deve ser regido pela boa fé objetiva, saiba de todos os procedimentos
que são assegurados na lista da ANS, pois a lista é de difícil entendimento por pessoas que não
detenham conhecimento técnico científico. Ademais, não é plausível que a parte vulnerável do
contrato, no momento da pactuação saiba quais procedimentos virá a precisar futuramente, pois
acredita fielmente que se encontra assegurado no momento da firmação do contrato.
Além disso, no que concerne ao equilíbrio econômico-financeiro, como ficou
comprovado, a própria ANS, permite que os planos de saúde façam alterações nos preços das
mensalidades para que reste garantido o equilíbrio contratual. Sendo o rol taxativo, os planos
de saúde negarão de plano aquilo que não conste no rol e não estejam nas diretrizes firmadas
pelo STJ, ocasionando com isso, possíveis danos à saúde dos beneficiários e, conjuntamente,
um crescimento exponencial das ações no Poder judiciário.
É válido ressaltar que sendo o direito à saúde, seja ela prestada de forma direta pelo
Poder Público ou de forma suplementar, a limitação dessa prerrogativa constitucional, por uma
autarquia, traz consigo um forte indicativo de cerceamento da dignidade da pessoa humana, ao
qual ficará limitada somente aos tratamentos que são ofertados no rol da ANS e,
consequentemente, poderá ocorrer a limitação do próprio direito à vida.
Outrossim, nas leis que tratam sobre a saúde suplementar disciplina que deve ser
assegurado pelos panos de saúde a cobertura de todas as doenças presentes na CID, podendo
514

ser suprimido os procedimentos constantes na própria lei. Desse modo, não cabe a uma agência
reguladora disciplinar sobre a limitação do direito à saúde, sendo dever do legislador, por meio
de lei, forneça as alterações necessárias.
Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 2033/22, foi aprovado pela Câmara dos Deputados,
seguindo agora para análise do Senado, esse projeto visa a alteração da lei nº 9656/98 para a
promoção de exames e tratamentos não constantes no rol da ANS, sendo considerado assim um
rol meramente exemplificativo.
Sendo assim, mesmo indo de encontro com o novo posicionamento jurisprudencial do
STJ, acreditamos com base nos julgados da mesma Corte, onde ficou demonstrado, por diversas
vezes, que a negativa pelos planos de saúde ao tratamento devido para salvaguardar à vida,
limita a dignidade da pessoa, sendo este um direito fundamental da República Federativa do
Brasil.
Ademais, a negativa pelo plano gera no paciente possíveis danos psíquicos, aflição e
angústia, segundo a 3ª turma do próprio Tribunal.
Desse modo, conseguimos observar que para ser assegurado o direito à dignidade da
pessoa, o rol da ANS, deve ser considerado meramente exemplificativo ao passo que disciplina
os procedimentos, tratamentos e medicamentos mínimos a serem assegurados aos beneficiários
do plano, pois sendo ele taxativo limita o direito à saúde e, consequentemente, o direito à vida.

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518

SÍNDROME DE BURNOUT NA VERTENTE TRABALHISTA: direitos, deveres e


prevenções

Rafael Alves Guimarães1


Vitoria Camilly Guimarães de Sousa 2
Olívia Oliveira Siqueira Campos 3

RESUMO

Considerando o crescente interesse científico da síndrome de burnout, foi apresentado uma


amostra teórica sobre a temática, bem como seus eventuais resultados perante o sistema
judiciário, inerente aos direitos das pessoas acometidas com a síndrome em questão, no âmbito
trabalhista. O método de pesquisa atribuído ao artigo versou sobre o estudo em livros
bibliográficas, fundamentado de forma teórica em revistas acadêmicas, doutrinas jurídicas,
artigos científicos, a qual dispuseram acerca da eminente temática, moldadas por meio de
pesquisas em plataformas digitais, com a finalidade basilar de adentrar acerca dos fatos
geradores que resultam a síndrome no indivíduo, buscando desenvolver uma linha de
pensamento, legitimando auxiliar as empresas em eventuais políticas internas, como forma de
prevenção, tornando palpável o Compliance na vertente contemporânea. É crescente a procura
por tratamentos e reivindicações dos direitos inerentes aos que são acometidos pela síndrome
em questão, até mesmo a observância das empresas em prevenir eventuais danos psíquicos aos
seus funcionários, agindo de forma a prevenir os eventuais danos. A real problemática que
devemos buscar a solução, está estabelecido em como as empresas podem evitar problemas no
enfrentamento ao estresse crônico de seus funcionários, outro ponto relevante, está em como os
trabalhadores diagnosticados com a síndrome de burnout poderão responsabilizar seus
empregadores. Empregadores e gestores das empresas, devem estar atentos a saúde mental de
seus funcionários adotando políticas internas para prevenções e enfrentamento. Dessa forma,
conclui-se que, o presente estudo adentrou no meio da Psicologia ligada intrinsecamente ao
direito, entre síndrome do esgotamento profissional dentro no viés trabalhista.
Palavras-chave: Burnout – conceito; estresse mental; direito do trabalho; direitos e deveres;
prevenções; Compliance

ABSTRACT

Considering the growing scientific interest in the burnout syndrome, a theoretical sample on
the subject was presented, as well as its possible results before the judiciary, inherent to the
rights of people affected with the syndrome in question, in the labor context. The research

1
Bacharelando em direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN. E-mail:
rafaelguimaraees.adv@gmail.com
2
Graduanda em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN. E-mail:
vitoriaguimaraes202@gmail.com
3
Docente do curso de direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN. E-mail: olivia-
campos@hotmail.com
519

method attributed to the article was about the study in bibliographic books, theoretically based
on academic journals, legal doctrines, scientific articles, which had about the eminent theme,
shaped through research on digital platforms, with the basic purpose to enter into the generating
facts that result in the syndrome in the individual, seeking to develop a line of thought,
legitimizing helping companies in possible internal policies, as a form of prevention, making
Compliance palpable in the contemporary aspect. There is a growing demand for treatments
and claims for the rights inherent to those affected by the syndrome in question, even the
observance of companies in preventing possible psychic damage to their employees, acting in
order to prevent possible damage. The real problem that we must seek a solution is established
in how companies can avoid problems in coping with the chronic stress of their employees,
another relevant point is how workers diagnosed with burnout syndrome can hold their
employers accountable. Employers and company managers must be aware of the mental health
of their employees by adopting internal policies for prevention and confrontation. In this way,
it is concluded that the present study entered the middle of Psychology intrinsically linked to
the law, between professional burnout syndrome within the labor bias.
Keywords: Burnout – concept; mental stress; labor law; rights and duties; preventions;
compliance.

1 INDRODUÇÃO

A síndrome de burnout, mais conhecida como o esgotamento profissional, é


caracterizada como sendo um distúrbio psíquico, definido pelo estado de tensão emocional e de
estresse, à qual é provocado por condições desgastantes advindas do trabalho exaustivo.
Em fatos históricos, a síndrome em questão, passou a ser descrito nos anos 70 (setenta)
pelo Psicólogo Herbert J. Freudenberger, a qual foi um dos primeiros pesquisadores a descobrir
os sintomas de esgotamento profissional e levantar um amplo estudo sobre a síndrome de
bournout.
O termo burnout significa “queima” ou “combustão total”. Faz parte do vocabulário
coloquial em países de língua inglesa e costuma ser empregado para denotar um estado de
esgotamento completo da energia individual associado a uma intensa frustração com o trabalho
(MASLACH; SCHAUFELI; LEITER, 2001).
É valido salientar que, na contemporaneidade, a síndrome de burnout – CID 11, desde
01 de janeiro de 2022 (dois mil e vinte e dois), passou a ser considerada pela OMS –
Organização Mundial da Saúde, como doença no rol trabalhista, pois, antes, era intitulado como
sendo transtorno psiquiátrico, estando agora classificada como “estresse crônico de trabalho”.
Cabe-se dizer que, viver sob estresse de trabalho são pressupostos para provocar um
quadro desgastante em termos psicológicos, acarretando problemas reais, que merecem total
atenção e cuidado. No que tange a temática em questão, alguns pesquisadores tendem a
520

esmiuçarem sobre o assunto, buscando agregar informações cientificas, com a finalidade de


auxiliar na prevenção e tratamento da mesma.
O burnout está associado intrinsicamente a consequências negativas, dentre as quais se
estabelecem na vertente socioeconômico, absenteísmo, queda de produtividade (PARKER;
KULIK, 1995) e aposentadoria precoce (WEBER; WELTLE; LEDERER, 2005); Para a saúde
física: aumento do risco cardiovascular (HONKONEN et al., 2006; MELAMED et al., 2006a),
alterações fisiológicas e metabólicas como desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenais
(GROSSI et al., 2005), diabetes tipo 2 (MELAMED et al., 2006a), elevação de lipídios séricos
(SHIROM et al., 1997) e alterações do sistema imune (LEHRMAN et al., 1999), além de
distúrbios musculoesqueléticos (HONKONEN et al., 2006); Para a saúde mental: associação
com ansiedade e, em especial, depressão (MASLACH; SCHAUFELI; LEITER, 2001; AHOLA
et al., 2005), além de abuso de álcool (AHOLA et al., 2006b).
Essa é uma síndrome atualmente conceituada, como sendo resultante do estresse crônico
cognitivo adquirido no local de trabalho, a qual não foi gerenciado com sucesso. Ficando
caracterizado como síndrome ocupacional.
Ressaltando que, como a síndrome não exige notificação compulsória, ou seja, a
comunicação da ocorrência de determinada doença ou agravo à saúde, o Ministério da Saúde
não consegue contabilizar de forma efetiva o número de brasileiros que são acometidos por essa
doença. No entanto, segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, em
comparativo com os dados entre os anos de 2017 e 2018, o crescimento de benefícios de auxílio-
doença para essa síndrome chegou a 114,80%, pulando de 196 benefícios para 421, o que, em
tese, é preocupante.
Todavia, é crescente a procura por tratamentos, bem como as reivindicações dos direitos
inerentes aos que são acometidos pela síndrome em questão, até mesmo a observância das
empresas em prevenir eventuais danos psíquicos aos seus funcionários, agindo de forma a
prevenir os eventuais danos.
Fatores que influenciam no diagnóstico da referida doença acometem indivíduos que
trabalham em condições de muitas demandas psicológicas associadas a baixo poder de decisão
têm maior prevalência de depressão quando comparados aos trabalhadores não expostos a essas
condições (Mausner-Dorsch e Eaton, 2001).
521

Empregadores e gestores das empresas, devem estar atentos a saúde mental de seus
funcionários adotando políticas internas para prevenções, bem como enfrentamento ao estresse
crônico excessivo.
A real problemática que se deve buscar a solução, está estabelecido em como as
empresas podem se prevenir acerca do enfrentamento ao estresse crônico de seus funcionários,
outro ponto relevante, está em como os trabalhadores diagnosticados com a síndrome de
burnout poderão responsabilizar seus empregadores.
O fato é que, o funcionário diagnosticado poderá buscar responsabilizar a empresa por
meio de ação judicial, por ser de direito e merecida justiça. Todavia, no curso do processo, será
realizada perícia médica para uma análise geral e confirmação do caso.
Dessa forma, o presente artigo cinge a informar acerca dos pressupostos causadores da
síndrome de burnout, seus fatos geradores, sintomas, precauções, ligadas intrinsicamente em
desenvolver uma metodologia de prevenção voltada para as empresas, bem como o efetivo
cumprimento de normas trabalhistas e de regras éticas, morais, ligadas ao direito do trabalho, e
ao desenvolvimento interno de seus funcionários.

2 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

No presente artigo foi realizado um estudo de pesquisas bibliográficas, tendo como


embasamento a fundamentação teórica consultadas em bancos de dados (SciELO,
JUSBRASIL), revistas científicas, doutrinas jurídicas, legislações vigentes no ordenamento
jurídico brasileiro, de forma a reunir e comparar as problemáticas encontradas nas fontes que
foram consultadas e listando os principais fatores que predispõe a síndrome de burnout no
indivíduo, bem como desenvolver uma linha de pensamento, objetivando alertar a população e
auxiliar as empresas nas eventuais políticas internas, como forma de prevenção.

3 UMA ANALISE GERAL DA SÍNDROME DE BURNOUT: SINTOMAS FÍSICOS E


PSICOLÓGICOS

A Síndrome de Burnout, em tese, é um desgaste que afeta os aspectos físicos e mentais


do indivíduo, acarretando o esgotamento profissional. Na esfera técnica, o transtorno em
questão é encontrado por meio do CID-10 (Classificação Estatística e Internacional de Doenças
522

e Problemas relacionados à Saúde), atingindo de forma incisiva as pessoas cuja vida


profissional são atribuladas.
Os estudos cientifico acerca da temática inaugurou-se em meados de 1970 a partir da
descrição clinica pelo psicanalista Herbert Freudenberger, concluindo que se trata de um quadro
de esgotamento físico e mental com elevado grau de irritabilidade relacionado a condições
elevadas de trabalho (FREUDENBERGER, 1974; FREUDENBERGER; RICHELSON, 1987).
A síndrome tem, em sua definição, o conceito de “incêndio interno”, dispondo sobre o
manto do esgotamento dos recursos físicos e mentais imposta pelo próprio individuo ou pela
sociedade. Tal esgotamento vai ocorrer na área da vida onde há mais expectativa de sucesso –
em geral, no trabalho (FREUDENBERGER; RICHELSON, 1987).
As pessoas “fascinadas” pelo trabalho, são geralmente as mais acometidas pelo
distúrbio, no entanto, alguns profissionais são mais pré-dispostos a adquirirem a questão, pela
cobrança excessiva do trabalho, como Professores, Advogados, Médicos, entre outros. Tais
profissionais acabam se dedicando muito ao trabalho e, deixando a vida pessoal de lado.
O que leva ao questionamento acerca da referida síndrome, se a mesma está relacionada
a seus sintomas e de como pode ser diagnosticada. De uma forma cientifica, o Esgotamento
Profissional se manifesta consubstanciado a relação com o trabalho, resultando-se em estresse,
ansiedade e nervosismo, a qual o indivíduo acaba sendo levado ao seu limite extremo, tanto na
forma física quanto emocional, resultando para si o sentimento de cansaço, desmotivação e
esgotamento mental.
Somando ao quadro clinico da síndrome, estão presentes diversos sintomas, dentre eles,
questões associadas à insônia, irritabilidade, tristeza, desinteresse, angustia, tremores e
inquietação, caracterizando uma síndrome depressiva e/ou ansiosa; que relacionados aos fatores
elencados fazem a suspeição da Síndrome de Burnout. (BRASIL, 2001b)
Salientando que, a doença não está tão somente relacionada a esfera do trabalho, muitas
vezes pode ser atribuída junto ao âmbito educacional, na escola/faculdade ou até mesmo dentro
da própria casa, sendo pressupostos para ocasionar o problema.
O Burnout está interligado ao excessivo esforço físico, mental e emocional, com poucos
momentos de lazer, descontração e repousa, o que ocupa muito do seu tempo, pode trazer
malefícios para saúde, motivando que tal síndrome apareça.
Tal concepção de burnout baseia-se na teoria da Conservação de Recursos, a qual,
segundo esta teoria, a definição do estresse se dá sobre qualquer situação de ameaça ou perda
523

efetiva de recursos energéticos, tendo em vista que o organismo se contrapõe ativamente (o que
acarreta também um gasto adicional de energia), eventualmente resultando a uma perda
contínua. (SHIROM et al., 2005).
A doença ocorre em um conjunto de personalidade (genética) e condições ambientais
(fatores externos), ou seja, obviamente, uma pessoa com personalidade mais rígida, que não
tolera frustrações, está mais propensa a desenvolver o Burnout, ou seja, alguns indivíduos estão
mais suscetíveis de adquirirem a doença que outros.
Pessoas que se cobram muito, nos estudos, no trabalho, no ambiente familiar, sem que
haja o respeito com os limites do próprio corpo pode fazer com que a Síndrome se manifeste.
Dados de pesquisas do International Stress Management Association (ISMA Brasil, 2018),
dispõe que dos 70% de brasileiros que acabam tendo problemas com estresse, 30% podem
desenvolver o Burnout. Outro fator relevante presente na mesma pesquisa concluiu que o Brasil
ocupa o segundo lugar em nível de estresse, ficando atrás apenas para o Japão.
No tocante aos sintomas da doença, os mais comuns estão ligados as dores musculares
e de cabeça, de forma excessiva, mudança de humor, falhas de memória, isolamento (em casos
iniciais, aparentemente o indivíduo buscar evitar os meios de contato com as pessoas), a
depressão, também pode estar ligada aos sintomas inerentes as síndromes, nesse contexto, ao
ser identificado quaisquer dos sintomas deverão buscar o meio mais viável de tratamento.

4 IDENTIFICAÇÃO E PREVENÇÃO DA SÍNDROME DE BURNOUT

Como visto, a síndrome de burnout é um distúrbio psíquico, a qual é caracterizado pelo


estado de tensão e esgotamento físico e mental, bem como estresses crônicos, sendo isso,
resultado provocado por condições de trabalho desgastantes.
A Síndrome de burnout afeta a saúde física e emocional dos profissionais trazendo
consequências preocupantes em níveis individuais e organizacionais (MOSS et al., 2016)
tornando evidente a necessidade de prevenir sua sintomatologia (CARLOTTO; CÂMARA,
2008). As estratégias de prevenção para a síndrome incluem realização de intervenções
individuais e organizacionais ou, idealmente, a combinação de ambas (MELO; CALOTTO,
2017; MOSS et al., 2016)
A síndrome em comento, é manifestada em pessoas cuja profissão exige envolvimento
interpessoal, ou seja, com um vasto teor de intensidade, os profissionais das áreas de educação,
524

saúde, policiais, advogados, são exemplos de profissões que podem provocar um enorme
desgaste mental.
Os sintomas típicos do esgotamento profissional, é facilmente identificado pela
sensação de esgotamento físico e emocional, refletindo diretamente em atitudes negativas para
o indivíduo: Agressividade; isolamento; mudança bruscas de humor; irritabilidade; dificuldade
de concentração; dores de cabeça constante, são manifestações físicas que podem estar
associadas a esta síndrome.
O Ministério da Saúde (2001) indica como tratamento o acompanhamento psicoterápico
e intervenções psicossociais (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2019). No entanto,
em alguns casos específicos, se faz viável a utilização de intervenções individuais,
organizacionais e combinadas, sendo realizadas com o objetivo de prevenir a síndrome por
meio da diminuição do estresse ocupacional.
As intervenções individuais, em tese, giram em torno de estratégias de enfrentamento e
adaptação diante aos agentes causadores do estresse. Referem-se ao treino de habilidades
comportamentais e cognitivas de coping, meditação, atividade física (MORENO, GIL,
HADDAD; VANNUCHI, 2011), bem como às práticas de autocuidado, como garantir descanso
adequado, equilíbrio entre trabalho e outras dimensões da vida e envolvimento em um hobby
(MOSS et al., 2016; SWENSEN, STRONGWATER & MOHTA, 2018).
Por outro lado, as intervenções organizacionais, também são adotados como meio de
prevenir a proliferação da síndrome, estas se referem a meios de modificações das atividades
desenvolvidas no ambiente laboral, a qual visam a melhoria da comunicação e do trabalho em
equipe. Dessa forma, incluem a realização de treinamento com os funcionários, reestruturação
de tarefas, flexibilidade de horário, participação na tomada de decisão, plano de carreira e
autonomia laboral (GARROSA et al., 2002; MELO; CARLOTTO, 2017)
Outros meios de prevenir a síndrome de burnout incluem os grupos de suporte, terapia
cognitiva-comportamental e programas voltados para a diminuição do estresse (MOSS et al.,
2016).

5 ESGOTAMENTO PROFISSIONAL NA VERTENTE TRABALHISTA: DIREITOS

A síndrome de Burnout, recentemente caracterizada pela OMS - Organização Mundial


da Saúde como sendo doença de trabalho, antes considerada como transtorno psiquiátrico, agora
525

é classificada como “estresse crônico de trabalho”. Isso significa que, empregadores e gestores
devem estar atentos a saúde mental de seus funcionários, devendo as empresas criarem políticas
internas para enfrentamento ao estresse crônico.
Na vertente jurisdicional, o funcionário diagnosticado com a síndrome em questão, caso
queira, poderá buscar responsabilizar a empresa por meio de ação judicial, a qual no curso do
processo, será realizada perícia médica para uma análise geral e confirmar o quadro de burnout.
Muito embora, ainda não exista uma legislação própria que venha de forma especifica
proteger os trabalhadores com a síndrome de esgotamento profissional, não significa que estes
trabalhadores estejam desprotegidos. Na prática, a legislação trata a síndrome de burnout como
uma doença como qualquer outra.
Todavia, o direito trabalhista para o cidadão com a referida síndrome é previsto na
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a qual dispõe em seu artigo 483 que:

Art. 483 – O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida


indenização quando

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos
bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor
excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

Tais itens da legislação adentram diretamente na vertente da doença, dessa forma, o


trabalhador deve comprovar efetivamente o esgotamento profissional por atestado médico, com
isso, o acometido pela síndrome passa a ter todos os direitos de qualquer outro empregado com
problema de saúde decorrente do trabalho. Ou seja, o proletariado com síndrome comprovada,
tem direitos trabalhistas e previdenciários.
A síndrome de burnout está intrinsicamente ligado ao ambiente de trabalho, levando em
conta todo teor social do trabalho, bem como as questões inerentes à dignidade da pessoa
humana, que são devidamente fundamentadas pela República Federativa.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XXII, assegura de forma
expressa aos trabalhadores, os direitos que visem a melhoria da condição social, “a redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Dessa forma
cai sobre o manto das empresas, a responsabilidade de prezar pelo bem-estar dos seus
funcionários.
526

No mesmo sentido, a carta magna, em seu artigo 225, preceitua que “todos têm direitos
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações" (BRASIL, 1988)
Destarte, a Consolidação das Leis do Trabalho, preceitua, em seus artigos 154 a 223,
sobre a segurança e a medicina do trabalho, ou seja, dispõe de forma mais direcionada os
deveres e obrigações legais, tanto para empresas quanto para os empregados para a efetiva
aplicabilidade da lei (BRASIL, 1943)
O meio ambiente do trabalho vem abranger de forma direta não somente o local de
trabalho, mas os instrumentos pertinentes para o efetivo desenvolvimento do serviço, o modo
de execução de tarefas, o tratamento que o empregado recebe do empregador e dos outros
empregados. É de responsabilidade do empregador o dever de adotar meios para assegurar a
saúde mental do empregado, garantindo um meio ambiente sadio e equilibrado.
Nesse contexto, as questões de saúde psicológica do trabalhador repercutem em todo
meio social, partindo da premissa que, os danos causados a ele afetam diretamente não só as
relações de trabalho, mas a forma como o trabalhador age dentro da sociedade que está inserido.
Segundo Maslach e Leiter (1997)

(...) os indivíduos que estão neste processo de desgaste estão sujeitos a largar o
emprego, tanto psicológica quanto fisicamente. Eles investem menos tempo e
energia no trabalho fazendo somente o que é absolutamente necessário e faltam com
mais frequência. Além de trabalharem menos, não trabalham tão bem. Trabalho de
alta qualidade requer tempo e esforço, compromisso e criatividade, mas o indivíduo
desgastado já não está disposto a oferecer isso espontaneamente. A queda na
qualidade e quantidade de trabalho produzido é o resultado profissional do desgaste.

É evidente que a síndrome de Burnout é ocasionada pela grande tensão emocional


gerada pelo excessivo trabalho, um meio ambiente extremamente competitivo pode gerar
resultados irreversíveis na qualidade de vida dos trabalhadores, bem como jornada de trabalho
excessiva, metas impossíveis, cobrança por perfeição de trabalho, dentre várias outras formas
que geram constantes frustrações, podendo desencadear a eminente síndrome.
O Decreto Lei 6.042/07, estabelece a síndrome como sendo uma doença profissional
equiparando-se ao acidente de trabalho, abrindo a possibilidade de afastar o trabalhador de suas
funções através da concessão do benefício auxílio-doença.
527

Obstante a isso, se ressalta a obrigação do empregador advindo do contrato de trabalho


com o empregado, a qual o primeiro tem obrigação de fornecer as condições mínimas para um
trabalho sadio.

6 COMPLIANCE: DEVERES E PREVENÇÕES PARA AS EMPRESAS

O Compliance se estabelece como uma das temáticas mais atuais da


contemporaneidade, em tese, a sua função consiste em dispor acerca das funções sociais e a
responsabilidade socioambiental das empresas, levando em consideração as questões éticas,
morais e transparentes, a qual inspiram políticas empresariais internas e externas.
Em teor histórico, o Compliance surge no ordenamento jurídico com a Lei 9.613/1998
(“Lavagem” ou ocultação de bens) e se aprimora na Lei 12.846/2015 (Lei Anticorrupção), bem
como, no Decreto 8.420/2015. Primordialmente sua aplicação se deu na vertente criminal, com
a finalidade de impedir ou reduzir a prática e atos contra a administração pública.
Com o passar do tempo as legislações que adentram sobre a temática foram se inovando
e, na contemporaneidade o sistema do Compliance está sendo aplicado também no âmbito do
direito do trabalho.
Na vertente do trabalho, o Compliance consiste basicamente no cumprimento de normas
trabalhistas e de regras éticas, morais, transparentes, correlacionadas ao direito do trabalho,
sejam estas de cunho empresarial interno, preponderando ao tratamento junto aos funcionários
e clientes.
Com a reforma trabalhista sobre o manto da Lei 13.467/2017, exige uma postura mais
sustentável das empresas, de forma cautelar e atenciosa, na implementação de suas políticas
empresariais.
Neste viés, afirma Rogéria Gieremek (2015) dispõe que:

O cenário empresarial e o ambiente regulatório trabalhista estão cada vez mais


complexos, afetando diretamente as relações profissionais. O fato requer atualizações
constantes nas políticas internas das empresas. Aplicado na criação e na manutenção
de um código de condutas comportamentais da companhia, o compliance trabalhista
entra em cena para imunizar a atmosfera corporativa contra práticas antiéticas e
ilegais, atendendo à necessidade das corporações de se manterem pautadas na ética e
na legislação vigente.
528

O compliance trabalhista, não se limita somente em evitar a imposição de multas por


órgãos de fiscalização ou em eventuais condenações da empresa em meios judiciais, mas em
questões de convivência interna e saúde de seus funcionários.
Na seara laboral, o cumprimento das normas nacionais no que concerne ao meio
ambiente de trabalho, visam também evitar as doenças e acidentes, proporcionando um
ambiente harmônico e hígido, refletindo diretamente na produtividade da empresa.
No que tange a eficácia do compliance nas empresas, afirma Leal (2015):

(...) um programa eficaz de Compliance, aliado às melhores práticas de Gestão de


Pessoas, aumenta o grau de satisfação e de confiança do empregado na empresa,
impactando diretamente no clima organizacional. Fica claro que, a qualidade da
produção está ligada a satisfação do trabalhador, trabalhar num ambiente saudável,
ético, íntegro, que respeite os valores intrínsecos ao ser humano e que efetivamente
busque o bem da coletividade, gera maior produtividade e lucro pro empregador.

Dito isso, a adoção de políticas éticas e transparência nas relações de trabalho poderá
evitar enormes transtornos para as empresas, e irão repercutir diretamente na prevenção de
eventuais síndromes como disposto no artigo em questão, a síndrome de Burnout.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante muitos anos, a síndrome de Burnout é estudada por diversos pesquisadores na


busca incessante por soluções e tratamentos que possam auxiliar os que são acometidos pelo
distúrbio.
Com a classificação da síndrome de burnout no rol trabalhista como sendo estresse
crônico de trabalho, ocorre a busca pelas empresas de mecanismos que visem evitar o desgaste
mental de seus empregados, como forma de evitar eventuais danos, tanto para os empregadores,
que poderão ser responsabilizados, quanto aos empregados, que são acometidos/prejudicados
pela síndrome.
O presente artigo, cinge a informar acerca dos pressupostos causadores da síndrome de
burnout, bem como os meios de tratamento e prevenções, ligados intrinsicamente em
desenvolver uma metodologia de prevenção, a qual poderá ser adotada pelas empresas, com a
finalidade de efetivar o cumprimento de normas trabalhistas e de regras éticas, morais, ligadas
ao direito de trabalho, e ao desenvolvimento interno de seus funcionários.
529

Acerca da temática em questão, foi realizado amplo estudo por meio de livros, artigos
científicos, bem como plataformas digitais, a qual foram vastos os resultados encontrados no
que se refere a síndrome em comento, no entanto, foram poucos os resultados de politicas
internas, como meio de prevenção, a serem utilizadas pelas empresas aos seus respectivos
funcionários.
Dessa forma, conclui-se que, o presente artigo, adentrou entre as vertentes da Psicologia
e do direito, interligando a síndrome de burnout no viés trabalhista, elencando os seus resultados
perante o sistema jurídico brasileiro, abrindo-se um grande precedente para eventuais analises
sobre a temática, a qual poderá ser trabalhada diretamente no âmbito empresarial, como forma
de cautela para evitar danos futuros entre empregados e empregadores.

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532

SÍNDROME DE BURNOUT NOS DOCENTES EM VIRTUDE DA PANDEMIA DO


COVID-19

Davy Dias da Silva1


Islla Monyza Oliveira Silva2
Kayo Henrique Duarte Gameleira3

RESUMO

O artigo tem como escopo analisar a ocorrência da síndrome de burnout nos obreiros da
educação em virtude da situação apresentada pela pandemia do COVID-19. Assim, iniciou-se
a pesquisa explicando do que se trata a síndrome de burnout, também conhecida como síndrome
do esgotamento profissional. Ademais, tomou-se como parâmetro artigos, doutrinas,
jurisprudências, portarias e a legislação vigente, para que ficasse demonstrado como a mudança
repentina para o teletrabalho afetou a vida de tais profissionais além disso, como forma de
coletar informações acerca da síndrome do esgotamento, foram utilizadas pesquisas feitas com
profissionais da educação, sendo coletadas por meio de estudos e pesquisas via internet. Com
isso, os educadores tiveram que suportar jornadas exorbitantes, exigências de produtividade
além das necessárias antes da pandemia e a necessidade de se adequarem, bruscamente, ao novo
formato de ensino remoto, que perdurou durante a situação epidemiológica. Por fim, restou
evidenciado que os profissionais da educação, possivelmente, sofreram esgotamento
emocional, pela situação vivenciada em meio a pandemia, sendo expostos a situações, em sua
maioria, negativas de labor.
Palavras-chaves: Síndrome de burnout. Docentes. Teletrabalho. Pandemia.

ABSTRACT

The current article aims to analyze the occurrence of burnout syndrome in education workers
due to the situation presented by the COVID-19 pandemic. Thus, research began alluding to
what burnout syndrome is about, also known as professional exhaustion syndrome. Moreover,
articles, doctrines, jurisprudence, ordinances and the current legislation were used as a
parameter, so that it was demonstrated how the sudden change to telework affected the lives of
such professionals, in addition, as a way to collect information about exhaustion syndrome,
research was used on education professionals, being collected through studies and research via
the Internet. With this, educators had to endure exorbitant journeys, productivity demands

1
Graduando em direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN. E-mail:
davydiask13@gmail.com
2
Graduanda em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN, Bolsista no Programa de
Educação pelo Trabalho para a Saúde – PET-saúde – 2022-2023 E-mail: Islla12@hotmail.com
3
Orientador: Mestre em Ciências Sociais e Humanas (PPGCISH-EU|RN), Especialista em Direito e Processo do
Trabalho (UNP/Esmat-21), Professor da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Advogado. E-mail:
kayogameleira@hotmail.com
533

beyond those necessary before the pandemic and the need to adapt, abruptly, to the new remote
teaching format, which lasted during the epidemiological situation. Finally, it was evidenced
that the education professionals, possibly, suffered emotional exhaustion, due to the situation
experienced in the midst of the pandemic, being exposed to situations, mostly negative work.
Keywords: Burnout syndrome. Teachers. Telework. Pandemic.

1 INTRODUÇÃO

Para descrever e nomear a síndrome do esgotamento profissional o psicólogo alemão


Herbert Freudenberger, na década de setenta nos Estados Unidos, desenvolveu um estudo onde
percebeu o desgaste e esgotamento dos trabalhadores, e nomeou de Burnout, a qual é de origem
inglesa e significa respectivamente Burn queima e out fora, ou seja, perder o fogo, chegar em
seu limite, deixar de funcionar por total falta de energia, um tipo de esgotamento emocional e
estresse crônico que resulta em sobrecargas físicas e mentais.
A síndrome é caracterizada por sintomas como o sentimento de não pertencimento,
esgotamento e estresse que atingem o humor e a disposição do sujeito em sua subjetividade e o
contato com o social, obtendo impactos negativos tanto na vida profissional do indivíduo quanto
na vida pessoal. O Burnout é percebido principalmente em trabalhadores que atuam com
relações interpessoais, como os profissionais da saúde e educadores (VIEIRA; RUSSO, 2019).
É válido ressaltar que, de acordo com Maslach e Jackson (1981), a síndrome acomete
principalmente trabalhadores que desempenham suas funções em ambiente de trabalho que
exige cuidados sociais, em sua maioria quando não há reconhecimento do seu fazer profissional,
como os profissionais da área da saúde que atuam em cuidados de prevenção e de doenças, bem
como os docentes que estão de frente com a diversidade humana, tanto material quanto
emocional, indivíduos em vulnerabilidade e cada um na sua particularidade.
O papel do docente na educação é de suma importância para mediação dos conteúdos
propostos, mas não se resume a isso, com base nas obras tanto de Vygotsky quanto de Wallon,
dois grandes teóricos da área educacional, afirmam a importância do contato social como valor
formador para toda equipe escolar, como também para com os discentes. A aprendizagem ela
se dá de forma contínua e o contato social e a afetividade entre discentes e docentes é de extrema
necessidade.
Contudo, no início de março de 2020 depara-se com um panorama inédito, a pandemia
global acometida pelo Sars-Cov-2, o novo coronavírus (ALLES,2021), a qual impactou de
forma brusca toda a população global, exigindo que as atividades executadas nos ambientes de
534

trabalho fossem suspensas ou realizadas de forma remota e na educação não foi diferente. As
tecnologias atuais foram o ponto de partida para propagar a educação, dessa forma os
professores enfrentaram grandes desafios para a adaptação nesse espaço tecnológico, o que
gerou frustração, desânimo, sentimento de despreparo para lecionar, além das jornadas de
trabalho exorbitantes com exigências de produtividade, o que provocou supostamente,
esgotamento mental nessa classe trabalhadora.
No mundo capitalista o trabalho é um mero meio de subsistência perdendo o seu real
valor formador social que seria a satisfação, valorização e bem-estar do colaborador, sendo
assim, as classes trabalhadoras que vivenciaram esse período pandêmico enfrentaram diversas
dificuldades para efetuarem suas ações, as quais sofreram com as pressões sociais frente a um
cenário inoportuno que provocou desvalorização pela sociedade e impactou os colaboradores
com um sentimento de insatisfação profissional.
Deve-se destacar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) discute, na
convenção n.º 155, tanto a saúde física quanto mental dos colaboradores, sendo assim pode-se
considerar um avanço para a sociedade trabalhadora. Além disso é válido ressaltar o direito que
o colaborador tem caso seja acometido por uma doença ocupacional é o mesmo quando
acometido por um acidente no trabalho, podendo também chegar a receber uma remuneração
de acordo com o acontecimento.
Sendo assim, o presente estudo tem como intuito analisar com base de revisão
bibliográfica a síndrome de burnout nos docentes durante a pandemia do COVID-19, o que se
torna um estudo de suma importância já que parte da análise de pesquisas empíricas na área que
correlacionaram o conceito da síndrome, o impacto que o indivíduo sofreu e os direitos que
asseguram o trabalhador com base em leis nacionais, visto que nesse contexto houve uma série
de negligências para com esses profissionais.
Dessa maneira, o presente artigo parte de uma pesquisa interdisciplinar abordando duas
grandes áreas de conhecimento com base na psicologia e no direito para demonstrar os fatos
vivenciados pelos docentes e busca desenvolver um discurso frente às vivências do esgotamento
profissional e os direitos negligenciados durante a pandemia mundial do COVID-19.
Portanto, para realização desta pesquisa a metodologia utilizada foi o modo
bibliográfico, voltada aos conhecimentos da síndrome de Burnout nos docentes no decorrer da
pandemia global. Ademais, foram consultadas legislações vigentes no ordenamento jurídico
brasileiro, como por exemplo a Constituição Federal de 1988, Consolidação das Leis
535

Trabalhistas de 1943, Código Civil de 2002 e portarias inerentes à matéria. Além desses, foram
realizadas pesquisas em bancos de dados e consultas em trabalhos empíricos.

2 A SÍNDROME DE BURNOUT, TRABALHO E CAPITALISMO

É possível evidenciar no decorrer da transição da Idade Média para a Idade Moderna


um avanço do capitalismo na história da humanidade, o qual com o passar dos anos acarretou
o desenvolvimento das tecnologias que impactaram a sociedade tanto positivamente quanto
negativamente. Atualmente, são perceptíveis os pontos negativos desse avanço tecnológico, ao
invés de serem aliados para o bem-estar e para uma melhoria da vivência em sociedade-
indivíduo, indivíduo-sociedade passaram a ser uma ameaça, tendo em vista que por meio do
bombardeamento de informações por minutos provoca estresse e sobrecarga de informações,
que juntos acarretam um adoecimento, seja ele físico ou mental (CAPUZZO; LEITÃO, 2021).
Além dos fatores tecnológicos, o capitalismo desde então também tem gerado efeitos nos
indivíduos que estão sempre em busca do lucro por meio do trabalho.
Desse modo, sabe-se que o capitalismo contemporâneo é bem-sucedido na atualidade
onde a classe trabalhadora não pode ter sua subjetividade dissociada do seu trabalho. É válido
ressaltar que o trabalho é visto como um mero meio de subsistência e não são considerados os
valores e conceitos que esse deveria carregar em cada sujeito, valores esses que contribuem
para dignificar e identificar o ser humano como indivíduo e um sujeito pertencente a sociedade.
(CIRINO; GOMES, 2022). Sendo assim, os valores omitidos, a subjetividade dissociada e a
mudança de significado do trabalho devido o capitalismo tem impactado negativamente os
trabalhadores tanto em bem-estar físico quanto psicológico.
Cabe afirmar que a saúde mental do trabalhador ganhou visibilidade comparada a
décadas anteriores que se fechavam apenas a preocupações físicas quando o trabalho tinha
outros valores e mecanismos de execução, contudo atualmente o cenário se agrava, já que as
doenças mentais ganham forças advindas do esgotamento psicológico e emocional
evidenciadas como formas de sofrimento. (CIRINO; GOMES, 2022). Entre esses adoecimentos
mentais está a Síndrome de Burnout, acarretada pelo estresse profissional.
Entre as doenças psíquicas que afetam a classe operária trabalhadora encontra-se a
Síndrome de Burnout. Seu contexto histórico aconteceu no cenário da geração nascida no pós-
guerra, tento em vista o cenário que essa população se desenvolveu e a forma que se encontrava
536

o mercado de trabalho devido o desastre gerado, como os territórios fragmentados e impactos


na economia mundial. No decorrer das gerações advindas houve a intensificação de relatos
semelhantes como o desgaste, estresse laboral, desânimo, entre outros sentimentos que
caracterizam o Burnout, a qual foi identificada pela primeira vez em 1970, persistindo na
sociedade contemporânea (CIRINO; GOMES, 2022).
A síndrome é uma patologia que está diretamente relacionada com as vivências em
condições de trabalhos desgastantes, como acontece hodiernamente com o excesso de
atividades exigidas por conta do modelo atual de trabalho e o capitalismo relacionado as forças
físicas, emocionais e psicológicas que provocam sentimentos de fadiga, frustração,
desajustamento, exaustão emocional e física, isolamento, sentimentos de alienação e
negativismo, todos esses sintomas podem transparecer o sujeito de forma física, emocional e
mental, onde torna-se visíveis os comportamentos e os sofrimentos dos sujeitos (CAPUZZO;
LEITÃO, 2021).

2.1 CONCEITO E DESENVOLVIMENTO DOS ESTUDOS DO BURNOUT NA HISTÓRIA

Cabe destacar que a nomenclatura “Síndrome de Burnout” foi criada na década de


setenta por Freudenberger, psicólogo Alemão, na década de setenta nos Estados Unidos para
nomear o estresse causado em trabalhadores da saúde na área da assistência e usuários de
drogas. Em seus estudos ele observou o desânimo, desgaste de humor e desmotivação em um
grupo de trabalhadores, o processo durava em média de um ano e era acompanhado de sintomas
físicos e emocionais. Pode-se afirmar que o desgaste emocional causava uma sobrecarga física
nos sujeitos voluntários desse estudo.
Posterior a Freudenberger, a psicóloga social Maslach, na década de oitenta, estudou o
estado emocional das pessoas no ambiente de trabalho, a forma como as pessoas enfrentavam
a estimulação emocional nesse ambiente e chegou a obter resultados similares aos do psicólogo
alemão, durante a década de setenta, parte-se de uma suposição de que a sociedade moderna
vive em um contexto individual, os profissionais que são atuantes em hospitais e escolas estão
de frente com realidades de doenças, carências materiais, afetivas e necessidades, sentem-se
na responsabilidade de solucionar demandas o que impacta neles conflito entre três vertentes,
a mística profissional, responsabilidade frente ao cliente e a satisfação ocupacional.
(CARDOSO; GUIMARÃES,2004).
537

Desde então a síndrome tornou-se um tema altamente pesquisado, principalmente no


âmbito da psicologia organizacional, a qual é hoje um campo de muitos estudos.
Maslach foi pioneira em pesquisas e fundou uma escala diagnóstica - o MBI (Maslach
Burnout Inventory) estendendo essa a diversos países, sendo ela utilizada para identificação da
síndrome, tornando-se um modelo internacional de identificação. O inventário de sintomas é
tratado com psicoterapia e até medicamentos dependendo da intensidade e dos sintomas.
(VIEIRA; RUSSO 2019).
Segundo Maslach e Jackson (1981), a síndrome de Burnout atinge o trabalhador por três
dimensões, a primeira é composta pelo esgotamento emocional ou cansaço emocional que são
caracterizadas como relações de sobre-esforço, sendo assim são consequências advindas do
contato do colaborador constante com cliente/paciente e entre os próprios colegas de trabalho,
a falta de energia e disposição além do sentimento de esgotamento. A segunda dimensão é a
despersonalização, a qual supõe o distanciamento que deve ser tomado no ambiente de trabalho
pelos trabalhadores para quem estão prestando serviço e entre ele. Por fim, a terceira é a baixa
realização profissional, composta pelo sentimento de infelicidade com as atividades
administradas
Sendo assim, o Burnout afeta de maneira mais precisa aqueles que desempenham suas
funções em ambientes que terão que lidar diretamente e de forma intensa com pessoas,
exaurindo, assim, todo controle psicológico desses colaboradores, desses colaboradores, a
exemplo do que acontece em salas de aulas, no trabalho do docente.

2.2 A PANDEMIA MUNDIAL, A SÍNDROME E O FAZER DOCENTE

Diante da era do capitalismo, a educação passou a ser consumida de forma capitalista,


mercantilista e visualizada como um produto que está à venda, e a atuação dos profissionais
nesse ambiente de trabalho não foge desse contexto, já que esse sistema capital faz exigências
exacerbadas e cumprimento de metas com cargas de horários excessivas, o não reconhecimento
do trabalhador e a modificação do sentido do trabalho, ocasionando assim um desgaste físico e
emocional, nesse espaço educacional, por se pautar pela lógica mercantil, palavras como
eficiência e produtividade afetam o corpo escolar (CAPUZZO; LEITÃO, 2021).
538

Dessa forma, com o cenário da pandemia global a rotina da população mundial teve que
se adequar às normas da Organização Mundial de Saúde (OMS), o uso de máscara e álcool em
gel era de suma importância, como também o contato físico era evitado.
As escolas e outros ambientes de trabalho tiveram que se adaptar para a nova
modalidade, ou seja, recorreram às tecnologias e plataformas online como Google Meet, esse
meio de comunicação serviu para dar continuidade às aulas de modo remoto. Contudo, trouxe
uma sobrecarga para os docentes, já que em sua maioria não fazia o uso desses equipamentos
em suas aulas presenciais, além da distância em um contato que era diário entre professor-aluno
que promovia uma melhor comunicação. A adaptação nas plataformas que gerou desespero
nessa classe trabalhadora desamparados de formação para lidar com o novo.
Neste cenário, o Ministério da Educação - MEC autorizou, de forma excepcional, o uso
das ferramentas tecnológicas às disciplinas, realizando assim uma troca de disciplinas
presenciais para remotas em instituições de nível superior por meio do decreto n.º 343, de 17
de março de 2020 (BRASIL, 2020).
Contudo, é possível destacar que a maioria desses profissionais não teve preparo
suficiente para atuar de forma efetiva com as tecnologias, tendo em vista que não tiveram
formação para o uso das ferramentas, além de toda essa conjuntura provocar um estresse maior
nessa classe trabalhadora. Além disso, este cenário remeteu a uma desvalorização para com
esses profissionais por parte da própria população com frases propagadas como “recebem sem
trabalhar", “é só um trabalho online" ou “ganha para ficar em casa” comentários como esses
denunciam a falta de respeito e empatia para com os professores que a cada dia tem que se
reinventar de forma efetiva para realizar suas atividades e se adequar ao modelo atual que a
diversidade mundialmente exigiu (CAPUZZO; LEITÃO, 2021).
Em virtude da Pandemia Mundial, os professores tiveram que adaptar o seu fazer
profissional passando, assim, por dificuldade nos desdobramentos inerentes e os avanços no
meio tecnológico, como a utilização da nova ferramenta de aula e planejamento, estar em
contato com os discentes por meio de uma tela, novos modelos de relatórios e reuniões, todos
os afazeres profissionais desses foram modificados na sua forma de realização.
Com base na pesquisa realizada por Alles (2021), é perceptível para os educadores a
carência de apoio psicológico nesse período de dor e adaptação, o Burnout não aparece de forma
brusca, mas sim em um processo gestado que é contínuo e que afeta diretamente o físico e o
mental, com sentimentos e sensações de cansaço, esgotamento, falta de recursos que colabore
539

com o labor do professor, sentimento de carência da formação necessária para a demanda


específica e, é comum, atitudes negativas no comportamento do docente.
Em um estudo realizado por Carvalho e Serapião, 2021, na Faculdade de Integração do
Sertão-FIS, identificou os impactos negativos da docência a distância nos professores da
instituição, os quais foram analisados com base pelo MBI (Maslach Burnout Inventory) e
identificou prejuízos à saúde e bem-estar psicológico, denunciados principalmente pela falta de
preparo e a adaptação aos novos aparatos tecnológicos, a carga horária semanal e o preparo para
lecionar na nova modalidade. Cabe ressaltar que a qualidade de vida no trabalho não atinge
somente a vida profissional do sujeito, contudo sua vida pessoal também.
Durante o contexto pandêmico o cuidado com físico pela sociedade e a negligência para
com o mental prevaleceu, os quais devem andar lado a lado e é imprescindível na vida do
indivíduo, pois ambos se conectam em saúde. Não se deve minimizar as questões psicológicas
que esse cenário gerou sobre os sujeitos em sua particularidade e de maneira social/grupal,
tendo em vista que se torna um fator limitante para reerguer o país da crise deixada pelo novo
coronavírus. (FARO et. al, 2020).
Portanto, faz-se necessário o conhecimento e efetivação dos direitos desses
trabalhadores para enfrentar as cicatrizes deixadas pelo coronavírus nesse cenário atual.

3 SÍNDOME DE BURNOUT E O DIREITO DO TRABALHO

O trabalho é o meio pelo qual o ser humano visa o desenvolvimento e a sua própria
subsistência. Os escravos, antes do ano de 1888, eram os responsáveis por prestarem atividades
em sua maioria de modo físico para os seus senhores, sem o direito a qualquer tipo de
remuneração pelos seus serviços. Todavia, após a Princesa Isabel assinar a Lei Áurea, que
declarou a libertação dos escravos, por meio da Lei nº 3353, em 13 de maio de 1888, houve a
necessidade de eles procurarem alguma atividade laboral que oferecesse uma contraprestação
pelos serviços. Todavia, os negros que migraram para as cidades necessitaram se submeter aos
subempregos, economia informal e artesanato. Com essa alteração houve um aumento
considerável no número de ambulantes e empregadas domésticas sem nenhum tipo de proteção
trabalhista (AGUIAR, 2017).
Em que pese a atividade laboral sempre ter existido no âmbito social, a legislação
brasileira somente veio a efetivar os direitos dos obreiros no ano de 1934, com a Constituição
540

Federal (STÜRMER, 2014). Ademais, foi em seu artigo 121, que buscou a proteção da saúde
do empregado. No § 1º, do referido artigo, buscou a proteção a jornada de trabalho máxima de
8 (oito) horas diárias, o direito a férias anuais remuneradas, o repouso semanal remunerado e,
também, ressaltou que deveria haver assistência médica e sanitária ao trabalhador e a gestante,
devendo assegurar o direito ao descanso antes e depois do parto sem prejuízo a remuneração
devida (BRASIL, 1934).
A Organização Internacional do Trabalho – OIT, por meio da convenção de nº 155 tratou
da saúde dos trabalhadores e o ambiente de trabalho, ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº
1254/94, que posteriormente veio a ser modificado pelo Decreto nº 10.088/19, que disciplina
sobre as normas referentes a saúde e segurança do empregado no meio laboral. Em seu artigo
4º elucidou que a convenção tem como objetivo a prevenção dos acidentes e dos perigos para a
saúde do trabalhador que estejam relacionadas com o labor do empregado, reduzindo ao mínimo
as causas de riscos inerentes ao ambiente de trabalho. Desse modo, o artigo 16, por exemplo,
esclarece que o empregador deve garantir um ambiente de trabalho que não envolvam riscos
para a saúde do obreiro.
Assim, o labor não deve simbolizar meio de retirada ou o não reconhecimento para os
direitos conquistados historicamente, havendo a necessidade de observância e, caso seja
necessário, reparar a violação dos direitos do trabalhador, pois eles geram fortes consequências,
como nos casos de esgotamento profissional, pelo fato do empregado se encontrar em um
ambiente negativo de trabalho (OLIVERA; TOURINHO, 2020).
A Constituição Federal de 1988 buscando a efetivação do princípio da dignidade da
pessoa humana, que se trata de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil – RFB.
Para garantir tais direitos, em seu artigo 7º preceitua que além dos demais direitos que visem a
melhoria da condição econômica, também deve ser assegurado ao obreiro o direito à jornada
de trabalho de 8 (oito) horas diárias não podendo extrapolar, em regra, as 44 ( quarenta e quatro)
horas semanais, o direito as férias após o período de um ano de serviço, gozar do repouso
semanal remunerado, direito a licença paternidade/maternidade, redução dos riscos inerentes a
atividade laboral, entre outros.
Ademais, a Constituição Cidadã, aduz no artigo 196 que a saúde é um direito de todos
e dever do Estado, ele deve garantir por meio de políticas sociais que visem a redução de riscos
de doenças, o acesso universal e igualitário para assegurar a promoção, proteção e recuperação.
Nesse viés, no artigo 200, alude que o Sistema Único de Saúde – SUS compete executar as
541

ações de vigilância sanitária e epidemiológica e efetivar as ações que visem a proteção da saúde
do empregado.
Em conformidade, a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, aduz em seu artigo
157 que cabe as empresas cumprir ou fazer cumprir as normas de segurança e medicina do
trabalho. De mesmo modo dispõe que os empregadores devem “instruir os empregados, através
de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho
ou doenças ocupacionais”.
Visto isso a Constituição e as leis infraconstitucionais buscam assegurar ao funcionário,
sendo ele a parte hipossuficiente da relação de trabalho, uma série de prerrogativas visando
garantir o direito à desconexão do ambiente laboral, assim também garantindo a saúde do
obreiro sendo ela física ou mental.
Com relação a síndrome de burnout, em que pese a Organização Mundial da Saúde –
OMS efetivando o reconhecimento e incluindo na Classificação Internacional de Doenças –
CID 11 em 1º de janeiro de 2022, no Brasil ela foi reconhecida pelo Ministério da Saúde no
ano de 1999, por meio da portaria de Nº 1339, que instituiu a lista de agravos relacionados a
atividade laboral e dentre elas se faz presente a síndrome de burnout ou esgotamento
profissional.
Além disso, a Síndrome de Burnout está listada no Decreto nº 3.048/1999, anexo II, lista
B, que traz previsões de Transtornos Mentais e de comportamento associados ao ambiente do
trabalho. Neste documento, no que concerne as doenças do sistema nervoso relacionadas com
o trabalho – Grupo VI da CID-10 – em seu item XII, fala sobre Sensação de Estar Acabado,
dispõe que os dois agentes causadores da síndrome de esgotamento profissional são o ritmo de
trabalho penoso (Z56.3) e outras dificuldades físicas e mentais relacionadas com a atividade
laboral (Z56.6).
Deste modo, Oliveira e Tourinho (2020) relatam que mesmo havendo previsão no
ordenamento jurídico brasileiro a síndrome de burnout é considerada uma doença ocupacional,
sendo assim encontra-se dificuldade ao tentar comprovar tal dano, pois deve haver uma ligação
direta entre a doença e o meio ambiente laboral.
Assim, a legislação pátria brasileira institui mecanismos de proteção contra a síndrome
do esgotamento profissional, visando a proteção da saúde mental e física do obreiro que podem
ser causadas pelas situações negativas com o ambiente de trabalho, seja ele em virtude do
542

empregador-empregado ou empregado-cliente. Sendo assim viável ajuizamento de ações


perante o poder judiciário para a proteção/efetivação dos direitos do trabalhador.

3.1 ESGOTAMENTO PROFISSIONAL E O RECONHECIMENTO PELA JUSTIÇA DO


TRABALHO

Segundo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (2016), o trabalhador que for


acometido por uma doença ocupacional, terá o mesmo direito que o trabalhador que sofrer uma
das hipóteses de acidente no trabalho, pois para legislação brasileira a doença ocupacional se
equipara ao acidente laborativo. Ademais, aquele que tiver reconhecido tal situação terá direito,
no âmbito previdenciário, ao auxílio-doença acidentário, que será pago pelo Instituto Nacional
do Seguro Social – INSS ao empregado acidentado. Ele também possuirá o direito de não ser
demitido, sem justa causa, nos 12 (doze) meses subsequentes da volta à sua atividade laboral.
Todavia, caso o empregador não observe esse critério terá que efetuar o pagamento de uma
indenização substitutiva de todo o período referente a estabilidade do obreiro.
Além disso, a mesma Corte decidiu que a responsabilidade civil não se restringe apenas
ao órgão previdenciário. O empregador também tem o dever de indenizar o empregado pelo
dano causado, pois segundo o princípio da alteridade é dele o risco referente ao negócio. Sendo
assim, ele deve prezar pelo ambiente de trabalho seguro e saudável para os seus funcionários.
Assim o empregador detém responsabilidade subjetiva aos danos causados ao
empregado, seja ele de forma dolosa ou culposa, como alude o artigo 7º, inciso XXVIII, da
Constituição Federal de 1988. De mesmo modo, os artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002
dispõem que aquele que comete ato ilícito, por ação ou omissão voluntária, tem o dever de
repará-lo.
Visto isso, o Ministro Relator da 3ª turma do Tribunal Superior do Trabalho, Mauricio
Godinho Delgado, em agravo de instrumento em recurso de revista referente ao processo Ag-
AIRR - 11787-11.2017.5.15.0059 de 2021, relatou que para que reste configurado a doença
ocupacional deve estar presente três requisitos, que são eles:

[...] A indenização resultante de acidente do trabalho e/ou doença profissional ou


ocupacional supõe a presença de três requisitos: a) ocorrência do fato deflagrador do
dano ou do próprio dano, que se constata pelo fato da doença ou do acidente, os quais,
por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora (nesse
sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da
ocorrência do malefício físico ou psíquico); b) nexo causal ou concausal, que se
543

evidencia pelo fato de o malefício ter ocorrido em face das condições laborativas; c)
culpa empresarial, excetuadas as hipóteses de responsabilidade objetiva. Embora não
se possa presumir a culpa em diversos casos de dano moral - em que a culpa tem de
ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou
de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o
controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do
estabelecimento em que ocorreu o malefício. [...]

Resta evidenciado que cabe ao autor da ação comprovar a existência do dano e em


conjunto deve provar que houve um nexo de causalidade entre o dano e a atividade laboral.
Vale ressaltar que o empregador responderá pela culpa ou dolo, sendo ele por ação ou omissão.
Por fim, o relator pontua que em casos relativos a doenças ocupacionais, profissional ou de
acidente de trabalho, o empregado possui a presunção da culpa do empregador, pois é desse o
controle e direção do estabelecimento que decorreu o dano no obreiro.
Nesse segmento, o Tribunal Superior do Trabalho, no ano de 2019, por meio do recurso
de revista nº 675005020125210003, confirmando o entendimento que, em casos eventuais, a
existência de causas preexistentes relacionados ao trabalhador, que possam gerar a síndrome do
esgotamento profissional, não afasta de imediato a responsabilidade do empregador, que oferta
um ambiente negativo de labor, como dispõe:

RECURSO DE REVISTA - DOENÇA OCUPACIONAL - NEXO CONCAUSAL


- CULPA DA EMPRESA NO EVENTO DANOSO - AMBIENTE
DEGRADANTE E MÉTODOS DE TRABALHO INADEQUADOS.1. De acordo
com a teoria da causalidade adequada, as concausas preexistentes - patologia anterior,
predisposição genética do trabalhador ou caráter degenerativo da moléstia - não
eliminam a relação de causalidade. Se as atividades laborais desenvolvidas pela
reclamante potencializaram ou agravaram a moléstia preexistente ou degenerativa, a
doença deve ser considerada ocupacional, em razão da concausa com origem no
trabalho. 2. Além disso, nos termos do art. 157, I e II, da CLT, o empregador deve
propiciar condições salubres de trabalho aos seus empregados e a redução dos riscos
inerentes ao serviço, como exigem as normas de proteção à saúde, à higiene e à
segurança do trabalho.3. No caso, o Tribunal Regional, com base no conjunto fático-
probatório existente nos autos, especialmente a prova pericial, documental e
testemunhal, verificou que a moléstia psiquiátrica da reclamante (síndrome
de burnout ) tem nexo de concausalidade com as atividades laborais desenvolvidas
em benefício da empresa e a reclamada agiu com culpa para a ocorrência da doença,
pois exerceu pressão excessiva sobre a empregada, com uma estrutura organizacional
contendo metas exorbitantes, ausências de pausas intrajornadas e exigência mental de
prazos diários, causando esgotamento profissional.[...]

Seguindo os mesmos parâmetros, a Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho


em Recurso de Revista nº 193-87.2014.5.21.0010, condenou empresa a efetuar o pagamento de
15 mil reais à título de indenização por danos extrapatrimoniais, em decorrência da síndrome
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de burnout apresentada por costureira, pois segundo laudo técnico a autora sofria constante
pressão dos seus superiores e exercia funções acima das suas condições físicas e mentais. As
atividades laborais, que segundo a Ministra relatora Delaíde Miranda Arantes, contribuíram
com a doença psiquiátrica desenvolvida na empregada.
Visto isso, segundo a atual jurisprudência que versa sobre a síndrome de burnout, poderá
haver o reconhecimento de dano causado ao empregado, caso o empregador não proporcione
um ambiente de trabalho salubre e a redução de riscos ao obreiro, mesmo que já exista indícios
de adoecimentos fora da atividade laboral, pois não pode ocorrer o afastamento somente porque
o trabalhador possui sintomas anteriores ao vínculo.

4 TELETRABALHO E DIREITO À DESCONEXÃO

Após o surgimento do coronavírus houve a necessidade de os profissionais mudarem a


forma de prestação de serviço. Isso também ocorreu com os profissionais da educação, que por
sua vez, tiveram que mudar todo o sistema de contribuição de labor.
Segundo Vólia e Borges (2017), o teletrabalho trata-se do trabalho desenvolvido, pelo
obreiro, em sua residência, centro de computação ou escritório virtual, ocorrendo uma
descentralização da empresa.
Segundo Silva (2015), a iniciativa de implementação do teletrabalho se iniciou pelo
Poder Público entre 2005 e 2014 em instituições como o SERPRO, Tribunal de Contas da União
e Secretaria da Receita Federal – SRF. Ademais, em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal
Federal, instituiu por meio da Resolução Normativa nº 568/2016, projeto-piloto que teve
duração inicial de um ano. No dia 15 de junho de 2016, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ,
por meio da resolução nº 227, regulamentou o teletrabalho no âmbito do Poder Judiciário.
O teletrabalho foi regulamentado pelo Poder Legislativo para os prestadores de serviços
privados, por meio da Lei nº 13.467, de 2017, norma conhecida como reforma trabalhista, que
alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943 – CLT. Essa reforma trouxe uma série de
dispositivos, dentre esses a regulamentação do teletrabalho, presentes dos artigos 75-A – 75-E.
Conforme disciplina a CLT, em seu artigo 75-B, o teletrabalho é o serviço prestado
predominantemente fora das dependências dos empregadores, com a utilização de tecnologias
de informação e comunicação, que não seja considerado como trabalho externo. Ademais, a
545

reforma trabalhista trouxe no artigo 62, que o trabalhador que prestasse serviços na hipótese do
artigo 75-B, não seria detentor da limitação de jornada.
Todavia, a Medida Provisória nº 1108 de 2022, trouxe consigo alterações sobre o
teletrabalho como a possibilidade de efetuar a contratação por tarefa ou produção, que consiste
na prestação de determinada produção/tarefa de determinado bem ou coisa. Assim, o
empregado fica condicionado a remuneração conforme sua produção desempenhada, desse
modo não se encaixará em uma jornada de trabalho, não havendo a possibilidade de horas
extras. Porém, caso o empregador e empregado, mesmo prestando o labor de forma remota
instituí no contrato de trabalho que a prestação será por jornada de labor e caso o patrão consiga
fiscalizar a jornada, terá o obreiro direito à jornada de trabalho constitucional de 8 horas diárias
ou 44 horas semanais.
Com a necessidade de proteger os direitos dos profissionais da educação, o Ministério
Público do Trabalho – MPT, divulgou nota técnica que visava a defesa da saúde e dos direitos
fundamentais dos professores em meio ao trabalho prestado de forma remota enquanto durar a
pandemia do novo coronavírus – COVID-19.
Desse modo, elencou que é necessário adequar a prestação de serviços para que não
ocorra o desgaste psicossomático e não deve ocorrer qualquer alteração salarial. Nessa mesma
perspectiva, menciona que é necessário o aumento dos intervalos de repouso entre as aulas
ministradas, ressaltando que tais repousos devem ser contabilizados como efetivo trabalho
prestado.
Ademais, dispõe que deve haver o apoio tecnológico e orientação técnica para os
docentes para realização do teletrabalho. Além disso, um ponto a ser ressaltado, é que o docente
tem direito a desconexão laboral, que deve ser estipulado período para retirar as dúvidas dos
discentes e que, preferencialmente, deverá ser no período de aula e também discorre que
plataformas digitais como WhatsApp, telegram e comunicação por celular, devem ser evitadas.
Por fim, acena que os profissionais da educação devem ser instruídos, de maneira expressa,
clara e objetiva, quanto as precauções a serem tomadas para evitar doenças ocupacionais, como
a síndrome de burnout.
De mesmo modo, a Organização Internacional do Trabalho – OIT, em seu guia prático
de Teletrabalho durante e após a pandemia da COVID-19, publicado em junho de 2020, relata
que para que o obreiro não atinja determinados níveis de desânimo, frustação e cansaço, devem
os empregadores terem cautelas com as medidas adotadas, para que tais medidas, não
546

ocasionem ou desencadeiem quadros de síndrome do esgotamento profissional. Segundo a OIT,


as medidas tomadas pelos empregadores devem abranger o apoio técnico e financeiro, com a
realização de cursos e formação sobre software a ser utilizado pelo obreiro.
Assim, a OIT (2020) dispõe que devido ao isolamento prolongado, existe o risco do
desenvolvimento de burnout e do sentimento de exclusão, o que requer um esforço maior da
entidade empregadora, para que ocorra a proteção contra doenças ocupacionais decorrente deste
isolamento.
Com isso, se torna necessário discorrer sobre a necessidade do direito à desconexão do
funcionário, independentemente se o labor é prestado de forma remota ou presencial. Esse
direito encontra-se amparado pelo princípio da proteção do empregado, porque constitui parte
vulnerável da relação laboral, que por sua vez necessita da desvinculação da atividade prestada
ao patrão para que seja garantido o direito ao descanso, a socialização, a saúde mental e física
e poder usufruir o seu tempo extra laboral da forma que desejar.

O direito à desconexão está ligado a três principais fundamentos: o primeiro se encontra


voltado para o parâmetro biológico que visa proteger a vida e a saúde mental e física do obreiro.
Em segundo lugar está o parâmetro social que pretende proteger a vida em sociedade do ser
humano, que ele tenha tempo para promover atividades como ir à igreja, fazer um curso, ficar
com a família. Por fim, o parâmetro econômico, pois obtendo o descanso devido poderá efetuar
melhor as suas funções evitando assim o desemprego (SUSSEKIND, 1996).
Desse modo, a própria CLT dispõe que cabe ao empregado o direito à desconexão como:
o direito a intervalo inter e intrajornadas, direito a férias remuneradas, repouso semanal
remunerado. Também é direito do obreiro o ambiente salubre de trabalho, a proteção da saúde
do obreiro, a necessidade da readaptação aos novos métodos de ensino, para que possa ser
assegurado o direito a dignidade da pessoa humana. Mesmo que ocorra uma situação fortuita e
de força maior, como a pandemia do COVID-19 que assolou todos os trabalhadores brasileiros.

4.2 DOCENTES E O TELETRABALHO NA PANDEMIA DO COVID-19

As mudanças repentinas na vida dos profissionais corroboraram para o adoecimento


físico e mental dos docentes, pois além das pressões pessoais, também ocorrem pressões pelos
empregadores para atingir determinados objetivos, má estrutura ofertada pelas instituições para
547

as aulas remotas e também necessitaram lidar com a evasão dos discentes por conta da nova
metodologia enfadonha de ensino, (SANCHEZ et al., 2019).
Ademais, com o ensino remoto emergencial estabelecido, exigiu dos docentes a
necessidade de, além dos seus métodos pedagógicos, aprenderem a utilizar as ferramentas
virtuais, as Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs e realizar gravações de conteúdo
para disponibilizar para os discentes, (BEZERRA, 2021). Assim, segundo Silva et al. (2020)
como resultado das diversas atividades atribuídas a essa classe trabalhadora, ela se enquadra
como uma das atividades laborais mais estressantes.
Deste modo, Silio et al. (2021) em sua pesquisa produzida de forma exploratória,
descritiva e quantitativa, com os professores da Universidade Privada de Porto Velho - RO, ao
qual buscou analisar a saúde mensal dos docentes em meio a pandemia do COVID-19. O estudo
contou com a participação de 25 profissionais com idades entre 25 e 65 anos, de modo anônimo,
que se submeteram a um questionário com 15 perguntas acerca do Regime Especial de
Aprendizagem Remota – REAR, que foi o meio pelo qual a universidade fornecia as aulas
durante o isolamento social. As perguntas se basearam no estudo de Brief Symptom Inventory
– BSI e demais perguntas relacionadas aos possíveis comportamentos psíquicos,
socioeconômicos e sociodemográficos.
Uma das perguntas efetuadas foi “Com que frequência os profissionais se sentiram
esgotados, físico ou mentalmente, com o labor desempenhado em meio a pandemia? ”, 32%
responderam que se sentem dessa forma frequentemente, 28% algumas vezes, 24% consideram
sempre e, somente, 16% consideraram raramente. Os mesmos profissionais foram indagados
sobre as cobranças por parte da instituição no período pandêmico, 14 participantes relataram
que as exigências eram normais, 9 descreveram como excessivas, 1 participante avaliou como
excessiva e sem nexo e o último narrou como incoerente. Ademais, quando questionados sobre
a jornada de trabalho 76% dos entrevistados alegaram que tiveram a jornada de labor ampliada.
Além disso, foi perguntado aos participantes sobre a experiência profissional de modo
remoto e sobre a saúde emocional em meio a pandemia, sendo comparado com o período
anterior a pandemia, eles deveriam responder utilizando uma escala de 0 a 10, sendo 0 péssimos
e 10 excelente. Com relação a experiencia laboral somente 10% alegaram a prestação como
excelente e 10% dos participantes deram a pior nota. Com relação a saúde emocional 20%
deram a pior nota e, em conjunto, 20% deram nota 8 para a questão emocional, havendo assim
um empate nesse parâmetro. Outrossim, quando interrogados sobre a motivação para lecionar
548

em meio a pandemia em comparação ao período anterior, 40% relataram que houve uma piora
na motivação e no cansaço.
Por fim, quando questionados se haviam procurado auxílio psicológico na instituição
durante a pandemia, 100% dos profissionais relataram que não. Todavia, 20% dos educadores
já possuíam acompanhamento psicológico externamente e 32% alegaram que não procuraram
ajuda psicológica porque não possuíam tempo para tal atividade.
Em conformidade com os dados supracitados, o pesquisador Souza et al. (2021) indica
que o esgotamento mental dos profissionais da educação possui ligação com a “escravização
digital” que foram colocados por causa da pandemia do COVID-19, assim tendo que suportar
jornadas extenuantes e a mudança repentina da metodologia que eram submetidos. Em
consonância, Sanchez et al. (2019) dispôs que a o trabalho semanal dos educadores antes da
pandemia era de 32,5 horas. Porém, durante a pandemia as horas de prestação de labor
aumentou para 45 horas semanais.
Desse modo, Santos (2020), em estudo realizado em Portugal demonstrou que as aulas
efetuadas de forma remota são experiências difíceis e negativas para os profissionais,
ocasionando esgotamento, exaustão e desmotivação em lecionar de forma remota. Assim, os
docentes universitários se encontraram inseridos em um ambiente favorável ao adoecimento
mental e físico pelos impactos da pandemia, (SANTOS et al. 2021).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após estudos sobre a síndrome de burnout, também conhecida no ordenamento jurídico


brasileiro como síndrome do esgotamento profissional, com enfoque nos profissionais da
educação, foi possível apontar algumas conclusões referentes a temática proposta.
Com o surgimento da pandemia do COVID-19 os educadores tiveram que se submeter,
bruscamente, a um novo regramento de ensino, denominado como teletrabalho, onde deveriam
prestar o seu labor de forma remota, para que pudessem salvaguardar sua saúde, de seus
familiares e dos demais discentes.
Contudo, com a mudança repentina advieram pontos negativos que tiveram que
suportar, como as horas extenuantes de trabalho, a precarização com relação aos meios
fornecidos, a solidão e a pressão para que todas as atividades propostas pelas instituições fossem
549

efetuadas. Além disso, tiveram que reaprender a dar aula, em um formato virtual, onde a maioria
dos profissionais somente eram submetidos ao regime presencial de labor.
Isto posto, conseguimos vislumbrar que os docentes sofreram com tal mudança e
sobrecarga no trabalho e que os profissionais em meio ao trabalho prestado na pandemia se
sentiram, em sua maioria, esgotados, com mudanças emocionais em comparação com o período
anterior. Ademais vivenciaram experiencias difíceis e danosas à saúde física e mental, como
consequência da modificação estrutural da prestação do trabalho, favorecendo, assim, a
possível aparição da síndrome de burnout.
Mesmo com a ocorrência de possíveis danos ao bem-estar, alguns obreiros disseram não
procurar ajuda de profissionais, como psicólogos ou terapeutas, por não constituírem tempo
hábil para os cuidados da saúde mental.
Além disso, como demonstrado, o Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que
para que seja reconhecida a síndrome do esgotamento profissional deve haver o nexo de
causalidade entre o dano causado ao obreiro em virtude da prestação da atividade laborativa.
Ademais, a mesma Corte elencou que por mais que o empregado tendo indícios de adoecimento
fora do trabalho, pode vir a ser reconhecido a síndrome de burnout, caso o empregador não
venha a cumprir as medidas de segurança para saúde do obreiro.
Por fim, vale ressaltar que o surgimento da pandemia do COVID-19 trouxe uma série
de pontos negativos para os profissionais da educação, como demonstrado. Assim há a
necessidade de orientação psicológica e jurídica para compreenderem os danos que podem ter
sido gerados e os seus direitos diante de tal situação vivenciada.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Lilian. As consequências do fim da escravidão no Brasil. 2017. Disponível em:


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554

UMA ANÁLISE SOBRE A PERCEPÇÃO DE JOVENS, ENTRE 14 A 24 ANOS,


ACERCA DA EDUCAÇÃO FISCAL COMO INSTRUMENTO DE
CONSCIENTIZAÇÃO SOCIAL

Leidiane Fernandes de Souza Araújo1


Glícia Rafaella Tavares Oliveira2
Maria do Socorro Diógenes Pinto3

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a percepção de jovens entre 14 anos a 24 anos
de idade sobre a educação fiscal como instrumento de conscientização social. Como
procedimento metodológicos foi utilizado o método dedutivo, através da realização de pesquisa
bibliográfica, por meio da análise de livros e artigos acadêmicos existentes acerca do tema, e
pesquisa de campo, a partir da aplicação de formulário com 11 (onze) questões sobre a
importância do conhecimento em educação fiscal. O artigo justifica-se pela necessidade de
analisar o nível de conhecimento dos jovens sobre o pagamento de tributos, arrecadação e
gestão destes. Assim, foi possível perceber que os jovens concordam que a educação fiscal é
parte importante para o entendimento dos gastos realizados pelo Estado. É necessária a
participação e a multiplicação desse conhecimento para o desenvolvimento social, e
possivelmente a diminuição das desigualdades existentes.
Palavras-Chaves: educação fiscal, jovens, instrumento de conscientização.

ABSTRACT

The present work aims to analyze the perception of young people between 14 and 24 years old
about tax education as an instrument of social awareness. As a methodological procedure, the
deductive method was used, through bibliographic research, through the analysis of books and

1
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pós-graduada em
Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança Organizacional pela Faculdade Vale do Jaguaribe - FVJ.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte -FCRN E-mail:
leidiane.defernandes@gmail.com
2
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Pós-graduada em
Gestão Estratégica de Pessoas e Liderança Organizacional pela Faculdade Vale do Jaguaribe - FVJ.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte -FCRN E-mail:
gliciarafaellat@gmail.com
3
Doutoranda em Direito, pelo Programa de Pós-Graduação em Direito, da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Especialista em Educação em Direitos Humanos, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN). Especialista em Língua Inglesa, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Graduada em Letras, com habilitação em Língua Inglesa, e em Direito, pela Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Advogada e Professora Universitária do Curso de Graduação em Direito e da Pós-Graduação
em Direito Processual Civil da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
diogenesadvocacia@hotmail.com
555

academic articles on the subject, and field research, from the application of a form with 11
(eleven) questions about the importance knowledge in tax education. The article is justified by
the need to analyze the level of knowledge of young people about the payment of taxes,
collection and management of these. Thus, it was possible to perceive that young people agree
that fiscal education is an important part of understanding the expenditures made by the State.
Participation and multiplication of this knowledge is necessary for social development, and
possibly the reduction of existing inequalities.
Keywords: tax education, youth, awareness instrument

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a percepção de jovens entre 14 anos a 24 anos de idade
acerca do conhecimento em educação fiscal. O conhecimento em educação fiscal ainda nas
instituições de ensino - públicas e privadas - da educação básica se mostra necessária para que
este conhecimento seja trabalhado cada vez mais cedo, modificando assim o preconceito social
ao se falar em pagamento de tributos.
Ao tratar sobre a relação de importância dos tributos a educação fiscal possui uma
metodologia interdisciplinar - trabalhando em todas as disciplinas de forma interligada -
caminhando por temas como o tributo e sua função social, o combate à sonegação, ao
contrabando, ao descaminho e à pirataria (PNEF, 2015).
Políticas que versam cada vez mais aproximar o contribuinte a respeito do conhecimento
sobre arrecadação, pagamento e destinação dos tributos estão sendo criadas a fim “chamar” a
sociedade a fazer parte ativamente não somente da participação pecuniária, mas como
indivíduos conscientes do seu papel de cidadãos que acompanham e fiscalizam severamente a
destinação do dinheiro.
Desta forma, o objetivo da construção deste artigo é discorrer sobre o conceito de
educação fiscal e sua importância para o desenvolvimento social e diminuição das
desigualdades existentes, bem como entender a percepção dos jovens de 14 anos a 24 anos de
idade sobre a educação fiscal como instrumento de mudança social e o processo de
conscientização desses jovens acerca do tema tratado.
Como procedimento metodológicos foram realizadas pesquisa bibliográfica, por meio
da análise de livros e artigos acadêmicos existentes acerca do tema, e pesquisa de campo, a
partir da aplicação de formulário com 11 (onze) questões sobre a importância do conhecimento
em educação fiscal, utilizando-se do método dedutivo.
556

A partir dos dados obtidos foi realizada análise descritiva, que traz como objetivo a
descrição das características populacionais, fenômeno, ou estabelecimento de relações entre
variáveis (GIL, 2010).
Assim, a pesquisa buscou analisar a percepção de jovens entre 14 anos a 24 anos de
idade sobre a importância da Educação Fiscal como instrumento de conscientização social.
Destarte, a pesquisa deste instrumento tem como justificativa a análise da percepção dos
jovens em educação fiscal, além da contribuição para ampliação do conhecimento sobre o
assunto e possíveis possibilidades de criação de projetos que possam contribuir para a
multiplicação de saberes em sociedade a fim de formar cidadãos cada vez mais conscientes e
fiscalizadores de seus tributos.

2 EDUCAÇÃO FISCAL COMO INSTRUMENTO DE INFORMAÇÃO E


CONSCIENTIZAÇÃO

A carga tributária brasileira se divide entre impostos, sendo uma arrecadação generalista
sem o objetivo predefinido, ou seja, fato resultante em uma única necessidade, taxas e
contribuições, que por sua vez tem suas arrecadações destinadas ao desenvolvimento específico
de algum serviço público.
Dados do artigo da Contabilizei, descreve que os impostos federais são responsáveis
pela maior parte da arrecadação do país, com uma margem de contribuição em torno de 60%,
em segundo lugar os impostos estaduais que englobam um nicho de arrecadação em cerca de
28%, e, em seguida, os impostos municipais representantes de 5%. As porcentagens residuais
variam entre taxas e outros tipos de tributos.
Conforme o artigo 16º do Código Nacional Tributário4, o “imposto é o tributo cuja
obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal
específica, relativa ao contribuinte”. Esse direito a tributar se dará a União, aos Estados, ao
Distrito Federal e os Municípios, e os tributados serão os seus respectivos jurisdicionados, um
entendimento que se deriva do poder do império destes.

4
Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
557

Impostos, portanto, sob uma ótica geral, existirão nas três repartições mais básicas do
estado (União, Estado e Município), e no que tange ao entendimento da implantação de serviços
como Nota Fiscal Potiguar 5, o imposto irá se reverter em torno de um imposto estadual.
Com a finalidade de custear as necessidades públicas de responsabilidade do governo,
o imposto é a principal fonte de arrecadação monetária, sendo o ITCMD6 (Imposto sobre
Transmissão Causa Mortis e Doação), o ICMS 7 (Imposto sobre Operações relativas à
Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicação) e o IPVA 8(Imposto sobre a propriedade de veículos automotores) de
responsabilidade dos estados e do distrito federal.
O Art. 155 da Constituição Federal de 1988, estabelece que:

Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão


causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à
circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem
no exterior; III - propriedade de veículos automotores.

Diante disso, de acordo com o próprio caderno disponibilizado pela Secretaria da


Fazenda, “Educação Fiscal é um Programa que visa compartilhar conhecimentos e interagir
com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle de recursos públicos, a partir da adoção
de uma abordagem didático-pedagógica interdisciplinar e contextualizada, capaz de favorecer
a participação social. ” (BRASIL, 2014, p. 41)
A desigualdade social no Brasil vem se mostrando cada vez mais evidente. A medida
que a economia vem se apresentando mais fragilizada em virtude de crises econômicas que
estão surgindo ao longo do tempo e que acabam afetando a sociedade.
É perceptível o aumento do número de pessoas que passam a ter sua renda
comprometida, diminuída ou até mesmo se encontram sem renda alguma, necessitando, assim,
com mais ênfase das políticas públicas.

5
A Nota Potiguar é uma ação do Programa de Cidadania e Educação Fiscal do Governo do Estado e oferece
vantagens e prêmios a quem pede para inserir o CPF na nota fiscal no momento das compras. Para participar, os
consumidores só precisam instalar o aplicativo da Nota Potiguar no smartphone, escolher uma instituição
filantrópica da área de saúde, esporte e assistência social e torcer para ser sorteado.
6
Imposto de competência estadual aplicado sobre doações, transmissões de bens e demais tipos de distribuições
não onerosas — como ocorre em um processo de herança.
7
O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação é um imposto cobrado pela movimentação de mercadorias.
8
O IPVA (Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores) é uma das principais despesas que você terá
que considerar na hora de comprar um carro, seja ele novo, seminovo ou usado.
558

Nesse contexto, faz indispensável uma reflexão acerca do entendimento de como essas
políticas públicas são financiadas e de que forma elas estão chegando à população que mais
necessita de auxílio.
Muitos sabem que o que financia as políticas públicas são as verbas governamentais, as
quais são arrecadadas através dos pagamentos dos impostos e tributos de cada cidadão.
Entretanto, grande parte da população aponta duras críticas ao nosso sistema de
cobrança de impostos e tributos, provavelmente, em virtude do Brasil apresentar uma carga
tributária bastante elevada e, por sua vez, os serviços aos cidadãos não serem devolvidos da
maneira adequada.
De fato, de acordo com pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)9, percebe-se o aumento da arrecadação de impostos ano a ano.
No ano de 2019, em comparação aos anos anteriores, o país teve um PIB na ordem de
7,3 trilhões de reais, tendo uma arrecadação para os cofres públicos de cerca de 2,7 trilhões de
reais, fazendo com que a carga tributária nesse referido ano chegasse a 36,9% do PIB 10.
Em 2020, em virtude da pandemia do novo coronavírus, essa arrecadação sofreu uma
queda, em decorrência da inadimplência no pagamento de determinados impostos 11.
A importância de acompanhar o orçamento tributário é essencial para que se possa
cobrar dos representantes uma devolutiva mais eficaz e que faça valer a pena todos os impostos
que são pagos12. Porém, essa fiscalização acaba por não existir, muitas vezes até por falta de

9
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE se constitui no principal provedor de dados e
informações do País, que atende às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos
órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal.
10
O PIB é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país, estado ou cidade, geralmente em
um ano. Todos os países calculam o seu PIB nas suas respectivas moedas. O PIB não é o total da riqueza
existente em um país. Esse é um equívoco muito comum, pois dá a sensação de que o PIB seria um estoque de
valor que existe na economia, como uma espécie de tesouro nacional. Na realidade, o PIB é um indicador de
fluxo de novos bens e serviços finais produzidos durante um período. Se um país não produzir nada em um ano,
o seu PIB será nulo.
11
Para o primeiro semestre, a queda real no Brasil foi de 5,58%. Além dos efeitos da retração econômica, outra
ameaça à receita dos estados se refere ao nível de inadimplência. Diante das dificuldades de caixa enfrentadas
pelas empresas, junto aos obstáculos para tomada de crédito, a priorização de salários e fornecedores faz da
postergação de impostos uma alternativa mais fácil para o financiamento de curto prazo. Como o referido
imposto depende em grande medida da atividade econômica, a pandemia da Covid-19 teve efeitos diretos sobre a
arrecadação estadual, com alguns estados sofrendo perdas consideráveis. Disponível em:
<http://www.auditece.org.br/blog/queda-do-icms-de-558-no-primeiro-semestre-de-2020-efeitos-da-pandemia-e-
analise-das-renuncias>. Acesso: 06 jul. 2022.
12
Após classificar como “exorbitantes” os gastos no cartão corporativo de Jair Bolsonaro (PL), o procurador
Lucas Furtado, do Tribunal de Contas da União (TCU), disse que vê indícios de improbidade administrativa e
quer que o órgão imponha sanções contra o presidente.
Em representação encaminhada à presidente do TCU, ministra Ana Arraes, ele pede que sejam estipuladas as
“medidas necessárias a verificar a legalidade, legitimidade, moralidade, economicidade, razoabilidade,
comicidade e transparência dos gastos levados a efeito pela Presidência da República na gestão de Jair
559

informação ou de conhecimento a respeito de como esse acompanhamento poderia ser


realizado.
Em diversas situações, são observados valores exorbitantes aplicados em obras públicas
- construção de vias públicas, prédios públicos, praças, dentre outros – contudo, questões de
comodismo, a população não vai atrás de fiscalizar se os valores que foram expostos estão
sendo realmente aplicados nas obras que estão sendo realizadas, propiciando, assim, que seja
realizado o desvio de verbas.
Portanto, para que se tenha um conhecimento mais amplo sobre a aplicação dos tributos
em forma de benefício para sociedade, primeiramente se faz necessário entender como eles
surgiram e o que se objetivava com a criação dos tributos, para que, desse modo, se possa
compreender que nenhum país conseguiria promover políticas públicas sem a arrecadação de
impostos e tributos.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para melhor entendimento da aplicação do formulário e o seu resultado, a análise de


dados foi organizada em forma de gráficos, que apresentam, de forma individualizada, cada
questão.
Inicialmente, informa-se que foi aplicado um questionário contendo 11 (onze)
perguntas, para um total de participantes de 40 (quarenta) jovens entre de 14 anos a 24 anos,
que participaram de forma voluntária.
A primeira pergunta aplicada no questionário trata do perfil dos entrevistados, com
relação ao gênero que se identifica. Desse modo, foi realizada a seguinte indagação: “Como
você se identifica? ”

Gráfico 1: Identificação de gênero dos jovens entre 14 anos e 24 anos entrevistados

Bolsonaro”. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2022/06/07/procurador-do-tcu-aponta-


gastos-exorbitantes-em-cartao-corporativo-de-bolsonaro-e-cobra-sancoes.ghtml. Acesso: 06 jul. 2022.
560

Fonte: Elaboração própria

O primeiro questionamento teve como resultado 23 identificações do gênero feminino,


que representa um total de 57,5% dos entrevistados, e 17 identificações como sendo do gênero
masculino, representando um total de 42,5%.
A segunda questão fez referência à contribuição que a Educação Fiscal pode oferecer na
formação social do indivíduo, sendo indagado o seguinte questionamento “Acredita que a
educação fiscal contribui de forma significativa para a formação social do indivíduo? ”

Gráfico 2: Contribuição da educação fiscal para a formação social do indivíduo

Fonte: Elaboração própria

Obteve-se como resultado 31 (trinta e um) jovens concordando totalmente, o que


equivale em um percentual de 77.5% dos entrevistados, e 09 (nove) que também concordam,
mas de forma parcial, o que equivale a 22,5%.
Aqui é possível notar que a Educação Fiscal oportuniza mudanças significativas na
sociedade. O compartilhamento de saberes faz com que a informação e o conhecimento acerca
do assunto possa vim a formar uma sociedade mais justa, a partir da distribuição e aplicação
correta dos Tributos.
561

Na terceira pergunta, os jovens foram questionados acerca dos programas de educação


fiscal e se estes preparam o indivíduo para a compreensão e conhecimento da atividade
financeira do Estado. Sendo realizado o seguinte questionamento “Acredita que programas que
tratem sobre educação fiscal preparam os jovens para que compreendam e conheçam à atividade
financeira do Estado? ”

Gráfico 3: A opinião dos entrevistados sobre a importância de programas que tratem sobre educação
fiscal para a formação de jovens a respeito da atividade financeira do Estado

Fonte: Elaboração própria

Dos 40 jovens entrevistados, 65% concordam totalmente, totalizando 26 (vinte e seis)


indivíduos, 32,5% concordam parcialmente, que representa 13 (treze) jovens, e 2,5% discordam
parcialmente, ou seja, 1 (um) jovem.
A quarta questão faz referência à importância da Educação Fiscal na formação do jovem,
sendo realizada a seguinte pergunta “Acredita que a educação fiscal é importante para a
formação profissional dos jovens? ”

Gráfico 4: A importância da educação fiscal para a formação profissional dos jovens


562

Fonte: Elaboração própria

Neste questionamento 32 jovens concordam totalmente com a importância da


Educação Fiscal na formação dos jovens, portanto, 80% dos entrevistados. Já 20%, ou seja, 8
(oito) concordam, mas de maneira parcial.
A quinta pergunta realizada foi “Acredita que a educação fiscal deveria fazer parte do
ensino básico? ”

Gráfico 5: Opinião dos entrevistados com relação à educação fiscal fazer parte do ensino básico

Fonte: Elaboração própria

Ao tratar sobre a Educação Fiscal como conteúdo do ensino básico (fundamental maior
e menor e ensino médio) 80% dos jovens responderam que concordam totalmente que a
Educação Fiscal seria conteúdo importante. Já 17,5%, ou seja, 7 (sete) jovens responderam que
acreditam ser importante, mas concordando de forma parcial. E, por fim, 1 (um) jovem
respondeu que discorda parcialmente, representando 2,5%.
A sexta pergunta tratou do papel das instituições sobre a discussão nos espaços de ensino
a respeito de tributos e educação fiscal, sendo indagado o seguinte questionamento “Acredita
que as instituições de ensino deveriam discutir mais sobre os tributos e a educação fiscal? ”

Gráfico 6: O papel das instituições de ensino com relação às discussões sobre tributos e a educação
fiscal
563

Fonte: Elaboração própria

Como pode-se perceber 30 (trinta) jovens, ou seja, 75% dos entrevistados, responderam
que concordam totalmente que as instituições de ensino devam discutir mais sobre tributo e
educação fiscal. Já os outros 25%, o que representa um total de 10 jovens, concordam
parcialmente que estas instituições devam discutir acerca do ensino em educação fiscal.
A sétima questão foi sobre a importância do conhecimento acerca dos tributos, sua
destinação, forma de arrecadação, sendo apresentada a seguinte pergunta “Acredita que
conhecer sobre tributos (destinação, forma de arrecadação) é importante para a formação do
jovem?

Gráfico 7: A importância do conhecimento sobre tributos (destinação, forma de arrecadação) para a


formação do jovem

Fonte: Elaboração própria

Observa-se que 31 (trinta e um) jovens, ou seja, 77,5%, responderam que


concordam totalmente, que o conhecimento sobre educação fiscal é importante para a sua
formação. Já 9 (nove) jovens, o que representa 22,5% dos entrevistados concordam de forma
parcial, sobre a importância desse conhecimento.
564

A oitava pergunta foi a respeito do conhecimento sobre o quanto é pago com tributo nas
compras, sendo apresentado o seguinte questionamento “Acredita que sabe identificar quanto é
pago de tributo nas compras que realiza? ”

Gráfico 8: Identificação do valor pago em tributos nas compras que realiza

Fonte: Elaboração própria

Ao tratar sobre identificação do quanto é pago com tributo, 10% dos jovens informaram
não saber identificar esse pagamento, discordando totalmente do questionamento. Já 35% dos
jovens informaram que discordam parcialmente e 55% dos jovens responderam que sabem
identificar parcialmente o valor pago em tributos.
A nova pergunta foi com relação à destinação da arrecadação dos tributos pela
sociedade, sendo apresentada a seguinte a questão “Acredita que a arrecadação de tributos e sua
destinação contribuem para a manutenção da sociedade? ”

Gráfico 9: Opinião dos jovens entrevistados sobre a arrecadação de tributos e sua destinação como
forma de contribuição para a manutenção da sociedade

Fonte: Elaboração própria


565

Quanto à destinação da arrecadação dos tributos pela sociedade, 35% dos jovens
concordam totalmente que a arrecadação retorne para a sociedade como benefícios, 47,5% dos
entrevistados concordam, mas de forma parcial, 12,5% discordam parcialmente no retorno
destes benefícios, e 5% discordam totalmente que esse retorno seja possível.
A décima é pergunta se referiu ao papel da arrecadação do tributo na diminuição da
desigualdade social, sendo realizado o seguinte questionamento “Sobre a arrecadação dos
tributos (impostos, taxas e contribuições): acredita que a mesma contribui para a diminuição
das desigualdades sociais? ”

Gráfico 10: O papel da arrecadação do tributo na diminuição da desigualdade social

Fonte: Elaboração própria

Nesse quesito, 17,5% dos jovens concordam totalmente com o papel da arrecadação
para a diminuição das desigualdades, 40% dos jovens concordam de forma parcial, 17,5%
discordam parcialmente e 25% discordam totalmente, acreditando que a arrecadação de tributos
em nada contribui para a diminuição das desigualdades sociais.
Por fim, a última pergunta foi sobre os conhecimentos básicos acerca da educação fiscal,
em específico, o pagamento de tributos e a sua destinação, sendo apresentada a seguinte questão
“Acredita que a sociedade tem conhecimentos básicos sobre o pagamento de tributos e sua
destinação? ”

Gráfico 11: Conhecimentos básicos da sociedade sobre o pagamento de tributos e sua destinação
566

Fonte: Elaboração própria

Observa-se que 7,5% dos jovens concordam totalmente e 17,5% concordam


parcialmente possuir este conhecimento. Em contrapartida, 30% dos entrevistados afirmaram
que discordam parcialmente e 17,5% discordam totalmente que a sociedade possua
conhecimentos básicos a respeito do pagamento de tributo e sua destinação.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação fiscal tem como seu objetivo primordial a conscientização da população,


não só referente à importância de contribuir com o Estado, mas também fazer com que os
cidadãos possam adquirir o hábito de fiscalizar onde os recursos que estão sendo arrecadados
e serão investidos, ampliando, assim, a participação dos contribuintes na gestão democrática do
Estado, visando diminuir as desigualdades sociais com a aplicação de políticas públicas, bem
como com os serviços que são ofertados nas áreas da saúde, educação, segurança.
A relação de conhecimento de jovens entre 14 anos e 24 anos sobre o tributo mostra
como se faz necessária a implementação de políticas educacionais acerca do assunto. O senso
comum sobre o pagamento do tributo por parte da população é dotado de estigmas que geram
ao tributo o papel de vilão. Desse modo, é necessário mostrar à sociedade quais caminhos
podem ser trilhados para que a gestão dos gastos públicos retorne à sociedade em forma de
melhorias.
A educação dentro das instituições de ensino se mostra como o primeiro passo para a
criação de um novo senso sobre o pagamento dos tributos, para que, assim, a nova geração
diminua os questionamentos sobre o pagamento do tributo, e passe a fiscalizar a sua gestão e a
forma como irá retornar para a sociedade.
567

A identificação do que se é pago, quanto é pago, e o porquê é pago são questionamentos


que os jovens possuem, mas que aos mesmo tempo eles não buscam se aprofundar no assunto
e responder aos seus questionamentos.
Nesse contexto, por meio da pesquisa realizada, percebe-se que somente através da
educação fiscal será possível discutir e conhecer mais sobre o papel social do tributo, e, desse
modo, afastar a carga negativa que a população tem sobre o assunto.
Portanto, acredita-se que a implementação de programas que possam oportunizar o
conhecimento a respeito da educação fiscal, se faz necessário em qualquer etapa da vida. Porém,
o foco neste instrumento delimitou-se aos jovens de 14 anos a 24 anos, por entender que estes
podem, por lei, ingressar no mercado de trabalho, tendo, dessa forma, um contato e vivência
maior sobre o pagamento do tributo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Fazenda. Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF.


Educação fiscal no contexto social. 5. ed. Brasília: ESAF, 2014.

GIL, A.C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2010.

BRASIL, Ministério da Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Programa


Nacional de Educação Fiscal – PNEF. Educação fiscal no contexto social / Programa
Nacional de Educação Fiscal. 5. ed. Brasília: ESAF, 2014

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Centro Gráfico,


1988

Quais os impostos federais, estaduais e municipais? Contabilizei.com.br. Disponível em:


https://www.contabilizei.com.br/contabilidade-online/impostos-federais-estaduais-e-
municipais/ Acesso: 06 jul. 2022.

NOGUEIRA, Barbosa Ruy. Curso de Direito Tributário. 14. Ed. São Paulo: 1995.
568

ANEXOS
569

FORMULÁRIO

1 - Como você se identifica?


FEMININO
MASCULINO
OUTRO

2 - Acredita que a educação fiscal contribui de forma significativa para a formação social do
indivíduo?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

3 - Acredita que programas que tratem sobre educação fiscal preparam os jovens para que
compreendam e conheçam à atividade financeira do Estado?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

4 - Acredita que a educação fiscal é importante para a formação profissional dos jovens?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

5 - Acredita que a educação fiscal deveria fazer parte do ensino básico?


( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
570

( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

6 - Acredita que as instituições de ensino deveriam discutir mais sobre os tributos e a educação
fiscal?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

7 - Acredita que conhecer sobre tributos (destinação, forma de arrecadação) é importante para
a formação do jovem?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

8 - Acredita que sabe identificar quanto é pago de tributo nas compras que realiza?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

9 - Acredita que a arrecadação de tributos e sua destinação contribuem para a manutenção da


sociedade?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

10 - Sobre a arrecadação dos tributos (impostos, taxas e contribuições): acredita que a mesma
contribui para a diminuição das desigualdades sociais?
571

( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente

11 - Acredita que a sociedade tem conhecimentos básicos sobre o pagamento de tributos e sua
destinação?
( ) Discordo totalmente
( ) Discordo parcialmente
( ) Concordo parcialmente
( ) Concordo totalmente
572

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: os desafios enfrentados pelas vítimas para a concretização


das medidas de proteção.

Erivelton Nunes de Almeida 1


Joice Milena de Oliveira Freitas2
Nayla de Freitas Fernandes3

RESUMO

O presente artigo trata de uma análise das dificuldades enfrentadas pelas vítimas de violência
doméstica, dando ênfase para o município de Mossoró, localizado no Rio Grande do Norte. Foi
realizada uma visita a Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Mossoró/RN
(DEAM) para a coleta de dados e informações ao que se refere aos desafios encontrados pelas
atendidas e pela própria delegacia. Essa pesquisa surgiu a partir do questionamento de como
são realizadas as denúncias e dos fatores que as mulheres agredidas precisam enfrentar, tais
como dependência emocional, econômica, além dos estigmas de uma sociedade culturalmente
machista e patriarcal, que mesmo de forma inconsciente perpetua o pensamento de que o papel
da mulher é de submissão ao seu companheiro. A metodologia aplicada foi a pesquisa
bibliográfica, com base em livros, artigos, legislação, reportagem que tratam desse tema e da
análise dos dados colhidos na visita à DEAM. Com esse trabalho concluímos que a violência
contra a mulher está enraizada na sociedade e é tratada como invisível, dificultando, inclusive
que a vítima realize a denúncia, já que ela encontra vários desafios desde o momento da
agressão até a formalização da denúncia.
Palavras-chaves: Violência doméstica; Mulheres; Direito; Denúncia.

ABSTRACT

1
Mestre em Ensino pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. E-mail:
eriveltonalmeida@yahoo.com.br
2
Graduanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
joice_milena@hotmail.com
3
Graduanda em Direito pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
naylafernandes3@gmail.com
573

This article deals with an analysis of the difficulties faced by victims of domestic violence,
emphasizing the municipality of Mossoró, located in Rio Grande do Norte. A visit was made
to the Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Mossoró/RN (DEAM) to collect
data and information regarding the challenges encountered by those assisted and by the police
station itself. This research arose from the questioning of how complaints are made and the
factors that battered women need to face, such as emotional and economic dependence, in
addition to the stigmas of a culturally sexist and patriarchal society, which even unconsciously
perpetuates the thought of that a woman's role is one of submission to her partner. The
methodology applied was the bibliographic research, based on books, articles, legislation,
reports dealing with this topic and the analysis of data collected during the visit to DEAM. With
this work, we conclude that violence against women is rooted in society and is treated as
invisible, making it even difficult for the victim to make the complaint, since she faces several
challenges from the moment of the aggression to the formalization of the complaint.
Keywords: Domestic violence; Women; Law; Denunciation.

1 INTRODUÇÃO

Em 1996, a 49º Assembleia Mundial de Saúde declarou a violência como um problema


importante e crescente de saúde pública, além das consequências que atingem a vítima,
familiares e a própria sociedade (Organização Mundial de Saúde, 2002). A referida assembleia
também tratou sobre o grande aumento de lesões intencionais que afetam principalmente
mulheres e crianças, enfatizando a necessidade de implementação de políticas públicas
especificas para punir e prevenir a violência doméstica.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, as Nações Unidas reconhecem como
violência contra mulher "qualquer ato de violência de gênero que resulte ou possa resultar em
danos ou sofrimentos físicos, sexuais ou mentais para as mulheres”. Essa violência se mostra
ainda mais preocupante ao analisar que uma a cada três mulheres já sofreram algum tipo das
agressões mencionadas por seu parceiro íntimo, além de que mais de um terço dos crimes de
feminicídio são cometidos também pelo parceiro da vítima (VIEIRA; GARCIA; MACIEL,
2020).
A violência doméstica está inserida no contexto histórico do Brasil, que culturalmente
tem costumes machistas e a perpetuação do pensamento de que a mulher é uma propriedade do
574

homem e que sua única função é cuidar do lar e da família. Não distante dessa lógica, Paula
Dias (2014) afirma que o sexo feminino não tinha direito a palavra e dignidade, banhada apenas
pela tradição familiar e a cultura masculina. Assim, mostra-se notório que esse crime é
estrutural e decorrente de uma sociedade patriarcal que delimita os papeis sociais (GOMES,
2020), ademais, a desigualdade social também é mais um fator que contribui para o aumento
da violência contra a mulher.
Em decorrência disso, surgiram os primeiros movimentos feministas no Brasil que
tinham como objetivo a busca pela equiparação salarial, profissional e de garantias
(PENNA,2014). Consolidando também parcerias com o Estado e conquistando direitos, tais
como a primeira Delegacia da Mulher, especifica para o atendimento das vítimas de violência
doméstica (PINAFI, 2007).
O atendimento especializado contribui para que a vítima se sinta mais encorajada e
segura para realizar a denúncia contra o agressor. Entretanto, um grande número de mulheres
no Brasil se recusam a usar dos meios legais para se defender do agressor ou desistem de realizar
a denúncia (JONG; SADALA; TANAKA, 2008). Existe um rol de possibilidades que podem
justificar a desistência por parte da vítima, sendo todas elas firmadas nas dificuldades e barreiras
que a agredida enfrenta desde o momento do crime até a ida a delegacia para formalizar a
denúncia.
Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise dos principais
obstáculos enfrentados pelas vítimas de violência doméstica para a realização da denúncia,
dando enfoque para o município de Mossoró no Rio Grande do Norte. Para tanto, analisamos
dados do Atlas da Violência, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), informações
disponibilizadas pelo Governo Federal. Revisamos bibliografia sobre violência contra a mulher,
procedimento de denúncia e as dificuldades, além da legislação que protege o direito feminino
e suas garantias. Ademais, realizamos coleta de dados na Delegacia Especializada em
Atendimento à Mulher de Mossoró/RN (DEAM) com o objetivo de analisar as principais
dificuldades encontradas pelas vítimas de violência.

2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO BRASIL

4.519 mulheres foram assassinadas apenas por serem do sexo feminino no Brasil em
2018, segundo o Atlas da violência (2020), publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
575

Aplicada (IPEA). Em menos de dez anos o país apresentou um aumento de 4,2% nos crimes de
homicídios de mulheres, dessa forma, tornando a violência contra a mulher um fator alarmante
e preocupante.
Devido a sua taxa de 4,8% de homicídios a cada 100 mil mulheres, o Brasil ocupa o 5º
lugar em um ranking com outros 83 países (IPEA, 2020). Este dado demonstra a grande
necessidade da tomada de medidas que sirvam de combate a essa violência e torne a legislação
mais efetiva e tenha a sua real aplicação, prevenindo tais crimes contra as mulheres, protegendo
a vítima de violência e punindo o seu agressor.
O grande “x” da questão da violência doméstica é como ela é vista pela sociedade, ou o
correto seria a forma em que ela não é vista? A violência contra mulher é algo que está
demasiadamente presente no meio social, principalmente devido a estrutura e hierarquia
patriarcal, tornando-se uma pratica estrutural na qual determina o papel da mulher de submissão
ao homem, devendo-lhe respeito e que lhe obedeça (GOMES, 2020).
Outro fator que contribui para esse cenário, foi a forma em que a legislação brasileira
foi formulada. No período do Brasil Colônia, as leis eram com base nos Livros das Ordenações
Filipinas, tais dispositivos tinham como princípio a diferença entre os indivíduos, tratando a
mulher como um ser desqualificado e irrelevante para a sociedade, sem direito a fala e tendo as
suas decisões tomadas pelo pai ou marido (PENNA, 2014).
Tal visão da mulher como ser submisso e sem voz perdurou nas normas jurídicas
seguintes. O Código Civil de 1916 torna isso notável ao passo em que em seu artigo 6º as
mulheres casadas eram consideradas incapazes enquanto subsistir a sociedade conjugal. Não o
bastante, o artigo 233 expressa que a mulher deveria pedir autorização ao seu marido para
exercer qualquer profissão e também deveriam pedir autorização para receber herança ou
ajuizar qualquer ação.
Após a luta das mulheres com os movimentos feministas e operários, o sexo feminino
aos poucos foi conquistando seus direitos, como em 1932 o direito ao voto feminino (PENNA,
2014). A Constituição Federal de 1988 foi um grande avanço para o direito das mulheres e
mostra um progresso para a legislação do país, tendo como um dos seus princípios a igualdade
de gênero, trazendo mudanças nas garantias de isonomia e deveres da sociedade conjugal.
Outro dispositivo criado que celebra a conquista dos direitos femininos foi a positivação
da Lei Maria da Penha, que tem como objetivo prevenir e coibir a violência doméstica e familiar
contra a mulher (PENNA, 2014). A lei 11.340 de 7 de agosto, dispõe sobre os tipos de violência
576

sendo elas física, psicológica, ação, omissão, sexual ou moral, seja no âmbito da própria
residência, familiar ou qualquer relação intima de afeto.
Mesmo com a luta feminina em busca dos seus direitos e as mudanças na legislação, a
vida da mulher ainda se mostra em risco, já que segundo o Atlas da Violência (2020), uma
mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas em 2018. Por este motivo, faz-se necessário
que as normas sejam aplicadas de forma mais eficiente e que a sociedade passe a condenar tais
crimes.

3 REALIZAÇÃO DA DENÚNCIA

Conforme a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, configura-se violência doméstica e


familiar contra a mulher nos seguintes termos do seu artigo 5º:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a
mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio
permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente
agregadas;
II - No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos
que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por
vontade expressa;
III - Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A referida lei também dispõe sobre o atendimento da vítima pela autoridade policial,
em seu 10º artigo positiva que na iminência ou prática de violência doméstica, a autoridade
policial deverá tomar as providencias legais de forma imediata assim que tomar conhecimento
de tal crime. Além disso, garante como direito da mulher em situação de violência o
atendimento policial pericial “especializado, ininterrupto e prestado por servidores -
preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados. ” (Lei 11.340/2006)
Não menos importante, a autoridade policial também tem como dever no momento do
atendimento proporcionar a proteção, podendo comunicar ao Ministério Público e o Poder
Judiciário se necessário, deve encaminhar a vítima ao hospital ou Instituto médico legal,
fornecer transporte aos dependentes para abrigo ou local seguro, acompanhar para a busca de
pertences do local da ocorrência e por fim, orientar a vítima dos seus direitos de acordo com a
lei e também sobre a assistência judiciária.
577

O momento da realização da denúncia é de suma importância, entretanto a vítima


enfrenta grandes desafios e dificuldades, este tema será abordado no próximo tópico. Aqui vale
ressaltar como ela é formalizada e seu procedimento. A denúncia pode ser feita através da
Central de Atendimento à Mulher, por meio do Ligue 180, de acordo com o site de Serviços e
Informações do Brasil disponibilizado pelo Governo Federal, este atendimento oferece escuta
e acolhida qualificada as mulheres em situação de violência.

O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos


competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento
dos serviços de atendimento. O serviço também fornece informações sobre os direitos
da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada
caso.

Este atendimento possui duas etapas, sendo elas a primeira a denúncia ou a busca pelo
acolhimento que deve ser realizado por meio do Ligue 180, na qual as denúncias são registradas
e encaminhadas aos órgãos competentes, as ligações são gratuitas, podem ser efetuadas em todo
o Brasil e em qualquer dispositivo. A segunda etapa consiste sobre o acompanhamento da
denúncia, que após ser registrada será analisada e encaminhada aos órgãos de proteção,
responsabilização e proteção em direitos humanos. Para que seja realizado o acompanhamento
o site GOV.BR oferece o passo a passo, na qual quem prestou a denúncia deve ligar para o 180,
fornecer o número do protocolo e confirmar os dados da denúncia.
Com a Lei 14.022 de 2020, surgiu outro meio de denúncia, sendo ele a realização do
boletim de ocorrência por meio eletrônico.

Art. 4º Os órgãos de segurança pública deverão disponibilizar canais de comunicação


que garantam interação simultânea, inclusive com possibilidade de compartilhamento
de documentos, desde que gratuitos e passíveis de utilização em dispositivos
eletrônicos, como celulares e computadores, para atendimento virtual de situações que
envolvam violência contra a mulher(...)
§ 2º Nos casos de violência doméstica e familiar, a ofendida poderá solicitar quaisquer
medidas protetivas de urgência à autoridade competente por meio dos dispositivos de
comunicação de atendimento on-line.

Dessa forma, o boletim de ocorrência deve ser preenchido de modo detalhado, se


possível anexar provas como imagens, conversas nas redes sociais ou qualquer meio que traga
evidências para a denúncia, para que seja concedido a medida protetiva. O site para a
formalização do boletim varia de acordo com os estados, ao fim da denúncia é fornecido um
número de protocolo que servirá para o seu acompanhamento até que a medida protetiva seja
garantida.
578

Por fim, a denúncia também pode ser realizada na delegacia mais próxima de onde
ocorreu a violência ou procurar a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), especializada
para este tipo de atendimento.

4 AMPARO A VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

A década de 70 no Brasil foi marcada pelos primeiros movimentos feministas, uma luta
que tinha como objetivo a defesa e garantia dos direitos das mulheres e contra o sistema cultural
já enraizado na sociedade, o machismo e patriarcalismo (PINAFI, 2007). A escritora Tânia
Pinafi reitera que a política sexista deixava muitos assassinatos de mulheres impunes. Foi a
partir desses movimentos feministas que incentivaram a parceria com o Estado e o
planejamento de políticas públicas, assim, surgindo a primeira Delegacia de Defesa da Mulher.
Mesmo após essa pequena vitória para o sexo feminino e avanço para a coibição da
violência de gênero, o Brasil voltou a ser pauta no cenário internacional durante a Declaração
de Viena, onde restou configurado que a violência contra a mulher ataca diretamente os direitos
humanos. Vale também mencionar a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar
a violência contra a mulher, que ficou conhecida como a Convenção do Pará (Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, 1994).
Esta convenção afirma que a violência contra a mulher se configura como uma violação
aos direitos humanos e liberdades fundamentais, além de ferir os direitos, liberdade e a
dignidade humana em decorrência de uma problemática gerada por uma sociedade
historicamente desigual. A Convenção do Pará, também buscou erradicar a violência contra a
mulher por meio de uma assembleia formada por delegadas da Comissão Interamericana de
Mulheres, tendo com o objetivo prevenir, punir e erradicar tais crimes cometidos contra as
mulheres.
A Lei 11.340/2006 representa um grande marco para a proteção da integridade e dos
direitos das mulheres, positivando normas que amparam as vítimas de violência doméstica. A
Lei Maria da Penha, aborda sobre a assistência à mulher em situação de violência doméstica
e familiar, como em seu artigo 9º:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será


prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei
Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de
579

Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e


emergencialmente quando for o caso.
§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência
doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal,
estadual e municipal.
§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para
preservar sua integridade física e psicológica.

Dessa forma, compreende-se que é um direito da mulher vítima de violência doméstica o acesso
a profissionais de saúde, assistência social e segurança pública, garantindo a dignidade da
agredida e protegendo sua integridade que pode vir a ser novamente alvo do agressor. Além
disso, a assistência abrange contracepção de emergência, prevenção das Infecções Sexualmente
Transmissíveis (IST) e outros procedimentos para os casos de violência sexual. Além do mais,
o artigo 9º, § 4ºconsagra:

§ 4º Aquele que, por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou
psicológica e dano moral ou patrimonial a mulher fica obrigado a ressarcir todos os
danos causados, inclusive ressarcir ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com
a tabela SUS, os custos relativos aos serviços de saúde prestados para o total
tratamento das vítimas em situação de violência doméstica e familiar, recolhidos os
recursos assim arrecadados ao Fundo de Saúde do ente federado responsável pelas
unidades de saúde que prestarem os serviços.

Não menos importante, todos os dados da vítima serão mantidos em sigilo, assim como
dos seus dependentes, somente o juiz, Ministério Público e os órgãos competentes terão acesso
a essas informações. Em sequência, a mesma lei discorre sobre as medidas protetivas de
urgência, na qual em 48 horas o juiz deverá decidir sobre as medidas protetivas, encaminhar a
vítima aos órgãos de assistência e comunicar o Ministério Público para que tome as
providências necessárias.
Em consonância com o artigo 19º, as medidas protetivas podem ser requeridas pelo
Ministério Público ou a pedido da vítima, após isso são apreciadas e concedidas pelo juiz. Já
durante a fase do inquérito policial poderá ocorrer a prisão preventiva do agressor se decretada
pelo juiz. A lei Maria da Penha ainda garante em seu texto as medidas protetivas de urgência
que obrigam o agressor, depois de confirmada a violência, o afastamento do domicilio ou
convivência com a mulher agredida, a suspensão da posse ou porte de armas, proibição de
aproximação da ofendida, familiares e testemunhas, podendo fixar distância de aproximação,
proibição de contato por qualquer meio, de frequentar alguns lugares e restringir visita aos
menores.
580

Por fim, o juiz também poderá decidir como medida protetiva que a vítima seja
encaminhada para o programa de proteção e atendimento, a recondução para o seu próprio
domicilio ou determinar que a ofendida seja afastada do lar. Além do mais, garante a proteção
dos bens patrimoniais da sociedade conjugal e também o serviço da Defensoria Pública ou
Assistência Judiciária Gratuita para que a vítima esteja acompanhada e representada nos autos
processuais.

5 DESAFIOS ENFRENTADOS PELAS VÍTIMAS PARA A REALIZAÇÃO DA


DENÚNCIA

Conforme o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde (2022), com a evolução das
tecnologias e o maior acesso a informação, alguns tipos de violência tornaram-se mais visíveis,
como por exemplo, guerras, ataques terroristas, entre outros. Entretanto, ainda existe muitos
casos de violência que são invisíveis, tais como a agressão nos lares e doméstica. Tal documento
ainda enfatiza que alguns desses conflitos tem seus impactos rapidamente notados, enquanto a
invisível está profundamente enraizada na cultura e no histórico da sociedade.
Por este prisma, é perceptível que a vítima de violência doméstica enfrenta grandes
desafios para a realização da denúncia, principalmente por viver em uma sociedade patriarcal e
que muitas das vezes não condenam tais crimes, além de ser produto de uma construção
histórica, com base no sexismo e firmada na desigualdade de gênero (PINAFI, 2007). Dessa
forma, a vítima passa pelo medo de como será vista pela a sociedade e a possível retaliação dos
comentários transformando-a no agente errôneo da história.
A partir da coleta de dados realizada na Delegacia Especializada ao Atendimento à
Mulher (DEAM), no município de Mossoró, foram registrados os seguintes números de boletins
de ocorrência (B.O.), inquérito policial (I.P.), termo circunstanciado de ocorrência (T.C.O.) e
medidas protetivas (M.P.):

Tabela 01: Número de boletins de ocorrência, inquérito policial, termo circunstanciado de ocorrência
e medidas protetivas registrados na DEAM, Mossoró-RN.

ANO B.O. I.P. T.C.O M.P


2019 499 491 98 400
581

2020 419 287 84 278


2021* 327 370 23 230
Dados coletados durante a entrevista realizada na Delegacia Especializada em Atendimento à
Mulher de Mossoró/RN (DEAM).
*Dado até o mês de setembro de 2021

A presente diminuição dos números não significa que os crimes contra as mulheres
tiveram uma baixa. Em contrapartida, deixa claro os efeitos causados pela pandemia e o
isolamento social onde a vítima ficou obrigada a passar mais tempo na companhia do agressor
e com fatores que contribuem para o aumento de violência, como situações de estresse,
desemprego, mudança dos papeis sociais, alcoolismo e uso de entorpecentes (Alves, 2005).
Além disso, foi possível listar alguns desafios que a vítima de violência doméstica
precisa enfrentar. Tais como a dificuldade em ir até a delegacia registrar o boletim, em virtude
de que na maioria das vezes o agressor é o principal provedor da economia da residência e a
vítima é desempregada ou desempenha a função do lar. Outra problemática é que a vítima
geralmente passa muito tempo na companhia do agressor, não tendo a permissão de sair da
residência ou medo de que o companheiro descubra sobre a denúncia e piore o ciclo de
violência.
Por este motivo, é de suma importância que haja o acolhimento nas delegacias das
mulheres que sofrem essas agressões, seja física, moral, psicológica ou sexual, com o objetivo
de que a vítima se sinta segura para realizar a denúncia, principalmente ao analisar que o
agressor é pai dos seus filhos, existe uma ligação emocional com o agressor e com família deste,
sendo uma iniciativa muito complexa. É neste momento que se mostra a importância e
necessidade dos agentes profissionais da psicologia e assistência social dentro das delegacias e
no contato direto com a mulher agredida.
Além disso, a relação entre a vítima com o agressor e a família deste dificulta para que
haja a quebra do ciclo de violência. Segundo a escrivã da DEAM de Mossoró, existe muitas
barreiras que a vítima precisa ultrapassar muito antes de chegar até a delegacia. E, não menos
importante, vale frisar que a estrutura disposta pelo estado carece de infraestrutura, um maior
número de profissionais, já que na delegacia só dispõe de uma escrivã, uma delegada, dois
policiais do sexo masculino e uma policial do sexo feminino. Por esta razão, se a delegacia
582

estiver com uma alta demanda de casos, não é possível realizar um bom atendimento com
acolhimento e o empoderamento da vítima. Não dispondo de psicólogo ou assistente social.
Outra adversidade é encontrada nos casos em que é necessário a realização do exame
de corpo delito, feito pelo Instituto Técnico-Cientifico de Perícia (ITEP), pois o mesmo se
encontra muito distante da delegacia e a maioria das mulheres não tem condições econômicas
de arcar com o transporte de uma estrutura para outra, não tendo nenhum apoio estatal. Assim,
levando a vítima a ter que enfrentar o constrangimento de andar a pé pelas ruas com marcas de
agressão.
A profissional da Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher, afirmou que não
existe nenhuma política pública na instituição que promova o incentivo da realização da
denúncia, mais sim somente o acolhimento dessas mulheres e o apoio para que a vítima
formalize a denúncia e posteriormente encaminhar os pedidos de medidas protetivas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência doméstica é uma problemática que percorre toda a história da sociedade,


consequência de uma cultura machista e patriarcal com os papeis bem definidos, sendo o
feminino de cuidar do lar e ser submissa ao marido. Tal desigualdade social também estava
presente na legislação e somente após o início dos movimentos feministas em buscas dos
direitos das mulheres e suas garantias que deram abertura para as mudanças nas leis e também
nos costumes, rompendo o pensamento da mulher como propriedade do homem.
Entretanto, essa transição não ocorreu de forma imediata, até hoje é possível notar os
traços culturais do machismo, principalmente ao analisar os dados e concluir que os números
de violência contra a mulher ainda são crescentes e preocupantes, tornando-se um problema de
saúde pública.
Por este motivo, a Lei Maria da Penha foi um marco histórico e uma grande vitória para
a luta dos direitos femininos, pois tal norma positivou sobre o atendimento especializado,
ininterrupto e prestado por servidores para vítima de violência. Além de encaminhar a agredida
para hospital, fornecer transporte para abrigo ou local seguro e também orientá-la sobre seus
direitos com base na referida lei.
Os meios disponibilizados pelo Governo Federal para a realização da denúncia
contribuem para que a vítima possa formaliza-la, seja pelo Ligue 180 e sua central de
583

atendimento, por meio do boletim de ocorrência eletrônico, indo até uma delegacia mais
próxima ou a Delegacia de Atendimento à Mulher. Porém, mesmo com esses caminhos para a
realização da denúncia, as vítimas muitas vezes desistem do procedimento ou não chegam a
concluir a denúncia.
A explicação para esse fenômeno está nas barreiras e dificuldades enfrentadas pela
mulher vítima de agressão doméstica, que começam desde o ciclo de violência com a agressor
quando a agredida tem medo de formalizar o boletim e se seu parceiro descobrir as agressões
possam aumentar. Vale lembrar também do vínculo que existe entre a vítima, agressor e a
família, nesses casos a mulher se vê no dilema de como a sociedade irá passar a enxergá-la e o
que irá acontecer com sua família.
A dependência emocional é uma característica da violência doméstica, por isso é de
grande importância que haja o acolhimento da vítima na delegacia da mulher por profissionais
capacitados e prontos para atender suas necessidades. Além disso, outra dificuldade para a
realização da denúncia é que a vítima geralmente fica na companhia do agressor,
impossibilitando a ligação para o Ligue 180.
A partir da entrevista realizada na Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher
(DEAM), no município de Mossoró, mostrou-se evidente que, além das adversidades já citadas,
a estrutura de unidade de atendimento carece de um melhor investimento estatal. Pois, a
delegacia conta com um número de profissionais reduzidos, apenas uma viatura, sem esquecer
da infraestrutura. Assim, muitas das vezes dificultando o acolhimento das vítimas.
A Lei 11.340/2006, também dispõe sobre a assistência à mulher em situação de
violência, garantindo políticas públicas de proteção, acesso a assistência social, atendimento no
Sistema Único de Saúde, contracepção de urgência e medidas protetivas. No entanto, ao
comparar o que está disposto na legislação e a realidade da delegacia de Mossoró percebe-se
um existe a falta da efetivação de tal lei, já que a instituição não possui atendimento psicológico
ou assistência social a vítima no momento de acolhimento e denúncia. Por este motivo, a
violência doméstica só será ultrapassada quando a legislação for realmente efetivada e a
população passar a repudiar tal crime.

REFERÊNCIAS

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584

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586

VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA À LUZ DO CASO DO ANESTESISTA DO RIO: a dor do


parto que permanece.

Gabryelle Lima Vieira1


Inara Adrielly Medeiros da Silva2

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo evidenciar a necessidade do conhecimento e reivindicação


dos direitos da parturiente à luz do caso do anestesista, visando a prevenção de casos de
violência obstétrica no país. Para o estudo, realizou-se a conceituação da violência obstétrica, a
demarcação dos direitos garantidos às mulheres grávidas, o reflexo das relações de poder
pautadas no gênero durante o ciclo gravídico-puerperal e, por fim, a análise da violência
obstétrica, materializada com o estupro, através do caso concreto do anestesista ocorrido em
julho de 2022. Utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, havendo o recolhimento
de artigos em banco de dados, no período de 2014 a 2021, dando preferência àqueles que
versavam sobre a violência obstétrica por meio de pesquisa qualitativa, e do estudo de caso,
através de levantamento documental e de relatos das vítimas disponibilizados nos jornais online
nacionais. Concluiu-se, ao final da pesquisa, que o desconhecimento dos direitos da parturiente,
principalmente do direito ao acompanhante, deixa-a mais vulnerável a sofrer violências
obstétricas.
Palavras-chave: violência obstétrica; parturientes; direitos fundamentais; anestesista; estupro.
.
ABSTRACT

This article aims to highlight the need for knowledge and claim of the rights of the parturient
in the light of the anesthesiologist's case, aiming at preventing cases of obstetric violence in the
country. For the study, the conceptualization of obstetric violence was carried out, the
demarcation of the rights guaranteed to pregnant women, the reflection of power relations based
on gender during the pregnancy-puerperal cycle and, finally, the analysis of obstetric violence,
materialized with rape, through the specific case of the anesthesiologist occurred in July 2022.
Bibliographic research was used as a methodology, with the collection of articles in the
database, from 2014 to 2021, giving preference to those that dealt with obstetric violence
through qualitative research, and the case study, through documental survey and victims' reports
made available in national online newspapers. It was concluded, at the end of the research, that
the lack of knowledge of the parturient's rights, especially the right to a companion, makes her
more vulnerable to suffering obstetric violence.

1
Graduanda em Direito pela Universidade Federal Rural do Semi Árido (UFERSA). Membro do Leituras
Críticas sobre Raça e Direito e da Ágora Consultoria Jurídica, ambos projetos de extensão da UFERSA. E-mail:
gabsslvieira@gmail.com
2
Graduanda em Direito pela Universidade Federal Rural do Semi Árido (UFERSA). E-mail:
inara15medeiros@outlook.com
587

Keywords: obstetric violence; parturient; fundamental rights; anesthesiologist; rape.written in


the active voice and in the third person singular.

1 INTRODUÇÃO

A gravidez, momento muito esperado por algumas das mulheres, é envolta num combo
de sensações mistas de ansiedade e expectativas quanto a saúde e bem-estar do filho. Todavia,
é também transpassada por muito receio, tendo em vista os relatos de dor extrema durante o
parto, como duração exaustiva de trabalho de parto, peregrinação nos hospitais, procedimentos
de cortes indesejados e não comunicados, além de manobras milaborantes.
Essas agressões direcionadas às mulheres grávidas ou puérperas, denomina-se violência
obstétrica, sendo a problemática ensejadora do presente estudo, compreendida como uma
questão de saúde pública intrínseca à sociedade brasileira. Isso, pois, o passado sócio-histórico
do país, permeado por relações machistas e patriarcais, acredita que o momento do parto é
essencialmente doloroso, e, em decorrência, naturaliza as agressões e sofrimentos exagerados.
Nesse sentido, a gravidez que para muitas é um sonho torna-se um pesadelo. Portanto,
o presente artigo propõe uma abordagem dessa violência direcionada às mulheres em momento
tão vulnerável, com o objetivo de que mais pessoas reconheçam seus direitos enquanto grávidas
ou acompanhantes, o que pode auxiliar na reivindicação por direitos e na eficácia daqueles que
já estão tutelados pelo Estado Democrático de Direito.
Coloca-se como norte geral da pesquisa comprovar que por meio do conhecimento dos
direitos das parturientes seria possível a prevenção de casos de violência obstétrica. Com o fito
de alcançá-lo, será necessário explanar a conceituação da violência obstétrica, a forma como
ela se materializa na vida das gestantes. Logo em seguida, abordar os direitos da parturiente, as
conquistas normativas, bem como delinear a violência obstétrica como um reflexo da violência
de gênero naturalizada na sociedade brasileira. E, por fim, apontar o estupro de vulnerável como
violência obstétrica a luz do Caso do Anestesista.
Desde 2014, quando a Organização Mundial da Saúde colocou a violência obstétrica
como uma questão de saúde pública, há um maior debate em torno dessa problemática. De
modo que existe um quantitativo de trabalhos relacionados a essa temática nas plataformas
online, entretanto, o ponto diferenciador do presente trabalho dá-se justamente na aplicação
desses conceitos e direitos da parturiente ao caso concreto. Assim, objetiva-se agregar ao debate
588

acadêmico, tornando o assunto mais divulgado para que as demais pessoas possam conhecê-lo
e reivindicar pelos direitos das parturientes.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A seguir será apresentado a discussão acerca da temática proposta ao longo do artigo,


abordando a fundamentação teórica utilizada e subdividida para melhor compreensão em:
violência obstétrica, os direitos das parturientes, a violência obstétrica como violência
estrutural, do estupro de vulnerável e, por fim, o caso concreto do anestesista do Rio como
materialização da problemática delineada ao longo do trabalho.

2.1 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA

Diariamente diversas mulheres são violentadas, seja psicologicamente, fisicamente ou


sexualmente. Essa violência vai de casa até às instituições de saúde, onde supostamente elas
deveriam estar protegidas e resguardadas durante seus momentos de vulnerabilidade. Uma das
várias formas de violação dos direitos das mulheres é a violência obstétrica, em que as mulheres
vivenciam abusos e desrespeitos durante a assistência ao pré-parto, parto, pós-parto e
abortamento.
No Brasil, a discussão acerca desse tipo de violência iniciou com Simone Diniz durante
a década de 1980, e foi sendo debatido por grupos feministas nos ambientes acadêmicos, a
destacar o grupo Ceres com seu estudo pioneiro denominado Espelho de Vênus, que realizou
uma etnografia abordando o parto institucionalizado como uma experiência de violência para
as mulheres. Em concordância, uma pesquisa-ação produzida pela Prefeitura de São Paulo,
intitulada “Violência - um olhar sobre a cidade”, apontou como o atendimento ao parto era
violento, conforme relatos das gestantes que informaram que os funcionários tinham posturas
agressivas e costumavam humilhar as pacientes, desrespeitando suas dores. Simone Diniz
(2015) apresenta a definição de violência obstétrica proposta pela Venezuela como a pioneira
em tipificar esse tipo de violência:

Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos


reprodutivos das mulheres por profissional de saúde que se expresse por meio de
relações desumanizadoras, de abuso de medicalização e de patologização dos
589

processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir


livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de
vida das mulheres (DINIZ, p. 3, 2015).

Apesar de se tratar de uma discussão antiga, que busca visibilizar uma violência tão
recorrente nas instituições de saúde, somente em 2014 a Organização Mundial de Saúde (OMS)
reconheceu a violência obstétrica como questão de saúde pública. A organização evidencia
relatos sobre abusos durante o parto, constituídos por violência física e verbal, além de
procedimentos médicos desnecessários ao parto ou ainda não consentidos. Destaca-se que,
apesar desses abusos ocorrerem em qualquer fase da gravidez, o parto e pós-parto é o período
em que as mulheres estão mais vulneráveis e dependentes das equipes de saúde, tendo sua
confiança quebrada com os médicos que deveriam agir no intuito do cuidado com a parturiente.
Em sua declaração, a OMS (2014), lista medidas a fim de evitar e eliminar os abusos
contra as mulheres durante a assistência ao parto em todo o mundo: (I) Maior apoio dos
governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o desrespeito
e os maus-tratos; (II) Começar, apoiar e manter programas desenhados para melhorar a
qualidade dos cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como
componente essencial da qualidade da assistência; (III) Enfatizar os direitos das mulheres a uma
assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto; (IV) Produzir dados relativos a
práticas respeitosas e desrespeitosas na assistência à saúde, com sistemas de responsabilização
e apoio significativo aos profissionais; (V) Envolver todos os interessados, incluindo as
mulheres, nos esforços para melhorar a qualidade da assistência e eliminar o desrespeito e as
práticas abusivas.
O estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo denominado “Mulheres brasileiras e
gênero nos espaços público e privado” (2010), apontou que uma a cada quatro mulheres no
Brasil já sofreram violência obstétrica, ou seja, 25% das mulheres já sofreram algum tipo de
violência durante as fases do parto. Em matéria, para a revista humanista da UFRGS (2018),
Amanda Hamermüller e Thayse Uchôa apresentam como a violência obstétrica se configura, a
saber:
● Violência por negligência: consiste em negar atendimento ou colocar impedimentos para
que a gestante tenha acesso aos serviços que possui direito;
590

● Violência física: procedimentos e intervenções desnecessários e sem consentimento, como


a episiotomia sem prescrição médica, a manobra de Kristeller, o “ponto do marido” e até
mesmo a cesariana, quando não é prescrita pelo médico e não há o consentimento da mulher.
● Violência verbal: uso de palavras ofensivas e constrangedoras, a fim de humilhar a gestante
por suas características raciais, religiosas, orientações sexuais ou ainda, por sua escolha para
o seu tipo de parto.
● Violência psicológica: qualquer ação verbal que implique em sentimentos de
vulnerabilidade, instabilidade emocional, insegurança e medo.
● Aborto: as mulheres que sofreram aborto, também podem ser vitimas da violencia obstetrica
quando ocorre negação ou demora em seu atendimento, acusações sobre a causa do aborto,
culpabilização e denuncia da mulher pelo ocorrido.
Dentre os sujeitos que podem praticar a violência obstétrica, estão o médico obstetra, os
enfermeiros, os anestesistas, os técnicos em enfermagem e os recepcionistas e responsáveis pela
administração do hospital.
No Brasil ainda não há uma lei federal que tipifique esse tipo de violência, o que
contribui para o silenciamento e naturalização dessa. As práticas cotidianas de abuso presentes
nos hospitais durante a assistência ao parto, que foram citadas acima, acabam sendo
consideradas como procedimentos normais e necessários para a realização do parto, justamente
por falta de conhecimento daquelas que estão sendo violadas e de quem as acompanha também.
No entanto, quando passamos a classificar tais ações como violência, nasce um estranhamento
tanto entre os profissionais de saúde que se questionam se o que estão cometendo é uma
violência e ainda se sentem ofendidos com as acusações, como também nas vítimas que passam
a entender que estão sendo violadas.

2.2 DOS DIREITOS DAS PARTURIENTES

A Carta Magna Brasileira garante a inviolabilidade do direito fundamental à vida, bem


jurídico de maior proteção no ordenamento jurídico brasileiro, posto que serve como
fundamento, e ponto de partida, aos demais direitos tutelados. Nesse sentido, cabe ao Estado
protegê-lo, fazendo com que as pessoas consigam permanecer vivas e subsistir de uma forma
digna (MORAES, 2022).
591

A partir dessa inviolabilidade, tem-se a expressão da dignidade da pessoa humana, do


direito à saúde e também a proibição do tratamento desumano ou degradante. Entretanto, ainda
que o país tenha definido os princípios e direitos fundamentais à vida, previstos no artigo 1° e
5° da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que norteiam o Estado Democrático de Direito, o
cenário brasileiro é transpassado rotineiramente por casos e relatos de mulheres que sofreram
abusos e agressões durante a gravidez e puerpério.
A violência obstétrica é uma afronta aos direitos fundamentais assegurados na CF/88 e
nos tratados internacionais ratificados. O primeiro tratado internacional que colocou os direitos
humanos da mulher como protagonista foi a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Contra a Mulher, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) no
ano de 1979, ratificada pelo Brasil em 1981, que pretende servir como estabelecimento de
igualdade de gênero e medida para atuação estatal frente aos direitos das mulheres, bem como
assegurar que os Estados-parte irão constituir garantias necessárias durante a gravidez e pós-
parto, como versa o artigo 12:

1. Os Estados-parte adotarão todas as medidas apropriadas para eliminar a


discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar, em
condições de igualdade entre homens e mulheres, o acesso a serviços médicos,
inclusive os referentes ao planejamento familiar. 2. Sem prejuízo do disposto no
parágrafo 1º, os Estados-parte garantirão à mulher assistência apropriada em relação
à gravidez, ao parto e ao período posterior ao parto, proporcionando assistência
gratuita quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição adequada
durante a gravidez e a lactância. (BRASIL, 2002)

Posteriormente, houveram outros Tratados que buscavam reiterar a função dos Estados-
parte como promotores da igualdade, da dignidade e da saúde da mulher, como a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), ratificado
pelo Brasil em 1996. Assim como o desenvolvimento de Atenção ao Parto e Nascimento (OMS,
1985), que buscava classificar as boas práticas e os atos que não deveriam ser realizados no
momento do parto.
Frente a esse cenário, o Poder Legislativo desenvolveu o reforço de garantias às
mulheres, através das normas infraconstitucionais, visando assegurar os direitos fundamentais
e uma maior segurança e conforto durante as fases da gravidez e puerpério. Uma das formas de
592

organização, proteção, promoção da vida e regulação, manutenção e funcionamento dos


serviços de saúde por pessoas de direito público e privado dá-se através da Lei n° 8.080/90.
Esta que recebeu uma alteração, quando promulgada a Lei Federal n° 11.108/2005, a
Lei do Acompanhante, momento no qual as parturientes obtiveram a legitimação do direito ao
acompanhante, que garantiu a presença deste durante todo o momento do trabalho de parto, do
parto e do pós-parto nos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), que também se
estende aos atendimentos particulares. No mesmo sentido, a Lei 12.895/2013 taxou a
obrigatoriedade de todas as unidades hospitalares do País exporem, em local visível das
dependências, um aviso sobre a Lei do Acompanhante.
Segundo o estudo desenvolvido por Diniz et al (2014), tendo como base a Pesquisa
Nacional Nascer no Brasil, no qual foram entrevistadas 23.940 mulheres puérperas, no período
de 2011 a 2012, encontrou-se o resultado de que apenas 32,7% das entrevistas tiveram
acompanhante no momento do parto. Ainda nessa perspetiva, apontou-se que a maior parte da
fundamentação para a ausência dos acompanhantes seria principalmente a sua proibição pela
administração da unidade hospitalar. Portanto, ainda que a Lei do Acompanhante já estivesse
em vigor, sua aplicação dava-se de modo ineficiente, devido a afronta ao direito nas instituições
de saúde.
Além disso, é interessante ressaltar que há mulheres que dispõem de acompanhante,
porém seu acesso a alguns momentos do momento do trabalho de parto e parto é restringido.
Assim, o acompanhante não possui a autorização da equipe médica e hospitalar para estar ao
lado da parturiente durante alguns procedimentos, como no momento após a retirada do recém-
nascido através do parto normal, o que, por si só, já recai na lesão ao direito de acompanhante
(DINIZ et al, 2014).

2.3 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA COMO VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Historicamente, as mulheres costumavam fazer o parto de seus descendentes de modo


autônomo, com o auxílio de parteiras e de seus familiares. Ao passo que se deu a evolução da
medicina, o parto começou a ser um evento médico e, logo, um processo de medicalização, nos
termos de Sílvia Silva (2019), o que retirou o protagonismo das mulheres na hora do parto,
destinando-o ao médico. Como reflexo dessa mudança, o momento do parto passou a
593

menosprezar as decisões femininas, sendo realizados procedimentos por vezes indesejados ou


não comunicados às mulheres.
A sociedade brasileira é marcada pelo patriarcado, que aliena o corpo feminino e faz
crer que sofrimentos e aflições são naturais à sua existência. De modo que a violência obstétrica,
desenvolvida nas instituições de saúde, mostra-se como uma forma de expressão da violência
de gênero e reflexo de um país atravessado por essa ideia de submissão das mulheres para com
os homens (PHILIPP; CUNHA; CRUZ, 2018).
Além disso, Serra e Viana (2018) apontam que as relações assimétricas de poder entre
as parturientes e a equipe hospitalar dificultam o exercício de poder das grávidas. Ainda nessa
perspectiva, observa-se que os direitos e desejos das mulheres em relação à escolha do
acompanhante e a forma do parto, por vezes, são deixados em segundo plano, mesmo que não
ofereçam riscos a sua vida ou de seus descendentes, emergindo a vontade somente da equipe
ou instituição hospitalar. Insta ressaltar que a violência obstétrica ainda tem um perfil
predominante de incidência, conforme o estudo de Leal et al (2017), desenvolvido a partir dos
dados da Pesquisa Nascer no Brasil, as puérperas negras e de maior vulnerabilidade
socioeconômica são as maiores vítimas dessa forma de abuso contra a mulher.

2.4 DO ESTUPRO DE VULNERÁVEL

A prática de ato libidinoso ou de ter conjunção carnal com pessoa menor de


catorze anos se configura como estupro de vulnerável, podendo ser punido com a reclusão de
oito a quinze anos, conforme dispõe o Art. 217-A da Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009
(BRASIL, 2009). Assegurando ainda os direitos à dignidade e liberdade sexual, o artigo prevê
em seu primeiro parágrafo, que incorrerá na mesma pena, aquele que praticar as ações dispostas
no caput com alguém que “por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer
resistência” (BRASIL, 2009).
Nesse sentido, o professor de Direito Penal Leonardo Castro, em legislação
comentada para o Jusbrasil, discorre que para que se configure uma conduta como estupro de
vulnerável, é irrelevante o consentimento da vítima menor de 14 anos e sua experiência sexual,
bastando apenas que o agente delituoso saiba que a vítima é menor de 14 anos e decida ainda
assim, manter conjunção carnal ou outro ato libidinoso (CASTRO, 2014). No tocante ao
594

previsto no primeiro parágrafo do artigo supracitado, o professor argumenta que, em ambas


hipóteses previstas, não há capacidade da vítima em consentir o ato sexual. Desse modo, para
a configuração do delito, é preciso que o agente esteja consciente da enfermidade ou deficiência
mental da vítima e ainda, da impossibilidade de resistência por parte da vítima, seja por estar
inconsciente ou por falta de mobilidade física (CASTRO, 2014).

2.5 A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA A LUZ DO CASO DO ANESTESISTA

No dia 10 de julho de 2022, mais uma mulher é violentada sexualmente, e dessa vez,
durante o parto de seu filho, isto por um médico que estuprou a gestante após aplicar um
sedativo que a deixou desacordada, sem chances de resistir ao crime. O Hospital da Mulher
Heloneida Studart, no Rio de Janeiro, foi o local do crime cometido pelo anestesista Giovanni
Quintella Bezerra, que foi flagrado após algumas enfermeiras e técnicas de enfermagem da
unidade desconfiarem do seu comportamento e da quantidade de sedativo que ele havia
aplicado em outras duas grávidas no mesmo dia (10/07/2022), além de também mandar os
maridos acompanhantes se retirarem da sala logo após o nascimento dos bebês (METRÓPOLE,
2022).
A vista disso, a equipe que suspeitava da atitude do médico, colocou um celular
posicionado na direção em que o médico estava a fim de gravar e monitorar suas ações para
entender o que estava acontecendo por trás de tais comportamentos. Na madrugada do dia 11
de julho, o médico foi preso em flagrante e autuado pelo crime de estupro de vulnerável, pela
delegada Barbará Lomba da Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM).
Após a exposição do crime, outras mulheres compareceram à DEAM para denunciar
Giovanni. As pacientes reconheceram o médico, que também esteve no momento de seus
respectivos partos, com a divulgação de sua prisão em flagrante. Os relatos das vítimas e de
seus parentes são chocantes por apontarem vários comportamentos em comum, como os
acompanhantes precisarem sair da sala de cirurgia, a sedação excessiva após o nascimento dos
bebês, o anestesista ficar ao lado da cabeça das parturientes durante todo o procedimento e elas
saírem com o rosto e pescoço sujos. O site “O Globo” desenvolveu uma matéria contendo os
relatos de 4 pacientes e seus respectivos parentes, que prestaram depoimentos contra o
anestesista, e também da delegada responsável pela prisão do estuprador.
595

A primeira vítima, que vamos chamar de “paciente A”, estava grávida de gêmeos,
buscou atendimento para seu parto no dia 05 de julho, porém apenas um dos bebês nasceu de
parto normal e o outro precisaria de uma cesariana. Foi nesse momento que o criminoso entrou
em ação. Ela relata que o médico aplicou uma anestesia RAC - que a deixaria insensível na
região das partes inferiores, permitindo um procedimento menos doloroso - na sua coluna e um
remédio no braço que a deixou muito sonolenta, e que ele permaneceu sempre atrás da cabeça
dela:

“Eu não queria dormir. Queria ver o meu bebê nascer. Queria saber se ele nasceria
vivo ou morto. Mas ele disse que eu poderia dormir, ficar calma que era assim mesmo
e que eu poderia ficar tranquila. Eu não queria dormir. Infelizmente, eu vi meu filho
sair da barriga e não cheguei a pegá-lo no colo. Eu não pude pegar meu filho no colo
antes de ele falecer. Só acordei horas depois sem saber o que tinha acontecido. Não
tive o privilégio de pegar o meu bebê antes de ele falecer. Eu não sei o rosto do meu
filho. Só conheço o meu filho por foto. Eu estava dopada por esse monstro. Ele estava
me acalmando. Ele dizia que estava tudo bem. Eu tentei me controlar ao máximo para
ver o meu filho. Eu lembro de tudo do primeiro parto. Ele me ajudava e chegou até
impedir meu esposo de acompanhar. Esse médico mandou meu marido sair do centro
cirúrgico. ” (GLOBO, 2022).

O marido da paciente relatou que assistiu o parto do primeiro filho que foi normal, mas
foi impedido pelo anestesista de assistir a cesariana do segundo filho, e deixou a sala de parto
por pensar que seria um procedimento normal. O marido ressalta ainda que horas depois do
parto soube que a esposa estava com alguma coisa branca no rosto.
A paciente B teve seu filho no dia 5 de junho, com a participação de Giovanni, e relata
que chamou sua atenção receber uma anestesia geral, por já ter tido outros três filhos também
por cesariana e não ter tomado a anestesia geral. A paciente compareceu à delegacia
acompanhada de seu marido para prestar seu depoimento, e disse que ficou desesperada ao ver
as imagens do anestesista. O marido disse que também foi mandado sair da sala de parto por
Giovanni após o nascimento do filho e que sua esposa foi sedada apenas após ele sair do local:

“Eu só pude acompanhar o parto até um certo ponto. Ele mandou eu sair, porque seria
com a parte médica. Eu nunca havia saído dos partos que participei. Ele só sedou a
minha esposa após eu sair. É revoltante saber que pode acontecer com a esposa da
gente. Estou mais tranquilo porque ele foi preso. ” (GLOBO, 2022)
596

Dois dias após a prisão de Giovanni, a paciente C procurou a DEAM para prestar seu
depoimento. A paciente teve seu parto no dia 6 de junho, e relata que quando acabou o parto, o
anestesista mandou o marido dela sair da sala e aplicou-lhe um sedativo com o argumento de
que seria para que ela pudesse relaxar:

“Ele disse que estava tudo bem, para eu ficar tranquila e para eu relaxar. Quando ele
aplicou a medicação, eu apaguei. Só lembro quando ele passou, estava limpando as
mãos, não sei o movimento. Antes disso eles entregaram o bebê para meu marido. Ele
saiu, e eu fiquei. Depois fui retirada da sala pelas enfermeiras. É muito delicado dizer
o que senti. A gente não entra na sala de cirurgia e pensa que vai ser abusada. A gente
fica numa situação tão vulnerável, dependente dele. Não sei o que aconteceu comigo.
O que me deixou preocupada foi a sedação, o apagão, por eu já ter passado por uma
cesariana e não ter apagado. Não imaginava que poderia sofrer um abuso. Eu tomei
um susto quando vi a imagem dele na TV. Ele foi apresentado a mim antes da minha
cirurgia. Só quero saber se ele fez algo comigo no apagão. Será que fui abusada? ”
(GLOBO, 2022).

A paciente D, mãe solo, compareceu a DEAM acompanhada de seu advogado Joabe


Sobrinho no dia 15 de julho para depôr sobre seu atendimento com Giovanni no dia 10 de julho,
mesmo dia do crime que resultou na prisão em flagrante do médico. O advogado relata que o
médico se apresentou com o nome de Yuri para a mulher, e realizou atividades fora de sua
alçada de médico, como colocar a sonda na paciente, função que pertence à competência da
enfermagem. Giovanni impediu que o enfermeiro aplicasse a sonda na paciente, fez a limpeza
da maca e ainda elogiou a tatuagem da mulher. A paciente informa que não sabe se houve algum
ato sexual, devido estar apagada em decorrência da sedação excessiva aplicada por Giovanni.
Segundo o advogado, ele se aproveitou do fato de se tratar de uma mãe solteira que estava
acompanhada por uma amiga:

“Parece que foi um enfermeiro que estranhou a conduta e disse que tinha algo
estranho. A partir daí eles começam a tentar filmá-lo. Antes disso, a minha cliente
disse que o médico quem colocou a sonda de urina, que não é atribuição dele. Ele
impediu que o enfermeiro fizesse a aplicação da sonda. Antes do parto, ele foi limpar
o sangue que estava na maca. Ela ficou muito constrangida. Isso não é atribuição dele.
” (GLOBO, 2022).
597

Além das pacientes que prestaram depoimentos à DEAM, a polícia civil investiga outros
30 possíveis casos de estupro por Giovanni no Rio de Janeiro. As grávidas que foram atendidas
pelo médico são esperadas para depor na delegacia. Os relatos acima mostram um
comportamento padrão do estuprador de: retirar o acompanhante da sala e utilizar sedativo
excessivo sem necessidade após o parto. A repetição do crime com vítimas diferentes levou a
delegada Bárbara Lomba a concluir que Giovanni é um criminoso em série, conforme relata em
entrevista na DEAM: “Diante da repetição das ações criminosas, das características de
compulsividade que se observam e da possibilidade de várias vítimas feitas naquelas condições,
podemos afirmar que se trata de um criminoso em série” (LOMBA, 2022).

3 METODOLOGIA

O presente artigo utilizou-se de uma pesquisa bibliográfica, nos bancos de dados online,
Scielo e Google Acadêmico, através dos descritores: violência obstétrica, violência de gênero,
direito das mulheres. Além disso, delimitou-se o período de tempo do ano de 2014, momento
em que a OMS reconheceu a questão de saúde pública, a 2021. Foram selecionados seis artigos
dentre os resultados, sendo preferíveis aqueles que abordaram a violência obstétrica através de
uma perspectiva qualitativa-quantitativa, para que o contexto pudesse ser compreendido tanto
em teoria como em números.
Já para a apresentação do caso concreto do anestesista, desenvolveu-se um levantamento
documental, a fim de coletar dados pertinentes à construção dos fatos narrados. Isso feito com
os marcadores: anestesista, gravidez, estupro e violência obstétrica. Assim, foram consultadas
notícias veiculadas em grandes jornais, como O Globo, G1 e Metrópoles, sendo recolhidos três
matérias, sendo preferíveis pela quantidade de detalhes, para que se pudesse construir a
narrativa fática, e também daqueles que possuíssem relatos das vítimas para expressarem como
se sentiram diante do ocorrido. Prontamente, realizado o levantamento bibliográfico e
documental, fez-se a leitura exploratória visando destacar os artigos que melhor definiram e
analisaram a temática da violência obstétrica e violência de gênero, além de também realizar
leitura sistemática para fins de composição do material utilizado para análise de dados do caso
analisado.
598

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A violência contra mulher se manifesta de várias maneiras cotidianamente, assumindo


diferentes formas de modo a violar os direitos fundamentais e humanos das mulheres. A
violência obstétrica atinge a mulher em seu momento de maior vulnerabilidade, se tratando de
um grande rompimento na confiança entre a paciente e a equipe médica responsável pelo seu
cuidado e garantia de seu direito à saúde sexual e reprodutiva. Tal quebra de confiança,
desestimula às gestantes a buscarem assistência médica nos institutos hospitalares, o que
contribui para um aumento nos índices de morbidade e mortalidade materna, podendo atingir
também o bebê. Todas as parturientes devem ter assegurado o acesso à assistência digna durante
o período gestacional, parto e pós-parto.
Levantar a violência obstétrica como questão de saúde pública ainda enfrenta grande
resistência nas instituições de saúde, pelos médicos que não consegue reconhecer que parte dos
seus procedimentos desnecessários e naturalizados historicamente consistem em violência e
desrespeito aos direitos fundamentais da mulher. A demanda social de debater esse tema,
oriunda dos casos recorrentes e crescentes da violência obstétrica, contribui para uma revisão
das práticas médicas violentas e abusivas no ambiente hospitalar.
Aplicar um sedativo em alta dose, sem necessidade e consentimento da gestante,
deixando-a dopada e sem capacidade de resistir a qualquer tipo ação que seja praticada contra
ela, e, ainda, retirar seu acompanhante da sala do parto, violando seu direito garantido por lei
de ter um ponto de apoio durante seu momento de vulnerabilidade. Tal conduta se trata de abuso
de poder na condição de médico contra a gestante, que se encontra numa condição dependente
daquele que através de agressão desrespeita o corpo das mulheres e suas limitações.
O estupro da gestante enquanto estava sedada, desacordada e dando a luz ao seu filho,
implica na forma mais desprezível de violência obstétrica, violando fisicamente ao aplicar o
sedativo em dosagem excessiva; violando por negligência ao impedir acesso aos serviços que
possui direito como o acompanhante durante o parto; violando sexualmente e covardemente
uma mulher que, dopada, não poderia oferecer qualquer tipo de resistência à violência, ficando
exposta a possíveis doenças sexualmente transmissíveis, sendo necessário tomar coquetel
(PrEP) para HIV, deixando de amamentar o próprio filho que acabara de nascer.
Por intermédio dos depoimentos das vítimas do anestesista, conclui-se que a ausência
de conhecimento dos direitos básicos da mulher, como o de ter um acompanhante de sua escolha
599

durante todo o parto, impacta diretamente na probabilidade de ocorrer algum tipo de violência
obstétrica contra a parturiente. Apesar das próprias gestantes terem um estranhamento quanto
a aplicação do sedativo, após o parto, não foram capazes de impedir a ação do médico na
consumação do crime. Posto que, em alguns casos, os acompanhantes aceitaram sair da sala de
parto a pedidos do anestesista, por pensarem que seria o procedimento normal nos hospitais,
quando em seguida o médico aplicava a sedação na gestante, pode-se comprovar que na
presença de acompanhantes, expressão do direito legitimado por lei, o crime poderia ter sido
evitado. . Apesar disso, foi o conhecimento da equipe de enfermagem ao notar o uso de sedativo
em excesso por parte de Giovanni que tornou possível gravar o criminoso em ação.
Por fim, evidencia-se a necessidade de também alterar a lei do acompanhante de
modo a gerar uma sanção para aquele que não assegure a execução desse direito para todas as
parturientes, visto que, apesar de existir o direito, ele não está sendo eficientemente garantido.
Por mais que já tenha sido destacado a necessidade de trazer visibilidade para esse tema, não
foram criadas políticas públicas que promovam a assistência obstétrica efetiva e nem tampouco,
foram adotadas medidas significativas que viabilizem o asseguramento desses direitos,
formalizando o conhecimento desses por parte das gestantes.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Decreto nº 4.377, de 13 de setembro de 2002. Promulga a Convenção sobre a


Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, e revoga o
Decreto no 89.460, de 20 de março de 1984. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 16 set.
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promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços
correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, 20 set.
1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm >. Acesso em: 05
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BRASIL. Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de


1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de
parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS. Diário
600

Oficial da União: Brasília, DF, 7 abr. 2005. Disponível em: <


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601

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VENTURA, Giulia. Vídeos mostram momento em que médico anestesista estupra grávida no
RJ. Metrópoles, 12 jul. 2022. Disponível em: < https://www.metropoles.com/brasil/video-
mostra-momento-em-que-medico-anestesista-estupra-gravida-no-rj >. Acesso em: 04 ago.
2022.
602

FISIOTERAPIA E NUTRIÇÃO
603

EFEITOS DA HIDROTERAPIA NAS ALGIAS DA COLUNA VERTEBRAL: uma


revisão de literatura.

Allana Maia de Freitas1


Ítalo Samuel Medeiros Silva2
Jardel Gomes da Silva Lemos3
Letícia Eduarda Bezerra Silva4
João Carlos Lopes Bezerra5

RESUMO

A hidroterapia, durante muitas décadas, foi utilizada pelos seres humanos como uma alternativa
de tratamento para distúrbios musculoesqueléticos, incluindo as queixas de dores na coluna
vertebral, principalmente após a descoberta das propriedades físicas da água e seus efeitos. Este
artigo de revisão visa discutir as evidências atuais na literatura científica sobre a atuação da
hidroterapia nas algias da coluna vertebral. Foram realizadas buscas nas bases de dados
MEDLINE, Scielo e LILACS, assim como também na plataforma Google Acadêmico, usando
os descritores “hidroterapia”, “lombalgia”, “cervicalgia”, “dor torácica” e “fisioterapia”,
indexados nos Descritores em Ciências da Saúde (DECS) e Medical Subject Headings (MESH).
Após a busca, localizou-se 243 resultados que, após aplicados critérios de inclusão e exclusão,
foram reduzidos a 5 artigos. A análise dos itens indica que os pacientes, de acordo com o
diagnóstico e tolerância ao método, podem ser submetidos à hidroterapia. Diante dos achados,
observa-se que esse recurso realmente possui benefícios para várias doenças e pode ser um
aliado na prevenção de futuras patologias. Além disso, recomenda-se que ensaios clínicos
randomizados devem ser mais produzidos, de modo a contribuir na divulgação do método e
maior embasamento científico.
Palavras-chave: Hidroterapia, Fisioterapia, Algias da coluna.

ABSTRACT

1
Graduanda em Fisioterapia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
allanafreitas1811@gmail.com
2
Graduando em Fisioterapia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
E-mail: italo.samuel.medeiros@gmail.com
3
Graduando em Fisioterapia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
E-mail: jardelgomeslemos@gmail.com
4
Graduanda em Fisioterapia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
E-mail: leticia-eduarda2009@hotmail.com
5
Orientador. Mestre em Saúde e Sociedade pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN).
E-mail: joao.bezerra@professor.catolicadorn.com.br
604

Hydrotherapy, for many decades, has been used by humans as an alternative treatment for
musculoskeletal disorders, including complaints of pain in the spine, especially after the
discovery of the physical properties of water and its effects. This review article aims to discuss
the current evidence in the scientific literature on the role of hydrotherapy in spinal pain.
Searches were carried out in the MEDLINE, Scielo and LILACS databases, as well as in the
Google Scholar platform, using the descriptors "hydrotherapy", "low back pain", "cervical
pain", "chest pain" and "physiotherapy", indexed in the Descriptors in Health Sciences (DECS)
and Medical Subject Headings (MESH). After the search, 243 results were found which, after
applying inclusion and exclusion criteria, were reduced to 5 articles. The analysis of the items
indicates that the patients, according to the diagnosis and tolerance to the method, can be
submitted to hydrotherapy. In view of the findings, it is observed that this resource actually has
benefits for several diseases and can be an ally in the prevention of future pathologies. In
addition, it is recommended that more randomized clinical trials should be produced, in order
to contribute to the dissemination of the method and greater scientific basis.
Keywords: Hydrotherapy, Physiotherapy, Spinal pain.

1 INTRODUÇÃO

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), incluindo as cardiovasculares,


ortopédicas e respiratórias são responsáveis por cerca de 70% de todas as mortes no mundo,
estimando-se 38 milhões de mortes anuais. Dentre esses óbitos, 16 milhões atingem pessoas
menores de 70 anos de idade, e quase 28 milhões, em países de baixa e média renda. as
evidências indicam aumento em decorrência do crescimento de quatro principais fatores de
risco, como o tabaco, sedentarismo, uso prejudicial do álcool e dietas não saudáveis. Os custos
socioeconômicos associados com DCNT têm repercussão na economia dos países, sendo
estimados em US$ 7 trilhões, durante 2011-2025, em países de baixa e média renda
(OLIVEIRA et al., 2015).
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada no ano de 2013, os
problemas crônicos de coluna representam uma das doenças mais frequentes que atingem a
população brasileira, principalmente em adultos de 18 anos ou mais, esses pacientes relatam
sentir uma dor contínua que persiste por três meses ou mais, nas regiões da coluna, gerando
grandes limitações nas suas rotinas (OLIVEIRA et al., 2015).
Uma revisão sistemática realizada por pesquisadores brasileiros, verificou que nos
países em desenvolvimento, onde a pressão e a demanda física do sistema de trabalho é mais
intensa, a prevalência da dor lombar é evidentemente duas vezes maior, quando comparada aos
países desenvolvidos, que possuem maior renda, onde a exigência física laboral é menor
(NASCIMENTO; COSTA, 2015).
605

A hidroterapia, durante muitas décadas, foi utilizada pela humanidade, como possível
tratamento para distúrbios musculoesqueléticos, incluindo as queixas de dores da coluna
vertebral, após a descoberta das propriedades físicas da água e seus efeitos (NEMČIĆ et al.,
2013; KISNER; COLBY, 2009; SACCHELLI et al., 2007). Dentre os benefícios, que podem
ser citados, o calor, capaz de reduzir algias e espasmos musculares; a flutuabilidade, que
diminui parcialmente o peso do corpo; a pressão hidrostática, que auxilia no retorno venoso; e
a viscosidade, que resiste aos movimentos do corpo, contribuindo no ganho de força muscular,
a partir da intensidade e o número de repetições dos exercícios aquáticos (NEMČIĆ et al., 2013;
KISNER; COLBY, 2009).
Existem alguns métodos de hidroterapia, dentre eles, estão o Bad Ragaz, inventado por
Dr. Knupfer, no qual os pacientes passaram a ser apoiados por flutuadores em forma de anéis
nas regiões cervical, pélvica, joelhos e tornozelos para realizarem exercícios ativos resistidos,
devendo-se ter cuidados para que os pacientes não apresentassem fadigas em excesso
(ACCACIO; SACCHELL 2007).
Ademais, outro método é o Halliwick baseado no conceito da multidisciplinaridade, ou
seja, reúne informações a partir de muitas áreas de conhecimento, sendo utilizado para ensinar
pessoas com dificuldades para nadar, unindo conceitos da psicologia, pedagogia e dinâmicas
em grupo para promover independência nesse ambiente aos pacientes (CUNNINGHAM,
2000). Por fim, o método Watsu, criado por Harold Dull, firmado em conceitos da medicina
oriental e no tradicional shiatsu zen, no qual os pacientes executam alongamentos e
movimentos, estimulando o relaxamento e ganho de mobilidade (ZORNOFF, 2007).
Para alguns autores, o recurso terapêutico do meio aquático, principalmente aquecido,
pode ser um excelente aliado para os tratamentos dos fisioterapeutas, pois ao ser aplicado nos
pacientes, influenciará no sistema nervoso e metabólico dos mesmos, estimulando o aumento
do neurotransmissor dopamina, responsável pelas emoções, aprendizado, humor e atenção,
tornando a reabilitação mais agradável, reconfortante e satisfatória, principalmente para os
pacientes que possuem tensões musculares (SILVA et al., 2013).
O presente estudo trata-se de uma revisão de literatura, executada através de uma busca
nas bases de dados MEDLINE/PubMed (Medical Literature Analysis and Retrieval System
Online), Scielo (Scientific Electronic Library Online) e LILACS (Literatura Latinoamericana e
do Caribe), assim como a plataforma Google Acadêmico. Para melhor seleção dos artigos,
foram utilizados descritores indexados aos Descritores em Ciências da Saúde (DECS) e Medical
606

Subject Headings (MESH), dentre eles, hidroterapia, dor lombar, cervicalgia, dor torácica e
fisioterapia. Para o cruzamento dos descritores usados na pesquisa, foi utilizado o operador
booleano AND (intercessão de dois ou mais assuntos).
Dentre os critérios de inclusão, foram considerados artigos originais publicados, com
relevância metodológica, disponíveis no texto completo, escritos em inglês, português
espanhol, sem intervalo de publicação definido, sendo excluídos estudos em outros formatos,
como livros, cartas e capítulos de livros, assim como aqueles que não se relacionavam com o
tema proposto. A busca dos artigos foi realizada por quatro revisores durante o mês de maio de
2022. Inicialmente, os revisores leram os títulos dos trabalhos e seus respectivos resumos,
excluindo aqueles que fugiam da temática. Posteriormente, todos os estudos selecionados foram
lidos por completo, de modo a identificar e eleger aqueles que atendessem aos critérios
estabelecidos.
Desse modo, as informações selecionadas para a extração dos dados se referem aos
aspectos apresentados no Quadro 1, e os achados obtidos dos trabalhos elegíveis foram
comparados e organizados em uma tabela.
Por tratar-se de pesquisa com enfoque em análise secundária de dados, não envolvendo,
portanto, seres humanos, não houve necessidade de aprovação pelo Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP), respeitando assim, a autenticidade dos conceitos e definições dos autores.
Diante do que foi exposto, o objetivo do presente estudo foi discutir as evidências atuais
na literatura científica sobre a atuação da hidroterapia nas algias da coluna vertebral.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A coluna vertebral é composta anatomicamente por trinta e três ossos, sendo vinte e
quatro vértebras não fundidas, cinco vértebras fundidas e quatro vértebras fundidas, as vértebras
são classificadas em sete cervicais (C1 a C7), doze torácicas (T1 a T12), cinco lombares (L1 a
L5) e cinco sacrais (S1 a S5), sendo essas fundidas para formar a região do sacro, e por fim, as
últimas quatro e cinco vértebras coccígeas, que fundem–se para formar a região do cóccix.
Diversos ligamentos unem e mantêm as vértebras em alinhamento. Os ligamentos dos corpos
vertebrais, comuns a todos os discos intervertebrais são os longitudinais anterior e posterior. Os
ligamentos dos arcos vertebrais são o ligamento amarelo, o interespinhal e o supraespinhal
(KAPANDJL, 2000; DANGELO; FATINI, 2011).
607

Os músculos da parede abdominal, assim como os superficiais e os profundos da região


vertebral, estabilizam a coluna em várias condições. Os músculos superficiais, que são o eretor
da espinha, o reto do abdome e o oblíquo externo do abdome, atuam como movimentadores
primários, e são estabilizadores, já os músculos mais profundos, que são os multífidos, os
rotadores, o transverso do abdome, o oblíquo interno do abdome e o quadrado do lombo, agem
primariamente na estabilização. Dentre as suas funções, incluem, a sustentação do corpo
humano, proteção da medula espinhal e suas raízes nervosas, proteção de órgãos e vísceras
vitais, proporcionadas com auxílio das costelas, além de promover a absorção e dissipação de
impactos mecânicos e pressão gravitacional (KISNER; KOLBY, 2005; KAPANDJL, 2000).
A prevalência da lombalgia de maior gravidade aumenta com o envelhecimento,
contribuindo de forma significativa para incapacidades e piora das condições de saúde já
presentes na população idosa (DIONNE; DUNN; CROFT, 2006; HOY et al., 2012). Idosos
com incapacidades não conseguem manter as atividades no dia-a-dia e tendem a se afastar do
convívio social, impactando negativamente o seu estado de saúde, comprometendo a
funcionalidade, autonomia e independência dos idosos e constitui uma das razões mais comuns
para procura dos cuidados primários de saúde (RUDY et al., 2007; WEINER et al., 2003).
Segundo uma pesquisa, 36% dos idosos comunitários entrevistados com 65 anos ou
mais foram acometidos por um episódio de DL ao ano e destes 21% procuram os cuidados de
saúde (CAYEA; PERERA; WEINER, 2006). Além disso, os custos sociais e econômicos
relacionados às incapacidades decorrentes da DL são enormes, onerando ainda mais os sistemas
de saúde e previdência social (SALVETTI et al., 2012).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram encontrados 0 artigos no SCIELO, 69 no PUBMED, 4 no LILACS e 170 no


Google Acadêmico, ou seja, um total de 243 estudos. Após as etapas de análises, foram
elegíveis apenas 5 (conforme exposto na Tabela 1).
Segundo um ensaio clínico randomizado, com uma amostra de 54 pacientes adultos com
lombalgia crônica, divididos em dois grupos, experimental, com realizações de exercícios
aquáticos e corrida em águas profundas e controle, com práticas de exercícios aquáticos,
durante 9 semanas, com seguimento de 3 meses. Avaliou-se a amostra antes e após tratamentos,
podendo-se identificar uma presença de incapacidade máxima nos pacientes, pelo questionário
608

de incapacidade Roland Morris, queixas de dores intensas, pela escala visual analógica (EVA),
assim como também a capacidade funcional reduzida por meio do teste de caminhada de 6
minutos (TC6). Como resultados, notou-se que o exercício aquático com a corrida em águas
profundas alivia a dor no curto prazo quando comparado apenas com o grupo de exercícios
aquáticos (CARVALHO et al., 2020).
Além disso, foi possível identificar benefícios terapêuticos a partir do Método Bad
Ragaz, pois um estudo realizado em um grupo feminino com também diagnóstico de lombalgia
crônica, de faixa etária entre 37 a 76 anos, onde o tratamento foi realizado em uma piscina
terapêutica, aquecida a 34 graus Celsius, com profundidade de 1.15cm, as sessões foram em
grupo, sendo realizadas 30 sessões de hidroterapia por um fisioterapeuta. Os exercícios
incluíam estabilização do tronco e membros através de treinos exigindo equilíbrio e
coordenação motora (MONTENEGRO et al., 2016).
Deve-se salientar que foi aplicada novamente no estudo, um instrumento importante, a
EVA antes e após cada série de 10 sessões de aplicação da Técnica de Bad Ragaz. No terceiro
momento foi aplicada uma entrevista individual com perguntas sobre a percepção das mulheres
em relação aos efeitos da hidroterapia na lombalgia e a interferência na sua autonomia ou nas
suas atividades diárias, os relatos foram gravados pelo pesquisador para posterior análise e
interpretação das categorias analíticas. Ao final do tratamento, as pacientes afirmaram sentir
alívio das dores, melhora nas atividades diárias e qualidade de vida (MONTENEGRO et al.,
2016).
Os dados da pesquisa apontam que entre as dez mulheres entrevistadas, na faixa etária
entre 37 e 76 anos, a média de idade foi de 61,6 anos. A grande maioria gerou filhos (90%),
dentre elas 20% tem um filho, 40% tem dois e 30% tem mais de três filhos (uma das
entrevistadas tem sete filhos e passou por dez gestações). Em relação à situação conjugal, uma
grande parcela das entrevistadas era casada (80%), uma entrevistada era solteira e outra mãe
solteira. Metade das entrevistadas eram donas de casa e o restante trabalhava como costureira
(01), 01 cuidadora (enfermagem), 01 administradora e corretora, 01 educadora e freira e 01
diarista. Uma das mulheres preferiu não dizer seu nível de escolaridade, sendo que a maioria
(40%) concluiu o ensino médio, 30% cursaram o fundamental e 20% possuía nível superior.
Em relação à queixa principal, mais da metade (60%) referiu dor lombar, 30% relataram
apresentar diagnóstico de osteófito na coluna lombar e 10% relataram dor nas costas que
irradiava para a perna (MONTENEGRO et al., 2016).
609

Ao avaliar, através da aplicação da EVA, o nível de intensidade da dor lombar, referida


pelas entrevistadas, constatou-se que três mulheres (30%), com escore final de 7, 8 e 9 cada
uma, sentem dores de gravíssima intensidade que as impede de realizar várias atividades da
rotina diária. Metade das mulheres, ou seja, 50% delas referiram escore 6, representando
intensidade moderada a grave, e quatro delas ou 40% obtiveram escore igual a 4, sentem dor de
intensidade leve a moderada, que as atrapalha, mas não impede de realizarem atividades. Duas
entrevistadas, ou 20% delas apresentaram escore 3 dor de leve intensidade e afirmaram que a
dor não as impede de realizar as atividades da vida diária (AVD), porém durante as “crises” as
atrapalha bastante (MONTENEGRO et al., 2016).
É inegável que a hérnia de disco é uma das principais patologias acometidas na coluna
vertebral, capaz de desencadear quadros iniciais de dores agudas e alterações de sensibilidades,
incapacitando indivíduos em realizar atividades laborais. O tratamento, durante muitos anos,
incluía medidas conservadoras, na maioria dos casos, medicamentos como analgésicos, anti-
inflamatórios e relaxantes musculares. Porém, nos últimos anos, a terapia por água aquecida foi
investigada e surgiu como aliada ao seu tratamento (OLÁH, M et al., 2008).
Um estudo de caso de uma paciente, do sexo feminino, de 34 anos com diagnóstico
clínico de hérnia de disco lombar (L5/S1), apresentando como queixa principal a dor, foi
investigado por pesquisadores. A paciente foi submetida a uma avaliação inicial pela EVA, no
qual a mesma relatou sentir dores intensas, pontuando entre 8 e 9. Ademais, foram avaliados
aspectos, como, anamnese, exames físicos, descrição da marcha, testes específicos, análise dos
movimentos, ativos e passivos, características da dor, no qual a paciente relatou sentir a algia
no lado direito do corpo. Logo após a aplicação dos testes, observou-se um Lasegue positivo,
no qual avalia presença de compressão intensa na região do quadril que irradiava para o membro
inferior do nervo ciático, e o Slamp Test também positivo, teste que avalia comprometimento
nervoso de qualquer ponto da coluna vertebral (VEIGA et al., 2018).
Após todo o processo da avaliação, a paciente foi submetida ao protocolo de tratamento
na piscina, que era composto de hidrocinesioterapia e Bad Ragaz. As sessões foram realizadas
uma vez semanalmente por 15 semanas, durante 40 minutos cada atendimento. O objetivo do
tratamento a curto prazo foi promover ganho de mobilidade; reduzir as dores; gerar
fortalecimento; melhorar a atrofia muscular e, para longo prazo, corrigir a postura. As sessões
foram realizadas uma vez na semana por 15 semanas, com duração de 40 minutos cada
610

atendimento. A avaliação foi realizada no primeiro e último dia, e a paciente apresentou


diminuição do quadro álgico, ganho de mobilidade e flexibilidade (VEIGA et al., 2018).
Evidências apontam que o recurso da hidroterapia pode ser utilizado não apenas como
tratamento, mas como método preventivo para doenças, principalmente na população idosa,
pois um estudo experimental aplicado em mulheres idosas, saudáveis e sedentárias, com idades
entre 65 e 70 anos, executando 28 sessões de 60 minutos, durante 14 semanas consecutivas. Os
exercícios físicos foram organizados em sete níveis de dificuldade, selecionados visando ganho
de flexibilidade e força muscular (CANDELORO; CAROMANO, 2007).
Encontrou-se diminuição estatisticamente significativa na flexão anterior de tronco de -
15,4%, o que significou uma diminuição média de 19,3 cm (±22,4) distância processo estilóide
da ulna - maléolo lateral e melhora de 4,2% no teste de envergadura, o que significou um
aumento médio na distância dedo - dedo de 4,7 cm (±4,5). Nos músculos abdominais, glúteos
e iliopsoas não ocorreu alteração estatisticamente significativa de força, e nos músculos
quadríceps femoral, isquiotibiais, bíceps braquial, peitoral maior e médio e deltóide médio,
obteve-se melhora estatisticamente significativa (CANDELORO; CAROMANO, 2007).
A flexibilidade é considerada um dos componentes da aptidão e desempenho físico,
extremamente relevante para a execução de movimentos diários simples ou mais complexos,
como por exemplo, apertar os sapatos, pentear o cabelo, alcançar um armário, dentre outras
atividades, sendo indispensável para essa faixa etária (CANDELORO; CAROMANO, 2007).
Embora o tempo de treinamento tenha sido limitado e a pesquisa desenvolvida com um
grupo pequeno de mulheres jovens idosas sedentárias, sem complicações clínicas, este trabalho
traz uma contribuição, propondo não só programas detalhados de exercícios físicos
direcionados para a população idosa como também rotinas de medidas de avaliação.

Quadro 1 - Variáveis a serem extraídas dos estudos incluídos


611

Fonte: Autores, 2022.

Tabela 1 - Síntese dos artigos incluídos na revisão integrativa

Fonte: Autores, 2022.


Notas: AQE= programa de exercícios aquáticos, DLC= dor lombar crônica, DWR= corrida em
águas profundas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o exposto, com análise desses estudos, pode-se dizer que a hidroterapia pode
proporcionar melhoras na qualidade e na perspectiva de vida dos pacientes com queixas na
coluna vertebral, como as algias, promovendo um retorno mais rápido às suas atividades da
612

vida diária, deixando-os mais independentes. Assim, como também, deve ser estimulada sua
aplicação como conduta preventiva de doenças, principalmente para os indivíduos idosos.
Outro ponto importante recomendado é que que ensaios clínicos randomizados devem
ser mais produzidos, de modo a contribuir na divulgação do método e gerar maior embasamento
científico.

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https://www.cescage.com.br/revistas/index.php/Exper_Evid_Fisioterapia/article/view/170/pdf
. Acesso em: 25 maio. 2022.
615

LOMBALGIA E ALTERAÇÕES POSTURAIS NO PERÍODO GESTACIONAL

Amanda de Azevedo Borges1


Ítalo Samuel Medeiros Silva 2
Jardel Gomes da Silva Lemos3
Letícia Eduarda Bezerra Silva4
Moisés Costa do Couto5

RESUMO

O objetivo deste estudo é descrever o perfil de dor em pacientes gestantes em diferentes


períodos gestacionais, assim como também destacar possíveis modificações posturais e
divulgar a importância da fisioterapia obstétrica. Trata-se de uma pesquisa quantitativa,
descritiva, de corte transversal, a qual foi realizada a aplicação de um questionário para
investigar possíveis alterações morfofisiológicas, e posteriormente realizadas orientações para
18 grávidas em diferentes períodos de gestação, que utilizaram o serviço de pré-natal na
Faculdade de Ciências da Saúde (FACS-UERN) em Mossoró/RN. Durante a realização do
estudo, notou-se uma incidência de lombalgia nas gestantes, variando de acordo com o período
gestacional, intensidade da dor, o turno que se intensifica, e muitas delas não receberam
orientações necessárias. A lombalgia torna-se um fator limitante na vida das mulheres, sendo
necessário a presença de um profissional que forneça serviço e orientações direcionadas a
minimizar possíveis desconfortos preparando-a para o parto.
Palavras-Chave: Gestantes, lombalgia, fisioterapia.

ABSTRACT

The objective of this study is to describe the pain profile in pregnant patients in different
gestational periods, as well as highlight possible postural changes and publicize the importance
of obstetric physiotherapy. This is a quantitative, descriptive, cross-sectional study, in which a
questionnaire was applied to investigate possible morphophysiological changes, and later
guidance was given to 18 pregnant women in different periods of pregnancy, who used the

1
Discente do Curso de Graduação em Fisioterapia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
amandadiazevedo@hotmail.com
2
Discente do Curso de Graduação em Fisioterapia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
italo.samuel.medeiros@gmail.com
3
Discente do Curso de Graduação em Fisioterapia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
jardelgomeslemos@gmail.com
4
Discente do Curso de Graduação em Fisioterapia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
leticia-eduarda2009@hotmail.com
5
Docente do Curso de Graduação em Fisioterapia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
moisescouto@gmail.com
616

prenatal service. at the Faculty of Health Sciences (FACS-UERN) in Mossoró/RN. During the
study, there was an incidence of low back pain in pregnant women, varying according to the
gestational period, pain intensity, the shift that intensifies, and many of them did not receive
the necessary guidance. Low back pain becomes a limiting factor in women's lives, requiring
the presence of a professional to provide service and guidance aimed at minimizing possible
discomforts, preparing them for childbirth.
Keywords: Pregnant Women, Backache, Physiotherapy.

1 INTRODUÇÃO

Em meio às complicações recorrentes observadas em gestantes nos diferentes meses da


gestação, pode-se considerar as alterações posturais um grave problema de saúde pública. Em
decorrência das alterações hormonais são ocasionadas disfunções biomecânicas estáticas e
dinâmicas na postura das gestantes (MANN et al., 2010).
Na estática, o controle da postura no período de gestação é uma variável importante,
pois acarreta algumas mudanças que geram complicações durante os meses gestacionais. A
partir do terceiro mês, observa-se uma ênfase relacionada ao aumento do peso corporal,
propiciando disfunções associadas ao equilíbrio postural e dores na região lombar, que irão
prejudicar nos meses futuros, caso não aconteça um acompanhamento fisioterapêutico
adequado e eficaz (MANN et al., 2010).
Na dinâmica, um dos principais movimentos realizados é a marcha, a qual é afetada
diretamente pelo aumento da massa e dimensões corporais, desencadeando nas mulheres um
padrão de marcha anserina, assim como também é possível observar o aumento das mamas e
do útero gravídico, proporcionando dores constantes e desconforto nas atividades corriqueiras
(MOREIRA et al., 2011; MANN et al., 2010).
A gestação resulta em origens de alguns desconfortos e possíveis implicações,
principalmente na região da coluna vertebral, ocasionando o desalinhamento corporal,
mudanças nos ângulos de flexão e extensão do quadril, uma vez que, o crescimento do útero
influencia em variações anatômicas importantes. Outro ponto identificado é a ocorrência da
frouxidão ligamentar, em virtude da alta liberação hormonal nesse período, incluindo o
hormônio relaxina, produzido pelo corpo lúteo do ovário (NOVAIS et al., 2006).
Durante esse momento, acontecem inúmeras alterações morfofisiológicas, a qual têm
origem no início da gestação progredindo com o passar dos meses. As alterações metabólicas
provenientes das mudanças hormonais para o corpo adaptar-se a esse novo ciclo, resulta na
617

modificação do índice de massa corpórea, no aumento de tamanho do útero, as mamas ficam


mais firmes, observa-se também uma hiperpigmentação na pele e a presença de estrias
(CARVALHO et al., 2017).
É importante enfatizar que os níveis de desconforto no período gestacional podem variar
de gestante para gestante, levando em consideração que essas variações podem manter-se na
vida da mulher após o parto. Um dos métodos utilizados para reduzir os incômodos é a
fisioterapia obstétrica, tendo como objetivo principal, a diminuição desses níveis (NOVAES et
al., 2006). É possível identificar através de pesquisas, a importância de novos estudos sobre
possíveis tratamentos mais avançados em períodos considerados agravantes na gestação. Diante
desses fatos, julga-se necessário uma análise com coletas de dados, no qual se pode obter uma
ampla visão desses artigos analisados.
De acordo com o que foi exposto, o presente estudo busca descrever o perfil de dor em
pacientes gestantes em diferentes períodos gestacionais, assim como também destacar possíveis
modificações posturais e divulgar a importância da fisioterapia obstétrica.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. LOMBALGIA

As alterações musculoesqueléticas passaram a ser mais recorrentes após a revolução


industrial, ocorrida no século XIX, visto que nesse período os novos tipos de trabalho
favoreceram diversas alterações posturais, desencadeando riscos na perda de estabilidade da
coluna vertebral. Esses agentes favoreceram as insatisfações do trabalho, falta de postura
estática e dinâmica, já que na maioria dos trabalhos, os trabalhadores permaneciam com uma
constante inclinação para frente do tronco, e entre as suas atividades, incluía, levantamento de
peso excessivo (FERREIRA et al., 2010).
Na contemporaneidade a dor lombar é uma constante queixa na população mundial,
podendo estar associada a diversos aspectos, sendo estes decorrentes de esforços de algumas
atividades corriqueiras do trabalho e das atividades da vida diária, dessa forma, incapacitando-
os de executar parcial ou completamente suas atividades laborais (SANTANA; PEREIRA,
2018).
618

2.2. LOMBALGIA E GESTAÇÃO

Estima-se que 73% das gestantes apresentam lombalgia (SANTANA; PEREIRA,


2018). Todavia, estes diversos distúrbios com decorrer do tempo, sem orientação de um
profissional, podem agravar-se gerando inadequações posturais, ressaltando assim a
importância do controle postural no período gestacional para evitar a permanência dessas
alterações biomecânicas (BARROS et al., 2011).
Durante os meses do período gravídico, a mulher tende a ganhar mais peso na área
abdominal anterior, apontando assim, um índice mais elevado no fator de risco para o
desenvolvimento dessa algia, pelo fato de haver o deslocamento do centro da gravidade corporal
e maior oscilações do centro de força, levando a um equilíbrio instável, visto que, é uma das
principais causas que ocorrem na mudança estática e na dinâmica da curvatura da coluna, assim
como também no crescimento da região pélvica da gestante (BARROS et al., 2011).

2.3. MARCHA

Define-se a postura como uma disposição relativa do corpo para uma atividade
específica em determinado momento, sendo um composto de posições das diferentes
articulações. De forma geral, para alguns autores, a postura correta é a posição na qual há um
estresse mínimo imposto à articulação. Devido às alterações biomecânicas e fisiológicas
decorrentes da gravidez, observa-se que o aumento da carga (massa corpórea e variações das
suas dimensões), pode acarretar desordem articular. Essas variações musculoesqueléticas
percorrem tronco e membros inferiores, que tendem a levar a posição imperfeita dos pés,
provocando alterações da marcha e até mesmo diminuição da funcionalidade de alguns
movimentos diários (BRUNNSTROM, 1997).
Marcha caracterizada por marcha anserina, resulta nas oscilações da bacia, as pernas
afastadas, há hiperlordose lombar, como se a paciente quisesse manter o seu corpo ereto, em
equilíbrio, apesar do déficit muscular, além da inclinação do tronco para um lado e para o outro
(MANN et al., 2010).
Conforme a literatura, algumas mulheres tendem a ter suas ações restritas, devido às
dores, falta de fortalecimentos musculares das regiões lombo pélvica, lombossacral e lombo
ilíaca, gerando uma baixa flexibilidade osteomioarticular. Porém, aquelas mulheres fisicamente
619

ativas, ou seja, que praticam algum tipo de treinamento físico relatam mais vantagens, como
melhor propriocepção e até mesmo uma considerável diminuição de dores relacionadas às
demais. Portanto, é importante a manutenção dos músculos recrutados que mantém uma postura
corporal adequada, tornando os meses gestacionais sem maiores complicações devido às
alterações físicas sofridas pelo indivíduo, além de uma recuperação mais eficaz (MANN et al.,
2008).
É essencial que durante o momento gestacional, as mulheres busquem hábitos de vida
saudáveis, em busca de boa qualidade de vida, alívio do estresse, e prevenção de comorbidades.
Sendo fundamental o acompanhamento de uma equipe multiprofissional de saúde, para
orientações, consultas, exames, prática de exercícios físicos, acompanhamento nutricional, e a
preparação adequada para o parto, com o intuito de amenizar qualquer desgaste que seja
acometido durante essa fase (SURITA et al., 2014).
A partir do primeiro trimestre de gestação, estima-se que 50% das gestantes sofrem com
dores na região lombar em algum período da gravidez (CARVALHO et al., 2017). Na gravidez
é comum que as mulheres adaptem a postura para compensar a mudança do seu centro de
gravidade, essas alterações são individuais e dependem também de fatores como a força
muscular, extensão da articulação e fadiga muscular (KATZ, 1999).
Na gestação uma das principais contribuições para a postura e resistência muscular, são
exercícios orientados por um fisioterapeuta ou outro profissional da área. É perceptível a
importância da atividade física, pois traz inúmeros benefícios para uma boa qualidade de vida,
desde que a intensidade seja moderada, considerando também a parte cardíaca, respiratória e
índice de massa corpórea. No entanto, o esforço físico não controlado e em excesso aumenta a
incidência de algias, principalmente nas atividades domésticas (SANTOS et al., 2010).

2.4 GESTAÇÃO E FISIOTERAPIA

A lombalgia é uma das mais relevantes dificuldades do período gestacional a partir do


terceiro trimestre. A gravidez é um período ao qual a mulher tem que se adaptar às suas
condições físicas e psicológicas, na maioria das vezes desenvolvendo ansiedade, depressão,
estresse, imagem corporal e disfunções fisiológicas, tais como, problemas gastrointestinais e
falta de mobilidade. Portanto, é importante um profissional da área da saúde, destacando a
atuação do fisioterapeuta durante o processo, orientando e intervindo nas atividades diárias das
620

gestantes, ressaltando a necessidade de reeducação das práticas posturais cotidianas para


minimizar possíveis disfunções (SANTOS, 2010).
A fisioterapia pré-dispõe de recursos que auxiliam a diminuição das alterações
apresentadas pelas gestantes, trabalhando com exercícios voltados a respiração, alongamentos,
fortalecimento de todos grupos musculares, dando ênfase na região pélvica e lombar, correção
postural, flexibilidade e relaxamento, dessa forma, garantindo conforto no período da gravidez
e preparando a mulher para o parto (RAMOS; ALMEIDA, 2012).

2.5 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, descritiva, de corte transversal, realizada no ano


de 2018. Um estudo ao qual foi feito de início, uma ampla pesquisa disponibilizada em artigos
científicos que se obteve em periódicos na base de dados LILACS (Literatura Latinoamericana
e do Caribe em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Electronic Library Online).
A amostra foi composta por 18 mulheres em período gestacional que utilizaram o
serviço de pré-natal na Faculdade de Ciências da Saúde (FACS-UERN) em Mossoró/RN,
localizada no bairro Aeroporto. A amostra por conveniência, foram incluídas aquelas que
estavam em diferentes períodos gestacionais e que não apresentavam riscos ou doenças durante
o processo.
Inicialmente, foram coletados dados disponíveis na secretaria do local, sendo
identificadas as gestantes pelo período gestacional, idade, peso, altura, sinais e sintomas
observados durante a anamnese do médico responsável. Além disso, aplicou-se um questionário
avaliativo, contendo perguntas referente as dores, intensidade, qual o período da gestação foi
intensificado, que região apresenta mais desconforto, se recebeu uma boa educação em saúde
com aspectos sobre prevenção e promoção da saúde e quais eram essas orientações, assim como
também, em qual turno intensificava mais os desconfortos e quais atividades melhoraram ou
pioraram o mesmo. Através disso, foi possível obter informações, como por exemplo, se a
paciente sentia dor na coluna antes de engravidar, se sente dor atualmente, se recebeu algum
tratamento medicamentoso e/ou fisioterapêutico.
Posteriormente, em um segundo momento, direcionou-se às orientações para as
gestantes, no tocante às alterações posturais e fisiológicas que ocorrem durante a gravidez e
abordou-se a importância da fisioterapia obstétrica. Através de palestra sobre a temática, com
621

cartilha demonstrando algumas orientações e exercícios facilitadores para realizarem em suas


residências de forma didática com textos e imagens, auxiliando assim na percepção postural
adequada. No terceiro momento, na FACS/UERN com grupo amostral, foram demonstrados
exercícios para minimizar e/ou prevenir dores decorrentes das alterações musculoesqueléticas
oriundas da gravidez.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O método de avaliação é complexo para mensurar os níveis de dor de cada gestante,


pois oscila de acordo com o desconforto sentido por cada mulher. Essa oscilação é decorrente
de vários aspectos que influenciam esse limiar, tais como: idade, peso corporal, doenças
adquiridas no decorrer da gravidez, atividades executadas durante o cotidiano e o período
gestacional que a gestante se encontra.

Gráfico 1 - Resultados sobre a dor lombar (18 respostas).

Fonte: Autores (2018)

18 gestantes participaram da avaliação e a maioria das entrevistadas relataram sentir


queixas de dor lombar em decorrência das alterações morfofisiológicas resultantes do aumento
da circunferência abdominal. O Gráfico 1 expõe a média de valores em porcentagem referente
622

a presença de lombalgia, obtendo como resposta 88,90% das pacientes submetidas apresentam
algum grau de dor lombar, enquanto apenas 11,10% delas relataram não sentir nenhuma dor na
região lombar.

Gráfico 2 - Resultados sobre qual trimestre iniciaram as dores (16 respostas).

Fonte: Autores (2018)

O Gráfico 2 destaca os valores em que consta o período de maior índice de dor,


apresentando respectivamente, primeiro trimestre 18,80%, segundo 50% e o terceiro 31,30%.
Pode-se observar que as dores se tornaram mais evidentes a partir do segundo trimestre
gestacional, momento no qual o corpo da mulher começa a sofrer mudanças corporais visíveis,
de fato.

Gráfico 3 - Resultados sobre a intensidade da dor (16 respostas).


623

Fonte: Autores (2018)

Quanto à intensidade da dor, identifica-se uma variação do limiar de dor das mulheres,
isso pode ser justificado, em virtude de as mulheres da amostra vivenciarem diferentes períodos
gestacionais, o Gráfico 3 expõe valores demonstrativos que 37,50% da amostra analisada refere
o grau 6, ou seja, dor moderada.

Gráfico 4 - Resultados sobre a região que a dor irradia (16 respostas).

Fonte: Autores (2018)


624

Outro aspecto verificado no Gráfico 4, é que a dor é irradiada, ao longo do avanço das
semanas gestacionais. Nas diferentes regiões, muitas vezes irradiando por mais de um local, e
com esses achados, a maior média resultou entre as regiões das pernas e abdome, sendo
respectivamente 43,80%.

Gráfico 5 - Resultados referentes às orientações durante a gestação (17 Respostas).

Fonte: Autores (2018)

Com relação às orientações gestacionais, é revelado no Gráfico 5 que a maioria das


mulheres nessa fase não recebem nenhum tipo de orientação referente à prevenção dessa dor,
sendo que apenas 35,30% da amostra já receberam alguma orientação, enquanto 58,80% não
receberam e 5,90% relataram talvez terem recebido.

Gráfico 6 - Resultados sobre quais são os profissionais que participaram desse processo de orientação
(6 Respostas).
625

Fonte: Autores (2018)

Das gestantes que receberam orientações exibidas no Gráfico 5, identificou-se que as


mesmas foram orientadas por diferentes profissionais de saúde, como apresentado no Gráfico
6, sendo que 50% dessas gestantes foram orientadas pelo profissional da Fisioterapia,
posteriormente, 33,30% por médicos e 16,70% por enfermeiros.

Gráfico 7 - Resultados sobre as orientações (6 respostas).

Fonte: Autores (2018)


626

Dentre as orientações recebidas representadas pelo Gráfico 7, destacou-se a manutenção


da postura correta e realização de período de repouso, tendo em vista que são realizadas com o
objetivo preventivo.

Gráfico 8 - Resultados referente ao turno que iniciam as dores (17 Respostas).

Fonte: Autores (2018)

No Gráfico 8 constam os resultados sobre o turno em que a dor é originada, sendo


constatado que o aparecimento ocorre principalmente em períodos noturnos, com 58,80% das
respostas obtidas.

Gráfico 9 - Resultados sobre qual período a dor é mais intensa (17 respostas).
627

Fonte: Autores (2018)

Como exibe o Gráfico 9, o maior número das gestantes consultadas relatou que o
período em que a dor se torna mais intensa é no turno da noite (82,40%), tornando notório a
fadiga e a incidência de dor ao fim do dia como fatores.

Gráfico 10 - Resultados sobre o que piora a dor lombar (17 respostas).

Fonte: Autores (2018)


628

A maioria das gestantes relataram que os afazeres domésticos são o principal agravador
da dor lombar, como é mostrado pelo Gráfico 10, tendo em vista que todo estresse
proporcionado pelas alterações hormonais e físicas, somado às atividades que requerem maior
recrutamento muscular, sobrecarregam o sistema musculoesquelético gerando dores,
acometendo a região lombar.

Gráfico 11 - Resultados sobre o que melhora a dor lombar (17 respostas).

Fonte: Autores (2018)

Na tentativa de amenizar as dores, as gestantes tendem a buscar soluções que promovam


algum alívio, o Gráfico 11 evidencia que o maior número das mulheres submetidas ao estudo
constata que o repouso é o meio mais utilizado para gerar a redução da intensidade da dor
lombar, apresentando 76,50% das respostas obtidas.

Gráfico 12 - Resultados referente a dor lombar (17 respostas).


629

Fonte: Autores (2018)

Tendo em vista que as alterações mecânicas vão avançando gradativamente com o


avanço dos meses gestacionais, como a acentuação da lordose lombar e consequente tensão da
musculatura paravertebral, 88,20% das grávidas que foram questionadas relataram que a dor
lombar foi se intensificando ao longo da gestação como está exposto no Gráfico 12.
De acordo com os dados atingidos, percebe-se que durante o período gestacional, as
grávidas não recebem orientações adequadas em relação à correção postural e o acometimento
da lombalgia. Ademais, é possível identificar com a pesquisa, que a maior presença do
desconforto ocorre a partir do segundo trimestre gestacional, decorrente das atividades diárias,
assim como também a falta de uma postura adequada. Outro ponto relevante é o relato de dores
mais intensas durante o período noturno.
Paralelamente, o trabalho de Carvalho et al., (2017), realizado com 97 pacientes, de
média de idade de 26,2 anos e mediana da idade gestacional de 30 semanas, corrobora com esta
pesquisa, ao destacar em sua análise as gestantes nos três trimestres de gestação. No estudo,
observou-se que a dor lombar se inicia com mais frequência também no segundo trimestre
gestacional com significância de 43,24%, quando comparado aos outros momentos. Além
disso, dados semelhantes foram encontrados pelos pesquisadores Gomes et al., (2013) e De
Carvalho et al., (2001), podendo ser fundamentados pelas mudanças que ocorrem durante essa
fase na biomecânica da coluna vertebral.
Contudo, a pesquisa de Dos Santos et al., (2010), realizada em São José do Rio Preto,
com um grupo amostral equivalente a 45 gestantes do primeiro ao terceiro trimestre de gestação,
630

primíparas e multíparas, com idades entre 13 e 38 anos, alcançou dados diferentes dos
encontrados neste estudo, em alguns aspectos, evidenciando-se que o índice de dor lombar foi
superior em gestantes a partir do terceiro trimestre, e, na maioria dos casos, foi referida como
pontadas, de intensidade moderada, com duração de uma hora ou mais. Quanto ao período dos
sintomas, nota-se uma semelhança, pois sua piora também ocorreu no período noturno da
amostra estudada.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como observado, a lombalgia acomete a maioria das mulheres no período gravídico,


sendo um fator limitante de execução de atividades, desde as tarefas mais simples até as mais
complexas, sendo necessário maior atenção, abordagem investigativa e discussão sobre essa
temática por parte dos profissionais de saúde e sociedade em geral. Assim, também o estudo
enfatiza a necessidade de maiores produções literárias, envolvendo ações de promoção da
saúde, de modo a contribuir com esse público.

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Acesso em: 30 nov 2018.
633

O TRATAMENTO EM REALIDADE VIRTUAL PARA MELHORAR O


EQUILIBRIO E A MARCHA EM PACIENTES COM DOENÇA DE PARKINSON:
uma revisão integrativa

Rita de Cássia Gomes Vieira1


Emilly de Freitas Marcolino 2
Matheus Madson Lima Avelino3

RESUMO

A doença de Parkinson procede de alterações degenerativas no sistema nervoso central,levando


à disfunção nos gânglios basais, na substancia negra e nos neurônios dopaminérgicos.Um dos
tratamentos mais promissores é a realidade virtual, que proporciona estímulos visuais, auditivos
e somatossensoriais. O objetivo dessa revisão integrativa é compreender os efeitos de um
programa de tratamento em realidade virtual na marcha e no equilíbrio em indivíduos com
doença Parkinson, descrever os métodos utilizados pelos trabalhos e identificar as diferenças e
semelhanças entre eles. Foram selecionados estudos que analisaram os efeitos da realidade
virtual como tratamento na marcha e equilíbrio de indivíduos com Parkinson, não houve
restrição em relação ao sexo, idade, duração ou gravidade da doença. Os resultados mostram
que a grande maioria das amostras era composta por idosos de ambos os sexos com a média de
idade entre 60 a 75 anos. Dos quatros estudos, todos apresentaram melhora na marcha e o
equilíbrio. Foi visto que com a realidade virtual os indivíduos podem processar informações
sensoriais com mais precisão, a fim de controlar seu tronco e membros em resposta a desafios
sensoriais. Em conclusão, fica evidenciado que a realidade virtual mostrou resultados positivos
no equilíbrio e marcha de indivíduos com Parkinson, sendo um método de tratamento
inteligente e de alta tecnologia, tornando mais divertido e prazeroso a reabilitação.
Palavras-chaves: Realidade virtual, doença Parkinson, Fisioterapia, marcha e equilíbrio.

ABSTRACT

Parkinson's disease results from degenerative changes in the central nervous system, leading to
dysfunction in the basal ganglia, substantia nigra and dopaminergic neurons. One of
the most promising treatments is virtual reality, which provides visual, auditory and
somatosensory stimuli. The objective of this integrative review is to understand the effects of a
treatment program in virtual reality on gait and balance in individuals with Parkinson's disease,
describe the methods used in the studies and identify the differences and similarities between
them. Studies that analyzed the effects of virtual reality as a treatment on gait and balance of
individuals with Parkinson's were selected, there was no restriction regarding sex, age, duration

1
Departamento de Fisioterapia, Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Mossoró,Rio grande do Norte. E-
mail: cassiavieira001@outlook.com
2
Departamento de Fisioterapia, Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Mossoró,Rio grande do Norte. E-
mail: emillyfreitas89@gmail.com
3
Departamento de Fisioterapia, Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Mossoró,Rio grande do Norte. E-
mail: matheusmadson.dm@gmail.com
634

or severity of the disease. The results show that the vast majority of the samples were composed
of elderly people of both sexes, with an average age between 60 and 75 years. Of the four
studies, all showed improvement in gait and balance. It has been seen that with virtual reality
individuals can process sensory information more accurately in order to control their trunk and
limbs in response to sensory challenges. In conclusion, it is evident that virtual reality has shown
positive results in the balance and gait of individuals with Parkinson's, being an intelligent and
high-tech treatment method, making rehabilitation more fun and pleasurable.
Keywords: Virtual Reality, Parkinson's Disease, Physiotherapy, Gait and balance.

1 INTRODUÇÃO

A doença de Parkinson (DP) procede de alterações degenerativas no sistema nervoso


central, levando à disfunção nos gânglios basais, na substancia negra e nos neurônios
dopaminérgicos. Acomete principalmente o sexo masculino, numa razão de 3:2. Os indivíduos
geralmente apresentam bradicinesia; tremor em repouso e rigidez, sendo manifestados quando
a substância negra perde 60% dos neurônios dopaminérgicos e o conteúdo de dopamina é 80%
inferior ao normal. O congelamento na marcha e a instabilidade postural também são
complicações que ocorrem nos estágios avançados da doença. Essas desordens torna a
progressão dos pés para frente significativamente reduzida, causando desequilíbrio e um maior
risco de quedas.
A literatura relata que a fisioterapia pode melhorar as funções motora, sensitiva e
cognitiva na DP. Segundo FENG (2019) “a realidade virtual é um dos tratamentos mais
promissores, que proporciona estímulos visuais, auditivos e somatossensoriais”, sendo
considerada como um coadjuvanteao tratamento Fisioterapêutico. O tratamento em realidade
virtual (RV) pode ser aplicado em dispositivos comercialmente disponíveis (por exemplo, Wii
com balance board) ou em protótipos desenvolvido por pesquisadores.
A RV pode melhorar o equilíbrio estático, equilíbrio dinâmico, mobilidade, e
habilidades funcionais de indivíduos com DP. Fornecendo mais estímulos sensoriais e um
ambiente mais imersivo, refletindo o aprendizado motor e a neuroplasticidade. Diante disso,
oobjetivo dessa revisão integrativa é compreender os efeitos de um programa de tratamento
em RV na marcha e no equilíbrio em indivíduos com DP, descrever os métodos utilizados
pelos trabalhos e identificar as diferenças e semelhanças entre eles.

2 MATERIAS E MÉTODOS

Caracterização do estudo
635

Trata-se de uma revisão integrativa, onde tem por finalidade sintetizar resultados
obtidos em pesquisas sobre um tema ou questão, de maneira sistemática, ordenada e abrangente.
Logo, esta revisão integrativa fornecerá conhecimentos sobre a realidade virtual no equilíbrio
e marcha de indivíduos com doença Parkinson, para que sejam analisados e incorporados na
pratica clínica.

Estratégia de busca

Foram pesquisados artigos científicos nas bases de dados PUBMED e SCIELO, sem
restrição de língua ou ano de publicação. Foi usado como termos de busca: “virtual reality in
Parkinson”; “physiotherapy in Parkinson”.

Seleção dos estudos

Foram selecionados estudos clínicos randomizados que analisaram os efeitos da


realidade virtual como tratamento na marcha e equilíbrio de indivíduos com Parkinson. Não
houve restrição em relação ao sexo, idade, duração ou gravidade da doença. Revisões de
literaturas e ensaios clínicos não randomizados foram excluídos da seleção de estudos.

3 RESULTADOS

Foram encontrados 35 artigos nas bases de buscas utilizadas. Desconsiderando os


artigos repetidos, um total de quatro estudos estava de acordo com os critérios de elegibilidade
estabelecidos e foram analisados nesta revisão. Nos 4 artigos selecionados, foram estudados um
total de 163 indivíduos, classificados clinicamente com diagnostico definido de DP. Os estudos
tiveram suas amostras compostas por homens e mulheres entre 60-75 anos.
Os estudos tiveram como meios de avaliação: escala de equilíbrio de Berg (BBS); Time
Up and go (TUG); Escala unificada de classificação da doença de Parkinson (UPDRS);
Avaliação da marcha funcional (FGA); Escala de confiança do equilíbrio especifico (ABC);
Teste de caminhada de 10 metros (10-MWT); Índice de marcha dinâmico (DGI); Qualidade de
vida da doença de Parkinson (PDQ-8); Índice de marcha dinâmica; Escala de eficácia das
cataratas- internacional (FES-1); Questionário da doença de Parkinson (PDQ39); Teste de
636

organização sensorial (SOT). Estes instrumentos de avaliação servem para mensurar as


alterações relacionadas com o equilíbrio, marcha e instabilidade postural, direcionando os
profissionais da saúde na análise clínica. Porém, os instrumentos possuem limitações nas quais
é preciso considerar as patologias e as condições de cada paciente.

Tabela 1: Teste/questionários e suas definições usados pelos pesquisadores

Testes/ Questionários Definição


Escala de equilíbrio de Berg (BBS) Avalia a função do equilíbrio geral do
paciente. A escala inclui 14 atividades
relacionadas ao equilíbrio, como sentar e
ficar em pé, com uma pontuação total de
56 pontos. Quanto maior a pontuação,
melhor o equilíbrio, e uma pontuação
abaixo de 40 sugere um risco de queda.
Time Up and go (TUG) Utilizado para avaliar a funcionalidade na
marcha e equilíbrio. Pede-se que o paciente
se levante de uma cadeira, ande em uma
distância de 3 metros, gire e retorne até
sentar-se. O teste é considerado
normal quando o tempo do percurso for
637

inferior a 10 segundos. Se o tempo estiver


entre 10 e 19 segundos, considera-se risco
moderado de queda.
Escala unificada de classificação da Avalia o escore motor, mede os déficits na
doença de Parkinson (UPDRS) fala, expressão facial, tremor, rigidez,
coordenação dos membros, mobilidade,
marcha e estabilidade postural. Os escores
variam de 0 a 108, quanto maior mais
grave é o déficit.
Avaliação da marcha funcional (FGA) Usada para avaliar a marcha. Consiste em
10 itens nos quais o paciente caminha em
condições cada vez mais difíceis, como
girar ou andar com os olhos fechados.Cada
item é pontuado de zero a 3, em que uma
pontuação de zero indica uma incapacidade
de executar a tarefa, enquanto 3 é normal.
A melhor pontuação
é a máxima de 30.
Escala de confiança do equilíbrio É uma escala que mensura a confiança no
especifico (ABC) equilíbrio dos idosos independentes
durante a realização de atividades
específicas, levando em consideração o
medo de quedas. A escala é composta por
um questionário de 16 itens com
subescalas de 11 pontos.
Teste de caminhada de 10 metros (10- Usada para avaliar a velocidade de
MWT) caminhada em metros por segundo emuma
curta distância.
Índice de marcha dinâmico (DGI) É uma ferramenta de 8 itens usada para
avaliar a estabilidade de um paciente
durante tarefas de caminhada adaptativa.
638

Os escores variam de 0 a 24, com um


escore mais alto indicando melhor função
de caminhada.
Qualidade de vida da doença de Parkinson É uma versão abreviada do Questionário de
(PDQ-8) Doença de Parkinson de 39 itens (PDQ-39).
O PDQ-8 foi construído tirando uma
pergunta de cada domínio do PDQ-39.
Escala de eficácia das cataratas- Utilizada em idosos para indicar
internacional (FES-1) preocupações com a queda. Existem 16
itens que avaliam tarefas funcionais e
atividades relacionadas à rede social, e a
pontuação varia de 1 a 4. Uma pontuação
mais alta indica uma maior preocupação
com a queda.
Questionário da doença de Parkinson É um questionário de autorrelato que usa
(PDQ39) uma escala de 5 pontos para classificar a
qualidade de vida, incluindo a gravidade
dos sintomas na mobilidade, atividades de
vida diária, bem-estar emocional, estigma,
suporte social, cognições, comunicação e
desconforto corporal.
Teste de organização sensorial (SOT). Serve para avaliar a capacidade de
integração sensorial. O escore de equilíbrio
é obtido sob cada uma das 6 condições
visuais e de superfície de
suporte (SOT1-SOT6).

Tabela 2: Amostra e intervenção dos estudos


639

Autor e Ano Amostra (Nº Intervenção Grupo Desfecho


e sexo) (grupo Controle
experimental)
Feng e F (17) Utilizou-se o Foi realizado O escore BBS, o
M (13)
colaboradores, “exergaming” alongamentos; tempo TUGT, o
2019 ou “jogos treinamento de escore UPDRS3 e
ativos”. equilíbrio; o escore FGA
Realizou-se fortalecimento melhoraram
aquecimento; muscular; significativamente
mãos e pés coordenação no grupo
tocam a bola; motora e experimental. No
barco difícil; mobilização entanto, em
pegue o articular. Com comparação com a
labirinto e atendimentos de reabilitação da
mobilização 45 minutos, RV, não houve
articular. Com 5 vezes por diferença
atendimentos de semana, durante significativa no
45 minutos, 12 UPDRS3 entre a
5 vezes por semanas. reabilitação do
semana, durante grupo controle.
12
semanas.
Gandolfi e F (25) O treinamento O treinamento O controle
M (51)
colaboradores, do TeleWii de equilíbrio de postural estático e
2017 incluiu 10 integração dinâmico foi
exergames: sensorial melhorado nos
inclinação da (SIBT) houve pacientes com DP
640

mesa; exercícios de que receberam


escorregador de equilíbrio treinamento de
pinguim; estático e equilíbrio em casa
bolha de dinâmico sob baseado em VR
equilíbrio; esqui diferentes (TeleWii),
slalom; condições enquantoas
skate; perfeito sensoriais. melhorias na
10; inclinar sendo eles: mobilidade e no
cidade; guerra suporte de peso equilíbrio
de bolas de estático; torção dinâmico foram
neve; desfile de do maiores, em
ritmo; olho de tronco; média, naqueles
olho de transferências que receberam
pássaro; posturais; SIBT.
tralhando o suporte de peso
equilíbrio. dinâmico;
externo
perturbado;
superfícies
instáveis; bola
suíça e dupla
tarefa.
Yang e F (9) O treinamento No Este foi o primeiro
M (14)
colaboradores, em RV os convencional os estudo a compararo
2016 participantes participantes treinamento de
tiveram como também fizeram equilíbrio VR
objetivo a exercícios para baseado em casa eo
manutenção da manutenção da treinamento
postura estáticae postura e convencional de
a mudança de equilíbrio
peso dinâmica, doméstico em
641

usando os mudança de pacientes


seguintes jogos: peso. residentes na
excursão comunidade com
estrela; labirinto DP. Não foi
de encontrado
bolas; diferença entre o
inclinação da treinamento de
mesa; yoga em equilíbrio RV
casa; baseado em casa e
cozinhando; o treinamento
lavagem de convencional de
pano; corridasde equilíbrio
carros; doméstico.
caminhada no
parque e
pegando maçã.

Liao e F (13) No grupo No segundo Nele foi visto que


colaboradores, M (11) experimental os grupo foi com a RV os
2014 participantes realizado indivíduos podem
receberam exercícios de processar
exercícios Wii alongamentos, informações
Fit baseados fortalecimento e sensoriais com
em realidade equilíbrio. mais precisão, a
virtual, como: fim de controlar
exercícios de seu tronco e
yoga; exercícios membros em
de resposta a desafios
fortalecimento sensoriais. Os
e jogos de participantes do
grupo VR Wii
642

equilíbrio demonstraram
(futebol; bola aumento do
de gude no comprimento do
buraco; esquiare passo e estratégias
navegar pela de velocidade
bolha). durante a travessia
de obstáculos.

Os estudos de Feng e colaborados (2019) e Yang e colaboradores (2016) obtiveram


aumento nos escores do BBS, o de Gondolfi e colaboradores (2017) apresentou uma redução
após o tratamento com realidade virtual, o estudo ressalta que houve limitações na avaliação
instrumental para estimar o desempenho do equilíbrio, o que pode ter influenciado nessa
redução. Já o estudo de Liao e colaboradoes (2014) não usou o BBS para avaliar o equilíbrio
esim o TUG, onde também teve um aumento do escore. Assim, esses estudos evidenciam que
aRV é benéfica quanto ao equilíbrio desses indivíduos.
Levando em consideração a análise dos escores dos testes e questionários referente a
marcha, o estudo de Feng e colaboradores (2019) teve um aumento no escore do FGA e uma
redução no TUG. No estudo de Gondolfi e colaboradores (2017) o DGI teve uma redução,
enquanto que no de Yang e colaboradores (2016) ele aumentou, tendo como parâmetro a
avaliação antes de começar o tratamento. Isso comprova que a RV ajuda na marcha dos
pacientes, apesar de alguns questionários ter o escore diminuído, não é um resultado que
demostre à sua ineficácia, cabe aos estudos ter uma amostra e uma avaliação mais rígida.
O escore do UPDRS diminuiu no estudo de Feng e colaboradores (2019), isso se deu
por a escala ser composta principalmente de tremor, rigidez, fala, postura, marcha e outras
partes, essa diminuição ocorreu devido aos vários estímulos aumentarem a sensibilidade dos
órgãos sensoriais dos pacientes. No de Yang e colaboradores (2016) o escore do UPDRS se
manteve. Na pesquisa de Gandolfi e colaboradores houve uma diminuição na escala ABC.
Além da marcha e equilíbrio, foi avaliado a qualidade de vida dos participantes pelo
questionário PDQ-39, onde estudo de Gandolfi e colaboradores (2017) mostrou que o escore se
manteve, no de Yang e colaboradores (2016) teve uma redução e no de Liao e colaboradores
(2014) apresentou um aumento, o que apoiou ainda mais a noção de que o exercício não só
aumenta a função física, mas também o bem-estar emocional, o apoio social, a cognição, a
643

comunicação, e diminui o desconforto corporal. As análises de comparações foram feitas em


relação ao tratamento com a realidade virtual, e não entre o tratamento Fisioterapêutico
convencional.
Os indivíduos com DP apresentam diferenças no tempo de início, idade e capacidade
cognitiva, o que pode afetar o nível de participação no tratamento. Acreditamos que o interesse
do paciente pelo tratamento é de suma importância e pode impactar na sua participação ativa
e,portanto, seu prognóstico. Nos achados da pesquisa de Gandolfi e colaboradores (2017)
relata que pacientes com DP que possuem declínio cognitivo significativo o uso da RV pode
ser inseguro. Em consequência disso é interessante que os indivíduos tenham um
acompanhamentoprofissional durante os atendimentos. O tratamento da DP é um processo
longo e requer cooperação do paciente, sendo assim, para que a reabilitação seja divertida e
prazerosa usar a tecnologia por meio da RV é uma alternativa eficaz, principalmente quando
complementada pelo tratamento convencional.
A presente revisão quer evidenciar que não tem o propósito de fazer comparações entre
as modalidades de treinamento. O tratamento Fisioterapêutico convencional é de extrema
importância, mas para não se tornar “monótono” cabe ao Fisioterapeuta inovar. Agregar a
realidade virtual seria uma alternativa, tendo em vista os benefícios que esta modalidade
proporciona aos pacientes com DP. Logo, pode ser considerada como um coadjuvante a
Fisioterapia.

4 CONCLUSÃO
Diante dos estudos referenciados para fazer essa revisão, a realidade virtual mostrou
resultados positivos no equilíbrio e marcha de indivíduos com Parkinson. Por ser uma
modalidade de tratamento inteligente e de alta tecnologia, é vantajoso tê-la no tratamento
Fisioterapêutico convencional, tornando mais fácil promover reabilitação com diversão e
prazer. Pesquisas adicionais de alta qualidade são necessários para fornecer uma visão mais
profunda dos benéficos e efeitos nos diferentes estágios da doença através da RV.

REFERÊNCIAS
Feng, H, Li C, Liu J, Wang L, Ma J, Li G, Gan L, Shang X, Wuautor Z. Reabilitação de
Realidade Virtual Versus Fisioterapia Convencional para Melhorar o Equilíbrio e a Marcha
em Pacientes com Mal de Parkinson: Um Ensaio Controlado Randomizado. 2019. V.25.
Jornal Med Sci Monit, Heilongjiang Provincial Hospital, Harbin, Heilongjiang, P.R. China.
644

Gandolfi M, Geroin C, Dimitrova E, Boldrini P, Waldner A, Bonadiman S, Picelli A, Sara


Regazzo S, Stirbu E, Primon D, Bosello C, Gravina RA, Peron L, Trevisan M, Garcia CA,
Menel A, Bloccari L, Valè N, Saltuari L, Tinazzi M, Smania N. Telereabilitação de Realidade
Virtual para instabilidade postural na doença de Parkinson: um ensaio multicêntrico, cego
único, randomizado e controlado. 2017. V.11.BioMed Research International.

Yang W, Wang H, Wu R, Lo C, HwaLin K. Treinamento de equilíbrio de realidade virtual em


casa e treinamento de equilíbrio convencional na doença de Parkinson: Um ensaio controlado
randomizado. 2016. V.115. Journal of the Formosan Medical Association.

Liao Y, Yang S, Cheng S, Wu Y, Fuh J, Wang R. Treinamento baseado em realidade virtual


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Cabreira, Verónica; Massano, João. Doença de Parkinson: revisão clínica e atualização.Acta
Médica Portuguesa, [S.L.], v. 32, n. 10, p. 661, 1 out. 2019. Ordem dos Medicos.

Mendes, Karina dal Sasso; Silveira, Renata Cristina de Campos Pereira; Galvão,Cristina
Maria. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e
na enfermagem. Texto & Contexto - Enfermagem, [S.L.], v. 17, n. 4, p. 758-764, dez. 2008.
FapUNIFESP
645

TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO NAS DISFUNÇÕES DO ASSOALHO


PÉLVICO NO PÓS PARTO

Luzia Taynara Alves Silva1


Mariana Rodrigues Sousa2
Juliana da Silva Grippo Dantas3

RESUMO

O assoalho pélvico é a musculatura responsável pela sustentação dos órgãos pélvicos e atua
como um piso nessa região pélvica, também apresenta um papel importante na continência
urinária e fecal. Entre as disfunções do assoalho pélvico estão a; incontinência urinaria de
esforço (IUE) incontinência anal (IA) prolapsos dos órgãos pélvicos (POP) e a dispareunia,
essas disfunções apresentam se pelo enfraquecimento dos músculos do assoalho pélvico (MAP)
que tem como fatores de risco principais a gestação e o parto vaginal. A presente revisão tem
como objetivo geral, analisar quais os tratamentos fisioterapêuticos são mais utilizados nas
disfunções do assoalho pélvico no pós-parto e os seus resultados. O trabalho consiste em uma
pesquisa do tipo revisão bibliográfica integrativa. O tratamento fisioterapêutico com exercícios
de contrações dos MAP, tem uma grande influência na melhora dessas disfunções pélvicas,
promovendo aos músculos uma melhor funcionalidade e coordenação. A conclusão das
pesquisas mostrou que o tratamento fisioterapêutico promoveu melhora significativas nas
disfunções do assoalho pélvico, menos na incontinência anal.
Palavras-chaves: Pós-parto, fisioterapia, assoalho pélvico.

ABSTRACT

The pelvic floor is the musculature responsible for supporting the pelvic organs and acts as a
floor in this pelvic region, it also plays an important role in urinary and fecal continence. Among
the pelvic floor disorders are; stress urinary incontinence (SUI) anal incontinence (AI) pelvic
organ prolapses (POP) and dyspareunia, these dysfunctions are caused by the weakening of the
pelvic floor muscles (PFM) whose main risk factors are pregnancy and vaginal delivery. The
present review has the general objective of analyzing which physiotherapeutic treatments are
most used in postpartum pelvic floor disorders and their results. The work consists of an
integrative literature review type research. Physiotherapeutic treatment with PFM contraction
exercises has a great influence on improving these pelvic floor dysfunctions, promoting better
functionality and coordination to the muscles, the conclusion of the research showed that the

1
Graduanda em Fisioterapia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN
E-mail:tainaraalves40@gmail.com
2
Graduanda em Fisioterapia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte - FCRN
E-mail:mari.russas42@gmail.com
3
Mestre em Pesquisa em Saúde pelo Centro Universitário CESMAC. Docente do curso de Fisioterapia da
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte- FCRN. E-mail: jugrippodantas@gmail.com
646

physical therapy treatment promoted significant improvement in the pelvic floor dysfunctions,
less in the anal incontinence.
Keywords: Postpartum, physical therapy, pelvic floor.

1- INTRODUÇÃO

As disfunções do assoalho pélvico afetam estimadamente 28 milhões de mulheres em


todo o mundo, dentre esses distúrbios estão a incontinência anal (IA), prolapsos dos órgãos
pélvicos, dispareunia e a incontinência urinaria de esforço (IUE) que pode surgir juntamente
com prolapsos dos órgãos pélvicos (POP), afetando predominantemente mulheres no puerpério,
A Sociedade Internacional de Incontinência (International Continence Society-ICS) define a IU
como queixa de qualquer perda involuntária de urina. a IUE se caracteriza pela perda de urina
de forma involuntária, decorrente de alguma forma de esforço onde aumente a pressão
abdominal, como: tosse, espirro, e levantamento de peso (Knorst,Mara R, et al 2012)
As puérperas que apresentaram IUE e outras disfunções do assoalho pélvico (AP)
sofrem com a ansiedade, a insegurança e o medo, pois essas disfunções afetam diretamente na
qualidade de vida das puérperas, influenciando também na sua vida social, e na vida sexual
dessas mulheres, por isso torna se importante uma abordagem abrangente no tratamento das
puérperas, como um acompanhamento psicológico (Qi, Xiaowen 2019).
Durante a gestação, o assoalho pélvico é a musculatura mais sobrecarregada, pois o
mesmo é responsável pela sustentação dos órgãos pélvicos, e por manter a função da
continência urinária, e fecal, o AP consiste nos músculos elevadores do ânus, incluindo os
músculos puborretal, pubo coccígeo e iliococcígeo e os músculos coccígeos (Cho;Kim,2021).
A avaliação antes de qualquer intervenção é de grande importância para mensurar a
força de contração dos MAP e observar se apresentam eficiência e coordenação da contração
muscular. A avaliação da FMAP pode ser realizada pelo exame ginecológico, utilizando os
métodos de palpação digital vaginal, perineometria, ultrassonografia, eletromiografia,
manométrica, eletromiografia de superfície e cones vaginais, porém os métodos mais utilizadas
é a perineometria e a palpação vaginal digital, uma avaliação precisa e direcionada vai ajudar
no diagnóstico e na forma de tratamento dos MAP (Cho;Kim,2021).
O fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico na população feminina tem nível de
evidência 1A para o sucesso no tratamento da IU, o TMAP promove uma força de contração
melhor, uma continência maior e uma contração mais eficiente, torna se importante o
647

fortalecimento dos músculo tanto no pré-parto para promover um períneo mais íntegro e
prevenir futuras lesões, quanto no pós parto para fortalecer esses músculos e promover uma
melhor conscientização dos mesmos (Sigurdardottir,Thorgerdur et al, 2019).
O trabalho consiste em uma pesquisa do tipo revisão bibliográfica integrativa, dessa
forma a busca por publicações foi realizada em inglês e português em duas bases de dados,
pubmed e scielo, durante o período de junho a julho de 2022.
Os critérios de seleção dos artigos foram; artigos nacionais e internacionais, referente
aos temas de incontinência urinária, disfunções do assoalho pélvico no pós-parto, no período
de 2012 a 2021.
Os critérios de exclusão foram: artigos que não abordassem o tema do presente estudo,
artigos de revisão bibliográficas.
Foram encontrados 17 artigos, onde 7 foram excluídos por não estarem dentro dos
critérios de elegibilidade do presente estudo, e 10 artigos selecionados dentro dos critérios
descritos para a revisão.
A presente revisão tem como objetivo analisar quais os tratamentos fisioterapêuticos
são mais utilizados nas disfunções do assoalho pélvico no pós-parto e os seus resultados.

2. ASSOALHO PÉLVICO

O assoalho pélvico é a musculatura responsável por sustentar os órgãos pélvicos, que


contribuem para a manutenção da continência e consiste em um diafragma muscular em
formato de bacia, que promove a sustentação do conteúdo visceral da pelve, são compostos
pelos músculos profundo do assoalho pélvico: o levantador do anus, incluindo o puborrectal,
pubococcígeo e iliococcígeo e o músculo transverso do abdômen que atua na estabilização
lombo pélvica e também atua como um sinergista dos músculos do assoalho pélvico
(Cho;Kim,2021).
Os músculos levantadores do anus e o tônus de repouso juntos formam a placa
levantadora que resistem a pressão abdominal e tem principal função na continência urinária e
fecal, dessa forma em casos de lesão de nervo ou perda do tônus da musculatura há o
relaxamento do hiato genital, o que diminui a percepção dessa placa levantadora (Cho;
Kim,2021).
648

Dessa maneira torna-se imprescindível uma avaliação precisa dessa musculatura, para
promover um fortalecimento, e tratamento direcionado e assertivo para melhor conscientização
e funcionamento dos MAP.
Em um estudo realizado no Nepal com 10 mulheres onde foram questionadas sobre o
conhecimento dos músculos do assoalho pélvico e o seu fortalecimento, a maioria delas relatou
conhecer pouco ou nada sobre o assunto, algumas relataram o conhecimento apenas de algumas
disfunções como o prolapso dos órgãos pélvicos, pois no estudo citado é visto uma alta
prevalência de POP e IU principalmente nas zonas rurais do Nepal, porém foi observado a falta
de informação sobre a função e importância dos MAP. Esse assunto tem sido pouco abordado
e explicado às mulheres, e no estudo presente vemos a importância de um autoconhecimento
sobre o AP, suas disfunções para um bom tratamento, e fortalecimento desses músculos.
(Stensdotter, Ann-Katrin, et al 2021).

2.1 INFLUÊNCIA DA GESTAÇÃO E O PARTO VAGINAL NO ASSOALHO PÉLVICO

Alguns estudos relatam que no momento do parto vaginal há um estiramento extremo


da musculatura do AP durante a passagem do feto, também mostram que essa musculatura é
submetida a um alongamento de até 65% do seu normal em repouso, por fim foi visto que os
músculos do AP têm a sua extensibilidade aumentada em até 177% no momento da passagem
do feto.
No decorrer da fase expulsiva, os tecidos e músculos do períneo podem estar sujeitos a
laceração espontânea devido à passagem do feto pelo canal vaginal, e isso pode ocorrer por
causa do tamanho do feto ou por falta de fortalecimento e conscientização dos MAP, porém
ainda são poucos os estudos que mostrem a relação com falta de fortalecimento do AP e a
laceração do períneo. (Monteiro, Michelly et al 2021)
De acordo com Michelly e amigos 2021, durante o período da gestação, o
hipoestrogenismo relativo, semelhante ao climatério, induz a disfunção sexual das pacientes. O
estudo ainda conta que os músculos têm receptores de estrogênio e testosterona que
consequentemente diminuem com o envelhecimento e redução da função ovariana e o aumento
progressivo do volume uterino, dessa forma gerando uma maior pressão intra-abdominal e a
sobrecarga do assoalho pélvico.
649

Dessa forma, todos esses aumentos juntamente com a elevação excessiva do IMC e à
ação dos hormônios como relaxina, progesterona e estrogênio que geram maior elasticidade dos
tecidos do AP podem chegar a causar incontinência urinária e fecal, dor e dispareunia se a
musculatura não estiver fortalecida (Monteiro, Michelly et al 2021).

2.2 AVALIAÇÃO DO ASSOALHO PÉLVICO

Na prática fisioterapêutica, a força e função dos músculos do assoalho pélvico é avaliada


em gestantes, com o objetivo de verificar a capacidade dos músculos em realizar a contração
muscular e identificar possíveis disfunções.
A função dos músculos do assoalho pélvico pode ser avaliada por vários métodos como:
observação visual, palpação digital, eletromiografia (EMG), manometria ou ultrassom, é
importante ressaltar que a avaliação antes do TMAP traz grandes informações sobre a força de
contratilidade, coordenação e controle dos MAP. O presente estudo pretende destacar a
observação visual, onde a mesma é realizada para avaliar se a contração está sendo feita
corretamente, que seria apresentando uma elevação perineal, ou se a contração está sendo
realizada de forma incorreta, que seria observada pela descida perineal.
A palpação digital, com os dois esquemas de avaliação Brink score e o Laycock power,
endurance, repeats, fast, every, contraction, timed (PERFECT). Onde o escore de Brink se
utiliza uma escala de 4 pontos para mensurar a pressão da contração, o deslocamento vertical e
resistência ao aperto, já o esquema de avaliação Laycock PERFECT usa uma escala de 6 pontos
para classificar uma pontuação de força e resistência, e avaliar o número de repetições e
contrações rápidas do MAP. É de suma importância ter o conhecimento de que as mulheres
podem estar realizando a contração da musculatura errada, fazendo uma manobra de valsalva
ou forçando outros músculos, dessa forma cabe ao avaliador verificar se os músculos glúteo ou
abdominais se contraem para estar direcionando a contração para os MAP (Cho;Kim,2021).
No momento da avaliação são utilizados três critérios importantes: pressão, duração e
alteração de posição, os resultados devem ser observados pela quantidade de pressão ou a força
de contração muscular e a duração de segundos de cada contração. A avaliação dos MAP
também podem ser avaliadas pela contração e o tonus do esfincter anal, porém não é o foco do
estudo presente (Cho;Kim,2021).
650

3. DISFUNÇÕES DO ASSOALHO PÉLVICO.

Entre as disfunções do assoalho pélvico, estão presentes os prolapsos dos órgãos


pélvicos, a dispaurenia, incontinência anal e a incontinência urinaria de esforço. A
incontinência urinaria de esforço se caracteriza pela perda de urina decorrente do aumento da
pressão abdominal, seja por algum esforço como: tosse, espirro, ou levantamento de peso, isso
ocorre pela insuficiência e disfunções da musculatura do assoalho pélvico, a mesma pode vim
acompanhada de outras disfunções como a incontinência anal que é a passagem descontrolada,
recorrente de fezes líquidas ou sólidas dada por alguns fatores semelhantes aos da IU, porem
um dos fatores principais está ligado as lesões obstétrica ou lesões nervosas.
A incontinência urinária de esforço juntamente com a IA, não traz riscos de vida, mas,
afeta diretamente a qualidade de vida das puérperas, causando desconforto, ansiedade e
insegurança. Dessa forma um tratamento abrangente é de extrema importância para um bom
desenvolvimento do TMAP, como um acompanhamento psicológico e um estilo de vida
saudável (Qi, Xiaowen 2019).
De acordo com um estudo realizado com 479 puérperas, para avaliar alguns fatores de
risco para a IUE pós parto, foi relatado que o parto vaginal, a idade elevada e IMC foram fatores
de risco independentes para IUE pós-parto, onde nas puérperas de parto vaginal o estudo
revelou que a idade elevada, IMC, peso do recém-nascido e diâmetro da cabeça do recém-
nascido foram relacionadas com uma maior probabilidade de IUE pós-parto, já no caso das
puérperas de cesariana, o aumento do IMC, multíparas e tempos de parto anteriores foram
associados com probabilidade elevada de IUE pós-parto, e o aumento do IMC e multíparas
foram fatores de risco independentes para IUE pós-parto.(Qi, Xiaowen 2019)
Dentro do estudo citado foi visto que a prevalência da incontinência urinária de esforço
pós parto foi de 25,7%, o mesmo ainda relatou as possíveis explicações para os riscos dessa
disfunção pós parto vistas acima, onde o parto vaginal poderia agravar a tensão dos músculos
do assoalho pélvico e chegar a lesionar alguns nervos, dessa forma resultaria na insuficiência
dos músculos do assoalho pélvico, no caso do IMC mais alto causaria uma pressão intra-
abdominal mais elevada, sobrecarregando os MAP e gerando o enfraquecimento da
musculatura, contribuindo para a incontinência. (Qi, Xiaowen 2019).

3.1 PROLAPSOS DOS ÓRGÃOS PÉLVICOS


651

O prolapso dos órgãos pélvicos é definido pela descida dos órgãos da pelve para a
vagina, alguns fatores de risco de POP são paridade, idade avançada, obesidade, raça e etnia,
anormalidades do colágeno, histerectomia, pressão intra-abdominal elevada e antecedentes
familiar. A grande parte dos fatores de risco de POP são permanentes, o que torna de extrema
importância o papel da prevenção nessa disfunção. Ainda que a ocorrência do POP aumente
com a idade, as mulheres jovens devem se prevenir para que essas condições não venham
aparecer com antecedência.
Toda mulher deve ser consciente e entender a importância da função dos músculos do
assoalho pélvico (MAP) e prevenção de disfunções do assoalho pélvico (DAP), principalmente
as gestantes, pois a gestação e o trabalho de parto são os fatores que mais influenciam para o
futuro de POP e as DAP, pois acaba gerando uma sobrecarga extrema ao AP, dessa forma é
visto a necessidade desses músculos estarem preparados desde o pré parto da gestante (Knorst,
Mara R, et al.2012).

3.3 DISPAREUNIA

A dispareunia é uma disfunção sexual onde apresenta queixa de dor ou desconforto


persistente ou recorrente associado à tentativa ou completa penetração vaginal. Em um estudo
realizado com 554 mulheres primíparas, mostrou que a disfunção sexual é bastante comum nas
primíparas após o parto vaginal. Após os 12 meses da gestação, a maioria das mulheres que
apresentaram lacerações de terceiro e quarto grau relataram queixas de dispareunia, já aquelas
que não apresentaram laceração ou apenas laceração de primeiro grau tiveram melhores relatos.
É de grande importância a atenção para essas questões durante as avaliações, tanto no
pré-parto quanto no pós-parto, pois a prevenção dessas disfunções sexuais e lacerações podem
diminuir os efeitos e evitar que as disfunções durem além do período puerperal (Gommesen,
Ditte et al 2019).

4. TRATAMENTOS

A revisão atual pretende abordar a eficácia dos tratamentos fisioterapêuticos utilizados


para o fortalecimento da musculatura pélvica, por meio de estudos realizados com o objetivo
652

de tratar as disfunções do assoalho pélvico através do exercício de fortalecimento muscular, e


dessa forma destacar quais os tratamentos mais utilizados nas disfunções.
Um estudo de programa de treinamento do assoalho pélvico com puérperas utilizou-se
de um método de exercícios de treinamento muscular, incluindo o fortalecimento com
consciência manual, exercícios com dissociação de adutores, realizados com as paciente
sentadas e em pé, também foi aplicado os questionários FSFI (Female Sexual Function Index)
utilizados para avaliar a resposta sexual feminina no puerpério e o ICIQ-SF (International
Consultation on Incontinence Questionnaire-Short Form) para avaliar o impacto da
Incontinência Urinária na qualidade de vida e na qualificação da perda urinária. O estudo
observou melhora na função sexual (p<0,001), impacto da incontinência urinária na qualidade
de vida (p<0,001) e pressão dos músculos dos músculos PF (p<0,001) ao longo do tempo.
O treinamento dos músculos do AP no estudo citado mostrou ser um grande aliado para
o tratamento e prevenção das disfunções sexuais. Foi visto que as mulheres que se submeteram
ao programa de exercícios do estudo melhoraram a função sexual e a pressão muscular medida
pela manométrica vaginal.
Dessa forma, o trabalho citado concluiu que a prescrição de programas de exercícios
musculares do AP, com o objetivo de melhorar a função sexual de mulheres no período
puerperal, pode ser uma estratégia muito valiosa para melhorar a retomada da atividade sexual
em mulheres no puerpério (Monteiro, Michelly et al 2021).
Em outro estudo realizado na China, com 479 mulheres no período do puerpério, foi
aplicado um treinamento abrangente nos cuidados e reabilitação das funções do AP e na
prevenção da incontinência urinária de esforço. O trabalho foi dividido em 2 estágios, onde no
estágio 1 foi feito o recrutamento das 479 mulheres uma semana após o parto, e aplicado
avaliação e questionários para investigação de IUE, tipo de parto, IMC, quantidade de partos,
e tamanho do bebe, em seguida no estágio 2 foram recrutadas 240 mulheres, divididas em grupo
controle e grupo de intervenção.
O grupo de intervenção recebeu; aconselhamento psicológico, educação saudável
intensiva e orientação detalhada sobre o TMAP, que constituiu em exercício com contrações
musculares quase máximas mantidas por 6 a 8 segundos e terminou com 3 ou 4 contrações
rápidas; os exercícios foram repetidos nas posições deitada, sentada, ajoelhada e em pé com as
pernas afastadas para dar ênfase nos músculos do assoalho pélvico e ajudar a relaxar os demais
músculos; e uma série de exercícios consistiu em 12 vezes contrações máximas dos MAP. Por
653

fim, a incidência de IUE pós-parto foi diminuída no grupo intervenção (15,0%) em comparação
com o grupo controle (31,7%) após as intervenções (P  = 0,002).
O estudo mostrou que a intervenção com o TMAP reduziu a incidência de IUE pós-
parto e melhorou as funções dos MAP das puérperas, contribuindo para a prevenção da IUE
pós-parto. (Qi, Xiaowen 2019).
Muitos estudos têm mostrado evidências significativas de melhora da função dos MAP
através do treinamento de fortalecimento, como no caso do trabalho aplicado com puérperas de
6 a 9 meses após o parto, com o objetivo de reduzir a incontinência urinaria e anal. A
intervenção consistiu em 12 sessões, com duração de 45-60 minutos, seguida por média de 3 a
7 meses. As participantes se reuniam uma vez por semana com um fisioterapeuta de saúde da
mulher.
O dispositivo de biofeedback NeuroTrac Simplex com sensores vaginais foi utilizado
para facilitar o fortalecimento dos músculos do AP, e o tratamento foi realizado com 10
contrações próximas ao máximo em períodos de espera de 7 segundos, com um descanso de 10
segundos entre as contrações.
Durante as primeiras 2 consultas, as mulheres foram orientadas a realizar 2 sessões com
um descanso e depois 3 sessões de 10 contrações, durante cada visita. As participantes foram
encorajadas a continuar usando o dispositivo de biofeedback e relaxar seus MAP associados a
respiração diafragmática entre as contrações. A partir das consultas 8 e 9, as mulheres foram
incentivadas a adicionar 3 contrações rápidas ao final de cada contração e a fazê-lo nas sessões
restantes, elas ainda foram orientadas a fazer os exercícios em casa, de 10 contrações dos MAP
próximos ao máximo, 3 séries por dia e realizar a pré-contração dos MAP antes de tossir e
espirrar.
Ao final os resultados mostraram que a intervenção teve um impacto significativo na
melhora da incontinência urinária e incômodos relacionados, também foi observado melhora
da força muscular do AP, porem sobre a incontinência anal não foi observado diferença
significativas entre os grupos de intervenção e controle. (Sigurdardottir,Thorgerdur et al, 2020)
Conforme um estudo controlado randomizado, aplicado em 58 mulheres com prolapso
de órgãos pélvicos, onde as mesmas foram divididas em três grupos, grupo um seria aplicado o
treinamento dos MAP, grupo dois exercícios hipopressivos associado ao treinamento dos MAP
e o grupo três o grupo controle. O protocolo de treinamento diário domiciliares para o GI foi
654

constituído por três séries de 8-12 contrações próximas ao máximo por dia, nas posições
deitada, sentada e em pé, e cada contração foi mantida por 6-8 segundos.
O protocolo para o GII consistiu em 10 repetições de exercícios hipopressivos nas
posições deitadas e em pé, associados a contrações dos MAP por 3 a 8 segundos. Ainda que o
número de contrações tenha apresentado diferença entre os dois grupos, os tempos excedidos
nos exercícios diários se apresentaram semelhantes.
O trabalho mostrou que houve aumentos significativos na área de secção do músculo
elevador do ânus em ambos os grupos de tratamento, em comparação com o grupo controle (P
<0,001) porém nas mulheres que realizaram treinamento específico dos MAP (grupo I)
apresentou melhora em cerca de 50% em comparação aos que realizaram o treinamento dos
MAP associado ou treino hipopressivo (grupo II) onde apresentou melhora de 20% após o
tratamento (Bernardes, Bruno Teixeira et al,2012).
Em outro trabalho realizado em Porto Alegre com 48 mulheres com IU, e POP, foi
aplicado exercícios de cinesioterapia de ativação do assoalho pélvico com o auxílio de bola e
faixa elástica. Os exercícios propostos foram os seguintes: ponte pélvica em decúbito dorsal,
abdução e adução de quadril com a paciente na posição decúbito dorsal e, após, sentada. Todos
os exercícios envolvem contrações isotônicas e isométricas sustentadas por 6 segundos, com
uma série de dez repetições para cada tipo de exercício usado, foram, por fim, realizadas duas
séries de cada exercício.
Diferente dos outros estudos abordados, este utilizou a eletroterapia, com um aparelho
modelo Dualpex 961 URO (fabricante QUARK; Piracicaba SP) conectado a um eletrodo
introduzido na vagina com intensidade de acordo com a tolerância da paciente, chegando a
corrente máxima de 60 MA, durante 10 minutos. Em comparação com os outros trabalhos, este
ainda abordou os diferentes tipos de IU, dessa forma os parâmetros da corrente elétrica
variavam de acordo com o tipo de IU apresentado pelas pacientes.
As mulheres foram divididas em dois grupos, as que apresentavam POP e aquelas que
não apresentavam POP. Os resultados dos estudos em relação a comparação da função
muscular do assoalho pélvico medida pelo perineômetro, para as pacientes sem prolapso, não
se identificou diferença estatística significativa quando comparados pré e pós-tratamento
(p=0,136). Porém nas mulheres com prolapso, foi observado um aumento significativo na
função muscular após o tratamento (p=0,048).
655

O presente estudo ainda relatou uma comparação importante, onde foi constatado de
acordo com os resultados que a Incontinência urinária mista prevaleceu em 48% da amostra.
Porém, quando comparado o tipo de IU com a presença de POP, 84,2% das pacientes
apresentavam IUE. Ao final, o estudo confirmou que mulheres multíparas e que fizeram parto
vaginal têm maior probabilidade de apresentar diminuição da função muscular do assoalho
pélvico contribuindo para IU feminina (Knorst, Mara R, et al.2012).
De acordo com um estudo realizado com 64 mulheres que apresentavam dispareunia,
onde foram divididas em dois grupos, um experimental e o outro, o grupo controle. O grupo
experimental recebeu tratamento uma vez por semana, com a duração de três meses e grupo
controle não recebeu tratamento, os dois grupos foram submetidos a avaliação inicial onde foi
feito a palpação digital para avaliar a contração e o relaxamento dos MAP, a força e a resistência
foi avaliada pela escala de oxford modificada que varia de 0 a 5 graus.
Sendo assim, o tratamento do grupo experimental consistiu em 10 sessões, cada sessão
com duração de 15 a 20 minutos de técnicas manuais, para liberar pontos-gatilho no assoalho
pélvico, usando liberação miofascial intravaginal de tecidos moles e massagem intravaginal
profunda, e 20 a 25 minutos de TENS de alta frequência usando eletrodos intravaginais (a 110
Hz para 80-80 Hz). ms duração do pulso e intensidade máxima tolerável para aliviar a dor. os
participantes também foram orientados a realizar exercícios graduados dos MAP com
instruções apropriadas do fisioterapeuta.
Por fim, o estudo obteve resultados significativos, na melhora do grupo experimental
em comparação com o grupo controle. A diferença média na força dos MAP (de acordo com a
escala Oxford de 0-5) entre os grupos foi de 2,01 e a diferença média de resistência foi de 6,26.
Todas as alterações se apresentaram estatisticamente significativas (p  < 0,05). O estudo
mostrou que o programa de reabilitação aplicado melhorou a dor gênito-pélvica, a função
sexual, a força dos MAP e a resistência em mulheres com dispareunia sintomática.
(Ghaderi,Fariba 2019)

Tabela 1- Dados da amostra e detalhes da avaliação e tratamentos.


656

Os dados vistos na tabela relatam os tratamentos mais utilizados nas pesquisas


abordadas, onde os exercícios de fortalecimento dos MAP foram os mais utilizados nos estudos
revisados, promovendo uma melhor funcionalidade dos músculos, a maioria dos estudos
também tiveram os mesmos objetivos de avaliação dos MAP, porém quanto às ferramentas de
avaliação, foram diversificadas em alguns estudos.

5 CONCLUSÃO

Os exercícios de fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico realizados de forma


direcionada a ativação dessa musculatura mostraram ter evidências significativas na melhora
das disfunções do assoalho pélvico e na melhor funcionalidade dos MAP.
657

O recurso mais utilizado nas pesquisas foi a cinesioterapia, aplicando exercícios de


fortalecimento dos MAP, a mesma mostrou grande eficiência em comparação com os outros
recursos abordados.
A fisioterapia proporcionou um papel muito importante para prevenção, tratamento e
diminuição dos sintomas causados pela incontinência urinária, dispareunia e prolapsos dos
órgãos pélvicos, com os exercícios de contrações pélvicas e orientações de como realizá-las de
forma correta. Já na incontinência anal não foi visto melhora significativas dos sintomas
relacionados.
Ainda foi concluído que a gestação, e principalmente o parto vaginal tem grande
influência no futuro surgimento das disfunções do assoalho pélvico.

REFERÊNCIAS

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and anal incontinence?.American Journal of Obstetrics &
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9378%2819%2931116-0

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urinary incontinence.Journal of Exercise
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659

PSICOLOGIA
660

A CULTURA DOS RITUAIS FÚNEBRES: a despedida como uma construção social

Raquel Martins Firmino1

Prof. Dra. Karlla Christine Araújo Souza2

RESUMO

Este artigo apresenta uma pesquisa bibliográfica a respeito da temática dos rituais fúnebres e
como a cultura de algumas sociedades compõe o ritual de despedida, bem como a sua maneira
de lidar com a morte e o luto. Buscando entender a morte como um processo natural que
compõe a vida, podemos entender que o ritual é algo essencial para os seres humanos, sendo o
rito fúnebre também uma forma de ressignificação das relações entre vivos e mortos, que
precisa ser feita em virtude da saúde mental daqueles que estão passando pelo enlutamento,
pois é preciso retirar o investimento libidinal que antes era direcionado para a pessoa que
morreu, assim podendo vivenciar um luto doloroso, mas não patológico. Os rituais refletem
valores da sociedade, com isso a morte sendo um evento inevitável, pode-se observar que o
rito mortuário tem uma íntima ligação com as normas sociais e com a ideia de finitude.
Palavras-chaves: Rituais fúnebres; Cultura; Morte; Luto.

ABSTRACT

This paper presents a bibliographic research on the theme of funeral rituals and how the culture
of some societies composes the farewell ritual, as well as their way of dealing with death and
mourning. Seeking to understand death as a natural process and as part of life, we can
understand that ritual is something essential for human beings, and the funeral rite is also a
form of re-signification of the relationships between the living and the dead, which needs to be
done because of the mental health of those who are going through bereavement, since it is
necessary to withdraw the libidinal investment that was previously directed to the person who
died, thus being able to experience a painful but not pathological mourning. The rituals reflect
societal values, with death being an inivitable event, it can be observed that the mortuary rite
has an intimate connection with social norms and with the idea of finitude.
Keywords: Funeral Rituals; Culture; Death; Mourning.

1 INTRODUÇÃO

1
Bacharela e licenciada em Psicologia pela FCRN; Pós-granduanda em Teoria Psicanalítica – FAF; Mestranda
no programa PPGCISH - UERN. Email: raquelmfirminopsi@gmail.com
2
Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba PPGS/UFPB; Doutorado em Sociologia pela
Universidade Federal da Paraíba PPGS/UFPB; Pós-doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Email:karllasouza@uern.br
661

São só dois lados da mesma viagem


O trem que chega é o mesmo trem da
partida, a hora do encontro é também
despedida.
(Maria Rita Camargo Mariano)

A morte é um processo natural que todos os seres humanos um dia irão experienciar,
seja essa vivência através da própria morte ou de terceiros, como um ente querido, um colega
de trabalho ou até mesmo desconhecidos com mortes que podem gerar comoção popular. Freud
(1920) afirma categoricamente que o destino de toda vida é a morte. Com isso, fala sobre a
morte de forma inevitável, experiência a qual todos os seres vivos estão fadados a passar.
Embora seja tratado de forma natural, Freud (1917) fala sobre como essa experiência
pode ser dolorosa, sendo um dos mais intensos sofrimentos humanos. Ainda assim, é necessário
a elaboração dessa perda e o desinvestimento libidinal que antes era direcionado para essa
pessoa que morreu. Acredita-se que os ritos têm um papel importante para auxiliar nesse
desligamento, respeitando o sentimento sem a intenção de silenciar o enlutado.
A sociedade contemporânea, muito interessada nas ciências exatas, procura esquecer a
morte, este momento inevitável. E com isso tenta se separar das crenças e ritos antigos, porém
no dia de nossa passagem estamos desvalidos e impregnados de medo, enquanto as civilizações
passadas ficavam em estado de aceitação e contentamento por acreditarem estar seguindo para
outro mundo. Então há de ser conveniente falar sobre a morte, com o propósito de atravessar
nossa angústia? (BAYARD, 1996).
Os rituais fúnebres são um direito conquistado que tem suas reverberações sociais e
espirituais. A peça de Sófocles, Antígona conta a história de uma mulher que mesmo correndo
risco de morte, decide enterrar seu irmão, que por decreto do novo rei deveria ser privado das
honrarias fúnebres. Havia uma crença que os rituais de passagem eram necessários para que a
alma do morto não ficasse condenada a uma eternidade vagando sem destino, assim Antígona
é uma mulher subversiva que não aceitou se submeter diante de uma injustiça, decide arriscar
sua própria vida para poder sepultar seu ente querido, pois também não suportava a ideia de
não fazê-lo. Podemos perceber que esses rituais também refletem como uma sociedade lida
com a morte e suas crenças em torno da mesma.
De acordo com Han (2021, p. 9) “Rituais são ações simbólicas. Transmitem e
representam todos os valores e ordenamentos que portam uma comunidade”. Sendo assim,
662

iremos observar que cada comunidade possui sua forma de simbolizar suas perdas e honrar ou
temer seus mortos. E é isso que iremos descrever ao longo desse estudo bibliográfico.
Este artigo trata-se de pesquisa bibliográfica. De acordo com Gil (2008) a pesquisa
bibliográfica se caracteriza pela análise de conteúdos teóricos publicados, sejam eles escritos,
impressos ou eletrônicos. A pesquisa bibliográfica tem como principal vantagem a abrangência
que é proporcionada ao investigador, diante de maior cobertura de fenômenos e informações
do que aquela que poderia ser explorada diretamente (GIL, 2002).
Este trabalho tem como objetivo buscar pelo conhecimento acerca da importância dos
ritos fúnebres, conhecer algumas das variadas expressões ritualísticas, bem como observar se
esses rituais foram se transformando ao longo das décadas. Partindo da hipótese de que a
sociedade atual possui uma forma diferente de lidar com a morte, fazendo com que isso gere
uma alteração na modalidade dos rituais de despedida.

2 A MORTE E A DOR DO LUTO

Aspiro a tornar os homens alegres pela


compreensão da morte.
(Mauro Magre)

Grande mistério inominável da vida, a morte é um fenômeno que nos faltam palavras
para descrever, algo que nos deixa sem palavras para pensar e nomear. A impossibilidade de
simbolização, de compor ideias e pensamentos sobre, nos coloca em um estado amedrontador
diante da morte. A palavra Morte por si mesmo não alcança a ideia do que ela é, cabe a cada
sujeito buscar palavras outras para simbolizar o que seja, tais palavras estão impregnadas de
crenças, fantasias e ideias. Sejam elas “passagem”, “reencarnação”, “fim” essas palavras tentam
aproximar-se da explicação. Mas mesmo estas são fracas para descrever a grandeza do que se
imagina e pouco se sabe (CASSORLA, 2012).

A morte não pode ser esquecida com facilidade. Sobretudo quando se trata de uma
pessoa próxima, é talvez o golpe mais violento que a existência dirige ao homem. Ela
significa uma terrível ameaça ao grupo humano e exige alterações substanciais na
organização da vida, sobretudo quando é inesperada, A morte de uma pessoa adulta
significa normalmente dor e solidão para as pessoas que sobrevivem a ela: verdadeira
chaga que põe em risco a vida social. (RODRIGUES, 1975, p. 51-52)
663

Mesmo sendo um processo doloroso, a morte é um acontecimento natural que todos os


seres humanos um dia irão experienciar, seja essa vivência através da própria morte ou de
terceiros, como um ente querido, um colega de trabalho ou até mesmo desconhecidos com
mortes que podem gerar comoção popular. Com isso, falar sobre a morte de forma inevitável,
experiência a qual todos os seres vivos estão fadados a passar.
Elisabeth Kúbler-Ross (1975) em seu livro, Morte: estágio final da evolução, traz uma
história de origem Budista:

Parábola do grão de mostarda

Certo dia uma mulher que estava cuidando de tarefas domésticas, deixou seu único filho
brincando no quintal, quando de repente ouviu um grito estarrecedor e correu ao encontro de
seu menino, vi que a criança estava caída no chão e ela pode observar que uma cobra estava
se afastando dele. Ela pegou seu filho nos braços e saiu correndo desesperadamente em busca
de ajuda, o menino já estava pálido e as pessoas a quem ela digiria-se pedindo socorro,
apontavam que o menino estava morto, até que um homem compadecido da dor e desespero
que a mulher sentia, falou que a mesma procurasse o Buda, que ele sim a poderia ajudar.
Chegando ao encontro do Buda, a mulher lhe suplica que a ele desse o “antídoto” para curar
seu filho - ela não estava conseguindo entender que seu filho já estava morto - Buda então fala
para a mulher que vá até a cidade e procure por grãos de mostarda e estas sementes iriam
curar a doença de seu filho (a morte). No entanto só serviria a semente de mostarda onde as
pessoas da casa nunca houvessem encontrado a morte (não poderia ter morrido nem mães,
pais, filhos, irmãs, irmãos, avós, avôs, amigos, parentes, criados ou animais de estimação) e
assim seguiu sua saga. A cada casa que batia as pessoas lhe falavam de alguma perda que
tinham sofrido, no início acreditava que ninguém poderia compreender sua dor, mas percebe
que não havia uma só casa que os moradores não houvessem experienciado a dor de perder
alguém. Então pode entender a mensagem de Buda, que a morte é inevitável a todos os seres
vivos, sendo um ciclo natural que todos irão passar, sendo a lamentação e não aceitação desse
destino, apenas fonte de dor. Liberta da falsa esperança e angústias infundadas, segue sozinha
para o local onde dará destino ao corpo morto de seu filho, mas sentia como se tivesse
acompanhada de muitas pessoas conhecidas e desconhecidas, ofertando seu último adeus ao
seu menino.
664

Podemos compreender que a mãe da parábola está passando pela dor do luto, pois
acabara de perder seu filho e em primeiro momento não conseguiu conceber tal ideia e enfrentar
a dor de nunca mais vê-lo. Porém, ao final da parábola a mulher consegue compreender a morte
como um processo inevitável da vida, e mesmo que prematura e dolorosa, teria de haver a
aceitação para a travessia da dor.
O luto é necessariamente uma reação inevitável à perda de alguém que se ama ou de
algo que está representando esse lugar, como por exemplo um ideal, pátria, liberdade e etc. O
sujeito passando por um processo de enlutamento, perde o interesse no mundo externo, afasta-
se de qualquer realização que não esteja ligado à memória do falecido, perde também a
capacidade de eleger um novo objeto de amor naquele momento. Sendo assim, podemos
observar que o Eu está dedicando-se exclusivamente ao luto, e nada mais lhe provoca o
interesse (FREUD, 1917).
É possível compreender que essa posição não está em consonância com a realidade,
pois a mesma revela que o objeto amado não está mais disponível, exigindo do sujeito a total
retirada da libido, antes investida no objeto. Porém não é incomum que esta pessoa apresente
relutância em abandonar essa posição libidinal, mesmo já havendo um possível substituto.
Acredita-se que paulatinamente seja realizado o desinvestimento, para isso será depositado
grandes quantidades de energia e tempo para a elaboração de cada lembrança e expectativa na
qual a libido associou ao objeto perdido (FREUD, 1917).
De acordo com Nasio (1997) quando surge a recusa do reconhecimento inevitável da
perda, mesmo que haja uma temporária atenuação da dor, esse movimento beira à loucura,
como consequência, quando esses movimentos de rebelião se atenuam, a dor ressurge ainda
mais viva do que anteriormente. (NASIO, 1997).

O normal é que vença o respeito à realidade. Mas a solicitação desta não pode ser
atendida imediatamente. É cumprida aos poucos, com grande aplicação de tempo e
energia de investimento, e enquanto isso a existência do objeto perdido se prolonga
na psique. Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se
achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida, e em cada uma sucede o
desligamento da libido. Não é fácil fundamentar economicamente por que é
tão dolorosa essa operação de compromisso em que o mandamento da realidade
pouco a pouco se efetiva. É curioso que esse doloroso desprazer nos pareça
natural. Mas o fato é que, após a consumação do trabalho do luto, o Eu fica
novamente livre e desimpedido. (FREUD, 1917, p.129-130)
665

Portanto, o trabalho do luto é um processo demanda um tempo a elaboração psíquica.


Na tragédia escrita por Shakespeare, Hamlet, o príncipe é impedido de realizar o luto de seu
pai, por conta do desrespeito aos ritos funerários, esse é um exemplo de luto não realizado, ou
mesmo “feito às pressas”. Esse movimento pode ser catastrófico e enlouquecedor, podendo
determinar ações e o destino do sujeito (SALLES; CECCARELLI, 2012).

3 OS RITOS FÚNEBRES

A morte encerra uma vida, não uma relação.


(Mitch Albom)

É sabido que o homem das antigas civilizações, ao tomar consciência de sua finitude
busca a separação de seu envoltório corporal. A prática de realização dos ritos comprova a
crença na vida após a morte, e os rituais se dão como um facilitador de acesso a nova vida.
Existem uma grande variedade de ritos fúnebres, que envolvem algumas questões que estão
para além da cultura e costumes, sendo essas o sexo, idade e posição social do falecido
(BAYARD, 1996).
Sendo os rituais consolidados de forma sociocultural, proporcionam eixos de
ressonância, das quais tornam experiênciáveis os vínculos de ressonâncias verticais (ligadas à
eternidade, ao universo, ao tempo e Deus), horizontais (para com a comunidade social) e
diagonais (relacionadas às coisas) (ROSA, 2016).
No passado as pessoas tinham um afinco em preparar-se para a morte. A boa morte era
caracterizada por aquela que não pegasse de surpresa o sujeito, as atitudes de preparação eram
o acerto de débitos, orientações para o velório e destinação dos bens (REIS, 1991).
João José Reis, no quarto capítulo de seu livro A morte é uma festa trás alguns exemplos
do que seria a preparação para boa morte, segue o caso do governador Afonso Furtado de
Mendonça que pressentiu o seu fim:

Mendonça procurou “assegurar a vida eterna com uma boa partida”. Ao longo de seus
dias de agonia, o governador deu ordens, fez consultas e reuniões com muitas pessoas
que cercavam todo o tempo seu leito de morte. Ele cuidou de coisas do Estado,
indicando uma junta sucessora, de coisas privadas, garantindo o pagamento de seus
empregados, e de coisas da alma, confessando, ordenando missas, distribuindo
esmolas, orando. Em meio a muita atividade, o moribundo presidiu seu fim. (REIS,
1991, p.91)
666

No intuito de assegurar a paz e o descanso das almas dos mortos foram criados alguns
rituais. Era de extrema importância que antes da morte houvesse honras e absolvição,
constituindo-se de duas ações: purificação e benção. As pessoas rodeavam o moribundo para
fazer rezas, acreditando que estas iriam ofertar proteção contra-ataques demoníacos; eram feitos
um conjunto de ações religiosas para obter o perdão dos pecados. A absolvição era feita em três
ocasiões: o corpo em vida, morto e no túmulo (KÓVACS, 2012).
Existem algumas definições dos ritos, trarei a perspectiva de Jean-Pierre Bayard (1996)
ele expõe os ritos de oblação, retenção, purificação e de passagem:

a) Ritos de Oblação: são todas a atitudes voltadas para manifestações emocionais para
com o defunto, demonstrações de amor, respeito e afeto. Incluso o processo de
toalete mortuária, que são os atos que envolvem a promoção de higienização e
embelezamento do cadáver.
b) Ritos de Retenção: todos os ritos que são destinados para adiar a separação. (ex:
velório)
c) Ritos de Purificação: são os ritos que possuem objetivo de liberar o acesso do morto
ao mundo espiritual.
d) Ritos de Passagem: momento essencial para a separação entre vivos e mortos, dos
quais os anteriores são apenas a preparação para ele. Tem o papel de garantir o novo
status de post-mortem do cadáver.

O processo do rito se inicia na agonia, fato intrínseco da vida. Assim se inicia o cortejo
de acompanhar o moribundo (fase que se inicia o também o luto dos vivos). E assim seguem
para o velório, as exéquias, os pêsames e o luto público (para personalidades ilustres e de altos
cargos), social (uso de roupas pretas, brancas, azuis ou amarelas, dependendo da cultura que o
enlutado será inserido), e psicológico (sentimento de pesar e dor). Enfim, os cerimoniais
fúnebres se estendem até o culto aos mortos ou até as visitas ao túmulo (para alguns, dia 2 de
novembro). (BAYARD, 1996)

O funeral antigo era vivido como um ritual de descompressão tão eficaz quanto maior
fosse a difusão de signos, quantos mais gestos e obetos simbólicos fosse capaz de
produzir. E quanto mais gente pudesse acompanhá-lo. Quando Lindley o associou a
distração, captou um aspecto importante do comportamento da época. O espetáculo
667

fúnebre realmente distraia o praticipante da dor, ao mesmo tempo que chamava o


espectador a participar da dor. (REIS,1991, p.138)

Em alguns rituais estão presentes os cânticos e ladainhas religiosas que proporcionam


um âmbito emocional de respeito a morte, que pode evocar calma ou tristeza. Nesses funerais
estão também presentes as Carpideiras, profissionais que recebem um pagamento para chorar
pelo morto no velório, tem sua existência datada a mais de dois mil anos, são comuns nas
comunidades rurais (COSTA, 2019).
O choro emocionado das mulheres familiares era essencial, porém a presença das
carpideiras comunicava o primeiro anúncio do luto, os choros exorbitantes serviam para
anunciar, mas também para afastar espíritos maléficos de perto do morto, assim como afastar
o próprio espírito do defunto de perto dos vivos. Quanto mais violenta tenha sido a morte ou
se o sujeito tiver falecido jovem, mais vigorosas são as lamentações (REIS, 1991).

3.1 O Ritual como uma função

Os ritos são no tempo o mesmo que o domicílio é no espaço.


(Antoine de Saint-Exupéry)

Os ritos mortuários possuem um papel para a nova simbolização da relação entre vivos
e mortos, onde os vivos irão “teatralizar a última relação”, tocar o corpo do morto, velar por
ele, falar com o mesmo. Tudo isso recria a presença viva do defunto e nessa encenação
proporciona o tempo de aceitação para o novo estado da relação. O rito fica situado fora do
tempo, sendo vivenciado de um modo a controlar a duração. É exatamente esse efeito
estruturador que resulta em uma tranquilidade diante de uma nova situação (BAYARD, 1996).
O ritual tem como uma das características principais a repetição, se diferenciando da
rotina por conta de seu potencial para produzir uma intensidade. É justamente por essa
uniformidade e repetição que estabilizam e ancoram o sujeito, sendo este alvo de alterações
cotidianas, as coisas e os ritos realizam esse trabalho de tornar a vida suportável (HAN, 2021).

(...) sempre recorremos ao poder estruturador dos ritos quando nos vemos em
situações novas e desconhecidas. Esse poder reside no fato do o rito lidar com o
imaginário ao apresentar soluções mesmo que mágicas para dominar a realidade, tal
como a fantasiamos. (MIGLIORINI, 2009, p.25)
668

Partindo disso, podemos entender que a produção fúnebre era de interesse dos viventes,
pois através do rito poderiam expressar suas aflições e dispersar a angústia, tendo em vista que
a morte de alguém tem o poder de evocar o caos, mesmo que já fosse esperada ou desejada,
simboliza a ruptura de um cotidiano. “Mas se a ordem perdida com a festa retorna com o final
da festa, a ordem perdida com a morte se reconstitui por meio do espetáculo fúnebre, que
preenche a falta do morto ajudando os vivos a reconstruir a vida sem ele. ” (REIS, 1991, p.138)
Aquilo que é temível na morte é exatamente o quanto de morte há nela, por isso que
para o rito é dado ao defunto aspecto de vida: passando pelo banho, maquiagem e belas
vestimentas, deixando-o assim com uma aparência aprazível. As coroas que contém
homenagens, as flores que estão no caixão e as que são jogadas nas sepulturas, estão também
presentes nos ritos de vida (casamentos, nascimentos e aniversários). “O que se teme na morte
é exatamente o que ela tem de morte, e o que nela se cultua é o amor à vida. ” (RODRIGUES,
1975, p.61-62).
João José Reis (1991) em seu livro A morte é uma festa traz alguns relatos do século
XIX, conta que a maioria das pessoas morriam sem os devidos sacramentos, seja pelas
condições da morte ou pela falta de padres para realizar os rituais. A comunidade de Santana
de Serrinha em 1835 enviou uma petição exigindo que fossem nomeados padres para que os
mortos pudessem ter os sacramentos de penitências e outros.
Chama também a atenção o que alguns ilhéus das ilhas dos Frades, Bom Jesus, Vacas,
Santo Antônio, Ilhote e Itapipuca, na baía de Todos os Santos, pediram uma freguesia
independente da cidade que ficava no continente. Com a alegação de que existia a privação de
socorros espirituais, pois seus mortos estavam chegando a falecer sem os devidos sacramentos.
Os ilheús falam que as famílias sofriam duplamente, primeiro pela perda de seu ente querido e
segundo por vê-lo partir sem os sacramentos (REIS,1991).
Caso que nos lembra Antígona, que ao não suportar ver seu irmão privado das honrarias
fúnebres, prefere arriscar sua vida para poder dar destino ao corpo e a alma de seu irmão. Como
podemos observar ao longo desse trabalho, os ritos fúnebres possuem algumas funções, e essas
são essenciais para destinar algumas emoções do enlutado que então na ordem do insuportável.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
669

O trabalho procurou trazer um conhecimento introdutório a respeito dos rituais


fúnebres. Pode-se inferir que o estudo buscou trazer contribuições para a sociedade, por meio
do conhecimento sobre os ritos fúnebres, suas variedades. Tendo como o objetivo explicar
como acontecem e suas etapas. Para isso, falar sobre morte e luto foi necessário para melhor
compreensão das significações dadas pelas comunidades aos seus mortos.
O trabalho mostrou que o ritual fúnebre possui maior importância para os vivos, que
irão por meio deste ter maior tempo para elaboração da realidade e do novo relacionamento
que terá com o morto. As etapas dos ritos são necessárias para proporcionar maior segurança
da vivência da dor que o enlutado está vivenciando com a morte de seu ente querido.
Os ritos fazem um papel importante para o processo de luto, que deve ser realizado pelo
sujeito, mesmo que seja doloroso, pois atravessando o luto é possível encontrar novas
significações para continuar vivendo sem a pessoa falecida.
Para isso é preciso compreender mais sobre as transformações sofridas ao longo das
décadas, observar o passado como uma forma de se conhecer e entender como o fenômeno
acontece no presente. Em uma época de enfraquecimento de ritos perceber o que persiste, e
entender quais as implicações da não realização dos mesmos.
Estudos sobre a temáticas se fazem necessários, para que haja a possibilidade de maior
compreensão sobre os fenômenos dos ritos, como também sobre sua função para a sociedade
contemporânea.

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671

A EROTIZAÇÃO, A INFÂNCIA E OS DESENHOS ANIMADOS: problemática e


soluções

Sandonaity Monteiro Amorim Júnior 1


Ruan Cledson Dantas de Macedo Nuto2

RESUMO

Os desenhos animados são detentores de um grande poder de atração principalmente para com
as crianças, por possuírem está habilidade eles são responsáveis por influenciarem direta ou
indiretamente na formação desses pequeninos. Está problemática se torna mais séria quando se
percebe que muitas vezes estas animações não estão realmente interessadas em auxiliar no
desenvolvimento infantil. É até comum encontrar em alguns desenhos traços de erotização.
Neste sentido este trabalho pretende analisar o porquê estes desenhos possuem tais traços e
como isto prejudica o desenvolvimento infantil. Será possível perceber que a ingressão do
mundo mercadológico na criação dos desenhos animados foi um dos maiores agravantes para
que ocorresse a inseminação de conteúdos eróticos nas animações. Aqui o problema central é
entender que um homem que não teve sua infância valorizada tenderá a não se valorizar, tenderá
a ser um ser humano imaturo, que perdeu as rédeas da sua vida para o mundo da efemeridade
dos sentidos. No fim será realçado que não se pretende fazer com que as crianças deixem de
assistir seus preciosos desenhos, todavia ao assistirem é necessário que elas tenham o apoio dos
educadores para poderem internalizar da melhor maneira aquilo que se assiste. Para a realização
deste trabalho é utilizado como método de pesquisa a revisão bibliográfica tendo como base de
pesquisa os textos dos autores: Rafael Lhano Cifuentes, Erik Erikson e Mariana Lemes.
Palavras-Chave: infância, desenvolvimento humano, erotização, desenhos animados.

ABSTRACT

Cartoons are holders of a great power of attraction mainly towards children, because they have
this ability they are responsible for directly or indirectly influencing the formation of these little
ones. This problem becomes more serious when one realizes that many times these animations
are not really interested in helping children's development. It is even common to find traces of
erotization in some drawings. In this sense, this work intends to analyze why these drawings
have such traits and how this harms child development. It will be possible to perceive that the
entrance of the market world in the creation of the cartoons was one of the biggest aggravating
factors for the insemination of erotic contents in the animations to occur. Here the central
problem is to understand that a man who did not have his childhood valued will tend not to
value himself, he will tend to be an immature human being, who has lost the reins of his life to
the world of the ephemerality of the senses. In the end it will be emphasized that it is not
intended to make children stop watching their precious drawings, however when watching it is
necessary that they have the support of educators so they can better internalize what they watch.
1
Graduado em filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e é graduando em teologia pela Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail: sandonaity@gmail.com
2
Orientador. Especialista em Transtornos alimentares e cirurgia bariátrica; docente da Faculdade Católica do
RN. E-mail: ruan.nuto@professor.catolicadorn.com.br
672

To carry out this work, the bibliographic review is used as a research method, based on the texts
of the authors: Rafael Lhano Cifuentes, Erik Erikson and Mariana Lemes.
Key-Words: childhood, human development, eroticization, cartoon.

1 INTRODUÇÃO

É comum encontrar adultos com uma vida perscrutada por eroticidade, seja através de
músicas, filmes, novelas e etc... Isto sem dúvida se caracteriza como um problema, todavia a
questão se torna mais séria quando este mundo erótico invade a infância e é tratada com
banalidade. O ingresso desses conteúdos eróticos acontece de forma tão “maquiada” que muitas
vezes se torna até difícil percebê-los. Ora, um dos meios pelo qual a criança tem contado com
essa eroticidade é através dos desenhos animados, um mundo que à primeira vista é pura
ludicidade, mas que carrega consigo uma grande carga informacional (BARBOSA; GOMES,
2013, p.330) Tendo em vista este contexto, o presente estudo pretende, primeiramente, analisar
de maneira detalhada o que é a infância e como as crianças se prendem tanto ao mundo lúdico
dos desenhos animados, depois o estudo se dirigirá à análise da relação entre a erotização e os
desenhos animados, a partir destas analises será explanado sobre quais os prejuízos para a
infância e para o desenvolvimento humano de uma relação entre eroticidade e desenhos
animados.
Também tornar-se-á presente neste estudo uma investigação acerca dos acontecimentos
históricos que mostrará que não é de hoje que as crianças vêm sendo desprezadas. Ora, a
infância é deixada, muitas vezes, aos cuidados do puro acaso, isto é, em segundo plano (ARIES,
1986). Neste sentido, o objetivo final aqui é mostrar como os educadores podem ajudar as
crianças a melhor assistirem seus preciosos desenhos animados.
Dois dos principais autores referenciados neste estudo são Erik Erikson e Max Scheler
(2003), deste virá: o conceito de valor, como algo que emana da essência das coisas, ou, neste
caso, como algo que emana da própria infância, além disso Scheler terá seu pensamento
vinculado com o de Erikson para defender a necessidade de desenvolver na criança um
pensamento crítico. Ademais Erikson será trazido ao debate para apresentar primeiramente o
conceito de criança e o conceito de integridade, conceito este extremamente necessário para
apresentar os prejuízos da erotização infantil na futura vida adulta da criança. Além de Erikson
e Scheler o presente texto buscará apoio no pensamento de Lemes e Cifuentes, para melhor
compreender o que é a experiência de uma boa infância e como se pode ajudar as crianças a
vivê-la.
673

2 OS DESENHOS ANIMADOS COMO GRANDES PORTADORES DE


INFORMAÇÃO

É nítido que os desenhos animados marcam presença em quase toda infância das
crianças, este contato constante com estas animações deixa estes pequeninos sobre forte
influência dos desenhos animados e por isso é preciso expor quais as possíveis consequências
deste contato. Todavia antes de iniciar tal debate é sábio compreender primeiro o que é a
infância e o que são os desenhos animados.
O estudo acerca de tal fase do desenvolvimento humano começou a não muito tempo,
pois “foi Freud, que a pouco menos de um século, começou a estudar e problematizar a infância
como um estágio distinto da vida” (BREI; GARCIA; STREHLAU, 2008, p. 1). Segundo os
autores Vinicius Andrade, Luciana Burnett e Suzane Strehlau (2008, p. 1) esta etapa da vida
vai do “nascimento até aproximadamente o 12° ano de vida de uma pessoa”, já Erik Erikson
(1976, p. 91) afirma que a infância é marcada pela falta inicial de uma personalidade que
consiga dominar ativamente o seu meio, a criança segundo ele também não é completamente
“capaz de perceber corretamente o mundo e a ela própria”.
Deste modo Erikson não se prende necessariamente a uma definição de infância que
preza primordialmente pela análise cronológica do desenvolvimento humano, todavia não se
faz necessário desprezar a primeira definição de infância, pois as duas, de certa forma, se
complementam, na medida em que ocasionalmente as pessoas que estão entre o 1° e 12° ano de
vida são as que ainda não possui uma visão muito apurada do mundo que a circunda, entretanto
não se pode se prender a idade, pois como falava Cifuentes (2003) a maturidade não está na
idade, há tantas crianças que mesmo em tão tenra idade já demonstram ter mais maturidade do
que muitos adultos quarentões.
A mídia televisiva tenta oferecer os mais diversos tipos de entretenimento para poder
agradar os mais diversos estilos; há programas voltados para os adultos, para os jovens e, sem
dúvida, há programas focados em agradar o público infantil. Muitos desses programas de
entretenimento infantil são recheados principalmente por desenhos animados, que de algum
modo conseguem prender a atenção das crianças por várias horas (BARBOSA; GOMES, 2013,
p.330). Esta realidade se apresenta de forma tão viva ao longo de toda a infância que a autora
Sara Pereira (1996, p. 70) parafraseando Meyrowitz (1985) diz que: “a televisão hoje auxilia as
674

crianças a conhecer o mundo muito antes de serem capazes de andar pela rua” 3. Tal autora
também apresenta uma possível resposta para o porquê os desenhos animados fascinam tanto
este público. Segundo ela, as animações são um grande instrumento de satisfação, pois faz
nascer nestes pequeninos novas perguntas e interesses. Entretanto, atualmente, a mídia
televisiva não é a única a proporcionar alguma forma de entretenimento ao público infantil, pois
a mídia digital já faz parte da vida das crianças.
Muitas crianças aprendem a se relacionar com um smartphone muito antes de aprender
a ler e escrever, às vezes, até mesmo antes de aprender a falar. Deste modo o contato com os
desenhos animados não está mais restrito apenas a televisão, mas já há várias formas de acessá-
los através das mídias digitais. (ABREU, 2019, p.107)
Muitas empresas inclusive se utilizam do entretenimento infantil e do comodismo dos
educadores para manipularem socioeconomicamente as crianças (GOMES, 2018), e um dos
artifícios utilizados pelo marketing empresarial para atrair a atenção das crianças é a presença
de conteúdos eróticos nos desenhos animados (BREI; GARCIA; STREHLAU, 2008).
O autor Philippe Aries (1986, p. 119) ratifica isto dizendo que provavelmente coisas que
despertam “alguma aproximação com o universo dos adultos” chamam mais a atenção das
crianças. A presença de tais conteúdos tendo em vista uma fomentação do consumismo,
influenciam as crianças a se estereotiparem, isto é, a acharem que é preferível se parecer com
alguma personagem de desenho animado a buscar ser ela mesma. Ou seja, há aqui um desprezo
da criança perante si mesma.
Essa relação entre o consumo de produtos e as animações denota um interessante fato
exposto pela autora Aliandra Cristina (2008, p. 2): “não se consome apenas os objetos, mas
tudo aquilo que eles podem representar: ‘as crianças consomem as imagens e as materializam
em si mesmas [...]”. Deste modo se as crianças têm contato com muitos desenhos animados
erotizados elas correm o risco de se autodisciplinarem de forma a inclinar seus desejos para um
mundo hedonista, que vive em busca de um prazer inalcançável e frívolo.
A criança aqui se apresenta como sendo muito frágil, pois, por ainda está no início da
formação de sua personalidade, ela é muito suscetível a se deixar ser levada por influências do
meio em que vive. Em virtude desta suscetibilidade, os autores Maria Cristiane e Milton Tadeu
(2018, p. 3) falam que: “a criança tem normalmente uma atitude passiva assistindo os desenhos

3
(Nossa tradução). “La televisión hoy acompaña a los niños a conocer el mundo mucho antes de ser capaces de
pasear solos por la calle”.
675

animados, ficando vulnerável a influência que esses desenhos animados podem vir a interferir
em sua formação e comportamento”. Nesta perspectiva é preocupante esta relação entre a
infância e as animações, pois, geralmente, não existem filtros nos conteúdos expostos por estes
desenhos, logo as crianças correm o risco de consumirem uma gama de conteúdos eróticos, ou
que instigam a violência (CITRÂNGULO, 2009).
Quando se fala sobre o tema da violência vale destacar que a agressividade não é algo
incomum nas brincadeiras das crianças. Para Barbosa e Gomes (2013, p.333) a linha que separa
o brincar do brigar é muito tênue, além disso, o ato de brincar pode englobar também o ato de
brigar, sem que aquele perca sua característica lúdica. Ainda segundo esses autores, é nítida a
influência que os desenhos animados exercem na vida lúdico-agressiva das crianças, que, por
diversas vezes, buscam nas animações inspiração para suas brincadeiras, brincadeiras de lutas,
de guerra, de combates entre o bem e o mal. Nesta perspectiva Barbosa e Gomes (2013, p.331)
relatam o seguinte:
Isso mostra a influência que a TV exerce sobre a criança e o espaço onde a brincadeira
acontece, promovendo o desejo brincante de manifestar suas brincadeiras favoritas, e
uma delas é a brincadeira de guerra, expressando a agressividade e a temática da luta,
principalmente na escola, entre os pares.

A agressividade aqui não é tomada como algo propriamente ruim, na verdade ela é parte
constitutiva do agir e da natureza humana, ou seja, tem sua característica também simbólica e
pode ajudar o educador a perceber como está o desenvolvimento psicossocial da criança, mas
cabe aos educadores terem sempre o olhar atento para este cenário, devem saber quando a
violência saiu do plano ficcional e se tornou algo real (BARBOSA; GOMES, 2013, p.332).
Deste modo, é possível perceber que os desenhos animados são ainda importantes
veículos de informação para o público infantil, mas, então, como eles conseguiram alcançar tal
patamar? Segundo Bezerra (2012, p. 1184) “Os desenhos são recursos audiovisuais fantásticos
que resgatam de uma maneira lúdica” tanto histórias antigas, como é o caso dos contos dos
Irmãos Grimm, quanto, também, traz histórias inéditas, ligadas aos contextos contemporâneos.
Entretanto tais resgates que os desenhos animados realizam das histórias de antigamente não
trazem a história de forma tal e qual como eram contadas, até porque antigamente as histórias
eram contadas de maneira a, geralmente, repassar algum ensinamento moral, já na
contemporaneidade os desenhos, por serem animados por empresas, geralmente visão a
lucratividade, deixando essas questões morais em segundo plano.
676

Enfim, antes que os desenhos fossem animados e recebessem esses recursos


audiovisuais eles eram fixos, ou seja, não detinham o movimento próprio da animação, mas
seja estando em um estado de imobilidade ou em um estado de vida animada artificialmente os
desenhos nunca deixaram de, principalmente, servirem como ferramentas de comunicação e
transmissão de saberes, no antigo Egito, por exemplo, os desenhos chegaram a ganhar uma
função alfabética. Já o medievo e a modernidade passaram a tratar os desenhos sobre uma
perspectiva artística (BEZERRA, 2012).
Com o passar dos anos a arte se vincula a ciência e adquire o poder de dar movimento
e vida aos desenhos. No início as pessoas eram atraídas meramente por esse aspecto do
movimento; a trama da história não influenciava tanto, mas quando começaram a introduzir
personalidades humanas nos desenhos o enredo começou a ganhar um destaque todo especial,
pois trazia aos espectadores um sentimento de empatia. Para Bezerra (2012, p. 1190) a criança
se ao assistir os desenhos animados e simpatizar com a história, ela tenderá a sentir uma
profunda empatia por este mundo, a agir como os personagens, o problema é que, ela, por inda
está em um período inicial de sua formação humana, os reais limites entre ficção e vida real
podem aparecer ainda como não muito claros, em outras palavras, a linha que separa o virtual
– fantástico – do real é para a criança ainda muito tênue e ela consegue com certa facilidade
transitar entre estas dimensões com muita facilidade.
Sabe-se o que são os desenhos animados e como eles atraem as crianças, e se eles
conseguem atrair a atenção de um grupo tão vasto, como é o caso, então também atraem a
atenção das grandes empresas, que podem se utilizar desse artificio para sua lucratividade.
Segundo a escritora Sara Pereira (2008), que realizou uma série de entrevistas com
pessoas que trabalham com o entretenimento infantil, há alguns programas de TV que pouco se
interessam em expor desenhos animados com conteúdo educativo, pois estão mais focados em
transformar a programação em uma espécie de momento lucrativo. Ainda segundo esta pesquisa
é a audiência quem determina a qualidade do que a criança vai assistir. Neste sentido é plausível
concluir que há um descaso para com a infância e o seu valor, pois quando se deixa de lado a
preocupação com a educação infantil também se desvaloriza a infância.
Quando aqui se fala em valorizar ou desvalorizar a infância se deve ter em mente o que
Max Scheler fala sobre valor, para ele o valor não é sustentado por concepções hedonistas, mas
é uma qualidade do ser (SOBRINHO, 2017). Scheler (1994) ainda afirma que o valor é objetivo,
isto é, independe do desejo ou da rejeição humana, em outras palavras, o valor é eterno e não
677

está submisso aos caprichos do ser humano. Portanto se conclui que o homem deve muitas
vezes se censurar em nome de uma ordem objetiva dos valores. Assim sendo, os valores são as
qualidades que emanam da essência de um determinado ser.
Deste modo quando se fala em valorizar a infância não se trata em atribuir valor a ela,
mas em entender que a infância por si mesma é digna de ser valorizada, na medida que se
entende que está é uma das principais fases do desenvolvimento humano. Contudo esta
compreensão se apresenta nos dias atuais como uma realidade um tanto quando distante. Tal
afirmação se ratifica quando se percebe um desconexo educativo e valorativo presente na
liberdade que as crianças têm em escolher o que querem “[...] vestir e assistir motivados pelo
abandono consentido dos adultos que se auto atribuem a desresponsabilização pela formação
de filtros sociais [...]” (PLATT; OLIVEIRA, 2018, p. 23).
Por não existir tais filtros as crianças começam desde a mais tenra idade a terem contato
com uma mídia que as vezes pode trazer conteúdos erotizados. As consequências disto são
expostas pela autora Angela Beatriz (2018, p. 37), que se utilizando de uma pesquisa feita por
Slatter e Tiggemann (2016), e explana que: meninas entre 6 a 9 anos quando em contato
contínuo com conteúdo potencialmente erotizados costumam manifestar “suas preferências
pelo uso de vestuário sensual. Em consequência pode apresentar insatisfação com a sua imagem
corporal [...]”.
Em relação aos desenhos animados é possível afirmar que algumas vezes tais animações
não apresentam conteúdos eróticos propositalmente, ou ainda, pode acontecer também que
algumas cenas de desenhos animados só apresentem uma linguagem erótica apenas de forma
subliminar, todavia é indiscutível que se for possível extrair uma leitura erotizada de tais
desenhos, seja de forma direta ou indireta, então necessariamente a preocupação perante o valor
da infância entra em jogo (CITRÂNGULO, 2009).
Este descaso para com a infância atinge não só ela, mas também outras fases da vida
humana, pois é quando ainda se é criança que o homem apreende muitas de suas concepções
sobre o meio em que vive, e já que nos dias atuais a criança tem bastante contato com desenhos
animados é inteligente dizer que tais animações influenciam diretamente na apreensão de
conceitos como o de: homem, mulher, poder e beleza (CITRÂNGULO, 2009). Portanto se os
desenhos animados estiverem recheados com uma concepção banalizada do mundo, onde a
mulher considerada bonita é aquela que veste roupas curtas e é sedutora, então a criança pode
compreender que seja certo copiar tais comportamentos (FABRI, 2018).
678

Quando a criança começa a se vestir e agir de forma sensual há a possibilidade de ela se


tornar objeto de desejo, o que pode ser considerado uma afronta à dignidade da criança
(BACHTOLD, 2018), Além de terem sua dignidade afetada, esses pequeninos, se forem
estimulados a vestirem roupas inadequadas para sua idade, podem não aprender a lidar
positivamente com seu corpo “[...] e nem a conhecê-lo e, uma vez não mantendo relação
positiva com seu corpo, pode está fadada a permitir que outras pessoas ajam de forma abusiva
para com sua intimidade” (CITRÂNGULO, 2009, p. 11).
Neste sentido os autores Maria Cristina e Milton Tadeu (2018) se usam de uma
interessante afirmação feita pela autora Flores (2011) em relação a esse assunto, segundo ela
quando uma criança é tratada como se fosse adulta, deixando ela fazer o que quiser, estar-se-á
estabelecendo um processo de pedofilização na sociedade. Isto, além de desprezar o valor da
infância, pode, segundo Joanilson Rodrigues (2018, p. 55), prejudicar a “qualidade de uma vida
futura com a possibilidade de surgimento de diferentes distúrbios e insucessos em diferentes
áreas que abrangem a acadêmica, a pessoal e a profissional”.
A presença de um educador maduro durante a infância é fundamental para auxiliar as
crianças a descobrirem a importância de serem crianças e de não se deixarem serem levadas por
uma erotização propagada por alguns desenhos animados. Todavia muitos educadores não
conseguem compreender esta realidade e acabam privando a criança de seus conselhos e, o
principal, de sua presença (BACHTOLD, 2018). A causa dessa desatenção perante a relação
entre infância e desenhos animados está no fato de que os conteúdos destes sofrem uma
normalização, pois são tratados de maneira lúdica (SILVA; PISCINATO, 2018), em outras
palavras, as pessoas não se preocupam com o conteúdo das animações pelo simples fato de
serem desenhos animados. Ora o que poderia haver de mau em um simples desenho animado?
Quando não há essa atenção para com os desenhos animados as crianças se sentem livres
para assistirem o que quiserem, e aos poucos as animações com conteúdos eróticos vão levando
estes pequeninos a se portar como pequenos adultos. Neste sentido Maria Cristiane e Milton
Tadeu (2018, p. 8) se utilizam de uma citação de Flores (2011) para falar que isto “pode ser
perigoso se pensarmos que ela ainda não possui informações suficientes para lidar com esse
tipo de transformação”.
É interessante debater um pouco mais sobre está questão da estereotipação das crianças
fomentada pela erotização dos desenhos animados. Para o autor Maurício Bronzatto et al
(2018), que se utiliza das reflexões de Gonçalves e Azevedo (2007), as pessoas que sofrem um
679

processo de estereotipação passam a tratar os seus corpos como estando em Um constante vir
a ser, como se fosse corpos-rascunhos, que perseguem a perfeição sempre fugida: ‘o corpo
exaltado não é o mesmo que vivemos, mas um retificado e redefinido para atender padrões
sociais estabelecidos como ideais (pag. 133).
Bronzatto et al (2018, p. 139) também acrescentam que “a redução do homem aquilo
que nele pode ser observado e medido ‘[...] empobrece enormemente o mundo humano, pois
deixa de capitar toda a riqueza do seu ser, ocultando sua verdadeira essência”’. Por fim tal autor
utilizasse da filosofia de Platão para dizer que o que realmente é importante não está nas
aparências físicas, mas sim em sua alma, sua essência, a única coisa que é imutável segundo
Platão.
Essa imersão das animações no mundo mercadológico que fora citado anteriormente se
desemboca em um deixar de zelar pelo valor que está contido na criança, valor este que não
pode ser considerado desprezível ou insignificante, pois como afirma Max Scheler (2003, p.
63): os seres mais impotentes e mais baixos são na verdade os mais importantes, pois “em
relação as formas de ser mais baixa, toda e qualquer forma de ser mais elevada é relativamente
desprovida de força”. Em outras palavras, para que possa existir pessoas adultas que segundo
Erikson (1976) tenham desenvolvido uma personalidade bem estruturada, isto é, que ao longo
de cada etapa do seu desenvolvimento tenha conseguido resolver de forma satisfatória ou
positiva as suas crises, é necessário que primeiramente se tenha um apreço para com a criança,
pois são nas fases inicias da vida onde o homem passa por crises importantíssimas para a
formação da sua personalidade, dois desses conflitos iniciais que se destacam são: Iniciativa X
Culpa e a crise de identidade.
É necessário deixar claro que para Erikson (1976) as crises ou conflitos são etapas do
desenvolvimento psicossocial de uma pessoa, esses conflitos abarcam toda a vida do ser
humano e são divididos em oito estágios, dentre esses os quatro primeiros são os responsáveis
por dá início a formação da identidade, que tem seu ápice na adolescência. É preciso também
esclarecer que uma crise que teve um desfecho negativo pode ser retomada em qualquer fase
ulterior para ser reanalisada.
Por fim para não se esticar muito nessa reflexão, que não é necessariamente o propósito
desse estudo, uma última coisa deve ser dita quando se fala em crises psicossociais: ao se falar
em uma resolução positiva de algum conflito traduz-se numa virtude, que é um ganho
psicológico, emocional e social: uma qualidade, um valor, um sentimento, em suma, uma
680

característica de personalidade que lhe confere equilíbrio mental e capacidade de um bom


relacionamento social (ERIKSON, 1976). Neste sentido, dizer que se deve preocupa-se com o
modo como as crianças irão enfrentar suas crises é querer que estás crianças se tornem no futuro
pessoas mais maduras, pessoas que conseguem reconhecer o valor de sua existência singular.

3 O ENCURTAMENTO DA INFÂNCIA E OS PREJUÍZOS PARA O


DESENVOLVIMENTO HUMANO

Não é de hoje que a infância tenta conquistar o reconhecimento de sua singularidade e


importância entre as etapas do desenvolvimento humano. Segundo o historiador Philippe Aries
(1986) não faz muitos séculos que as crianças eram tratadas em pinturas como se fossem adultos
em miniaturas, com vestes e expressões físicas de adultos, mostrando assim a inexistência da
infância como um período diferente da vida adulta. Portanto mesmo em tão tenra idade o mundo
dos adultos já era apresentado as crianças. O autor relata neste sentido que até mesmo as
histórias de ninar continham muitas vezes conteúdos eróticos. Não era difícil encontrar crianças
em meio aos adultos em bares, festas ou jogos. Isto era tão comum que quase ninguém se
escandalizava quando encontrava uma criança com um total despudor, este descaso para com a
infância era tamanho que se podia, com certa facilidade, encontrar crianças com uma vida
sexual ativa. Aries (1986, p. 128) ainda explana que: o respeito para com as crianças “era então
[...] algo totalmente ignorado. Os adultos se permitiam tudo diante delas: linguagem grosseira,
ações e situações escabrosas, elas ouviam e viam tudo”. A mentalidade que se tinha acerca da
infância, segundo Aries, era de que não existia a inocência infantil, e se existisse não poderia
ser maculada.
Alguns resquícios dessa realidade apresentada por Aries (1986) ainda persistem nos dias
atuais, todavia o ponto mais preocupante em todo esse contexto é que a persistência desses
resquícios históricos faz com que a infância continue sendo atropelada. Neste sentido a autora
Ângela Beatriz (2018, p. 34) faz um alerta muito importante a respeito desse processo de
desenvolvimento precoce da criança, de acordo com ela:

A pressa toma conta da sociedade contemporânea: os pais têm presa e as crianças são
estimuladas a crescerem rapidamente. A preocupação com a vida é necessária, mas é
preciso respeitar cada fase do desenvolvimento. Quando pressionadas a agir como
adultos, de alguma forma, a infância se encerra mais cedo.
681

Ainda segundo tal autora, da mesma maneira que uma criança recém-nascida demora
meses para poder andar sozinha, e que não se pode esperar que ela já saia do ventre tendo tal
capacidade locomotora, o ser humano também necessita de um bom tempo para poder se
desenvolver ao ponto de estar preparado psicologicamente para adentrar em um mundo adulto,
mundo este que por muitas vezes se apresenta extremamente erotizado. Além disso “pular” a
fase da infância se desemboca na perca de uma das melhores partes de ser criança: correr,
descobrir, brincar, conviver com seus iguais e etc., esta convivência com outras crianças,
segundo a escritora Beatriz (2018) é um fator importantíssimo para o desenvolvimento de laços
afetivos. Neste sentido Erikson (1976, p. 136) acrescenta que quando não se instiga o
desenvolvimento de tais laços afetivos ainda durante a infância e na juventude, provavelmente
quando se chegar à vida adulta as relações interpessoais serão sumamente estereotipadas, fato
este que gera nesta pessoa um profundo sentimento de isolamento.
Este sentimento de isolamento não é causado apenas em pessoas que vivem ingressadas
em um mundo estereotipado, mas também em pessoas que encontraram no hedonismo a
fundamentação de suas vidas, não que o prazer seja algo ruim, mas deve-se entender que quem
centra sua vida no puro prazer está manifestando também um profundo egocentrismo, pessoas
assim buscam se aproximar de outras pessoas, mas acabam ficando sozinhas, pois “ninguém
quer submeter-se ao seu pegajoso egocentrismo, ninguém quer ser apenas um instrumento da
felicidade alheia.” (CIFUENTES, 2003, p. 94-95)
Quando o período do desenvolvimento infantil não é bem aproveitado, isto é, quando a
criança perde sua infância por ingressar em um mundo hedonista, onde o erótico é ovacionado,
provavelmente este pequeno ser humano sofrerá com estes problemas de egocentrismo, se
tornará um homem imaturo e frustrado. O imaturo nesta perspectiva é aquele homem que
mesmo aos 30, 40 e até 50 anos ainda não aprendeu a superar o mundo dos sentidos, “se
orientam pelo que é mais atrativo e gostoso, mais chamativo e cativante” (CIFUENTES, 2003,
p. 33). No fim uma infância maculada gera um adulto infantil, que não tem o controle da própria
vida.
Erikson (1976, p. 139) por sua vez apresenta o significado de integridade, que se mostra
bem relevante quando se debate sobre este assunto, para este escritor um ser humano integro é
aquela pessoa que: “[...] em progressivo amadurecimento com a idade, [...] zelou pelas coisas e
pessoas e se adaptou aos triunfos e desapontamentos de ser, necessariamente, a originadora de
outras e a geradora de coisas e ideias [...]”. Nesta perspectiva como é possível que o contato
682

com conteúdo erótico possa auxiliar no desenvolvimento de uma pessoa integra? Se as


animações com conotações eróticas instigam na criança a busca pelo prazer momentâneo,
influenciam na estereotiparão das relações interpessoais e distorcem muitas das concepções
desses pequeninos, então é cabível dizer que crianças que assistem sozinhas, isto é, sem o apoio
crítico de algum educador, desenhos animados com algum tipo de eroticidade podem ter mais
dificuldade de atingirem a integridade pessoal, pois não são estimuladas a zelar pelas coisas,
nem pelas pessoas e além disso dificilmente conseguirão se perceber como seres únicos e
singulares.
Os desenhos animados, por estarem muitas vezes entrelaçados com o mundo
mercadológico, “inventam novas formas de disciplinamento não só sobre o corpo das crianças,
mas também sobre seus desejos, que precisam ser regulados e normatizados para estarem
conformes ao grupo ou ao espaço frequentado, nos quais é imperativo consumir determinados
produtos veiculados pela publicidade” (BREI; GARCIA; STREHLAU, 2008, p. 3). Sendo
assim o problema dessa falta de originalidade é que, segundo Erik Erikson (1976, p. 140), um
ser íntegro é aquele que: está pronto “para defender a dignidade do seu próprio estilo de vida
contra todas as ameaças físicas e econômicas. Pois ele sabe que uma vida individual é a
coincidência acidental de um único ciclo vital”. Deste modo, uma criança que é constantemente
influenciada a desejar se parecer com uma personagem de algum desenho animado tende a
também ser condicionada a não ser autentica e, portanto, é mais difícil para essa criança
desenvolver um sentimento de valor para com si mesma, em outras palavras, está criança tende
a não cultivar a sua própria integridade.
Em suma a perca da infância para a vida adulta está intimamente vinculado com a falta
de integridade. Isto por sua vez acaba gerando um ciclo vicioso, pois como foi relatado
anteriormente a produção de desenhos animados é fruto de uma visão dos adultos sobre as
crianças, sendo assim, se os adultos produzem animações que não colaboram na formação de
seres humanos mais íntegros, então, conseguintemente, haverá no futuro, muito provavelmente,
mais adultos que por sua vez produzirão mais desenhos animados que não terão interesse
nenhum em valorizar a infância, em educar uma criança para saber ser uma pessoa autentica e
não uma pessoa que é movida pelo desejo exagerado de querer ter o que não se tem e de querer
ser sempre o que não se é; uma criança que vive como um adulto, perde sua infância e quando
realmente for um adulto provavelmente não saberá viver como tal (ERIKSON, 1976).
683

4 FORMAS DE PROPORCIONAR UM BOM DESENVOLVIMENTO HUMANO


DURANTE A INFANTIL

Não se pode esperar que as crianças deixem de assistir os desenhos animados e isto
também não se faz necessário, pois o problema não está simplesmente só no que elas assistem,
mas também como elas assistem. Nesta perspectiva é interessante que os educadores estejam
com as crianças no momento que elas estiverem assistindo às animações captando suas
impressões e ajudando-as a fazerem interpretações que enriqueçam o aprendizado desses
pequeninos. Tentar fazer com que ainda na infância haja os fundamentos de um pensamento
crítico também é essencial, o própria Max Scheler (2003) afirma que ensinar a uma pessoa a ter
uma reflexão crítica acerca do mundo é ensiná-la a ser essencialmente humano.
Com relação a essa vigilância por parte dos educadores Philippe Aries (1986, p. 146)
alega ser fundamental a presença dos educadores na vida das crianças, mas “é preciso que essa
vigilância [...] seja feita com doçura e com uma certa confiança, que faça a criança pensar que
é amada, e que os adultos só estão ao seu lado pelo prazer de sua companhia”, isto fará com
que a criança não tema essa companhia, mas a ame. Neste mesmo sentido um ex-monge de
Goussault ensina uma incrível lição: “as crianças são plantas jovens que é preciso cultivar e
regar com frequência: alguns conselhos dados na hora certa, algumas demonstrações de ternura
e amizade feitas de tempos em tempos comovem e conquistam” (ARIES, 1986, p. 163).
Outro ponto crucial apresentado pela autora Sara Pereira (1996) sobre o modo como as
crianças devem assistir as animações é que elas precisam colocar sentido no que estão
assistindo, e os principais responsáveis por ajuda-las a fazerem isto são geralmente os pais, pois
estes são os que normalmente estão mais presentes durante a infância dos seus filhos. Erikson
(1976, p. 104) acrescenta que os pais e os educadores de um modo geral também devem colocar
sentido nas suas atitudes, seja atitudes de permissão ou de proibição. Para este mesmo autor os
educadores “[...] devem não só ter certos métodos de orientação por proibição e permissão; eles
devem também estar aptos a representar para a criança uma convicção profunda, quase
somática, de que existe um significado no que estão fazendo”.
A autora Angela Beatriz (2018) ratifica a necessidade da explicação por parte dos
educadores às crianças do porque estes, às vezes, não consideram adequado que elas assistam
certos programas de TV, ou desenhos animados, ao invés de dizer simplesmente e
imperativamente para as crianças: “não veja”. Ainda, nesta mesma perspectiva, a autora
684

Adriana Dulcina Platt (2018, p. 22), parafraseando Hanna Arent (2013), explana que os
educadores devem “conduzir as crianças pelo caminho que elas desconhecem”, pois ainda são
novos e não apreenderam o suficiente para poderem caminham sozinhos, isto implica também
em impor limites às crianças, todavia tal imposição deve não se resumir a uma coerção moral
ou ética, mas acima de tudo deve mostrar para as crianças a beleza do valor da infância, que é
único e insubstituível. Tal imposição de limites implica algumas vezes em ser seletivo na hora
de assistir aos desenhos animados, Sara Pereira (1996, p.3) faz uma bela reflexão sobre isto
explanando que: Ser seletivo na hora de assistir

[...] não implica necessariamente que o prazer e a satisfação que as crianças sentem
ao ver televisão sejam menores, mas pelo contrário com o conhecimento e
capacidades que adquiriram, poderão apreciar e valorar muito mais seus programas
preferidos, e vê-los com mais satisfação 4

Ir desvendando com a criança esse mundo de valores e significados é também apresentar


para ela o amor, o amor por si mesmo e pelo outro, o amor pelo próprio corpo e pelo corpo do
outro, o amor pela própria subjetividade e pela subjetividade das outras pessoas e assim por
diante, neste sentido o termo amor ganha aqui um vínculo com o responsabilidade, ou seja,
saber amar o outro é saber ser responsável por ele, igualmente, quando se fala em amar o próprio
corpo está se dizendo que ele possui valores que precisam ser respeitados. Aqui respeito,
responsabilidade e valor estão conceitualmente vinculados e devem ser vistos como atitudes de
um ser que encontrou o sentido de ser naquilo que se ama. Assim sendo o puro prazer sexual
não pode ser tido como a única expressão do amor, assim como relata o autor Rafael Lhano
Cifuentes (2003, p. 92-93):
Hoje, considera-se a satisfação sexual autocentrada como a expressão mais importante
do amor. Não o entendia assim o pensamento clássico, que considerava o amor da
mãe pelos filhos como o paradigma de todos os tipos de amor: o amor que prefere o
bem da pessoa amada ao próprio. Este conceito, perpassando os séculos, permitiu que
até um pensador como Hegel, que tem pouco de cristão, afirmasse que ‘a verdadeira
essência do amor consiste em esquecer-se no outro’

Ou seja, desenvolver tal amor é ainda entender que o outro não é um meio para um fim.
Continuando tal discursão em relação ao amor Marina Lemes (2015, p. 81) assegura que esse
sentimento “é um fenômeno originário, é um ato que caracteriza a existência humana no que

4
(Tradução nossa). “[...] no implica necesariamente que el placer y satisfaccion que los niños sienten al ver
televisión sion menores, sino por el contrário con los conocimientos y capacidades que adquieran, podrán
apreciar y valorar mucho mejor sus programas preferidos, y verlos con más satisfacción”.
685

ela tem de humano, é um ato existencial, mas também é coexistencial, porque é relação pessoa-
pessoa”, isto pode ser apreendido pelas crianças aos poucos com o auxílio dos educadores.
Prezar pela dignidade e pelo valor do próprio corpo é ter a capacidade de exprimir o
amor através dele, e um dos modos como a criança pode compreender isso é mostrando que
mesmo que alguns personagens dos desenhos animados hajam com despudor isto não deve ser
imitado, além disso se faz necessário também explicar que o pudor não se restringe a cobrir
uma parte do corpo, mas é, acima de tudo, uma preservação do uso “indiscriminado,
desrespeitoso, manipulador e possessivo de suas forças criativas” (LEMES, 2015, p. 140), em
outras palavras, o pudor protege a pessoa de torna-se um objeto, principalmente sexual, além
de evidenciar “ o corpo como portador de uma personalidade, não de uma corporalidade; oculta
o que sendo belo e bom, não deve ser revelado em qualquer momento ou para qualquer pessoa”
(LEMES, 2015, p. 140). Em suma é importante que a criança entenda que quem ama a si próprio
e ao outro busca ser simples “na presença e aparência corporal. A ênfase na beleza corporal
nem sempre permite capitar o Tu e amá-lo como é” (LEMES, 2015, p. 134).
A relação entre pudor e amor se desenvolve em uma educação sexual que preza pelo
desenvolvimento saldável da sexualidade, empenha-se para auxiliar a criança nesse
desenvolvimento da sexualidade pautada no amor é fomentar uma formação de uma criança
menos erotizada. Marina Lemes (2015, p. 99) afirma que não é fácil trabalhar com as crianças
esses assuntos, todavia é necessário, ela apresenta seu pensamento fazendo uma comparação
com a história dos três porquinhos e a casa de tijolos:
O que tem sentido nem sempre é o mais fácil, nem o mais rápido, nem o mais
agradável, mas é o que salva! Precisamos aprender ‘a construir a casa de tijolos’, a
construir nossa vida nossa sexualidade sobre a rocha, para que nenhuma adversidade
possa impedir a experiência e a vivência do amor pleno.

Sobre esse mesmo assunto a autora Thais Santiago (2018, p. 158) ratifica com base no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que mesmo não sendo fácil educar as crianças
para um mundo de valor “[...] a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços”.
No fim o que deve ser deixado claro é que a criança deve ser educada para poder tomar
suas próprias decisões, decisões livres, responsáveis e coerentes, deve ser educada ainda para
ser uma pessoa autentica e integra.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
686

De início este estudo buscou analisar a relação entre a erotização e os desenhos


animados e como isso influência na vida das crianças. Deste modo foi possível constatar que as
crianças têm seu valor desrespeitado quando são colocadas para assistir animações que contém
conteúdo eróticos ou com conotações eróticas. Analisou-se ainda que muitos programas de TV
pouco se interessam em transmitir desenhos animados que sejam mais educativos, para estes
programas a audiência vem em primeiro lugar. Viu-se que o fato do mundo mercadológico
adentrar neste cenário acaba por agravar o problema da erotização infantil por meio dos
desenhos animados, pois este utiliza-se de tal cenário para fomentar o consumismo.
Os problemas de um contexto como esse são percebidos quando a criança vai perdendo
a sua infância para ingressar em um mundo ‘adultilizado’. Tal fato ocasiona muitas vezes uma
estereotipação dos laços afetivos, além de influenciar na falta de autenticidade.
Por fim subsiste algumas atitudes dos educadores que podem ajudar as crianças a
enfrentarem a erotização, a princípio se mostra essencial a presença daqueles perante estes, ser
um educador presente na vida da criança deve ser muito mais que uma vigilância, é necessário
que seja uma presença perscrutada por docilidade, uma docilidade que auxilia a criança a
compreender os sentidos e os valores contidos em cada coisa e ação, uma docilidade que auxilia
a criança a ter um senso crítico perante as informações que lhes são repassadas, e mais ainda,
uma docilidade que ajuda a criança a ser autentica e a desenvolver uma integridade psíquica e
espiritual.

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689

A IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL EM PROFISSIONAIS


DA ENFERMAGEM ATUANTES NA URGÊNCIA E EMERGÊNCIA HOSPITALAR

Wíviny Rodrigues de Souza Martins1


Estela Regina Silva Oliveira2
Mônica Larissa Barra de Morais3
Luan Martins de Souza4

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo evidenciar a importância da promoção da saúde mental
em profissionais da enfermagem atuantes no contexto da urgência e emergência hospitalar.
Justifica-se frente às variadas situações estressoras frequentemente presentes no âmbito
hospitalar, capazes de prejudicar a saúde daqueles lá atuando, quando carecem do preparo e
apoio devido. Para isso, optou-se pela modalidade de revisão narrativa de literatura com o
objetivo de proporcionar relações com produções anteriores para consolidar novas perspectivas
que embasam a afirmativa proposta pela temática. Pôde-se compreender que o funcionamento
da urgência e emergência e o papel do enfermeiro nesse contexto trata-se de uma interação que
está diretamente ligada à qualidade de vida ou não do profissional da enfermagem, mostrando-
se essencial a promoção da saúde mental dos mesmos. Isso, por sua vez, ajuda a evitar prejuízos
tanto mentais quanto físicos durante o desempenho das funções hospitalares. Portanto, faz-se
relevante uma remodelação do cenário abordado, para assegurar o bem-estar de tais
profissionais e seus pacientes subsequentes. Para isso, constata-se como solução, a necessidade
da abertura de um diálogo acerca da importância da inserção da interação e trabalho
interdisciplinar entre a Psicologia Organizacional e Psicologia Hospitalar, tecendo diálogo
mútuo e promovendo assim a saúde mental dos profissionais em questão.
Palavras-Chave: Saúde mental e trabalho; Enfermagem; Urgência e emergência.

ABSTRACT

The present work aims to show the importance of promoting mental health in nursing
professionals active in the context of hospital urgency and emergency. It is justified in face of
varied stressor situations often present in the hospital environment, capable of damaging the
health of those that act there, when lacking the due preparation and support. For that, the
narrative review of literature modality was chosen, with the objective of providing dialogue
with previous productions to consolidate new perspectives that base the affirmative proposed

1
Graduanda em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
wiviny.rodrigues61@gmail.com
2
Graduanda em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
estelaregina16@outlook.com
3
Graduanda em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
monicabarra.psi@gmail.com
4
Professor orientador pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), especialista em Gestão e
Psicologia Organizacional, mestrando pelo programa de pós-graduação em Saúde e Sociedade pela Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: luanmartinspsi@gmail.com
690

by the theme. It was possible to understand that the functioning of urgency and emergency and
the nurse's role in this context is an interaction directly tied to the quality of life, or lack thereof,
of the nursing professional, proving to be essential to promote their mental health. This, in turn,
helps to avoid both mental and physical harm while performing hospital functions. Therefore,
a remodeling of the addressed scenario is relevant, to ensure the well-being of such
professionals and their subsequent patients. For this, it is observed as a solution, the need to
open a dialogue about the importance of the insertion of interaction and interdisciplinary work
between Organizational Psychology and Hospital Psychology, weaving mutual dialogue and
thus promoting the mental health of the professionals in question.
Keywords: Mental health and work; Nursing; Urgency and emergency.

1 INTRODUÇÃO

Dentre tantos conceitos de saúde mental, é possível dizer que esta pode ser denominada
como a capacidade de se recuperar do estresse do dia-a-dia, identificar limites pessoais, lidar
com conflitos, traumas e as cobranças que são impostas no decorrer da vida, de acordo com
Silva e Robazzi (2019), e, como consequência, ameniza as possibilidades de se desenvolver
adoecimentos mentais. É importante destacar que, conforme afirma Silva et al. (2017), os
problemas relacionados à saúde mental não devem ser observados de forma isolada, pois são
fatores amplos relacionados ao contexto social e à saúde pública, ou seja, de direito de todos.
O ambiente de trabalho é um dos contextos que pode estar intimamente ligado à saúde
mental, tendo em vista que esse cenário é onde o indivíduo passa maior parte do seu tempo, e,
de acordo com Silva (2015), é nele que pode se encontrar motivos de prazer e sofrimento da
rotina diária. O estresse, por exemplo, pode ser resultado de uma dessas tensões entre saúde e
trabalho, originada de determinados fatores de risco, como, carga horária excessiva, situações
de conflitos e riscos, que exigem uma sobrecarga física e mental, por exemplo. Assim, pode-se
dizer que as equipes de enfermagem que trabalham na urgência e emergência hospitalar,
ambiente repleto de tais fatores de riscos já citados, são, possivelmente, as mais expostas ao
estresse ocupacional.
Novaes Neto, Xavier e Araújo (2020) apontam que os profissionais de enfermagem
estão expostos a vivenciar momentos de sofrimento e dor como consequência de doenças
graves, provocando situações de estresse ocupacional em suas rotinas diárias. Com o passar do
tempo e da experiência adquirida esses profissionais podem passar a conseguir enfrentar com
mais facilidade ou não, podendo aumentar as consequências negativas somando-se também
muitas vezes com situações não favoráveis de trabalho como falta de equipamentos necessários,
insalubridade, desvalorização profissional, entre outros fatores.
691

Além da excessiva carga horária de trabalho, os enfermeiros que trabalham no setor de


urgência e emergência hospitalar possuem uma sobrecarga de responsabilidades que estão
diretamente relacionadas à saúde e bem-estar dos pacientes e dos acompanhantes, afirmam
Novaes Neto, Xavier e Araújo (2020). O fato de nesse ambiente também se conviver com
situações imprevisíveis faz com que as equipes de enfermagem estejam sempre em estado de
alerta, na tentativa de estarem preparadas e atentas a tudo o que acontece, podendo contribuir
para sofrerem com sintomas de ansiedade e pressão psicológica.
Partindo das ideias supracitadas, faz-se de extrema importância investigar o tema em
questão, uma vez que, o estresse e outros acometimentos em saúde mental advindos dos fatores
de risco nos ambientes hospitalares de urgência e emergência podem afetar não só a saúde dos
profissionais, que já é por si só um tema de fundamental relevância, mas também poderão
influenciar na qualidade e eficiência dos cuidados prestado aos pacientes e acompanhantes de
tais unidades de saúde. Assim, compreender a importância e as possibilidades de promoção em
saúde mental nas equipes de enfermagem que trabalham nesses ambientes é também contribuir
para um trabalho com melhor qualidade de vida e uma prestação de serviços em saúde mais
assertiva, acolhedora e humana.
Desta forma, o presente trabalho visa, através de uma revisão de literatura narrativa,
evidenciar fatores estressores ocupacionais em profissionais da enfermagem atuantes em
trabalho de alta complexidade na urgência e emergência hospitalar discutindo sobre o papel do
psicólogo nesse contexto como contribuinte da promoção da saúde mental.
Esta produção científica encontra-se organizada em cinco momentos. O primeiro, aqui
já apresentado, mostra a introdução, contextualizando o tema aos leitores. Em seguida, é
apresentado o referencial teórico, que tem como propósito aprofundar os conceitos bases. Após,
a metodologia, que mostra os caminhos percorridos para se responder a problemática do estudo.
Finalmente os resultados e discussões, que evidenciam aos leitores a resolução para a questão
aqui levantada, discutindo os principais teóricos e produções encontradas. E, por fim, as
considerações finais que objetivam sintetizar as principais informações da obra e pontuar as
principais lacunas e apontamentos futuros.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A seguir, serão apresentados os principais conceitos necessários para discutir e


responder sobre a problemática do presente estudo. Inicialmente o cenário hospitalar da
692

urgência e emergência será contextualizado e apresentado a realidade da categoria da


enfermagem nessas instituições. Após, será discutido os impactos, individuais e
organizacionais, dos elementos presentes no ambiente de trabalho. Por fim, será evidenciada a
inserção do profissional da psicologia no presente campo laboral e sua importância.

2.1 PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM NA URGÊNCIA E EMERGÊNCIA


HOSPITALAR

Os serviços de urgência e emergência podem ser caracterizados pela demanda


excessiva de atendimento, superlotação de leitos e outros espaços, a exigência de um ritmo
demasiadamente acelerado e sobrecarga de trabalho para os profissionais. Estas
características, dentre tantas outras nuances, estão relacionadas de forma direta e indireta na
dinâmica e funcionamento da interação trabalho-equipe-profissional nas unidades de saúde
em questão e no modo como os indivíduos são atravessados por ela (PAUL e LAUTERT,
2008).
As funções desempenhadas pelos profissionais de enfermagem no contexto de urgência
e emergência são direcionadas ao cuidado da equipe e dos pacientes. As adversidades
encontradas no setor demandam desses profissionais várias respostas, como: tomadas de
decisões rápidas e concisas, um ótimo manejo na resolução de problemas e conflitos, uma
administração eficaz frente a superlotação, assim como, o estabelecimento de uma organização
funcional na interação gravidade-serviço-atendimento. Além de todas as tarefas anteriormente
citadas, também é exigido do profissional de enfermagem, uma boa adaptação às possíveis
falhas por vezes encontradas nas redes de urgência e emergência, refletindo em um cenário
desafiador quanto à prestação de serviço com qualidade e eficiência aos indivíduos que ali estão
para usufruir do sistema de saúde. (SANTOS, et al., 2013).

Compreende-se, portanto, que a saúde das profissionais de enfermagem é constituída


a partir de uma dinâmica de trabalho por vezes danosa, resultante de um contexto
organizacional que carrega marcas de um sistema público de saúde com muitas
lacunas, mas que permite, de algumas maneiras, que as trabalhadoras encontrem
caminhos originais para dar conta das exigências do trabalho e das suas próprias
necessidades, sem adoecerem. (PAUL; LAUTERT, 2008, p. 6).

Conforme Shimizu e Ciampone (1999, p. 95), embora seja uma função muito apreciada
pela maior parcela desses colaboradores, o papel desempenhado pelo profissional de
enfermagem dentro do contexto da unidade de terapia intensiva (UTI), pode ser definido como
693

“um trabalho desgastante principalmente pela necessidade de ter de conviver com o


sofrimento, a dor e a morte, de modo tão freqüente”; fazendo-se necessário uma reflexão
acerca de tal realidade.

2.2 IMPACTOS NEGATIVOS REFERENTE AO TRABALHO

Segundo os autores Baasch e Laner (2011), os profissionais da saúde que atuam em


unidades críticas no ambiente hospitalar acabam vivenciando cotidianamente situações
complexas e delicadas. Situações essas que trazem o desgaste físico e mental. Conforme Moura
(2022), além desses fatores, os profissionais não conseguem otimizar o seu trabalho, gerando
menos desempenho, produtividade e pode interferir na qualidade da assistência ao paciente.
O trabalho na área da saúde constitui um ambiente que contribui para o adoecimento e
o desencadeamento de transtornos mentais. Moura et al. (2022) explica em seus estudos que
vários fatores contribuem para o adoecimento do trabalhador, destacam-se as condições de
trabalho, a complexidade de assistência, exigências da instituição e jornadas de trabalho
exaustivas.
Seguindo com os estudos de Filho e Almeida (2016), existem outros riscos que podem
ser a causa do estresse ocupacional. Como foi bem destacado na revisão, observou-se alguns
impasses. A baixa remuneração e diminuição de insumos para a assistência dos pacientes
podem ser demandas que afetam o dia a dia do profissional. A burocracia dentro das
organizações acaba sendo outra problemática que traz consequências para a saúde do
enfermeiro, e, às vezes, geram instabilidade e conflitos na equipe multidisciplinar. A pressão
exercida por gestores e pacientes, a instabilidade do emprego e a estrutura física precarizada
são características que devem ser consideradas na identificação do estresse que esses
profissionais enfrentam.
Em uma pesquisa feita por Neto, Xavier e Araújo (2020), é possível analisar que o
trabalho doméstico somado com a carga do trabalho profissional interfere negativamente na
saúde do trabalhador. Na sociedade são atribuídas responsabilidades diferentes às mulheres e
aos homens. Ou seja, consequentemente, há uma discrepância nos níveis de riscos e exposição
à saúde. A enfermagem é um cargo de predominância feminina, portanto, além dos desgastes
advindos do trabalho, deve se relacionar com a carga extra laboral da mulher. Com base nos
resultados da avaliação apontam que muitas enfermeiras precisam lidar com a sobrecarga dupla,
ou tripla, por isso estão mais propensas ao estresse e transtornos mentais.
694

O estresse ocupacional pode estar relacionado a outras doenças e patologias que


implicam no desempenho do trabalhador. Silva (2015) traz em sua pesquisa a prevalência da
Síndrome de Burnout entre trabalhadores de enfermagem. De acordo com os dados obtidos, os
escores para o esgotamento emocional foram de 24,5 pontos, na qual é considerado médio neste
estudo, mas é um fator relevante no que diz respeito à qualidade de vida. O autor complementa
que os níveis elevados de esgotamento emocional levam ao desgaste da qualidade de vida e
saúde.
Conforme Silva (2015), a síndrome de burnout é uma doença mental causada por
situações desgastantes e conflituosas no trabalho. É caracterizada por três dimensões. A
principal é o esgotamento emocional, que conduz a falta de entusiasmo, fadiga e frustração. A
despersonificação também deve ser levada em consideração, é marcada por sentimentos e
atitudes negativas em relação ao trabalho. Por fim, outra característica presente, é a baixa
realização pessoal, fica evidente quando há sentimentos negativos à auto avaliação profissional,
baixa produtividade e irritabilidade.
Com base em outro estudo, realizado por Silva e Robazzi (2019), observa-se que, além
do estresse, os profissionais apresentaram outras alterações, como a depressão, sofrimento e
tensão no trabalho, fadiga, sobrecarga mental e burnout.
As unidades de urgência e emergência são locais complexos e que exigem cuidados e
atenção redobrada. Diante dessa situação, Simonetti (2015) explica que além dos pacientes e
familiares, a equipe de saúde tem suas próprias demandas e angústias. Portanto, é de suma
importância que haja um suporte emocional e psicológico, existindo uma escuta qualificada
para esse público, a fim de tentar amenizar os impactos.

2.3 PAPEL DA PSICOLOGIA NESSE CONTEXTO

Sebastian (2000 apud Marcon 2004), afirma que a psicologia foi inserida no contexto
hospitalar nos anos de 1954 e 1957 com a implantação do Serviço de Psicologia no Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Marcon (2004) discorre
que o trabalho era desenvolvido para preparar psicologicamente as crianças para realização de
cirurgias. O autor também apresenta que mudanças no cenário da saúde pública brasileira,
como mobilização política nacional junto com ações do governo brasileiro desde a década de
70, fizeram com que favorece a ampliação da inserção do psicólogo na rede de assistência
básica à saúde e contribuiu para o fortalecimento do trabalho dele na área da saúde mental.
695

Em conformidade com o Conselho Federal de Psicologia, através do relatório do I


Fórum Nacional de Psicologia e Saúde Pública, sobre Sistemas Conselhos de Psicologia,
afirma:

Lute para integrar Psicólogos às equipes multidisciplinares nas ações de vigilância em


saúde do trabalhador, contribuindo para a análise dos processos de trabalho e para a
sua relação com os fatores subjetivos, emocionais e cognitivos do trabalhador.
Fomente a implantação e/ou implementação de serviço de saúde e segurança do
trabalhador, cujos princípios e diretrizes deem garantia de forma integral, com vistas
à prevenção, promoção e recuperação da saúde do trabalhador da saúde pública
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA - CFP, 2006).

O modelo de psicologia clínica é predominante no Brasil e está relacionado ao contexto


histórico da evolução da psicologia no país, segundo Marcon (2004). Campos (1995) reitera
que o psicólogo no contexto hospitalar além de ter um papel clínico também tem um papel
social, organizacional e educacional através da assistência psicológica aos pacientes, seus
familiares, a equipe multiprofissional e demais funcionários do hospital, com assessoria,
consultoria e Inter consulta psicológica.
Já o psicólogo hospitalar, conforme Gomes Tonette (2006 apud Mariana et. al 2021),
trabalha com demandas com relação ao diagnóstico, a hospitalização, a preparação para a
realização de uma cirurgia, as dúvidas e apreensões, o acompanhamento de casos de risco, com
a morte e com o luto.
Porém, além da psicologia hospitalar, também se encontra nas unidades de saúde a
psicologia organizacional, abordando os estudos sobre a implementação de elementos
científicos no ambiente de trabalho, conforme afirma Spector (2006 apud Mariana et. al 2021),
portanto, o psicólogo organizacional não trabalha com assuntos emocionais ou pessoais dos
pacientes, por ser uma atribuição do psicólogo hospitalar, entretanto Pesca (2011 apud Mariana
et. al 2021) discorre que se for necessário um direcionamento nesse sentido, o psicólogo
organizacional pode dividir os serviços de acordo com as necessidades observadas.
No contexto hospitalar, se tratando do profissional em psicologia organizacional, se faz
necessário que o psicólogo elabore práticas que fortaleçam um melhor desempenho dos
trabalhadores melhorando a produtividade, mas para isso ser alcançado o psicólogo leva em
consideração que se faz necessário proporcionar qualidade de vida e bem-estar dos funcionários
no ambiente de trabalho. Conforme afirma Silva Moreira (2016 apud Mariana et. al 2021), o
psicólogo organizacional necessita analisar o trabalho dos funcionários e as formas como se
696

desenvolve o mesmo dentro da organização, sua relação com os diretores, o ambiente em que
trabalham, e demais fatores que possam vir a influenciar seu bem-estar, e com isso desenvolver
um diagnóstico organizacional com possíveis colocações do que precisa ser alterado em prol
da saúde dos trabalhadores.
A psicologia organizacional e do trabalho tem um papel fundamental na humanização
hospitalar iniciando pela relação entre o hospital com os pacientes, os familiares e os seus
colaboradores. Conforme um estudo de Vaghetti (2012) trago por Santucci et al. (2022), é
possível observar em instituições da saúde uma desvalorização dos trabalhadores e um fator
que leva a esse contexto é a pouca participação na gestão dos serviços prestados.
O direcionamento do psicólogo organizacional no contexto hospitalar é ser um
facilitador e conscientizador nas atribuições das equipes que compõe a organização,
despertando para a dinâmica do ambiente e a subjetividade do indivíduo. (CAMPOS, K. C. de
L. et al, 2011)
Santucci et al. (2022) também traz Yamamoto e Rodrigues (2013), que expõem sobre o
compromisso ético e social do psicólogo organizacional que busca ações que promovem a
conscientização para lidar com o sofrimento psíquico e entre outros trabalhos voltados à saúde
mental dos colaboradores. Santucci et al (2022) confirma através da fala de Martins (2003) que
o bem-estar dos profissionais de saúde está sendo ignorado nas instituições hospitalares.
A cultura organizacional tem um papel muito importante dentro das instituições, assim
como também é primordial destacar que o hospital é uma organização onde deve sobretudo
buscar a garantia de um trabalho e um ambiente humanizado, Santucci et al (2022) defende
com a fala de Fachada (1991) que há um conjunto de valores e crenças necessários para as
relações dentro de uma organização focados em corresponder às expectativas dos indivíduos e
que busque a solução de problemas organizacionais favorecendo a permanência dos
colaboradores no trabalho.
Ainda sobre as atribuições do psicólogo organizacional e do trabalho e o psicólogo
hospitalar nos hospitais, é possível haver um desacordo na definição dos papeis de ambas os
profissionais. De acordo com Mota, Araújo e Barbosa (2021), o psicólogo hospitalar atua de
forma incisiva auxiliando nos benefícios da saúde e nos cuidados paliativos realizando
atendimentos com os pacientes, com seus familiares e com a equipe de saúde, podendo o mesmo
auxiliar até o na atuação organizacional na elaboração de artifícios que busquem a saúde mental
dos trabalhadores.
697

é imprescindível que o profissional em Psicologia Organizacional e do Trabalho


aprimore e desenvolva seus conhecimentos em relação aos contextos laborais dos
trabalhadores dos serviços de saúde, para isso, o mesmo não deve restringir-se a
apenas os materiais teórico-metodológicos próprios da ciência psicológica, mas
também ao estudo contínuo da literatura que envolve aspectos dessa realidade, como
o entendimento das Políticas Públicas em Saúde, da Política Nacional de Segurança e
Saúde do Trabalhador – PNSST, dos estudos advindos das áreas da administração e
gestão hospitalar. Dessa forma, compreende-se que o Psicólogo deve estar orientado
por uma visão crítica e reflexiva, atuando a partir da problematização da realidade de
trabalho nas organizações hospitalares, de modo que possa articular seus saberes
práticos e teóricos em prol da melhoria das condições e relações no trabalho,
formulando formas de intervenção que considere a participação dos colaboradores
como chave primordial nesse processo de melhorias e, a partir disso, obtenha impacto
significativo sobre os fatores que causam adoecimento. (MOTA; ARAÚJO;
BARBOSA, 2021, p.10)

Em virtude do exposto por Santucci et al (2022), é possível destacar que um ambiente


de trabalho hospitalar precisa considerar não somente os pacientes como também os seus
colaboradores, valorizando e respeitando as singularidades de cada um e acolhendo os seus
funcionários, esses são elementos que favorecem a humanização do ambiente organizacional
hospitalar, contribuindo também para a continuidade do trabalho e preservação das equipes
com suas atividades sendo valorizadas, e esta é uma das tarefas mais importantes da Psicologia
Organizacional e do Trabalho (POT), que se trata do desenvolvimento de práticas que foque
na contribuição para um ambiente humanizado nas organizações.

3 METODOLOGIA

Visualizando a fundamentação teórica da afirmativa proposta pelo tema do presente


artigo, foi utilizada a modalidade de revisão de literatura narrativa, que, conforme Rocha
(1999), proporciona relações com produções anteriores e facilita a identificação de temáticas
recorrentes, consolidando novas perspectivas.
A Revisão Narrativa se diferencia por possuir análise crítica pessoal do pesquisador,
tema de estudo abrangente e critérios não-sistemáticos. São modelos amplos e adequados para
discorrer, analisar e refletir o desenvolvimento de uma temática específica, perante um ponto
de vista teórico ou contextual e fundamentá-la.
Os materiais e informações dessa pesquisa foram coletadas pelo uso das plataformas
verificadas e seguras de buscas de conteúdo científico, como: Scielo, Pubmed e Pepsic. Tais
dados foram coletados de junho a agosto de 2022 com a utilização de descritores em português
e inglês. Quanto ao número total de trabalhos analisados para coleta de dados e embasamento,
698

somaram-se 18 artigos, estabelecendo como critérios de inclusão: artigos em português na


temática nos últimos 15 anos. Já os critérios de exclusão foram: artigos pagos e não disponíveis
na íntegra.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como foi enfatizado no referencial teórico, Filho e Almeida (2016) apontam diversas
questões que contribuem para o adoecimento dos enfermeiros. Situações que envolvem a alta
demanda hospitalar, as exigências e burocracias da organização, a falta de comunicação
intersetorial, baixa remuneração, problemas interpessoais, falta de apoio social e estrutura física
precária. Partindo disso, pôde-se notar a necessidade de inserção da Psicologia dentro do
contexto hospitalar para garantir a promoção à saúde mental dos profissionais de enfermagem.
Sabendo disso, conforme Simonetti (2015), a psicologia hospitalar detém-se ao tratamento
focado nos aspectos psicológicos envolvidos no processo de adoecimento e suas nuances, com
isso, visa promover intervenções sobre indivíduos que estão hospitalizados, amenizando os
fatores que possivelmente possa acometer ou deturpar o processo de interação saúde-doença de
forma negativa. O autor destaca que, possuindo o hospital como “setting terapêutico'', seu
público embarca os pacientes, os seus familiares, como também, a equipe de saúde.
Logo, embora a psicologia hospitalar tenha suas ações voltadas também a equipe de saúde,
o trabalho unificado dela não permite uma visualização total do contexto, fazendo-se necessário
uma ação conjunta e interdisciplinar com a psicologia organizacional e do trabalho (POT), que
também é de suma importância no âmbito hospitalar. Segundo Mota, Araújo e Barbosa (2021),
um profissional da área de POT dentro do contexto hospitalar é encarregado de selecionar
profissionais qualificados para setores e cargos dentro da organização, diminuir as questões
estressoras decorrentes da jornada de trabalho, proporcionar vínculos entre os diferentes setores
e o desenvolvimento de ações com a equipe multidisciplinar, com o intuito de construir um
ambiente organizacional saudável e prevenindo danos futuros.
Dessa forma, evidenciou-se que após uma análise crítica dos estudos coletados, podemos
confirmar que os profissionais da saúde sofrem impactos significativos à saúde mental,
principalmente aqueles que atuam diretamente nas unidades de urgência e emergência
hospitalar. Identificamos que dentro dessas revisões há uma prevalência de estudos com os
profissionais da enfermagem, por ser um ambiente que requer mais atenção e cuidado desses
trabalhadores. Por vivenciarem cotidianamente situações estressantes e condições precárias de
trabalho, as pesquisas indicaram elevados índices de estresse ocupacional, síndrome de burnout
699

e outros transtornos mentais.


Nesse sentido, Moura et al. (2022) aponta que é de suma importância investigar a presença
de fatores estressantes e auxiliar na promoção da saúde mental dos profissionais.
Compreendendo, como solução, a presença da atuação interdisciplinar entre Psicologia
Organizacional e do Trabalho e Psicologia Hospitalar, para garantir uma construção harmônica
da unidade de saúde e a promoção da saúde mental entre seus colaboradores, sobretudo, aos
profissionais de enfermagem que pertencem a parcela mais impactada pelos fatores
desencadeadores do adoecimento.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, a presente revisão de literatura teve como objetivo evidenciar a importância


da promoção em saúde mental com profissionais da enfermagem atuantes no contexto da
urgência e emergência hospitalar, uma vez que o ambiente de trabalho em questão é repleto
de fatores de risco à saúde, física e mental, dos trabalhadores.
Observou-se que os profissionais de enfermagem que atuam na urgência e emergência
hospitalar vivenciam situações de estresse ocupacional que afetam diretamente a saúde mental
dos mesmos. Fatores como a sobrecarga de trabalho, constante ansiedade ao lidar com o
inesperado, exaustão emocional, pouca valorização profissional e diversas outras situações
que são mais intensificadas quando nos setores como na de unidades de terapia intensiva
(UTI).
Entende-se que as instituições hospitalares são ambientes complexos composto por
diversos setores e profissionais, e ademais nessa organização os enfermeiros se defrontam com
situações de emoções intensas que diz respeito a dor, a doença, a morte e o sofrimento,
provocando momentos de estresse, ansiedade, fadiga da compaixão e até problemas mentais
mais graves.
O psicólogo possui um trabalho fundamental às equipes profissionais nos hospitais, em
especial ao se tratar do psicólogo organizacional e do trabalho, que preza pela humanização e
boa gestão no ambiente de trabalho. A cultura organizacional do ambiente hospitalar será mais
favorável existindo uma humanização hospitalar que preze pelo bem estar de todos que fazem
parte do contexto hospitalar, desde os pacientes e os familiares até os profissionais que ali
atuam, principalmente a equipe de enfermagem que se encontra em constante pressão.
Partindo das afirmativas anteriormente citadas, fica evidente a necessidade de inserção
700

do trabalho interdisciplinar entre profissionais da Psicologia Organizacional e Psicologia


Hospitalar dentro do contexto das unidades de saúde de terapia intensiva e emergências, a fim
de fornecer um aporte que alcance todo o prisma de fatores referentes à qualidade de vida no
trabalho. Para isso, faz-se necessário postular suas práticas firmadas no diálogo interacional
entre conhecimentos e possibilidades de ambas as partes, para assim propiciar um ambiente que
visualize e adapte melhores condições para o desempenho das atividades dos profissionais de
enfermagem, assim como, perceba todas as nuances envoltas à garantia da humanização do
fazer e do ser enfermeiro. Finalmente, garantindo a promoção da saúde mental de tais
profissionais e uma prática mais humanizada para que haja também o cuidado a quem cuida.
A presente revisão, apesar de contribuir com a literatura e prática e ser,
indiscutivelmente, relevante, mostra lacunas nos seus caminhos metodológicos que apontam
para a necessidade de futuros estudos. Assim, acredita-se que estudos mais sistematizados se
mostram cada vez mais necessários, objetivando alcançar informações ainda mais precisas
sobre como lidar com fatores de risco desses cenários de trabalho, bem como as possibilidades
de atuação e inserção da própria psicologia organizacional e do trabalho nos serviços
hospitalares de urgência e emergência, tendo em vista a escassez de material sobre.

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reflexão
703

A IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE PARA A


FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA

Sara Maria Lima Xavier1


Maria Isabel da Silva Oliveira2
Paula Rolim Pinto de Souza3
Luan Martins de Souza4

RESUMO

O trabalho da(o) psicóloga(o) na Atenção Primária à Saúde (APS) não deve consistir na
transposição do modelo hegemônico de atuação nos consultórios particulares, pois os serviços
públicos de saúde, especialmente a APS, recebem casos em que o diagnóstico está intimamente
ligado a condições de fragilidade socioeconômica, o que exige criatividade para, subvertendo
as opressões do sistema capitalista, desenvolver formas efetivas de cuidado e promoção de
saúde. À vista disso, o presente trabalho tem como objetivo, por meio de uma revisão narrativa
da literatura, identificar o processo de inserção da Psicologia na APS, além de discorrer sobre
o estágio como instrumento essencial para uma formação comprometida com a luta e o
compromisso ético-político por uma saúde pública e de qualidade. Percebeu-se que há uma falta
de pesquisas sobre essa temática, principalmente com enfoque em experiências de estágios na
APS, bem como a necessidade de inserção de disciplinas sobre saúde pública nos cursos de
graduação em Psicologia, além do incentivo à pesquisa e extensão nessa área.
Palavras-Chave: estágio, atenção primária à saúde, formação em psicologia.

ABSTRACT

The psychologist work at the primary health care is not supposed to be like the hegemony model
of the therapy done in a private office, because the public health services, especially the primary
health care, receive some cases where the diagnostics is connected to a fragile socioeconomic
condition. So, it requires a creative work to subvert the oppressions caused by capitalism
through the development of effective ways of care and health promotion. Then, the present
article has as objective through a narrative literature review to identify how psychology is
inserted in primary health care and discourse about the internship as a essencial way to a training
that is politically ethical to a commitment with a quality public health. For a conclusion, it was
noticed that there are missing researches about this theme, especially about the experience of
internships at primary health care, the necessity of including matters about public health at the
psychology undergraduate courses and the incentive for researches and extension projects.
Keywords: internship. primary health care, psychology formation.

1
Graduanda do curso de Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
saramxvr@gmail.com
2
Graduanda do curso de Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
mrasblso@gmail.com
3
Psicóloga, pós graduanda em Psicologia Hospitalar na UNOPAR. E-mail: psipaularolim@hotmail.com
4
Orientador. Psicólogo, especialista em Gestão e Psicologia Organizacional e mestrando em Saúde e Sociedade
na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). E-mail: luanmartinspsi@gmail.com
704

1 INTRODUÇÃO

A história da Psicologia no Brasil é marcada pela aplicação de pressupostos teórico-


metodológicos importados de contextos que não representam a realidade brasileira, no qual se
explica pela posição de um país que ainda sofre as consequências de sua colonização. No
entanto, o movimento pela Reforma Psiquiátrica evocou transformações no que tange o trabalho
em saúde mental, uma vez que propõe serviços substitutivos e interprofissionais de cuidado
para pessoas institucionalizadas em manicômios (DIMENSTEIN; MACEDO, 2012).
Apesar disso, a Psicologia ainda reproduz a lógica manicomial nos equipamentos de
saúde ‒ principalmente nos hospitais psiquiátricos ‒, além de estar se firmando em uma prática
profissional neoliberal, onde parte das (os) psicólogas (os) não se compreende enquanto
categoria e classe trabalhadora, empregando um sentido empreendedor e autônomo em seus
consultórios privados (CREPOP, 2019).
Em contrapartida, há um movimento que reivindica o compromisso social, ético e
político da profissão para que haja a ampliação dos espaços de atuação, principalmente no
campo do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesse sentido, tem-se o âmbito da Atenção Primária
à Saúde (APS) como novidade para a Psicologia, visto que a Portaria nº 154/08 que define sua
inclusão, por meio do Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), só foi publicada em 2008
(BRASIL, 2008). Aqui, vale destacar que a última versão da Política Nacional de Atenção
Básica, publicada em 2017, alterou o nome do NASF para Núcleo Ampliado de Saúde da
Família e Atenção Básica (NASF-AB) (BRASIL, 2017).
Ainda, em 2020 e sob o governo federal de Jair Messias Bolsonaro, o Ministério da
Saúde revogou as normativas que definiam os parâmetros e custeio do NASF-AB, extinguindo
a criação de novas equipes multiprofissionais que matriciavam a Estratégia Saúde da Família
(ESF). Assim, as (os) profissionais já credenciadas (os) permanecem atuando, porém sem
muitas garantias, pois a organização das equipes ficou a critério das(os) gestoras(es) municipais
(BRASIL, 2020).
Isso posto, pode-se dizer que, para além do comprometimento com a luta e a defesa do
NASF-AB e do SUS de modo geral, o trabalho da(o) psicóloga(o) não deve consistir na
“transposição pura e simples do modelo hegemônico de atuação clínica” (DIMENSTEIN, p.
22, 1998) em consultórios particulares, pois os serviços de saúde pública, especialmente a APS
‒ por ser a porta de entrada do sistema ‒, recebem casos em que o diagnóstico está intimamente
705

ligado a condições de fragilidade socioeconômica, o que exige criatividade para, subvertendo


as opressões do sistema capitalista, desenvolver formas efetivas de cuidado e promoção da
saúde (KLEIN, 2015).
Nesse sentido, compreende-se que, apesar da existência de pesquisas versando sobre a
importância de repensar o trabalho da Psicologia na APS, a formação necessária para essa
atuação não tem sido considerada nos cursos de graduação. Com isso, a ideia de escrever sobre
a temática surgiu ao perceber a importância que as experiências do estágio profissionalizante
na APS, mais especificamente na Unidade Básica de Saúde (UBS) e no Consultório na Rua
(CnR), tiveram durante a formação das autoras deste artigo.
Portanto, coloca-se o seguinte questionamento: como o estágio em Psicologia na
Atenção Primária à Saúde pode contribuir para a formação profissional? Com isso, objetiva-se
identificar o processo de inserção da Psicologia na APS, bem como discorrer sobre o estágio
como instrumento essencial para uma formação comprometida com a luta e o compromisso
ético-político por uma saúde pública e de qualidade.
Para isso, optou-se por fazer uma revisão narrativa de literatura. Essa abordagem
metodológica não possui um protocolo rígido e critérios sistemáticos de busca, portanto, resulta
em publicações amplas, ideais para descrever e discutir o desenvolvimento ou o estado da arte
de uma determinada temática, a partir da análise das produções disponíveis em livros, artigos
de revistas impressas e/ou eletrônicas, e da interpretação pessoal e crítica do (a) autor (a)
(CORDEIRO et al.., 2008). A pesquisa foi feita nas seguintes bases de dados: Biblioteca
Virtual em Saúde (BVS), Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), e Scientific Electronic Library Online (SCIELO). Os descritores
de busca foram "estágio", “psicologia”, “atenção primária à saúde” e “formação”. Ainda, foi
trazido para além da literatura bibliográfica, discussões postas a partir da experiência de estágio
em Unidade Básica de Saúde (UBS) de uma das autoras do artigo, com o intuito de
complementar e potencializar a escrita deste trabalho.

2 O PROCESSO DE INSERÇÃO DA PSICOLOGIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À


SAÚDE

A Atenção Primária à Saúde (APS) ou Atenção Básica (AB) trabalha com ações em
saúde, de modos individuais e coletivos, que buscam pôr em prática a atenção integral à saúde
da população, visando minimizar as conjunturas de vulnerabilidade dos sujeitos, na busca por
706

prevenir riscos e agravos de doenças da população. Como já mencionado na introdução do


artigo, a APS é a porta de entrada do SUS, sendo o contato principal das (os) usuárias(os), o
que a torna o centro de comunicação da Rede de Atenção à Saúde, no qual desenvolve como
estratégia prioritária a Saúde da Família (ESF) (BRASIL, 2017; CREPOP, 2019).
O Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o (2005) discorre sobre o trabalho
fundamental da Psicologia nesse campo de atuação, trazendo sobre a importância da (o)
psicóloga(o) trabalhar promovendo saúde e qualidade de vida às pessoas e coletividades,
contribuindo para o combate e eliminação de todas e quaisquer formas de discriminação,
negligência, violência, opressão e crueldade. Essa fala traz o questionamento de como a(o)
psicóloga(o) contribui com ações direcionadas à diminuição das desigualdades no Brasil, país
que por vezes se apoia no assistencialismo e na filantropia, e que durante anos replicou teorias
e modos de cuidado de outros lugares, demarcando ainda mais o nosso lugar de colonizados
(CREPOP, 2019).
Dito isso, demarca-se que o compromisso social da Psicologia deve estar no fazer que
cada profissional se propõe na ocupação dos espaços de saúde, já que este não deve ser uma
simples adequação das práticas clínicas individualizantes e biologizantes. Logo, é importante
delimitar que o trabalho nessa área está ancorado no “fazer profissional com os princípios do
SUS, ressaltando que atuar nestes espaços exige uma postura em defesa das políticas públicas
como instrumentos de garantia de direitos” (CREPOP, 2019, p.6). A Atenção Básica, portanto,
situa-se como um dispositivo que tenta modificar os modos de trabalho pautados em lógicas
anteriores, assim como a Psicologia, que tem o trabalho político de pautar sua prática em uma
lógica antimanicomial, humanizada e que acolha os sujeitos em todos os níveis de cuidado da
Rede de Atenção à Saúde, considerando os princípios do SUS e os direitos das(os) usuárias(os).
Faz-se importante que a(o) psicóloga(o) localize a sua prática de um modo ético-
político, compreendendo seu lugar de atuação na saúde coletiva e atuando a partir dos preceitos
da clínica ampliada, da territorialização, da Educação Permanente em Saúde e Educação
Popular em Saúde, fortalecendo os laços da comunidade e a participação dos sujeitos nos
serviços (MOREIRA et al., 2021). Essa ética é construída a partir da prática do trabalho na
APS, ultrapassando por vezes os saberes específicos de cada profissão, o que, ocasionalmente,
torna necessária a abdicação de um projeto individual em detrimento de um projeto coletivo.
Todas essas questões implicam na busca pela promoção e prevenção da saúde, fazendo com
707

que o olhar psicológico não esteja ausente nas construções dos trabalhos com as equipes
multiprofissionais, afinal, “não há saúde sem saúde mental” (CREPOP, 2019, p.35).
A APS é um lugar potente para o cuidado em saúde mental, pois está enlaçada com os
sujeitos, as famílias, a comunidade e os demais equipamentos que compõem a RAS. Para isso,
o acolhimento deve estar situado na porta de entrada do serviço, onde os sujeitos devem ser
escutados e orientados independente de suas “condições de vida”, com um olhar de modo
singular, sem excluir o contexto social em que os mesmos estão inseridos, pensando em um
manejo clínico adequado e a construção de um Projeto Terapêutico Singular (PTS) (CREPOP,
2019). A partir dessas questões, torna-se possível entender o papel de um profissional da
Psicologia na Atenção Básica, atuando a partir de uma política antimanicomial, promovendo
saúde e prevenindo agravos à saúde mental.
Em referência à inserção da Psicologia na APS, é importante que se pense na dimensão
da formação desses profissionais. É imprescindível que estes estejam abertos a ampliar suas
práticas e construir saberes, principalmente por meio da fala e da escuta. A aproximação prática
e vivencial de alunos/profissionais com o modo de funcionamento da RAS e as pessoas
atendidas no SUS potencializa a construção de práticas de cuidados mais próximas às reais
necessidades (CREPOP, 2019).
Trabalhar com inserção nesse contexto não deve se dar de modo fácil ou simples, pois
por vezes é um trabalho rodeado de violências diversas. Por mais que conste na Constituição
Brasileira de 1988 que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, diariamente é
escancarada a precarização do trabalho e de alguns serviços, ou até mesmo o modo como alguns
profissionais (des) tratam populações por vezes vulneráveis. Por isso, é importante se firmar
parcerias de trabalho nos espaços (inclusive com a população) para que se fortaleçam os laços
sociais e a construção e sustentação de políticas que voltem suas ações para sujeitos que,
frequentemente, têm seus direitos negados e violados, como por exemplo idosos, pessoas
negras, mulheres, crianças, população em situação de rua e população LGBTQIA+ (CREPOP,
2019).
Esses são exemplos de questões que estão para além da teoria e que a prática de trabalho
escancara diariamente nos serviços, por esse motivo é importante apoiar e investir em estágios
nos equipamentos de saúde, bem como a inserção de disciplinas teórico-práticas nas grades
curriculares dos cursos de Psicologia e o contato das(os)s estudantes com o trabalho
708

multiprofissional para a construção de saberes na APS, pois é nesse contexto que podem surgir
descobertas e contribuições inovadoras para a realidade dos serviços.
O CREPOP (2019) adverte sobre a importância de incluir nos currículos das Instituições
de Ensino Superior disciplinas como Saúde Coletiva, e não só nos cursos de Psicologia, como
também nos demais que tenham possibilidade de trabalho com o SUS. A luta pelo cuidado em
saúde mental é uma pauta coletiva, que perpassa a Psicologia, mas não deve parar nela pois é
um trabalho construído de forma democrática e participativa, a partir da Rede de Atenção à
Saúde, dos profissionais que a compõem e dos saberes e questões da população.

3 O ESTÁGIO EM PSICOLOGIA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Qual é o tipo de formação em Psicologia que se tem perpetuado nas universidades


brasileiras? É o questionamento impulsionador que irá delinear a elaboração do caminho à
resposta da questão-problema deste artigo, haja vista que não há como dissociar o espaço
formativo das universidades com a prática das (os) profissionais da Psicologia. Sendo assim, é
importante realizar uma pequena reflexão sobre qual é, de fato, o papel das instituições
acadêmicas nesse cenário que, por sua vez, aponta para a necessidade de se construir uma
formação compatível com o SUS desde a graduação.
Uma das primeiras problemáticas no que tange à formação em Psicologia é a definição
da sua área dentro das universidades, pois para algumas, essa é uma ciência da saúde e, para
outras, é uma ciência da área de humanas, o que acaba influenciando diretamente na
estruturação das grades curriculares dos cursos. Todavia, foi por meio da articulação entre os
Ministérios da Saúde e Educação que, em 2004, foram implantadas as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN), reconhecendo a Psicologia como um curso da saúde (MELLO; TEO, 2019).
É por isso, então, que este artigo discorre sobre a Psicologia dentro da área da saúde, já que a
discussão é sobre a sua inserção no contexto da APS.
Para Garbin et al. (2006, p. 7), “as profissões de saúde devem ser medidas primeiro pelo
nível de saúde da população que depende de seus serviços e não pela complexidade da
preparação científica e tecnológica dos seus profissionais”. Isso já direciona ao entendimento
de que para fazer saúde é preciso, primeiramente, conhecer qual o território em que a (o)
profissional está inserida (o) para, então, pensar nas possibilidades de sua atuação.
Em relação a isso, o que se apresenta no contexto histórico brasileiro da formação em
saúde é a replicação do modelo biomédico hegemônico, surgindo, segundo Mello e Teo (2019),
709

uma lacuna no processo de formação pela falta de problematização, participação social crítica
e atuação interdisciplinar. Por essa razão que há a tentativa, ao longo dos anos, da criação de
iniciativas que estejam comprometidas com a realidade das comunidades, pois a singularidade
do SUS está, principalmente, em uma das suas diretrizes, que é a participação popular na
construção da saúde, promovendo uma boa articulação entre o quadrilátero da formação para a
área da saúde, que é ensino-gestão-atenção-controle social (CECCIM; FEUERWERKER,
2004).
Segundo Carvalho e Ceccim (2006), para que haja efetivamente a construção de um
processo formativo, é basilar que existam espaços de aprendizagem que estejam concomitantes
com o desenvolvimento das (os) acadêmicas (os) nas habilidades para a gestão, atenção à saúde
e controle social, por meio de metodologias ativas de ensino que estejam direcionadas para o
trabalho multiprofissional e interdisciplinar, que fazem parte dos princípios do trabalho do SUS.
Adentrando um pouco sobre o processo formativo das instituições acadêmicas, desde o
final da década de 90 que já se discutia sobre o currículo do curso de Psicologia. De acordo
com Boarini (1996), deveria haver a inserção de disciplinas que abordem a questão da saúde
pública brasileira com enfoque no SUS e a inclusão do estágio nas UBS como forma de
enriquecer a formação profissional. Complementando essa ideia, para Ceccim e Feuerweker
(2004, p. 44), a formação

Deve expressar ainda a produção de conhecimento e promoção de avanços nos


campos científico, tecnológico e cultural e prestação de serviços, principalmente de
cooperação e assessoramento técnicos, de retaguarda e avaliação tecnológica e de
documentação e disseminação dos saberes produzidos nos serviços, nos movimentos
sociais e nas práticas populares.

Portanto, no que se refere à produção de saberes, traz-se a discussão principal deste


artigo: a relevância do estágio nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para a formação da (o)
profissional da Psicologia, trazendo o quê de possibilidades que esse espaço produz para a
construção de uma formação ética, política e engajada com a realidade social.
Um primeiro ponto a ser destacado dentro dessa realidade é que não adianta ofertar
espaço para as (os) discentes atuarem na saúde pública se, na academia, não houver docentes
qualificados para contextualizarem a formação para o SUS e o seu impacto social (SOUSA;
CURY, 2009), já que o estágio em Psicologia se dá pela inserção da(o) discente no campo e
pela supervisão, que é o momento em que docente e discente debatem sobre as possibilidades
do estágio. Quando não há formação teórica na academia sobre a saúde pública brasileira, a
710

primeira coisa que acontece quando uma/um estagiária(o) adentra nesse território é o espanto
com a realidade daquele local, a falta de entendimento sobre a sua gestão e funcionalidade, a
falta de saber como construir os prontuários e a dificuldade de fazer e entender um trabalho
multiprofissional e interdisciplinar, tendo em vista que a(o) profissional de Psicologia ainda é
orientada(o) a trabalhar de forma individualizada, com foco somente nas psicopatologias.
Tendo como ponto de partida o que foi posto, já se pode afirmar a relevância de um
estágio na APS para a (o) estudante de Psicologia, pois faz com que esta (e) veja na prática
como é estar atuando na realidade do contexto brasileiro de saúde. Para além de aplicar
conhecimentos aprendidos em sala de aula, o estágio em UBS possibilita o aprendizado para
formar novas práticas de cuidado em saúde e uma nova forma de firmar o trabalho da Psicologia
nesse lugar, pois ainda é muito engessado o pensamento de que a (o) psicóloga (o) realiza
apenas atendimentos individuais visando um psicodiagnóstico.
Em relação ao estágio em si na APS, uma coisa que é valiosa para a (o) estagiária (o) é
o fato de que há uma liberdade para que esta (e) possa realizar o seu estágio de forma autêntica.
No artigo “Psicologia e atenção básica: vivências de estagiários na Estratégia de Saúde da
Família” de Sousa e Cury (2009, p. 1434), os autores trazem que um dos relatos feitos pelas e
pelos estudantes da pesquisa sobre o estágio na APS é que “para os estagiários, a formação em
um contexto de atenção básica é vivenciada como algo que os torna profissionais de fato, e não
apenas aprendizes, em razão da autonomia, das responsabilidades e das tarefas de estágio serem
idênticas àquelas dos profissionais de saúde”.
Esse ponto em específico é de grande preciosidade para a constituição da
responsabilidade da (o) estagiária (o) frente ao trabalho da Psicologia, pois exige que a sua
compreensão ética do trabalho esteja muito bem embasada política e socialmente, afirmando o
seu compromisso com a comunidade. Além disso, desenvolver autonomia no espaço de
construção de saber é uma forma de propiciar a importância de se ter metodologias ativas no
ensino e no serviço, pois são elas que abrem espaço para o diálogo, sustentando que o saber
circula pelas pessoas, não estando fixado apenas nas figuras estereotipadas do saber na saúde,
que seriam destinadas aos médicos.
Portanto, estar na APS é uma forma de entrar em contato com as mais diversas
categorias profissionais. Isso possibilita tanto a observação se há, de fato, um trabalho
interdisciplinar, e a problematização caso não haja, já que essa é, infelizmente, uma realidade
nas UBS. A (o) estudante, por sua vez, tem por direito levantar questionamentos, problematizar
711

e sugerir mudanças no trabalho, pois isso faz parte da sua construção formativa. Ademais,
sugerir mudanças no trabalho implica não apenas a mudança na lógica de como se organiza a
Atenção Básica, mas na lógica subjetiva de como cada profissional realiza o seu trabalho.
Retomando à pesquisa de Sousa e Cury (2009, p. 1436), os autores trazem como
resultado que

O estágio de psicologia clínica, na atenção básica, adquire uma dimensão altamente


instigadora, provocadora e complexificadora, não apenas do ponto de vista do
psicólogo na saúde pública, mas também da formação como cidadão, em razão da
diversidade de vivências com os vários profissionais, das diferenças entre as famílias
dos usuários e das inúmeras situações do cotidiano na interação com a comunidade –
questões sociais, culturais e ambientais. Nos depoimentos, os estagiários descrevem a
vivência do estágio como algo que ultrapassa o aprendizado acadêmico e diz respeito
a uma aprendizagem de forma coletiva entre todas as áreas profissionais da saúde que
engloba aspectos cognitivos e afetivos.

A partir disso, pode-se delinear as inúmeras possibilidades de fazer o cuidado em saúde


dentro da APS pela Psicologia: territorialização, que consiste em conhecer a história, a estrutura
e a organização do bairro no qual a UBS está localizada; o matriciamento, que é a construção
conjunta da equipe profissional de propostas de intervenções de cunho pedagógico-terapêutico;
as visitas domiciliares, que são uma forma de estar em um contato bem mais próximo com
as(os) usuárias(os), o que permite a construção de vínculos e uma nova forma de realizar os
atendimentos; os atendimentos individuais; atendimentos em grupos operativos, que visam o
fortalecimento dos laços entre a comunidade, bem como a construção de um espaço terapêutico
de cuidado, tendo como exemplo grupo de mulheres, crianças, idosos, tabagismo, etc;
atendimentos compartilhados e interdisciplinares entre os profissionais, proporcionando uma
visão mais ampliada da saúde; a Educação Permanente em Saúde, que consiste na análise da
prática do trabalho cotidiano em saúde; a construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS); a
construção de práticas que levem informações às(os) usuárias de forma objetiva, como “Salas
de espera”, realizadas nas recepções das UBS e “Papos na calçada”, realizados nas microáreas
do bairro; enfim, há uma imensidão de possibilidades para aprender e realizar no espaço da
APS.
Isso tudo demonstra o quão é urgente e necessário que a formação das (os) futuras (os)
profissionais da Psicologia esteja de acordo com a realidade brasileira no que diz respeito à
saúde, afirmando que o compromisso social da Psicologia é de fazer um trabalho ético e político
de cuidado, já que tem como um de seus princípios fundamentais do Código de ética
712

profissional da/o psicóloga/o (2021/2005) a promoção da saúde e a qualidade de vida das


pessoas e das coletividades.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A priori, é substancial discorrer sobre a dificuldade em encontrar bibliografias que


estivessem ligadas diretamente com o assunto proposto por esse artigo. Isso já demonstra o
quão é necessário que se produza artigos científicos dentro dessa área de pesquisa,
principalmente com o enfoque nas experiências de estágios na APS. Essa percepção, portanto,
é bem explicada pelo fato de que a formação em Psicologia ao decorrer dos anos teve como
enfoque principal o trabalho individualizado da prática clínica em consultório. Além disso, há
toda uma questão sobre produção de saberes científicos, no qual não é tão valorizado, por
exemplo, a elaboração de relatos de experiências.
Todavia, escrever sobre experiências é precioso para a composição da prática da(o)
psicóloga(o), principalmente em se tratando da proposta de pensar novas formas de se fazer
saúde que não sejam reprodutoras de manejos manicomiais, neoliberais e medicalizantes. Dito
isso, situa-se que este artigo, apesar da dificuldade na pesquisa bibliográfica, conseguiu
responder bem ao seu questionamento e cumpriu com o seu objetivo de discorrer sobre a
relevância que o estágio na UBS tem para a formação profissional, pois foi possível articular
sobre as interferências históricas e políticas que envolveram a inserção da Psicologia no SUS
e, consequentemente, na APS; como o trabalho nessa área pode ser desenvolvido; problematizar
sobre a elaboração curricular dos cursos de graduação de Psicologia, bem como a falta de
docentes capacitados para teorizar e supervisionar os estágios nas UBS e, por fim, as inúmeras
possibilidades de trabalho a serem feitos nos estágios, além da relevância não só profissional,
como também pessoal.
Logo, deixa-se como sugestão que possam haver pesquisas futuras que disseminem
quais práticas estão sendo construídas nos estágios e a sua importância para a formação da(o)
psicóloga(o); a reestruturação das grades curriculares dos cursos de Psicologia, inserindo
disciplinas que contemplem a saúde pública brasileira; a disseminação e o incentivo da
participação discente em projetos de extensão na saúde pública, em programas como o
Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde) e Vivências e Estágios na
Realidade do SUS (VER-SUS) e em linhas de pesquisas dentro dessas temáticas, pois dessa
forma é possível fortalecer a tríade ensino-serviço-comunidade.
713

REFERÊNCIAS

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setembro de 2017, Brasília, ano 2017, 21 set. 2017. Disponível em:
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715

A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO


EDUCACIONAL

Míriam Câmara1
Ingridy Vitória Dantas de Lira2
Maria Cecília Azevedo Ferreira3
Amanda Carolina Claudino Pereira4

RESUMO

Durante décadas houve uma forte dicotomia entre razão e emoção, em que se valorizava a
primeira em detrimento da segunda. O psicólogo Howard Gardner instituiu a existência de 9
tipos de inteligência, consolidando a Teoria das Inteligências Múltiplas, afirmando que cada
sujeito possui habilidades distintas. No entanto, a educação tradicional valoriza o
conhecimento lógico-matemático, medindo a inteligência a partir de números, logo, passa a
não incluir e desenvolver os demais tipos de habilidades dos alunos, gerando frustrações. A
partir disso, compreendendo, também, que a escola é um lugar de socialização, entende-se que
surgem conflitos que causam abalos emocionais nos educandos. Em vista disso, o presente
trabalho buscou desenvolver a importância da educação emocional nas escolas, trabalhando o
desenvolver da inteligência emocional, compreendida como a capacidade de lidar com os
sentimentos e conflitos emocionais. Para isso, desenvolveu-se a partir de uma revisão narrativa
de literatura, de caráter exploratório e qualitativo. Nota-se a necessidade de repensar a
educação tradicional em busca de desenvolver e estimular os diversos tipos de inteligências,
além de, auxiliar os discentes a lidarem com suas questões emocionais, proporcionando um
cuidado a saúde mental.
Palavras-Chave: inteligência emocional; educação; educação emocional.

ABSTRACT

For decades there was a strong dichotomy between reason and emotion, in which the former
was valued at the expense of the latter. The psychologist Howard Gardner established the
expense of the latter. The psychologist Howard Gardner established the existence of 9 types of
intelligence, consolidating the Theory of Multiple Intelligences, stating that each subject has
different abilities. However, traditional education values logical-mathematical knowledge,
measuring intelligence from numbers, so it does not include and develop other types of students'
skills, generating frustrations. From this, also understanding that the school is a place of

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
miriancamara1@hotmail.com
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
ingridydll@gmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
ceciliazevedo.13@gmail.com
4 4
Professora de Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
amanda.pereira@professor.catolicadorn.com.br
716

socialization, it is understood that conflicts arise that affect the emotions of the students. In
view of this, the present work sought to develop the importance of emotional education in
schools, working on the development of emotional intelligence, understood as the ability to deal
with feelings and emotional conflicts. For this, it was developed from a narrative review of the
literature, with an exploratory and qualitative character. There is a need to rethink traditional
education in order to develop and stimulate the different types of intelligence, in addition to
helping students to deal with their emotional issues, providing mental health care.
Keywords: emotional intelligence; education; emotional education.

1 INTRODUÇÃO

As emoções desempenham um papel fundamental no funcionamento psicológico


humano e pode ser definida como uma série de mudanças fisiológicas e neurológicas que
ocorrem no organismo humano (DAMÁSIO, 2003), além de “[...] uma experiência subjetiva
que envolve a pessoa toda, a mente e o corpo. É uma reação complexa desencadeada por um
estímulo ou pensamento e envolve reações orgânicas e sensações pessoais” (PINTO, 2001, p.
243).
Para tanto, as emoções estão conectadas com os processos motivacionais, em vista disso,
os psicólogos Peter Salovey e John Mayer desenvolveram um estudo acerca da inteligência
emocional em 1990, sendo compreendida como a capacidade de expressar-se emocionalmente,
assim, ampliaram o conceito das inteligências intrapessoal e interpessoal proposto por Gardner
para o âmbito emocional (RÊGO; ROCHA, 2009; HOCKENBURY, 2009).
A relação entre afetividade e inteligência, entre razão e emoção na Psicologia veio do
legado da filosofia sobre o assunto, que tinha como objetivo o entendimento sobre a natureza
humana. Porém, ao longo da história, a razão e a emoção foram compreendidas separadamente,
de modo que, os elementos cognitivos e afetivos poderiam apoderar-se, cada um, como a
totalidade do mesmo (SOUZA, 2011). Em oposição a esse pensamento, na Psicologia surgiram
teorias de autores como Piaget, Vygotsky e Wallon que reuniram esses dois aspectos e
romperam com a compreensão fragmentada do funcionamento psicológico (LA TAILLE et al,
1992).
Com a Escola Nova, movimento que ocorreu durante a primeira metade do século XX,
buscou-se equilibrar razão e emoção, visto que, o pensamento pedagógico predominante
possuía raízes com a educação jesuítica, desenvolvendo um ensino que visava a memorização
e repetição dos conteúdos, impondo punições nos alunos quando não aprendiam (RÊGO;
ROCHA, 2009). Um dos principais pensadores desse movimento, Édouard Claparède construiu
a teoria da psicologia funcionalista, onde afirmava que a necessidade e o interesse fazem com
717

que a criança efetue qualquer atividade ou ação. Já John Dewey, afirmava que a educação seria
um processo de reconstrução da experiência e que objetiva promover o crescimento físico,
intelectual e emocional dos estudantes, planejando-os para o trabalho e para a atividade prática
(RACY, 2012).
Desse modo, a Inteligência Emocional (IE) envolve a capacidade de perceber, avaliar e
expressar as emoções, além da capacidade de controlá-las para promover o crescimento
emocional e intelectual (MAYER; SALOVEY, 1997). Dessa maneira, Goleman, Boyatzis e
McKee (2002) dividiram-na em quatro aspectos: autoconsciência (compreensão das próprias
emoções), autogestão (capacidade de gerenciamento das emoções), consciência social
(habilidade de entender o que se passa com o outro) e administração de relacionamentos (saber
lidar com as emoções alheias, a partir da autoconsciência).
Porém, mesmo após o surgimento dessas teorias, há uma valorização do conhecimento
lógico-matemático, utilizando testes de inteligência, como o teste de QI, com o intuito de medir
a inteligência das pessoas através dos conhecimentos cristalizados (RÊGO; ROCHA, 2009).
Esse cenário leva a seguinte reflexão: como possibilitar aos alunos um conhecimento e domínio
sobre seus aspectos emocionais de tal forma que desenvolva suas habilidades e competências
para além do âmbito escolar?
Logo, tendo em vista que as emoções são um fator determinante na qualidade de vida,
surge a necessidade do trabalho com a inteligência emocional na escola, em busca de romper
com a dicotomia entre afetividade e cognição, visando o aprendizado efetivo, através das
interações e relações mais saudáveis, uma vez que as instituições de ensino são um dos
principais agentes socializadores.
No processo de ensino-aprendizagem há a emergência de emoções e comportamentos
que, exteriorizadas de forma positiva, contribuem para a educação e o fortalecimento do vínculo
entre alunos e professores. Para isso, a educação emocional atua na gênese das relações, levando
os indivíduos à compreensão de seus aspectos emocionais, bem como, das pessoas ao seu redor,
gerando interações mais saudáveis, uma vez que, se tornam capazes de avaliar, expressar e
adequar as suas emoções, comportamentos e atitudes frente às adversidades.
Alzina (2003) explana que a educação emocional é um processo que se dá de maneira
contínua, atuando até mesmo na prevenção de vulnerabilidades em diversas situações, o que
facilita a promoção de ações construtivas. Contudo, se ressalta ainda, que todos estão expostos
a cometer ações de caráter destrutivo, inserindo o indivíduo em contextos desfavoráveis,
718

promovendo muitas vezes aspectos depressivos, ansiosos, compulsivos ou auto-destrutivos, por


isso, há a importância de uma reformulação no contexto educacional vigente, visto que existe
uma forte necessidade de que haja um aprendizado frente ao equilíbrio de aspectos positivos e
negativos.
A partir das pesquisas de Cardeira (2012) evidenciou-se que ao promover uma
comparação entre alunos de escolas que atuavam com aspectos da inteligência emocional com
alunos cujas escolas que estudaram não trabalhavam com tais questões, resultados mais
positivos eram constatados no primeiro grupo, no que diz respeito às competências sociais e
emocionais. De acordo com Morales e Lópes-Zafra (2009), o rendimento escolar é
significativamente melhor em escolas que promovem Educação Emocional, pois segundo
Cardeira (2012), uma vez que a criança foi ensinada a lidar com suas emoções e a de seus
companheiros, passam a identificar seus sentimentos, bem como desenvolvem aspectos para
perceber e atuar na regulação de outras pessoas. Portanto, afirma-se a necessidade do trabalho
escolar com a Educação Emocional, de modo que, faz-se importante atentar-se as emoções,
para além da valorização da inteligência lógico-matemática, pois o aluno deve estar preparado
não somente para o mercado de trabalho, mas para a vida, valorizando, fortalecendo e
trabalhando, suas habilidades e vulnerabilidades.
Em vista disso, o presente trabalho possui como objetivo geral compreender as
implicações da inteligência emocional no âmbito educacional e desenvolvendo como objetivos
específicos: analisar a afetividade e a inteligência enquanto atividades psicológicas e
estabelecer uma relação entre a inteligência emocional e sua importância na vida escolar dos
alunos.
Foram utilizadas as plataformas Google Acadêmico e Scielo para o desenvolvimento da
pesquisa em questão, que se deu através de uma revisão narrativa de literatura, que de acordo
com Ribeiro (2014), apresenta um resumo das informações publicadas em conjunto com o
pensamento crítico do autor, sem a necessidade de seguir uma metodologia rigorosa.
O modelo de pesquisa utilizado na presente investigação define-se como exploratório,
pois visa definir hipóteses com base no problema de pesquisa, buscando o desenvolvimento e
continuidade das ideias descobertas a priori (GIL, 2002). Logo, constitui-se como uma pesquisa
flexível, visando uma maior abrangência dos aspectos a serem estudados.
Além disso, a pesquisa em questão desenvolve-se de modo qualitativo, logo que,
segundo Flick (2009, p. 16), “a pesquisa qualitativa usa o texto como material empírico, parte
719

da noção da construção social das realidades em estudo, está interessada nas perspectivas dos
participantes, em suas práticas do dia a dia e em seu conhecimento cotidiano relativo à questão
em estudo”.
2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 AFETIVIDADE E INTELIGÊNCIA: PERSPECTIVAS TEÓRICAS

A cognição e a afetividade foram discutidas de forma separada ao longo da história da


psicologia. Porém, atualmente busca-se unir esses dois aspectos, com uma tentativa de superar
a divisão superficial que fundamenta a compreensão fragmentada do funcionamento
psicológico (OLIVEIRA, 1992). Dessa forma, serão apresentados a seguir alguns teóricos que
realizaram discussões sobre a relação entre afetividade e inteligência em suas obras.

2.1.2 Édouard Claparède


Para o Escolanovista Édouard Claparède, a afetividade está relacionada às funções de
necessidade, interesse e inteligência. Sendo assim, a afetividade desperta o interesse para que a
necessidade seja satisfeita, logo, se apresenta no indivíduo de modo a corresponder as
necessidades do seu desenvolvimento (NASSIF, 2008).
A palavra interesse também é apresentada, em sua obra, com um sentido utilitário de
proveito, lucro, que revela seu sentido prático, essencial, desvendando o interesse biológico do
que é útil ao indivíduo para sua conservação e desenvolvimento da sua personalidade (NASSIF,
2008).

2.1.3 Jean Piaget


Apesar de o foco das pesquisas do construtivista Jean Piaget ser no desenvolvimento da
inteligência em aspectos lógico-matemáticos, foi apresentado, também, em sua obra, as
concepções sobre afetividade e sua relação com a evolução cognitiva. Seu entendimento de
interesse e valor teve como base a teoria de Claparède, compreendendo que toda conduta é
determinada pelo interesse que é revelado sob a forma de valor e constituído pela afetividade,
com a finalidade para a ação, sendo essa finalidade constituída pela inteligência (SOUZA,
2011).
A vida afetiva, assim como a vida intelectual, é uma adaptação contínua, sendo essas
720

duas adaptações interdependentes, visto que, os sentimentos expressam os interesses e os


valores das ações, estruturadas pela inteligência (PIAGET, 1945).

2.1.4 Lev Vygotsky


No caso de Vygotsky, os elementos mais explorados de sua abordagem são aqueles
referentes à atividade cognitiva, como o papel dos instrumentos e símbolos, desenvolvidos e
internalizados pelo indivíduo a partir da cultura; as relações entre pensamento e linguagem;
além dos processos de ensino-aprendizagem na promoção do desenvolvimento. Todavia, é
importante notar que Vygotsky nunca utilizou o termo “cognição”, mas, sim, os termos
“funções mentais” e “consciência”. Dessa forma, encontramos um questionamento, nos
próprios termos utilizados pelo mesmo, sobre a divisão entre as dimensões cognitiva e afetiva
do funcionamento psicológico (OLIVEIRA, 1992).
Há dois pressupostos que traçam uma posição a respeito do lugar do afetivo no ser
humano. Primeiramente, uma perspectiva monista, que se opõe a qualquer fragmentação das
dimensões humanas como corpo/alma e pensamento/linguagem. Segundamente, uma
abordagem holística, que se opõe ao atomismo, propondo a busca de uma visão integrada do
ser humano, buscando as unidades na sua totalidade (OLIVEIRA, 1992).
Vygotsky menciona que um dos principais defeitos da psicologia tradicional é a
separação entre aspectos intelectuais e afetivos. Para ele, o pensamento tem sua origem no
campo da motivação, a qual integra inclinações, necessidades, interesses, impulsos, afeto e
emoção. No ponto central da sua teoria, que seria no âmbito cultural, o processo de
internalização é também um método de constituição da subjetividade a partir da conjuntura de
intersubjetividade, envolvendo, assim, relações interpessoais densas, mas não trocas mecânicas
limitadas a um nível meramente intelectual (OLIVEIRA, 1992).

2.1.5 Henri Wallon


Em Wallon (1986), a afetividade ocupa lugar central na sua teoria psicogenética da
aprendizagem. Emoção e afetividade são diferenciadas nas suas obras, sendo a emoção as
manifestações da vida afetiva e a afetividade um conceito mais amplo que engloba, além da
emoção, os sentimentos e a comunicação.
Durante o desenvolvimento do indivíduo, a emoção é vista como instrumento de
sobrevivência fundamental à espécie humana (BEZERRA, 2006). Segundo Dantas (1992), a
721

emoção é simultaneamente social e biológica em sua natureza, realizando a transição entre o


estado orgânico do ser e sua etapa cognitiva, que só é alcançada através da mediação social. Se
não fosse pela sua capacidade de mobilizar o ambiente para o atendimento de suas necessidades,
o bebê humano pereceria. Dessa forma, o choro dá origem a um dos traços característicos da
expressão emocional, ele fornece o primeiro vínculo entre os indivíduos e supre a insuficiência
da articulação cognitiva nos primeiros anos de vida da espécie.
Durante as etapas da construção do eu, mesmo que as dimensões afetivas e cognitivas
não se separem, há momentos em que predomina a afetividade e, em outros, a cognição
(PILETTI, 2012). De acordo com Bezerra (2006), todo o armazenamento organizado de
informações da criança (cognição) envolve em sua origem inevitáveis componentes afetivos.

2.2 INTELIGÊNCIAS

Durante toda a história da Psicologia houve vários teóricos que procuraram formas de
explicar a inteligência. No início do século XX, o psicólogo Alfred Binet aplicou testes de
aptidão escolar em crianças para identificar possíveis dificuldades dentro do ambiente
educativo, os testes eram realizados de modo a medir a inteligência e se davam por meio de
várias tarefas, em que cada uma delas tinha uma idade mínima para ser realizada. Portanto, a
criança executava as tarefas relativas à sua idade inicialmente e, posteriormente, aquelas
relativas às outras idades que conseguisse realizar, sendo definida a sua idade mental pela idade
relativa a última tarefa que ela executou. Os testes de Binet foram altamente criticados devido
ao seu caráter classificatório, causando uma segregação racial, pois aqueles que não atingissem
o QI médio dos americanos eram deixados a parte da sociedade. (BINET, 1890)
O psicólogo Howard Gardner foi um crítico aos testes de Alfred Binet, afirmando que
os mesmos mediam somente as inteligências lógico matemática e linguística e que eram usados
como meio de classificação dos indivíduos (GOLIN, 2003). Gama (2014) afirma que Gardner
propôs meios alternativos de entender o desenvolvimento das aptidões dos sujeitos,
consolidando, assim, sua teoria denominada “Teoria das Inteligências Múltiplas”, que trouxe
uma visão ampliada do conceito de inteligência, se diferenciando da definida pelos testes de QI
que se limitava as duas inteligências citadas anteriormente. A teoria de Gardner buscava,
também, esclarecer a suposição de que uma pessoa poderia ser mais inteligente que outra, pois,
para o teórico, todos tem um potencial, o que diferencia é se o meio será propício para o
722

desenvolver das potencialidades.


Gama (2014) afirma, ainda, que Gardner esquematizou oito tipos de inteligência:
Lógico-matemática: se define pelo ato de pensar e esquematizar esse pensamento para
a resolução de problemas.
Linguística: capacidade de expressar-se de modo complexo, sendo típica de poetas e
escritores.
Naturalista: compreende a habilidade de lidar com os elementos da natureza,
entendendo-os e reconhecendo-os, como é o caso dos botânicos.
Interpessoal: se caracteriza pela habilidade de compreender e perceber o outro na sua
forma mais íntima, como por exemplo, seu temperamento, intenção, modo de ser, sendo
característico de pessoas com habilidade para liderar.
Intrapessoal: habilidade de ligar-se aos seus pensamentos e sentimentos, para resolução
de seus problemas.
Espacial: a vocação que engenheiros, cirurgiões e etc., possuem de construir
mentalmente modelos espaciais para então colocar em prática.
Cinestésica: utilização do corpo para atividades aventureiras tendo como intuito a
resolução de problemas relativos a essas atividades, sendo típico de crianças atletas.
Musical: habilidade musical como forma de expressão.
Raymond Cattell sistematizou as habilidades cognitivas, estabelecendo duas dimensões
da inteligência (VALENTINI, 2013). A primeira, inteligência fluida, se refere a utilização da
atividade mental para solucionar novos problemas que não podem se desenvolver
automaticamente. Posteriormente, tem-se a inteligência cristalizada, que se define pela
atividade mental necessária para a resolução de problemas do cotidiano, sendo desenvolvida ao
longo da vida por meio da cultura e da educação (SCHELINI, 2006).
A Inteligência Emocional (IE) definiu-se na década de 1990 por Peter Salovey e John
Mayer, descrevendo a habilidade de analisar as emoções e sentimentos próprios e dos outros,
em busca de modos de lidar com essas questões. Contudo, foi somente com o lançamento do
livro “Emotional Intelligence” de Daniel Goleman que a IE se tornou popular. Após isso, os
criadores Salovey e Mayer desenvolveram revisões em seus trabalhos explicando o
processamento de informações emocionais através de um modelo de quatro níveis: a percepção
emocional, que seria a capacidade de reconhecer as emoções pessoais e das outras pessoas; a
emoção como facilitadora do pensamento que refere-se à capacidade das emoções
723

influenciarem no processo de pensamento; a compreensão emocional que estaria relacionada à


capacidade de identificar emoções, compreendendo de onde surgiram e por quais motivos
surgiram; e, por fim, o gerenciamento emocional sendo a habilidade de equilibrar as próprias
emoções e a dos outros (WOYCIEKOSKI; HUTZ, 2009).
Atualmente, existem vários instrumentos de avaliação da inteligência emocional, sendo
os mais comuns os de desempenho, que medem a atuação do avaliando em determinadas tarefas
e, os de autorrelato, em que o indivíduo por meio de questionários relata suas habilidades.
Porém, o teste mais comum para a avaliação denomina-se Mayer-Salovey-Caruso Emotional
Intelligence Test – MSCEIT (WOYCIEKOSKI; HUTZ, 2009), sendo constituído por questões
que dão pontos para cada um dos quatro níveis citados anteriormente, com duração de 40
minutos (PAPALIA; FELDMAN, 2013).

2.3 A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NA ESCOLA

Platão, quando definiu como virtude a liberação e troca de todas as paixões, prazeres e
valores individuais pelo pensamento, assim como, Immanuel Kant quando afirma que se Deus
tivesse feito o homem para ser feliz não o teria dotado de razão, fomentam um ideal dicotômico
de afetividade e cognição. Isso se mostra ainda presente nos dias atuais, sendo reproduzido no
cotidiano através da concepção de que para tomar-se uma boa decisão é preciso se desvincular
de todo e qualquer aspecto emocional ou afetivo, exaltando o processo racional. Essa
idealização está presente nas vertentes filosóficas, bem como, na Psicologia, através das teorias
psicológicas que estudaram separadamente os processos cognitivos e afetivos. Essa separação
parece ter nos conduzido a uma visão parcial e distorcida da realidade, com reflexos nas
investigações científicas e no modelo educacional ainda vigente (ARANTES, 2002).
Contudo, em 1953, o biólogo e epistemólogo Jean Piaget publica um trabalho que seria
considerado o primeiro a questionar o aspecto emocional e cognitivo de maneira distinta, esse
que foi intitulado "Les relations entre l'intelligence et l'affectivité dans le développement de
l'enfant", onde o autor afirma que toda ação e pensamento comportam um aspecto cognitivo,
representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afetivo, representado por uma energética,
que é a afetividade. Assim, de acordo com Piaget, não existem estados afetivos sem elementos
cognitivos, assim como não existem comportamentos puramente cognitivos (ARANTES, 2002)
Quando discute os papéis da assimilação e da acomodação cognitiva, Piaget afirma que
724

esses processos da adaptação também possuem um lado afetivo: na assimilação, o aspecto


afetivo é o interesse em assimilar o objeto ao self (o aspecto cognitivo é a compreensão);
enquanto na acomodação a afetividade está presente no interesse pelo objeto novo (o aspecto
cognitivo está no ajuste dos esquemas de pensamento ao fenômeno) (ARANTES, 2002).
Nessa perspectiva, o papel da afetividade para Piaget é funcional na inteligência. Ela é
a fonte de energia de que a cognição se utiliza para seu funcionamento, mas apesar de tanto, a
escola ainda é uma instituição que insiste em negligenciar os aspectos emocionais. Segundo
Valente e Monteiro (2016), inferindo de maneira veementemente nos processos que articulam
a preparação para o mercado de trabalho e distanciando-se da preparação para a vida. Para
Gallego (2004), este fator precisa mudar, para a escola desenvolver um papel de
responsabilidade com os valores e competências para a vida, trabalhando os aspectos
emocionais e os conflitos ocorridos no seu âmbito. Por conseguinte, as emoções são
determinantes para a qualidade de vida na escola, visto que, ajudam os alunos a compreender-
se e aos outros, desempenhando um papel importante nos relacionamentos (EKMAN, 2012).
Entender as emoções e saber administrá-las em determinados contextos, permite aos
viventes um ambiente, interação e relações mais saudáveis dentro da escola, enriquecendo o
aprendizado. Para tanto, Damásio (1995) e Goleman (1999) defendem que pessoas
emocionalmente mais estáveis tendem a possuir relacionamentos mais positivos do que
indivíduos com dificuldades em lidar com seus sentimentos. No processo de ensino-
aprendizado há uma construção de saberes determinada pela relação do professor para com seu
aluno, que há a emergência de emoções e comportamentos, trazendo uma imensa relevância
para educação emocional (BRANCO, 2005).
Alzina (2003) indica que a educação emocional é um processo que se dá de maneira
contínua por toda a vida, atuando até mesmo na prevenção de vulnerabilidades em diversas
situações, o que facilita a promoção de ações construtivas. Em contraponto, Cardeira (2012)
contribui afirmando que ações de caráter destrutivo, que todos estão expostos a cometê-las,
podem levar o indivíduo a uma série de complicações como depressão, ansiedade, stress,
disfunções alimentares e diversas dependências.
Alzina (2000) e Cardeira (2012) afirmam que nas mais variadas situações pode se tornar
complicado agir a partir de um pensamento adequado, fomentando a necessidade de se aprender
a equilibrar os aspectos positivos e negativos, onde a educação emocional se propõe a auxiliar,
promovendo um desenvolvimento integral do aluno. Logo, sendo um dos principais agentes
725

socializadores, alvo de uma abundância de relações interpessoais, a escola deve repensar a


educação para além dos aspecto lógico-matemático, trazendo à tona uma nova possibilidade de
enxergar os mais variados contextos, a partir da inteligência emocional.
A Educação Emocional em meio escolar tem como finalidade atuar preventivamente,
pois quando o aluno adquire competências pessoais e sociais torna-se capaz de avaliar,
expressar e adequar as suas emoções, comportamentos e atitudes. Um processo de introspecção
permite a adequação do expressar das suas emoções e sentimentos, conferindo a capacidade
para se distinguir entre o que é apropriado para cada contexto, mesmo que se trate de um cenário
desfavorável (CARDEIRA, 2012). Assim, diferencia suas emoções e aspectos, sejam positivos
e negativos, afastando-se de questões desagradáveis que podem o impedir de atingir seus
objetivos.
Para Alzina (2000) existem objetivos gerais na Educação Emocional, são eles: obter
conhecimento mais profundo das próprias emoções; ter habilidade para exercer controle sobre
suas emoções; ser capaz de identificar emoções alheias; prevenir efeitos indesejáveis ligados a
emoções negativas; fortalecer a capacidade de gerar emoções positivas; desenvolver
competência ao nível emocional; promover a automotivação; ter uma atitude positiva perante a
vida e aprender a deixar fluir.
Portanto, a Educação Emocional visa trabalhar diversos aspectos que se mostram
favoráveis no contexto sócio escolar, promovendo uma independência emocional nos sujeitos,
uma vez que saberão lidar com suas questões emocionais, findando com as frustrações que se
evidenciam nas escolas e na sociedade atualmente, onde os sentimentos são coisificados e
postos à margem. Assim, a Inteligência Emocional tem demonstrado efeitos positivos e
eficazes, desenvolvendo competências pessoais e sociais de forma positiva.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou compreender o papel da inteligência emocional para o


desenvolvimento escolar dos estudantes. Nota-se a existência de diferentes tipos de
inteligências, que classificam os sujeitos a partir de suas habilidades, ampliando os
conhecimentos para além da valorização lógico-matemática. No entanto, percebe-se que o
enaltecimento da inteligência lógico-matemática ainda se faz presente, de modo que, a
educação tradicional está voltada para esses aspectos, principalmente quando se pensa em
726

gerar resultados.
Portanto, há uma necessidade de repensar a educação tradicional, buscando valorizar
as diferentes inteligências existentes e desenvolvê-las, compreendendo que cada aluno é um
ser único e que, assim, possui diferentes interesses. Logo, as dificuldades escolares podem
gerar conflitos emocionais nos educandos, além de, a escola ser um espaço socializador e,
nessas relações, podem surgir conflitos. Assim, é necessária uma educação emocional, que
auxilie os discentes a compreenderem suas emocões, de modo que, possam identifica-las e
traçar possibilidades de lidar com as mesmas. Para isso, as instituições de ensino necessitam
proporcionar o ensino sobre a inteligência emocional, para que se possa mediar conflitos e
dificuldades insurgentes no processo escolar.

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730

A MEDICALIZAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA COMO TRATAMENTO PALIATIVO

Antônia Caroline Silva Mendes1


Ana Luíza Rocha Vitorino2
Elania Alves Rozeno3
Francisca Gercineide de Oliveira4
Adriana Martins de Oliveira5

RESUMO

O consumo de medicamentos vem sendo banalizado nos últimos anos, ao ponto do Brasil ser
um dos países que mais consomem ansiolíticos e antidepressivos no mundo, e o público jovem
faz parte dessa realidade. O processo de medicalização na adolescência inicia quando os
adolescentes apresentam comportamentos e características de personalidade diferentes dos
considerados normais, sendo assim rotulados com algum tipo de transtorno. A partir deste
contexto o presente artigo tem por objetivo compreender os motivos do uso crescente de
medicamentos na adolescência de forma a alertar para o uso excessivo como tratamento
paliativo para problemas comportamentais nessa fase, apontando as possíveis consequências
dessa prática. A metodologia adotada foi uma revisão bibliográfica em publicações
relacionadas ao tema disponíveis no Google Acadêmico e Scientific Eletronic Library Online
(SciElo) publicados entre 2012 a 2022. Nesse estudo foi abordado a fase transitória da
adolescência, com seus desafios envolvendo mudanças tanto físicas, como emocionais,
apresentando certos comportamentos muitas vezes analisados incorretamente, rotulando-os e
patologizando-os. A medicalização passa a ser vista como uma forma de solucionar os
problemas de comportamento juvenil, cumprindo um papel de controlar e submeter esses
adolescentes aos padrões aceitos, escondendo questionamentos e desconfortos. Conclui-se que
a medicalização pode acarretar sérios riscos a saúde mental dos adolescentes, ocasionando
danos imprevisíveis, necessitando de uma abordagem mais detalhada. Sugere-se que possam
ser adotados medidas e programas de incentivo por parte do poder público e da escola como
também ações ou atividades de conscientização para minimizar possíveis consequências físicas
e mentais com o descontrole da medicalização.
Palavras-chave: medicalização; adolescência; família; escola.

ABSTRACT

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
antonia.mendes@aluno.catolicadorn.com.br
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
analuizarochavit@gmail.com
3
Graduada em Gestão Empreendedora pela Universidade Potiguar. Graduanda em Psicologia pela Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: elania.roseno@aluno.catolicadorn.com.br
4
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
gercineide.oliveira@aluno.catolicadorn.com.br
5
Docente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Doutora em Administração pela PUCPR. E-mail: adriana.oliveira@professor.catolicadorn.com.br
731

The consumption of medicines has been trivialized in recent years, to the point that Brazil is
one of the countries that most consume anxiolytics and antidepressants in the world, and the
young public is part of this reality. The process of medicalization in adolescence begins when
adolescents present behaviors and personality characteristics different from those considered
normal, thus being labeled with some type of disorder. From this context, this article aims to
understand the reasons for the increasing use of drugs in adolescence in order to alert to
excessive use as a palliative treatment for behavioral problems at this stage, pointing out the
possible consequences of this practice. The methodology adopted was a bibliographic review
of publications related to the topic available on Google Scholar and Scientific Electronic
Library Online (SciElo) published between 2012 and 2022. In this study, the transitional phase
of adolescence was addressed, with its challenges involving both physical and emotional
changes, presenting certain behaviors that are often incorrectly analyzed, labeling and
pathologizing them. Medicalization starts to be seen as a way to solve the problems of juvenile
behavior, fulfilling a role of controlling and submitting these adolescents to accepted standards,
hiding questions and discomforts. It is concluded that medicalization can pose serious risks to
the mental health of adolescents, causing unpredictable damage, requiring a more detailed
approach. It is suggested that measures and incentive programs can be adopted by the
government and the school as well as awareness actions or activities to minimize possible
physical and mental consequences with the lack of control of medicalization.
Keywords: medicalization; adolescence; family; school

1 INTRODUÇÃO

A busca por soluções rápidas para seus problemas tem sido a ênfase da sociedade
moderna, envolvendo diversas vezes a utilização de medicamentos para resolver determinados
comportamentos e atitudes. A Política Nacional de Medicamentos (BRASIL, 1998) conceitua
o uso racional de medicamentos como o processo que compreende a prescrição de
medicamentos eficazes, seguros e de qualidade, a preços acessíveis; dispensados em condições
adequadas e oportunas; e o consumo nas doses, intervalos e período de tempo indicadas.
Entende-se por medicalização o processo que traz a solução mais rápida para suprir as
carências do ser humano dos problemas de diferentes ordens, tais como: social, emocional,
cognitiva e outros, que em contrapartida, pode desencadear problemas mais graves no
indivíduo. De acordo com Dunker (2020, p. 74) “A maior parte dessas substâncias não são
receitadas por psiquiatras, mas por cardiologista, ginecologistas ou clínicos gerais, respostas
por anos sem acompanhamento”. O uso desses medicamentos vem ocupando os espaços das
terapias que tem o objetivo de intervir na origem do problema.
Diante dessa realidade, muito se tem discutido pela sociedade o processo do aumento
de consumo de fármacos, que se tornou um fenômeno social complexo, ocorrendo há mais de
732

dois séculos e sofrendo muitas transformações até chegar ao atual cenário de vulgarização do
consumo de medicamentos (FERREIRA, 2017).
Conforme salienta Moysés e Colares (2013 apud MOREIRA; COUTINHO, 2018) as
questões inerentes à vida em sociedade, tais como: a cultura, a organização social com suas
desigualdades, os valores e diversos outros fatores, estão cada vez mais sendo deslocados para
o campo médico, embasados no conceito de biologização, em que há um conjunto de fatores
que determinam as ações do sujeito, não interagindo com o contexto em que ele vive. Nesse
sentido Viégas e Freire (2015 apud FIRBIDA; VASCONCELOS, 2019) nos ensina que o fato
de individualizar questões complexas, sem considerar os múltiplos fatores que os constituem,
mostra uma relação entre o processo de medicalização com os conceitos de patologização e
psicologização dos problemas de ordem social.
Conforme o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera-se
adolescente indivíduo entre 12 e 18 anos de idade. Esse período é marcado por diversas
transformações tanto físicas quanto emocionais, influenciando diretamente no comportamento
dos adolescentes (PASSOS; COSTA; SILVA, 2017). Diante dessa realidade, é comum
professores e familiares relacionarem as dificuldades de aprendizagem dos adolescentes, bem
como os comportamentos fora dos padrões aceitos pela sociedade a algum transtorno que
necessite de tratamento médico. Nesse sentido, a medicalização apresenta-se como opção para
solucionar esses problemas, o que nem sempre é o mais indicado, uma vez que essa abordagem
possa ter consequências imprevisíveis a esses indivíduos.
O presente trabalho tem por objetivo compreender os motivos do uso crescente de
medicamentos na adolescência de forma a alertar para o uso de medicamentos como tratamento
paliativo para problemas comportamentais nessa fase, apontando as possíveis consequências
dessa prática.

2 MÉTODO

O presente trabalho adotou o método de pesquisa bibliográfica, que de acordo com Gil
(2002) é uma pesquisa desenvolvida com base no material teórico já publicado sobre o assunto.
Utilizou-se a abordagem qualitativa, por não haver medição numérica, mas sim, a compreensão
dos motivos do uso crescente de medicamentos como forma paliativa de tratamento de
problemas comportamentais, apontando possíveis consequências.
733

A coleta de dados foi realizada através de pesquisa em artigos disponíveis no Google


Acadêmico e Scientific Eletronic Library Online (SciElo) publicados entre os anos 2012 a 2022
relacionados ao assunto na língua portuguesa. As palavras-chaves utilizadas para selecionar os
artigos foram: Medicalização e Adolescência.
Após a leitura dos resumos, foram selecionados 11 artigos e 2 Trabalhos de Conclusão
de Curso que estavam mais alinhados com o tema. Também foram incluídos dados relevantes
encontrados em publicações de órgãos governamentais e conceitos importantes retirados de
livros sobre o tema.

3 DESENVOLVIMENTO

Nos próximos tópicos serão apresentados conceitos de medicalização, adolescência e os


fatores que influenciam o processo de medicalização.

3.1 O PROCESSO DE MEDICALIZAÇÃO

O uso excessivo de medicamentos vem sendo discutido há anos pela comunidade


científica, tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Por isso, o uso
racional de medicamentos tem sido objeto de estudo estratégico pela Organização Mundial de
Saúde (OMS), que em 1985 em Nairobi no Quênia, promoveu uma Conferência Mundial sobre
o tema, contando com a colaboração de representantes de governos, indústria farmacêutica,
universidades, organizações representativas de pacientes e consumidores, entre outros
(ANVISA, 2008).
No Brasil, o tema vem atraindo atenção de diversas entidades representativas, como o
Conselho Federal de Psicologia (CRP); o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-
06), o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-05), a Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação (CNTE), a faculdade de educação da Universidade de São
Paulo, a Federação Nacional dos Farmacêuticos-FENAFAR, entre muitas outras. No ano de
2010 essa mobilização resultou na criação do Fórum Sobre medicalização da Educação e da
Sociedade tendo como principal objetivo: “articular entidades, grupos e pessoas para o
enfrentamento e superação do fenômeno da medicalização, bem como mobilizar a sociedade
para a crítica à medicalização da aprendizagem e do comportamento” (FÓRUM, 2010 apud
734

FERREIRA, 2017). Essa medida tem a visão de promover à saúde de qualidade na esfera social,
por meio de políticas públicas que atendam às necessidades populacionais, que vão desde os
apoios terapêuticos, pois partem do consumo medicamentoso, até a união dos agentes sociais
do indivíduo que é a família e instituições de aprendizagem desses adolescentes.
O termo medicalização é utilizado para definir o processo que transforma questões
sociais da vida em problemas médicos, interferindo assim, na construção de conceitos, normas,
costumes e comportamentos sociais, com consequente efeito na sociedade (SILVA, 2022).
Dessa forma, Tavares e Rodrigues (2022, p. 63) salientam que “questões de origens
socioculturais ou próprias da existência humana são descritas por meio de termos e conceitos
médicos, dando ensejo a propostas de intervenção”. Outrossim, toda a bagagem que a sociedade
adquiriu no decorrer dos anos, está atrelada a “punição” desses sujeitos com o diagnóstico
precipitado e prescrição de medicamentos que são denominados a única solução para um
“tratamento mais adequado” para os transtornos. Além disso, tratarem na raiz do problema no
quesito de repensarem a realidade e subjetividade do adolescente e como os contextos podem
influenciar nas suas emoções, comportamentos e aprendizados, de certa forma são vítimas da
padronização do consumo de compostos.
De acordo com o Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos
– CNPURM do Ministério da Saúde (2019), as populações mais suscetíveis a sofrer o processo
de medicalização, levando em consideração o debate sobre comportamentos não aceitos
socialmente, passando a ser vistos como patologias, são as crianças em idade escolar,
adolescentes, adultos privados de liberdade, usuários que necessitam de atenção em saúde
mental e idosos com mais de 60 anos.
Tavares e Rodrigues (2022) destacam que há um processo crescente de medicalização
em todas as fases da vida contemporânea, na tentativa de nomear dores, conflitos e demais
experiências através de um diagnóstico médico. Ressaltam ainda que essa expansão se dá por
meio da patologização dos sofrimentos cotidianos e dos fenômenos socioculturais, políticos e
econômicos em questões individuais e biológicas. É um processo complexo irregular que pode
ser positivo ou negativo, tendo muitas vezes como principais atores diferentes grupos sociais e
atores não médicos, onde a própria família tem uma postura ativa na ampliação e diversificação
das ações médicas.
Na visão de Brzozowski e Caponi (2013, p. 211)
735

O processo de medicalização está diretamente ligado ao que é considerado um desvio


social e ao controle social. Ao mesmo tempo em que a área da saúde foi entrando na
vida familiar e escolar, a medicina foi assumindo o papel de agente de normalização
dos desvios, ficando responsável por comportamentos que até então eram da esfera de
outras instituições, tais como aprendizagem e criminalidade. Em outras palavras,
certas condutas, como a delinquência e a sexualidade, por exemplo, foram
incorporadas ao campo médico em uma tentativa de resolução de problemas e de
normalização dessas condutas.

Sendo assim, a medicalização é mais que o uso excessivo de medicamentos, consiste


em interpretar os problemas da vida cotidiana do indivíduo, como processos patológicos
passíveis de tratamento, desconsiderando os aspectos socioculturais, econômicos, entre outros.
Conforme destaca Tavares e Rodrigues (2022) o processo de medicalização está
presente em todas as fases da vida, e na adolescência não é diferente, uma vez que é comum do
adolescente ter imaturidade cognitiva para gerir suas ações e comportamentos e ter o
pensamento ainda abstrato em relação às questões da vida, gerando comportamentos e atitudes
consideradas inadequadas no meio em que eles vivem. Nesse processo adaptativo, em que há
grandes transformações biológicas, acabam gerando sentimentos de insegurança, angústia e
problemas de aprendizagem. Reconhecido por Piaget (1972 apud PAPALIA; FELDMAN,
2013) os fatores influenciadores no comprometimento de aprendizagem variam de cada lugar
onde o sujeito está inserido e de qual forma são estimulados e que o raciocínio formal pode ser
absorvido, não existindo prioridade em algumas culturas no mundo.
Reitera-se que nessa fase, esses adolescentes estão predispostos a mudança física,
comportamental, biológica e acima de tudo de aprendizagem. Por isso, um dos ambientes que
esses adolescentes frequentam é a escola, que é um ambiente determinante para convívio social,
podendo expressar suas opiniões, senso crítico, projeto de vida e visão de mundo.

3.2 A FASE DA ADOLESCÊNCIA

A adolescência na visão psicanalítica é a fase de transição da infância para a idade adulta


onde o indivíduo vive uma explosão de emoções, pensamentos, ideias e experiências que terão
impacto em toda a vida adulta.
Para Carvalho e Pinto (2002 apud ALVES; CARDOSO, 2021) não se trata apenas de
uma fase transitória, mas um período de grandes desafios e muita complexidade, que contribuirá
para o desenvolvimento da identidade e autonomia do indivíduo. Alves e Cardoso (2021)
destacam que os fatores socioculturais são importantes na construção da adolescência, os quais
736

se destacam o grupo familiar e escolar que a jovem partilha; as relações grupais e culturais que
está inserido e, também como o jovem vivencia essas experiências.
De acordo com Moreira e Coutinho (2018) adolescência é um momento em que o
indivíduo passa a ter um convívio social mais amplo, com intenso trabalho psíquico de
subjetivação. Carvalho (2019) destaca que a adolescência é considerada um período de intensas
transformações, a puberdade coloca o jovem diante de situações ainda incompreendidas
totalmente, mas que marca a perda da condição de criança. Os jovens, por não saber lidar muito
bem com essas mudanças e com as expectativas criadas pela família e pela sociedade, acabam
por apresentar certos comportamentos considerados “inadequados”, como: agitação, estresse,
reclusão, perda de interesse na aprendizagem, entre outros. Dessa forma, acabam sendo
enxergados como “adolescentes problemáticos” que necessitam de acompanhamento médico.
Percebe-se que há uma busca frenética por categorizar certos comportamentos
considerados fora dos padrões da sociedade, buscando uma solução pronta no campo da
medicina, sem se preocupar em encontrar o verdadeiro sentido para tais comportamentos. Dessa
forma, cria-se uma perspectiva de que todos os problemas vividos pelo jovem no âmbito
emocional, comum nessa fase, devem ser tratados como patologias. Nesse sentido, esvazia a
responsabilidade dos diversos atores sociais (escola, família, comunidade, etc.) como
importantes interlocutores na construção de sua identidade e seu papel na sociedade.

3.3 MEDICALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE NO CONTEXTO FAMILIAR

Como já foi abordada anteriormente, a fase da adolescência é marcada por um período


confuso, doloroso e cheio de contradições. É uma fase caracterizada pelo imediatismo, de
grandes impulsos, onde ao mesmo tempo o indivíduo quer ser independente, mas tem o temor
pelo desconhecido. Nesse período são comuns os conflitos familiares, onde o sujeito oscila
entre a dependência e uma independência exigida pelo mundo adulto. O estresse, ansiedade,
falta de paciência, a intolerância com o diferente, além dos impactos sociais surge como
agravantes aos transtornos psicológicos (CARVALHO, 2019).
Segundo Sarti (2004) pode-se supor que a família tem o adolescente como projeto de
suas próprias expectativas, como uma extensão dos seus desejos, ditando de forma muitas vezes
autoritária, a maneira como eles devem agir para se enquadrar no modelo socialmente aceito.
737

Por não proporcionar um ambiente acolhedor para seus filhos adolescentes as famílias
tendem a medicalizar suas atitudes e comportamentos, sem procurar entender as dificuldades e
o contexto em que o adolescente está vivendo, analisando somente os aspectos negativos e
deixando de lado os aspectos positivos, desta forma acabam promovendo no adolescente uma
autoimagem irreal de si mesmo (RIBEIRO, 2009 apud ALVES; CARDOSO, 2021). Portanto,
os autores destacam que os adolescentes são forçados muitas vezes a agirem de uma forma que
esses jovens não concordam e este esforço acaba gerando conflitos e comportamentos
disfuncionais, como agressividade, ansiedade e angústia.
Por conta de diagnósticos equivocados, esses rótulos causam grandes problemas na
autoimagem do jovem e na forma como os outros se relacionam com eles, sendo que por causa
desses rótulos, muitos jovens tendem a sofrer, entristecer e até revoltar-se, agravando ainda
mais a imagem que a sociedade tem deles (MARTINHAGO, 2017).
Nesse sentido, por não entender ou não saber lidar com conflitos inerentes a fase
adolescente e a medida que alimentam ou esperam por parte desses jovens certos
comportamento e atitudes que eles devem desenvolver, muitas famílias acabam procurando
ajuda na medicina, na tentativa de “concertar” o jovem, preparando para os desafios da
sociedade.
Conforme destaca Carvalho (2019), os adolescentes que apresentam comportamentos e
características de personalidade diferentes dos considerados normais, acabam sendo rotulados
com algum tipo de transtorno (depressão, ansiedade, hiperatividade, etc.). Dessa forma, o
processo de subjetivação do indivíduo é substituído pelo sintoma de uma doença, pois qualquer
que seja a “patologia”, sempre haverá uma “pílula milagrosa” a ser receitada.
No estudo realizado por Tavares e Rodrigues (2022), que se discute o processo de
medicalização infantil, aponta que os diferentes atores nos processos de medicalização
incentivam os indivíduos e família a tratar suas questões como demandas médicas e
consumirem intervenções terapêuticas e medicamentosas, constituindo assim uma lógica
consumista e medicalizante.

3.4 MEDICALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE NO CONTEXTO ESCOLAR

O processo de medicalização, como abordado em outros tópicos, refere-se à


transformação das questões da vida cotidiana em objetos da medicina. Assim, naturalmente
738

esse processo é discutido no âmbito escolar, por meio de um discurso moralizador da


medicalização, como uma espécie de controle social que regula e normatiza a vida das pessoas
(LEONARDO; SUZUKI, 2016).
Alves e Cardoso (2021) destacam que o mau comportamento, desinteresse escolar sendo
rotulado como doença, só alimenta a ideia que os problemas escolares e as dificuldades no
processo de escolarização estão sendo transferidas para o campo da medicina, isentando tais
instituições da responsabilidade de identificar possíveis problemas da própria escola. Dessa
forma, escola por não saber lidar com os diferentes comportamentos acaba trazendo à tona
argumentos patologizantes.
Os relatos dos estudos de Leonardo e Suzuki (2016), com professores de três escolas no
interior do Paraná, atestam que a principal causa do encaminhamento do aluno para avaliação
médica é o mau comportamento, atestando uma ineficiência do sistema de ensino, que não se
percebe como parte ativa do processo de aprendizado dos alunos. Dessa forma, observa-se que
há uma busca por explicar esse problema numa perspectiva individualizante e biologizante, ao
invés de compreender o problema do insucesso escolar.
Silva, Serralha e Laranjo (2013 apud BELTRAME et al., 2019), constatam que os
aspectos da vida do adolescente e dificuldades pessoais estão intrinsecamente relacionados à
queixa escolar, sendo uma tendência reduzir os problemas de aprendizagem e de
comportamento no aluno, desconsiderando os diversos fatores (social, político, econômico,
etc.).
Pode-se fazer uma analogia para destacar que não há simplesmente uma crise escolar,
mas que além dela é notável uma crise social a qual a escola, a família e a medicalização estão
inseridas, respondendo e agindo conforme uma normativa de patologização do adolescente,
conforme ressalta Foucault (2009 apud ALVES; CARDOSO, 2021).
Alves e Cardoso (2021) ressaltam que existe uma má vontade por parte das instituições
em solucionar os conflitos com os estudantes de forma efetiva, pois esse processo passa por
reconhecer sua ineficiência, por isso medicaliza e patologiza o jovem. Esta visão, segundo os
autores, também se aplica no âmbito da gestão pública, por entender que a melhor forma de
lidar com o problema é medicalizando o jovem, como um tratamento paliativo, que gera menos
envolvimento e investimento.
Um assunto frequentemente abordado no contexto escolar dos adolescentes é o
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, que de acordo com Beltrame,
739

Gesser e Souza (2019) não há um consenso por parte dos pesquisadores que estudam o
transtorno, tais como: opções de terapia, condutas éticas e até a convicção da existência desse
transtorno. Sobre a medicalização neste tratamento do TDAH pode-se destacar que o mesmo
cresceu em larga escala no Brasil, sendo o metilfenidato, comercializado sob o nome comercial
Ritalina e Concerta, os medicamentos mais prescritos.
Observando a questão pelo aspecto físico, o uso do psicotrópico como a Ritalina produz
o efeito do aumento da concentração e da produção, sendo responsável pela sensação de prazer
no uso dessa droga. Conforme aponta Moysés e Colares (2010 apud LEONARDO; SUZUKI,
2016) essa droga possui o mesmo efeito da cocaína, uma vez que ambas possuem um
mecanismo de ação estimulante intensificando a atenção e a produtividade do indivíduo. A
pesquisa desses autores identificou que ocorre de fato uma melhora na capacidade de
concentração e produtividade, no entanto, há de se refletir qual é o custo dessa “falsa melhora”,
uma vez que percebe-se que o aluno torna-se apático e isolado do ambiente escolar e convívio
com os colegas de classe, o que nos alerta para os efeitos desconhecidos a longo prazo, levando-
nos a questionar essa prática.
Em uma pesquisa qualitativa realizada por Ribeiro (2020) foi analisada a realidade dos
adolescentes que enfrentam esse drama dos desvios de aprendizagem e comportamentais. Por
isso, destacam-se o ponto comum entre os protagonistas: o déficit no rendimento escolar que
pode ser resultante no fator de realização das avaliações periódicas escolares para obter
comprovação na instituição. Vale salientar que não se trata somente de problemáticas escolares,
mas também de questões biológicas e sociais dos indivíduos e onde eles estão inseridos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O controle das nossas emoções pelos fármacos vem sendo banalizado nos últimos anos,
ao ponto do Brasil ser um dos países que mais consomem ansiolíticos e antidepressivos, e o
público jovem não fica fora dessa realidade. Conforme encontrado nesse breve estudo a
adolescência é uma fase transitória de grandes desafios, engloba várias mudanças tanto física,
como emocional, e essas mudanças acabam por gerar sentimentos de insegurança, ansiedade e
angústia. Com isso, por não saber lidar com essas transformações, o jovem passa a apresentar
certos comportamentos, como agitação, estresse, reclusão, entre outros, que muitas vezes não
são corretamente analisados.
740

Nesse interim, a medicalização passa a ser vista como uma forma de solucionar os
problemas de comportamento desses jovens. Na tentativa de legitimar o processo de
medicalização, podemos perceber que tanto os pais como a escola, tratam com viés médico as
dificuldades escolares, os comportamentos incompreendidos, os conflitos e questões aos quais
eles não querem encarar. Sendo assim, a medicalização apresenta-se como uma ferramenta de
controle que molda o comportamento de forma mais adequada para aquele grupo. Pode-se
perceber que o uso da medicalização implica em tirar justamente as condições que o jovem tem
de reagir e responder em relação a sua própria vida.
Se por um lado encontrar um “diagnóstico” atenua a angústia do jovem de ser visto de
forma pejorativa, imprimindo o estereótipo de doente, por outro, a medicalização dos problemas
de comportamento e aprendizado pode mascarar outras dificuldades que os adolescentes
enfrentam no contexto familiar, social, cultural, entre outros. A rotulação gera uma
consequência grave que é a de facilitar um parâmetro de segregação rígido quase impossível de
ser ultrapassado.
Baseado no que foi exposto, conclui-se que a medicalização pode acarretar sérios riscos
a saúde mental dos adolescentes, ocasionando danos imprevisíveis, necessitando de uma
abordagem mais detalhada do sujeito, passando a construir um diagnóstico ao longo do tempo
que pode sofrer alterações quando se tratar de adolescente.
Sugere-se que possam ser adotadas medidas e programas de incentivo por parte do poder
público e da escola como também ações ou atividades de conscientização necessária para
minimizar possíveis consequências físicas e mentais com o descontrole da medicalização. O
tema exposto é bastante amplo e pode ser analisado com mais profundidade, com isto não é um
trabalho que dita como verdade absoluta a temática, além de que ela pode ser pesquisada e
aprofundada por outros autores, pois ainda não foram pesquisadas mais possibilidades de
análises.

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744

ANÁLISE CURRICULAR DA DISCIPLINA GESTÃO DE PESSOAS DO CURSO


TÉCNICO INTEGRADO EM ADMINISTRAÇÃO DO IFRN, SOB A ÓTICA DA
PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

Paulo Augusto de Souza1

RESUMO

No atual cenário econômico modernizado e competitivo, em virtude das constantes mudanças


ocorridas no mercado de trabalho as empresas têm procurado diversas estratégias como forma
de alavancar seus rendimentos. Através desse contexto, a Psicologia Organizacional começa a
ganhar destaque dentro do setor da Gestão de Pessoas dentro das empresas, pois buscam uma
forma melhor de extrair e alocar as potencialidades dos colaboradores para que as metas possam
ser alcanças de forma exitosa e sem prejudicar a saúde do trabalhador. Dessa forma, a Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) tem contribuído bastante para o desenvolvimento desse
cenário com a oferta de mão de obra qualificada, pois tem a finalidade de preparar o indivíduo
para exercer sua profissão. Assim, o presente trabalho tem como objetivo analisar a proposta
curricular da disciplina de Gestão de Pessoas do curso técnico integrado em Administração do
IFRN, sob a ótica da psicologia organizacional. A metodologia desenvolvida está pautada na
pesquisa descritiva e exploratória, no qual foi utilizado como instrumento de investigação a
pesquisa bibliográfica e documental, que fundamentam a temática. Portanto, foi possível
observar que o acervo bibliográfico está desatualizado e que a Psicologia Organizacional e do
Trabalho além de atualizar a proposta curricular pode contribuir significativamente na sua
proposta curricular da disciplina de acordo com a literatura.
Palavras-chave: Psicologia Organizacional. Gestão de Pessoas. Educação Profissional e
Tecnológica. IFRN.

ABSTRACT

In the current modernized and competitive economic scenario, due to the constant changes that
have occurred in the labor market, companies have been looking for various strategies as a way
to leverage their incomes. Through this context, Organizational Psychology begins to gain
prominence within the Sector of People Management within companies, because they seek a
better way to extract and allocate the potential of employees so that the goals can be achieved
successfully and without harming the health of the worker. Thus, Professional and
Technological Education (PTS) has contributed greatly to the development of this scenario with
the supply of skilled labor, because it has the purpose of preparing the individual to practice his
profession. Thus, the present work aims to analyze the curricular proposal of the discipline of
People Management of the integrated technical course in Administration of IFRN, from the
perspective of organizational psychology. The methodology developed is based on descriptive
and exploratory research, in which bibliographic and documentary research was used as a

1
Graduando em Psicologia, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
s.augusto@academico.ifrn.edu.br
745

research tool that underlies the theme. Therefore, it was possible to observe that the
bibliographic collection is outdated and that Organizational and Work Psychology besides
updating the curricular proposal can contribute significantly to its curriculares proposal of the
discipline according to the literature.
Keywords: Organizational Psychology. People management. Professional and Technological
Education. IFRN.

1 INTRODUÇÃO

No atual cenário econômico modernizado e competitivo, em virtude das constantes


mudanças ocorridas no mercado de trabalho as empresas têm procurado diversas estratégias
para acompanhar essas transformações e também como forma de alavancar seus rendimentos.
A partir deste contexto, a proposta envolvendo a psicologia organizacional começa a ganhar
destaque dentro do setor da Gestão de Pessoas dentro das empresas, pois busca uma maneira
melhor de extrair e realocar as potencialidades dos colaboradores para que as metas possam ser
alcançadas de forma exitosa sem prejudicar sua saúde.
Devido ao mercado trabalhista mais exigente e cercado de tecnologias, a atuação da
Educação Profissional e Tecnológica (EPT) no país tem contribuído bastante para o
desenvolvimento desse cenário, pois, a EPT tem a finalidade de preparar o indivíduo para
exercer sua profissão, contribuindo para que o cidadão possa se inserir e atuar no mundo do
trabalho e na vida em sociedade (BRASIL, 2020).
Na história da educação brasileira, a EPT passou por um grande momento de expansão,
mesmo com vários desafios que acompanharam seu desenvolvimento a partir da sua finalidade,
que é a formação profissional para o mundo do trabalho e que possam desenvolver
competências tecnológicas.
Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar a proposta curricular da
disciplina de Gestão de Pessoas do curso técnico integrado em Administração do IFRN, sob a
ótica da psicologia organizacional.
Nesta perspectiva, é importante salientar que o uso da Psicologia atua como ferramenta
indispensável na área de Recursos Humanos, principalmente nas questões relacionadas a
liderança, motivação, formação de equipes, seleção e desenvolvimento de pessoas entre outras
(FIORELLI, 2004).
Na área de Gestão de Pessoas, a Psicologia Organizacional vem contribuindo
significativamente para muitas instituições, pois sua atuação tem como foco o desenvolvimento
746

e a aplicação de princípios científicos, objetivando estudar o comportamento humano


relacionado ao ambiente de trabalho. Assim, possibilitando alcançar níveis excelentes de
qualidade de toda organização, além do mais, vem se tornando uma solução para a redução de
problemas de gerenciamentos organizacionais, onde por vezes estão diretamente ligados ao
bem-estar dos colaboradores, já que passam maior parte do seu tempo trabalhando.
A escolha pela temática justifica-se devido o conhecimento e afinidade na área de
Recursos Humanos, no qual desenvolveu uma curiosidade em aprofundar conhecimentos sobre
a Educação Profissional e Tecnológica nessa área, com objetivo de estudar mais o
comportamento humano nas organizações, despertando a busca de um leque de informações
dentro do componente curricular gestão de pessoas do curso de administração do IFRN, na
perspectiva de contribuir com a psicologia organizacional como parâmetros para diversas
praticas no ensino e nas organizações.
Além dessa introdução e das considerações finais, o trabalho está dividido em 3 partes.
A primeira é destinada a fundamentação teórica que remete as concepções de autores em relação
a Educação Profissional e Tecnológica, o currículo do curso técnico integrado de Administração
e a disciplina de Gestão de Pessoas, complementada com uma contribuição através da literatura
da Psicologia Organizacional e do Trabalho. A segunda parte é processo metodológico da
pesquisa, baseada na pesquisa bibliográfica e documental analisando o currículo do curso
Técnico de Administração ofertado pelo IFRN. Por sua vez, A terceira parte destina ao debate
dos resultados obtidos.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA E O CURSO TÉCNICO


INTEGRADO DE ADMINISTRAÇÃO DO IFRN

Atualmente com o avanço da ciência e tecnologia no país, a modalidade de ensino da


educação profissional e tecnológica ganha destaque no mercado trabalhista devido a
diferenciação na formação qualificada do sujeito que se especializa em uma determinada área,
sendo assim os profissionais buscam atender a demanda e as exigências do mundo de trabalho.
No Brasil, a EPT tem um processo histórico marcado por políticas públicas e pela
necessidade do mercado capitalista em busca de mão-de-obra qualificada em conformidade a
cada período de exigência.
747

No caso da EPT, as políticas de acesso foram modificando-se com o tempo, assim


como a própria EPT que, com o passar dos anos, sofreu alterações que refletiram
intenções governamentais, mutações sociais e movimentos no cenário educacional e
profissional (AMBROSI; ESCOTT, 2019, p. 14).

Em busca de desenvolver a atuação EPT e sua importância para o desenvolvimento do


país, várias instituições educacionais foram implementadas aos longos dos anos, denominando-
se de Escolas Técnicas e Agrotécnicas, Centros Federais de Educação Tecnológicas e, mais
recentemente, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, caracterizando o seu
campo de atuação desde a Educação Básica, Técnica, Tecnológica, Nível Superior até a pós-
graduação.
Dessa forma, no ano de 2008, as instituições federais de educação profissional, foram
reestruturadas pela Lei nº 11.892 para se configurarem em uma rede nacional de instituições
públicas de EPT, denominada Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
e as suas instituições de ensino, em sua maioria, foram transformados em Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2008).
Sendo assim, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, junto
com os Institutos Federais, são responsáveis pela oferta da educação profissional e tecnológica
no país, especializando-se a educação em diversas modalidades de ensino, com base na relação
entre teoria e prática.

Os Institutos Federais foram pensados para desempenhar um papel central e


estratégico nessa nova política de educação profissional e tecnológica, com foco na
promoção da justiça social, na equidade, no desenvolvimento sustentável com
inclusão social, na busca por soluções tecnológicas e inovadoras e na socialização do
conhecimento científico (AGUIAR; PACHECO, 2017, p. 19).

Sem dúvidas um marco importante no que tange as implementações de políticas


públicas relacionada a EPT no país, ficou conhecida como a Lei da educação profissional e
tecnológica de n° 11.741 criada no ano de 2008, de modo que em seu Art. 39 define que: “A
educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional,
integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da
ciência e da tecnologia.” (BRASIL, 2008).
Tais mudanças foram ratificadas na Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, em seu
Art. 2° caracteriza a EPT no cenário educativo do país.
748

Art. 2º A Educação Profissional e Tecnológica, nos termos da Lei nº 9.394/96 (LDB),


alterada pela Lei nº 11.741/2008, abrange os cursos de: I - Formação inicial e
continuada ou qualificação profissional; II - Educação Profissional Técnica de Nível
Médio; III - Educação Profissional Tecnológica, de graduação e de pós-graduação.
Parágrafo único. As instituições de Educação Profissional e Tecnológica, além de seus
cursos regulares, oferecerão cursos de formação inicial e continuada ou qualificação
profissional para o trabalho, entre os quais estão incluídos os cursos especiais, abertos
à comunidade, condicionando-se a matrícula à capacidade de aproveitamento dos
educandos e não necessariamente aos correspondentes níveis de escolaridade.
(BRASIL, 2012, p. 1).

A partir deste breve resgate histórico passa-se a discutir o foco desta pesquisa que é o
curso técnico de nível médio de Administração oferecido pelo Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), especificamente o componente
curricular de Gestão de Pessoas. Com isso, o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) em análise
foi aprovado pela Resolução nº 21/2011-CONSUP/IFRN, de 09/09/2011, sendo referente ao
eixo tecnológico Gestão e Negócios do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos e oferecido de
maneira presencial nos campi Natal-Central e Nova Cruz do IFRN.
Ainda de acordo com o PPC do curso de Administração sua estrutura curricular opera
nas bases legais do sistema educativo nacional e nos princípios norteadores do modelo da
educação profissional e tecnológica brasileira, explícitos na LDB nº 9.394/96 e atualizada pela
Lei nº 11.741/08, bem como, nas resoluções e decretos que normatizam a Educação Profissional
Técnica de Nível Médio ofertados pelos institutos e as demais referenciais curriculares (IFRN,
2011).
Vale salientar que o IFRN no cenário da EPT, inova pedagogicamente ao integrar a
Educação Profissional ao Ensino Médio, onde em seu currículo integrador desenvolve conteúdo
do mundo do trabalho e da prática social dos estudantes, isto é, envolvendo a teoria e prática
refletindo o diálogo entre o conhecimento de diferentes áreas de atuação (IFRN, 2011).
Sendo assim, na perspectiva de Aguiar e Pacheco (2017, p. 14) concordam com a
atuação e ofertas dos IF’s e “como projeto inovador, ele enfrentou - e enfrenta até hoje - grandes
desafios para sua implementação integral e apropriação, tanto para os trabalhadores da EPT
quanto para a sociedade como um todo.” Ou seja, não é só oferecer uma educação que o sujeito
saia com uma profissão, mas, além disso ele possa exercer suas tarefas com excelência.
Em sua proposta curricular, o curso Integrado de Administração busca ampliar a
necessidade e a possibilidade da formação de indivíduos que possam ser capazes de
acompanhar o avanço tecnológico, principalmente com a finalidade de prepará-los para inserir-
se em um mundo contemporâneo e no mercado de trabalho que está cada vez mais exigente.
749

Assim, com o crescimento da utilização de vários equipamentos tecnológicos dentro de várias


instituições com objetivo de facilitar muitos processos manuais, os alunos concluintes precisam
estar adeptos a manuseá-los de forma adequada para sua inserção dentro do mercado de
trabalho.
O curso Técnico Integrado em Administração, presencial, em seu objetivo empenha
formar profissionais de nível médio técnicos competentes, que atuem com ética e com
responsabilidade social, buscando constantemente atualizações e um formação de perfil
autônomo e criativo em seu exercício profissional. Com o aprendizado ligados ao exercício do
trabalho qualificado, as aptidões do técnico administrativo estão atreladas em saber fazer e
gerenciar atividades de gestão e executar funções de apoio administrativo tais como: protocolo
e arquivo; confecção e expedição de documentos administrativos e controle de estoques; operar
sistemas de informações gerenciais de pessoal e material; utilizar ferramentas da informática
básica, como suporte às operações organizacionais (IFRN, 2011).
Dito isso, é importante mostrar como ocorre o processo de ingresso ao curso Técnico
Integrado em Administração de forma presencial, são destinados aos sujeitos que possuem o
certificado de conclusão do Ensino Fundamental, ou equivalente. Sua inserção pode ser feita
através de Processo Seletivo, aberto ao público ou conveniado, ingressando no primeiro período
do curso, ou também sua entrada pode acontecer por meio de transferência, neste caso somente
para período compatível.
Assim, ao termino do Curso Técnico Integrado em Administração ofertado pelo IFRN,
o profissional concluinte deve apresentar um perfil que o habilite a desempenhar atividades
voltadas para apoio administrativo e uso de meios tecnológicos como já mencionado,
complementando suas aptidões, que possam também aplicar os conhecimentos científicos e
tecnológicos construídos e reconstruídos ao longo de sua formação, podendo impulsionar o
desenvolvimento econômico da região, integrando a formação técnica ao pleno exercício da
cidadania e expandindo seu horizonte profissional com aperfeiçoamentos (IFRN, 2011).
A partir deste contexto mais amplo, discutindo e apresentadas questões pontuais sobre
a oferta do Curso Técnico Integrado em Administração ofertado pelo IFRN, a partir de agora a
discussão delimitará na análise do componente curricular de “Gestão de Pessoas” ofertada pelo
curso que possui uma carga horaria de 120 horas.
Assim, através da Tabela 01 apresentada a seguir, pode-se observar sua proposta, seus
objetivos, os conteúdos investigados e as bases bibliográficas.
750

Tabela 01 - Estrutura Curricular da disciplina Gestão de Pessoas do Curso Técnico Integrado de


Administração/IFRN

EMENTA
A gestão de pessoas nas organizações; relações interpessoais nas organizações; planejamento estratégico de
pessoas recrutamento e seleção de pessoas; políticas de remuneração e programas de incentivo; avaliação de
desempenho.

OBJETIVOS
 Proporcionar aos participantes o acesso aos novos aportes teóricos e metodológicos;
 Conceituar a área de gestão de pessoas nas organizações e apresentar seus objetivos;
 Apresentar as contribuições da gestão de pessoas para o ambiente organizacional atual;
 Conceituar e apresentar as técnicas de recrutamento e seleção de pessoas; e
 Conceituar e apresentar as técnicas e desenvolvimento de pessoas.
Bases Científico-Tecnológicas (Conteúdos)
1. Origem, conceito e evolução da gestão de pessoas nas organizações;
2. Relações interpessoais nas organizações;
3. As diferenças individuais;
4. Processo de Socialização;
5. Sentimentos e Emoções no trabalho;
6. Inteligência Emocional/Competência Interpessoal;
7. Percepção Social;
8. A gestão de pessoas no ambiente organizacional atual;
9. Cultura e clima organizacional;
10. Planejamento estratégico de gestão de pessoas;
11. Recrutamento de Pessoas;
12. Seleção de pessoas;
13. Descrição de cargo;
14. Políticas de remuneração e programas de incentivo;
15. Treinamento de pessoas;
16. Desenvolvimento de pessoas;
17. Avaliação de desempenho;
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
1. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.
2. CHIAVENATO, Idalberto. Administração de recursos humanos: fundamentos básicos. 5 ed. São Paulo:
Atlas, 2003.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
1. DUBRIN, A. J. Fundamentos do Comportamento Organizacional. São Paulo: Pioneira Thompson,
2008
2. ROBBINS, S; JUDJE, T.; SOBRAL, F. Comportamento Organizacional. São Paulo: Prentice
Hall, 2010.
3. HITT, M. A.; MILLER, C. C., & COLELLA, A. Comportamento Organizacional. Rio de
Janeiro: LTC, 2008.
Fonte: Adaptado do PPC do Curso Técnico Integrado em Administração/ IFRN (2011)
751

Diante dessas discussões apresentadas sobre a EPT e a estrutura curricular do curso


Técnico Integrado de Administração ofertado pelo IFRN, dando ênfase na proposta do
Componente Curricular de Gestão de Pessoas, é importante destacar que o setor de Recursos
Humanos (RH) deixou de ser um mero departamento de pessoal para se tornar o personagem
principal de transformação nas organizações.
Dessa forma, a Gestão de Pessoas (GP) é caracterizada por sua participação,
capacitação, envolvimento e desenvolvimento do bem mais precioso de uma organização, o
Capital Humano, isto é, as pessoas que estão inseridas.

No seu trabalho, cada administrador – seja ele o presidente, diretor, gerente ou


executivo – desempenha as quatro funções administrativas que constituem o processo
administrativo: planejar, organizar, dirigir e controlar. A GP procura ajudar o
administrador a desempenhar todas essas funções porque ele não realiza seu trabalho
sozinho, mas por meio das pessoas que formam sua equipe (CHIAVENATO, 2014,
p. 5).

A área de atuação da “Gestão de Pessoas” tem a função gerencial que visa à cooperação
das pessoas que atuam nas organizações para o alcance dos objetivos tanto organizacionais
quanto individuais. Quando algumas pessoas começaram a empregar outras para a realização
de determinadas tarefas, mediante algum tipo de pagamento, iniciou-se, a rigor, a Gestão de
Pessoas. As relações entre pessoas nas organizações variaram significativamente em função das
revoluções tecnológicas e sociais (GIL, 2016).
É importante salientar, que a área de Gestão de Pessoas deve estar apta para promover
ações de treinamento e desenvolvimento voltadas a todos os membros da organização, e até
mesmo para integrantes de grupos externos cujo comportamento possa influenciar a qualidade.

2.2 A PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E SUA IMPORTÂNCIA NO CONTEXTO DA


GESTÃO DE PESSOAS

A Psicologia Organizacional é uma área em constante movimento e desenvolvimento,


que já viveu momentos distinto sem sua história. O primeiro período, conhecido como
Psicologia Industrial, está vinculado com o aparecimento da Psicologia científica e associado à
revolução industrial que ocorreu em alguns países da Europa e nos Estados Unidos no fim do
século XIX e início do século XX. (ZANELLI; BASTOS, 2004).
Já na perspectiva de Spector (2009) afirma que a Psicologia Organizacional está
relacionada à produção de conhecimentos psicológicos e à sua aplicação na realidade
752

organizacional, ou seja, “a Psicologia Organizacional refere-se ao desenvolvimento e à


aplicação de princípios científicos no ambiente de trabalho” (SPECTOR, 2009, p. 5).
A psicologia é um campo eclético que tomou de empréstimo conceitos, ideias, técnicas
e teorias de muitas outras disciplinas. Com isso, em relação a psicologia organizacional foram
tomadas de empréstimos conhecimentos de áreas como engenharia industrial, administração,
psicologia social e sociologia. (SPECTOR, 2009).

Explorar, analisar, compreender como interagem as múltiplas dimensões que


caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizações em um mundo
complexo e em transformação, construindo, a partir daí, estratégias e procedimentos
que possam promover, preservar e restabelecer a qualidade de vida e o bem-estar das
pessoas (ZANELLI; BASTOS, 2009, p. 467).

Conforme como já foi discutido, a Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT)


está ligada ao comportamento humano e os fenômenos psicológicos que acontecem dentro das
organizações, como também visa analisar as implicações no ambiente de trabalho. Ou seja, “A
Psicologia Organizacional e do Trabalho procura gerar conhecimento que possa ser aplicado
para melhorar o funcionamento e o desenvolvimento das organizações ao longo do tempo.”
(PEIXOTO; CAETANO, 2013, p. 529).
É importante observar em seu campo de atuação a POT dentro da área de Gestão de
Pessoas, procura estabelecer uma melhor relação trabalhador-organização-trabalho, para que
sua atuação seja marcada pela boa gestão envolvendo fatores psicossociais relacionados ao
ambiente de trabalho. Dessa maneira, atentando com a saúde para seja preservada de maneira
que haja prevenção de possíveis adoecimento dentro da empresa e tenha uma contribuição para
um espaço saudável e harmônico em busca de extrair os melhores resultados. “Em outras
palavras, o modelo de gestão de pessoas organiza a vida no trabalho e zela pelo melhor
equilíbrio entre os interesses da organização e as outras esferas da vida pessoal [...]” (GONDIM;
SOUZA; PEIXOTO, 2013, p. 344).
Atualmente, uma das principais participações da Psicologia Organizacional e do
Trabalho está voltado para o processo de seleção e recrutamento das instituições, pois buscam
contratações pontuais e bem-sucedidas que consequentemente ocasionam melhores resultados.

[...] o recrutamento diz respeito ao processo de atração de pessoas para a ocupação de


determinado cargo, função ou posto de trabalho. É o momento em que vagas são
colocadas à disposição para serem preenchidas por pessoas que apresentam
características potenciais do perfil profissional requerido. Uma vez tendo atraído os
candidatos à vaga, o processo seletivo inicia para avaliar quais deles possuem as
753

características ideais para aquele posto de trabalho. (GONDIM; QUEIROGA, 2013,


p. 381).

Dentro do ambiente de trabalho a Psicologia Organizacional atua também com o


propósito de desenvolver e analisar os testes comportamentais, que tem por finalidade
identificar, em outras palavras, os pros e contras dos colaboradores da empresa, esse teste reflete
nas competências e nos diferentes tipos de personalidades que se sobressaem de seus
colaboradores, possibilitando assim, a alocação de profissionais para determinados cargos em
que potencializará seu desempenho.
Além dos testes, outro método importante é o processo de avaliação de desempenho
(AD), pois dentro de uma organização, principalmente no setor privado, a postura de um
colaborador e o seu conhecimento técnico devem ser avaliados constantemente para que se
possa buscar uma evolução desse sujeito e esse desenvolvimento traga frutos rentáveis para a
empresa. Sendo assim, Peixoto e Caetano (2013) remete que esse procedimento dentro da POT
é uma medida para analisar as melhores condições especificas de tempo, recursos, capacidades
e os objetivos que precisam ser identificados e particularizados em cada organização.
Ainda de acordo com os autores, sobre a importância da implementação desse
instrumento na organização, pois “a avaliação podem incidir sobre as pessoas, seus
comportamentos, o contexto, os resultados ou os efeitos (de comportamentos e/ou resultados)
para a organização.” (PEIXOTO; CAETANO, 2013, p. 536).
Na busca por melhores resultados, a POT busca desenvolver competências na promoção
de treinamentos, cursos, palestras e reuniões para as diversificadas áreas de atuação que há
dentro da empresa. Por isso, “exige uma postura mais reflexiva e crítica, se deseja agir em prol
do desenvolvimento pessoal e profissional das pessoas e do aumento de sua empregabilidade”
(BORGES-ANDRADE et al., 2013, p. 466).
Assim, essas ferramentas discutidas projetam uma perspectiva positiva para a empresa,
para o mercado e principalmente no impacto na formação de excelentes profissionais. Pois, “Na
atualidade, parte das qualificações exigidas do trabalhador é complexa e requer um conjunto de
ações educacionais contínuas e variadas para desenvolvê-las” (BORGES-ANDRADE et al.,
2013, p. 466).
É importante salientar que lidar com pessoas, em seus variados contextos, implica em
conhecimento sobre suas singularidades, tanto do indivíduo como do contexto em que está
inserido, acarretando aos “[...] trabalhadores para o alcance dos objetivos organizacionais e
754

individuais, ou, ainda, como a maneira de organizar e gerenciar o comportamento humano no


trabalho.” (SCHMIDT; KRAWULKI; MARCONDES, 2013, p. 345).
Portanto, diante do que foi argumentado, pode-se então definir que a área de Gestão de
pessoas está voltada para a ação humana e a sua relação com a organização, com atividades tais
como recrutamento e seleção, treinamento, avaliação de desempenho, planos de carreira,
desenvolvimento gerencial dentre tantos outros enquanto que a Psicologia Organizacional tem
seu foco voltado para o comportamento no trabalho e na organização e busca compreender as
atitudes, percepções, processos de decisão e de mudanças.

3 METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de uma pesquisa descritiva e exploratória, assim, entende-se


que a pesquisa descritiva “tem como objetivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis.” (GIL,
2010, p. 28), enquanto as “pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver,
esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais
precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.” (GIL, 2010, p. 27). É importante
destacar que esse tipo de pesquisa permite uma maior familiaridade entre o pesquisador e o
tema pesquisado.
Os procedimentos metodológicos tiveram como ferramenta a pesquisa bibliográfica e
documental, fazendo a leitura e análise de artigos, livros, documentos e leis que abordam
concepções relacionadas a Educação Profissional e Tecnológica, a Psicologia Organizacional e
a Gestão de Pessoas. Como também foi analisado o Projeto Pedagógico do Curso (PPC), dando
uma ênfase no componente curricular Gestão de Pessoas ofertado pelo curso técnico integrado
de administração no IFRN, com intuito de desmistificar as questões relacionadas a temática
proposta.
Portanto, pode-se definir que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em
material já elaborado e publicado, através de, livros monografias, artigos, dissertações, entre
outros métodos literários (GIL, 2010). Em relação à pesquisa documental “[...] tradicionalmente
vale-se dos registros cursivos, que são persistentes e continuados”. (GIL, 2010, p. 147).
Quanto à abordagem do problema, esta pesquisa é de cunho qualitativo, ou seja, faz-se
uma relação entre o mundo real e o sujeito não se preocupando com representatividade
755

numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão de um contexto social, para que
assim possa analisar e apresentar os resultados obtidos.

4 RESULTADO E DISCUSSÃO

Diante do que foi contextualizado e fundamentado sobre a Educação Profissional e


Tecnológica e a proposta curricular da disciplina Gestão de Pessoas do curso Técnico em
Administração, como também foi dissertado sobre a atuação da Psicologia Organizacional na
área de Gestão de Pessoas. Dessa forma, tendo como objetivo analisar o componente curricular
Gestão de Pessoas sob a ótica da Psicologia Organizacional.
Ao analisar o PPC do curso, foi possível observar a implementação de um currículo
tecnicista, no contexto atual da área de Gestão de Pessoas, a disciplina em sua estrutura de
ensino encontra-se com um acervo bibliográfico desatualizado em relação as novas literaturas
que buscam olhar mais aguçado sobre a própria área da GP, conforme é explicito na “Tabela
01: Estrutura Curricular da disciplina Gestão de Pessoas do Curso Técnico Integrado de
Administração/IFRN”.
Dessa forma, é perceptível a tecnicidade na disciplina de gestão de pessoas, pelo não
seguimento bibliográfico atualizado, sendo a área da gestão e negócios, uma constante
atualização no mercado de trabalho que enlaçam a prática nas empresas. “As mudanças
ocorridas no mundo do trabalho e as inovações tecnológicas frequentes tornam necessária a
aprendizagem rápida e eficaz, bem como a aquisição, a retenção e a transferência de
competências.” (BORGES-ANDRADE et al., 2013, p. 466).
Uma das principais ferramentas utilizadas por diversas instituições sejam elas públicas
ou privadas é a Psicologia Organizacional e do Trabalho que busca o cuidado com a saúde do
colaborador, humanização nos processos de gestão, métodos científicos aplicáveis na laboração
organizacional, ampliado no contexto biopsicossocial.
Contudo, como já foi abordado, atualmente em um mercado competitivo e
contemporâneo, começou-se a ter uma maior importância do comportamento humano dentro
das organizações, fazendo assim, crescer a preocupação com essa área. Conforme aponta
Spector (2009) que a Psicologia Organizacional estuda o comportamento humano e psicológico
no ambiente de trabalho em busca de melhores rendimentos empresariais.
Portanto, diante dessa análise da proposta curricular, algumas sugestões são
interessantes para o campo de atuação Gestão de Pessoas, como a ampliação do estudo voltado
756

para o processo de trabalhabilidade e a saúde do colaborador. Dessa maneira para Schmidt,


Krawulki e Marcondes (2013, p. 346), os autores retratam na área da psicologia organizacional
sendo importante “A construção de estratégias e procedimentos de intervenção visando à
promoção, à preservação e ao restabelecimento da qualidade de vida e do bem-estar das pessoas
[...]”.
Outro aspecto importante e já discutido é sobre o uso da ciência psicológica como
método para recrutamento e seleção, não somente voltada para a escolha de um funcionário,
mas sim voltados também para o treinamento e desenvolvimento do indivíduo, sendo essa
prática já utilizada por diversas organizações para alavancar os seus rendimentos e proporcionar
um crescimento pessoal e profissional de seus colaboradores.
Com a utilização da POT dentro do setor de Gestão de Pessoas, suas ferramentas de
atuação traz uma análise do ambiente de trabalho e do cargo ofertado e realiza a definição do
perfil do profissional a ser escolhido para ocupar o cargo.
Segundo Fiorelli (2004) e Chiavenato (2014) os autores se complementa em seus
pensamentos quando caracterizam a área de Gestão de Pessoas sob a ótica da Psicologia
Organizacional e do Trabalho, sendo as principais ferramentas utilizadas: a) Liderança; b)
recrutamento e seleção de pessoas; c) aplicação de testes e avaliação de desempenho; d)
recompensas e; e) desenvolvimento (treinamento).
Em consonância, outra perspectiva que pode contribuir na proposta curricular do curso
leva em consideração um olhar através da Psicologia Organizacional sobre as emoções e afetos
no trabalho levando em consideração as relações em níveis individual, interpessoal,
organizacional e grupal.
Em suma, os testes têm por finalidade uma relação de sucesso mútua, tanto para o
empregado quanto para a empresa alcancem os melhores resultados, além do mais reflete numa
compreensão e conhecimento dos pontos positivos e negativos para o aperfeiçoamento de seus
colaboradores. Em conseguinte, a avaliação é o instrumento utilizado de melhor performance
para conhecer seus funcionários, ou futuros funcionários quando utilizados no processo de
seleção. Com a competitividade atual do mercado, capacitar e atualizar os colaboradores se
tornou essencial para que as empresas alcancem o sucesso na área em que atuam.
Por fim, sendo também uma das propostas sugestivas que pode contribuir na formação
de futuros profissionais atualizados no mercado de trabalho atual, está relacionado ao
comportamento do colaborador em relação a cultura da organização, buscando um
757

aprofundamento de conhecimento de toda história da instituição e como o funcionário está apto


a lidar com essa inserção no ambiente de trabalho.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi abordado, foi possível observar a importância da Educação


Profissional Tecnológica tanto para o cenário da educação brasileira quanto para o mercado de
trabalho contemporâneo. Com as constantes mudanças, o mercado se torna mais competitivo e
exigente, em busca de alcançarem os melhores rendimentos várias organizações estão buscando
uma mão-de-obra qualificada, principalmente com a implementação tecnológica em seu
ambiente, assim, a EPT tem por objetivo formar profissionais qualificados que possas exercer
suas ocupações e que possam utilizar as ferramentas tecnológicas.
Dessa forma, respondendo ao objetivo proposto foi possível analisar a proposta o
curricular da disciplina de Gestão de Pessoas do curso Técnico Integrado em Administração do
IFRN, sob a ótica da Psicologia Organizacional. No qual, através de sua ementa e estrutura de
ensino ofertada observou-se um acervo bibliográfico desatualizado, e mesmo que existem
semelhanças nas ferramentas proposta da Gestão de Pessoas com a Psicologia Organizacional
e do Trabalho, a exemplo dos processos de seleção e recrutamento, treinamento, estratégias
avaliativas, entre outras, o campo da POT tem se destacado além disso no cenário atual, pois
busca analisar o comportamento e o psicológico do colaborador em seu ambiente de trabalho
buscando extrair o melhor e que possam potencializar os rendimentos lucrativos, sem deixar de
destacar principalmente o estimulo e o bem-estar no trabalho.
Com isso, as organizações vêm reconhecendo cada vez mais a importância e o papel dos
seus colaboradores para que seus objetivos sejam atingidos. Um olhar diferenciado sobre os
fenômenos comportamentais, vem contribuindo sobremaneira nessa área de Gestão de pessoas.
Portanto, pode-se concluir com a realização desse trabalho a importância do surgimento
de novas pesquisas para contribuir e complementar a análise sobre a proposta curricular que
está sendo ofertada pelo curso técnico de administração do IFRN, visando uma colaboração
para que o curso seja cada vez mais importante na formação de futuros profissionais capacitados
e consciente do mercado globalizado.

REFERÊNCIAS
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760

A OFICINA DE COLAGEM COMO ESTRATÉGIA DE CUIDADO EM SAÚDE


MENTAL: um relato de experiência no Abrigo Temporário para Pessoas em Situação
de Rua da cidade de Mossoró/RN

Sara Maria Lima Xavier1


Maria Isabel da Silva Oliveira2
Gabriel Azevedo de Carvalho3
Paula Rolim Pinto de Souza4
Esequiel Pagnussat5

RESUMO

A População em Situação de Rua (PSR) é um grupo heterogêneo que vive em condição de


extrema pobreza, com vínculos familiares fragilizados ou interrompidos e sem acesso a moradia
convencional. Esse fenômeno está ligado às desigualdades e opressões estruturadas pelo
processo de acumulação primitiva do sistema capitalista. Historicamente, o Estado tem adotado
uma perspectiva higienista para tratar das demandas da PSR. Portanto, pode-se dizer que as
políticas públicas direcionadas a esse grupo são conquistas da luta organizada do Movimento
Nacional da População de Rua (MNPR). A Psicologia deve se utilizar do comprometimento
ético-político frente à violação de direitos da PSR, bem como atuar de forma criativa no cuidado
em saúde mental dessa população. Nesse sentido, o trabalho objetiva compreender de que forma
a colagem pode contribuir para o acolhimento e o cuidado em saúde mental, a partir do relato
de uma experiência de oficina desenvolvida no Abrigo Temporário para Pessoas em Situação
de Rua da cidade de Mossoró/RN e da revisão bibliográfica da literatura existente sobre a
temática. Concluiu-se que, apesar da dificuldade em encontrar bibliografias, a experiência
vivenciada foi exitosa, demonstrando ser uma boa proposta de prática de cuidado para a PSR,
pois trabalha a imersão subjetiva, o espaço de fala e escuta e a coletividade.
Palavras-Chave: população em situação de rua, oficina de colagem, psicologia, saúde mental.

ABSTRACT

The homeless population is a heterogeneous group who lives in extreme poverty, where their
family ties are broken and have no access to a convencional home. This phenomenon is related
to oppressions and inequality that are built by the primitive accumulation process of capitalism.
Historically, the State has adopted a hygienist perspective to treat the necessity of the homeless

1
Graduanda do curso de Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
saramxvr@gmail.com
2
Graduanda do curso de Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
mrasblso@gmail.com
3
Graduando do curso de Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
azvdogab@gmail.com
4
Psicóloga, pós-graduanda em Psicologia Hospitalar na UNOPAR. E-mail: psipaularolim@hotmail.com
5
Graduado em Psicologia (PUCRS), Especialista na Modalidade Residência em Saúde da Família e Comunidade
(ESP-CE), Mestre em Psicologia (PUCRS). E-mail: esequiel.pagnussat@professor.catolicadorn.com.br
761

population. Because of this, it is possible to say that the public politics that are directed to this
group are a popular accomplishment of the National Homeless Population Moviment.
Psychology must use its ethical and political commitment against the rights violation of the
homeless population and do a creative job taking care of their mental health. With all sad, this
article has as an objective to understand how collage can contribute for the reception and the
take care of mental health, through an experience report about a workshop done at the
Temporary Shelter for Homeless Population at Mossoró/RN and a literature review about this
theme. It was concluded that, although it was difficult to find research, the workshop succeeded
as a wonderful health practice, because it allows a subjective immersion, a space to talk and
listen and collectivity.
Keywords: homeless population, collage workshop, psychology, mental health.

1 INTRODUÇÃO

“Nós necessitamos, urgentemente, fazer pesquisa, não tanto para ser publicada, mas para ser
utilizada como instrumento de mudança social.”
(Martín-Baró, 2017a, p. 110)

A População em Situação de Rua (PSR) é reconhecida como um grupo heterogêneo que


vive em condição de extrema pobreza, possui vínculos familiares fragilizados ou interrompidos
e não tem acesso a habitação convencional (BRASIL, 2009). Ou seja, essas pessoas estão
inseridas em um contexto de vulnerabilidade socioeconômica, com total comprometimento dos
seus direitos fundamentais, na qual existe uma limitação financeira que as impede de realizar
suas necessidades mínimas, como alimentação, higiene, domicílio, entre outras. Por essa razão,
a PSR se utiliza dos espaços públicos da cidade, assim como das unidades de acolhimento
provisório para moradia (BRASIL, 2009).
Para compreender esse fenômeno, pode-se dizer que ele está intimamente ligado às
desigualdades e opressões estruturadas pelo processo de acumulação primitiva do sistema
capitalista que, segundo Marx (2011), consistiu na expropriação de terras, dos meios de
subsistência e dos instrumentos de trabalho da grande massa populacional. Assim, a expansão
do capital aconteceu em detrimento da exploração e da miséria humana ao longo da história, o
que culminou na ampla oferta de força de trabalho que não foi nem parcialmente absorvida pelo
mercado, gerando, a partir da era moderna e na contemporaneidade, um exército industrial de
reserva de pessoas que “passam a não ter outra opção que não a de viver e reproduzir aspectos
tidos como relativos à esfera privada nos espaços públicos [...] sem trabalho, sem vínculo
762

territorial ou rede de proteção social e sem acesso à moradia, restando-lhes a permanência em


situação de rua” (FREITAS, 2020, p. 05).
Dado o exposto, destaca-se que, historicamente, o Estado trata as demandas da PSR a
partir de uma perspectiva higienista de isolá-la nas periferias das cidades. Desse modo, as
políticas públicas no Brasil são resultados da luta organizada do Movimento Nacional da
População de Rua (MNPR), que surge a partir da inquietação sobre o massacre de sete pessoas
em situação de rua que aconteceu em 19 de agosto de 2004 na Praça da Sé em São Paulo
(NOBRE et al., 2019). Uma das mais significativas foi a Política Nacional para a População
em Situação de Rua (PNPSR), que dispõe de princípios e diretrizes referentes aos direitos civis,
políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e de saúde. Para garantir esses direitos, são
e devem ser criados equipamentos de serviços públicos, como os Centros de Referência
Especializado para População em Situação de Rua (Centros POP), os Consultórios na Rua
(CnR), as unidades de acolhimento, entre outros.
No que tange o papel da Psicologia nesse contexto, faz-se necessário enfatizar que não
há como vislumbrar a superação da violação dos direitos da PSR sem que as(os) profissionais
também estejam comprometidas(os) de maneira ético-política com a luta dessa população. Não
é um processo simples e fácil, pois a própria inconstância dos territórios pelas pessoas em
situação de rua dificulta a construção de vínculos, o que acaba escapando, muitas vezes, das
práticas tradicionais do trabalho da(o) psicóloga(o), geralmente ancoradas em um espaço fixo
e pré-determinado. Portanto, é de suma importância que as concepções rígidas sejam superadas
e dêem lugar às intervenções criativas que possam subverter os fracassos do sistema vigente
(CRP-MG, 2015).
Nesse sentido, a ênfase será dada ao CnR e ao Abrigo Temporário para Pessoas em
Situação de Rua da cidade de Mossoró/RN ‒ aberto em decorrência da pandemia de Covid-19
‒, pois o objetivo do trabalho consiste compreender de que forma a colagem, enquanto recurso
de arteterapia, pode contribuir para o acolhimento da PSR, a partir do relato de experiência da
oficina desenvolvida no abrigo supracitado e da revisão bibliográfica da literatura existente
sobre as possibilidades de atuação da(o) psicóloga(o) no cuidado em saúde mental da PSR. Para
isso, a busca das referências teórico-práticas utilizadas foi feita no Portal de Periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e na Scientific
Electronic Library Online (SCIELO), utilizando os seguintes descritores: “população em
situação de rua”, “psicologia”, “saúde mental” e “colagem”.
763

2 A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E O SEU (RE) CONHECIMENTO

O sujeito em situação de rua está, corriqueiramente, inserido em um contexto de


exclusão e em situação de vulnerabilidade socioeconômica, em que pode sofrer com
rompimentos de vínculos familiares, afetivos e sociais. A grande maioria da PSR vive em um
contexto de pobreza extrema, alto índice de desemprego, violências constantes e possível uso
de álcool e outras drogas. Todavia, apesar disso, a maioria não é atendida por programas de
saúde e demais políticas públicas, que quando são implementadas, geralmente são efetivadas
de modo defasado e de maneira fragmentada (BRASIL, 2012; BRITO e SILVA, 2021).
É possível visualizar o crescente número de pessoas em situação de rua a partir da
realidade econômica e política em que o Brasil se encontra, bem como o agravamento de
questões sociais, como a desigualdade, a pobreza, o desemprego, a ausência de políticas
públicas, onde se torna cada vez mais presente o preconceito em torno desse grupo
populacional. Pré-conceito que coloca a PSR em um lugar de incapacidade e de risco para a
sociedade, o que reforça a adoção de políticas públicas repressivas (BRASIL, 2014; BRITO e
SILVA, 2021).
O Ministério da Saúde (2014) escreveu sobre uma pesquisa que revelou que a PSR é
composta majoritariamente por homens (82%), sendo 67% homens negros, tendo como
principais questões que os levaram a isso o alcoolismo e outras drogas (35,5%), desemprego
(29,8%) e conflitos familiares (29,1%). Já com relação à crianças e adolescentes em situação
de rua, quanto ao recorte de raça/cor, 72,8% são negros, enquanto 23,8% são brancos. Tendo
como base os dados do IBGE de 2010, foi possível perceber que as crianças e adolescentes
negras em situação de rua representam um percentual maior que o de negros da população
brasileira. Cabe ainda destacar que geralmente as crianças e adolescentes estão morando na rua
por motivos distintos dos adultos, podendo ser eles: alcoolismo e outras drogas, conflitos
familiares, violência doméstica e dificuldades financeiras.
Ainda com relação aos índices, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP,
2015) fala sobre essas populações terem como principal fonte de renda as atividades no mercado
informal, como flanelinhas, catadores de materiais recicláveis, trabalhadores da construção civil
e limpeza, onde a maioria nunca teve carteira assinada ou há muito tempo não trabalha de modo
formal. Apesar do que o senso comum imagina, apenas uma minoria sobrevive nas ruas como
764

pedinte (15%), sendo estes trabalhadores que, de algum modo, se inserem na economia
informal.
Dos participantes da pesquisa, 48,8% estavam há mais de 2 anos morando nas ruas e/ou
dormindo em serviços de acolhimento, e 60% destes já haviam transitado por abrigos, orfanatos,
casas de detenção e tinham histórico de internação em hospital psiquiátrico. Apesar do
histórico, apenas 6% citaram problemas relacionados à saúde mental. A pesquisa notou que os
sujeitos buscavam em primeiro lugar hospitais gerais/emergências e como segunda opção, as
Unidades Básicas de Saúde (UBS), o que deixa notória a necessidade de atenção à saúde das
PSR por parte da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e da Assistência Social, de modo articulado.
Esta pesquisa destacou, ainda, que essas pessoas sofrem discriminação nos serviços
públicos, como nos de saúde e transporte coletivo (CNMP, 2015). É recorrente escutar dessa
população a recusa em ir para a UBS em decorrência dos modos em que são tratadas, inclusive
hospitais e UBS que negam os direitos desde a entrada dos usuários ao serviço. Esse trabalho
de modo articulado entre os equipamentos e trabalhadores que atuam com a PSR se coloca
como fundamental diante do cenário supracitado. Para isso é necessário criar modos de
comunicação entre a rede, gerando diálogo entre os profissionais (BRASIL, 2014), podendo
haver assim atividades de formação, capacitações sobre modos de cuidado e acolhimento
humanizado para com essa população, trabalhando a sensibilização e o dever de assegurar os
direitos destes, inclusive com os profissionais da Segurança Pública, em todas as esferas de
cuidado.
A grande maioria (95,5%) dos participantes da pesquisa afirmaram que não
participavam de movimentos sociais, o que nos leva a pensar sobre a importância de avivar a
luta dos movimentos sociais, os quais podem contribuir para o fortalecimento e criação de
novos vínculos para a PSR, podendo vir a fazer surgir uma consciência crítica sobre o lugar que
está ocupando na sociedade, ofertando cada vez mais possibilidades para que possam lutar pelos
seus direitos e, para além disso, que possam ter seus direitos assegurados pelo estado (CNMP,
2015). O Ministério da Saúde (BRASIL, 2014) já destaca a importância do controle social e da
participação popular, em que as(os) usuárias(os) devem ter um espaço de fala e escuta. Outras
iniciativas que podem promover a participação social e contribuir para a melhora e o
asseguramento das políticas de saúde e assistência à PSR são a criação de Comitês Técnicos
Estaduais ou Municipais de Saúde da PSR, e ter a presença de representantes do Movimento da
População De Rua nos Conselhos de Saúde.
765

A Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR) foi instituída pelo
decreto n°7.053 de 23 de dezembro de 2009, em que podemos destacar alguns de seus objetivos:
assegurar o acesso amplo, simplificado e seguro aos serviços e programas que integram as
políticas públicas de saúde, educação, previdência social, assistência social, moradia,
segurança, cultura, esporte, lazer, trabalho e renda; garantir a formação e a capacitação
permanente de profissionais e gestores para atuação no desenvolvimento de políticas públicas;
criar meios de articulação entre o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e o Sistema
Único de Saúde (SUS) para qualificar a oferta de serviços e disponibilizar programas de
qualificação profissional para as PSR, com o objetivo de propiciar o seu acesso ao mercado de
trabalho (BRASIL, 2009). A criação dessa Política foi um marco para o cuidado da PSR, a qual
deve resguardar uma prática que supere a exclusão e o estigma que rodeiam essa população,
fortalecendo os modos de cuidado que resgatem as dimensões subjetivas dos sujeitos,
colaborando assim com a diminuição dos sofrimentos (CFP, 2019).
A partir das questões já citadas, considerando também a Política de Saúde Mental com
base na Reforma Psiquiátrica, e o Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o, cabe pensar
como a Psicologia pode colaborar de forma ativa e efetiva para com essas questões e com
relação ao acolhimento dos sujeitos inseridos nesses contextos, colaborações estas que devem
ir para além dos atendimentos clínicos individualizados e das lógicas biologizante e/ou
psicologizantes do fenômeno. Pensar a prática da(o) psicóloga(o) nesses espaços é ir de acordo
com as políticas públicas que respeitam os Direitos Humanos e trabalham para dar autonomia
aos sujeitos, incentivando práticas democráticas, questionando ações que se pautem na tentativa
do controle de corpos e tutela moral, indo na contramão de práticas que venham a reproduzir
formas de violência para com trabalhadores e usuários do serviço (CFP, 2019).
Alguns equipamentos que fazem parte da rede de proteção e podem vir a acolher a PSR
são: Consultório na Rua (CnR), O Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS), O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS). Logo, coloca-se importante que todos esses trabalhem de modo articulado
com a Política de Saúde Mental e a Atenção Primária à Saúde (APS), e também junto com
outras políticas, de modo intersetorial. O trabalho da(o) psicóloga(o) nesses equipamentos deve
dar-se junto às equipes, visando a perspectiva de atenção e prevenção de situações de
vulnerabilidade, assim como proteção e promoção da saúde e fortalecimento da autonomia dos
sujeitos (CFP, 2019).
766

Dentre esses, o CnR trabalha especificamente com a PSR, usuários de álcool e outras
drogas, que possuem dificuldades de acesso à rede de saúde e que não são assistidos pelos
serviços. É um modo de fazer com que os cuidados cheguem até essa população, promovendo
acessibilidade e exercício do direito e da cidadania. O CnR é constituído por uma equipe
multidisciplinar mínima, composta por médico, assistente social, psicólogo, redutores de danos,
técnicos de enfermagem e educadores sociais. O trabalho é construído extramuros (nas ruas) de
forma participativa entre profissionais e usuários atendidos, e são realizados através de
inúmeras estratégias de cuidado integrados aos programas de saúde já existentes no território
(CFP, 2019).
Um dos grandes desafios da Psicologia nesses contextos é trabalhar a partir de uma
prática emancipatória, de forma ético-política, ofertando espaço para que a população tenha seu
protagonismo, a partir dos espaços de fala, recursos terapêuticos que acolham as subjetividades
dos sujeitos, trabalhos artísticos e luta por direitos, fortalecendo assim a autonomia e autogestão
coletiva daqueles que se encontram em condições de vulnerabilidade social. É por essa razão,
portanto, que traz-se-á a colagem como uma possibilidade de trabalho da Psicologia com a PSR.

3 FAZENDO ARTE (E) TERAPIA: A COLAGEM COMO FERRAMENTA DO FAZER


DA(O) PSICÓLOGA(O)

Buscando uma finalidade terapêutica por meios alternativos aos tradicionais, a arte
terapia utiliza de recursos artísticos e inaugura uma nova área de atuação profissional
(CARVALHO, 1995). Segundo a Associação Brasil Central de Arte terapia (ABCA), o método
é definido pelo seu modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como ponto basilar da
comunicação entre usuário e profissional no campo, tendo como eixo a criação e a elaboração
artística em prol da saúde. Consoante com a Associação, a arte terapia é uma especialização
destinada a profissionais com graduação na área da saúde, como Psicologia, Enfermagem e
Fisioterapia, porém também é reconhecida a utilização pelas (por) profissionais do campo da
educação e das artes, além de educadoras (es) populares.
Logo, usa-se essa atividade artística como instrumento de intervenção profissional para
a promoção de saúde e qualidade de vida, abrangendo as mais diversas linguagens e formas de
expressão – sendo ela plástica, sonora, literária, dramática ou corporal – para que, através de
técnicas expressivas diversas (como desenho, pintura, música, poesia, dramatização, dança,
767

colagem e outros trabalhos manuais e corporais), possa se possibilitar uma nova forma de fazer
e apostar na produção dos sujeitos (REIS, 2014).
Por ser uma prática muito abrangente e adaptável, o campo de atuação da arte terapia e
suas possibilidades interventivas são tão incontáveis quanto suas técnicas. Tendo em vista que
o fazer estará ligado à formação da(o) profissional e o público com quem ela(e) trabalha – veja-
se, ligado porém não restrito – podendo ser aplicado à contextos de avaliação, prevenção,
acolhimento, tratamento e reabilitação voltados para a saúde, bem como de forma pedagógica
na educação, além do desenvolvimento (inter)pessoal pela via da criatividade em oficinas nos
contextos grupais e de troca (REIS, 2014). Assim, o campo de atuação da arte terapia tem se
expandido e se consolidado para além do contexto clínico de consultório, chegando nos espaços
ampliados em saúde, nos educacionais, comunitário-assistenciais e organizacionais.
Essas oficinas têm partida no âmbito da saúde mental pelos saberes da Terapia
Ocupacional, que foram desenvolvidas nas instituições psiquiátricas, revolucionando o campo
de atividades, pois são mais do que simples ocupações e passatempos, mas sim trabalhos que
se conectem e têm uma dimensão significativa para a história do sujeito, com finalidades
essencialmente terapêuticas, gerando um espaço inédito de convivência, aprendizagem e
desenvolvimento (KASTRUP, 2012).
As oficinas de artes podem ser compreendidas como tecnologia social, uma tecnologia
que acontece através das relações e é mediada por atividades artísticas que atuam diretamente
na/com produção e expressão de subjetividades, se constituindo assim como espaços
multilaterais de aprendizagem, que são, simultaneamente, lugar de pesquisa e intervenção 6,
numa ação ao mesmo tempo ética, estética e política, uma vez que é permeada por valores, pela
sensibilidade criativa e subjetiva, cujos efeitos vão além do próprio agente (REIS; ZANELLA,
2015).
Efeitos que surgem no seio dessas práticas educacionais, informais e populares, pois se
apresentam justamente como alternativa às estratégias hegemônicas engendradas nos
serviços/equipamentos. Nesse lugar de diferença, as oficinas promovem outras possibilidades
de subjetivação, trabalhando o grupo e sua gestão de forma criativa e coletiva, pois, por meio

6
Essas oficinas ampliaram as possibilidades de comunicação e a rede de relacionamento social dos participantes,
transportando-lhes para fora do contexto institucional e, assim, contribuindo à virtualização de novas
perspectivas. Oficinas podem ser, portanto, ao mesmo tempo dispositivo de intervenção e pesquisa, sendo esta
compreendida como prática social que envolve relações entre pessoas na busca por (re)conhecer e/ou formular
soluções a uma situação específica (REIS; ZANELLA, 2015, p. 26).
768

da atividade artística tem-se a possibilidade do contato do sujeito com suas demandas/questões


pela via criativa, e não só dando uma forma a um conteúdo subjetivo mas também podendo
reconfigurá-lo, já que arte pode (e deve) ser uma ferramenta para potencializar transformações
nos contextos de vivências grupais. Por meio, justamente, da (re)configuração de outras
imagens, sentidos e cenários para as pessoas e suas vidas (REIS, 2014. REIS; ZANELLA,
2015).
Essas oficinas que são chamadas “estéticas" são intervenções psicossociais baseadas
numa metodologia criadora que pode utilizar diferentes linguagens artísticas, é uma prática que
se fundamenta na noção estética. Quando se fala em oficinas estéticas não se trata da estética
como uma “disciplina que estuda o belo” mas sim enquanto relações sociais. Toda atividade
que esteja para estética, podendo ser desde a criação de um objeto ou a sua contemplação, é
fundamentado em relações sociais, caracterizando a arte como um modo específico de
comunicação entre o “eu” e os “outros” (SÁNCHEZ-VÁZQUEZ, 1999). As relações estéticas
se diferenciam das relações práticas (que visam a utilidade) e cognitivas (que visam a
produtividade) que são predominantes do cotidiano capitalista, elas constroem uma experiência
outra, desbravando novos horizontes, pois possibilita aos sujeitos se desprender da realidade
em que se vive e imergir-se em outra, promovendo novas formas de significação que poderão
vir a redimensionar e ressignificar o próprio existir (REIS; ZANELLA, 2015).
“Oficinas estéticas são, portanto, um instrumento para fazer ligação entre a vida e a
arte, a realidade e a imaginação, passado e futuro, o eu e um outro” (REIS; ZANELLA, 2015,
p. 29). Pensando nessas ligações e fazendo consonância com o princípio de constituir um lugar
diferente para trabalho, recai no caminho teórico-prático dos autores a aposta em esquematizar
e realizar oficinas de colagem, como ferramenta estética e popular de arte terapia.
Tendo início no processo técnico de calígrafos japoneses, os primeiros trabalhos de
colagem surgem como plano de fundo para poemas, no qual colando pedaços de papel e tecidos,
os artistas criavam uma superfície para seus poemas escritos a pinceladas. O termo colagem
deriva do verbo francês coller (colar) e é a arte que, em essência, contribui para diversos
processos de criação com cola e papel (porém pode ir muito além). Por meio dessa técnica, é
possível transformar imagens e objetos em composições abstratas ou com algum nível de
palatividade, explorando os diferentes níveis entre a arte e a realidade (VARGAS; SOUZA,
2011).
769

Trazendo novas possibilidades de criação a partir (não só) da cola e papel, se destaca o
valor da colagem não só como parte do processo de criação de algo, mas como uma forma
significativa, pouco discutida quanto ao resultado poético na composição das obras. Produções
essas que, feitas de formas descomplicadas, expandem as margens de quem/o quê é capaz de
criar arte, aproximando e democratizando novas expressões artísticas e seus – também –
resultados psicoterapêuticos, reflexivos e resolutivos, além de simbólicos e afetivos (VARGAS;
SOUZA, 2011).
Ganhando seu espaço na cena popular, o ato de colar se expande frente à necessidade
de criar e veicular o novo, uma linguagem artística autônoma; um “faça você mesmo” que
viabiliza margens para uma aprendizagem libertadora, na contramão de práticas hegemônicas
do fazer artístico, e no caso, em saúde também. Assim, partindo da máxima de criar algo com
conteúdo que já existem, a colagem pode ser justamente um “fazer com sua história/questão".
Logo, com o auxílio de palavras e/ou temas geradores(as), dar-se-á início ao processo de
recortar imagens, escolhê-las e repicá-las, selecionando a imagem como um todo ou em partes,
por vezes até mesmo subvertendo a imagem e usando-a para moldar uma figura totalmente nova
e surrealista, que será única e puramente subjetiva.
Reconhecer a importância da arte é apostar na potência da criatividade e seu poder
gerador/transformador, tanto para o sujeito como para o grupo em que seja
oportunizada/mediada (REIS, 2014). Afinal, na produção de uma obra artística podem emergir
novas-outras formas e sentidos no que tange ao mundo e a si mesmo, apresentando aos sujeitos
alternativas variadas e múltiplas de subjetivação/singularização, brincando com a polissemia
da criação à uma realidade multifacetada – de vivência, prática, trabalho e afeto (GUATTARI;
ROLNIK, 1986. ZANELLA, 2004).

4 COLANDO AS DORES: UMA EXPERIÊNCIA A SER ESCUTADA

Trazendo a discussão deste artigo para a prática, relatar-se-á sobre uma experiência
vivenciada na cidade de Mossoró/RN por graduandas(os) do curso de Psicologia que são
extensionistas do projeto de extensão Núcleo de Estudos em América Latina, Insurgências e
Sociedade (NUCAIS), da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), realizada no
Abrigo Temporário para Pessoas em Situação de Rua da cidade.
770

A priori, faz-se necessário explicar como surgiu o NUCAIS. O presente projeto emergiu
no semestre 2020.2, através da inquietação de discentes em relação à falta de estudos na
faculdade que fossem críticos e que trouxessem a realidade brasileira para poder pensar sobre
qual o lugar da Psicologia nesse espaço. Sendo assim, no início, devido à pandemia ocasionada
pela COVID-19, o projeto se configurava como um grupo de estudos, no qual teve como
primeira discussão a leitura do livro Pele negra, máscaras brancas de Frantz Fanon (2008).
Essa leitura se desenvolveu por dois semestres, no qual ocorriam encontros quinzenais de forma
remota. Ao longo das discussões, sempre estava presente o desejo por realizar intervenções
práticas na sociedade em nome do projeto, afirmando a luta pela elaboração de uma Psicologia
crítica e com compromisso social.
A partir disso, então, que no semestre de 2022.2, em que as aulas estavam de volta para
a modalidade presencial, bem como os projetos de extensão estavam retomando suas atividades,
o NUCAIS pensou em elaborar um novo cronograma para o seu desenvolvimento. Teve por
definição que para esse semestre afirmar-se-ia como um projeto de extensão e não mais como
um grupo de estudo apenas. Sendo assim, foi estruturado que haveria encontros para debater
algum texto e, posteriormente, ocorreria uma ação com base no tema do texto. Os temas
pensados foram “Medicalização e Diagnóstico”, “Gênero e Sexualidade” e “Cansaço e
Trabalho”.
Especificamente no dia da discussão sobre “Medicalização e Diagnóstico”, surgiu o
debate sobre Redução de Danos (RD), que é um modelo de tratamento que surge a partir da
Reforma Psiquiátrica para contrapor o modelo hospitalocêntrico de cuidado em saúde mental,
com a premissa de que as pessoas em tratamento não fiquem fora do convívio familiar e social
(TAGLIAMENTO et al, 2020). Dentro do debate, apareceu a proposta feita por uma psicóloga
residente da Residência Multiprofissional em Atenção Básica e Saúde da Família e Comunidade
da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), que estava participando do
encontro, para que o NUCAIS fosse ao Abrigo Temporário para Pessoas em Situação de Rua
realizar uma ação que visasse o diálogo sobre a RD.
O Abrigo Temporário para Pessoas em Situação de Rua da cidade de Mossoró/RN está
inserido no âmbito da Política de Assistência Social, através da Gerência de Proteção Social
Especial da Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania, no qual tem a capacidade
máxima de atendimento imediato e emergencial. A equipe do abrigo é formada por uma técnica
de nível superior e uma de nível médio; cozinheiras e a equipe de residência multiprofissional,
771

bem como de residência médica. Lá, são ofertados acolhimento temporário, alimentação,
cuidados em higiene pessoal, atendimentos pelas equipes de residências e articulações com
Unidades Básicas de Saúde (UBS), CnR e Centros de Referência Psicossocial (CAPS) 7.
Partindo para o dia em que foi realizada a ação, esta aconteceu da seguinte forma:
primeiramente, as(os) extensionistas foram apresentadas(os) ao local, acompanhadas(os) pela
equipe de residência multiprofissional; em seguida, as(os) abrigadas(os) chegaram para
participar da oficina, no qual aconteceu na área externa da casa. A priori, foi feita uma pequena
roda de apresentação para que elas e eles pudessem falar o nome, a idade e de onde vinham.
Posteriormente, os dois extensionistas que estavam como responsáveis por conduzir a oficina,
explicaram o que seria uma colagem e pediram para a psicóloga residente falar um pouco sobre
como funcionava a perspectiva da RD. Logo, foi pedido para que cada pessoa, dentro desse
contexto, procurasse nas revistas por imagens, frases, palavras ou até mesmo desenhassem e/ou
escrevessem coisas que a marcavam dentro da temática proposta.
Ao longo do processo, foi possível perceber a profundidade subjetiva que o ato de fazer
uma colagem propõe: o de ir alinhando, à maneira de cada sujeito, as vivências que marcam a
sua própria trajetória. Enquanto colavam, as(os) abrigadas(os) iam contando suas histórias,
falando sobre suas dores, representando, através das imagens, palavras e desenhos, algo do seu
íntimo. Para além de realizar uma atividade proposta, o ato de fazer a colagem proporciona um
momento de partilha em grupo, no qual as pessoas vão se ajudando, conversando, vivenciando
juntas a experiência de passar para a colagem algo da sua subjetividade.
Ao final da oficina, foi pedido para que, quem se sentisse à vontade, mostrasse o seu
trabalho de colagem e falasse um pouco sobre o que tinha feito. Pôde-se ouvir, então, algumas
exposições e histórias de quem se propusera a falar. Depois, houve um momento de
encerramento com música, sendo tocadas aquelas pedidas pelas(os) abrigadas(os).
Logo abaixo, tem-se duas imagens que representam o momento dessa experiência. Na
imagem 1, pode-se ver o momento em que estava acontecendo a colagem, com muitos materiais
à mesa. Foi formado um espaço grande, onde todo mundo (extensionistas, equipe da Residência
Multiprofissional e as(os) abrigadas(os)) estavam juntas(os) para realizar as colagens. Nesse
momento, todas(os) puderam conversar, trocar ideias e experiências, compartilhar materiais,
ajudar quem estava ao lado a procurar as ideias para a colagem, enfim. Foi um momento de

7
Todas as informações referentes ao abrigo foram retiradas de um documento oficial da Prefeitura Municipal de
Mossoró e do relato escrito no dia da ação no abrigo por uma das extensionistas do NUCAIS.
772

grande potência para a formação de vínculos e a criação de um espaço terapêutico. Na segunda


imagem, tem-se o resultado de algumas das colagens que foram realizadas.

Fotografia 1 - Registro da oficina de colagem no Abrigo Temporário para Pessoas em Situação de


Rua na cidade de Mossoró/RN

Fonte: acervo próprio

Fotografia 2 - Registro da oficina de colagem no Abrigo Temporário para Pessoas em Situação de


Rua na cidade de Mossoró/RN
773

Fonte: acervo próprio

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro ponto a ser considerado é a falta de bibliografia em relação à temática de


PSR articulada com a prática da Psicologia, visto que, historicamente, as graduações nessa área
têm preparado profissionais para atuarem de forma individual e patologizante em um
consultório privado. Todavia, é substancial destacar que, em contraponto, há um movimento
crescente pela reivindicação da elucidação de uma Psicologia que seja de acordo com a
realidade brasileira, com um embasamento teórico ético-político, bem como a intenção de
inventar práticas de cuidado a todas as populações, independente do lugar em que estejam.
Portanto, como foi bem elaborado durante o presente artigo, buscar na arte terapia uma
forma de proporcionar saúde mental é uma prática extremamente eficaz para o trabalho da(o)
psicóloga(o), principalmente em espaços coletivos. Logo, com o relato da experiência que foi
citado no trabalho, pode-se perceber que a problemática foi plenamente respondida, de forma
que os seus objetivos foram bem alcançados, já que o uso da colagem no Abrigo Temporário
para Pessoas em Situação de Rua despertou um momento de imersão subjetiva, espaço de fala
sobre as diversas narrativas de vida e coletividade, já que a atividade foi feita em grupo.
Ademais, traz-se como sugestão a amplitude da discussão sobre essa temática nas
graduações, bem como a criação de projetos de extensão que trabalhem nessa área, assim como
a publicação de mais pesquisas científicas, ampliando a disseminação de que é possível, sim,
realizar práticas novas de cuidado em saúde mental para todas as pessoas, em todos os lugares,
com uma base ética-política de um fazer que está ligado com a historicidade social brasileira.

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humano. Brasília, 2014.
774

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Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de
Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. DECRETO Nº 7.053 DE 23
DE DEZEMBRO DE 2009, Brasília, ano 2009, 23 dez. 2009. Disponível em:
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145, 2004.
776

A REPRESENTAÇÃO DRAMATÚRGICA NO CONTEXTO DE ADOÇÃO E SUA


INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

Yasmin Rayanne Franco Bezerra1


Roberta Caroliny Cruz2
Ana Laura Câmara Marques3
Juliana Alves Queiroz 4
Clenia Kéthylen da Silva Soares5

RESUMO

Este trabalho possui como principal objetivo analisar como a representação da adoção na
dramaturgia brasileira influencia as concepções do meio social acerca do tema. Para isso, foi
utilizado o método dedutivo junto à pesquisa documental e bibliográfica. Dessa forma, foram
selecionados filmes e novelas brasileiros que mencionam o processo de adoção e tiveram
destaque nacional e, em adição a isso, utilizamos o apoio de artigos científicos e livros sobre a
temática, a fim de subsidiar a construção deste trabalho e trazer discussões importantes, levando
em conta que a mídia e a televisão brasileira têm grande influência na vida dos brasileiros e na
forma como a informação chega a cada um. Por fim, o presente artigo possui ainda o intuito de
desmistificar preconceitos enraizados acerca do processo de adoção e esclarecer
desinformações comumente repassadas dentro do corpo social sobre esse tema, a partir da
apresentação das informações corretas e atualizadas sobre o processo adotivo no Brasil.
Palavras-chave: Adoção; Psicologia; Dramaturgia; Políticas; Família.

ABSTRACT

The main objective of this paper is to analyze how the representation of adoption in Brazilian
dramaturgy influences the conceptions on the social environment about this subject. With that
goal, the deductive method along with a documentary and qualitative research were used. In
this way, Brazilian movies and soap operas that mention the adoption process and were
highlighted nationwide were selected and, in addition to that, we used the support of scientific
articles and books on the subject, in order to support the construction of this work and bring
important discussions, considering that Brazilian media and television have a great influence
on the lives of Brazilians and on the way information reaches each one. Finally, the article also
aims to demystify rooted prejudices about the acquisition process and clarify misinformation
commonly spread within the social body on this theme, based on the presentation of correct and
updated information about the adoption process in Brazil.

1
Acadêmica do curso de psicologia. E-mail: yasmin.bezerra@aluno.catolicadorn.com.br
2
Acadêmica do curso de psicologia. E-mail: roberta.cruz@aluno.catolicadorn.com.br
3
Especialista em avaliação psicológica, e docente da FCRN. E-mail:
ana.marques@professor.catolicadorn.com.br
4
Acadêmica do curso de psicologia. E-mail: juliana.queiroz@aluno.catolicadorn.com.br
5
Acadêmica do curso de psicologia. E-mail: clenia.soares@aluno.catolicadorn.com.br
777

Keywords: Adoption; Psychology; Dramaturgy; Policies; Family.


1 INTRODUÇÃO

A Organização Mundial Saúde (OMS) coloca que o conceito de família não pode ser
limitado a laços de sangue, casamento, parceria sexual ou adoção. Família é o grupo cujas
relações são baseadas na confiança, suporte mútuo e um destino comum. Dessa maneira, por
meio do método utilizado, o trabalho pretende demonstrar a adoção como um ato de amor e de
direito a ter uma família, não devendo ser associado a uma solução de abandono.
Valério (2014) acredita na construção de significados sobre o que é a adoção, tendo isso
em vista, ela destaca uma tensão constante entre a cultura coletiva de construção de
significados, que envolve mitos e histórias sobre adoção que acabam atuando como guias e
reguladores, e a construção da cultura pessoal, onde o indivíduo constrói e reconstrói o
significado de adoção tendo que lidar com questões exteriores.
Há muitos aspectos que podem ser observados em famílias adotivas, Maux (2010) cita
que apesar da singularidade presente na experiência de cada família, características como
adoção e infertilidade, problemas de aprendizagem, além dos mitos e medos em relação a
revelar a adoção para o filho são percebidos com grande frequência em mães e pais adotivos.
Dentre as principais formas de adoção a serem apresentadas, estão: a adoção unilateral,
conjunta, de maiores e a brasileira. Além disso, iremos apresentar os diversos fatores que
envolvem o processo de adoção, como o psicológico, jurídico e ético, trazendo dados e
estatísticas acerca do tema, e suas diversas questões.
Este trabalho possui como principal objetivo analisar como a representação da adoção
na dramaturgia brasileira influencia as concepções do meio social acerca do tema. Para isso, foi
utilizado o método dedutivo e a pesquisa documental e bibliográfica, dessa forma, foram
selecionadas novelas brasileiras que possuem menção ao processo adotivo e tiveram destaque
em âmbito nacional e junto a isso utilizamos do apoio de artigos científicos e livros sobre o
assunto, com a finalidade de embasar a construção deste trabalho, a fim de trazer discussões de
importantes, levando em consideração que a mídia e a televisão brasileira tem grande influência
na vida dos brasileiros e na forma como a informação chega a cada um.
Por fim, o presente artigo possui ainda como intuito desmistificar preconceitos
enraizados acerca do processo de adoção e esclarecer desinformações comumente repassadas
778

dentro do corpo social sobre esse tema, a partir da apresentação das informações corretas e
atualizadas sobre o processo adotivo no Brasil.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O tema adoção é um assunto que, apesar de mais discutido atualmente do que há


algumas décadas, ainda não é amplamente conhecido e entendido. É fato que os modelos
familiares passaram por inúmeras mudanças nos últimos tempos, o que contribuiu para que o
tema da adoção passasse a ser mais abordado contemporaneamente. Logo, temas que eram tidos
como tabu até não muito tempo atrás, como, por exemplo, a adoção por casais homoafetivos e
a adoção monoparental, estão passando a ser mais discutidos e, consequentemente, mais aceitos,
aumentando o número de casais homoafetivos e de pessoas solteiras na fila de adoção. Contudo,
essa temática está longe de ser realmente compreendida pelo meio social, dessa maneira, serão
abordados os diferentes tipos de adoção, como a adoção legal, a adoção à brasileira, unilateral,
conjunta, monoparental, a adoção de maiores e o processo de entrega legal.
Para uma construção rica acerca do tema adoção é imprescindível um olhar
multidisciplinar, pois é um processo que abrange diversas áreas e toca em várias questões.
Assim, se faz importante entender melhor quais mudanças ocorreram com os modelos
familiares ao longo das últimas décadas e quais foram as razões que influenciaram essas
mudanças, uma vez que as modificações ocorridas no modo de constituir família influenciaram
e influenciam diretamente em diversos processos, sendo um deles a adoção. Desse modo, torna-
se fundamental fazer um resgate histórico voltando à Pré-história até as famílias matrilineares,
passando pelas famílias patriarcais extensas, as famílias patriarcais nucleares, até as diversas
formas atuais de se compor família.
Além disso, outro ponto importante a ser destacado é a força que os papéis sociais/de
gênero, impostos pela sociedade, exercem, modelando a visão e o entendimento do corpo social
acerca da adoção e da maternidade, influenciando até mesmo na representação dramatúrgica,
pois, como dito por Aristóteles, “a arte imita a vida”.

2.1 MUDANÇAS CONTEMPORÂNEAS NOS CONTEXTOS FAMILIARES


779

As primeiras famílias, datadas da Pré-História, eram coletivistas, nômades e


matrilineares, assim, as mulheres eram poligâmicas, o que dificultava a precisão da paternidade
e, consequentemente, os filhos só podiam ser herdeiros da mãe, mas, durante o período
Neolítico, com o desenvolvimento da manipulação de metais e da pecuária, o homem pôde
tornar-se sedentário, levando-o ao acúmulo de bens, dessa maneira, os papéis do homem e da
mulher foram invertidos, o homem tornou-se o chefe da família e a mulher passou a ser
monogâmica e os filhos passaram a ter direito a herança paterna, dando origem ao modelo
familiar denominado de família patriarcal (LOPES, et al,. 2018).
Ou seja, foi nesse contexto em que a mulher passou a ser vista como posse do marido,
perdendo a liberdade que possuía quando o modelo familiar era matrilinear. Assim o sistema
passou a ser patriarcal extenso, onde o pai, agora visto como chefe da família, comandava não
somente a mulher e os filhos, mas também todos aqueles que eram considerados parte da família
extensa, como os parentes, agregados, escravos e criados.
Saltando para o Brasil Colônia, nesse período o modelo familiar patriarcal ainda estava
em vigência, logo, era comum que nas famílias dos grandes colonos houvesse crianças
consideradas “filhos de criação”. Famílias pobres, muitas vezes que trabalhavam para essas
famílias mais ricas, entregavam as suas crianças para que elas fossem criadas pelos patrões e,
assim, quando a criança atingisse certa idade para ajudar nas tarefas ela trabalharia para a
família adotiva a fim de retribuir o “favor”. Essa situação era corriqueira, principalmente nos
interiores do país, e não possuía nenhuma fiscalização ou regulamentação. Desse modo, foi a
partir dessa cultura que o processo adotivo se moldou no Brasil, dando origem à adoção “à
brasileira”.

Segundo Weber (2001), a prática ilegal de registrar como filho uma criança nascida
de outra pessoa sem passar pelos trâmites legais, ou seja, o registro feito diretamente
em cartório, conhecida como adoção à brasileira, até os anos 80 do século XX,
constituía cerca de 90% das adoções realizadas no país.

Lopes (2018) acredita que, após o modelo de família patriarcal extensa as famílias
passaram a se organizar como família patriarcal nuclear, abrangendo somente pai, mãe e filhos
e não mais todos os parentes e empregados como acontecia na família patriarcal extensa.
Atualmente, os arranjos familiares já possuem outras diversas formas de organização. Diversos
fatores sociais influenciaram as mudanças ocorridas, nas últimas décadas, nos modelos
780

familiares, dentre as principais é possível destacar: a cultura e os avanços que a modernidade


traz acerca dos papéis sociais/de gênero que cada um de nós exerce.
Elisabeth Badinter, em seu livro “Um amor conquistado: o mito do amor materno”,
explica que o amor materno é apenas um sentimento como qualquer outro e que, portanto, não
está inscrito na natureza feminina, sendo algo que se adquire e que dessa forma também sofre
influência das evoluções sociais. Um grande exemplo são as amas de leite, no Brasil
escravocrata era costumeiro que as famílias pertencentes à aristocracia alugassem ou
colocassem as suas escravas lactantes para amamentar as crianças brancas. Esse costume foi
importado da aristocracia europeia e se popularizou em praticamente todos os países
escravistas. Na Europa, dos séculos XVII e XVIII, as crianças não só eram amamentadas pelas
amas, mas entregues a elas, só retornando para casa após os cinco anos completos (BADINTER,
1985).
Há poucas décadas, como já mencionado, muitas mulheres ainda não possuíam
liberdade para ter um trabalho formal, devendo ser devotas ao casamento e aos cuidados com a
casa e com os filhos, contudo, diante do julgamento social, tornou-se inadmissível que uma mãe
decidisse não amamentar o próprio filho, uma vez que a família moderna foi idealizada e
construída a partir do amor materno, sendo, portanto, inaceitável que uma mãe não molde
completamente a própria vida pelos filhos. No entanto, nos dias atuais, já é possível encontrar
diversas famílias monoparentais, em que a mãe é a única provedora, tornando-se comum que a
mãe trabalhe fora e os cuidados sejam transferidos para outra pessoa, da família ou não, durante
esse período do dia.
Ainda em se tratando da atualidade, as mudanças vigentes nos modelos familiares e o
crescente aumento do número de países legalizando o casamento entre casais homoafetivos, faz
com que o processo de adoção passe a ganhar cada vez mais espaço nesse meio, uma vez que a
legalização do casamento abre precedentes que viabiliza a adoção por esses casais, logo
aumentando o número de casais LGBTQIA+ interessados em adotar.
Na dramaturgia a representatividade da adoção por casais homoafetivos ainda
representa uma mínima parcela, mas temos como exemplo a novela a novela Amor à Vida,
escrita por Walcyr Carrasco e exibida em rede nacional durante os anos de 2013 e 2014, a trama
mostra o casal Eron e Niko construindo uma família através do processo da barriga solidária,
que apesar de não existir uma legislação específica para esse processo, no Brasil, existem
resoluções que a regulamentam, já o segundo filho do casal chega até a família por meio da
781

adoção legal. Assim como a barriga solidária, não existe uma lei que regulamente o casamento
homoafetivo, mas, em 2011, o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a união estável
entre esses casais. A novela abordou, em horário nobre da rede nacional, assuntos que ainda
são considerados tabus no meio social, impulsionando a discussão sobre o tema ao apresentar
o assunto a um grande número de telespectadores.

2.2 ASPECTOS LEGAIS SOBRE A ADOÇÃO NO BRASIL

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) regulamentou a prática de adoção no


país. As últimas mudanças ocorreram no ano de 2009, e gerou a lei 12.010/09, chamada de
Nova Lei da Adoção, essa lei coloca como prioridade a garantia dos direitos básicos à criança
e ao adolescente, dentre esses direitos está incluso a convivência familiar. Além disso, o ECA
prevê dois tipos de adoção: a adoção unilateral e a adoção conjunta, também conhecida como
bilateral.
A adoção unilateral, dá-se quando uma só pessoa é acrescida como pai ou mãe no
registro da criança ou adolescente, geralmente quando o padrasto ou a madrasta adotam o
filho(a) do cônjuge ou companheiro(a), pois, apesar de se chamar unilateral, não consiste na
adoção por parte de pessoas solteiras, pois a parte está adotando uma criança ou adolescente
que possui um vínculo consanguíneo e, portanto, deve comprovar casamento ou união estável
com o pai ou mãe biológico do adotando. Já a adoção conjunta ou bilateral é realizada por duas
pessoas quando não há mais vínculo do adotando com a família biológica, para que a adoção
conjunta aconteça os adotantes precisam necessariamente ser casados ou comprovarem união
estável.
Apesar de tanto a adoção unilateral quanto a adoção conjunta serem voltadas para
pessoas casadas ou em união estável, o ECA, em seu art. 42, prevê que pessoas desvinculadas
de outra, ou seja, pessoas solteiras, também podem adotar, desde que sejam maiores de 18 anos,
nesse caso a adoção é nomeada de adoção monoparental.
Seja qual for o tipo de adoção, quando o adotando é maior de 18 anos a adoção também
pode ser chamada de adoção de maiores, nesse caso, para que essa adoção aconteça é preciso
que o adotado já esteja anteriormente sob guarda ou tutela do(s) adotante(s). A “adoção” afetiva,
popularmente conhecida como adoção à brasileira, decorre-se do reconhecimento de um
782

filho(a) alheio como sendo seu, o ECA não reconhece esse tipo de vínculo e a adoção à
brasileira constitui crime.
Em se tratando de um contexto brasileiro, os dois tipos de adoção mais discutidos, são:
a adoção à brasileira e a adoção por meios legais. A adoção à brasileira, como já mencionado,
é quando uma pessoa, seja ela membro da família ou não (considerado família extensa), “pega
para criar” sem envolver meios jurídicos. De acordo com o guia de adoção Instituto Geração
Amanhã (2020), parentes de linha direta (avós e irmãos) não são autorizados a adotar uma
criança, apenas podem pedir a concessão da guarda.
Contudo, atualmente, além da continuidade da adoção à brasileira, que tornou-se tão
comum ao ponto de muitas pessoas não possuírem conhecimento acerca da sua ilegalidade ou
de como funciona ou como recorrer a um processo legal de adoção, também é muito enraizada
a visão de que casais só devem buscar adotar caso não consigam ter filhos biológicos, pois a
primeira vez que a adoção apareceu em nossa legislação foi em 1828, e tinha como função
solucionar o problema dos casais sem filhos (PAIVA, 2004). Assim, a adoção passou a ser vista
culturalmente como uma segunda opção, ou até mesmo terceira em casos que a fertilização in
vitro também não pode ser considerada. Logo, a construção social brasileira contribuiu e
contribui fortemente para a popularização da adoção “à brasileira”.
Um exemplo da dramaturgia brasileira que representa bem essa situação, é a novela “A
Vida da Gente'', escrita por Lícia Manzo, exibida na televisão pela primeira vez no ano de 2011.
A protagonista Ana Fonseca, logo após ter a sua filha, sofre um acidente de carro e passa anos
em coma, assim, sua irmã Manuela passa a cuidar da sobrinha como se fosse mãe dela, levando
a criança a acreditar que a sua tia é na verdade a sua mãe, e assim causando conflitos nas
concepções de relação familiar da criança.
Esse tipo de prática ainda é muito comum em algumas regiões do país, pois já é um
costume naturalizado na nossa cultura, e que por falta de conhecimento e regulamentação das
leis sobre adoção, ainda vem sendo reproduzido. Como em situações em que algum familiar
tenha mais condições financeiras e psicológicas de cuidar de uma criança, do que os próprios
pais. Tendo como exemplo, casos de gravidez na adolescência, ou de pessoas em situação de
vulnerabilidade social, mesmo que o ECA assegure que “a falta ou carência de recursos
materiais não constitui motivo para a perda ou a suspensão do pátrio poder familiar”.
Ampliar a imagem social sobre a adoção, possibilitando uma desmistificação de ideias
enraizadas somente acontecerá quando o assunto deixar de ser preocupação somente
das famílias por adoção e de alguns profissionais que trabalham com a temática, e
passar a se constituir em interesse da sociedade geral. (MAUX, 2010, p. 356)
783

O processo de adoção legal é muito bem retratado na novela Amor de mãe, escrita pela
autora Manuela Dias, seu primeiro episódio foi exibido no ano de 2019. A personagem Vitória
Amorim tem o sonho de ser mãe, porém ela acabou perdendo 2 filhos durante a gestação e
resolveu entrar com o processo de adoção de Tiago, um menino de 7 anos, e apesar dos
problemas que surgiram ela conseguiu adotá-lo de forma legal.
Apesar da ampla representatividade na televisão brasileira, a adoção nem sempre é
retratada a partir do seu processo legal, como no exemplo da novela Amor de mãe, assim a
adoção está tornando-se um tema mais discutido, mas não legalmente conhecido, pois, por
exemplo, as diversas representações, trazidas pela dramaturgia, de adoções “à brasileira” faz
com que muitas pessoas ainda desconheçam a sua ilegalidade. Ou seja, embora o brasileiro
esteja há décadas rodeado por novelas e filmes que tratam acerca da adoção no país, a maior
parte dessas produções artísticas focam no drama e no enredo da história, muitas vezes
exagerando a realidade ou apresentando formas ilegais do processo.
O procedimento para adoção de uma criança com Síndrome de Down ou outra
deficiência é o mesmo que o de crianças típicas, se fazendo até mais rápido pela menor
demanda. A representação desse tipo adotivo se fez presente na exibição da novela “Páginas de
Vida”, em 2006, escrita por Manoel Carlos. A trama apresenta uma criança com Síndrome de
Down que acaba perdendo a mãe ao nascer e sendo rejeitada pela avó, que alegava não ter
condições de criá-la. “Clarinha” interpretada por Joana Mocarzel na novela, acaba sendo
adotada de forma legal pela médica Helena, vivida por Regina Duarte. A dramaturgia abordou
temáticas importantes, como a adoção de crianças atípicas, o preconceito presente na sociedade
e na própria família, assim como oportunidade inclusiva.
Cada uma das novelas nacionais que tratam acerca do processo de adoção no Brasil
apresenta ao telespectador uma trama diferente que gira em torno desse processo, assim como
meios e formas diferentes de adoção. Vieira (2019) escreveu uma matéria dentre as novelas
mais conhecidas que são:
AMOR DE MÃE - A novela trata a história de Lourdes, uma mulher nordestina que
enfrenta grandes dificuldades financeiras para manter seus filhos. Ela descobre que seu marido
vendeu o seu filho, então o mata e foge. No caminho ela encontra uma recém nascida dentro de
um cesto, então ela decide adotá-la. Em contraponto a essa história, a novela nos mostra o outro
lado, pois conta a história de Thelma, que perdeu o filho biológico em um incêndio, e em uma
784

medida desesperada para ter outro filho, acaba comprando o filho de Lurdes, que cresce sendo
enganado por Thelma. A dramaturgia traz debates acerca da descoberta da adoção, além de
abordar importantes temáticas que podem gerar discussões muito ricas, como a adoção à
brasileira, realizada por Lourdes, criticando o quão comum é de acontecer no nosso país, e leva
a considerar a desigualdade socioeconômica em que o país se encontra, já que o pai precisou
vender o próprio filho para poder pagar as dívidas.
A VIDA DA GENTE - A novela se inicia com um acordo entre Ana, que engravidou
de forma não planejada e não tinha desejo de ser mãe naquele momento, e Eva, mãe de Ana,
que também não apoiou a ideia da filha ser mãe tão jovem, pois ela desperdiçaria a sua carreira
de tenista que estava em ascensão, dessa forma, Eva entra em contato com uma rede clandestina
de adoção e é a partir desse contato que acorda-se que após o nascimento a criança será entregue
a Verônica para que ela adote a recém nascida de forma ilegal. Contudo, após ouvir o choro da
bebê e amamentá-la pela primeira vez, Ana desiste de entregar a filha para a adoção.
A novela em questão acaba abordando questões psicológicas, como, por exemplo, o fato
de que muitas vezes, a adoção acaba sendo o único meio legal para uma mulher que não pode,
ou não quer manter um filho, pois apesar de Ana ter de início concordado com a entrega da
filha por meio de uma adoção ilegal, o ECA, em 2017, incluiu a Lei da Entrega Voluntária que
assegura que mães ou casais que por alguma razão não podem ou não desejam manter a criança
possuem a opção de fazer a entrega voluntária logo após o nascimento, dessa maneira, Ana
poderia ter procurado maneiras legais para realizar a entrega da filha.
Além disso, é abordado o sofrimento psicológico de manter uma gravidez indesejada, e
o arrependimento de última hora de Ana, que apesar de ter um acordo com Eva e Verônica, não
conseguiu prosseguir com a adoção, mostrando o direito de arrependimento na entrega, o ECA
prevê que a mãe possui até 10 dias para manifestar arrependimento após a entrega legal, passado
esse prazo a mãe ou o casal que realizou a entrega não pode mais ter contato com a criança. A
novela também aborda o outro lado, mostrando o sofrimento psicológico de Verônica, que se
preparou durante toda a gestação da criança para tê-la como filha e, de último momento, teve
seus sentimentos frustrados, pois, devido à falta de legalidade do acordo feito com Ana, não
pode fazer nada além de aceitar a vontade da mãe biológica.
CHIQUITITAS - É uma telenovela infantil de grande sucesso, possui versões em vários
países. O Brasil possui duas versões da novela, a mais recente foi transmitida no ano de 2013 e
assim como nas versões anteriores conta a história de um grupo de crianças órfãs que convivem
785

em um “orfanato” e juntos formam a própria família. A novela levanta questões como


desenvolvimento infantil, conceito de família, conflitos familiares e, principalmente, adoção
em diversos contextos.
Contudo, mesmo na sua versão mais recente, a novela continua adotando o termo
“orfanato” para se referir a instituição de acolhimento das crianças apresentadas na trama, no
contexto atual tal termo não faz mais sentido, o ECA afirma a medida de acolhimento como
uma opção que só deve ser adotado em última instância e que deve durar o menor tempo
possível, tendo a sua situação no programa de acolhimento reavaliada, no máximo, a cada 3
(três) meses e não se prolongando por mais de 18 (dezoito) meses, uma vez que o ECA defende
que crianças e adolescentes necessitam estar em família e na comunidade para um melhor
desenvolvimento. As modalidades de acolhimento garantidas pelo ECA são as casas lares, que
podem acolher até 10 crianças e adolescentes de forma simultânea, os abrigos institucionais,
que podem acolher até 20 crianças de adolescentes, e as famílias acolhedoras, que exercem o
papel de cuidador temporário (INSTITUTO FAZENDO HISTÓRIA, 2017).
Além disso, a novela peca ao romantizar a vida em um abrigo institucional para crianças
que ainda não foram adotadas, pois por se tratar de uma novela voltada para o público infantil,
ela acaba suavizando grande parte dos problemas que crianças em situação de vulnerabilidade
enfrentam. E devido a visão que nós telespectadores temos da realidade, principalmente da
grande dificuldade que uma criança acima de 5 anos tem de ser adotada, a dramaturgia acaba
deixando de abordar as questões legais e psicológicas que essas crianças enfrentam, e
principalmente o sofrimento de um adolescente que chega na idade adulta e não pode mais ser
acolhido, possivelmente acabando nas ruas ou em situações de risco.
PÁGINAS DA VIDA - Essa produção narra a história de gêmeos, Clara e Francisco,
que são separados ao nascer. A mãe dos gêmeos faleceu durante o parto, deixando os recém-
nascidos sob guarda da avó, mas Clara nasceu com síndrome de Down e por essa razão a avó
rejeita a menina que é, então, adotada por Helena. A novela aborda um tema importante, que é
a separação de irmãos durante o processo adotivo, Medeiros (2020) realizou uma pesquisa com
profissionais de psicologia e assistência social, relacionado ao tema da separação de irmãos
durante o processo adotivo. Nessa pesquisa, os profissionais se mostraram contra essa
separação, levando em consideração o vínculo afetivo e fraterno, um dos entrevistados acredita
que
Quando existe vínculo fraternal, afetivo, é positivo de todas as formas, é muito bom,
porque é o cuidado, é o zelo, é importante para sua formação pessoal, emocional, sua
786

autoestima, sua segurança, para a construção da sua personalidade, então é importante


para qualquer ser ter vínculo com alguém. (MEDEIROS, 2020)

Tendo isso em vista é possível considerar a importância do vínculo fraterno durante o


processo adotivo, pois pode ser um facilitador para a adaptação das crianças ou adolescentes
que estão sendo adotados.
Outra temática abordada pela novela é o processo de adoção de crianças atípicas, um
assunto pouco discutido, porém de grande importância. De acordo com dados do Sistema
Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), de 2019 aos dias de hoje 12.002 crianças foram
adotadas, apesar disso, apenas 258 crianças que possuem alguma deficiência (física, ou
intelectual) foram adotadas.
Tendo em vista os dados citados acima, é possível ver que crianças atípicas não são
“preferência” na fila de adoção, Lima (2021) acredita que a adoção de crianças atípicas é muito
baixa em relação ao número de pretendentes a adotar no país. Apesar disso, a adoção dessas
crianças deveria ocorrer com mais frequência, pois ainda são pessoas dignas de amor e um lar
feliz e saudável.
MALHAÇÃO: VIDAS BRASILEIRAS – Nesta temporada de Malhação a trama gira
em torno de diversos assuntos, sendo um deles a adoção. Carlos, apelidado de Garoto, é um
adolescente pobre e marginalizado, apaixonado pela música, ele perdeu a mãe quando mais
novo e passou a conviver apenas com o pai alcoólatra, que o agredia fisicamente, a fim de fugir
do pai o menino decide ir morar nas ruas. Enquanto estava em situação de rua, Garoto conhece
Gabi, uma professora que se solidariza com a história do menino e decide ajudá-lo a ingressar
na escola, é também através de Gabi que Garoto conhece Tito, neto do seu Heitor, professor de
música. Tito convida Garoto para ter aulas de música com o seu avô, assim, Garoto passa a
conviver com Tito e Heitor, encantando ambos, desse modo, mais tarde, Heitor decide adotar
Garoto. Contudo, Aloísio, o pai biológico de Garoto reaparece e, para que Heitor possa adotá-
lo, Garoto exige a Aloisio que ele abra mão da sua guarda e entregue para Heitor, Aloísio
concorda com medo de que Garoto o denuncie pelas agressões. Assim, Garoto é adotado por
Heitor de forma direta, sem passar pelos trâmites legais.
Apesar de tocar em um assunto que precisa ser mais discutido e conhecido, como a
adoção tardia - termo utilizado quando o adotando possui mais de três anos - a temporada
suaviza a discussão acerca da adoção direta, pecando ao não evidenciar que essa forma de
adoção não é o aconselhado, uma vez que a adoção legal garante a proteção de todas as partes
787

envolvidas, pois ao passar pelo Sistema Nacional de Adoção, dá-se a garantia de que o adotante
é agora pai ou mãe da criança ou adolescente, enquanto a adoção direta garante apenas a guarda
provisória. Um exemplo real dessa situação é o caso de Carol Nakamura. Carol era a guardiã
do menino Wallace, de 11 anos, mas após dois anos de convívio o menino retornou a morar
com a mãe biológica, o caso ganhou grande repercussão midiática, principalmente, após a
professora e doutora Carolina Pinho levantar a discussão sobre o título de mãe adotiva dado a
Carol (DESTAQUES PSICOLOGIAS DO BRASIL, 2022).

O que a Carol Nakamura fez não é adoção. Ela não era mãe adotiva da criança. Pegar
criança de uma família pobre não é adoção. Espero que fique a lição: mães pobres têm
direito a maternar, portanto, não peguem filhos dos outros para ‘ajudar’. Usem o
trâmite legal e evitem transtornos (DESTAQUES PSICOLOGIAS DO BRASIL,
2022).

Assim, a professora e doutora continuou a discussão defendendo que é irresponsável


afirmar que Wallace era filho adotivo de Carol e mesmo assim foi devolvido para os cuidados
da mãe biológica, pois tal afirmação perpétua uma insegurança acerca da adoção, sensação que
ainda é muito presente no meio social quando pensado no processo de adotar, descredibilizado
toda a luta e o movimento da adoção legal e segura (DESTAQUES PSICOLOGIAS DO
BRASIL, 2022).
AMOR À VIDA – Este roteiro apresenta o ainda polêmico tema da adoção por casais
homoafetivos. Eron e Niko são um casal gay que pedem a ajuda de Amarilys para que possam
ter um filho, ela aceita e se torna a barriga solidária do casal. Assim, além da adoção por casais
homoafetivos, a trama também aborda outro assunto que levanta debate, a barriga solidária,
conhecida popularmente como barriga de aluguel. Desse modo, a novela possui um grande
mérito em trazer um assunto que infelizmente ainda é um tabu na nossa realidade, que é a
adoção de casais homoafetivos, abordando o assunto no horário nobre de uma emissora popular.
A dramaturgia explora as dificuldades e preconceitos que casais homoafetivos ainda enfrentam
quando querem começar uma família, e aborda bem as possibilidades de adotar, trazendo mais
informações acerca dos processos de adoção, e principalmente trazendo o assunto da “barriga
solidária”, que é uma prática mais popular fora do Brasil, e que possui inúmeras condições para
que seja feita de forma legal e segura para ambas as partes envolvidas no processo.
SALVE JORGE – Nesta trama o assunto adoção é retratado a partir do tráfico humano,
a personagem Berna compra um bebê e anos mais tarde descobre que não foi um caso isolado,
mas sim que acabou contribuindo para um grande esquema de tráfico humano. A novela ainda
788

aborda o interesse e a busca pela origem, quando a criança vítima do tráfico cresce e passa a
investigar o próprio passado.
“Na década de 80 várias crianças de Santa Catarina e do Paraná foram traficadas para a
Europa, Estados Unidos e principalmente para Israel. Após alguns anos essas crianças
cresceram e estão em busca de suas famílias biológicas” (SILVA¹ E SILVA², 2017, p. 35).
A adoção ilegal de crianças e adolescentes a partir do tráfico humano apresentado na
presente dramaturgia retrata uma realidade brasileira pouco discutida, a partir da falsificação
de documentos, disfarce dos traficantes como sendo assistentes sociais e promessas à família
biológica, todo o trâmite adotivo é facilitado, tornando a família adotiva e as crianças vítimas
desse crime. O Brasil não possui número exato de crianças e adolescentes traficados com o
intuito adotivo, os números são registrados de acordo com as denúncias das vítimas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das obras e pesquisas analisadas acerca dos processos de adoção no Brasil,
concluímos que as dramaturgias brasileiras possuem uma grande influência no conhecimento
popular sobre o processo de adoção. Mas devido ao lado fantasioso de como as obras são
apresentadas, elas acabam muitas vezes ignorando as partes legais dos processos da adoção, e
principalmente os problemas burocráticos que o sistema brasileiro de adoção enfrenta.
Assim, é importante destacar que apesar da representatividade que esses programas de
televisão trazem para esse tema, abrindo portas para discussões bastante relevantes, ainda sim,
acontecem de serem repassadas informações equivocadas para a população, devido a
romantização novelesca do tema, e a falta de informação legal acerca da temática.
Portanto, após analisarmos as literaturas acerca do assunto, chegamos a conclusão de
que o tema abordado no seguinte artigo, precisa ser abordado com mais frequência e de forma
crítica, para que a população possa ter acesso a informações corretas. Apesar das dramaturgias
brasileiras fazerem um ótimo trabalho trazendo visibilidade para o tema, a adoção precisa ser
retratada de forma séria, tanto em meios de comunicação, como em estudos. Fazendo assim,
com que a temática ganhe uma maior visibilidade e reconhecimento, facilitando o acesso a essa
informação, para que assim, a adoção se torne algo mais acessível à comunidade.

REFERÊNCIAS
789

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Adoção. Brasília 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-
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791

ACOLHENDO A DOR INVISIBILIZADA: a atuação do Psicólogo em casos de óbito


fetal

Yasmin Falcão Bezerra1


Genilda Maria Sousa2
Camila Tuane de Medeiros3
Débora Silva de Oliveira Nunes4
Daniella Cristina de Sá Carneiro Costa Linhares5

RESUMO

Diante da possibilidade de intervenções psicológicas em um contexto de óbitos e elaboração do


luto, faz-se necessário compreender como se dá a atuação do psicólogo em casos de óbito fetal,
sendo esse o objetivo do presente estudo, cujo método está baseado na pesquisa qualitativa,
através da revisão de literatura. Os resultados desta pesquisa foram agrupados em três grupos,
quais sejam, Aspectos emocionais da gestação, Óbito fetal e luto perinatal, e Atuação da
Psicologia diante do óbito fetal. Nesses aspectos, torna-se necessário reconhecer o processo de
perda gestacional enquanto algo singular e individual, e que é esperada alguma fragilidade física
e emocional de mulheres nestas condições. Nesse contexto, o psicólogo se insere de maneira a
fornecer suporte aos pacientes e seus familiares, bem como na sensibilização da equipe que atua
diretamente com essa demanda. A partir do levantamento bibliográfico construído, com
referências dos últimos 10 anos, é possível observar que não existem muitos materiais que
direcionam a atuação do psicólogo nas situações de perdas gestacionais. É evidente o destaque
que os autores vem dando ao impacto emocional do luto, no entanto, sem grandes contribuições
para as possibilidades de intervenções psicológicas, sendo necessário, assim, a constante leitura
e síntese dos materiais já existentes, para reflexão e construção de novas publicações que
possam sugerir atividades ou mesmo divulgar as diversas formas e momentos oportunos para a
atuação do profissional de Psicologia diante dessa perda invisibilizada.
Palavras-chave: Óbito fetal; Luto perinatal; Psicologia.

ABSTRACT

Given the possibility of psychological interventions in a context of death and mourning, it is


necessary to understand how the psychologist works in cases of fetal death, which is the
objective of the present study, whose method is based on qualitative research, through literature
review. The results of this research were grouped into three groups, namely, Emotional aspects
of pregnancy, Fetal death and perinatal mourning, and Psychology performance in the face of
fetal death. In these aspects, it is necessary to recognize the process of pregnancy loss as
something unique and individual, and that some physical and emotional fragility of women in
1
Psicóloga residente em Saúde Materno-Infantil (UFRN/HUAB). E-mail: yasminfalc@gmail.com
2
Psicóloga residente em Saúde Materno-Infantil (UFRN/HUAB). E-mail: gesousa22@gmail.com
3
Psicóloga residente em Saúde Materno-Infantil (UFRN/HUAB). E-mail: camilatuane.neuro@gmail.com
4
Psicóloga hospitalar no Hospital Universitário Ana Bezerra (EBSERH/UFRN). Especialista em Terapia
Cognitivo Comportamental (UFRN). E-mail: psic.debora@gmail.com
5
Psicóloga hospitalar no Hospital Universitário Ana Bezerra (EBSERH/UFRN). Especialista em Psicologia da
Saúde: desenvolvimento e hospitalização (UFRN). E-mail: daniella.linhares@ebserh.gov.br
792

these conditions is expected. In this context, the psychologist is inserted in order to provide
support to patients and their families, as well as to raise awareness of the team that works
directly with this demand. From the bibliographic survey built, with references from the last 10
years, it is possible to observe that there are many materials that guide the psychologist's
performance in situations of pregnancy loss. The emphasis that the authors have been giving to
the emotional impact of grief is evident, however, without major contributions to the
possibilities of psychological interventions, thus requiring the constant reading and synthesis
of existing materials, for reflection and construction of new publications. that may suggest
activities or even publicize the different forms and opportune moments for the performance of
the Psychology professional in the face of this invisible loss.
Keywords: Fetal death; Perinatal grief; Psychology.

1 INTRODUÇÃO

No imaginário social, a maternidade é uma fase da vida atravessada por alegrias,


começos e concepções relacionadas à vida. No entanto, existem intercorrências que podem se
opor a essa ideia, esses eventos ocorrem mais frequentemente do que o esperado e revelam uma
dificuldade social de enfrentamento e elaboração do luto (MUZA et al., 2013). Considerado o
exposto, o presente estudo se desenrolará nessa perspectiva.
Inicialmente, é possível apontar que entre os autores da temática ainda não há um
consenso sobre a definição de óbito fetal (OF). Para a Organização Mundial da Saúde (OMS)
a morte fetal é definida como aquela que ocorre antes da completa expulsão ou extração do feto,
independentemente da idade gestacional (BRASIL, 2011). Outros pesquisadores do tema, por
sua vez, consideram a morte fetal apenas em períodos avançados da gestação – a partir de 22
semanas, e utilizam ainda o critério do peso, qual seja, acima de 500 gramas (RIPSA, 2008).
Ademais, existem também outras linhagens teóricas que estabelecem a idade gestacional
como critério para definir o óbito fetal a partir de uma subdivisão e classificação. Isso acontece
de acordo com a seguinte organização, até a 20ª semana o OF é considerado precoce, entre a
20ª e a 27ª semana utiliza-se o termo óbito intermediário; e a partir da 28ª semana o OF será
denominado de óbito tardio (TORLONI, 2007).
Ao levar em consideração a definição supracitada da OMS, existe na literatura possíveis
aspectos apontados como motivacionais para a ocorrência do óbito fetal, dentre eles, a presença
de alterações cromossômicas, malformações diversas e infecções congênitas, bem como, causas
placentárias, incluindo descolamento, hemorragia feto-maternal e insuficiência placentária
crônica. Além disso, alguns cenários maternos também podem vir a ter relação com a ocorrência
793

do OF, como quadro de hipertensão arterial na gestação, diabetes gestacional, sífilis e


anticorpos antifosfolípidos (TORLONI, 2007).
A Portaria nº 72 do Ministério da Saúde, de 11 de janeiro de 2010, instituiu a
obrigatoriedade da vigilância do óbito fetal nos serviços que integram o Sistema Único de Saúde
(SUS), nos casos em que o feto tenha 500g ou mais, meça 25cm ou mais, ou a gestante se
encontre a partir da 22ª semana de gestação, com o preenchimento adequado da ficha de
notificação a partir das informações disponibilizadas na declaração de óbito (DO), entretanto,
estima-se que 60% dos casos de OF no Brasil possuem causas inexplicáveis (MENEZZI et al.,
2016).
Essa falha no acompanhamento dos casos de OF no país pode impactar os estudos
investigativos acerca da epidemiologia desse cenário. Posto isso, a lacuna na explicação do que
pode ter resultado na morte do feto produz quadros de ansiedade, dúvidas e culpa na mãe, que
comumente fica se questionando sobre as causas do óbito, o que fez para perder seu bebê ou se
há algo errado com o seu corpo para que isso tenha ocorrido.
“A morte de um feto é a morte de um sonho” (TORLONI, 2007, p. 297). Nesse cenário
de perda, dúvidas, ansiedade e luto, a Psicologia exerce um papel de suporte emocional à
família, contribuindo para a validação de sentimentos que emergem diante desse contexto,
favorecendo o reconhecimento, por parte da mãe e/ou de ambos os genitores e de suas famílias,
da perda fetal e a compreensão da existência real do bebê imaginário.
Primeiramente, ao levar em consideração a possibilidade de atuação da Psicologia, é
importante apontar que a Psicologia hospitalar é uma especialidade reconhecida pelo Conselho
Federal de Psicologia no Brasil. Esse profissional pode atuar nas instituições de saúde como
parte da equipe existente, lidando com as diversas demandas que surgem. Um segundo fato que
deve ser observado e mencionado é a prevalência dos casos de óbito fetal nos hospitais
maternidade, situação que deve ser trabalhada de forma cuidadosa, a fim de prevenir
complicações de saúde mental nos envolvidos (CAMARGO, 2021).
Nesse sentido, diante da possibilidade de intervenções psicológicas em um contexto de
óbitos e elaboração de luto, é necessário articular os saberes existentes relacionados ao óbito
fetal, luto e atuação da Psicologia diante esses casos no cenário hospitalar. Para então,
compreender como se dá a atuação do psicólogo em casos de óbito fetal, sendo esse o objetivo
do presente estudo, reconhecendo o valor do trabalho desse profissional nesse momento
singular e sensível da vida.
794

2 METODOLOGIA

Os autores Carvalho et al. (2019) alegam que as pesquisas possuem em comum a busca
pelo conhecimento. Assim, afirmam ainda que o ato de pesquisa pode acontecer em diferentes
espaços e por variadas pessoas, por isso é fundamental que seja exposto os métodos e
procedimentos utilizados no trabalho, tendo em vista uma melhor compreensão acerca do
percurso seguido no desenvolvimento do estudo.
Sendo assim, esse trabalho tem como base uma revisão de literatura, realizada através
de leituras e resumos. Partindo desse ponto, desenvolve-se uma pesquisa qualitativa, que não
requer o uso de técnicas e dados estatísticos, mas possui no ambiente pesquisado o instrumento-
chave, onde os processos vivenciados e seus significados são o foco (KUARK, MANHÃES,
MEDEIROS, 2010). De acordo com Diehl (2004), esse tipo de pesquisa possibilita um
entendimento variado das particularidades e características de determinados grupos ao qual se
propõe investigar. Sendo então, o tipo de pesquisa pertinente para o estudo realizado. Os dados
coletados foram interpretados e unificados para a compreensão da temática estudada.
Para além disso, orientando-se na proposta de Gil (2008) a modalidade de pesquisa aqui
utilizada foi desenvolvida a partir de materiais já elaborados, como livros e artigos científicos,
procedimento técnico conhecido como pesquisa bibliográfica. Isso posto, as buscas ocorreram
utilizando as palavras chaves “óbito fetal” e “luto perinatal'', bem como uso do operador lógico
na intersecção “Psicologia AND óbito fetal”, a fim de obter o conjunto dos documentos que
contêm os termos usados.
Por fim, determinamos o filtro temporal nas buscas por materiais, selecionando os
artigos e documentos publicados nos últimos dez anos, entre 2012 e 2022. Foram utilizadas
obras que ultrapassam essa referência, dado o valor histórico para as produções na área
pesquisada e lacuna de materiais publicados. No que diz respeito aos critérios de inclusão,
foram observados os temas e objetivos dos trabalhos, sobre os critérios de exclusão,
desconsiderou-se aqueles que estavam em língua estrangeira e não tinham relação entre as
palavras chaves. As buscas supracitadas ocorreram nas bases de dados SciELO - Scientific
Electronic Library Online, PePSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia e OasisBR.
Após reflexões e análises acerca da realidade exposta, foi possível perceber a
necessidade em desenvolver conhecimentos na área, com intuito de qualificar a atuação do
795

profissional de Psicologia frente os casos de óbito intrauterino e no enfrentamento do luto


perinatal, visto que existe uma escassez de materiais nessa área, especialmente no que diz
respeito as estratégias possíveis de atuação para auxiliar na elaboração do luto nesse cenário.
Dessa forma, será articulado saberes teóricos e práticos, contribuindo assim para a comunidade
acadêmica e social, que são favorecidas pela assistência de qualidade e atenção especializada
no ambiente hospitalar.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A gestação é uma etapa complexa na vida da mulher, constituindo-se como um momento
de transição, período de crise que envolve intensas transformações hormonais, físicas,
emocionais, psicológicas, socioeconômicas, familiares e sociais. Nessa circunstância a mulher
pode se deparar com situações que geram tensão e desequilíbrio, mas com a possibilidade de
também solucionar conflitos psíquicos, amadurecimento e expansão da personalidade
(MALDONADO, 2005).
A maneira como as mudanças ocorridas na gestação serão vivenciadas pela mulher
possui influência de diversos fatores como: se foi planejada ou não, se é desejada, se ocorreu
dentro ou fora de um vínculo estável de relacionamento, a qualidade do relacionamento
conjugal; as características da personalidade dos pais, história de vínculos afetivos com as
famílias de origem, relação da mãe com a gravidez, se foi originada após um episódio de aborto,
se é uma gestação normal ou de risco, as condições socioeconômicas da família, existência ou
não de rede de apoio (BORTOLETTI, 2007)
Maria Tereza Maldonado (2005) costuma abordar a gestação através da separação em
três trimestres: primeiro, segundo e terceiro. Nessa divisão são abordados aspectos comuns de
cada período, mas a autora faz uma ressalva de que nem todos os elementos apontados em cada
fase são vivenciados por todas as mulheres, e a intensidade em que são percebidos varia
significativamente.
O primeiro trimestre é, em geral, o que marca a descoberta da gestação, e independente
de ter sido planejada ou não, nessa etapa é comum a percepção do sentimento de ambivalência,
relacionada a simultaneidade de aceitação e rejeição da gravidez. Para Maldonado (2005), não
existe uma gestação totalmente aceita ou totalmente rejeitada, podendo surgir ao mesmo tempo
sentimentos de alegria, raiva, amor, apreensão, ansiedade, prazer, medo, insegurança e
realização.
796

As alterações corporais nos primeiros três meses ainda são discretas e é comum a mulher
não se sentir grávida, mesmo após a confirmação clínica. Nesta fase, iniciam-se sintomas de
náuseas, vômito, hipersonia, aversão, aumento do apetite e oscilações de humor, esse quadro
pode trazer incômodos e aumentar significativamente os níveis de ansiedade na gestante,
justificando então os sentimentos ambivalentes em relação a descoberta da gestação. É nesse
período também que há um maior risco de ocorrência de abortos espontâneos em decorrência
de problemas no desenvolvimento fetal, desencadeando a presença de um luto perinatal
(MALDONADO, 2005; COLMAN e COLMAN, 1994).
Já o segundo trimestre é caracterizado por um momento de diferenciação, de modo que
o feto passa a ser visto como um ser autônomo distinto do corpo da mãe, período importante na
formação do vínculo mãe-bebê e família. Essa é a fase mais estável, sob o ponto de vista
emocional, de acordo com Maldonado (2005) a possibilidade de enxergar o bebê através do
ultrassom, bem como a percepção dos movimentos fetais, possuem importante papel na
construção do vínculo entre a família e a criança, favorecendo a aceitação da gravidez e
ajudando a mãe na personificação do filho.
Finalmente, no último trimestre ocorre a preparação para o momento do parto.
Novamente são comuns os sentimentos de ambivalência entre a vontade de ver o filho e a de
continuar grávida, bem como adiar as mudanças previstas com o final da gestação. Começam
a surgir medos relacionados à dor do parto, medo da morte, receio de não conseguir amamentar
ou do leite não ser suficiente e temores quanto a saúde do bebê. Nesse momento é primordial
que a gestante tenha acesso a informações que ajudem a desfazer mitos, fantasias e inseguranças
relacionadas com a chegada do bebê (MALDONADO, 2005).
Muitas vezes, o modo de gestação apresentado acima é violado pelo que chamamos de
intercorrências do ciclo gravídico puerperal, que envolve desde doenças gestacionais até o óbito
fetal. Esse último, quando ocorre, contrapõe a imagem da gravidez como uma experiência de
nascimento e vida, resultando no aparecimento de conflitos psíquicos e desencadeando o
processo de luto. A morte do feto rompe com a possibilidade do exercício da maternidade e
constitui a frustração de sonhos, desejos e fantasias relacionados com a chegada de um bebê
(BORTOLETTI, 2007).
De acordo com Bortoletti (2007), embora a mulher saiba da existência de riscos
relacionados ao não desenvolvimento gestacional, sobretudo no primeiro trimestre, é comum a
presença de um comportamento de negação referente à possibilidade de um óbito fetal ocorrer.
797

Ademais, os temores e receios manifestados pela grávida tendem a ser pouco valorizados e
considerados sem fundamentos. Então, quando o óbito fetal se concretiza, é possível observar
a instalação de uma crise emocional na mãe e na família.

3.1 ÓBITO FETAL E LUTO PERINATAL

Logo após a confirmação da gestação, a mulher tende a iniciar uma idealização em


relação ao nascimento da criança, com ideias, planos e expectativas voltados para a chegada
desse bebê na família. Consequentemente, a ocorrência do óbito fetal no período gestacional
representa uma perda para todos os membros envolvidos no sonho do nascimento e o OF se
contrapõe à concepção social de maternidade, onde a morte ocupa o lugar da vida
(BORTOLETTI, 2007).
Considerando que o bebê deveria ocupar esse lugar de início da vida, renascimento do
casal e da família, a perda perinatal representa uma experiência de dor indescritível para os pais
que precisam ressignificar a breve existência do filho. O sentimento de vazio interior,
irritabilidade, medos relacionados a futuras gestações, raiva e apatia são comuns e tendem a
surgir logo após a confirmação do óbito (ALVEZ & CELESTINO, 2020).
O luto é uma reação normal e até esperada diante do rompimento de um vínculo, sua
função é viabilizar os processos adaptativos às mudanças ocorridas em decorrência da perda.
No entanto, quando se trata da morte fetal, se implica um tipo particular de luto, pois a perda
de um filho exige adaptações não só individuais, mas também na relação conjugal, no sistema
familiar e na sociedade (GESTEIRA et. al, 2006).
A elaboração do luto perinatal possui uma dinâmica diferente do luto pela morte de um
parente, por exemplo, pois nesse caso não houve a construção de vínculos físicos e de
recordações da convivência diária, tornando a perda não plenamente reconhecida pela
sociedade (MUZA et al., 2013). De acordo com Torloni (2007), o óbito fetal desencadeia nos
pais um processo de luto semelhante à perda de outra criança em qualquer idade, sendo um
momento delicado, com duração de até dois anos e a maioria dos casais passam por fases
distintas e previsíveis.
A primeira fase desse processo é a de choque, ocorrendo logo após a comunicação da
notícia, podendo durar algumas horas ou até duas semanas. Surgem explosões emocionais
seguidas por descrença, anestesia, vazio, desligamento e amortecimento emocional. Na fase
798

seguinte é possível observar a presença de ansiedade caracterizada por sentimentos intensos de


sofrimento, angústia, questionamentos e a busca por explicações. Também é possível que
surjam alucinações referentes ao choro do bebê morto ou movimentações fetais, além da
manifestação de raiva intensa (TORLONI, 2007).
Após expressões de culpa e autodepreciação serem exteriorizadas as pessoas em volta
por meio da raiva e hostilidade, a mulher ou o casal entra na fase de desorganização,
caracterizada pela depressão, apatia, isolamento social, baixa auto-estima e desinteresse pela
vida, podendo surgir sintomas psicossomáticos. Finalmente, após um período que pode durar
até dois anos, a paciente se organiza psiquicamente, voltando a manifestar interesse pelos
aspectos positivos da sua vida e retornar ao seu estado emocional característico. Ocorre a
reestruturação das relações familiares e novos planos para o futuro podem surgir (TORLONI,
2007).
Essa sistematização do processo de perda separadas em estágios sequenciais ocorreu
através dos estudos e observações da escritora Elisabeth Kübler-Ross. Ainda que seja possível
perceber essas fases e alterações no modo de enfrentar o luto, autores mais recentes entendem
que o luto é um processo, não existe uma ordem de sentimentos apresentados, ao contrário
disso, se apresenta como uma mistura de emoções e reações se modificando com o passar do
tempo a partir da experiência individual do sujeito (Muza et. al, 2013).
Os autores Muza et al. (2013) corraboram ainda ao afirmar a importância dos pais que
perderam seu bebê tome ciência da situação que estão experimentando. Nessa situação, é
interessante que seja ofertado a eles o espaço de fala, onde exista a expressão dos seus
sentimentos, para que diante do momento de choque possam assimilar e ressignificar o
ocorrido, compreendendo que essa é uma forma de elaborar o luto.
Para que isso aconteça, é importante que a equipe de saúde que acompanha essa mulher
possa reconhecer a perda e a vivência do luto fetal por parte dos familiares, fornecendo o apoio
necessário e contribuindo para que sejam feitos os rituais de despedida. Nesses casos, a atuação
da Psicologia é fundamental, por se tratar de um profissional capacitado para realizar a escuta
e ofertar a assistência humanizada ao casal, quando é o caso, bem como a família envolvida
(MUZA, et al. 2013).
Apesar da perda do feto ser um evento que atinge toda a família em torno da criança,
essa morte pode ser mais sentida pela mãe, visto que o desenvolvimento da gestação se dava
em seu corpo, sendo ela a protagonista e única capaz de sentir as mudanças físicas e hormonais,
799

bem como a movimentação fetal e peculiaridades do crescimento do feto em seu ventre


(LEMOS & CUNHA, 2015).
Por essas razões, o luto fetal em decorrência da perda do natimorto não é reconhecido
socialmente, principalmente se é um óbito precoce, quando pouco se visualiza o crescimento
da barriga. É comum que ocorra uma desconsideração ou minimização da dor sentida por aquela
mãe, com falas que tentam convencê-la de que logo terá outro filho ou que foi da vontade de
Deus. Lemos & Cunha (2015) consideram que atitudes como essas tendem a diminuir o suporte
social à mulher e dificultar a vivência do luto.
Nesse sentido, Muza et al. (2013) aponta que o luto perinatal é vivenciado pela
sociedade como algo que deve ser evitado. Por conseguinte, as pessoas tendem a agir com
negação e racionalização, na tentativa de não entrarem em contato com a angústia. Dessa forma,
a reação social diante da notícia da perda do bebê é sentida e interpretada pelos pais como algo
desconcertante. A referida autora reforça, ainda, a importância da atenção especial ao luto
perinatal, justamente por se caracterizar como uma perda não plenamente reconhecida e
socialmente invalidada.
Para isso, é importante que a mãe desse feto possa expressar seus sentimentos em relação
ao momento vivido, bem como participe dos rituais fúnebres de despedida, e valide a existência
da criança através do nome, da posse de objetos que marcaram a passagem do bebê pela
maternidade, como exemplo a pulseira de identificação, fios de cabelo e o carimbo do pé. No
fim, o profissional deve esclarecer aos pais sobre os seus direitos e a importância da despedida,
mas cabe aos envolvidos a decisão final de como preferem conduzir a situação (LAGUNA et
al., 2021).

3.2 ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA DIANTE DO ÓBITO FETAL

A presença do profissional de Psicologia no ambiente hospitalar é reconhecida pelo


Conselho Federal de Psicologia, bem como preconizada pelo Ministério da Saúde. Isso pois,
existe a Portaria nº 1.020, de 29 de maio de 2013 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013), que
estabelece a disposição de uma equipe multiprofissional, incluindo o Psicólogo, que deve
prestar assistência direcionada à gestante, puérpera e recém-nascido. Esse é mais um dos
motivos que demonstra o significado da reflexão acerca da atuação desse profissional no
cenário de hospital maternidade.
800

Sendo assim, é necessário reconhecer o processo de perda gestacional enquanto uma


vivência singular e individual, onde é esperada que seja apresentada alguma fragilidade física
e emocional nas mulheres nestas condições. Nesse contexto, um bom recurso para auxiliar nessa
vivência seria o acolhimento e o suporte de toda uma rede de apoio social e familiar (LEMOS
& CUNHA, 2015).
Diante do exposto até aqui, sobre a importância de validar os sentimentos da família
que experienciou a perda, bem como facilitar e criar recursos para auxílio na elaboração do luto,
podemos elencar alguns momentos que podem ser primordiais na atuação do psicólogo nesse
cenário.
Primeiramente, a partir do diagnóstico do óbito fetal, é importante que o profissional da
Psicologia estimule os pais a expressarem seus sentimentos com relação à situação
experienciada, para que diante do choque sejam capazes de assimilar o fato ocorrido. Esse
espaço de fala ofertado pela Psicologia também possui o objetivo de propiciar o reconhecimento
da perda e do luto, pelo casal, que pode se dar tanto pela verbalização quanto pelo ato de olhar
o bebê, tocar e realizar o ritual de despedida, (seja em rituais específicos, ou com o corpo ainda
no hospital), ficando a critério dos pais essa decisão (CAMARGO, 2021).
É viável também a criação de recursos terapêuticos que materializam a existência do
bebê outrora imaginado. Esse processo de criação pode acontecer observando o desejo da
família, assim recolhe-se as lembranças existentes da criança e demais intervenções que
considerem a singularidade de cada paciente, como fazer uso da escrita terapêutica e desenhos,
sendo assim uma forma de desenvolver recursos de enfrentamento.
Ademais, a Psicologia também pode estar presente no acompanhamento do trabalho de
parto (quando for o caso), visto que a mãe passará por um misto de dores físicas e emocionais
relacionadas com o ato de parir o filho morto. Esse apoio psicológico poderá seguir enquanto
durar a internação ou, ainda é possível também a realização de um trabalho a nível de
seguimento ambulatorial após a alta hospitalar, ou mesmo encaminhamento para psicoterapia
em outro serviço, considerando a vocação de cada instituição hospitalar.
A autora Camargo (2021), apresenta em sua pesquisa barreiras e dificuldades para a
atuação do profissional de Psicologia nesses casos. Dentre elas, se revela de forma expressiva
as barreiras institucionais e de conduta profissional. Logo, em paralelo com a atuação feita
diretamente com os usuários, ainda é possível que se faça trabalhos voltados para os demais
membros da equipe, sensibilizando-os e qualificando a assistência, trazendo luz aos aspectos
801

cognitivos e emocionais relacionados ao enfrentamento da perda gestacional, possibilitando a


oferta de um melhor acompanhamento assistencial com objetivo, inclusive, de prevenir
dificuldades emocionais futuras.
O reconhecimento do luto materno por parte dos familiares e da equipe de saúde é de
extrema importância para fornecer o apoio necessário e contribuir para a sua elaboração através
do oferecimento de um espaço para a expressão das angústias, receios, frustrações, tristezas,
dentre outros sentimentos, da mulher enlutada. Não se pode esperar que intervenções voltadas
para desestimular a expressão dos sentimentos, ou mesmo “calar” a dor da família que vivencia
a perda sejam eficientes. Nesse sentido, o psicólogo pode figurar enquanto um profissional
importante para fornecer suporte aos pacientes e seus familiares, bem como na sensibilização
da equipe que atua diretamente com essas demandas (LEMOS & CUNHA, 2015).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O óbito fetal, de acordo com a definição da OMS, ocorre a qualquer momento da


gestação antes da completa expulsão ou extração do feto. Esse tipo de óbito vem de encontro
com o que é esperado sobre o ciclo da vida. Culturalmente, espera-se que os pais venham a
óbito antes dos filhos; imagina-se também, que o gestar, parir e a maternidade sejam somente
sinônimos de vida, considerando que os bebês representam o início da vida, e não o fim.
Sendo assim, o luto perinatal, como qualquer processo de luto, caracteriza-se como uma
ruptura de vínculos afetivos, vindo associado a um grande sofrimento psíquico para os pais e
familiares. Porém, é um tipo de luto não completamente reconhecido e muito menos
socialmente validado. Este tende a ser percebido pela sociedade como uma perda intangível em
decorrência da não existência da construção de vínculos físicos e de recordações da convivência
diária, tornando este um luto incompreendido, não autorizado.
A Psicologia entende que para elaborar esta dor é necessário que ela seja verbalizada,
sentida, e elaborada, não negada. Desse modo, diante de todas repercussões emocionais que o
luto perinatal pode acarretar para os pais e familiares, entende-se como fundamental a presença
do profissional de Psicologia Hospitalar nas equipes multiprofissionais das instituições de
saúde.
O entendimento sobre a atuação multiprofissional nesse momento parte da percepção
de que todos ficam emocionalmente envolvidos. Assim, o trabalho exercido nesse cenário não
802

pode se dar através da improvisação, é fundamental que exista um saber acerca do luto e
habilidades para manejar a situação. Sendo assim minimamente possível o gerenciamento dos
atravessamentos subsequentes.
A intervenção do psicólogo oferece suporte emocional e social para os pacientes e
familiares, uma vez que esse profissional pode propiciar um espaço de fala e expressão dos
sentimentos vivenciados diante da perda. É importante o psicólogo atuar também com a equipe,
promovendo espaços de discussões e reflexões, trazendo para esses profissionais os aspectos
emocionais dessa perda, para a mulher e família, como também, trazendo reflexões sobre
algumas condutas que favoreçam o apoio e o processo do luto.
Face ao exposto e a partir do levantamento bibliográfico construído, com referências
dos últimos 10 anos, é possível observar que não existem muitos materiais que direcionam a
atuação do psicólogo nas situações de perdas gestacionais, apesar de ser um campo riquíssimo
de investigação. É evidente o destaque que os autores vêm dando ao impacto emocional do luto,
no entanto, sem grandes contribuições para as possibilidades de intervenções psicológicas.
Entendemos, portanto, a relevância da pesquisa nessa temática, assim como constante
leitura e síntese dos materiais já existentes. Pois assim, podemos instigar a reflexão e construção
de novas publicações que possam sugerir atividades ou mesmo divulgar as diversas formas e
momentos oportunos para a atuação do profissional de Psicologia diante dessa perda
invisibilizada. Visando contribuir assim para a comunidade social que pode ser beneficiada
pelos saberes teóricos e práticos dos profissionais, bem como impulsionando a construção de
novos caminhos.

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804

AS CONTRIBUIÇÕES DO PSICÓLOGO ESCOLAR NA RELAÇÃO FAMÍLIA E


ESCOLA EM TEMPOS DE PANDEMIA

Sonali Bezerra da Cunha


Marcos Atenildo Gomes Nogueira
Francisco Mayccon Passos Costa

RESUMO

O trabalho trata a relação Família e Escola em tempo de pandemia Covid-19, quando as escolas
interromperam as aulas e fecharam suas portas em todo o mundo. Sendo assim, essa pesquisa
tem como objetivo discutir a relação família-escola diante dos desafios educacionais vividos
durante a Pandemia da COVID-19, e as contribuições da Psicologia Escolar. Além de pesquisar
o papel da família na educação, apresentando essa relação dentro de um cenário da educação
no período da pandemia pela Covid-19, descrevendo as práticas da Psicologia Escolar que
contribuíram para os alunos e profissionais da educação no enfrentamento das dificuldades de
um contexto pandêmico. A metodologia utilizada foi uma revisão bibliográfica da literatura, de
abordagem qualitativa, adotando-se os pressupostos da pesquisa bibliográfica do tipo narrativa,
em vários sites acadêmicos de pesquisa como: Google Acadêmico, Scielo e PePSIC, utilizando
trabalhos relacionados à temática encontradas no espaço de tempo entre 2020 e 2022, que
ocorreram nos meses de Fevereiro a Junho de 2022. As pesquisas apontaram para as
dificuldades dos docentes em relação ao trabalho remoto, e a necessidade de estabelecer um
vínculo saudável com as famílias. Também foi apresentado que a família e escola, necessitam
caminhar juntas, estabelecendo uma relação de parceria, com respeito, tendo em vista o
desempenho educacional das crianças. Concluiu-se ao final a importância do Psicólogo Escolar
no ambiente escolar com intervenções voltadas para o fortalecimento dos vínculos entre a
família e a escola, bem como a construção de possibilidades e soluções, promovendo saúde
mental e bem-estar.
Palavras-chave: família; escola; psicologia escolar; pandemia.

ABSTRACT

The work deals with the relationship between Family and School in the time of the Covid-19
pandemic, when schools interrupted classes and closed their doors all over the world. Therefore,
this research aims to discuss the family-school relationship in the face of the educational
challenges experienced during the COVID-19 Pandemic, and the contributions of School
Psychology. In addition to researching the role of the family in education, presenting this
relationship within an education scenario in the period of the Covid-19 pandemic, describing
the practices of School Psychology that contributed to students and education professionals in
facing the difficulties of a context pandemic. The methodology used was a bibliographic review
of the literature, with a qualitative approach, adopting the assumptions of bibliographic research
of the narrative type, in several academic research sites such as: Google Scholar, Scielo and
PePSIC, using works related to the theme found in the between 2020 and 2022, which took
place from February to June 2022. Research pointed to the difficulties of teachers in relation to
remote work, and the need to establish a healthy bond with families. It was also presented that
805

the family and school need to walk together, establishing a relationship of partnership, with
respect, in view of the children's educational performance. In the end, it was concluded the
importance of the School Psychologist in the school environment with interventions aimed at
strengthening the bonds between the family and the school, as well as the construction of
possibilities and solutions, promoting mental health and well-being.
Keywords: family; school; school psychology; pandemic.

1 INTRODUÇÃO

Família e escola são duas instituições essenciais para a formação do homem e possuem
papel relevante neste processo, pois são dois pilares que estão nos primeiros grupos sociais dos
quais crianças e adolescentes fazem parte. Nesse sentido, a educação possui caráter formal e
socializador e, tanto a família como a escola, estão presentes de forma marcante na vida das
pessoas.
Essa parceria é um dos principais elementos para o sucesso da educação, o que requer
uma sintonia entre família e a instituição de ensino que se faz presente desde cedo na vida das
crianças em que juntos buscam o alcance do mesmo objetivo que é a formação das crianças e
jovens e seu pleno desenvolvimento.
Os processos de educação que ocorrem nos ambientes familiares e escolares, estão
vinculados essencialmente ao contexto em que vivem os seres humanos o que define como
ocorrem os processos formativos atuando diretamente na realização dos projetos e propostas
pedagógicas e seu desenvolvimento nas duas instituições.
Em dezembro de 2019, foi descoberto um novo virus, denominado SARS-CoV-2.
Surgiu inicialmente na cidade de Wuhan na China, e se espalhou rapidamente por todo o
mundo. Já em 30 de de Janeiro de 2020, a OMS reconheceu o surto dessa nova doença como
uma emergência de saúde pública de importância internacional, que é considerado o maior nivel
de alerta. Posteriormente no dia 11 de Março de 2020, a OMS caracterizou a COVID-19 como
uma Pandemia.
Até o dia 08 de julho de 2020, no mundo, foram registrados 11.994.182 casos da
COVID-19 e 547.931 óbitos no Brasil. Nessa mesma data, já haviam sido confirmados
1.716.196 casos da doença e 68.055 óbitos. O virus é transmitido através de gotículas
respiratórias, do contato direto ou objetos e de superficies contaminadas. Ou seja, a doença
possui múltiplas vias de transmissão fato que justifica a grande necessidade de distanciamento
social. A COVID 19, causada pelo coronavirus da SARS-CoV-2 no sistema respiratório, que
806

alterou de forma decisiva a vida das pessoas e especialmente nessas instituições. Impactou ainda
na forma de conhecer e agir nas relações família e escola.
No Brasil, desde 17 de março de 2020 as aulas na modalidade presencial ficaram
suspensas. Caminhamos alguns meses impedidos de frequentar a escola. Embora que aos
poucos os programas de combate à COVID-19 tenham começado a sinalizar um possivel
retorno, caminhos para pequenas adesões ou implantação de um ensino remoto e posteriormente
o híbrido, no qual estudantes terão suas atividades escolares acontecendo virtualmente e
presencialmente.
A pandemia reforçou ainda mais a necessidade de participação da família no
acompanhamento da vida escolar dos filhos, principalmente porque agora, a educação estava
dentro de suas casas, os responsáveis conseguem ver quais as atividades desenvolvidas e, por
isso, o envolvimento familiar tornou-se maior.
Na vivência dos autores na área da educação, muitos desafios são lançados no sentido
de procurar entender atitudes que contribuam para uma melhoria de qualidade da relação
família e escola. Essa questão sempre suscita diferentes perspectivas, concepções e
representações acerca dos papéis desempenhados por cada sujeito que faz parte do processo
educativo.
Durante esse período da Pandemia COVID - 19, pudemos acompanhar a exigência do
isolamento social, e a família foi introduzida em novo cenário para assumir a gestão pedagógica
da sala de aula dos filhos em casa. Especialmente quanto à responsabilidade de acompanhar em
suas atividades escolares, o que antes ficava a cargo do professor e toda a estrutura escolar que
o assessora.
Esse desafio gerou um desconforto para os pais que se viram frente ao desafio de ser
professor sem a minima formação pedagógica. Em função desta necessidade, se estrutura o
empenho em valorizar e fortalecer práticas de respeito e confiança, no exercicio de empatia,
pois o diálogo se apresenta como a melhor via para formação humana, essa é uma habilidade
imprescindivel para criar uma relação que une participação e ação. É fundamental
considerarmos que, estamos ainda estamos atravessando a pandemia Covid-19, vivendo
situações nunca experimentadas, com exigências de novas formas de se comportar, de interagir,
de viver e de se cuidar.
A motivação para este estudo, parte de uma tentativa de contribuição à educação para a
construção de um ambiente melhor para todos, aprendendo sobre o mundo, respeito ao próximo,
807

os cuidados pessoais e adquirindo uma nova concepção para o convívio social.


Para investigar sobre essas relações criadas no contexto de uma pandemia mundial e
conhecer como se dão as relações entre as duas instituições, buscamos analisar os aspectos que
nortearam as relações para perceber como ocorre a interação como uma dimensão importante
no processo educativo, como princípio norteador a articulação entre família e escola.
Destarte, ao estudar a relação família e escola em tempo de pandemia, optamos por
investigar esta problemática que tanto vem se discutindo no âmbito escolar, ou seja, levantar
um diálogo acerca da função dessas duas instituições, as consequências dessa relação no
processo ensino-aprendizagem e as possibilidades de praticar estratégias que possibilitem à
família participar efetivamente da escola.
A proposição desse trabalho cientifico define como objetivo geral: Discutir a relação
família-escola diante dos desafios educacionais vividos durante a Pandemia da COVID-19 e as
contribuições da psicologia escolar. Tem-se como objetivos específicos: Pesquisar o papel da
família e da escola na educação; Apresntar o cenário da educação no periodo pandemico;
Explicar a relação entre família e escola no contexto pandemia da Covid-19; e Descrever as
práticas da psicologia escolar que contribuem para os alunos e profissionais da educação no
enfrentamento das dificuldades de um contexto pandêmico.
Além disso, a metodologia utilizada para realizar a pesquisa se deu através de uma
revisão bibliográfica da literatura, utilizando artigos científicos que já foram elaborados
principalmente nos anos 2020/2021 sobre a temática e que corroboram para construção do
presente trabalho. Segundo Pizanni et al. (2012), a revisão da literatura enriquece a nossa
pesquisa, pois através dela, temos a oportunidade de ler o que já foi escrito sobre determinado
assunto, e assim está aprofundando cada vez mais a nossa pesquisa.
Sendo a educação um direito de todos, esta pesquisa busca informar a comunidade
escolar e a sociedade sobre a realidade enfrentada pelos educadores, e com o seu resultado,
cooperar com dados que sejam utilizados na implementação de políticas públicas que venham
contribuir para uma educação mais igualitária e de acesso a todos, levando discussões sobre
saúde mental e a necessidade de trabalhar essa temática dentro das escolas.
O estudo estruturou-se em sua organização na seguinte forma: Metodologicamente,
apresentam-se visões práticas da relação família e escola. Há como modalidade de pesquisa
científica, a revisão bibliográfica narrativa.
808

Por fim tem-se as considerações finais verificando se os objetivos propostos foram


alcançados. A base teórica é composta por autores tais como Paulo Freire, Moacir Gadotti,
Vitor paro, Pedro Demo e José Libâneo, dentre outros, reflexões sobre a temática. Tais autores
demonstram de alguma maneira, como a parceria da escola e familia, o diálogo com estudantes,
educadores e responsáveis formentam discussões e reflexões favoráveis para os processos
adminstrativos, pedagógicos, filosóficos e relacionais existente na escola.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 REFLEXÕES SOBRE A FAMILIA E A ESCOLA

A familia é considerada resposável por promover a educação dos filhos e influenciar o


comportamento dos mesmos no meio social. A noção de familia está presente nos diferentes
contextos sociais e em diferentes épocas históricas. Falar em familia nos remete a pensar em
um grupo ordenado composto pelos seus membros, em que cada um desempenha um papel
especifico.
A família transmite conhecimentos e muitas experiências da vida social, tendo como
método especifico a prática cotidiana, ou simplesmente, a vivência. O processo de transmissão
de conhecimentos e a sua consequente absorção verifica-se no dia a dia das comunidades em
geral e das familias em particular.
“A familia é responsável pelos valores e principios que serão incorporados pelas
crianças desde a mais tenra idade e também pelo afeto, carinho e confiança, tão necessário para
seu bom desenvolvimento fisico e mental” (RACY, 2010, p. 105).
Desde as sociedades primitivas, as familias, como organizações, sofreram várias
transformações motivadas pela evolução relacionadas à população, à riqueza, às atribuições de
tarefas etc. A história das famílias brasileiras pode ser abordada a partir da colonização por
parte dos portugueses. Estes trouxeram o modelo de familia patriarcal burguesa, com tendências
conservadoras. De acordo com Racy (2010), na história da formação de sociedade brasileira,
especialmente no periodo colonização do Brasil, o modelo de familia que se tornou foi o modelo
patriarcal. Essa familia era composta de pai, mãe e filhos legitimos, que conviviam na mesma
casa. O pai tinha a autoridade sobre todos e também era o responsável pelo patrimonio, pela
renda e pelos meios de produção.
809

O fato é que o século XX abriu espaço para transformações que repercutiram na


instituição familiar como o aumento do divórcio e maior inserção da mulher no mercado de
trabalho que na maioria das vezes chefiavam sozinha a casa e seus filhos sem a presença do pai.

A concentração de renda, o aumento da força de trabalho feminina e infato-juvenil, o


deslocamento de populações para centros mais desenvolvidos são algumas das
consequências dessas transformações. Por outro lado, a modernização, o progresso,
o feminismo, a liberdade sexual, podem ser considerados avanços e conquistas
sociais. Entretanto, também trouxeram consequências para as organizações familiares
(RACY, 20210, 104).

Segundo Racy (2010), fortalece a ideia acima que a familia contemporânea é uma
instituição na qual os componentes tem uma individualidade maior do que nas familias
existentes anteriormente. Cada vez mais essas divergências individuais se acentuam, se
consolidam, e como elas são a essência da personalidade individual, esta vai necessariamente
se desenvolvendo.
Até boa parte do século passado a família era composta de pai, mãe e filhos.
Eventualmente, fazia parte da familia, morando na mesma casa, um ou dois dos pais desse casal.
O homem tinha função básica de promover o sustento e ser responsável pela familia. À mulher
cabia os afazeres domésticos e os cuidados e educação dos filhos, Com a emancipação da
mulher e a necessidade de esta se inserir no mercado de trabalho, essa situação começou a se
modificar. Atualmente, as mulheres buscam a realização profissional e tentam conciliar suas
carreiras com as atividades domésticas e maternas.
“Uma das transformações mais significantes na vida doméstica e que redunda em
mudanças na dinâmica é a crescente participação do sexo feminino na força de trabalho, em
consequencia das dificuldaedes enfrentadas pelas familias” ( ROMANELLI, 2005, p. 77).
Voltemos a cerca do conceito de familia, agora no sentido do dicionário, significa pessoas
aparentadas que vivem geralmente, na mesma casa, particularmente o pai, a mãe e os filhos.
Ao mesmo tempo, a estrutura familiar também vem sofrendo outros tipos de alterações.
É comum existirem famílias organizadas apenas por mães e filhos, cujos pais, além de viverem
afastados, não participam da vida dos filhos.
“É na familia que a criança aprende desde o nascimento o que é o amor, empatia, o
carinho, o respeito, e também a cumprir as leis, a torcer por um time de futebol, adotar uma
religião. O primeiro contato com o mundo se dá no ambiente familiar” (RACY, 2010, p. 106).
Outras situações são encontradas em nossa sociedade, como casais que se separam e se
810

organizam em outros núcleos familiares, gerando outros filhos. Assim, é comum existirem
crianças com “dois pais” e “duas mães" e, ainda, irmãos oriundos do segundo casamento dos
pais. Encontramos, ainda, mães que, por opção, desejam e criam seus filhos sozinhas, além de
homossexuais que constituem uma familia, homens que vivem com mais de uma mulher e vice
versa.
Assim, as novas concepções familiares têm gerado mudanças no comportamento,
principalmente o masculino. Muitos pais começaram a participar da administração e tarefas da
casa e dos cuidados com os filhos, em parte porque as mulheres se tornaram economicamente
fundamentais para o sustento da familia, o que as impede de estar o dia todo em casa, e em parte
para não serem acusados de conservadores e, eventualmente, porque realmente acreditam que
as funções podem e devem ser divididas. Da parte das mulheres, também encontramos aquelas
que, mesmo com suas atividades de trabalho, ainda se julgam responsáveis pelos cuidados da
casa e dos filhos e se desdobram para cumprir todas as obrigações (RACY, 2010).
Depois de passar por diversas literaturas nos deparamos com a afirmação de que a
familia é considerada como a primeira instituição da qual o ser humano faz parte e o seu
principal papel é a socialização. Ou seja, a transmissão da cultura, dos costumes e valores
sociais.
Em vários momentos da história, diversos tipos de sociedade criaram diferentes
caminhos para percorrer em lidar com o saber e os poderes que ele carrega consigo.
As atuais percepções concebem a escola como instituição social, com funções
socialmente definidas, mas também como uma organização especialmente dedicada à formação
das crianças e jovens, e também como um espaço benéfico que tem vida própria, um organismo
vivo que interage com o ambiente social extraindo dele estímulos e energia necessários para o
desenvolver a sua proposta pedagógica.
A escola deve ser entendida como uma instituição portadora de uma estrutura
multifuncional composta pelo edifício, professores, alunos e outros funcionários. Esta
instituição é formalmente existente para orientar o processo de ensino e aprendizagem, pois tem
como objetivo educar as diferentes gerações no processo de desenvolvimento da humanidade.
Segundo o autor espanhol, Péres Gómez (2001, p. 17) ”a escola, é o sistema educativo
em seu conjunto, pode ser considerada como uma instância de mediação cultural entre os
significados, sentimentos e as condutas da comunidade social e o desenvolvimento humano das
novas gerações”.
811

Nesse sentido, as escolas podem ser consideradas lugares de intercruzamento de


culturas, entre elas, a cultura da escola refere-se aqueles significados, modo de pensar e agir,
valores, comportamentos, modos de funcionamento que, de certa forma, mostram a identidade,
os traços caracterizados, da escola e das pessoas que nela trabalham.
É um lugar de interações sociais, que se voltam intencionalmente para aprendizagem de
conhecimentos, sim, mas estes conhecimentos envolvem habilidades variadas adquiridas nas
atividades previstas nos planos de ensino, envolvem competencias criadas, também, nas rotinas
de organizações e realização destas atividades especificamente propostas pela escola, assim
como para a construção dos significados do próprio sentido de escolarização e da formação de
cidadãos.
Segundo Paro (2001), ao analisar a influência positiva da escola na vida das pessoas,
indica elementos para pensarmos e rediscutimos a escola autoritária que temos com a finalidade
de direcioná-la para uma escola voltada para a emancipação e a participação democrática.
A escola atual vem sendo objeto de estudo, críticas e projetos que muitas vezes não
levam em consideração os que fazem parte dela. A LDB - Lei de Diretrizes e Bases (9.394 /96)
determina que a escola deve vincular-se ao mundo do trabalho e às práticas sociais. Desta
forma, espera-se que a educação escolar prepare o estudante para a vida e que o inspire nos
princípios de liberdade e em ideais de solidariedade humana.
A definição desses princípios recebeu influência da nova Lei de Diretrizes e Base,
sancionada em 1996, que contou em seu projeto inicial, com uma grande mobilização dos
educadores em todo o país, pois, de acordo com o art. 2º da LDB: “A educação, é dever da da
família e do estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana,
tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Tradicionalmente a escola preocupou-se em ensinar os princípios básicos da instrução:
ler, escrever e contar, de modo que se ia à escola, sobre tudo somente para alfabetizar.
Atualmente, dispomos de inúmeras possibilidades para obtenção de conhecimentos. Porém, a
escola continua sendo responsável por transmitir os princípios para a formação integral do ser
humano, sendo ela um dos pilares fundamntais juntamente com a família.
Destarete, família e escola possuem papel relevante na formação humana, pois nessas
duas instituições estão os primeiros grupos sociais dos quais crianças e adolescentes fazem
parte. Assim, ambas têm por finalidade educar, orientar, disciplinar as crianças, criando
812

pensamentos e opiniões críticas para se viver bem na sociedade, ou seja, possibilitar a formação
de sujeitos com autonomia de pensamentos, visão crítica a respeito de si e da sociedade em que
está inserido, capaz de colaborar para a construção de um mundo social mais justo.
O papel da escola na vida de crianças e jovem é proporcionar a formação acadêmica,
intelectual e cognitiva, bem como promover o desenvolvimento de competências e habilidades
necessárias para atuarem na sociedade.
Já o papel da família é oferecer uma base para o desenvolvimento humano, como a
transmissão de valores e princípios, acolhimento, orientação e todo apoio necessário, inclusive
para a vida. Nos dias de hoje, com a rotina agitada das famílias, muitas vezes, a educação dos
filhos recebe pouca atenção ou menos do que deveria, o que sobrecarrega a escola e o trabalho
de professores e coordenadores. “A escola nunca educará sozinha, de modo que a
responsabilidade educacional da familia jamais cessará. Uma vez escolhida a escola, a relação
com ela apenas começa. É preciso o diaálogo entre a escola, pais e filhos” (REIS, 2007, p. 6.).
Portanto, é de grande importância relacionar educação e família, pois são peças
fundamentais na vida da criança, é na familia que ela busca apoio, compreensão, carinho, amor
e atenção, e na escola, ela busca o conhecimento, mas ambas são instâncias que irão colaborar
conjuntamente para formação humana da criança. Educar é promover o crescimento e o
amadurecimento da pessoa humana em todas as dimensões material, intelectual e moral.
Para Oliveira (1993, p. 92) “uma das principais funções da familia é a função
educacional e, que esta é a responsável por transmitir a criança os valores e padrões culturais
do meio social em que está inserido”. É importante ressaltar que o papel família é atribuir
valores que constituem a cultura e educar as novas gerações. Tradicionalmente, a familia tem
sido apontada como parte fundamental do sucesso ou fracasso escolar de crianças e
adolescentes.
Melo (2017) afirma que existem problemas relacionados a esta questão, seja devido à
falta de acompanhamento de alguns pais na educação dos seus filhos, seja na ausência de ações
e projetos por parte de determinadas escolas. O papel básico da escola é promover a
aprendizagem de conhecimentos, habilidades e valores necessários à socialização do individuo.
Estas aprendizagens se constituem em instrumentos para que o aluno entenda melhor a
realidade que o cerca, beneficiando sua participação em relações sociais cada vez mais aberta,
possibilitando a leitura e interpretação das mensagens e dados que hoje são amplamente
difundidas.
813

Segundo Racy (2010) é papel fundamental da escola trabalhar com boas estrategias de
planejamento e uso de metodologias apropriadas, para facilitar o aprendizgem da criança. É
necessário que a escola propicie o dominio dos conteúdos culturais fundamentais, da leitura e
da escrita, das informações, das artes, das letras. Sem estes conhecimentos dificilmente ele
poderá exercer seus direitos de cidadania.
É indispensável a cada momento propor ao aluno raciocinar, refletir, criticar. Para isso
é preciso que a gestão trabalhem com metodologias participativas , desafiadoras,
problematizando conteúdos e instigando o aluno a pensar, a formular hipoteses, a trocar
informações com o grupo de sala, defendo e argumentando seu ponto de vista.
Segundo Forquim (1993, p. 167) “a escola é, também, um mundo social que tem suas
caracteristicas de vida próprias, seus ritmos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos
próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de
simbolos”. Tem também uma função social que se refere a proporcionar um ambiente de
interação social e crescimento pessoal. O processo de socialização, que se inicia no nascimento,
continua na escola. “Faz parte da função da escola oferecer ambiente seguro e garantir e
observar se os direitos das crianças e jovens são respeitados” (RACY, 2010 p. 112).
Cabe a escola desenvolver alunos pensantes, que saibam refletir, sejam autônomos como
também, venham entender os seus direitos e deveres da vida ecônomica, social e politica do
pais e aptos a fazer parte para a construção de uma sociedade mais justa.

2.2 PANDEMIA E CONDUÇÃO REMOTA: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Ao longo da história da humanidade, grandes pandemias deixaram marcas e muitas


transformações na vida das pessoas e da sociedade, como a peste negra que aconteceu no século
XIV, que foi considerada a pandemia mais devastadora da história da humanidade; em 1918
ocorreu também a gripe espanhola, ocasionando grandes mudanças na história da saúde; além
da varíola, que castigou a humanidade ao longo de mais de três mil anos, deixando como legado
os programas de imunização (MUNIZ, 2011).
Em 30 de janeiro de 2020, a OMS - Organização Mundial de Saúde, declarou que o
surto da doença Covid-19, causada pelo SARS-Co V-2 que é popularmente conhecida como
Coronavírus, constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional,
considerando o mais alto nível de alerta emergencial da organização, de acordo com o que está
814

previsto no Regulamento Sanitário Internacional (OMS, 2020).


O novo Coronavírus, registrou o primeiro caso na cidade de Whan, província de Hubei,
na República popular da China, em 31 de dezembro de 2019. Inicialmente a OMS foi notificada
por conta de uma série de casos de pneumonia com origem desconhecida. Depois de algumas
pesquisas, foi descoberta a COVID-19, doença causada pelo novo Coronavírus. Desde então, o
vírus vem se espalhando exponencialmente por todo o mundo, e já causou quase 2 milhões de
mortes confirmadas só até meados de janeiro de 2021 (OMS, 2020).
Os sintomas da COVID-19 podem variar de um resfriado, a uma SG - Síndrome Gripal
até uma pneumonia severa. Sendo os sintomas mais comuns: tosse, febre, coriza, dor de
garganta, dificuldades para respirar, perda do olfato, alteração do paladar (BRASIL-MS, 2020).
Entretanto, de acordo com a OMS, a maioria dos pacientes com Covid-19 podem ser
assintomáticos, o que reforça a necessidade dos cuidados de prevenção com a transmissão. Pois
a mesma acontece de uma pessoa contaminada para outra por contato próximo por meio de:
aperto de mãos contaminadas, gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, objetos ou superfícies
contaminadas (BRASIL-MS, 2020).
Seguindo a trajetória de grandes pandemias, a pandemia da COVID-19, de acordo com
os registros do Ministério da Saúde, já registrou mais de 30 milhões de casos e 661.796 óbitos
até o dia 24 de abril de 2022 (BRASIL-MS, 2022). Para Grossi, Minoda e Fonseca (2020, p.
152): “O diferencial desta pandemia para as outras do passado, é que hoje as condições de
saneamento e o conhecimento científico são mais avançados em relação à época das pandemias
do passado, fazendo com que as mudanças sejam menos visíveis inicialmente.”
Nesse contexto, levando em consideração os meios de transmissão da COVID-19 e a
gravidade dos seus sintomas, no dia 18 de março, o MEC - Ministério da Educação, determinou
a suspensão das aulas presenciais em todo o Brasil, por meio da Portaria nº 343, de 17 de março
de 2020.
Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais,
em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e
comunicação, nos limites estabelecidos pela legislação em vigor, por instituição de
educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do
Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017 (PORTARIA Nº 343, de março de
2020).

Dessa forma, para garantir o isolamento social em todo o mundo, as escolas foram
fechadas, locais de entretenimento, de lazer, bares e comércios que não são considerados
essenciais, pois a necessidade de contenção da contaminação do Coronavírus forçou a
815

sociedade e o governo adotar mudanças no seu modo de viver. (GROSSI; MINODA;


FONSECA, 2020).
Com a pandemia do novo Coronavírus, a educação passa por um dos maiores desafios
que já enfrentou. Segundo dados levantados pela Unesco - Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura, mais de 800 milhões de estudantes tiveram as aulas
interrompidas ao longo de 2020 e 2021. Segundo Dalben (2020, p. 21 )
A escola, desde sua origem no século XIX, se constitui como um espaço de ensino
de massas. Muitas salas de salas e muitos estudantes dentro destas salas. Aglomeração
é o sinônimo de uma escola. Nas entradas e saídas, nos recreios, na hora do lanche,
nas festas, apresentações de auditório, e nas salas de aula e nos corredores durante os
intervalos de uma aula para outra.

Segundo Dalben (2020, p. 23) “O principal problema das escolas fechadas para as
crianças e adolescentes é o problema da sociabilidade e socialização, incluindo aí, as
criancinhas muito pequenas que passam a conhecer o mundo a partir do convívio na escola”.
Muitos desafios e expectativas surgiram durante o planejamento das disciplinas. Escolas
particulares e públicas sentiram o impacto e o desafio de ensinar ao aluno, principalmente os
da primeira infância, em frente a telas de celulares e computadores. Essas ferramentas
tecnológicas se tornaram viáveis no momento estratégico de retomada com o ensino remoto.
Com isso as aulas presenciais foram substituídas por aulas remotas, sendo essa
alternativa encontrada para que alunos não fossem prejudicados com a interrupção repentina e
por tempo inderterminado das atividades escolares.

A atividade não presencial por mídia digital requer uma estrutura bem mais complexa
que a presencial, pois necessita que cada família disponha de computador com a cesso
à internet ou celular com disponibilidade de dados móveis para acessar a plataforma,
link, vídeo e ou orientações escolares. (MASCARENHAS; FRANCO, 2020, p.5)

Um outro grande desafio trazido pelo ensino remoto adotado durante a pandemia é não
deixar que a desigualdade entre alunos de escolas públicas e particulares cresça ainda mais. A
desigualdade social ficou mais evidente com a pandemia e colocou os alunos de escolas
públicas e regiões mais carentes em desvantagem educacional.

O acesso à internet continua desigual no País. No Brasil praticamente metade da


população não tem acesso à internet ou tem acesso limitado e instável. As
desigualdades no acesso da internet em muitas áreas urbanas periféricas e zona rurais
reforçam as diferenças marcadas por vulnerabilidades sociais. (COUTO; CRUZ,
2020, p. 210)
816

A internet abre novas possibilidades de comunicação entre escola, professores e alunos


que possibilitou que não houvesse uma paralização completa no calendário escolar. No entanto,
a adaptação ao ensino remoto não foi fácil, especialmente diante de uma situação de muita
insegurança e impossibilidades de afirmar quanto tempo a situação iria durar.
Segundo Silva (2020), diversos professores do Brasil inteiro batalharam para se
adaptarem a uma nova rotina entre elas, a utilização do ensino remoto como método para
diminuir o contato físico entre pessoas, a fim de promover o isolamento social.
Segundo censo mais recente do IBGE (2019), 79,9% dos lares brasileiros têm acesso à
internet. No entanto, o acesso é desigual: o número vai para a faixa dos 40% em áreas rurais.
Também é preciso levar em consideração que a forma como se dá o acesso à internet é também
desigual: enquanto uma esmagadora maioria dos estudantes da rede particular possui
computador em casa (apenas 3% declaram que acessa a internet apenas pelo celular) na rede
pública, um em cada três alunos dispõe apenas do telefone para realizar as atividades escolares.
De acordo com Dalben (2020) o uso de tecnologias de informações para a continuação
das aulas é um fator determinante para o sucesso do aluno ao longo do processo. Não são todos
os alunos que dispõe de computador e internet. A desigualdade social ficou mais evidente com
a pandemia e colocou os alunos de escolas públicas e regiões mais carentes em desvantagem
educacional.
Por estes motivos se mostrou necessário apresentar alternativas às famílias que não
contavam com este recursos, como por exemplo, pensar propostas materiais que pudessem ir
para a casa das crianças.
De acordo com Cordeiro (2020), os professores em sua formação buscam por meio da
criatividade, desenvolver alternativas pedagógicas, a fim de promover melhores resultados
educacionais. Percebe-se assim que há a necessidade de buscar novas ações que visam suprir
as necessidades dos alunos no momento atual e assim garantir a continuação e evolução da vida
escolar.
Segundo Silva (2020, p. 11), “diversos professores do Brasil inteiro estão batalhando
para se adaptarem a uma nova rotina, entre elas, a utilização do ensino remoto como método
para diminuir o contato físico entre pessoas, a fim de promover o isolamento social”.
O cenário atual demonstra a rápida necessidade de adaptação e flexibilidade do
profissional da educação diante das circunstâncias. Professores e alunos se viram diante de uma
817

situação jamais imaginada e que nunca presenciaram, o que afetou drasticamente o processo de
ensino aprendizagem.

Os professores precisaram experimentar novas possibilidades de ensinar através da


aula online, os pais também precisaram adaptar-se ao novo normal temporário do
ensino. A vivência do estudo online em tempo de crise é atípica e não dever ser vista
como o futuro da educação, mas como um novo aprendizagem fora da sala de aula.
Os meios tecnológicos são hoje a solução e ao mesmo tempo o maior vilão existente.
(DALBEN, 2020, p. 22)

O nível e a quantidade de aprendizado não serão os mesmos que o aluno teria fora da
pandemia, o aluno aprenderá menos conteúdo da estrutura curricular, mas haverá um
aprendizado, inclusive de habilidades e competências que são fundamentais para o resto da vida
de estudantes para estas crianças e adolescentes que estão em casa.
Para tanto, a educação passou por uma constante metamorfose, conforme ressalta Nóvoa
(2015), por isso mudanças ocorridas devido ao isolamento social, colocou nas famílias uma
grande missão: ensinar os seus filhos. Nesse sentindo, “para que haja uma boa pedagogia, ou
seja, um bom ensino e uma boa aprendizagem, os alunos, a instituição de ensino, a direção, os
professores e as famílias devem caminhar juntos, visando à realidade do aluno” (TELEKEN;
RESSLER, 2020, p. 31).
Dessa forma, reforça-se a importância desse vínculo entre família e escola nesse período
de pandemia e suspensão das aulas presenciais, sempre em busca de uma relação de respeito e
harmonia, colocando como prioridade o desempenho e processo de aprendizagem das crianças.
Além disso, nesse momento, coube às famílias a busca por se envolver e se comprometer no
processo, para que seus filhos pudessem dar continuidade aos estudos durante as aulas on-line.
(TELEKEN; RESSLER, 2020).
Para Dalben (2019), as famílias precisaram de adaptações na sua rotina como também
nos espaços comuns das suas residências. Os pais transferiram seus escritórios para os quartos
e continuaram suas atividades profissionais em home office, espaços coletivos das suas casas
precisaram de adequações, ficando “amontoados”, dificultando cada vez mais a convivência e
privando as crianças de espaços para brincar.
Além das questões estruturais, as famílias enfrentaram o desemprego, as percas de
familiares vítimas de Covid, o processo de luto, pessoas adoecidas mentalmente pela ansiedade
e receio da pandemia. E ainda, aqueles familiares que por exercerem alguma atividade
considerada essencial, precisavam sair de casa para trabalhar, o que atormentava os demais
818

familiares pelo medo dos riscos do Covid-19 (DALBEN, 2020).


Para Catanante, Campos e Loiola (2020), a estrutura do ambiente residencial é muito
diferente da escola, mesmo que por mais adequada sejam as instalações das residências, ele não
é um espaço escolar. Por isso, essa mudança repentina das aulas para as casas das famílias,
ocasionou muitas dificuldades e consequências na aprendizagem dos alunos.
Nesse cenário, as obrigações profissionais se misturam com a rotina doméstica,
cuidados com os filhos, e aulas on-line, gerando uma pressão psicológica e desgaste emocional
nunca antes vivido (DALBEN, 2020).

E todos estamos nos testando sobre a nossa capacidade de termos paciência,


temperança, solidariedade, empatia, colaboração e resiliência. E se não temos mais de
um computador disponível, temos que organizar e dividir o tempo. Idem com os
celulares. E essas ferramentas se transformaram em continuidade das nossas mãos,
olhos, braços, além de coração e emoção, porque sem elas não temos conseguido
estabelecer processos de comunicação e interação diária. (DALBEN, 2020, p. 14)

Foi um período de muita resiliência, obrigando as famílias vivenciarem situações nunca


antes vivida, construindo uma nova forma de convívio social. Conforme Teleken e Ressler
(2020) em sua pesquisa, os professores relataram de forma positiva o fato dos alunos em
isolamento social, estarem mais próximos e em mais contato com suas famílias, fato esse, que
devido o dia-a-dia corrido dos pais, era bem raro essa convivência mais próxima e frequente.
Entretanto, algumas famílias sentiram dificuldades nessa adaptação e no auxílio ao ensino
remoto dos seus filhos, inclusive no acesso ás atividades e falta de tempo para auxiliá-los na
realização dos estudo.
De acordo com Teleken e Ressler (2020), em sua pesquisa, os professores relataram
alguns desafios enfrentados durante as aulas on-line, dentre eles foi citado as dificuldades dos
pais em conduzirem a execução das atividades dos filhos. Eles reforçaram que foi necessário
uma adequação no planejamento das aulas, levando em consideração diversos aspectos como:

pobreza extrema, vícios na família, muitas pessoas morando na mesma casa, falta dos
recursos como espaço adequado em casa, computadores e internet para a realização
das atividades, além dos “descasos de algumas famílias” por não se preocuparem ou
se interessarem pelo aprendizado de seus filhos, porque os pais estão tendo que
realizar as atividades com seus filhos ou por terem dificuldades de realizá-las de forma
colaborativa (TELEKEN; RESSLER, 2020, p. 29).

Na mesma pesquisa, foi destacado que mesmo diante das dificuldades e da falta de
interesse de algumas famílias, muitas delas estiverem bem presentes e sempre em contato com
819

a escola ou com o professor. O que foi fundamental para o desenvolvimento e aprendizado


desses alunos (TELEKEN; RESSLER, 2020). Para os autores, algumas famílias mantiveram
uma boa relação com toda a equipe escolar, o que segundo eles, “é fundamental para que haja
uma boa desenvoltura nas relações e nos processos de ensino e aprendizado dos educandos”,
pois esse envolvimento tem efeitos bastante positivos na vida escolar dos filhos, através do
monitoramento da realização das atividades diárias, o diálogo constante e participação nas
reuniões pedagógicas.
Por outro lado, Vieira (2022) aponta que não há a necessidade de uma formação
acadêmica e pedagógica dos pais para auxiliar os filhos nas aulas on-line. Mas sim, uma
dedicação e participação, organizando a rotina dos filhos e auxiliando na execução das
atividades remotas.
“Algumas famílias entenderam e visualizaram ainda mais a importância da escola,
valorizaram o trabalho dos professores e compreenderam que ensinar não é uma tarefa fácil”
(VIEIRA, 2022, p. 83). Foi um período onde as famílias experienciaram o lado educador, que
antes muitos não tinham esse costume; conheceram também o perfil do seu filho como aluno,
talvez por isso valorizaram tanto o trabalho dos professores.
Em conformidade com esse cenário, Oliveira, Peres e Azevedo (2021) aponta em sua
pesquisa algumas dificuldades enfrentadas pelas famílias e que corroboram com o que já foi
citado aqui anteriormente. Os autores observaram nas respostas de sua pesquisa “que as maiores
dificuldades apontadas são: a falta de tempo, dificuldade em entender e repassar o conteúdo
fornecido pelo professor ao aluno e ainda a dificuldade em manter a concentração e evitar a
dispersão da criança” (OLIVEIRA; PERES; AZEVEDO, 2021, p. 84 ).
Além disso, em outra pesquisa, destacou-se a dificuldade das famílias em utilizar as
ferramentas digitais necessárias para as aulas on-line, falta de equipamentos para todos usarem
ao mesmo tempo e problemas com a internet (GROSSI; MINODA; FONSECA, 2020).
Portanto, de fato ninguém estava preparado para essa situação emergencial, e não havia
planos para executar em caso de isolamento social e suspensão das aulas. Dessa forma, as aulas
on-line foi a única alternativa encontrada para a continuidade do ensino dos alunos (COSTA,
2020). Outro ponto muito importante nesse contexto, é o retorno ás aulas presenciais, e a
relevância dessa relação família e escola, tendo em vista que a família é um agente fundamental
na orientação de ações educativas na prevenção e combate ao aumento de casos da Covid-19
(DIAMBO, 2021).
820

Nesse sentido, as famílias tem a responsabilidade, de através do diálogo com seus filhos,
orientá-los sobre hábitos de higiene, métodos de prevenção da Covid-19 e educação sanitária,
como forma de evitar o aumento de casos e propagação do vírus.

2.3 CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA ESCOLAR EM CONTEXTO DE PANDEMIA

Frente ao cenário pandêmico, a psicologia escolar tem sido convocada a oferecer suporte
emocional a professores, estudantes e demais atores que fazem parte da escola, abordam
(PEDROZA; MAIA, 2021). E ainda, com esse novo contexto, alguns profissionais tiveram que
repensar e modificar sua atuação, assim como os professores, os psicólogos escolares também
fizeram parte desse grupo de profissionais que tiveram que se adaptar ao novo cenário.
No Brasil, em 26 de março de 2020, foi publicada a Resolução do CFP - Conselho
Federal de Psicologia Nº 4/2020, que “Dispõe sobre regulamentação de serviços psicológicos
prestados por meio de Tecnologia da Informação e da Comunicação durante a pandemia do
COVID-19”. Portanto, passou a ser autorizada a prestação de serviços psicológicos por meios
de tecnologia da informação e da comunicação a pessoas e grupos em situação de urgência,
emergência e desastre, bem como de violação de direitos ou violência, buscando minimizar as
implicações psicológicas diante da COVID-19 (CFP, 2020).
Ainda de acordo com Pedroza e Maia (2021, p. 96): “a atuação da psicóloga e do
psicólogo escolar, em uma perspectiva crítica, na qual acreditamos, busca a construção, de
forma colaborativa junto aos diferentes atores escolares, visando uma educação de qualidade e
uma escola mais democrática”.
Nesse sentido se fez necessário uma atuação de forma colaborativa, cabendo ao
psicólogo um trabalho que lhe permitiu dá suporte e atenção ao bem-estar das pessoas, inclusive
os docentes, alunos e famílias, que são atores principais do processo educativo (PEDROZA;
MAIA, 2021).
Com efeito, segundo Noal et al. (2020), podem vir sofrer alguma alteração
psicopatológica, entre um terço e metade da população que passa por uma epidemia, entretanto,
será o grau de vulnerabilidade a qual a pessoa está exposta que influenciará o impacto
psicossocial sofrido pela mesma. Portanto, o autor pontua em seu trabalho, algumas
características intensificadas no comportamento das pessoas devido ao isolamento social como:
tédio, solidão, tristeza, irritação, sentimento de impotência; medo de contrair o vírus, morrer;
821

preocupação acerca da sua situação econômica; distúrbios no apetite (excesso ou falta);


alterações no sono; conflitos familiares; aumento nos casos de violência doméstica e uso
abusivo de álcool ou drogas ilícitas.
Nesse cenário, vale destacar as mudanças na vida da população no ano de 2020, em
decorrência da pandemia pela Covid-19. Desta forma, Cândido (2020), aponta as alterações no
contexto educacional, que precisou ajustar as formas de ensino, devido ao fechamento das
instituições educacionais, impossibilitando o convívio social entre alunos, docentes e
profissionais da educação. Por consequência, o autor, aponta o mal-estar vivido pelos docentes,
devido aos elevados níveis de estresse, ansiedade, dificuldades de adaptação ás novas técnicas
de ensino, e de incertezas quanto ao futuro, levando o educador a um esgotamento mental,
implicando numa sobrecarga emocional que ultrapassa a capacidade de enfrentamento dos
mesmos.
Dessa forma, diante a todas as transformações e modificações que aconteceram no
contexto educacional, o Psicólogo Escolar foi convocado a realizar mediações no cenário
escolar com intervenções de prevenção e promoção da saúde mental dos professores e alunos.
Em suma, reconhece-se que a Psicologia pode oferecer contribuições importantes para o
enfrentamento das repercussões da COVID-19.
Assim também, as autoras Pedroza e Maia (2021), em seu trabalho “Atuação de
Psicólogas Escolares em Contexto de Pandemia: Análise de Práticas Profissionais”, propuseram
algumas ações que foram realizadas pelos Psicólogos Escolares de um Instituto Federal do Pará,
que adaptaram suas práticas ao novo cenário, com intervenções psicoeducativas que oferecem
suporte e apoio durante a pandemia.
As autoras citam diversas possibilidades como: Acolhimento Psicológico Virtual (onde
os psicólogos oferecem um espaço de escuta, através de videoconferência por meios de
aplicativos, como Skype, Meet, Zoom, WhatsApp, substituindo o atendimento presencial);
Materiais audiovisuais (a produção de e-book, cartilhas, folders, posts, trazendo informações
educativas com estratégias de autocuidado e orientações psicológicas para tempos de
pandemia); Lives com temas voltados para a Saúde Mental, dentre outras possibilidades.
Ainda nesse contexto, Facci, Silva e Souza (2020), apresenta como propostas de
intervenção a Orientação aos Pais. Destacando a importância do diálogo das famílias com a
escola, com vistas a buscar estratégias que os ajudem no apoio da realização das atividades
escolares. Além de, ficar ciente das ações educativas a serem realizadas, bem como a devolutiva
822

de feedbacks que contribuem para o crescimento cognitvo e emocional dos alunos.


Semelhantemente, Pauletti, Steffen e Corrêa (2021) sugere espaços de escuta aos
docentes para possibilitarem momentos de discussões e partilhas à cerca das expectativas e
exigências sofridas por eles. Precisamos considerar também que “Agora, os dois ambientes se
misturam e consigo trazem o desafio de manter seu trabalho com os estudantes sem que suas
angústias, incertezas e conteúdos pessoais, íntimos, sejam expostos” (PAULETTI; STEFFEN;
CORRÊA, 2021, p. 689).
Em vista disso, os autores sugerem algumas propostas de intervenções possíveis, e que
obtiveram êxitos em sua vivência profissional como: Grupos de Meditação (no início da aula,
antes dos professores iniciarem o trabalho); Rodas de Conversa (discussões e partilhas de
experiências e dificuldades vivenciadas nas aulas remotas); Escuta em reuniões pedagógicas e
reunião de pais e mestres (facilitando e intermediando as discussões das necessidades do
grupo); Escuta Individual dos Professores (essa proposta surgiu, depois de observarem nos
grupos a necessidade de uma escuta individual, mediante o esgotamento emocional de alguns
profissionais).
Consequentemente, é notório, diante do que foi exposto, o valor e a importância do
Psicólogo Escolar, atuando e proporcionando na instituição de Ensino, um espaço de
acolhimento, escuta empática e ativa, respeitando o sentimento do outro, oferecendo um
ambiente seguro, bem-estar e suporte a toda comunidade escolar (PAULETTI; STEFFEN;
CORRÊA, 2021).

3 METODOLOGIA

A realização dessa pesquisa teve um embasamento teórico através de uma pesquisa


bibliográfica levando em conta a vasta revisão da literatura em vários sites de pesquisa como:
Google Acadêmico, Scielo e PePSIC. Utilizando-se separadamente os descritores: família,
escola, ensino remoto, pandemia e psicologia escolar. E as discussões que compõe o trabalho
foram construídas através de um levantamento de artigos científicos para contextualizar sobre
a relação familia e escola em tempo de pandemia Covid - 19.
Segundo Pizanni et al. (2012), a revisão da literatura enriquece a nossa pesquisa, pois
através dela, temos a oportunidade de ler o que já foi escrito sobre determinado assunto, e assim
está aprofundando cada vez mais a nossa pesquisa.
823

Levou-se em consideração, portanto, um problema de pesquisa e a observação das


possibilidades presentes na literatura consultada, para a construção do referencial teórico.
Objetivando discutir a relação família-escola diante dos desafios educacionais vividos durante
a Pandemia da COVID-19 e as contribuições da psicologia escolar.
Para isso, e por se tratar de um tema que acontece num determinado período na história
da humanidade, nos detivemos a publicações encontradas no espaço de tempo entre 2020 e
2022, que ocorreram nos meses de Fevereiro a Junho de 2022. Sendo assim, foi investigada a
produção científica e publicações contemporâneas sobre o tema objeto da pesquisa.
Por a pesquisa ter como objetivo refletir sobre a relação entre família e escola diante dos
desafios educacionais durante o período pandêmico, este estudo se fundamenta como uma
abordagem qualitativa. Esse tipo de abordagem se preocupa,

com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p.
21-22).

Para mais, adotou-se os pressupostos da pesquisa bibliográfica do tipo narrativa, por se


considerar que esta abordagem proporciona resultado significativo na área educacional por
tratar-se de vivências e experiências concretas oportunizando ao pesquisador uma visão mais
ampla no cotidano escolar.
Sob o mesmo ponto de vista, Reis (2008) fala que os professores se reconstroem através
do diálogo sobre suas práticas e experiências, ampliando seu aprendizado e se reinventando.
Além disso, levamos em consideração o que Vosgerau (2014) defende, que é a necessidade de
estabelecer além do campo de pesquisa, um período e determinada fonte de dados, devido ao
possível volume de produção.
Para isso, como critérios de inclusão foram elencados: a) artigos completos disponíveis
de forma gratuita; b) idioma português; c) produzidos nos últimos três anos; d) atender a
demanda proposta de discutir a relação família-escola durante a pandemia. Bem como, os
critérios de exclusão foram: a) duplicação de arquivos; b) não atendeu a demanda proposta de
forma específica; c) documentos em língua estrangeira.
Sendo assim, depois de uma busca e análise criteriosa de revisão da literatura,
selecionamos produções científicas após a aplicação dos critérios de inclusão, os quais foram
lidos, analisados, tabulados e discutidos ao longo desse trabalho, e que serviram de base na
824

construção do referencial teórico.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente pesquisa buscou-se discutir a relação família-escola diante dos desafios


educacionais vividos durante a Pandemia da Covid-19, e as contribuições da Psicologia Escolar.
Destacando o papel da família e escola na educação das crianças, apresentando essa relação a
partir de um cenário no período pandêmico, além de descrever as práticas de intervenção da
Psicologia Escolar que contribuíram para que os alunos e profissionais da educação
enfrentassem as dificuldades impostas pela pandemia.
A rápida propagação do vírus da Covid-19 levou ao isolamento social como forma de
combate à pandemia, provocando novas formas de trabalho, de estudo e de relacionamentos,
trazendo grandes repercussões nas instituições de ensino, como também nos estudantes e em
suas famílias.
Pode-se compreender que a escola, em seu contexto geral, desempenha um importante
papel na formação e no desenvolvimento humano, através da aprendizagem dos alunos.
Entretanto, esse processo só será possível se estabelecer um vínculo entre todas as partes:
escola, aluno e família. Pois, compreende-se que a educação é a base de tudo na formação
humana, já que nela, aprendemos desde cedo valores acadêmicos, de cidadania e de valores
éticos, por outro lado, temos a função formadora da família, já que ela é o primeiro contato de
sociedade que as crianças experienciam, e é nela que se aprende os valores iniciais que são
essenciais a sua formação.
Dessa forma, família e escola, necessitam caminhar juntas, estabelecendo uma relação
de parceria, com respeito, tendo em vista o desempenho educacional das crianças. Cabe, as
famílias se organizarem de forma que mesmo com suas obrigações profissionais e cotidianas,
desenvolvam estratégias para que estejam presentes em todos os momentos do desenvolvimento
dos seus filhos, igualmente, na sua vida escolar, participando da realização das atividades,
participando das reuniões pedagógicas, envolvendo-se nas atividades comemorativas do
calendário escolar, bem como, estabelecendo uma relação harmoniosa e respeitosa com os
educadores. Oportunizando, assim, condições para que seus filhos se desenvolvam com êxito.
Destarte, diante do período de isolamento social, foi imposto o ensino remoto como
forma de se dar a continuidade da vida escolar das crianças, colocando cada vez mais em
825

evidência a participação dos pais no acompanhamento pedagógico dos seus filhos. Com as
escolas fechadas, as aulas foram transferidas para os lares dos alunos, o que provocou diversas
preocupações e dificuldades, constatando-se nas leituras realizadas para essa pesquisa, que
tanto as escolas e seus respectivos professores, quanto os familizares, precisaram se reorganizar
frente a nova rotina imposta pela pandemia.
Entretanto, faz-se necessário levar em consideração, as dificuldades enfrentadas por
ambos os lados. Os professores precisaram reinventar seu método de ensino, aprender a usar
tecnologias, e adquirir equipamentos para que tornasse viável a realização das suas aulas,
fazendo da sua casa também espaço reservado para desenvolver suas aulas. Fato esse que não
foi fácil, e principalmente da forma abrupta com a qual foi imposta aos docentes, e isso se
tornou um fator de adoecimento mental, provocando sofrimento e doenças ligadas a aspectos
psicológicos decorrentes do ambiente gerado pela Covid-19.
Além disso, os professores tiveram muitas dificuldade no relacionamento com os pais,
e na execução das atividades dos alunos. Muitas famílias, advinham de contextos socias
fragilizados, de pobreza, vícios na família, desemprego, adoecimento mental e falta de recursos
para a realização das atividades como internet e computador. Além desses fatores, algumas
famílias demonstraram desinteresse e pouca preocupação no processo de aprendizagem de seus
filhos.
Diante disso, têm-se falado muito no insucesso escolar dos alunos durante o ensino
remoto e suas, portanto, constata-se como uma das causas a falta de participação das famílias
na vida escolar dos seus filhos. Mas, corroborando as pesquisas realizadas, compreende que a
relação família e escola, facilita o trabalho do professor e oportunizam uma melhor
aprendizagem dos alunos.
Sendo assim, em virtude de tudo que foi mencionado, percebe-se que as o ensino remoto
devido ao isolamento social, surge como um agravante de saúde mental em todos os envolvidos
no contexto escolar: educadores, família e aluno. E é nessa conjuntura que ressaltamos o papel
da Psicologia Escolar, pois ela contribuirá na orientação a pais e professores, bem como como
no gerenciamento de crises, com o objetivo de reduzir os impactos do atual contexto.
Nessa perspectiva, é de essencial importância, visibilizar o papel do Psicólogo Escolar
e sua contribuição na construção de um espaço escolar harmonioso, preservando além das
habilidades educacionais, também as habilidades socioemocionais de todos os envolvidos
(professores, alunos e pais). Portanto, esse novo contexto vivenciado na educação devido a
826

pandemia da Covid-19, a Psicologia Escolar também necessitou reiventar a sua prática,


permitindo que ele utilize no seu manejo, novos ajustamentos de intervenções.
Sendo assim, a partir dessas observações, comprova-se a relevância do Psicólogo
Escolar, principalmente diante das novas demandas educacionais e dos desafios enfrentados
pelos educadores, famílias e alunos.
Em suma, as contribuições da Psicologia Escolar envolvem intervenções psicológicas
durante o período pandêmico e o ensino remoto, bem como, na adaptação de alunos e
professores na volta do ensino presencial; promovendo um espaço educacional acolhedor, de
escuta empática, construindo locais de reflexão de práticas e metodologias de ensino, além de
construírem soluções conjuntas para as dificuldades enfrentadas, promovendo assim, a saúde
mental de todos os envolvidos.
Portanto, nas instituições escolares, os momentos e ambientes de vivência se tornam
cada vez mais importantes mediante a realidade enfrentada. Pois a Escola e todos os sujeitos
que fazem parte dela, precisam dialogar, se escutarem, objetivando que todas as dificuldades e
entraves vividos por todos os sujeitos sejam reconhecidos, e levados em consideração na
construção de possibilidades e soluções, promovendo saúde mental e bem-estar.
Espera-se que essa pesquisa possa contribuir para uma ampla avaliação do contexto
educacional levando em consideração a relação família e escola em situações de crises, como a
pandemia, em especial através da Psicologia Escolar.
Em síntese que seja repensado o quanto antes a importância da compreensão dos
investimentos das políticas públicas para o trabalho mais voltado a promoção da saúde mental
em contextos de adversidades como este de um cenário pandêmico. Além de como a atuação
do Psicólogo Escolar pode contribuir para o enfrentamento dessas condições impostas dando
suporte psicológico, e trazendo novas possibilidades na prática docente e na construção de uma
relação harmoniosa entre todos os envolvidos no contexto educacional, em especial em escolas
públicas, visando desenvolver práticas mais humanizadas.
Espera-se também um despertar e interesse de pesquisadores para uma produção cada
vez maior de discussões relacionadas a essa integração entre família e escola, e a realização de
ações voltadas a esses contextos e em conjunto entre os mesmos, para que assim haja um
funcionamento escolar de bons resultados nos processos de ensino-aprendizagens das crianças.

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ASPECTOS PSICOSSOCIAIS CONCATENADOS À GRAVIDEZ NA


ADOLESCÊNCIA: um ensaio sobre o psicológico da adolescente grávida

Drúscilla Romanelly Nogueira Maia1


José Alves Neto2
Lara Suiane de Oliveira Nogueira3
Karidja Kalliany Carlos de Freitas Moura4

RESUMO

Este trabalho busca compreender através do olhar da psicologia o impacto psicológico sofrido
pela adolescente durante sua gestação, levando em consideração todos os aspectos
psicossociais. Buscou-se entender se há relação direta ou indireta do meio externo para a
contribuição de prejuízos e ganhos para o desenvolvimento psicológico da gestante. Trata-se
de uma pesquisa bibliográfica através de um levantamento de trabalhos publicados no Scielo e
Google Acadêmico, dentro da data de publicação de 2014 a 2019, tendo exceções de trabalhos
que serviam como base para o assunto, posteriormente foram submetidos a uma revisão de
conteúdo dentro do tema abordado, usando como critério de exclusão aqueles que não estavam
alinhados com o objetivo da pesquisa ou fora da data estabelecida. Constatou-se no resultado
da pesquisa que é de grande importância o investimento na educação sobre a saúde, onde deve
haver politicas públicas voltadas ao planejamento reprodutivo, além de planejamento de ações
educativas.
Palavras-Chave: Adolescência, Gravidez, Educação.

ABSTRACT

This work seeks to understand through the perspective of psychology the psychological impact
suffered by the teenager during her pregnancy, taking into account all psychosocial aspects. We
sought to understand whether there is a direct or indirect relationship between the external
environment and the contribution of losses and gains to the psychological development of the
pregnant woman. This is a bibliographic research through a survey of works published in Scielo
and Google Scholar, within the publication date from 2014 to 2019, with exceptions of works
that served as a basis for the subject, later submitted to a content review within the topic
addressed, using as exclusion criteria those that were not aligned with the research objective or
outside the established date. It was found in the result of the research that it is of great
importance to invest in health education, where there must be public policies aimed at
reproductive planning, in addition to planning educational actions.
Keywords: Adolescence, Pregnancy, Education.

1 INTRODUÇÃO

1
Graduanda em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: druscillarnm@gmail.com.
2
Graduando em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
joseealvesnetoo2014@gmail.com.
3
Graduanda em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: larasuiane@hotmail.com.
4
Orientador. Docente em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
extensão@católicadorn.com.br.
831

A adolescência tem seu início de idade muito relativo. Para a Organização Mundial da
Saúde (OMS) o indivíduo é considerado adolescente a partir dos 10 aos 19 anos completos, já
para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pela lei 8.069 de 1990 no artigo 2º, é
considerado adolescente o indivíduo com 12 anos completos a 18 anos de idade, contudo a
Organização das Nações Unidas (ONU) considera como adolescente aquele que tem de 15 a 24
anos de idade.
Nesse contexto, Eisenstein (2005) e Ferreira e Nelas (2006) explicam que a adolescência
é marcada pela transição entre infância e vida adulta, um período que se caracteriza pelos
prenúncios do desenvolvimento físico, sexual, emocional, social e mental. O período da
adolescência tem como início as transformações corpóreas da puberdade, e a mesma apenas
termina quando o indivíduo consolida seu crescimento e a sua personalidade, dessa forma busca
gradativamente independência financeira, além do pertencimento a um grupo social. Apesar
disso, pode haver oscilação da juventude pelas diferenças de sexo, lugar, etnias, condições
econômicas e culturais, diante desses fatores o indivíduo pode ter sua juventude retardada ou
precoce.
É nesta fase que os adolescentes começam a se relacionar sexualmente e sem uma
orientação necessária, tornam-se suscetíveis a engravidarem (RODRIGUES, et al., 2018).
Consoante os dados divulgados em 2017 pelo Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA) pertinentes ao lapso de 2006 a 2015, o Brasil tem índices de 65 gestações para 1 mil
adolescentes de 15 a 19 anos, em conformidade com a agência da ONU, um em cada cinco
bebês é filho de mãe adolescente.
A gestação na adolescência era vista como uma demanda fora do campo de
responsabilidade da saúde pública, até por volta de meados do século XX, e os pesquisadores
também não tinham tanto interesse quanto nos dias atuais. (DIAS; TEIXEIRA, 2010).
Destarte, na contemporaneidade é notória a expansão do estudo de diversos temas
atrelados à gravidez na adolescência, como é visto na pesquisa de Bernardo e Monteiro (2015)
realizada com 40 adolescentes, com as idades gestacionais de 1 (uma) a 40 (quarenta) semanas,
dentre essa amostra 15 (37%) adolescentes tinham idades de 13 a 15 anos, e 25 (63%) tinham
16 ou 17 anos. Mostrando a escolaridade dessas adolescentes, no qual é observado que 19 (47%)
das pesquisadas haviam cursado de 4 a 9 anos de estudos escolares, enquanto 21 (53%) haviam
concluído ou iniciado o ensino médio, com 10 a 12 anos de estudos. A maioria delas 24 (60%)
não estava estudando no momento da pesquisa, e as outras 16 (40%) estudavam, ou pelo menos
832

declararam que continuavam matriculadas no ensino regular. E ao pesquisar sobre a situação


destas pelo poder de compra familiar, avaliado pelo Critério de Classificação Econômica Brasil
(CCEB) (ABEP, 2015), 31 (78%) das participantes estavam inseridas em classes econômicas
menos favorecidas, e nove delas (22%) em classes econômicas mais altas. Sendo estes fatores
inerentes ao processo psicológico do período gestacional da adolescente, como impulsionadores
de resultados negativos ou positivos na vida das mesmas.
De acordo com Barros e Santos (2017), foi visto em seus resultados que dos artigos
analisados, os obstáculos mais encontrados pelas adolescentes foram a gravidez indesejada e
amedrontamento perante a família ou parceiro em relação as reações dos mesmos.
Consequenciando em turbulências psicológicas que trazem aspectos negativos para a saúde
mental da adolescente grávida na maioria das vezes.
Em uma pesquisa realizada por Araújo et al. (2016), concluiu-se com a observação de
um dos gráficos apurados, que em relação ao planejamento e o desejo de engravidar, a
proporção estabelecida entre as que não planejaram a gravidez, foi maior em torno de 89,5%
(17), do que as que desejaram, 10,5% (2). Ainda observou-se sobre o índice elevado de gravidez
não planejada, que em sua grande parte são frutos de relações sexuais com interações que não
possuem significado emocional, e nem são concretas e duradouras, refletindo muitas vezes em
efeitos disfuncionais, fomentando muitas adversidades em sua vida pessoal.
Portanto, o presente trabalho objetiva identificar os aspectos psicossociais concatenados
à gravidez na adolescência direcionados ao psicológico da adolescente grávida. E bem como,
identificar como os aspectos psicossociais que na formação escolar e profissional da
adolescente em questão, cooperando para que pensamentos errôneos disseminados socialmente
sejam desconstruídos. Outrossim, com o propósito de contribuir com o aumento da produção
científica relacionada ao referente tema, e esmiuçar de forma empírica os divergentes pontos
que se ramificam acerca do psicológico da adolescente grávida.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 COEFICIENTES PSICOEMOCIONAIS DO PERÍODO GESTACIONAL DA


ADOLESCENTE
833

A gravidez é uma fase de complemento para o desenvolvimento humano, ao mesmo


tempo em que compõe um momento de complicação na adolescência, pois é nesse momento
que ocorrem mudanças na identidade, e há uma nova definição de papéis. A mulher passa a se
ver e ser vista de forma diferente, na qual se constata suas transformações físicas e
biopsicossociais (ALVES et al., 2016; CERQUEIRA-SANTOS et al., 2010; MOREIRA et al.,
2008).
A complexidade das mudanças provocadas pela vinda de um bebê não se limita as
variáveis psicológicas e bioquímicas, pois os fatores socioeconômicos também são
fundamentais. Entretanto, o período gestacional em si, é um momento delicado que exige
atenção, e assim como a adolescente possui também suas particularidades. Quando ocorre a
união desses dois momentos, adolescência e gravidez, se obtém um leque de mutações que
levam a uma avalanche de emoções e situações. Visto que, durante nove meses de gestação, as
mulheres passam por um processo de mudanças físico-psicológicas e necessitam de uma maior
quantidade de afeto, carinho e proteção. Sendo os dois últimos trimestres responsáveis pela
acentuação das mudanças psicológicas, porque no primeiro trimestre evidenciam-se as
transformações fisiológicas, como o enjoo. Já o segundo trimestre, é considerado o mais estável
emocionalmente, por causa dos movimentos fetais. No entanto, é nesse período que o desejo e
o desempenho sexual tendem a surgir. E por fim, no terceiro trimestre, o nível de ansiedade
aumenta em proporção a quanto mais chegar perto do dia do parto e da rotina que se sucederá
após o nascimento do bebê (MOREIRA et al., 2008).
Segundo um estudo feito por Alves et al. (2016), foi construída uma tabela na qual 3
(14,29%) das participantes tinham 15 anos de idade; 7 (33,33%) tinham 16 anos; 4 (19,05%)
tinham 17 anos; 5 (23,81%) tinham 18 anos e 2 (9,52%) tinham 19 anos. A partir dessas
informações, surge a preocupação, em decorrência da falta de maturação dos organismos das
adolescentes para as alterações fisiológicas que acontecem no período gestacional, oferencendo
riscos as mesmas e ao desenvolvimento da criança. Dentro desse contexto, Ulloque-Caamaño,
Monterrosa-Castro e Arteta-Acosta (2015), em um estudo feito com adolescentes do
departamento de Bolívar, Caribe colombiano, utilizando-se de um formulário, e das escalas de
auto-estima de Rosenberg e de resiliência de Wagnild e Young, verificaram que o escore médio
de autoestima foi de 27,8 ± 3,9. 76,8% tinham nível de autoestima normal e 23,2% tinham
prevalência de baixa autoestima (BAE), (p <0,05). O escore médio de resiliência foi de 125,0
± 17,8. 8,6% apresentaram alto nível de resiliência, 57,2% moderado nível de resiliência e
834

34,2% baixo nível de resiliência (NRB) (p <0,05). Mostrando que os fatores psicoemocionais
ainda não estruturados revelam a fragilidade psicológica das adolescentes grávidas.
De acordo com uma pesquisa realizada por Ximenes Neto et al. (2007) a sexarca precoce
é um motivo gerador da gravidez devido ao desconhecimento de práticas preventivas e também
o possível não amadurecimento emocional da adolescente, que é coagida por chantagens do
parceiro, que na maioria das vezes é mais velho, e pede provas que comprovem o amor da
adolescente por ele. Essas provas se dão desde o defloramento do hímen, até o sexo sem
preservativo, com o intuito de usá-la sexualmente. Em contrapartida, também é mostrado que
se destaca como motivo impulsionador da gravidez, o desejo de ser mãe em 44,9% das
adolescentes entrevistadas, na qual a percepção em relação a gravidez se relaciona com
felicidade e realização pessoal.
Porém em uma pesquisa produzida no Programa de Assistência Multidisciplinar à Mãe
e à Gestante Adolescente, em 1996, foi visto que 42% das gravidezes foram intencionais, e 58%
acidental, corroborando o estudo de Moreira et al. (2008), na qual apresenta-se como um dos
resultados dos conflitos vivenciado pela grávida, o fato da gravidez ser indesejada, em que a
entrevistada de 15 anos relatou que sofre muito porque não achou que aconteceria com ela, a
de 16 anos entrou em desespero e pensou até em matar o bebê por causa da turbulência em sua
cabeça, e a de 18 anos teve ideias suicidas pelo fato do seu namorado não querer morar com ela
e por não poder dizer nada aos pais.
A gravidez na adolescência, induz em quase todos os casos, ao adiamento de sonhos, à
desistência de planos, colocando a mulher adolescente numa condição de desajuste social,
familiar e escolar, fazendo com que a mesma possa ter momentos de crises, na qual dependendo
do grau de ajuste da personalidade da adolescente, ela pode sair da crise resistente e fortalecida
ou pode entrar em uma depressão, tentar o aborto ou suicídio (ALVES et al., 2016; XIMENES
NETO et. al., 2007).
Em um estudo realizado com 12 gestantes adolescentes (15-19) que visitavam os
serviços pré-natais de uma unidade de saúde em Nairóbi, no Quênia, por Osok et al. (2018),
revelou-se em seus resultados que as adolescentes grávidas enfrentam quatro grandes áreas de
desafio, incluindo depressão, ansiedade e estresse por causa da gravidez, negação da gestação
e falta de cuidados. Esses desafios estavam ligados tanto a normas sociais e culturais vigentes
quanto a gênero e estrutura familiar tradicional. E em consequência dessas preocupações e
barreiras, ocorreu agravos negativos na saúde mental das adolescentes grávidas, como por
835

exemplo se sentirem inseguras sobre o futuro, sentirem-se sem forças e tristes por estarem
grávidas e sem apoio para cuidarem dos bebês.
De acordo com um estudo de abordagem mista realizado por Wilson-Mitchell, Bennett
e Stennett (2014), com adolescentes grávidas entre 12 e 17 anos, no qual foram aplicadas
entrevistas semiestruturadas com 30 adolescentes e grupos focais com 2 jovens, concluiu-se
que 23% apresentavam sofrimento psicológico e 6,6% ideação suicida. Observou-se também
que maioria das gestantes apresentou-se resiliente no momento da gestação, e essa capacidade
possuía forte relação com o apoio social recebido de suas mães.
Em contrapartida alguns resultados da literatura mostram que o apoio familiar nem
sempre se faz presente no período gestacional e que o relacionamento com os seus parceiros,
juntamente com o fator anterior, desencadeia muitas vezes o adoecimento mental da
adolescente grávida.

2.2 RELAÇÃO FAMILIAR E CONJUGAL DA ADOLESCENTE GRÁVIDA

Para analisar o quadro psicológico e de que forma a gravidez afeta a adolescente gestante
e a sua saúde mental neste período, precisamos entender suas relações no âmbito familiar e com
o seu parceiro, entendendo que estas relações podem trazer aspectos positivos ou negativos.
De acordo com Costa et al. (2014) em pesquisa de ordem qualitativa descritiva e
exploratória com 11 casais, os resultados foram que as mães passaram a se considerar com
maior responsabilidade e relataram preocupação sobre os cuidados diretos com o bebê,
enquanto os pais também expressaram aceitação de responsabilização, porém, com maior
ênfase quanto ao provimento dos recursos materiais para a nova família constituída. Necessário
destacar que tal pesquisa foi realizada com casais que permaneceram juntos durante todo o
curso da gestação e, por conseguinte ao nascimento do bebê, contudo, essa realidade não
perpasse por todos os jovens pais, sendo observado, ocasionalmente um certo distanciamento
tanto emocional quanto de seus papéis sociais.
Acerca da reação tanto do parceiro quanto dos familiares à descoberta da gravidez, de
acordo com os resultados de Nascimento, Xavier e Sá (2011) pode-se comprovar que, no início,
geralmente trata-se de uma reação perturbadora por se tratar de um fato inesperado, mas que
com o tempo passa a ser melhor compreendido.
836

Relacionados ao comportamento dos parceiros, 86,3% das adolescentes afirmaram que


o namorado estava fazendo o acompanhamento da gravidez, e 13,6% disseram o contrário, que
o namorado não o fazia. Diante dessa pesquisa realizada por Guimarães e Witter (2008), pode-
se perceber a maioria dos adolescentes assumindo a criança desde a gestação, talvez não de
forma plena, mas acompanhavam a gravidez, o que torna necessário então, diante dos dados,
políticas e ações que incentivem a participação da figura masculina com apoio integral, e que
esse acompanhamento seja feito com caráter qualitativo para os que já acompanham, e ações
incentivadoras para os que não acompanham.
Tendo em vista o aparecimento de problemas psicológicos mais frequentes em
adolescentes que não contam com a presença de seus companheiros e familiares, sofrendo pela
sobrecarga emocional de arcar com todas as responsabilidades que se seguirão e que já afetam
a sua passada a fase adulta de forma abrupta e rápida, se observa a influência positiva provocada
pela presença do pai da criança e a divisão de tarefas e responsabilidades, como descrito por
Oliveira-Monteiro et al. (2014).
Considera-se de grande relevância analisar também as relações familiares no processo
histórico vivenciado pela adolescente grávida, já que o conhecimento da situação dessa família
por parte dos profissionais da saúde pode possibilitar uma assistência necessária de ordem
biológica quanto psicológica tanto para a adolescente grávida quanto para os familiares.
Segundo Pantoja (2003), a mãe da adolescente contribui demasiadamente nesse
processo de gestação, citando que a principal rede de apoio se manifesta nas mães, que no caso
serão as futuras avós das crianças. Confirmando esta teoria, Souza (2001) mostra em seus
resultados que, embora existam obstáculos ao longo do caminho, no início da gravidez, as
etapas árduas desse processo são superadas pelo fato de se contar com o apoio de familiares,
amigas e colegas de escola.
Um fator importante a ser analisado é a visão sobre sexualidade no seio familiar, já que
pesquisas foram realizadas por Hoga, Borges e Reberte (2010), acerca desse tema e
constataram que a sexualidade é vista pelos pais como sinônimo de ato sexual, trazendo às suas
filhas somente um entendimento do sexo como algo proibido, dificultando a comunicação e o
diálogo sobre sexualidade na família, e uma consequente curiosidade sobre assuntos
desconhecidos, com o experimento de forma precoce, ocasionando uma gravidez na
adolescência.
837

A falta de apoio dos familiares também é um assunto a ser observado e foi encontrado
em pesquisa realizada no Rio de Janeiro que 14,2% das adolescentes que não receberam suporte
familiar apresentaram quadro depressivo durante a gravidez. Neste mesmo estudo foram
coletados dados que 7,5% das adolescentes relataram ter sofrido violência física dos pais e 8,3%
temiam sofrer essa violência também por parte deles (PEREIRA et al., 2010).
A violência psicológica caracteriza-se por palavras e atitudes que venham a interferir de
forma negativa na vida da vítima, e mesmo não sendo de forma física, mas através de
humilhações, ameaças e insultos, essa se constitui como uma violência que pode ser praticada
pela família da adolescente, principalmente os pais, como uma forma de rejeitar a gravidez da
jovem, culpando-a pelo acontecimento inesperado. E como consequência disso, ao ser vítima
de constante repressão, a jovem pode acabar se excluindo, se reprimindo, diminuindo sua rede
de apoio.
Mediante pesquisa conduzida em São Paulo com adolescentes gestantes tem-se como
resultado um percentual de 47,5% das participantes sofreram violência psicológica
principalmente pelos pais (BARRIENTOS et al., 2013). O que permitiu associar esse evento da
gravidez à um evento desastroso que ocasionaria dificuldades intrafamiliares no futuro,
causando-as desde então um sofrimento psíquico.
Em conjunto com o sofrimento psíquico advindo da não aceitação da gravidez dessa
adolescente no âmbito familiar e conjugal, encontram-se também outros fatores como o da
evasão escolar precoce, associado a variáveis socioeconômicas e culturais.

2.3. ESCOLARIDADE DA GESTANTE ADOLESCENTE E SEUS FATORES


SOCIOECONÔMICOS

Alguns autores em seus trabalhos feitos com a visão voltada para a gravidez na
adolescência denotaram que um dos principais fatores atrelados à gestação adolescente era o
baixo nível de escolaridade dos jovens.
Os resultados de Vargas et al. (2014) em uma pesquisa no Hospital Maternidade
Oswaldo Nazareth – RJ, mostram que 50% das entrevistadas tinham ensino fundamental
incompleto; 37,5% tinha o ensino médio incompleto e somente 12,5% tinha concluído o ensino
médio, mostraram também que a maioria das entrevistadas cursaram menos de 7 anos de estudo,
o que considera-se um baixo nível de escolaridade.
838

Divergente aos resultados citados precedentemente, outro estudo realizado por Nogueira
e Mendonça (2015) em seis unidades de Estratégia da Saúde da Família (ESF) em Ceres-GO
com 12 adolescentes gestantes com idades entre 10 e 19 anos, foi visto que 6 das 12
adolescentes possuem ensino médio incompleto e as outras 6 possuem nível médio completo,
logo os níveis de escolaridade das adolescentes era conciliável as suas idades.
Para Arceo-Gomez e Campos-Vazquez (2015) em um estudo feito no México os
números colhidos em seus resultados mostram que as mães adolescentes não são diferentes das
adolescentes que não são mães, desse modo, a baixa escolaridade pode não ser completamente
responsável pela gravidez precoce, porém mostram que pode haver uma redução de 1 e 1,2 anos
de escolaridade.
Alves, Muniz e Teles (2015) mostram que a média de frequência das adolescentes na
escola em sua pesquisa, foi de oito anos. Destacaram que 67,3% das jovens não estavam
estudando no momento da entrevista; 60,2% relacionaram a deserção da escola à gravidez e
65,4% das entrevistadas haviam abandonado durante o ano letivo. Em relação a renda familiar,
apresentaram que 82,2% das entrevistadas pertenciam às classes C e D sendo que 68% delas
tinham sua renda mensal familiar de até 4 salários mínimos, e a principal fonte de sustento
emanava dos companheiros ou pais.
Nogueira e Mendonça (2015) apontam em seus resultados que 7 das 12 entrevistadas
tem sua renda familiar igual a 1 salário mínimo, enquanto 3 delas disseram que sua renda
familiar mensal era de 1 á 2 salários mínimos e somente 2 relataram ter mais de 2 salários
mínimos mensal, deixando evidente um maior número de gestantes com baixa renda.
Em estudos realizados em Jeremoabo-Ba mostrou em dados que 24 (37) das
adolescentes entrevistadas tinham uma renda inferior a um salário mínimo, e em um ensaio
realizado no Rio de Janeiro, mostrou que nas áreas com as rendas mais baixas tem um maior
número de adolescentes grávidas. Parece ter um consenso em correlacionar a gravidez precoce
à condição socioeconômica. (RIBEIRO; SANTOS; SANTOS, 2015).
Perante os artigos analisados durante o desenvolvimento do trabalho, foi visto que além
de seus níveis escolares e suas rendas familiares, apontou uma maior predominância de gravidez
precoce entre mães de cor parda ou negra. É sabido que a etnia negra no Brasil retrata suas
situações socioeconômicas desfavorecidas em comparação com as demais etnias.
Vargas et al. (2014) identificaram que dentre as grávidas adolescentes havia uma
predominância de gravidez precoce entre negras (37,5%) e pardas (25%), enquanto havia uma
839

porcentagem de 37,5% entre brancas. Pode-se assim perceber que somando pardas e negras terá
uma porcentagem de 62,5% demonstrando uma predominância em mulheres “não brancas”. Os
dados socioeconômicos indicam que maior parte das negras está abaixo da linha de pobreza,
consequentemente a taxa de analfabetismo comparado as brancas é o dobro, estas tem um
acesso mais precário à saúde de qualidade.
Em um estudo feito em Caxias no estado do Maranhão. Silva, Silva e Menegon (2017)
mostraram que das 21 adolescentes grávidas 18 eram de cor parda (15/74,8%) e 3 eram de cor
negra (3/15,1%), esse resultado está de acordo com a realidade brasileira, onde a gravidez
adolescente atinge demasiadamente a população parda.
Diante dos três principais fatores apontados como possíveis causas da gravidez precoce
Ximenes Neto et al. (2007) trazem que a o baixo nível escolar ou nenhum escolaridade tem uma
influência na não consecução de práticas preventivas. A adolescente que opta por abandonar a
escola tem uma maior vulnerabilidade à gravidez precoce, sendo essa evasão um fator de risco
peculiar e importante para a gravidez adolescente. Pode existir uma unanimidade
correlacionada à baixa escolaridade e gravidez na adolescência.

3 METODOLOGIA

O presente trabalho é uma pesquisa bibliográfica qualitativa, realizada no período de


Março de 2019 a Dezembro de 2019. Segundo Melo e Vieira (2015) podemos definir uma
pesquisa qualitativa como um estudo sem estatísticas, que busca identificar e analisar com
maior profundidade dados de um determinado grupo de indivíduos diante de um problema
especifico. A pesquisa bibliográfica busca explicação para uma determinada demanda a partir
de referências desenvolvidas em artigos, teses, livros, dissertações e etc. Pode ser realizada
como parte ou independente de uma pesquisa descritiva ou experimental. (CERVO;
BERVIAN; DA SILVA, 2007).
Utilizou-se das plataformas Scielo e Google Acadêmico, onde houve uma seleção de
trabalhos que seriam pertinentes para o assunto, utilizando o critério de exclusão foram
utilizados 31 trabalhos, usando o recorte temporal de 2014 a 2019. Foram utilizados como
critério de exclusão trabalhos antecedentes as 2014 por entender o quanto a sociedade se
modifica a cada ano e os dados podem vir a se alterar, alguns trabalhos tidos como referência
840

dentro da área de pesquisa do tema foram estudados e usados, utilizou-se também trabalhos que
não faziam parte da temática abordada.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos compilados de informações e fatos reunidos dentro da presente pesquisa, é


notória a importância de destaque que deve ser reservada ao tema da Gravidez na Adolescência
e sua influência biopsicossocial no desenvolvimento humano. Barros e Santos (2017) aponta
que, em vista desse cenário, percebe-se a necessidade de investimentos em educação em saúde,
uma vez que se há a importância das políticas públicas voltadas ao planejamento reprodutivo;
as ações educativas devem trazer esta temática de forma resolutiva, atentando para o contexto
o qual a adolescente está inserida, para que as estratégias traçadas sejam de acordo com a sua
realidade. Entretanto, a implementação da Política de Atenção à Saúde do Adolescente no
Brasil exprime vários empecilhos, entre eles a formação de um recurso humano, uma vez que,
as equipes de saúde estão despreparadas e dessensibilizadas para atuar com estes jovens, bem
como, observa-se uma baixa frequência dos adolescentes nas Unidades de Saúde, devendo-se
ao fato deles identificarem a ida ao serviço como algo com pouca relevância. Consonantemente,
a práxis do Psicólogo possui o cerne de suas discussões voltadas justamente para a construção
de medidas e soluções que otimizem a vida dos jovens, facilitando através de métodos
intrínsecos a cada realidade melhorias não permitidas por um sistema falho, e desestruturado
em sua macro e microestruturas.

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844

ATENÇÃO A SAÚDE MATERNA E ATUAÇÃO MULTIPROFISSIONAL COM


GRUPO DE GESTANTES: um relato de experiência

Letícia Karoline Brito Medeiros Dantas 1


Lisandra Mikaely Barboza da Silva2
Yasmin Falcão Bezerra3
Antonia Isabelly Monteiro dos Anjos 4
Andréa Bárbara Araújo Gomes5

RESUMO

O período gravídico-puerperal é visto como um momento de intensas transformações e que


exige um cuidado a mulher, entendendo a totalidade dos aspectos que envolvem a gestação e a
importância de uma assistência profissional múltipla às diversas necessidades. Este artigo tem
como objetivo relatar uma experiência prática de trabalho multiprofissional com gestantes.
Configurando-se como um estudo descritivo do tipo Relato de Experiência, expõe a vivência
de um Grupo de gestantes formado através de um projeto de extensão e conduzido por
profissionais da Residência em Saúde Materno Infantil. Realizados 4 encontros por equipe
composta por nutricionistas, enfermeira, psicólogas e assistente social, tendo como público-
alvo gestantes com idade entre 20 e 38 anos. Foi possível perceber a relevância das extensões
universitárias e do trabalho multiprofissional, reconhecendo a necessidade de ações de
educação em saúde durante o período gestacional e de construir momentos de experiência
teórica e prática que possibilitem novas formas de cuidado e de se fazer saúde. Os encontros
foram importantes para o empoderamento das mulheres por proporcionar acesso à informação
e diálogo com a equipe de saúde. Percebendo às diversas necessidades e demandas das
gestantes, cabe destaque a importância de uma assistência integral e que considere os
determinantes sociais de saúde.
Palavras-Chave: Equipe Multiprofissional, Gravidez, Saúde da Mulher.

ABSTRACT

The pregnancy-puerperal period is seen as a time of intense transformations that requires care
for the woman, understanding all the aspects that envolve pregnancy and the importance of
multiple professional assistance to the various needs. This article aims to report a practical
experience of multidisciplinar work with pregnant women. Configuring itself as a descriptive
study of the Experience Report type, it exposes the experience of a group of pregant women
formed through an extension project and conducted by professionals from the Residency in
Maternal and Child Health. Four meetings were held by a team composed of nutritionists,
1
Assistente Social, residente em Saúde Materno-Infantil pela UFRN. E-mail: leticiiakarolline@hotmail.com
2
Nutricionista, Residente em Saúde Materno-Infantil pela UFRN. E-mail: lisbarboza@outlook.com
3
Psicóloga, Residente em Saúde Materno-Infantil pela UFRN. E-mail: yasminfalc@gmail.com
4
Nutricionista, Residente em Saúde Materno-Infantil pela UFRN. E-mail: isabellymtr@gmail.com
5
Orientadora, Enfermeira assistencial do HUAB. E-mail: andrea.barbara@ebserh.gov.br
845

nurses, psychologists and a social worker, targeting pregnant women aged between 20 and 38
years. It was possible to perceive the relevance of university extensions and multiprofissional
work, recognizing the need for health education actions during the gestational period and to
build moments of theoretical and practical experience that enable new forms of care and health
care. The meetings were important for the empowerment of women by providing access to
information and dialogue with the health team. Realizing the diverse needs and demands of
pregnant women it is important to highlight the importance of comprehensive care that
considers the social determinants of health.
Keywords: Multiprofessional team. Pregnancy. Women's Health.

1 INTRODUÇÃO

A maternidade se configura como uma realidade que exige adaptações, visto que é um
período de intensas transformações. Essas mudanças estão relacionadas à pluralidade e
integralidade da vida, que correspondem ao social, psicológico e físico, envolvendo muitas
vezes cuidados essenciais e específicos para essa fase, como acompanhamento nutricional,
apoio psicológico, realização de exercícios físicos, fortalecimento de rede de apoio familiar e
social, questões observadas através do acompanhamento de rotina no pré-natal (VIEIRA,
2013).
Ao levar em consideração essa importância do cuidado à mulher no período gravídico-
puerperal e entendendo a totalidade dos aspectos que envolvem a gestação, é imprescindível
prestar assistência múltipla às diversas necessidades. Isso pois, em razão da complexidade desse
momento, demanda-se da gestante uma organização quanto às questões relacionadas a tempo e
rotina, bem como articulação de acesso aos serviços de saúde e rede de apoio social e
profissional.
Logo, os profissionais de saúde que trabalham com gestantes devem possuir essa
perspectiva integral, para proporcionar satisfação e bem-estar à mulher. Norteados por essa
ideia, Falcone et al (2005) estabelecem a atuação multiprofissional como uma forma de
estimular o respeito e a confiança entre os envolvidos, desenvolvendo crescimento mútuo e uma
assistência de qualidade às necessidades apresentadas e seus significados singulares.
Sendo assim, o acompanhamento multiprofissional pode tornar-se uma ferramenta de
intervenção em grupos de gestantes. Com a presença de profissionais de distintas áreas, como
psicólogos, enfermeiras, nutricionistas, assistentes sociais e outros ligados à saúde, existe
potência para o surgimento de um ambiente acolhedor, onde as mulheres possam tirar dúvidas,
846

elaborar os sentimentos e emoções, compartilhar os desafios e construir um suporte, pois o


grupo possibilita a ressignificação da experiência social (VIEIRA, 2013).
Nesse sentido, o presente relato tem como objetivo compartilhar a experiência de
atuação multiprofissional em grupo de gestantes desenvolvido em um Hospital maternidade
universitário na cidade de Santa Cruz localizada no estado do Rio Grande do Norte/RN.
Destacando os principais aspectos, potencialidades e vulnerabilidades percebidas durante o
trabalho desenvolvido, como também, demarcando a vivência dos profissionais de saúde
trazendo suas percepções, âmbitos de atuação e principais contribuições.
Com este trabalho, buscamos contribuir para a comunidade acadêmica através de um
relato de experiência prática sobre a temática do trabalho com gestantes em sua dimensão
multiprofissional. Esperamos que venham a ser pensadas novas realidades de atuação em
serviços de saúde, que considerem os diversos fatores que envolvem o período gestacional e
como as diversas profissões podem contribuir para uma gestação segura e protegida de riscos e
vulnerabilidades.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 ALIMENTAÇÃO SAÚDAVEL NO CONTEXTO DA GESTAÇÃO

A alimentação é definida como a ingestão de nutrientes para promover o crescimento e


a produção de energia necessária para as diversas funções do organismo. Além disso, também
diz respeito a quais alimentos contêm/fornecem esses nutrientes, as características do modo de
comer, como os alimentos podem ser combinados entre si e preparados, e todas as dimensões
culturais e sociais das práticas alimentares, ou seja, diz respeito a uma alimentação saudável
(BRASIL, 2014).
Esta, favorece a saúde e bem-estar da gestante e auxilia na prevenção do surgimento de
agravos, como: diabetes gestacional, síndrome hipertensiva gestacional, carências de
micronutrientes, baixo peso materno ou ganho excessivo e eclâmpsia. Além de proporcionar o
bom desenvolvimento fetal, reduzindo os riscos de agravos para o bebê como Restrição do
Crescimento Intrauterino (RCIU), Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), alergias
alimentares, parto prematuro, baixo peso ao nascer (BRASIL, 2021).
847

Algumas intercorrências gestacionais são consideradas como um marcador de alto risco,


destacando a anemia, deficiência de vitamina A, síndrome hipertensiva gestacional e diabetes
gestacional. Também há várias alterações fisiológicas da gestação que podem influenciar o
consumo alimentar dessas mulheres durante esse período como náuseas, vômitos, tonturas, azia,
plenitude gástrica, constipação intestinal, fraqueza, desmaios, dores físicas, inchaço e alterações
bucais (VARELA, 2017).
Assim, o cuidado nutricional deve representar um dos pilares da assistência pré-natal
visando a identificação precoce de inadequações nutricionais, melhoria da saúde materna e das
condições ao nascer e, consequentemente, minimizar as taxas de morbimortalidade perinatal e
neonatal. Deve ser baseado no consumo de uma grande variedade de alimentos in natura e
minimamente processados, com destaque para o consumo de arroz, feijão, carnes, frutas,
legumes e verduras, diminuição de alimentos açucarados e evitar o consumo dos alimentos
ultraprocessados (ACCIOLY, 2008; BRASIL, 2014).
Para uma orientação alimentar mais adequada, é indispensável que o profissional de
saúde realize uma avaliação e considere os aspectos relacionados à vulnerabilidade social e
renda, rede de apoio, idade e às condições de trabalho da pessoa gestante atendida. Pois
influenciam diretamente no crescimento e desenvolvimento constante e saudável da gestação e
do feto (BRASIL, 2021).

2.2 ALTERAÇÕES EMOCIONAIS NA GESTAÇÃO E PUERPÉRIO

É possível destacar que o período da gestação e puerpério é marcado pelas várias


mudanças, sejam físicas, hormonais e psicológicas. Conforme evidenciado por Maldonado
(2017), a gravidez é um processo de transição que faz parte do desenvolvimento humano,
demandando uma reorganização de identidade, visto que a mulher assume uma outra função
social, sendo vista de uma forma diferente. Por essa razão, é natural e esperado que existam
alterações e oscilações de humor frequentemente nesse momento.
Historicamente, acreditava-se na crença de que a gestação era unicamente um período
de felicidade pela chegada de uma criança e por esse motivo a mulher seria protegida de
alterações emocionais significativas. No entanto, os estudos apontam que a gravidez não
protege contra o surgimento ou recorrência de transtornos psiquiátricos, essa ideia de alegria
848

instantânea e incondicional acaba dificultando o reconhecimento e validação de sentimento


ambivalentes e consequentemente, a busca pelo cuidado com a saúde mental (RAFFI, 2019).
Portanto, esse tempo é considerado o de maior prevalência de transtornos mentais na
mulher, principalmente no primeiro e terceiro trimestre de gestação. Além da gestação poder
se manifestar como um fator de risco, é importante compreender que o contexto de vida da
mulher também pode apresentar fatores de risco para o surgimento ou exacerbação de
transtornos, o que pode comprometer a saúde materna, bem como a qualidade da relação do
binômio mãe-bebê (PEARLSTEIN, 2013).
Logo, a gravidez afeta e é afetada pelas condições de saúde da mulher, assim como o
seu contexto de vida. Desse modo, também é fundamental atentar aos fatores de risco presentes
nesse período, como falta de rede de apoio, situação de violência ou vulnerabilidade social, se
a gestação foi planejada ou não, histórico familiar ou pessoal de transtorno mental, entre outros
(VIEIRA, 2013).
Não obstante, as alterações emocionais significativas supracitadas não se encerram no
parto. Aliás, Maldonado (2017) refere que a maior parte do processo de amadurecimento
acontece no período conhecido como puerpério, fase de transformações intensas, decorrentes
de mais uma vez de mudanças físicas, hormonais e psicológicas, implicando também
modificações na rotina e relacionamento familiar.
Sendo assim, o acompanhamento psicológico da gestante e/ou puérpera, possibilita o
ajustamento emocional e a vivência minimamente equilibrada das manifestações e mudanças
que ocorrem no período gravídico puerperal. O profissional psicólogo pode contribuir na
elaboração dessa nova situação e papel social, enfrentamento dos desafios e construção de
recursos para lidar com a nova vida (KLEIN, 2008; VIEIRA, 2013).
Corroborando com esse tipo de tratamento, outra estratégia que demonstra eficácia é a
intervenção em grupo. Os trabalhos realizados em grupo permitem uma maior facilidade para
a ocorrência de reflexões, visto que os membros ao se identificarem em um aspecto comum,
compartilham experiências e trocam informações, havendo o envolvimento de emoções e
sentimentos. Além disso, é possível criar um espaço de aceitação das diferenças e construção
de novas formas de ser e estar no mundo (KLEIN, 2008).

2.3 INCENTIVO AO ALEITAMENTO MATERNO NO PERÍODO GRAVÍDICO-


PUERPERAL
849

O aleitamento materno (AM) é a primeira prática alimentar adequada para o


desenvolvimento infantil, indicado para promoção de saúde, devendo ser exclusivo até os seis
meses de vida e complementado até os dois anos ou mais (BRASIL, 2014). Constitui o método
mais sábio e natural que possibilita vínculo, afeto, proteção, segurança e nutrição entre o
binômio mãe e bebê, além de ser a experiência mais saudável, sensível, econômica e eficaz para
redução da morbimortalidade infantil (BRASIL, 2015).
Estudos evidenciam a importância do leite materno em comparação a outros tipos de
leite e à introdução precoce de outros alimentos, que podem estar associados a uma maior
ocorrência de eventos de diarreia, internações por infecções respiratórias, redução na absorção
de minerais, maior risco de desnutrição (BRASIL, 2014).
A concretização de ações de proteção e promoção do aleitamento materno depende de
empenho coletivo intersetorial e implica em considerável desafio para o sistema de saúde, em
um panorama com enfoque integral e humanizado (BRASIL, 2015). Sendo assim, entendemos
que se faz cada vez mais necessário que as mulheres sejam capacitadas e orientadas quanto à
importância de estabelecer e dar continuidade ao processo de amamentação, tendo em vista os
inúmeros benefícios que esta representa para a saúde do binômio.
Para isso, os profissionais de saúde devem iniciar o incentivo à amamentação desde o
período do pré-natal se estendendo até o momento puerperal, utilizando-se de estratégias que
elucidem os mitos e crenças que envolvem o aleitamento materno, abordando temáticas que
promovam o aumento da duração da amamentação e ajudem às mulheres a identificar
problemas iniciais que se relacionem às principais intercorrências desta prática (NOBREGA,
2019).
Estudo evidencia que profissionais de saúde relatam que o ingurgitamento mamário,
choros do recém-nascido, leite materno insuficiente e intervenções da família levam à mulher
a situações estressantes, influenciando na decisão de dar continuidade ou não à amamentação
(JALAL, 2017).
Isso reforça o caráter essencial de ações de promoção, proteção e apoio ao aleitamento
materno realizadas por profissionais de saúde no período gravídico-puerperal, como orientações
sobre os benefícios do leite materno, manejo clínico do AM, visita domiciliar, grupo de
gestantes, roda de conversa, dentre outras estratégias incorporadas como necessárias para o
850

fortalecimento da assistência necessária às mulheres nesse momento tão repleto de


questionamentos e dificuldades (CHRISTOFFEL, 2022).

2.4 ASSISTÊNCIA HUMANIZADA E GARANTIA DOS DIREITOS DA GESTANTE

Compreende-se que são diversos os aspectos que perpassam a vida da mulher no


momento da gravidez – desde a gestação até o puerpério e cuidados com o recém-nascido –
para além de questões estritamente clínicas, aspectos sociais, econômicos e culturais também
influenciam o processo saúde/doença das mulheres neste período. É preciso considerá-los para
a garantia de cuidados de qualidade e humanizados na rede de atenção à saúde da mulher e da
criança (BRASIL, 2022).
Por isso, entendemos como importante o cuidado à saúde da gestante considerando a
relevância destes aspectos aqui mencionados e partindo do início da gestação, na busca de
assegurar o seu desenvolvimento e a garantia da saúde materna. Essa assistência é prestada
preferencialmente através de pré-natal multiprofissional que acontece nas Unidades Básicas de
Saúde (UBS), onde a mulher terá acesso e acompanhamento das diversas categorias
profissionais e, pode ser complementada por grupos de gestantes como aqui mencionado e que
são organizados por hospitais maternidade ou até mesmo na própria atenção primária em saúde
(BRASIL, 2012).
A Rede Cegonha é uma rede que assegura cuidados e garantias de direitos às mulheres
e crianças. Colocando em seu artigo 2º como princípios – entre outros – o respeito e a proteção
aos direitos humanos, a diversidade cultural, étnica e racial; promoção de equidade; enfoque de
gênero e garantia de direitos sexuais e reprodutivos; e participação e mobilização social
(BRASIL, 2011).
Segundo Pereira (2019) o Serviço Social deve atuar no fortalecimento de todos esses
princípios e contribuir diretamente para os atendimentos à gestante. Já que muitas destas que
chegam aos serviços de saúde relatam demandas de vulnerabilidades sociais (desemprego,
fome, violência doméstica, falta de moradia, abandono familiar e do parceiro, entre outras), que
interferem de forma acentuada no processo gestacional e necessitam de uma intervenção e
acompanhamento.
Buscando uma assistência completa e humanizada à gestante, é o assistente social o
profissional que contribui para defesa dos direitos, autonomia e emancipação de sujeitos. Tais
851

aspectos e necessidades aqui colocadas como necessárias ao cuidado e objeto de intervenção e


atuação do serviço social, devem ser consideradas para a garantia de novos modos de cuidar e
produzir saúde em conformidade com a clínica ampliada e demais diretrizes de humanização
no SUS (BRASIL, 2013).
No cotidiano dos serviços de saúde, o assistente social é instrumento de defesa dos
direitos dos usuários e de acesso à informação nos diversos espaços e processos vivenciados.
Na gestação, mulheres e crianças contam com diversos direitos garantidos legalmente, e o
assistente social atua como intermediador ao acesso destes e das demais políticas públicas.
Como exemplos, listamos aqui: o direito à informação e a utilização de planos de parto;
direito ao acompanhante; direitos trabalhistas (como a licença maternidade e o salário
maternidade); direitos sociais (atendimento prioritário à gestante e lactante e o benefício de
composição familiar, direitos da política de assistência social, entre outros.

3 METODOLOGIA

De acordo com Minayo (2002, p.16), “a metodologia inclui as concepções teóricas de


abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a construção da realidade e o sopro divino
do potencial criativo do investigador”. Representando muito do que se propõe os autores com
o trabalho, seja, compartilhar experiências, resultados práticos, trazer reflexões e base para
estudos futuros.
Este trabalho trata-se de um estudo descritivo do tipo Relato de Experiência realizado
pela vivência de profissionais de saúde da Residência Multiprofissional em Assistência à Saúde
Materno Infantil no projeto de extensão “Proteção, promoção e apoio a amamentação:
fortalecendo a Iniciativa Hospital Amigo da Criança no HUAB” vinculado a Faculdade de
Ciências da Saúde do Trairi (FACISA/UFRN) em parceria com o Hospital Universitário Ana
Bezerra (EBSERH/HUAB), no período de julho a agosto de 2022.
Aqui então, cabe destacar o lugar dos autores deste relato de experiência enquanto
profissionais que pensaram, organizaram e participaram ativamente da experiência.
Destacamos que só se pode sistematizar uma experiência alguém que tenha feito parte dela, e
que não se consegue descrever uma experiência alguém alheio a ela (Holliday, 2006).
Ainda segundo Holliday (2006) ás experiências são processos sociais dinâmicos,
complexos e que se inter-relacionam. Onde compreendê-las, extrair seus ensinamentos e
852

compartilhá-las é um processo inédito, instigante e cheio de riquezas. E acreditamos ser este o


ponto de partida do relato de experiência, se apropriar da experiência vivida e compartilhar com
os outros o aprendido.
No que se refere ao desenvolver da experiência, foram realizados 4 (quatro) encontros
no auditório do referido hospital, tendo como público-alvo um grupo de gestantes, com idade
entre 20 e 38 anos e vinculadas a Unidade Básica de Saúde localizada no município de Santa
Cruz/RN. As dinâmicas foram conduzidas pela equipe multiprofissional de residentes composta
por nutricionistas, enfermeira, psicólogas e assistente social.
No primeiro encontro, a abertura aconteceu a partir da “dinâmica do espelho”,
conduzida por psicólogas residentes do programa, com o objetivo de dar início às reflexões
sobre o momento da gestação e engajar as participantes. Conforme resultado dessa dinâmica a
conversa foi direcionada pelos profissionais de psicologia juntamente com as gestantes até o
fim do encontro.
Sequencialmente, no segundo dia de encontro, a equipe da nutrição ficou responsável
por abordar acerca da alimentação saudável durante o período gestacional. O tema foi discutido
com apresentação oral e a dinâmica “mitos e verdades”, onde as participantes eram instigadas
a participarem do momento de forma ativa. Como material complementar, foi entregue uma
cartilha com o intuito de motivar as gestantes na construção de hábitos alimentares saudáveis.
No terceiro dia de atividades, a condução ocorreu por meio da equipe de enfermagem e
psicologia. Inicialmente, a enfermeira trouxe aconselhamentos acerca da prática de
amamentação, através de apresentação oral, uso da dinâmica de mitos e verdades e emprego de
mama didática e boneco para elucidar a temática. Dando continuidade, a psicologia utilizou
papel, caneta e lápis coloridos para que as gestantes pudessem expressar sentimentos a fim de
identificar alterações emocionais.
Por fim, em seu último dia de encontro com o grupo de gestantes, foi a vez do serviço
social falar sobre os Direitos das gestantes e a utilização do Plano de Parto. Inicialmente, foi
realizada a dinâmica das expectativas com o objetivo de explorar o que aquelas mulheres
esperavam do seu momento de parto e da equipe de atendimento do hospital. A partir disso, foi
reproduzido um vídeo sobre a criação do plano de parto, para incentivar a construção dos seus
próprios, sendo distribuído um instrumento (exemplo de roteiro) com essa finalidade.
Concluindo, foi realizada uma roda de conversa pela profissional, que distribuiu um
folder para apoiar a sua fala a respeito dos direitos das gestantes e esclarecimento das principais
853

dúvidas e necessidades demandadas. Encerrando com uma visita aos setores de acolhimento,
pré-parto, parto e puerpério e alojamento conjunto da maternidade, com a finalidade de
demonstrar o caminho a ser percorrido pela gestante e o seu futuro filho, aproximando-as do
serviço do qual em breve elas dariam entrada.
Ao final dos encontros sempre era realizado um momento de socialização entre os
profissionais e as gestantes, como espaço para que pudessem descrever suas opiniões sobre as
apresentações e os assuntos abordados, além de possíveis dúvidas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como produto das atividades vivenciadas pelos profissionais de saúde, foi possível
perceber a relevância das extensões universitárias e reconhecer a necessidade das ações de
educação em saúde durante o período gestacional. Compreendeu-se, principalmente, a
importância da promoção da saúde na prática e observaram-se algumas limitações das ações
em grupo, como a adesão, visto que o número de participantes foi bastante limitado. Contudo,
o comportamento atencioso e ativo das participantes envolvidas, foi compreendido como ponto
de sucesso das atividades, entendendo que houve uma aceitação da ideia.
No primeiro momento, foi realizada a “dinâmica do espelho” com as participantes,
conduzido pelas psicólogas. A partir disso, foi possível colocar o serviço dos profissionais
presentes à disposição das mulheres, estabelecendo as diferentes formas de auxílio, bem como
conhecê-las, ouvindo a história da gestação, suas expectativas, compreendendo a realidade
social e familiar, construindo dessa forma um vínculo inicial entre os membros do grupo.
No segundo dia de execução das atividades, a equipe de nutrição ministrou uma
dinâmica educativa, denominada “Mitos e Verdades” na forma expositiva e dialogada sobre
alimentação saudável na gestação. Foram elaboradas afirmativas com as principais
problemáticas sobre a temática, descritas no quadro abaixo.

Quadro 1. Afirmativas utilizadas na dinâmica de mitos e verdades sobre alimentação


saudável durante a gestação.
854

MITOS VERDADES

“O ferro não é importante para a formação “Posso tomar café durante toda a gestação”
do bebê”

“Quando estou enjoada devo comer menos” “Não posso comer doce todo dia”

Fonte: autoria própria.

As afirmativas foram expostas de forma visual e verbal e após cada uma delas as
gestantes deveriam indicar se, a mesma, era verdade ou mentira, e então era destinado um
espaço de fala para que compartilhassem as suas opiniões e conhecimentos prévios acerca da
temática, além de tirar dúvidas.
Sabe-se que a importância do ferro durante a gravidez é uma dúvida frequente, mesmo
que a necessidade da sua suplementação seja bastante conhecida, a justificativa para sua
exigência é um questionamento constante. Dessa forma, foi esclarecido que o ferro é um
nutriente fundamental para o transporte de oxigênio para a mãe e para o feto, por isso é essencial
na formação do bebê, além de ajudar na prevenção de anemia ferropriva, comum entre gestantes
(BRASIL, 2021).
Sobre o café, é importante que a gestante saiba que nada deve ser consumido de forma
exagerada, e o ideal é sempre manter o equilíbrio, seja na quantidade ou na frequência. Assim,
foi orientado o consumo de até uma xícara pequena de café ou chá com cafeína (como chá mate,
chimarrão, chás preto e verde, etc.) por dia, já que a cafeína em excesso pode aumentar o risco
de abortos, partos prematuros, baixo peso da criança ao nascer e natimorto (BRASIL, 2021).
Além disso, uma das intercorrências mais comuns da gravidez é a náusea, definida como
uma sensação desagradável da necessidade de vomitar, podendo ser acompanhada de outros
sintomas como sudorese, sialorréia e refluxo gastroesofágico. As medidas alimentares é uma
das abordagens não farmacológicas, tendo como orientações: adotar dietas mais leves, com
menos gorduras e em intervalos menores, e evitar a ingestão de líquidos nas primeiras duas
horas do dia (DUARTE, 2018).
Ainda, foram apresentados os 10 passos para uma alimentação saudável na gestação,
fundamentado em uma alimentação equilibrada e variada, recomendado pelo Guia Alimentar
para População Brasileira que considera o cenário da evolução da alimentação e das condições
de saúde da população (BRASIL, 2014), e distribuído o “planner da gestante”, material
complementar produzido com o objetivo de reforçar as informações e recomendações.
855

Durante toda a apresentação foi notório o entusiasmo das gestantes ao falar sobre
dúvidas acerca da alimentação que surgem durante o período gestacional, as quais não foram
possíveis sanar anteriormente com outros profissionais, devido à proximidade, o que facilitou
o aprendizado.
Posteriormente, no terceiro encontro, a equipe de psicologia propôs aos participantes
uma vivência prática utilizando um recurso terapêutico. A ideia inicial foi a construção de uma
linha de tempo, onde deveria ser exposta a percepção das mudanças decorrentes da gestação,
sejam aquelas visíveis ou não, como as mudanças físicas, hormonais, nos relacionamentos ou
no humor.
Desse modo, foi realizada psicoeducação sobre as mudanças relacionadas à maternidade
e os impactos na vida das mulheres, a qual envolve instrumentos psicológicos e pedagógicos,
com o intento de realizar prevenção, promoção e educação em saúde (LEMOS, 2017). Seu uso
se mostra de grande relevância pois auxilia que os pacientes/usuários compreendam seu
processo de saúde.
Utilizando o procedimento supracitado, o encontro foi conduzido com foco na temática
acerca das alterações emocionais significativas na gestação e puerpério e seus atravessamentos.
Paralelo a isso, foi destacado a importância do cuidado com a saúde mental e a busca por
profissional especializado quando necessário, além de reflexões sobre o novo papel social
relacionado ao ser mãe e a capacidade de articular a rede de apoio social e familiar.
Já a equipe de enfermagem, abordou a importância do aleitamento materno através do
uso de dinâmica de mitos e verdades, estimulando a fala das opiniões e conhecimento
preliminar das gestantes. As perguntas utilizadas estão descritas no quadro 2.

Quadro 2. Perguntas utilizadas na dinâmica de mitos e verdades sobre aleitamento materno.


856

MITOS VERDADES

“Existe uma única posição ideal para “O bebê pode ser amamentado só no peito
amamentar?” por 6 meses e, depois disso, além de receber
outros alimentos, pode ser amamentado até
2 anos ou mais?”

“Criança que nasceu antes do tempo ou “O leite materno é o alimento completo para
muito pequena não pode mamar?” o bebê, pois tem todos os nutrientes que ele
precisa?”

“O leite materno é considerado a primeira


vacina do bebê?”

Fonte: autoria própria.

Logo em seguida à cada pergunta, era realizada discussão detalhada dos temas
abordados, demonstração das técnicas de posicionamento e pega do bebê ao seio materno com
auxílio de mama didática e boneco, além de solucionar outras dúvidas que iam surgindo no
decorrer da dinâmica.
A escolha deste método, possibilitou uma ação consistente para enfatizar a importância
do AM, o que resultou em uma maior interação, resolução de questionamentos e
compartilhamento de pensamentos entre as gestantes, demonstrando boa aceitação desta
técnica.
Assim, permitiu-se que fosse realizado o aconselhamento em amamentação, que é uma
prática tão necessária, em seu âmbito individual ou coletivo, para estimular a continuidade da
amamentação através do apoio dado às mulheres, possibilitando por sua vez, a promoção de
saúde através da quebra de barreiras socioculturais que prejudicam o aleitamento materno
(ROLLINS, 2016).
A utilização de atividades educativas durante o período de pré-natal desponta como uma
estratégia relevante para o preparo das mulheres para o momento da amamentação. Segundo
Alves (2020), algumas mulheres afirmaram que enfrentaram dificuldades e complicações
durante o período do AM, aludindo que essas situações não foram discutidas satisfatoriamente
no período gestacional, dificultando a adaptação da mãe a este momento, prejudicando na
qualidade e no tempo de amamentar a criança.
Cabe destacar que a presença da enfermeira ou outro profissional de saúde no processo
de amamentar não deve se deter somente às dificuldades, mas deve ser ampliado ao
857

acompanhamento de todo o processo, com presença ativa na troca de experiências, informações


de saúde e motivações para o enfrentamento desta nova vivência de amamentar (ALVES,
2020).
No quarto e último encontro conduzido pelo serviço social, foi trabalhado os Direitos
da Gestante, buscando apresentá-los e dialogar sobre as principais dúvidas que surgissem. O
encontro foi planejado por entender a importância do acesso e conhecimento das mulheres sobre
esses direitos para o seu possível empoderamento no momento da gestação e do parto, como
também, para a busca de uma assistência humanizada.
O encontro foi proposto através de roda de conversa e utilizando de metodologias ativas
de aprendizagem por entender que seu uso contribui para a autonomia de sujeitos, estimulando
a tomada de decisões individuais e coletivas, favorecendo ao ambiente de troca, diálogo e
aprendizagem proposto ao grupo de gestantes (BORGES, 2014).
Iniciando com a dinâmica da “Construção de expectativas”, pedimos as mulheres
presentes para pensar em duas coisas: o que esperavam do momento do seu parto; e o que
esperavam da equipe que prestaria assistência. A partir disto, começamos a dialogar de acordo
como as expectativas das mulheres surgiam, podendo então perceber e trabalhar medos,
angústias, ansiedade, sonhos, dúvidas e muitas outras questões que surgiram no momento.
Já inserindo a temática do encontro, o primeiro direito trabalho foi o direito à
informação, buscando mostrar como o acesso às informações e conhecimento sobre gestação e
parto poderiam ajudar a essas mulheres com as questões que surgem neste período. Utilizando
do instrumento do Plano de Parto, o qual através de vídeo foi apresentado e trabalhado no
momento, e que cabe destacar, já era de conhecimento de algumas das mulheres.
O Plano de Parto consiste em um documento elaborado pela mulher através de carta ou
listando o que ela gostaria que acontecesse e fosse feito ou não no momento de trabalho de
parto, parto e puerpério e também nos cuidados com o seu recém-nascido. Onde sua principal
função é o incentivo à autonomia e protagonismo da mulher, sabendo ela que tem escolhas e o
direito de participar das decisões nesse momento (DUARTE, 2016).
É um documento com reconhecimento legal pelo Ministério da Saúde (MS) e
considerado como de extrema importância para um pré-natal de qualidade, sendo essencial a
estimulação de sua elaboração pela gestante. No entanto, ainda é pouco conhecido e divulgado
por profissionais da saúde, por isso a relevância de trabalhá-lo (BRASIL, 2012).
858

Em seguida ao vídeo exposto, conversamos sobre plano de parto e entregamos às


mulheres um modelo para pensá-lo individualmente e de acordo com suas subjetividades. Após,
através de cartilha construída pelo serviço social, trabalhamos os principais direitos da gestante
e o momento foi conduzido de acordo como as demandas e dúvidas iam surgindo pelas
mulheres.
Pôde-se trabalhar o acesso e conhecimento de direitos como o direito ao acompanhante,
que muito vinha afligindo as mulheres por notícias na mídia de casos de violências no momento
do parto relacionado á violação deste direito. Como também, destaque aos direitos trabalhistas,
algumas mulheres estavam em processo de afastamento dos seus trabalhos para licença
maternidade e tinham algumas dúvidas burocráticas sobre o processo.
Por fim, as mulheres tiveram a oportunidade de conhecer o espaço físico do hospital,
expor suas dúvidas sobre as questões estruturais e de fluxo ao dar entrada. Podendo assim, se
familiarizar com o ambiente em que acontecerá o parto. Consideramos esse momento como
importante para o empoderamento destas mulheres por proporcionar acesso à informação e
diálogo com a equipe de saúde, como também para os objetivos e resultados buscados com o
grupo de gestantes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, ao relatar a experiência de atuação multiprofissional em um grupo


de gestantes, expôs possibilidades de atuação no período gravídico-puerperal que vai além do
acompanhamento na atenção primária em saúde através do pré-natal, entendendo a importância
da co-responsabilização dos demais serviços para com essas mulheres neste momento. Assim,
foi possível perceber as diversas necessidades e demandas das mulheres que vivenciam esse
período, destacando a importância de uma atuação que busca a integralidade da assistência e
considera os determinantes sociais de saúde e como eles influenciam no processo saúde-doença
dessa mulher.
A atuação multiprofissional permitiu ás mulheres participantes do grupo o acesso á
informações primordiais para o momento do parto e puerpério, percebendo-se um maior
empoderamento e segurança sobre a sua gestação. Assegurando a garantia de múltiplos direitos
para com essas gestantes e o acesso e conhecimento sobre serviços da rede de saúde. O grupo
se apresentou como de grande potencial para o trabalho com mulheres gestantes.
859

Para além, a atuação multiprofissional é primordial, pois é onde as profissões através do


compartilhamento de seus conhecimentos e áreas de saberes podem possibilitar essa assistência
integral aqui mencionada. Assim, destaca-se a necessidade de construir momentos de
experiência teórica e prática que possibilitem novas formas de cuidado e de se fazer saúde, que
considere os sujeitos em sua diversidade e particularidades, só assim se tem potencial de
garantia de direitos e de um cuidado completo.

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estudante: o uso das metodologias ativas como recurso didático na formação crítica do
estudante do ensino superior. Cairu em Revista, n. 4, p. 119-143, 2014.

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Básica. Atenção ao pré-natal de baixo risco. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2012.

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Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. – 2. ed. –
Brasília: Ministério da Saúde, 2015.
860

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861

BURNOUT E TRABALHO ONLINE: o impacto do home office no esgotamento mental


de trabalhadores

Caiubi Gabriel Feitosa Nogueira e Moura1


Rayanne de Paiva Santos2
Lucas Vinícius de Macedo Costa 3
Luan Martins de Souza4

RESUMO

A democratização das tecnologias de informação e comunicação, bem como a pandemia da


COVID-19, popularizaram o trabalho remoto. Entretanto, o impacto dessa nova forma de
trabalho na saúde mental dos indivíduos ainda é estudado nos mais variados campos científicos.
Dessa forma, o presente trabalho objetiva discutir os impactos do home office no esgotamento
mental dos proletariados. Para atender ao questionamento levantado, foi realizada uma revisão
de literatura em plataformas de busca indexada (Scielo, Pubmed, Elsevior, Pepsic e Google
Acadêmico). Tendo em vista a alta relevância do tema na contemporaneidade, os artigos
trabalhados têm o corte temporal de 12 anos (2010 – 2022). A partir da revisão dos conteúdos
coletados, verificou-se que há uma relação sólida entre a prática do home office e a Síndrome
de Burnout. Entretanto, a baixa quantidade de obras encontradas sobre a temática levantada no
artigo impossibilita uma análise detalhada acerca da correlação entre os dois temas. Embora
incapaz de prolongar as questões, o artigo almeja nortear trabalhos posteriores que devem
abordar questões práticas acerca dos conhecimentos discutidos.
Palavras-chave: teletrabalho, home office, burnout, exaustão mental.

ABSTRACT

The democratization of information and communication technologies, as well as the Covid-19


pandemic, popularized remote work. However, the impact of this new way of working on the
mental health of individuals is still studied in the most varied scientific fields. In this way, the
present work aims to discuss the impacts of the home office on the mental exhaustion of the
proletariat. To answer the question raised, a literature review was conducted on indexed search
platforms (Scielo, Pubmed, Elsevior, Pepsic and Google Scholar). In view of the high relevance
of the topic in contemporary times, the articles worked have a time cut of 12 years (2010 –
2022). From the review of the collected content, it was found that there is a solid relationship
between the practice of the home office and the Burnout Syndrome. However, the small number
of works found on the theme raised in the article makes it impossible to carry out a detailed

1
Graduando em psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: caiubi.gabriel@icloud.com
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: rayanne-
paiva@hotmail.com
3
Graduando em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: lucasvmc18@gmail.com
4
Professor orientador pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, especialista em Gestão e Psicologia
Organizacional e mestrando no Programa de Pós-graduação em Saúde e Sociedade pela Universidade Estadual
do Rio Grande do Norte. E-mail: luanmartinspsi@gmail.com
862

analysis of the correlation between the two themes. Although unable to prolong the questions,
the article aims to guide further work that should address practical questions about the
knowledge discussed.
Keywords: telework, home office, burnout, mental exhaustion.

1 INTRODUÇÃO

Para Vasconcelos e Faria (2008), as relações entre trabalho e saúde psíquica são
estudadas por pesquisadores de distintas áreas como psicologia, administração, antropologia e
sociologia. Inicialmente as pesquisas sobre o tema foram realizadas pelo psiquiatra Christophe
Dejours a partir da Psicodinâmica do Trabalho, cujo objetivo estava pautado no estudo das
implicações psíquicas geradas pelo trabalho e pela rotina laboral.
A partir da Quarta Revolução Tecnológica iniciada no século XXI, a sociedade precisou
se modificar a uma nova realidade, assim, nesse período foram implementadas novas
tecnologias como a inteligência artificial, nanotecnologia e robótica, com o objetivo de inovar
e democratizar o acesso à internet, aos meios digitais. Com isso, Oliveira e Tourinho (2020)
afirmam que a zona social que anteriormente era física e presencial passou a ser remota, sendo
necessário, a partir disso, alterar o modo de funcionamento existente na sociedade.
As modalidades de trabalho e o trabalhador foram diretamente impactados com o
avanço tecnológico. Para Nilles (1976 apud Araújo e Lua, 2021), o teletrabalho se utiliza dos
meios digitais como computador e celular para ser realizado, é uma modalidade de trabalho que
não necessita de um envolvimento físico do colaborador. De acordo com a legislação brasileira
(Lei 13.467/17), o teletrabalho acontece fora do ambiente laboral e sem o controle da jornada
de trabalho por parte da empresa. Em contrapartida, o termo home office é popularmente
utilizado como um sinônimo para o teletrabalho, porém, a primeira expressão corresponde ao
trabalho em casa, contemplando, dessa forma, a realização das atividades laborais no ambiente
doméstico (OIT, 2016).
A partir da democratização do meio digital, as empresas passaram a aderir ao
teletrabalho devido a facilitação da realização das atividades, visto que podem ser feitas de
qualquer lugar e contribui para a redução de custos para a empresa. Porém, na mesma medida,
o colaborador sofre com a precarização do trabalho e com o aumento das jornadas de
expediente, fatores estes que, quando somados ao estresse, falta de motivação e qualidade de
vida no trabalho, influenciam de forma direta para o desenvolvimento de adoecimentos mentais
863

relacionados ao trabalho, como por exemplo, a Síndrome de Burnout ou Síndrome do


Esgotamento Profissional (OLIVEIRA E TOURINHO, 2020).
A Síndrome de Burnout é caracterizada pelo cansaço físico e mental do colaborador. É
causada devido ao constante estresse gerado pela rotina de trabalho, sendo manifestada a partir
da fadiga, do distanciamento emocional, do afastamento do trabalho, insônia, ansiedade,
estresse, dificuldade de concentração e atenção, irritabilidade e falta de motivação para a
realização das tarefas (LUCIANO, 2013 apud SOLDERA E MARTINS, 2017).
Partindo das ideias apresentadas, pesquisar sobre o tema em questão faz-se de extrema
importância, uma vez que, como já dito, há uma clara relação entre o ambiente de trabalho e a
saúde psíquica dos trabalhadores, e, considerando o constante avanço tecnológico presente nas
organizações, estudar sobre a relação entre o trabalho online e a Síndrome de Burnout é
possibilitar uma maior compreensão sobre os impactos desta modalidade de trabalho à saúde
dos colaboradores e reflexão acerca das possibilidades de intervenção em um cenário que tende
a crescer cada vez mais.
Assim, a partir de uma revisão de literatura narrativa, o presente artigo tem como
objetivo geral elucidar questões referentes às consequências da modalidade de trabalho remoto
no esgotamento mental de trabalhadores. Para alcançar tal propósito, a revisão irá fazer o
levantamento de produções de outros autores sobre o trabalho online e a síndrome de Burnout
e correlacionar a temática, a fim de responder a problemática da pesquisa.
O presente trabalho encontra-se dividido em cinco momentos. Primeiro, a introdução
aqui apresentada, que situa e contextualiza o leitor sobre os temas bases. Em segundo momento,
o referencial teórico, que objetiva aprofundar de forma mais detalhada os conceitos utilizados.
A seguir, a metodologia, que esboça os caminhos percorridos para responder à pergunta deste
trabalho. Um quarto momento que apresenta os resultados e discussões, visando responder de
fato ao objetivo desta obra. E, por fim, as considerações finais, que sintetizam as principais
informações e abordam sobre lacunas e possibilidades futuras de estudos.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
O presente tópico contém as informações centrais da pesquisa, separadas nos pontos a
seguir.

2.1 TRABALHO - A TRANSFORMAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO


864

Etimologicamente, o trabalho vem da junção de tri (três) e palium (madeira). Segundo


Albornoz (1994), o tripalium era um objeto de tortura constituído de três pedaços de madeira
no qual os sujeitos que não pagavam impostos (em geral, escravos e pobres) eram submetidos.
A concepção negativa do trabalho é geralmente associada ao castigo/tortura que a origem do
trabalho remonta (BLANCH, 2003). Tal significado de trabalho perdurou até o período do
Renascimento, quando a atividade passou a ter status de “autorrealização” humana
(ALBORNOZ, 1994).
De acordo com Coutinho (2009), o trabalho é uma atividade humana, individual ou
coletiva, que diferencia o homem de outro animal por sua natureza consciente e moral. Marx
(2014), corrobora e afirma que através do trabalho que o homem modifica a si mesmo e a
natureza. Dessa forma, é explícita a centralidade do trabalho na constituição do homem, uma
vez que as atividades laborais surgem como um dos principais fatores para a organização da
sociedade (CARDOSO, 2015). De acordo com Sachuk e Araújo (2007), a construção histórica
e política da humanidade é baseada em grande parte em virtude do trabalho.
Portanto, convém estabelecer um paralelo histórico da constituição do trabalho. De
acordo com Cavalcante e Silva (2011), até o século XVIII, o setor primário dominava a
produção, feita por trabalhadores no campo (CAVALCANTE; SILVA, 2011). Segundo Sakurai
e Zuchi (2018), a introdução de fontes de energia como o carvão possibilitou o desenvolvimento
de novas máquinas e, consequentemente, métodos de trabalho protagonizados pela indústria e
as linhas de produção. Os trabalhadores que antes se concentravam no campo, agora estavam
na indústria. De acordo com Pochmann (2020), a desindustrialização precoce que ocorre desde
a década de 1990 no Brasil é responsável por migrar a força de trabalho do setor secundário
(indústria) para o terciário (serviços) no país.
Ao mesmo passo que o trabalho foi transferido da indústria para os serviços, a
democratização de algumas tecnologias como o computador e smartphone, incentivou a
transição de atividades cotidianas do real para o virtual (SANTAELLA, 2008). Evidentemente,
as atividades laborais também são inclusas. Costa (2007) corrobora e acrescenta que o teor das
relações sociais no espaço virtual tende a ser muito mais objetivo e focado na cooperação, ao
invés da criação e preservação de laços afetivos.
Á título de esclarecimento, há diferenças sutis entre o teletrabalho e o home office. O
trabalho em domicílio (home office) representa atividades laborais realizadas em casa, enquanto
865

teletrabalho significa a inclusão de tecnologias da informação para realização de atividades em


espaços fora do espaço empregatício (OIT, 2016). A definição é corroborada pela lei 13.467/17,
a qual caracteriza o teletrabalho como “a prestação de serviços preponderante fora das
dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de
comunicação” (BRASIL, 2017, s.p.). Na realidade brasileira, o teletrabalho ganhou ainda mais
expressão durante a pandemia da COVID-19 por conta do isolamento social imposto por
estados e municípios como estratégia de enfrentamento à transmissão da doença (DURÃES ET.
AL. 2021).
Entretanto, o home office é uma realidade para poucos no Brasil. Dados da TIC
Domicílios (2021) demonstram que o acesso à internet aumentou de 71% de 2019 para 83% em
2020. Ainda assim, mesmo no auge da pandemia, apenas 11% dos trabalhadores estavam em
trabalho remoto (IPEA, 2021).
Todavia, tal modalidade de trabalho carrega estressores particulares que carecem de
atenção. Lord (2020) argumenta que o home office pode acarretar numa consequente
precariedade do trabalho, ao deslocar os custos do espaço de empregadores para empregados.
Há também uma maior dificuldade de concentração na atividade laboral, visto que a presença
de outros membros da família pode interferir na prática, e, muitas vezes, os locais de moradia
não são adequados ao trabalho profissional (GONDIM; BORGES, 2021; LORD, 2020)
.
2.2 SÍNDROME DE BURNOUT

As diversas transformações na forma de conceber e fazer o trabalho geram tensões


igualmente diversas no que diz respeito à saúde mental, podendo inclusive, fazer com que o
trabalhador desenvolva determinados transtornos ou síndromes. Entre elas, uma das mais
conhecidas e estudadas é a síndrome de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional. O
adoecimento foi citado pela primeira vez na década de 70 pelo médico alemão Herbert
Freudenberger (FONTES, 2020). De acordo com Benevides-Pereira (2002), a síndrome se
caracteriza principalmente pela exaustão física e mental do colaborador e está necessariamente
relacionada a questões de estresse e esgotamento no trabalho, se distanciando, dessa forma, da
depressão, ansiedade e do estresse habitual.
Conforme afirmam Gonçales e Gonçales (2017), a síndrome de Burnout apresenta
características relacionadas ao esgotamento, avaliação negativa em relação às atividades e o
866

desempenho no trabalho, sentimento de fracasso e baixa autoestima. De acordo com os autores,


essas emoções podem gerar manifestações físicas e comportamentais como insônia, fadiga,
cefaléia, taquicardia, dores musculares, lapsos de memória, evasão do ambiente de trabalho,
abuso de álcool e outras drogas, baixa tolerância à frustração e uma maior facilidade em
abandonar o trabalho.
Segundo García-Campayo, et al. (2016) o Burnout se inicia gradualmente e a partir de
fases do desenvolvimento, ou seja, ocorre uma variação entre a intensidade dos sintomas,
podendo manifestar em maior ou menor frequência as características típicas de esgotamento.
Os autores afirmam que devido ao fato de o colaborador apresentar sentimentos de estafa existe
uma diminuição considerável da qualidade e quantidade de entregas no trabalho, podendo gerar
o absenteísmo e até mesmo fuga do trabalho.
Para McCray et al., (2008 apud Dourado, 2022), o Burnout é definido a partir de três
vetores: exaustão emocional, correspondida pela perda de energia gerada pelo volume de
trabalho; despersonalização que acarreta o afastamento emocional do trabalho; diminuição da
realização pessoal que causa os sentimentos de incapacidade para a realização de tarefas e baixa
autoestima. Em concordância com Maslach e Leiter (1997 apud Dourado, 2022), o cansaço
emocional está atrelado a um ambiente de trabalho que não é saudável devido às exigências e
a pressão colocada sob os colaboradores. Para os autores, o resultado disso é a diminuição de
energia para a realização das tarefas que faz com que os sujeitos fiquem menos produtivos e
mais estressados.
Dejours (1992 apud VASCONCELOS e FARIA, 2008) através do estudo sobre a
“Psicodinâmica do Trabalho”, teoria que buscava estudar as dinâmicas advindas da relação do
sujeito com a organização e o enfraquecimento mental decorrente desse vínculo, entendeu-se
que a forma em que as tarefas eram divididas, a organização do trabalho, a repetição das
atividades e as relações de hierarquia e poder eram as grandes causadoras da pressão no
ambiente corporativo e, consequentemente das repercussões psíquicas desse trabalho. E,
conforme explicitam Vasconcelos e Faria (2008), as organizações trabalhistas são em grande
parte, causadoras das demandas de Saúde Mental.

3 METODOLOGIA

Para atingir os objetivos do presente trabalho, optou-se pela realização de uma revisão
bibliográfica. Tal método é utilizado para obter dados científicos precisos que possam delimitar
867

o tema proposto, em bases de dados nacionais e estrangeiras para entender as semelhanças e


diferenças na literatura científica (LAKATOS; MARCONI, 2010).
Dessa forma, foi feita uma pesquisa nas publicações na área da saúde e sociedade através
das plataformas de busca indexada Scielo, Pubmed, Elsevior e Pepsic. A plataforma Google
Acadêmico também foi utilizada em virtude da escassez de materiais encontrados nos outros
portais envolvendo a correlação entre “burnout” e “home office” bem como os seus sinônimos.
Tendo em vista a maior relevância no meio acadêmico, foram selecionadas exclusivamente as
publicações em artigos em português, inglês e espanhol nas seguintes áreas: ciências humanas,
sociais e da saúde. Teses, dissertações e artigos pagos foram excluídas na pesquisa.
A coleta da pesquisa se deu entre os meses de junho a agosto. Os trabalhos foram
coletados com o corte temporal de 12 anos, entre 2010 e 2022. O período citado foi utilizado
por conta da contemporaneidade da temática, muito em evidência por conta dos novos modos
de trabalho ocasionados pela pandemia da COVID-19.
Foram utilizados os seguintes descritores em português: “teletrabalho”, “home office”,
“estresse ocupacional” e “burnout”. Através da pesquisa dos descritores realizada na plataforma
DECs/MeSH, não foi encontrado o termo em português para “home office”. Todavia, o descritor
é tratado como sinônimo de teletrabalho em todos os materiais encontrados na presente
pesquisa.
No total, o presente trabalho encontrou 20 referências. Dessas, 10 na plataforma Scielo;
1 em artigos da PubMed; 1 na Elsevier e 8 na Pepsic, utilizando os descritores em português
“teletrabalho”, “home office”, “cansaço” e “estresse ocupacional”. Foram encontrados mais de
10 mil trabalhos na plataforma Google Acadêmico, mas por se tratar de uma plataforma de que
não permite a mesma sistematicidade de busca que as demais bases, poucas produções
permaneceram ao final da pesquisa.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Embora burnout e trabalho seja um tema recorrente nas discussões envolvendo saúde
mental e atividades laborais, poucos trabalhos se dedicam de fato ao tema proposto pelo
presente artigo. Entretanto, é possível estabelecer relações entre o home office e a síndrome de
burnout através das pesquisas realizadas.
De acordo com Oliveira e Tourinhos (2020), a democratização da tecnologia trouxe
mudanças sociais significativas para o trabalho. O home office, ou teletrabalho, por exemplo, é
868

resultado desse fenômeno, uma vez que a atividade trabalhista é desempenhada fora da empresa
utilizando tecnologias de informação/comunicação. Os autores ainda argumentam que embora
o home office permita uma maior flexibilidade dos horários de trabalho, o trabalhador acaba
confundindo os espaços de ambiente de trabalho com a própria moradia. Tais mudanças podem
acarretar o aumento de doenças relacionadas à atividade laboral, intimamente relacionadas à
síndrome de Burnout.
As manifestações físicas e mentais relacionadas à síndrome do esgotamento profissional
relatadas por Gonçales e Gonçales (2017) - insônia, fadiga, cefaléia, dores musculares, abuso
de álcool e outras drogas -, se mostram presentes também no espaço de trabalho remoto.
Uma pesquisa de Bouziri (2020) corrobora com os argumentos de Oliveira e Tourinhos.
A autora indica que o trabalho remoto pode desenvolver riscos ligados à alimentação, sono e
vícios. Além disso, alerta sobre a acentuação desses traços durante a pandemia da COVID-19.
Nesse aspecto, convém salientar que, segundo Rothe et. al. (2020), alterações no sono são
comumente associadas em indivíduos com Síndrome de Burnout. Dessa forma, se confirma a
ligação entre esgotamento mental e o trabalho online.
A desorganização dos ambientes, explicitada por Oliveira e Tourinhos, apresenta
concordância na obra de Araújo e Lua (2021). Para os autores, as interações familiares em casa
influenciam diretamente na execução do trabalho. Além disso, a maioria das casas não tem
suporte para as necessidades do trabalhador, afetando na qualidade de vida do trabalho
(ARAÚJO E LUA, 2021; BARROS E SILVA, 2010). De acordo com Fonseca e Pérez-Nebra
(2012) a modificação do local de trabalho induz à reflexão acerca da organização do tempo e
das atividades realizadas e dos conflitos entre trabalho e família. Dessa forma, compreende-se
que o trabalho remoto influencia no estabelecimento de limite entre o local de trabalho e de
descanso, já que a partir dessa nova modalidade tem-se a unificação desses ambientes fator
responsável pela expansão da jornada de trabalho (OLIVEIRA E TOURINHOS, 2020;
ARAÚJO E LUA, 2021).
As relações sociais também são afetadas pelo teletrabalho. De acordo com Rocha e
Amador (2018), a substituição dos encontros diretos com momentos à distância podem afetar
inclusive a motivação do trabalhador para realizar pausas na atividade. Ou seja, o funcionário
em home office gasta menos tempo com conversas alheias ao espaço de trabalho. Se no quesito
de produtividade esse é um aspecto bem-vindo, os autores argumentam que esse espaço é
importante tanto para o sentimento de pertencimento do sujeito dentro da organização como
869

para seu bem-estar mental, devido a manutenção das amizades e redes de apoio. Para Diehl e
Carlotto (2015), situações dessa natureza podem afetar o estado de espírito do sujeito que, aos
poucos, entra em desequilíbrio.
Segundo Rocha et. al. (2021), a pressão e o aumento das responsabilidades colocam em
xeque a saúde física e mental de sujeitos no trabalho remoto. O trabalhador, ao não conseguir
responder às atividades exigidas à altura, se frustra e deixa de lado o sentido do trabalho
(CASTRO, 2013; FRANCO, DRUC E SELIGMANN-SILVA, 2010). Oliveira e Tourinhos
(2020) concordam, argumentando que a cobrança exagerada das metas e o rigor no uso das
tecnologias da informação acabam por ocasionar a exaustão física e mental, que caracterizam
o burnout.
É evidente que a síndrome de burnout não é um adoecimento em virtude do teletrabalho.
As manifestações psíquicas e físicas da doença também podem acontecer em ambientes de
trabalho convencionais. Entretanto, as condições do trabalho online acentuadas pela pandemia
da COVID-19, podem acentuar os sintomas alusivos ao adoecimento (BOUZIRI, 2020).
De acordo com Santos e Baracat (2021) para que o esgotamento não seja concretizado,
o trabalhador necessita descansar e se desconectar do trabalho. Porém, o trabalho remoto pode
se tornar uma barreira para essa desconexão, causando ainda mais estresse ao sujeito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, a presente revisão teve como objetivo elucidar questões referentes às


consequências da modalidade de trabalho remoto no esgotamento mental de trabalhadores,
temática essa que tende a crescer ainda mais, levando em consideração os avanços tecnológicos
e flexibilidade no campo do trabalho.
Através desta pesquisa, foi possível verificar que o teletrabalho pode acarretar diversas
consequências físicas e psicológicas para o trabalhador. A perda do espaço físico; a modificação
da própria residência para adequar ao trabalho; a atenção dividida entre trabalho e família; a
cobrança intensa através das TICs são algumas das mazelas trazidas pelo home office.
Entretanto, a escassez de obras encontradas sobre a temática levantada no artigo impossibilita
uma interpretação mais profunda acerca dos fenômenos relacionados ao Burnout e Trabalho
Remoto. Os estudos mais recentes sobre o tema podem refletir impactos não somente do
teletrabalho, mas também do isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19.
870

Desta forma, a relevância do tema e a escassez de material na área mostram a urgência


da realização de pesquisas de campo a respeito e a necessidade de que as revisões de literatura
usem ainda mais a sistematicidade, procurando evidências ainda mais assertivas sobre essa
correlação. Todavia, embora incapaz de prolongar as questões, espera-se com tal pesquisa
contribuir para possibilidades de diagnóstico e promoção em saúde do trabalhador e abrir
caminho para produções posteriores que deverão abordar questões práticas dos conhecimentos
discutidos.

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set. 2021.
874

DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO: uma perspectiva feminista na educação básica

Jordana Feitosa da Câmara1


Amanda Carolina Claudino Pereira2
Maria Katiane Formiga Miranda 3

RESUMO

O presente artigo acerca da divisão sexual do trabalho numa perspectiva feminista na educação
básica teve como objetivo descrever e discutir a relevância da divisão sexual do trabalho para
a sociedade moderna, investigar como a divisão sexual do trabalho é abordada na educação
básica atualmente e apresentar formas mais adequadas de tratar o tema no âmbito escolar. A
presente pesquisa baseou-se no método de revisão bibliográfica narrativa e a seleção de artigos
foi feita através da análise temática. Nos resultados, observou-se que a construção histórica
acerca dos deveres de homens e mulheres moldou grande parte das relações sociais e tem forte
relevância ao considerar a divisão de tarefas domésticas e seus desdobramentos. Além disso, a
não preocupação de abordar o tema numa perspectiva feminista de gênero igualitária na
educação básica mostrou-se uma das principais problemáticas acerca disso, considerando a
educação como uma instituição geradora de opiniões. Assim, conclui-se que diante esse
contexto, a educação deve ter uma perspectiva libertadora e contribuir para a desconstrução de
estereótipos de gênero e a formação de sujeitos conscientes.
Palavras-chave: Trabalho. Educação. Mulher. Feminismo. Divisão

ABSRACT

This article on the sexual division of labor from a feminist perspective in basic education aimed
to describe and discuss the relevance of the sexual division of labor for modern society,
investigate how the sexual division of labor is addressed in basic education today and present
more appropriate ways of dealing with the theme in the school environment. This research was
based on the method of narrative literature review and the selection of articles was made
through thematic analysis. In the results, it was observed that the historical construction about
the duties of men and women shaped a large part of social relations and has strong relevance
when considering the division of domestic tasks and its consequences. In addition, the lack of
concern to address the issue from a feminist perspective of equal gender in basic education
proved to be one of the main problems regarding this, considering education as an institution
that generates opinions. Thus, it is concluded that in this context, education must have a
liberating perspective and contribute to the deconstruction of gender stereotypes and the
formation of conscious subjects.

1
Graduanda de Licenciatura em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte- E-mail:
jordanafeitosa2@gmail.com
2
Mestre em Psicologia Cognitiva, Especialista em Psicopedagogia e Neuropsicologia, docente da Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: amanda.pereira@professorcatolicadorn.com
3
Docente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, graduada em Psicologia pela Universidade Estadual
da Paraíba (UEPB), com MBA em Gestão de Pessoas pela Universidade Potiguar (UnP). – E-mail:
maria.miranda@professor.catolicadorn.com.br
875

Keywords: Work. Education. Woman. Feminism. Division

1 INTRODUÇÃO

Na sociedade contemporânea, uma das maiores problemáticas existentes no seio


domiciliar na criação de meninos e meninas é sobre a divisão de tarefas domésticas e suas
ressonâncias para com as relações atuais entre homens e mulheres. Adichie (2017), em
manifesto para educar crianças feministas, propõe que o trabalho de cuidar da casa e afins não
deve ser direcionado nem justificado pelo gênero e que esse processo deve ser colaborativo e
harmonioso. Em sua obra, a autora escancara essa questão como um problema atual e
arrevesado. De acordo com a autora, os afazeres domésticos não devem ser reservados a partir
do gênero e sim serem colaborativamente realizados pelo casal (ADICHIE, 2017).
Em outros momentos do manifesto, a autora também nos convoca a pensar o impacto
que essa questão tem no funcionamento da sociedade como o todo; uma vez que esses papéis
de gênero influenciam diretamente no desenvolvimento interpessoal desses sujeitos e na forma
como eles se colocam no mundo. Assim, é insensato pensar na construção de uma sociedade
igualitária e harmônica sem pensar criticamente a divisão sexual do trabalho, visto que é um
dos primeiros olhares de crianças a maneira como homens e mulheres existem e se relacionam.
Dessa forma, uma alternativa possível de estreitar essas discussões seria direcioná-las a
instituições de ensino, sendo um espaço viável de debate acessível entre esses sujeitos em
formação. Apropriando-se do conceito de educação dialógica de Freire (2017), em que se
considera as relações homens-mundo como temas geradores, introduzir essa temática familiar
dentro de escolas numa perspectiva libertadora é um caminho interessante.
Portanto, trabalhar a divisão sexual do trabalho nas escolas dentro de uma lógica ética,
colaborativa e a partir do viés do movimento feminista é de extrema valia para o meio
acadêmico. O tema se faz ainda mais necessário de discussão por não termos muitos trabalhos
publicados e por trazer uma interlocução de saberes bastante produtiva que precisa ser
desenvolvida. E mais que isso, é uma discussão importante a nível macro de construção
subjetiva de uma sociedade revolucionária, justa e potente.
Assim, este trabalho tem como objetivo discutir a relevância da abordagem da divisão
sexual do trabalho na educação básica e propor estratégias de apreciação do tema no ambiente
escolar. Para tanto, a pesquisa se constituiu da seguinte forma: descrição e discussão da
relevância da divisão sexual do trabalho para a sociedade moderna; investigação de como a
876

divisão sexual do trabalho é abordada na educação atualmente; apresentação de formas mais


adequadas de tratar o tema no âmbito escolar.

2 METODOLOGIA

Cordeiro et al (2007), classifica a revisão da literatura narrativa, também conhecida


como tradicional, um método abrangente, flexível e permite ao autor produzir o conteúdo em
fontes múltiplas. Desde o processo de seleção dos artigos, percorre um caminho livre, uma
experiência onde a convicção permitirá a exclusão e inclusão das fontes encontradas, uma ação
para chegar ao objetivo do estudo proposto.
Tal modalidade de pesquisa foi escolhida justamente devido a liberdade dada a autora
em passear pelo tema de forma livre, a fim de selecionar o material diante da proposta do
referencial teórico.
Na seleção deste material, foi escolhida a Análise Temática como forma de trabalho.
Souza (2019), aponta tal modalidade como um procedimento que busca selecionar através de
padrões, recursividade e flexibilidade dos artigos científicos de maneira qualitativa de análise
de conteúdo.
Na presente pesquisa, o referencial teórico teve embasamento na temática da educação
com a literatura, primordialmente de Freire (2017) e Hooks (2019). Em relação as questões de
gênero e divisão sexual do trabalho, tal pesquisa foi alicerçada pelo trabalho de Kehl (2016),
Friedman (1971) e outras autoras contemporâneas.
Como base científica, os autores foram selecionados na base de dados do Capes, Scielo
e Google Acadêmico com enfoque nos trabalhos realizados nos últimos vinte anos. Foram
pesquisados em torno de 40 artigos, destes foram utilizados uma média de 25. Ademais, em
volta de 10 livros foram considerados. Para a pesquisa desse material, as palavras-chave
pesquisadas foram trabalho, educação, mulher, feminismo e divisão.
Nesta pesquisa, a principal dificuldade acerca da procura e seleção de artigos foi sobre
a interlocução da divisão sexual de trabalho com a educação básica. Apesar de existirem muitos
materiais sobre esses temas de forma individualizada, a ligação entre esses dois pontos não
aparecia muito. Assim, considerar como a divisão de tarefas domésticas e suas nuances eram
consideradas na educação básica foram um desafio eminente neste artigo.
877

Dessa forma, a presente pesquisa foi realizada amparada pelo referencial teórico de
descrever e discutir a relevância da divisão sexual do trabalho para a sociedade moderna,
investigar como a divisão sexual do trabalho é abordada na educação atualmente e como esse
tema deve ser abordado no âmbito escolar, com enfoque textual no debate da educação básica.

3 DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO SOBRE RELEVÂNCIA DA DIVISÃO SEXUAL DO


TRABALHO PARA A SOCIEDADE MODERNA

Para Oakley (1987,p.43.), “o status moderno das tarefas domésticas é o de não serem
trabalho”. Dito isso, fica escancarada a problemática da divisão sexual do trabalho na sociedade
moderna aparece de forma contundente nas relações sociais atuais, visto que esse modo de
trabalho foi responsável por sustentar grande parte do sofrimento de mulheres ao redor do
mundo.
Acrescentando, (WOLF, 2018 e pg. 46 apud WARRING.s.d) diz que “os homens não
renunciarão facilmente a um sistema em que metade da população do mundo trabalha por quase
nada” e assim dispõe de uma forte critica sobre a dupla jornada cansativa e mal remunerada
que as mulheres enfrentam como uma forma de desvalorização de sua mão de obra e diligencia.
Assim, para começar a discutir sobre como a divisão sexual do trabalho afeta as relações
sociais existentes, é preciso pontuar sobre o conceito de trabalho dentro de uma sociedade
capitalista, considerando os papeis dos gêneros, já construídos, feminino e masculino. Nesse
sentido, Kehl (2016,p.53) constrói um solido entendimento sobre como a feminilidade foi
criada a partir de uma estratégia de conter as mulheres e reserva-las ao espaço privado, assim
como coloca em os deslocamentos do feminino que:

As mulheres devem ser educadas para se tornar recatadas e resistentes ao sexo de


modo a sustentar, com seu negaceio, a virilidade dos parceiros; frágeis e desprotegidas
para mobilizar neles a forca, a potência, o desejo de proteção, submissas e modestas
para melhor governar a casa e a família.

Essa construção diretiva de onde mulheres e homens devem estar, modulou o modo
como as relações sociais acontecem por muito tempo e suas ressonâncias podem ser vistas até
hoje. Visto que, a dicotomia entre o espaço público e privado ainda é uma questão. (SOUZA;
GUEDES; 2016)
878

Assim, homens são vistos como provedores e mulheres como cuidadoras. Realidade
essa que começa a ser questionada a partir de novas configurações sociais reivindicadas pelas
mulheres. Porém, essa divisão sexual do trabalho ainda permeia o elo entre homens e mulheres,
já que a noção de trabalho, seja remunerado ou não, permanece a mesma em sua essência.
Para Sorj, Fontes e Machado (2004), a definição do que é trabalho remunerado ou não
é perpassada pelos diferentes princípios da sociedade daquilo que é rentável para o mercado. O
trabalho doméstico seria sempre posto pela sociedade como o sustento pelo seu casamento,
portanto, seu dever. E é a partir dessa concepção de remuneração, que impera a noção de que
as tarefas domésticas são obrigações femininas, resultando também em salários mais baixos e
menor qualidade de empregos, isso quando articulado à esfera econômica pública
(BRUSCHINI, 2006).
Gurgel (2010) coloca a jornada intensiva de trabalho como uma das pautas feministas
de maior importância, destacando a discussão dessa problemática como um dos elementos para
a emancipação de mulheres a partir de uma ótica feminista de transformação social e, além
disso, reconhece a articulação histórica de mulheres que se mobilizaram a construir espaços de
lutas políticas.
Nesse sentido, o advento das Guerras Mundiais veio como um fator de renovação a essas
relações de trabalho; já que a partir dessa, as mulheres começaram a ocupar espaços na esfera
pública. A diminuição da mão de obra masculina nas fabricas corroborou para a inserção das
mulheres nesses espaços, configurando-se como um evento simbólico na luta feminina por
equidade de direitos. Porém, esse acontecimento histórico também revela a discussão de tripla
jornada da mulher na sociedade atual onde essa assume múltiplas funções de mãe na casa,
cidadã na polis e trabalhadora no mercado. (HOMEM, 2019)
Essa temática começou a ser estudada em diversos países, inclusive na França nos
inícios dos anos 70, servindo como objeto de estudo que serviu como potencializador do
movimento feminista, debate esse que o destacou como um problema e questionou esse lugar
de reprodução social gratuita pelas mulheres (CASTRO, 1992).
Dessa forma, Segundo Duarte, Spinelli (2019), entende-se que a divisão sexual do
trabalho é um fenômeno construído historicamente e bastante enraizado na sociedade atual.
Essa construção baseia-se principalmente em estereótipos de gênero criados estrategicamente
para subjugar a mulher em um papel de inferioridade. Esses estereótipos se dividem em uma
879

caracterização reducionista e violenta que enquadra os homens em um papel de “sexo forte”,


líder e corajoso, enquanto mulheres são o “sexo frágil”, dóceis e passivas.
Assim como coloca Kehl (2016, p.54) sobre a construção da feminilidade, “a fragilidade
das mulheres foi um forte argumento contra a profissionalização, contra a exposição de
mulheres ao tumulto das ruas e a vida noturna, contra quase todos os esforços físicos, contra o
abuso nos estudos, contra os excessos sexuais”, explicitando como a criação desse senso
comum serve para aprisionar as mulheres em um ideal de passividade e omissão.
Nessa mesma discussão, são esses estereótipos que fomentam a exclusividade do
trabalho doméstico as mulheres, no qual esse espaço é visto como natural e o único destino
possível. (DUARTE; SPINELLI, 2019). “Invisíveis, repetitivas, exaustivas, improdutivas e
nada criativas” Essa é maneira em que a autora Davis (2016, p.225) descreve as tarefas
domesticas, como “mulheres raça e classe. Para a escritora, a divisão sexual do trabalho é um
conceito indispensável nas discussões de gênero, visto que é um tema sensível à realidade das
mulheres como um todo, conceito esse alicerçado pela estrutura capitalista que define esse
trabalho como algo inferior comparado a uma atividade assalariada do capital.
Sendo assim, esse um dos pontos cruciais ao se pensar o surgimento do sexismo como
uma fonte de lucro exorbitante para os capitalistas. Como proposta resolutiva, Davis (2016)
sugere a industrialização desse fazer a partir de uma lógica que retire essa obrigação da esfera
privada e as mulheres, tornando essas tarefas domesticas um trabalho amparado por subsídios
governamentais.
Ademais, Engels (1973), apresenta uma perspectiva teórica sobre a divisão sexual do
trabalho. De acordo com seus estudos, esse assunto é histórico e foi moldado a partir das
relações sociais entre homens e mulheres. Nos primeiros relatos durante a história da
humanidade, as tarefas domésticas de sobrevivência eram organizadas de maneira mais
próxima da equidade e ambas eram vistas como produtivas e necessárias. Ainda, para
Engels(1973), o surgimento da propriedade privada foi o principal preceptor dessa desigualdade
sexual e da injusta divisão do trabalho como conhecemos hoje, de maneira hierárquica e
violenta. Portanto, a centralidade das tarefas domestica as mulheres é uma realidade pós-
capitalista.
Além disso, Federici (2017), faz duras críticas ao capitalismo e como esse sistema ressoa
no corpo das mulheres. Em uma de suas considerações, a autora coloca como a força de trabalho
não remunerada de mulheres serviu para o desenvolvimento desse sistema. Nesse sentido, a
880

dada divisão sexual do trabalho diferenciou as tarefas que homens e mulheres deveriam realizar
fazer esse que rumina por toda uma experiência de vida e relação com o capital desses
trabalhadores. Essa força de trabalho pautada em grande desigualdade entre os gêneros serviu
como forte impulso a acumulação capitalista. Fator esse apenas possível devido a cumplicidade
dos homens nesse processo, que tinham o interesse convicto em dominar essas mulheres.
Assim, desenvolvendo a compreensão que o trabalho feminino não necessita de remuneração,
enquanto o deles usa dessa acumulação para lucrar.
Trazendo a discussão para a sociedade moderna, é possível recorrer ao paradoxo “tudo
muda, mas nada muda” das autoras Kergoat e Hirata (2007,p73), sobre a divisão sexual do
trabalho e suas nuances, pois segundas elas, as relações sociais de sexo entre homens e mulheres
formam a divisão do trabalho a partir de uma lógica de antagonismo, dominação e exploração.
Com base nisso, as autoras inserem o debate da consubstancialidade e da coextensividade. Esse
primeiro seria sobre a intersecção de classe, gênero e raça dentro de uma ótica de nível da
análise sociológica e o segundo sobre como essas relações se desenvolvem mutuamente. Assim,
as autoras colocam em pauta um ponto crucial ao pensar a divisão sexual do trabalho de forma
a reiterar que as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelo trabalho doméstico
e do cuidado a princípio da hierarquização dessa sociabilidade.
Segundo Biroli; Quintela (2020) o tempo de dedicação a tarefas domésticas é
inversamente proporcional a renda. Essa colocação resume de forma concreta as modificações
que a divisão sexual do trabalho pode assumir ao considerar, de modo coextensivo, as relações
de poder existentes nos quesitos sociais, raciais e de classe. Assim, é de unanimidade
estabelecer o vínculo entre mulheres no trabalho (remunerado ou não) e a precarização social,
levando em conta o debate de consubstancialidade e da coextensividade que as autoras colocam
em cheque. Os dados existentes acerca disso esclarecem um pouco sobre essas relações.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) DE 2015
(IBGE, 2016), a média de dedicação semanal dos homens a tarefas domestica é de 10,8 horas,
menos que o dobro das 24,4 de horas dedicadas pelas mulheres. Tendo uma variação entre
negros e brancos.
Ainda, ao falar sobre a divisão de tarefas domesticas e seu vínculo com a construção de
uma feminilidade, é de extrema relevância recorrer a Friedan (1971), pois a autora conceitua a
Mística Feminina como a realização da feminilidade sendo o maior valor na vida de uma
mulher. Preservando a imagem de intuitiva e próxima a criação da vida, remetendo a
881

maternagem como o destino. E nisso também, o papel de dona de casa e esposa-mãe que detém
as tarefas de passar, lavar, cozinhar, cuidar dos filhos e da casa. Durante sua obra, a autora
critica veementemente esses papeis construídos e suas palavras inspiraram a revolta das
mulheres americanas numa perspectiva de não mais aceitação desse lugar.

4 INVESTIGANDO COMO A DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO É ABORDADA NA


EDUCAÇÃO ATUALMENTE

Freire (2017), um dos maiores educadores da história, critica veemente a educação não
relacionada à realidade dos sujeitos, considerando que para uma transmissão de conteúdo
significativa, essa interlocução é imprescindível. Isto é, ao falar sobre educação libertadora, é
de extrema valia associar o conteúdo com a vida dos estudantes, assim fazendo uma educação,
de fato, significativa.

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado,


quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiencia
existencial dos educandos, vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta
educação. A sua irrefreada ânsia. (FREIRE, 2017, p.79)

Em seus escritos, Freire (2017,p.80) sempre destaca a importância de se considerar o


cotidiano dos estudantes, levando em conta como eles vivem e como suportam a realidade para
além do ambiente escolar. “Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador, o depositante.” Nessa colocação, o autor nos
convoca a pensar justamente sobre esse modelo educacional conteudista que faz da transmissão
de conteúdo, uma questão de depositar informações. O autor vai de encontro dessa lógica e
propõe uma educação libertadora, que motive os sujeitos a se implicarem no seu processo
educacional e vivenciarem a educação na sua forma mais vivencial.
Entendendo a perspectiva de uma educação relacionada a vida dos sujeitos de maneira
histórica, Engels (2002), coloca que a naturalização dos cuidados domésticos como uma tarefa
estritamente feminina vem da construção sócio-histórica a partir do surgimento da propriedade
privada e do estado, fatores esses consolidadores do Capital. Nesse sentido, Cisne (2015),
aponta esse evento como potencializador de muito sofrimento a essas mulheres, já que as coloca
em posição exploratória de seus corpos e força de trabalho. Configurando-se, assim, um tema
de divisão social do trabalho na sociedade de classes atual.
882

Dessa maneira, é possível articular esse aparato histórico com os dizeres de Freire
(2017) acerca da educação à medida que se entende o tema da divisão sexual do trabalho como
um atravessador da realidade brasileira. Assim, perpassando também a vida de estudantes
meninos e meninas da educação básica. Através do que o autor expõe com sua tese a partir da
frase “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo” (FREIRE,2017, p.95), o tema da divisão sexual do trabalho torna-
se mais urgente. Visto que esse é uma das temáticas que passam pelas vivências desses sujeitos.
Além disso, Freire (2017) nos convoca a pensar a educação como uma dialógica entre a sala de
aula e as relações como o mundo.
Segundo Roussau (1995), a educação está associada, a partir de uma compreensão
moderna, a perfectibilidade do ser humano. Ou seja, o autor coloca a educação como o caminho
possível para o avanço do ser humano como tal. E que isso reflita na sociedade de forma a ser
um fator determinante para o progresso da ciência e da democracia, tal qual a erradicação de
problemas sociais.
Portanto, nota-se que um dos caminhos possíveis para a transformação da sociedade é
pelo modo educacional, partindo desde a educação básica. E ao tratar-se da divisão sexual do
trabalho, entendendo como as tarefas domésticas devem ser compartilhadas dentro de casa, a
proposta não seria diferente. É nessa lógica da educação, que a construção histórica sob a
relação de homens e mulheres, começa a transformar-se. Isso porque, assim como traz Kramer
(2006), é imprescindível compreender o contexto social de uma criança para poder refletir sobre
o papel da educação e como essa atua de forma direta nas relações dessas famílias com a
sociedade de classes.
Ademais, segundo Beauvoir (2020,p.17) “além dos poderes concretos que possuem,
revestem-se de um prestígio cuja tradição a educação da criança mantém: o presente envolve
passado, e no passado toda a história foi feita pelos homens.” Assim, o autor escancarava a
educação como mais uma estrutura dominada pelo sexo masculino. De acordo com ela, a classe
dominante que detém o poder sobre essas estruturas molda a sociedade de forma que a mulher
continue no lugar de Outro; não tendo assim, suas demandas ouvidas e esclarecidas.
Pensando nisso e entendendo a forma como a educação pode atuar de maneira a
colaborar para a manutenção social de valores já estabelecidos, é importante que se veja a escola
como um lugar de transformação, põe a escola como o lugar mais apropriado para se trabalhar
as diferenças e diversidade, visto que nesse espaço, por ser inserido dentro de uma sociedade
883

binária, vai reproduzir esses estereótipos de gênero, corroborando para esse pensamento em
comum. Porém, é em consenso que se discute a escola como um potencial espaço de
transformação social, gerador de meninos e meninas dentro do princípio da isonomia
(OLIVEIRA; SANTOS, 2019).
Historicamente excluídas da educação, meninas e mulheres enfrentaram intensos
percalços para serem inseridas no processo de escolarização. Só a partir de alterações
sociopolíticas de democratização do ensino no Brasil do século XX, mudanças passam a
perpassar a realidade do País, contexto social conhecido como “hiato de gênero” que veio como
uma tentativa para reverter essas desigualdades no âmbito escolar (ROSEMBERG,
MADSEN,2011, p.11).
Essa realidade traz a luz todo um contexto de negligência e negação de direitos que essas
meninas e mulheres suportaram no processo de escolarização. De acordo com (Vianna, 2001
e p.93 apud Scott, Wallach) vivência essa alicerçada pela escola como objeto de manutenção
de significados masculinos e femininos a partir de uma lógica sexista das relações de poder,
afetando o corpo docente, tal como os estudantes; corroborando para uma demarcada divisão
sexual do trabalho. Assim, é observável de forma prática, a escola como um local que por muito
tempo, não se interessou em dar de conta de demandas reais dos estudantes.
Acerca dessa problemática, Rosemberg (2011), escancara sua gênese a partir da não
discussão desses aspectos dentro de espaços escolares, acadêmicos e da própria comunidade
cientifica. De acordo com a autora, até 1980 esse debate era escasso dentro da educação e se
concentrava apenas em aspectos de classe, desconsiderando gênero, geração e raça. A discussão
acerca de feminilidade e masculinidades vem como algo novo e tenta se estabelecer como
prático dentro do âmbito da educação, afim de problematizar como essas relações acontecem
dentro de escolas e repercutem para a sociedade de forma geral.
Nessa mesma lógica, Brites (2013), indaga sobre a recente inserção do debate acerca da
divisão das tarefas domésticas nas produções acadêmicas brasileiras. A autora traz à tona a
importância dessa discussão dentro das escolas e como uma estratégia de implicar a
comunidade a refletir sobre como essa divisão é feita entre homens e mulheres, meninos e
meninas. Reconhecendo o diálogo dessa pauta como conquista de lutas feministas, a autora
corrobora para uma nova forma de se pensar essa divisão do trabalho doméstico a partir da
educação.
884

Em uma pesquisa qualitativa amparada por entrevistas semiestruturadas, Adriano Souza


e Marília Pinto, autores do artigo Sobre rua, escola e gênero, acompanharam 20 crianças de
uma escola municipal do estado de São Paulo por cinco meses para conhecer a realidade desses
jovens a partir de uma perspectiva sobre família, rua e escola. Essas crianças cursavam o
terceiro ano do ensino fundamental e tinham entre 8 e 9 anos. Nesse estudo, um dos enfoques
era sobre a divisão dos afazeres domésticos dentro do ambiente familiar.
Salvo raras exceções, o resultado desse trabalho apontou para uma realidade em comum:
meninas e mulheres se sobrecarregam com os afazeres domésticos, enquanto homens e meninos
não colaboram para tal. De forma massiva, nessa pesquisa, meninas responderam que todas as
atividades domésticas são dividias entre figuras femininas dentro de casa, enquanto seus irmãos,
por exemplo, se ocupam em outras atividades como brincar, ficar no celular ou ir pra rua.
Outro aspecto observado foi que nas famílias em que meninos participam dessas
atividades é de forma extremamente reduzida e tal atitude é vista como ajuda e não obrigação,
onde a mãe delega as atividades mais maçantes a meninas. Nesse tocante, Heilborn (1997),
descreve esse contraponto de ajuda e obrigação entre meninos e meninas como uma tensão nas
relações familiares, onde meninas são sempre responsáveis na organização da unidade
residencial e os meninos não são incluídos nessas tarefas, assim quando o fazem, recorre-se ao
termo de ‘ajuda’.
Portanto, tal pesquisa demonstra a realidade dos lares brasileiros no tocante à divisão de
tarefas domésticas. Mulheres e meninas são encarregadas por essas atividades sem direito a
contestação, onde meninos e homens usufruem desse tempo livremente sem se preocuparem
com esses afazeres, já que entendem como uma responsabilidade exclusiva do gênero feminino,
consequência essa de uma naturalização dessas tarefas domésticas de cuidado de filhos, casa e
afins as mulheres, que por muito tempo se viram destinadas a esse lugar. Tal posição construída
a partir de um ideal de concretização de um sonho e falsa autonomia, onde essas mulheres
poderiam decidir como tudo isso seria feito, desde que permanecessem nesse espaço privado,
as desvirtuando de outras possibilidades (FRIEDAN, 1971).
Logo, percebe-se que por mais que seja o espaço ideal para transformação de preceitos
já estabelecidos pela sociedade, a escola ainda é um lugar de manutenção desses, sendo
necessária sua revisão. A colocação de Louro (2000), no seu artigo sobre corpo e identidade
abre portas a essa discussão à medida que entende a história da educação e sua prática como
uma forma de engendramento dos corpos. Todos os processos de escolarização foram e são
885

motivados pelas diretrizes de controlar, corrigir e moldar meninos e meninas no enquadre da


época, colaborando assim, para o disciplinamento dessas mentes, barrando a construção de
novas formas de ver o mundo. Assim, sendo urgente a reformulação dessa prática ao passo de
uma nova proposta de educar meninos e meninas, numa perspectiva não sexista; onde possa
alterar a vivencia desses, inclusive sobre a divisão sexual do trabalho.

5 FORMAS MAIS ADEQUADAS DE TRATAR O TEMA NO ÂMBITO ESCOLAR

A autora Hooks (2017), elucida a discussão acerca de uma educação que não colabore
com a manutenção do status quo e seja transformadora no sentido de direcionar a teoria junto à
população de maneia libertária. Assim, “a teoria não é intrinsicamente curativa, libertadora e
revolucionaria, só cumpre essa função quando lhe pedimos que o faça e dirigimos nossa
teorização para esse fim” (HOOKS,2017,p. 86).
Com isso, entende-se a necessidade de repensar os valores da educação no tocante a
assuntos que de fato, façam parte do contexto social dos educandos, partindo do pressuposto
que essa transmissão do saber deve ser dialógica e direcionada para a transformação da
realidade.
Congruente a isso, Foucault (2013) problematiza as relações de poder que constroem a
noção de conhecimento diante os sujeitos. De acordo com ele, as relações de poder
estabelecidas dentro da sociedade é que vai, intencionalmente, definir o conhecimento e o
acesso desse as pessoas. O autor, ainda enfatiza que esse saber é algo inventado pelo homem, e
não intrínseco a ele. Então, os valores sociais construídos são, de fato, voláteis e passiveis de
mudança, visto que são as relações entre os sujeitos que definem os discursos que os circulam.
Ainda, Foucault (2013) afirma que esses discursos, aferidos como verdade, são
formados a partir de comportamentos, linguagens e valores, refletindo diretamente nas relações
de poder, de forma simultânea. Discursos esses que podem, inclusive, aprisionar os indivíduos;
à medida que se percebe a formação desse saber como uma forma de controle da sociedade. Tal
conhecimento, sempre amparado pelas relações de poder entre os sujeitos, deve atentar-se a ir
de encontro a essa lógica de controle, trabalhando de forma a construir espaços de saber
libertadores e cientes das novas demandas da sociedade atual.
Afunilando a discussão para o papel da educação básica, Sandro; Tania (2019) colocam
a importância dos educadores estarem atualizados acerca dos construtos sociais e como esses
886

interferem na pratica de educação. De acordo com os autores, a escola deve ser um ambiente
que trabalhe a partir de aprendizagens significativas e esclarecimento de dúvidas consciente no
tangente a identidade e sexualidade, por exemplo. Visto que esses são temas que perpassam a
realidade dos educandos, sendo primordiais em seu processo de formação. Nesse sentido, a
escola deve se colocar como um espaço livre de julgamentos e preconceitos, servindo como
acolhimento a crianças e suas questões.
Além disso, Louro (2011), alerta os educadores, de maneira geral, a considerar de forma
mais enfática os processos históricos, econômicos, políticos e culturais nos processos
educacionais, entendendo a escola como um local importante no quesito de formação dessas
estruturas. Louro amplia a discussão sobre escola, gênero e sexualidade pois levanta essa pauta
no sentido de estabelecer um vínculo direto e indissociável entre essas questões e os sujeitos
educandos, que por passarem grande parte de seu tempo nas escolas, tem seus corpos e mentes
atravessados por essa.
Ainda nessa lógica, Louro (1999), traz à tona o debate sobre como as escolas podem ser
espaços de controle e massificação dos corpos. Conteúdos, brincadeiras e padrões culturais
perpetuados dentro do ambiente escolar servem como parâmetros daquilo que seria aceito pela
sociedade, sendo delimitador da liberdade e senso crítico dessas crianças.
Essas práticas, construídas pela sociedade, são reproduzidas nas escolas de maneira
espontânea, tendo em vista que essa instituição também é formadora desses conceitos. Bordieu
(2010), aponta para a escola como um lugar de interiorização cultural, já que se localiza como
espaço para a socialização desses sujeitos, onde eles aprendem e reaprendem como estabelecer
vínculos e estar em sociedade.
Levando em consideração os aspectos supracitados, (SILVA; SANTOS 2019 apud
LIMA; ZANLOEWNZI, PINHEIRO; 2012) trazem a influência que as crianças sofrem nas
escolas como fator primordial ao se pensar a formação de cidadãos críticos e conscientes.
Enxergando o cenário escolar como espaço de formação, tem-se a responsabilidade de exercer
uma função social consciente e responsável com esses sujeitos por meio de uma educação
científica e humanizada.
Ao compreender a escola como uma instituição de extrema relevância para a
manutenção ou não do conhecimento estabelecido pela sociedade, faz-se necessário articular
esse saber com o contexto social e as atuais demandas desse. Como já colocado anteriormente,
a divisão sexual do trabalho edificou-se a partir de uma construção sócio-histórica das relações
887

entre homens e mulheres. Santana (2012) traz, nessa perspectiva, que ainda hoje, o imaginário
social baseia-se na concepção de a responsabilidade de cuidar de filhos e da casa é inerente as
mulheres. Construção essa que serve de alicerce para todas as outras formas de convivência
entre os sujeitos.
Dessa maneira, como coloca Freire (2017), só a partir da situação presente e das
aspirações do povo, deve ser organizado o conteúdo programático desses sujeitos. Ou seja, a
educação deve estar interligada a realidade do povo. Furlan (2013), traz que uma das tradições
mais predominantes nas relações de mundo dos sujeitos se dá a partir das brincadeiras das
crianças, considerando esse fazer como crucial no processo de formação desses sujeitos. De
acordo com o autor, são nessas brincadeiras que meninos e meninas aprendem a como se
comportar no futuro, pois há a naturalização desse fazer desde a infância. As meninas
reservadas a brincadeiras de cozinhar, passar e cuidar da casa. Enquanto meninos passeiam
livremente por brincadeiras com aviões, carros, super-heróis.
Ademais, Silva (2016), enfatiza que é por meio da educação que essas brincadeiras são
naturalizadas, criando estereótipos do que seria certo para meninos e meninas, já que são nesses
espaços de convívio que há a maior parte da socialização. Assim, é na escola também que esses
papeis de gênero são mantidos, sendo corresponsabilidade dessa instituição junto com a
sociedade em ser um espaço de transformação desses conceitos, já que funciona como
importante meio de convivência formativa de sujeitos cidadãos.
Concordante a isso, Santos, Araújo e Reis (2018), enfatizam como as instituições
escolares podem servir como estruturas violentas ao colaborarem com a manutenção de
desigualdades entre meninos e meninos. E isso se dá desde as cores usadas nas crianças, as
leituras, brinquedos e até mesmo as funções ocupadas por elas dentro das escolas.
Em uma pesquisa qualitativa com abordagem de estudo de caso, Machado; Brenda; Solange
(2017) avaliaram o que as professoras da educação básica sabiam sobre a temática de gênero e
como essas educadoras respondiam essa questão na pratica docente.
A pesquisa foi realizada em uma instituição pública de ensino municipal da cidade de
Fortaleza no Ceará com seis professoras de ensino fundamental e infantil. As perguntas eram
baseadas em temáticas de gênero, incluindo a formação de meninos e meninas e a divisão de
tarefas entre eles dentro da escola.
Nos resultados, as autoras encontraram uma realidade de não saber diante do tema. Nas
respostas, deu-se unanimidade no que diz respeito a consciência das docentes sobre não saber
888

como lidar quando demandas relacionadas a gênero apareciam entre os alunos. De acordo com
os professores, nunca houve nenhuma formação nesse sentido e essa falta reverbera na prática
educacional, já que essas demandas chegam nas escolas através do comportamento, interação e
discurso dos alunos. Sobre os conteúdos programáticos, o observado foi que essa questão nunca
foi mencionada dentro de uma abordagem social, apenas biológica e corroborando para a lógica
predominante biologizante e binária dos corpos.
Além disso, em outra pesquisa qualitativa realizada por Machado; Brenda; Genifer
(2015), o objetivo foi analisar as concepções acerca do feminismo e machismo entre as
professoras de uma Escola Municipal em Fortaleza no Ceará. A pesquisa foi realizada através
de entrevistas semiestruturadas e eram baseados no que essas educadoras entendiam por
machismo e feminismo e como esses construtos sociais perpassam pela educação básica.
Considerou-se interessante abordar os resultados dessa pesquisa por entender que a
divisão sexual do trabalho se dá como uma temática intrínseca ao movimento feminista, como
já citado anteriormente. Assim, os resultados dessa pesquisa se mostraram consoantes ao da
supracitada. Quase em unanimidade, as professoras demonstraram insegurança ao tratar do
tema e relataram sentir o despreparo acerca desse, já que nunca houve nenhum tipo de
direcionamento dessa ordem. Também relataram situações práticas onde necessitaram abordar
esse assunto e contam que o fizeram dentro de suas possibilidades a partir de vivencias pessoais
e dentro daquilo que consideraram o ideal. Para mais, as próprias professoras propõem um
momento de formação continuada onde possam aprender mais sobre a temática e abordá-la de
maneira responsável entre alunos meninos e meninas.
Portanto, através dessas pesquisas é possível obter uma amostragem sobre como a
educação básica trata sobre a temática de gênero, inclusive a divisão sexual do trabalho; debate
esse que escancara as formas de relações entre meninos e meninas desde cedo. Congruente a
isso, Gomes e Silva (2002), problematizam os currículos escolares que silenciam os sujeitos e
impõem um modo normativo e desigual entre esses. Entendendo assim, que a escola deve ser
um local que se implique nesse debate de forma consciente, não corroborando para a
manutenção de preconceitos enraizados.
Hooks (2019), de forma a crítica a educação não libertadora, coloca a teoria como um
conhecimento que pode ser usada para silenciar, censurar e desvalorizar vozes teóricas
feministas. Porém, esse mesmo conhecimento teórico pode servir como fonte de disseminação
de importantes ideias, pensamentos e visões que podem ter função de cura e libertação. Assim,
889

entende-se que a educação não se coloca como algo neutro da sociedade, sendo sempre
intencional estratégica. E quando usada com fins conscientes de transgressão, funciona como
uma potente força motriz para a transformação social.
“O que distingue a liderança revolucionária da elite dominadora não são apenas seus
objetivos, mas o seu modo de atuar distinto.” (FREIRE,2017,p. 226). Portanto, com essa
elucidação do educador Paulo Freire, fica imprescindível compreender a educação libertadora
como a alternativa possível a construir outra realidade. No que diz respeito a temática de gênero
e a divisão sexual do trabalho, não seria diferente. A abordagem desses assuntos dentro da
educação básica deve ser pautada nesses princípios libertários e dialógicos de compreensão e
respeito. Assim, entendendo a relevância dessa temática na vida dos educandos e como essa é
abordada atualmente na educação básica, torna-se possível apresentar formas mais equivalentes
de tratar essa realidade dentro do meio educacional.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao investigar a relevância da divisão sexual do trabalho na sociedade contemporânea,


percebe-se que não é dada a devida importância a essa temática, e é urgente pensar nas atuais
formas de relações entre homens e mulheres. As tarefas domésticas foram historicamente
atribuídas às mulheres, concepção que determinou muitos aspectos das relações do mercado de
trabalho e sobre a vivência em sociedade; já que reservou a mulher ao espaço privado e o
homem ao espaço público. Nesse sentido, a divisão de tarefas domésticas deve ser
compreendida como uma das primeiras formas de se estabelecer um vínculo igualitário na
relação de homens e mulheres, destacando a educação das crianças. Considerar esses sujeitos
como primordiais na construção de uma sociedade humanizada é o caminho possível para uma
transformação social viável.
Pensando nas crianças como sujeitos protagonistas na construção dessa sociedade, a
educação aparece como uma força motriz de ação. Atualmente, o modelo educacional parece
não se preocupar com questões de gênero, o que gera um forte impacto negativo na condução
dessa temática nas convivências sociais. Como destacado neste artigo, esse assunto não é
prioridade nas grades curriculares de escolas na educação básica, mas aparecem de forma
recorrente entre os alunos, sendo difícil o manejo pelos educadores já que não tiveram a
890

formação adequada acerca disso. Assim, o ideal seria trabalhar de forma continuada e assertiva
esses pontos na educação básica numa perspectiva de elucidar alunos e professores.
Por fim, considerando a importância da divisão sexual do trabalho para a sociedade atual
e como essa temática é abordada na educação básica, é importante que sejam pensadas
estratégias compatíveis com essa realidade para trabalhar o tema com educadores e educandos.
Sendo assim, com os princípios de educação libertadora, o debate da divisão sexual do trabalho
deve ser inserido nas grades curriculares da educação básica partindo do pressuposto do diálogo
e construção partilhada de saberes, repensando as funções entre meninos e meninas dentro da
escola, como o gênero é retratado nas aulas e até mesmo se a transmissão dos docentes são
estratégias ideais para que se pense uma nova realidade.

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EDUCAÇÃO CORPORATIVA: a importância da Psicologia Organizacional e do


Trabalho nas organizações1

Paulo Augusto de Souza2


Luan Martins de Souza3

RESUMO

A Educação Corporativa consiste em uma nova abordagem dentro do âmbito empresarial,


adotando novos pensamentos e novas posturas, buscando estratégias corporativas o
desenvolvimento do conhecimento dos colaboradores como diferencial competitivo. Nos dias
atuais, essa perspectiva vem sendo desenvolvida através da Psicologia Organizacional e do
Trabalho (POT) que vem atuando de forma significativa, refletindo em melhores rendimentos
para empresa através do estudo do comportamento humano e o psicológico com olhares voltado
ao bem-estar do trabalhador. Dessa forma, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar
a importância da Educação Corporativa e atuação da Psicologia Organizacional e do Trabalho
e dentro das instituições. Especificamente foram definidos os seguintes objetivos: a) analisar a
educação corporativa como estratégia de desenvolvimento empresarial; b) descrever o papel do
psicólogo dentro das organizações. O procedimento metodológico deste estudo pautou-se numa
pesquisa bibliográfica, percorrendo um caminho qualitativo, com base nas concepções e
conceitos de autores como: Eboli (2004, 2008); Fiorelli (2004); Esteves e Meiriño (2015);
Gondim, Souza e Peixoto (2013); Meister (1999); Mastey (2020); Pereira (2016); Quartiero e
Bianchetti (2005; Spector (2009); Zanelli e Bastos (2004); entre outros. Portanto, com a
realização deste, estudo foi possível observar e ver que o cenário empresarial adotou uma nova
postura em virtude das exigências do mercado e hoje a Educação Corporativa vem sendo uma
estratégia importante como diferencial competitivo, na atualidade, destaca-se a atuação da POT
dentro das organizações buscando analisar fatores e contribuindo em melhores resultados para
os objetivos empresarias considerando as condições do colaborador.
Palavras-chaves: Educação Corporativa. Psicologia Organizacional e do Trabalho. O papel do
psicólogo nas organizações.

1
Artigo monográfico Científico à disciplina de Trabalho de conclusão de curso, como requisito necessário para
obtenção do título de Licenciado em Psicologia, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
2
Graduando em Psicologia, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
s.augusto@academico.ifrn.edu.br
3
Bacharelado e licenciado em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Mestrando no
Programa de Pós-graduação em Saúde e Sociedade pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
(UERN). Docente no curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
luan.souza@professor.catolicadorn.com.br.
895

1 INTRODUÇÃO

Hoje existe uma proposta empregada por algumas organizações voltadas à educação
corporativa como uma estratégia que envolve as competências organizacionais e as
competências humanas, isto é, um processo de aprendizagem que envolve planos, metas e
resultados nas estratégias empresariais, aumentando seus rendimentos através da valorização
do capital humano.
A educação corporativa consiste no desenvolvimento do conhecimento dos
colaboradores promovido dentro do ambiente de trabalho como estratégia em busca do
diferencial competitivo no mercado. Esse conceito, dentro do espaço empresarial, tem seu
objetivo voltado para um aprendizado contínuo em que o capital humano esteja sempre em
constante processo de aprendizagem.
Na conjuntura atual do mercado de trabalho, a psicologia organizacional tem se
consolidado cada vez mais dentro desse cenário, pois tem exercido um papel fundamental em
virtude das constantes mudanças globalizadas que acarretam novas demandas e novos desafios
no empreendedorismo, por isso várias empresas e instituições tem buscado estratégicas como
essa uma alternativa de alavancar seus rendimentos.
Nesse sentido, a psicologia organizacional e do trabalho (POT) traz uma discussão
envolvendo o psicológico e o comportamento humano, visando a analisar suas relações no
âmbito de trabalho. Essa questão organizacional busca trabalhar as questões relativas aos
colaboradores de forma em geral em busca do crescimento empresarial. Enquanto o trabalho é
voltado para a questão do trabalhador em específico no seu ambiente ocupacional.
Para implementação da POT dentro de uma empresa, é necessário um profissional de
psicologia especializado na área dentro do quadro colaborativo de recursos humanos (RH), com
isso essa atuação em conjunto visa a analisar o sistema atuante da organização, o
comportamento e atuação dos colaboradores de forma geral e individual.
No setor de RH, essa crescente inserção da psicologia, em seu espaço de atuação, tem
sido uma ferramenta indispensável nas estratégias empresárias, objetivando estudar o
comportamento humano, gerenciamento, liderança, motivação, treinamento, processo de
seleção, recrutamento dentre outras atribuições que podem alavancar melhores níveis
qualitativos e quantitativos nas organizações.
Nesse contexto, surgem as seguintes indagações que fundamentam o desenvolvimento
deste estudo: Qual a importância da psicologia organizacional e do trabalho para uma empresa?
896

Qual a função do psicólogo nesse campo de atuação? Como a educação corporativa pode
beneficiar o desenvolvimento da empresa?
Através dessas problemáticas, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a
importância da Educação Corporativa e atuação da Psicologia Organizacional e do Trabalho
dentro das instituições.
Como base nesse objetivo inicial do artigo, foram definidos os seguintes objetivos
específicos:
a) Analisar a educação corporativa como estratégia de desenvolvimento empresarial;
b) Descrever o papel do psicólogo dentro das organizações.
Justifica-se a escolha pela temática, inicialmente, de caráter pessoal, em virtude da
familiaridade e o contato com a prática profissional e educacional relacionados aos assuntos
envolvendo a área de recursos humanos em torno da psicologia organizacional e do trabalho. A
motivação pelo desenvolvimento no meio acadêmico e social está relacionada com a
participação ativa da psicologia organizacional dentro das empresas, através de uma educação
corporativa, além do diferencial competitivo como uma ação que desenvolve melhores
condições de trabalho e uma valorização do capital humano.
Dessa forma, com a produção deste, estudo pretende-se contribuir na literatura com uma
bibliografia, trazendo um assunto de fácil entendimento e compreensão, sendo abordada a
importância de uma cultura educacional corporativa que está cada vez mais consolidada no
âmbito empresarial e, como um importante elemento estratégico explorado através da POT,
analisando as relações envolvendo colaborador-trabalho-organização.
Os processos metodológicos desenvolvidos neste estudo se pautaram numa pesquisa
bibliográfica, percorrendo um caminho qualitativo, com base nas concepções e conceitos de
autores como: Eboli (2004, 2008); Fiorelli (2004); Esteves e Meiriño (2015); Gondim, Souza e
Peixoto (2013); Meister (1999); Mastey (2020); Pereira (2016); Quartiero e Bianchetti (2005;
Spector (2009); Zanelli e Bastos (2004); entre outros citados ao decorrer do trabalho.
Assim, este trabalho encontra-se organizado em três seções. A primeira, visa a introduzir
o conteúdo abordado sobre a temática. A segunda, por sua vez, é o desenvolvimento da
pesquisa, isto é, a abordagem bibliográfica, que busca falar sobre a educação corporativa e sua
importância dentro das instituições, como também a consolidação da psicologia organizacional
e do trabalho, sua importante atuação como parte do RH das empresas e qual o papel do
psicólogo dentro desse cenário empresarial. Por fim, as considerações finais abordam os
897

principais elementos encontrados a fim de responder as problemáticas e alcançar os objetivos


propostas.

2 DESENVOLVIMENTO

A seguir serão descritos nesta etapa do artigo os procedimentos metodológicos adotados


para a elaboração da presente pesquisa, bem como os achados da coleta, sendo eles descritos
em tópicos teóricos, a fim de cumprir o objetivo do trabalho, pontuando sobre a educação
corporativa e a atuação do psicólogo organizacional nesse contexto.

2.1 MÉTODOS

O presente estudo trata-se de uma pesquisa descritiva e explicativa, segundo Gil (2008,
p. 28), a primeira tem como “[...] objetivo primordial a descrição das características de
determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis.”
Enquanto que explicativa, como o próprio nome já diz, conforme Gil (2008), busca identificar
os fatores que contribuem para a ocorrência determinadas situações.
Como ferramenta de busca e coleta de dados, teve como delineamento a pesquisa
bibliográfica, segundo Gil (2008), é uma pesquisa baseada em matérias já realizadas, como
livros, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, artigos, revistas entre outras fontes
literárias. Na visão de Lakatos e Marconi (2005, p. 158), “[...] a pesquisa bibliográfica é um
apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem
capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema”.
Com base na investigação literária, a pesquisa foi dividida em dois momentos. O
primeiro momento destinou-se à busca de matérias literários que abordam a temática, a qual
teve como auxilio o Google Acadêmico, Revistas Periódicas, Anais e Bibliotecas
Universitárias, utilizando buscas com palavras-chaves como: Educação Corporativa; A
importância da Educação Corporativa dentro das organizações, Características e Competências
da Educação Corporativa; Psicologia Organizacional e do Trabalho; O papel do psicólogo nas
organizações.
O segundo momento da pesquisa são a parte da organização e a seleção dos materiais
disponíveis, fazendo a leitura e analisando de forma avaliativa, adotando critérios e exigências
como as principais obras que tratam da temática e obras que trazem uma argumentação objetiva
898

e de fácil compreensão. Com isso, fazendo uma revisão bibliográfica através de Livros, Artigos
e Trabalhos de Conclusão de Curso.
Nesse contexto, a abordagem deste estudo caminhou para uma pesquisa de cunho
qualitativo, tendo como foco a representatividade que não pode ser quantificada, isto é,
descrever, compreender e interpretar a temática investigada.

2.2 EDUCAÇÃO CORPORATIVA

No ano de 1950, nos Estados Unidos, começa a surgir uma nova abordagem no cenário
empresarial como diferencial competitivo, na qual a Educação Corporativa começa a ganhar
destaque como estratégias das empresas que estavam dispostas a obter a liderança do mercado
com objetivo de ganhar vantagem no mercado (QUARTIERO; BIANCHETTI, 2005).
Com o passar dos anos, foram criadas instituições (universidade e centros de ensino)
corporativas, que tinham como missão capacitar colaboradores para um melhor
desenvolvimento de suas atribuições diárias e para uma perspectiva futura. Dessa forma, “[...]
as empresas perceberam que toda a força de trabalho deveria ser qualificada, pois o aumento da
produtividade deveria ser responsabilidade de todos os funcionários” (CARVALHO, 2014, p.
70)
Contudo, no Brasil, essa proposta educativa empresarial só veio aparecer em meados do
final do século XX, com as novas mudanças de posturas e práticas por parte das organizações
como diferencial competitivo, influenciada também por ser uma proposta que já era realidade
nos países desenvolvidos como o Estados Unidos, conforme pode ser visto por Mastey (2020,
p. 13):
O termo Educação Corporativa surgiu com mais propriedade a partir da metade do
século XX, consolidou-se nas décadas de 1980 e 1990, e no começo do século XXI,
tratando-se de uma prática voltada ao que se refere à formação, treinamento e
desenvolvimento das pessoas dentro das empresas.

Com isso, para sua implementação no cenário brasileiro teve como reflexo cinco
princípios, como medidas a curto prazo, conforme podemos ver na Quadro 1, uma atuação
flexível por parte das organizações, que foram de encontro as suas posturas tradicionais, uma
perspectiva de conhecimento como a nova estratégia empresarial e a emergência de
implementação desse novo pensamento no âmbito empresarial, que movimentou a
empregabilidade com novas oportunidades e a perspectiva de um conhecimento para a vida
toda.
899

Quadro 1 – Cinco princípios de atuação da Educação Corporativa no Brasil


Organizações flexíveis A emergência da organização não-hierárquica, enxuta e
flexível, com capacidade de dar respostas rápidas ao
turbulento ambiente empresarial;
Era do Conhecimento O advento e a consolidação da economia do conhecimento,
na qual conhecimento é a nova base para a formação de
riqueza nos níveis individual, empresarial ou nacional;
Rápida obsolescência do A redução do prazo de validade do conhecimento associado
conhecimento ao sentido de urgência;
Empregabilidade O novo foco na capacidade de
empregabilidade/ocupacionalidade para a vida toda em
lugar do emprego para toda a vida
Educação para estratégia Uma mudança fundamental no mercado da educação global,
global evidenciando-se a necessidade de formar pessoas com visão
global e perspectiva internacional dos negócios
Fonte: Adaptado de Eboli (2004).

Segundo Eboli (2004), o principal motivo da adoção desse conceito no Brasil se deu em
virtude do mercado cada vez mais globalizado que resultou numa pressão as organizações para
investirem em qualificações para seus funcionários e, consequentemente, criando uma nova
cultura e pensamento educativo como elemento essencial no diferencial competitivo.
Sobre essa ascensão da proposta da educação corporativa no cenário brasileiro, segundo
Meister (1999), muitas empresas não esperaram que as instituições educacionais trouxessem
para dentro das empresas essa realidade, de modo que fizeram o caminho inverso, deram o
900

ponta pé inicial e buscaram trazer a educação de forma autônoma para dentro de seu espaço em
busca de melhorias ocupacionais, que acarretariam em melhores retornos de rentabilidade.
Nesse contexto, vale salientar, na perspectiva de Esteves e Meiriño (2015), a Educação
Corporativa não se trata de um treinamento ou qualificação do colaborador, mas está
relacionada a um novo pensamento e a nova forma de trabalhar, ressignificando sua visão para
uma aprendizagem contínua com base nas metas e objetivos organizacionais, agregando valor
ao negócio.
Na perspectiva de Meister (1999), essa proposta educativa é um pilar estratégico que
envolve a todos (colaborador, cliente, comunidade), à medida que o colaborador busca
conhecimento, o retorno é satisfatório devido à rápida troca de informações quando o cliente é
alcançado com excelência. Sobre essa questão, Carvalho (2014, p. 68) aponta que:

Nesse contexto, a educação corporativa tem sido aplicada como estratégia empresarial
capaz de promover vantagem competitiva, contribuindo com o objetivo de
transformar oportunidades em negócios por meio do conhecimento desenvolvido e
compartilhado continuamente entre as pessoas que fazem parte ou estão em contato
com as organizações [...].

´ É importante destacar que a educação corporativa nada mais é do que um processo


continuo de uma aprendizagem estruturada, que está baseada nos objetivos e metas das
propostas estratégicas empresariais. Em conformidade, Cruz (2010, p. 344) completa que a
educação corporativa é entendida como “[...] um conjunto de práticas educacionais contínuas
com visão estratégica de negócios, que possibilitam maior entrosamento do capital intelectual
de uma organização.”.
Paralelamente, outros autores contribuem com esse conceito, uma vez que a educação
corporativa é um fundamento estratégico que envolve o interesse empresarial e a necessidade
do trabalhador. Segundo Parente e Lima (2013, p. 2):

A educação corporativa utiliza-se de estratégias educacionais para transmitir


conhecimentos, habilidades e atitudes mais apropriadas para a organização,
respeitando as necessidades dos colaboradores e da empresa, numa constante
interação.

No campo empresarial, a perspectiva educacional está cada vez presente e vem sendo
também um critério avaliativo como diferencial no quadro de funcionários de muitas
instituições diante da competitividade. Em pleno século XXI, essa proposta tornou-se uma das
principais ações estratégicas da equipe de Recursos Humanos das instituições, em que a
901

valorização do capital humano vai mais além do que objetivos empresariais, é uma proposta
que intensifica os objetivos profissional e pessoal dos colaboradores, pois a qualificação do
colaborador como profissional vai acarretar em níveis de excelência de atuação que
proporcionará êxito nas metas alcançadas e essas metas atingidas refletirá em melhores
condições de trabalho em virtude da valorização do colaborador.
Nesse contexto, segundo Parente e Lima (2013), as empresas buscam desenvolver uma
educação corporativa e organizam toda uma rede de conhecimento, a qual estabelece elos com
todos os segmentos da empresa, como buscar convênios técnicos e qualificativos com outras
instituições educativas para auxiliar no desenvolvimento profissional do seu colaborador.
Dito isso, atualmente se pode ver várias instituições que ajudam e apoiam as empresas,
como, por exemplo, o SEBRAE e SESI, que trabalham uma perspectiva empreendedora e
industrial com serviços de consultoria e qualificações, dentre outras instituições. Na conjuntura
atual da educação brasileira, pode-se ver as instituições técnicas e federais, que especializam o
estudante com mão de obra qualificada no mercado e com conhecimento tecnológico.
Por isso, sobre esse pensamento, os autores Cruz (2010) e Esteves e Meiriño (2015)
discutem sobre o desenvolvimento de uma educação empresarial que tenha um pensamento
singular e contínuo. Através disso, sendo objetivos principais a excelência das funções
colaborativas, melhores condições de trabalho e principalmente que essas valorizações tragam
melhores condições de vida aos trabalhadores.

A Educação Corporativa nos dias atuais significa que treinamento para qualificação
das funções dos gestores/colaboradores ficou restrita ao passado. Hoje, é necessário
investir no desenvolvimento destes novos perfis para uma maneira totalmente nova
de agir e pensar dos seres humanos que compõem os quadros funcionais das
organizações, onde a valorização do capital humano na gestão do conhecimento e
gestão de competências é o diferencial para desempenhar e se antecipar as mudanças
do mercado para alcançar a vantagem competitiva. (ESTEVES; MEIRIÑO, 2015, p.
1).

Com isso, hoje a educação corporativa trouxe um pensamento através de uma cultura
de aprendizagem, que continuam em virtude das constantes atualizações que a globalização e o
desenvolvimento tecnológico proporcionam, trazendo novas demandas e a instituições que
estão atualizadas ganham a vantagem nessa competitividade empresarial, acompanhado a isso,
fazendo com que o capital humano seja se aperfeiçoe e se valorize.
902

Por isso, o investimento empresarial sobre essa perspectiva corporativa se dá a longo


prazo, pois tem objetivos de retornos econômico, social e financeiro à medida que suas metas
são alcançadas. Conforme se pode ver em Parente e Lima (2013, p. 103):

O investimento na Educação Corporativa é realizado ao longo de toda uma vida do


funcionário na sua organização. Isso acarreta um retorno social, econômico e
financeiro, que se estende a toda a comunidade. Ela desenvolve as potencialidades
dos funcionários, da organização e do ambiente social do seu entorno, na medida em
que articula todas as competências, tanto individuais quanto organizacionais.

Diante do que já foi discutido até aqui, a educação corporativa, em sua característica,
abrange três competências: a competência organizacional, competência profissional e a
empresarial. A primeira como o próprio nome já diz, é caracterizada como os recursos
organizacional e como a alocação desses recursos podem trazer rentabilidade para as empresas.
Já a segunda pode ser descrita também como competência individual ou humana,
independentemente de sua nomenclatura, é caracterizada pelo desenvolvimento da capacidade
e potencialidade dos colaboradores. Por fim, a última é definida como aquela que identifica o
negócio, tendo uma melhor visão do segmento e sua atuação empresarial (EBOLI, 2008).
Dessa forma, outra característica da educação corporativa está relacionada à extração de
potencialidades do colaborador como: a) conhecimento: fundamentando os aspectos conceitos
e técnicos; b) habilidades: a capacidade de saber fazer e, por fim, a atitude, isto é, a proatividade
de agir (EBOLI, 2008).
Conforme já discutido, a preocupação em desenvolver o conhecimento dos
colaboradores parte do princípio de buscar reduzir tipos de gastos operacionais e intelectuais,
como também preparar o trabalhador para novas eventualidades em detrimento das atualizações
tecnologias, que estão cada vez mais inseridas na vida de todos, assim buscando resultados
positivos conforme pode-se ver por Mastey (2020, p. 10):

Nos últimos anos, devido à, evolução das rotinas laborais dentro das organizações e
do avanço das tecnologias, se faz necessária a capacitação dos colaboradores que
compõem o corpo técnicos das empresas. Ao ser implantada dentro das empresas, a
prática da educação corporativa se torna cada vez mais efetiva para capacitar a equipe
e, dessa forma, buscar diminuir a rotatividade de colaboradores da empresa,
diminuindo os custos e aumentando os resultados previstos.

A Educação Corporativa busca, em sua finalidade, desenvolver sujeitos autônomos que


tenham um pensamento contínuo, de maneira que transforme a realidade no seu trabalho de
forma ativa, no sentido de alinhar as suas potencialidades em prol das estratégias e metas
903

organizacionais, ou seja, nada mais é do que uma nova postura por parte das empresas como
também por parte dos colaboradores, tendo uma visão mais humanista (PARENTE; LIMA,
2013).
Portanto, pode-se finalizar esta seção trazendo uma concepção entendida que a educação
corporativa é uma proposta de conhecimento dentro do âmbito empresarial, que auxilia no
desempenho e nas formulações estratégicas que vem sendo desenvolvidas em busca do
diferencial competitivo entre as organizações, como também uma medida que impõe a
valorização profissional do trabalhador e seu crescimento pessoal.
904

2.3 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO

Atualmente uma educação corporativa tem se tornado uma cultura adotada pela maioria
das empresas, com isso a estratégia de utilizar a Psicologia Organizacional e do Trabalho
envolvendo o ambiente de trabalho e o trabalhador tem sido um tema de destaque no âmbito
acadêmico e empresarial, sendo uma área em constante movimento e desenvolvimento, que já
viveu momentos distinto em sua história.
Segundo Zanelli e Bastos (2004), a primeira aparição dessa abordagem envolvendo a
psicologia foi no período da Segunda Revolução Industrial, no fim do século XIX e início do
século XX, em alguns países na Europa e no Estados Unidos. Enquanto que Bertoldi (2013, p.
21) descreve que “A Psicologia Organizacional e do Trabalho surge na metade do século XIX.
Visava atender a uma demanda que surgiu na sociedade com o advento da Revolução Industrial:
a de encontrar homens adequados para os novos postos de trabalho que estavam surgindo.”.
Ainda segundo Zanelli e Bastos (2004), é nesse período que a psicologia voltada ao
trabalho surge no território brasileiro, essa época foi marcada pelas tentativas de racionalização
com uma procura de conhecimento técnico e inovador nos processos produtivos.
Nos dias atuais, é eminente o grande interesse de estudos voltados para a psicologia
organizacional e do trabalho – POT – em virtude dos resultados positivos ao incrementar esse
método dentro do espaço empresarial. Com isso, segundo Spector (2009), um dos grandes
autores que trata sobre essa temática, aponta que a Psicologia Organizacional está relacionada
à produção de conhecimentos psicológicos e à sua aplicação na realidade organizacional, ou
seja, “[...] a Psicologia Organizacional refere-se ao desenvolvimento e à aplicação de princípios
científicos no ambiente de trabalho” (SPECTOR, 2009, p. 5).
Desse modo, fazendo uma separação da nomenclatura Psicologia Organizacional e do
Trabalho, pode-se então considerar que o termo organizacional está preocupado com a força
ocupacional, isto é, sua atuação, sua potencialidade, seu pensamento e sua motivação.
Conforme define Visc, Vasconcelo e Pellicioli (2017, p. 95):

Enquanto a Psicologia Organizacional se preocupa com a interação do


comportamento humano no trabalho e a organização. Se pretende compreender
processos microorganizacionais, por exemplo, atitudes, crenças, valores, percepções,
construção de significados, emoções [...].

Por outro lado, a psicologia do trabalho tem os interesses voltados ao ambiente de


trabalho e a saúde trabalhador, como é citado pelos autores:
905

A Psicologia do Trabalho tem um maior interesse na compreensão e como lidar com


questões envolvidas entre o comportamento humano e o trabalho em si, ligado a suas
tarefas e funções do emprego, assim como condições e higiene do trabalho, saúde no
trabalho, ergonomia, orientação profissional e de carreira, emprego, desemprego e
empregabilidade [...]. (VISC; VASCONCELO; PELLICIOLI, 2017, P. 95)

De modo geral, a psicologia do trabalho tem como seu principal objetivo o ser humano
e o ambiente de trabalho, pode-se complementar que leva em consideração a personalidade,
aptidões e diferenças do colaborador com foco no seu conhecimento e como é sua execução das
atividades diárias, promovendo a qualidade de vida no espaço onde trabalha, assim
proporcionando o interesse em tornar o ambiente prazeroso e mais produtivo.
Nesse contexto, a POT abrange dimensões que caminha no campo da gestão de pessoas
como também na organização da empresa. Com isso, esse é o momento no qual são discutidas
as questões burocráticas, as condições, metas e objetivos.
Vale salientar, o ramo da psicologia é uma área bem eclética que, ao longo de sua
história, incrementou conceitos, ideias, técnicas e teorias de muitas outras disciplinas. Com
base nesse pensamento, a POT é uma área que adota conhecimentos envolvendo as áreas como
administração, psicologia e sociologia (SPECTOR, 2009).
Sobre essas áreas de conhecimento analisadas por Spector, autores como Zanelli e
Bastos (2009) descrevem que essa interação desses múltiplos conhecimentos é a estratégia para
pensar no aumento dos rendimentos das empresas, cuidando do bem-estar das pessoas,
conforme pode ser visto abaixo:

Explorar, analisar, compreender como interagem as múltiplas dimensões que


caracterizam a vida das pessoas, dos grupos e das organizações em um mundo
complexo e em transformação, construindo, a partir daí, estratégias e procedimentos
que possam promover, preservar e restabelecer a qualidade de vida e o bem-estar das
pessoas (ZANELLI; BASTOS, 2009, p. 467).

Nesse contexto, a POT está ligada ao comportamento humano (ações) e aos fenômenos
psicológicos (reações) que acontecem dentro das organizações, tendo também como foco
analisar as implicações no ambiente de trabalho. Isto é, “A Psicologia Organizacional e do
Trabalho procura gerar conhecimento que possa ser aplicado para melhorar o funcionamento e
o desenvolvimento das organizações ao longo do tempo.” (PEIXOTO; CAETANO, 2013, p.
529).
Dessa maneira, Schmidt, Krawulki e Marcondes (2013, p. 346) retratam sobre a área da
psicologia organizacional e do trabalho sendo importante “A construção de estratégias e
906

procedimentos de intervenção visando à promoção, à preservação e ao restabelecimento da


qualidade de vida e do bem-estar das pessoas [...]”. Sendo assim, é com esse pensamento que
vem se destacando no cenário empresarial e tornando-se elemento importante dentro das
empresas como diferencial competitivo. Finalizando a perspectiva na assertiva, Bertoldi (2013,
p. 19), “Portanto, a Psicologia Organizacional e do Trabalho se ocupa das pessoas em seu
trabalho, visando auxiliar as organizações a obterem o melhor de seus recursos humanos, assim
como a cuidar do bem-estar e saúde mental desses.”.
Vale lembrar que o campo de atuação da POT é dentro da área de Gestão de Pessoas
das instituições e em suas atribuições procura estabelecer uma melhor relação trabalhador-
organização-trabalho, para que sua atuação seja marcada pela boa gestão, envolvendo fatores
psicossociais relacionados ao ambiente de trabalho. Com isso, “A organização que pretende
alcançar a excelência deve estabelecer estratégias de gestão de pessoas visando à obtenção de
um clima de trabalho propício ao alto desempenho empresarial.” (TACHIZAWA, 2015, p. 5).
Dessa maneira, uma das principais características dessa nova metodologia empresarial
está relacionada ao olhar diferenciado, no qual antes situações que não era percebido ou era
considerado menos importante, como exemplo a saúde do colaborador. Hoje essa visão tende
para a atenção e prevenção de situações que possam gerar riscos e possíveis adoecimento dentro
da empresa, como também desenvolvendo uma perspectiva de espaço saudável no trabalho e
por fim extrair os melhores resultados sem afetar o trabalhador. “Em outras palavras, o modelo
de gestão de pessoas organiza a vida no trabalho e zela pelo melhor equilíbrio entre os interesses
da organização e as outras esferas da vida pessoal [...]” (GONDIM; SOUZA; PEIXOTO, 2013,
p. 344).
Atualmente, uma das principais participações da Psicologia Organizacional e do
Trabalho que marcaram sua implementação na área empresarial está voltada para o processo de
seleção e recrutamento que acontecem nas instituições, pois buscam contratações pontuais e
bem-sucedidas que consequentemente ocasionam melhores resultados.
De modo geral, pode-se caracterizar campos de atuações que a POT vem desenvolvendo
dentro do âmbito corporativo, pois “Através da psicologia das organizações, torna-se possível
realizar atração e seleção, análise de clima organizacional, resolver conflitos entre funcionários,
organizar treinamentos para aprimoramento de habilidades e desenvolver dinâmicas de grupo.”
(DALBOSCO; ROSA; PISONI, 2016, p. 2).
907

De forma mais detalhada, o processo de seleção de pessoas é uma das principais


características da atuação da POT, de modo que Gondim e Queiroga (2013) defendem a ideia
de que esse é o momento de avaliar as principais competências para a execução do cargo, em
que:

[...] o recrutamento diz respeito ao processo de atração de pessoas para a ocupação de


determinado cargo, função ou posto de trabalho. É o momento em que vagas são
colocadas à disposição para serem preenchidas por pessoas que apresentam
características potenciais do perfil profissional requerido. Uma vez tendo atraído os
candidatos à vaga, o processo seletivo inicia para avaliar quais deles possuem as
características ideais para aquele posto de trabalho. (GONDIM; QUEIROGA, 2013,
p. 381).

Contudo, além dessa preocupação dentro do ambiente de trabalho, a Psicologia


Organizacional e do Trabalho atua também com o propósito de desenvolver e analisar os testes
comportamentais, a realização dessa ação tem por finalidade identificar as vantagens e
desvantagens dos colaboradores. Com isso, esse teste reflete-se nas principais competências
dos colaboradores e demonstrando as variedades de personalidade em destaque de cada
colaborador, após a análise, possibilita a alocação de cada carga em virtude da extração da
maior potencialidade e desempenho (SANTOS, 2019).
Além dos testes, outro método importante é o processo de avaliação de desempenho
(AD), pois dentro de uma organização, principalmente no setor privado, a postura de um
colaborador e o seu conhecimento técnico devem ser avaliados constantemente para que se
possa buscar uma evolução desse sujeito e esse desenvolvimento traga frutos rentáveis para a
empresa. Sendo assim, Peixoto e Caetano (2013) remetem que esse procedimento dentro da
POT é uma medida para analisar as melhores condições especificas de tempo, recursos,
capacidades e os objetivos que precisam ser identificados e particularizados em cada
organização.
Ainda de acordo com os autores, sobre a importância da implementação desse
instrumento na organização, pois “[...] a avaliação pode incidir sobre as pessoas, seus
comportamentos, o contexto, os resultados ou os efeitos (de comportamentos e/ou resultados)
para a organização.” (PEIXOTO; CAETANO, 2013, p. 536).
Na busca por melhores resultados, a POT procura desenvolver competência através da
promoção de treinamentos, cursos, palestras e reuniões para as diversificadas áreas de atuação
que há dentro da empresa. Por isso, “exige uma postura mais reflexiva e crítica, se deseja agir
908

em prol do desenvolvimento pessoal e profissional das pessoas e do aumento de sua


empregabilidade” (BORGES-ANDRADE et al., 2013, p. 466).
Em conformidade ao debate anterior, o desenvolvimento de competências tem sido um
dos pilares que fundamenta a estratégia corporativa, mudando as formas tradicionais de trabalho
e seu pensamento, conforme se pode ver pelas palavras dos autores abaixo:

É importante considerar que as maneiras como as atuações em POT tem se


configurado na atualidade também mudaram dentro do eixo das suas atividades mais
tradicionais, como o recrutamento e seleção, treinamento e qualificação de pessoal.
(VISC; VASCONCELO; PELLICIOLI, 2017, p. 98).

Assim, essas ferramentas discutidas projetam uma perspectiva positiva para as


empresas, para o mercado e principalmente o impacto os colaboradores na formação de
excelentes profissionais. Pois, “Na atualidade, parte das qualificações exigidas do trabalhador
é complexa e requer um conjunto de ações educacionais contínuas e variadas para desenvolvê-
las” (BORGES-ANDRADE et al., 2013, p. 466).
É importante salientar que lidar com pessoas em seus variados contextos implica em
conhecimento sobre suas singularidades, tanto do indivíduo como do contexto em que está
inserido, acarretando aos “[...] trabalhadores para o alcance dos objetivos organizacionais e
individuais, ou, ainda, como a maneira de organizar e gerenciar o comportamento humano no
trabalho.” (SCHMIDT; KRAWULKI; MARCONDES, 2013, p. 345).
Segundo Pereira e Cruz (2016), as principais tendências que estão se formando no
mercado para os anos futuros tem voltado os olhos para a área de gestão de pessoas,
discutindo e centrando as questões relativas de como lidar com os problemas do dia a dia.
Pois, segundo os autores, uma má administração desatrelada a realidade pode provocar
tropeços imediatos e comprometer o desempenho e a vida da empresa.
Com as novas exigências do mercado, em virtude do avanço tecnológico, mudanças
significativas aconteceram para as empresas em seus contextos social e cultural. Com
essas novas demandas, “O âmbito empresarial mostra a necessidade da presença de
psicólogos para o desenvolvimento corporativo.” (DALBOSCO; ROSA; PISONI, 2016, p.
6).
Desse modo, as exigências do mercado brasileiro atualmente se dão em decorrência
às novas demandas que impõem caminhos inovadores e saudáveis no exercício do
trabalho, hoje a POT ocupa um lugar importante dentro desse cenário corporativo.
909

Diante do que foi argumentado até o presente momento, pode então finalizar esse
tópico com a visão de que a Psicologia Organizacional e do Trabalho atua de forma
significativa em virtude de seus campos de atuação nas empresas, buscando compreender
o comportamento humano, ambiente de trabalho e os objetivos empresariais.

2.3 O PAPEL DO PSICOLOGO DENTRO DAS INSTITUIÇÕES

Nos dias atuais, ainda existe um debate entorno do que faz exatamente o psicólogo
dentro de empresa, de antemão, esse é um questionamento que contém um gama de respostas
em virtude das diferentes atividades desempenhada pelo profissional de psicologia dentro das
organizações.
Diante do que foi discutido nos tópicos anteriores, esta seção visa a detalhar o papel do
psicólogo dentro das organizações, pois “As definições do que fazer, como fazer e porque fazer
do psicólogo organizacional e do trabalho varia conforme o enforque adotado.” (BORGES-
ANDRADE; MORAIS, 2005, p. 105).
Os autores discutem esses enfoques em três contextos de atuação: a) o contexto
socioeconômico que está relacionado com as novas demandas do mercado e a social; b) o
contexto do tipo de gestão atuante dentro da empresa voltada para os líderes da forma como
dirigem a empresa e; c) por último a equipe de colaboradores, sendo chamado de análise de
unidade, em que é discutido as ações de forma focalizadas. (BORGES-ANDRADE; MORAIS,
2005).
Antes de tudo, é preciso deixar claro que as atividades do psicólogo organizacional e do
trabalho é entrelaçado às questões administrativas, mudando o pensamento de ações
tradicionais dentro da empresa e ajustando o elo entro o colaborador de forma que proporcione
uma motivação através do bem-estar no ambiente de trabalho, enquanto que para as
organizações proporcione uma excelência nos resultados.
Segundo Spector (2009), o profissional de psicologia no ambiente empresarial se
preocupa com questões relativas à eficiência das tarefas, das seleções, do treinamento, da
avaliação e do desempenho, desenvolvendo a parte organizacional a partir de ações internas
dentro das instituições. Ainda segundo o autor, o psicólogo tende a se preocupar com o
comportamento dos colaboradores, como também uma visão para aumentar o bem-estar deles
no ambiente de trabalho.
910

Por outro lado, Campos et al. (2011) entendem que o papel do psicólogo no âmbito
empresarial deve ser como facilitador de medidas e estratégias da instituição, considerando a
dinâmica da empresa e a saúde dos colaboradores. Na perspectiva de Pereira e Cruz (2016, p.
8), caso o profissional de psicologia atue como gestor de RH, em seu papel “[...] deve oferecer
uma atenção maior a todos os setores da organização, facilitando os processos, e, indo para
além das atividades tradicionais de recrutamento e seleção.”.
Com isso, a agregação das competências do profissional de psicologia que atua dentro
das empresas torna-se importantíssima, pois contribui de forma direta para aumento da
rentabilidade das empresas e amplia novas possibilidades como diferencial competitivo.

Assim, a formação e o desenvolvimento de competências voltadas a POT agregam ao


seu trabalho nas organizações e na gestão, elementos de suma importância e que
contribuem com a ampliação de possibilidades e espaço de atuação. (VISC;
VASCONCELO; PELLICIOLI, 2017, p. 99)

Assim, segundo Iema (1999), o profissional dessa área deve desenvolver sua função de
forma criativa e úteis para o desenvolvimento das empresas, o autor relata que, para a execução
desse embasamento metodológico, o psicólogo deve ter um senso crítico e proativo de interesse
pelo trabalho.
Hoje, torna-se comum ver um psicólogo dentro de grandes organizações tornando-se
um agente de transformações organizacionais no que tange à coletividade e principalmente em
pontos que façam diferenças tanto para os objetivos individuais quanto para os objetivos
empresarias. Dessa forma, Campos et al. (2011, p. 705) descrevem, de forma detalhada, sobre
as principais práticas desse profissional.

Atualmente, é possível encontrar esse profissional envolvido com práticas de saúde


mental no trabalho, ou ainda, estabelecendo planos de formação e desenvolvimento
de pessoal, estudando problemas laborais como redução de estresse, absenteísmo e
aposentadoria ou modos de inserção de pessoas com deficiência em postos adequados
de trabalho, entre outros.

Segundo Pereira e Cruz (2016), o papel do psicólogo pode ser subdivido em três
característica, sendo elas:

1- Multiplicador de talentos: No desenvolvimento desta função, o profissional tem a


responsabilidade de gerenciar os talentos da empresa, monitorando, acompanhando e
motivando em virtude dos novos desafios e demandas do mercado competitivo.
911

2- Captador de potenciais: Antes de tudo, esta é uma função importante e estratégica


para empresa, pois se buscam alternativas junto com o colaborador para desenvolver o
aspecto profissional que em consequência alcance melhores níveis de rentabilidade,
como, por exemplo, contração de uma pessoa não qualificada para determinada função
pode causar prejuízo à empresa.
3- Facilitador organizacional: Por fim, nesta função o psicólogo atua envolvendo os
aspectos trabalhista e empresarial. O primeiro, por sua vez, está voltado para situações
de atuação do colaborador em otimizar e motivar sua função dentro da empresa, como
também criar um ambiente de trabalho saudável. Na questão empresarial, pode-se
discutir sobre as planejamento, metas, objetivos e investimentos que trarão melhores
resultados.

Através dessas discussões apresentadas, pode-se considerar essencial o papel do


profissional de psicologia atuando dentro das organizações, pois, em uma época globalizada
com desenvolvimento tecnológico e as mudanças do mercado, maior é a demanda por educação
e mão de obra especializada. Alguns autores discutem sobre a importância de sua atuação e
como “[...] tem se diversificado e expandido, tanto em suas atividades mais clássicas como no
desbravamento de novas possibilidades de ação, [...]” (VISC; VASCONCELO; PELLICIOLI,
2017, p. 98). E é por isso que a atuação do psicólogo tem que ser transparente e sempre buscar
alternativa inovadoras de acordo com as demandas do mercado globalizado, apresentando
estratégias ao grupo de líderes das organizações, conforme cita Iema (1999, p. 37):

A atuação do psicólogo deve levar em conta uma participação e transparência nas


rotinas administrativas. A procura de um desempenho inovador conduz o psicólogo a
posições de liderança, na coordenação de órgãos de Recursos Humanos, em atividades
ligadas às estratégias de empresa, comumente visando o aumento da participação.

De acordo com Mapeli (2020), seu estudo recente aponta a existência de um


compromisso ético do psicólogo com a saúde do trabalhador, mas que não foque somente em
questões mecânicas, e sim desenvolva dentro da prática as questões relativas ao âmbito de
trabalho e a dinâmica da organização. A autora ainda frisa que seu principal objetivo é buscar
por um equilíbrio envolvendo os interesses das empresas e o desejo da força do capital humano
(colaboradores).
912

Vale ressaltar uma questão importante e menos discutidas até o momento é a relação
psicólogo em considerar os valores e a cultura da empresa, estabelecendo questões de ética e
prática.
Nesse contexto, é preciso deixar claro que os psicólogos nas organizações não tratam
direto com os problemas pessoais e emocionais dos colaboradores, esse tipo de atividade é de
caráter clínico, a qual é encaminhada para o devido profissional a fim auxiliarem em sua
recuperação. Portanto, pode-se concluir que é fundamental, nos dias atuais, a atuação do
psicólogo dentro das organizações, pois este profissional tem desempenhando papeis que
englobam a administração, estratégias, tomada de decisões, ambiente de trabalho e
colaboradores.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi desenvolvido ao longo do trabalho, pode-se concluir que a Educação
Corporativa é de suma importância dentro do ambiente empresarial, pois traz um pensamento
diferenciado e novos olhares para seus colaboradores como estratégias para alcançar melhores
rendimentos e acompanhar as novas exigências do mercado.
Com a adoção dessa nova cultura empresarial, pode-se atingir a melhoria dos
rendimentos e desenvolvimento das habilidades dos funcionários, aliada aos objetivos
empresariais, com as novas demandas do mercado, surge então o conceito de atuação da
Psicologia Organizacional e do Trabalho dentro das instituições como diferencial competitivo.
Com isso, essa perspectiva na atualidade tem se consolidado dentro do cenário
empresarial como uma das principais estratégias utilizadas pelas organizações para alcançar
melhores níveis de rentabilidade e lucro. De maneira geral, tem como foco o capital humano e
como ele pode ajudar no crescimento da empresa, adotando uma metodologia voltada para
melhores condições de trabalho e cuidando da saúde e bem-estar do trabalhador.
Ao alcançar aos objetivos específicos, foi possível observar, através da literatura, que a
implementação da Educação Corporativa aconteceu de forma estratégica e necessária em
virtude do desenvolvimento tecnológico e as novas exigências do mercado, que trouxeram
novas demandas voltadas para o interesses do capital humano, isto é, os colaboradores, dando
foco no processo de aprendizado continuo dentro da empresa a fim de melhorar a execução de
suas tarefas e acompanhar as tecnologias, como também visando ao processo de valorização do
colaborador com objetivo de refletir em melhores rendimentos.
913

Conforme foi discutido, pode-se concluir que, nos dias atuais, o psicólogo tem um papel
essencial dentro das organizações em seus planejamentos estratégicos, atuando de forma direta
nos processos de seleção, recrutamento, treinamento, estratégias avaliativas e organizacional
entre outras. Por isso, a POT tem se destacado no cenário atual, pois busca analisar o
comportamento e o psicológico do colaborador em seu ambiente de trabalho, buscando extrair
o melhor e para potencializar os rendimentos de forma lucrativa, sem deixar de destacar
principalmente o estímulo ao bem-estar no trabalho.

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916

ENTENDENDO O TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO: sobre diagnóstico e


possíveis tratamentos

Dina Stéphanie Lopes Gouveia1


Maria Vera Lúcia Pessôa Porto2

RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo discorrer sobre o transtorno obsessivo compulsivo –
TOC com seus pensamentos e impulsos incontroláveis e indesejáveis a partir de uma
investigação acerca do diagnóstico e dos possíveis tratamentos do transtorno. Recorrendo ao
método de revisão bibliográfica, com leituras de artigos sobre a temática e a análise do curta
metragem Mr. Hublot, buscar-se-á, considerar a urgente necessidade de pesquisar e refletir
acerca deste tema que versa sobre a realidade do sujeito e a ocupação de si mesmo,
possibilitando um caminho do encontro de si com suas próprias ações.
Palavras-Chave: Transtorno Obsessivo Compulsivo, Diagnóstico, Tratamentos.

ABSTRACT

The present research aims to discuss obsessive compulsive disorder with its uncontrollable and
undesirable thoughts and impulses from an investigation about the diagnosis and possible
treatment of the disorder. Using the bibliographic review method, with readings of articles on
the subject and the analysis of the short film Mr. Hublot, will look for, consider the urgent need
to research and reflect on this theme that deals with the reality of the subject and the occupation
of himself, enabling a path of meeting oneself with one's own actions.
Keywords: Obsessive Compulsive Disorder, Diagnosis, Treatments.

1 INTRODUÇÃO

O transtorno obsessivo-compulsivo - TOC é marcado por obsessões que se apresentam


como pensamentos ou também com impulsos incontroláveis e indesejáveis e por compulsões.
São comportamentos repetitivos que tem como principal finalidade diminuir o sofrimento que
é desenvolvidos pelas obsessões, tal transtorno é considerado bastante prevalente na população.
Conforme Cordioli, (2016, p.9), pode-se pressupor que cerca de 1,6 a 2,3% da população vão
adquirir esse transtorno, comportamentos típicos como lavar as mãos constantemente, verificar
várias vezes se já desligou a tomada mesmo já tendo desligado ou manias de limpeza são
algumas condutas mais apresentadas por indivíduos que possuem esse transtorno.

1
Discente do 8º período do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN.
2
Professora doutora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e discente do 8º período do
curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN.
917

É observado que o transtorno obsessivo-compulsivo acomete em grande parte dos casos


jovens, no entanto alguns casos já são diagnosticados no período da infância, considera-se o
TOC como um transtorno psicológico grave pois de acordo com a Organização Mundial da
Saúde (OMS) dentre todos os transtornos psicológico o TOC foi classificado a 10ª (Décima)
causa de incapacidade dos indivíduos. Apresenta características como baixa autoestima e acaba
impactando negativamente o indivíduo tanto no seu ambiente profissional como em suas
relações familiares e sociais, se o tratamento não for realizado esse transtorno pode permanecer
durante toda a vida podendo ter o agravamento dos sintomas, se não tratado corretamente.
Grande parte dos indivíduos que são diagnosticados com esse transtorno por não
obterem o conhecimento do que é TOC acabam se culpabilizando pelos seus comportamentos
repetitivos conhecido como “manias” o que dificulta na busca por atendimento com um
profissional qualificado pois acreditam que as pessoas não vão conseguir compreender nem o
que sentem, nem porque realizam tais comportamentos.
Neste sentido, o curta metragem Mr. Hublot, aqui utilizado como análise para a
pesquisa, pode ser considerado sob várias óticas, mas nenhuma que autorize a concepção
epopéica do herói ocidental; ao contrário, o que nos chama a atenção nele são os processos de
subjetivação constitutivos na personagem que a trama enreda3. Sob a direção de Laurent Witz,
da cidade de Luxemburgo, esse curta foi premiado com Oscar e mostra, de maneira exemplar,
os embates do indivíduo nas suas relações, algo que, comunga inicialmente com o estado
comum da passividade cotidiana que coloca o homem sob suspeita de si mesmo. Entretanto,
como nos mostra o curta, desse quadro, dessa suspeita, pode surgir a possibilidade de inversão
e, com ela, as estratégias de manejo para obter-se um controle dos comportamentos
inapropriados, dos quais causam grandes sofrimentos ao sujeito com TOC.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Utilizaremos, inicialmente, para explicitar sobre o TOC, a experiência criativa de Mr.


Hublot, dessa forma, para compreender a característica do transtorno, a presença de obsessões
e/ou compulsões, no qual está inserido entre os transtornos de ansiedade, algumas outras fobias,
a saber: fobias específicas, fobia social, transtorno de pânico, entre outras. Neste sentido, para

3
Nesse processo de subjetivação, o próprio Mr. Hublot se depara com o outro. Nesse sentido, esse
processo implica sempre em relações com outros seres.
918

entendermos o transtorno obsessivo compulsivo escolhemos como referência de suporte uma


inspiração a partir de uma experiência estética que se desdobra em um curta metragem do ano
de 2013, ganhador de vários prêmios e que tem como título o nome de Mr. Hublot, de Laurent
Witz e Alexandre Espigares.
O curta inicia com a imagem de um relógio seguido de uma máquina que expõe uma
nota fiscal e, em seguida, focaliza parte dos mobiliários de uma casa, a saber: uma estante com
pequenos objetos milimetricamente dispostos e uma prateleira com variada exposição de porta-
retratos com fotografias de entes queridos. Nesse ínterim, um interruptor funciona
ininterruptamente a apagar e acender.
O interruptor é deixado de lado e Mr. Hublot aparece numa caminhada apressada do
outro lado da sala indo ao encontro da parede onde também existe uma variação de múltiplos
quadros com retratos em exposição daqueles comumente associados à vida em família. Mr.
Hublot vai delicadamente às molduras das telas e certifica-se de que estão enquadradas
corretamente, ou seja, esteticamente aprazíveis ao olhar. Na cena seguinte, ele caminha até a
porta e destrava uma imensa quantidade de ferrolhos. Sai até a sacada do seu apartamento e
supervisiona as flores em pequenos jarros. São muitos os barulhos advindos do exterior, desde
máquinas, turbinas, buzinas de carros, sinetas, trens, pessoas, trabalhadores no exercício de suas
funções na cidade.
Porém, um desses barulhos atrai a atenção de Mr. Hublot, um carro que apressadamente
freia, para e joga um pequeno volume próximo à lixeira da esquina em frente ao seu
apartamento. Agora, um som em especial chama a atenção de Mr. Hublot, um som triste, quase
um pedido de socorro. Com suas lunetas, volta o olhar para a direção do som; ele se faz de
desinteressado e entra em casa, apaga e acende várias vezes o interruptor e a noite chega,
quando então ele dorme.
Na manhã seguinte, ele acorda, ao soar do cuco, na mesa do café da manhã, tudo está
organizado cuidadosamente à espera do soar do relógio para dar início ao seu pequeno
desjejum. Os últimos segundos são acompanhados por Mr. Hublot com pancadas na xícara com
a colherzinha, o café estava na temperatura adequada e, na hora exata indicada pelo badalar do
relógio, saboreia-o. Nesse momento, é atraído para o mesmo som do dia anterior – alguém
parecia ter passado a noite no frio – e, nesse ínterim, um interruptor a apagar e acender.
O interruptor mais uma vez é deixado de lado, Mr. Hublot precisa atender a cada minuto
do relógio, arrumar e desarrumar os livros na estante, supervisionar os detalhes dos quadros
919

expostos na parede e cuidar da casa de forma minuciosa, de modo a mantê-la na mais perfeita
ordem e organização, esta parece ser sua única preocupação e ocupação.
Contudo, dentre os muitos sons do exterior, aquele som especial se interiorizara em sua
mente. Mr. Hublot maquinava e, segundo a segundo, pensava: - algo tem que ser feito!
Observava vez por outra pela janela, percebia muitos transeuntes, mas nenhum deles absorvia
e percebia o som que o atingia. A noite caiu, chuva, trovoada e aquele ser pequenino encontra
uma caixa e nela se recolhe – o que tranquiliza Mr. Hublot. As luzes se apagam e ele se dirige
à máquina que emite o cupom fiscal, mas em sua mente o som de alguém que estava a passar
além do frio, da fome, da sede, também uma situação de desespero lhe importunava e ele lutava
e se debatia consigo mesmo pelo que o mundo exterior lhe apresentava.
Nesse momento, não era mais o interruptor a apagar e acender, mas a sirene do carro do
lixo que, além de apagar e acender, emitia o bip que indicava o recolhimento dos dejetos da
lixeira. Mr. Hublot entrou em desespero, demorou muito a retirar os ferrolhos e alavancas que
bloqueavam a abertura da porta. Quando chegou ao local, o carro de recolhimento havia partido,
e ele, em uma profunda tristeza, emitindo um grande mal-estar, culpa e dor. Mas de repente
alguém o observava, estava parado ao seu lado como que o esperando: aquele ser pequenino
superou todas as adversidades para estar naquele momento ali, ao lado de Mr. Hublot. Ele o
abraçou, o afagou e juntos caminharam para casa.
Na manhã seguinte, Mr. Hublot percebe o quanto sua rotina mudara: ao arrumar a
estante, ao certificar-se de que os quadros da parede estavam em ordem se debatia
constantemente com aquele minúsculo ser, por vezes tropeçava nele e pisava-o. Uma atitude
fora tomada e agora restavam-lhe as adaptações, as estratégias e novos dispositivos a serem
acionados. Assim, da mesma forma que o interruptor era ligado para iluminar a casa a cada
anoitecer, a mente de Mr. Hublot se iluminava a cada instante com várias resoluções, de modo
que não foi difícil: Mr. Hublot conseguiu adaptar o seu pequeno amigo à sua rotina e tudo na
casa parecia continuar na mais perfeita ordem, os livros, os quadros, o cuco, o relógio, a
máquina com o cupom fiscal. Um belo dia! Os dois já adaptados e inseparáveis, Mr. Hublot se
depara com uma nova situação, um novo acontecimento, o seu amigo havia crescido em
demasia, quebrava os pequenos objetos delicadamente organizados na estante, derrubava seus
livros, seus quadros pendiam agora desorganizados e, mesmo, caíam da parede. Era o fim da
sua vida metódica e organizada.
920

Mr. Hublot passou a ter pesadelos constantes sendo assassinado por seu amigo. Então,
não sabendo o que fazer, estava a escolher entre sua vida e a do seu amigo, entre voltar à sua
vida rotineira e ousar na criação de novos dispositivos a fim de preservar a amizade adquirida
que deu sentido à sua própria vida. A constatação era a de que os dois não poderiam viver mais
sob o mesmo teto, a casa ficara pequena em demasia para Mr. Hublot e seu amigo. Restava-lhe
como saída abandonar o amigo ou sacrificá-lo.
O interruptor a apagar e a acender e outra possibilidade aparece. Daí, agora dois
caminhos: a possível solução e uma escolha a ser feita por Mr. Hublot. Primeiro, sacrificar a
vida do amigo; segundo, buscar mecanismos para driblar a situação. A escolha foi a de adquirir
um novo prédio, um que se encontrava em frente ao imóvel de Mr. Hublot, mas ignorado por
ele, posto que ele se encontrava cernido em sua cotidianidade.
Mr. Hublot está numa realidade presente, a vivencia livremente e, a cada momento, se
subjetiva movido pelo bem próprio da sua ação. Nesta realidade, ele desenvolve práticas e
exercícios diários, modifica ações, ao mesmo tempo em que preserva determinadas rotinas,
além de estabelecer um diálogo na relação. Embora o filme não apresente uma só palavra
sonora, há um diálogo na ação que é audível.
Esse diálogo é o que o movimenta, na ludicidade da edição cinematográfica, todos os
mecanismos corpóreos e receptores de imagens do telespectador. Eis aí o que poderíamos
propor como liberdade de palavra e franqueza na fala, isto é, aquela que fala por si.
Assim, encontramos nesse curta metragem de Laurent Witz e Alexandre Espigares,
introduzido de forma figurativa e exemplar, o TOC, os embates próprios do indivíduo em suas
relações de poder e força, aliadas à noção de atitude-limite e sobre as práticas de si. Quando
Mr. Hublot ousa na atitude de adoção ao seu amigo, ele assume todos os riscos presentes nesta
ação.
De acordo com Cordioli (2014) o TOC é um transtorno pouco conhecido e de grande
subjetividade em sua sintomatologia, a fase da obsessão-compulsão, inicialmente, não faz com
que o indivíduo que está desenvolvendo o transtorno vá à procura de ajuda, pois no início é
difícil a identificação dos sintomas, mas a vida numa perspectiva de uma vida criativa, com
suas condições, formas e modos do sujeito se constituir em seu processo de subjetivação
identifica o movimento próprio no indivíduo nas formas de práticas de si, na interpretação de
diagnóstico e dos possíveis tratamentos.

2.1 SOBRE O DIAGNÓSTICO


921

Para que possa diagnosticar o paciente com TOC é necessário que as obsessões ou
compulsões causem desconforto clinicamente significativo, comprometendo a vida social,
ocupacional, acadêmica ou outras áreas importantes do funcionamento do indivíduo. Assim, os
critérios de diagnóstico do TOC de acordo com DSM-V (APA 2013; DSM 5), são denominados
pela presença de obsessões, compulsões ou ambas.

As obsessões se manifestam por ideias recorrentes, imagens, impulsos, medos e


dúvidas. São experimentadas como autônomas, e ainda que os pacientes possam
resistir a elas, frequentemente não conseguem fazê-lo. As compulsões, por seu turno,
ocorrem igualmente com grande variabilidade de topografias (ABREU e HÜBNER,
2019, p.136)

As obsessões podem ser pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes


que são experimentados em algum momento durante a perturbação, como intrusivos,
indesejáveis e que causam acentuada ansiedade ou desconforto na maioria dos indivíduos,
também pode ser quando o indivíduo tenta ignorar ou suprimir tais pensamentos, impulsos ou
imagens, ou neutralizá-los com algum outro pensamento ou ação - por exemplo, executando
uma compulsão - . Já as compulsões são definidas pelos comportamentos repetitivos - por
exemplo, lavar as mãos, organizar, verificar - ou atos mentais - rezar, contar, repetir palavras
em silêncio - que o indivíduo se sente compelido a executar em resposta a uma obsessão ou de
acordo com regras que devem ser aplicadas rigidamente. Dessa forma, os comportamentos ou
atos mentais visam prevenir e reduzir a ansiedade ou desconforto, além de prevenir algum
evento ou situação temida. Contudo, esses comportamentos não são conectados de uma forma
realística e são claramente excessivos colocando a pessoa no que denomina-se de transtorno
obsessivo-compulsivo.

Sendo assim, podemos afirmar que as obsessões provocam intenso desconforto


emocional na forma de ansiedade; já as compulsões tenderiam, pelo menos no início,
a despertar a sensação de alívio na forma de comportamentos, rituais que muitas
vezes, não fazem sentido algum. (CICARINI; DUARTE; VIANA et al. 2022, p. 2)

Critérios que são considerados como diagnóstico do TOC são as compulsões ou


obsessões ou ambas as quais estão presentes na maioria dos dias, por um período de pelo menos
duas semanas. As obsessões - pensamentos, ideias, imagens - e compulsões – atos -
compartilham os seguintes aspectos: são reconhecidas como originando-se da mente do
paciente e não impostas por pessoas ou influências externas, o que significa que as influências
922

externas podem se intercruzar com os aspectos da mente do paciente, as ideias ou mesmo os


atos. Tais atos são repetitivos e desagradáveis e pelo menos uma obsessão ou compulsão
reconhecida como excessiva e irracional deve estar presente, embora, o paciente tente resistir a
elas, mas a resistência a obsessões ou compulsões de longa duração pode ser mínima. Dessa
forma, pelo menos uma obsessão ou compulsão à qual se resiste sem êxito deve estar presente.
A vivência do pensamento obsessivo ou a realização do ato compulsivo não é prazerosa em si
mesma.

2.2 OS POSSÍVEIS TRATAMENTOS

O sujeito portador de TOC pode se restabelecer e recuperar de modo gradual o vigor e


o ânimo, neste sentido, alguns tratamentos são possíveis: o medicamentoso, o psicológico,
medicamentoso e psicológico e em ultimo caso a psicocirurgia. No tratamento medicamentoso
são utilizadas algumas drogas para o tratamento do TOC. As mais efetivas parecem ser as que
inibem especificamente a recaptação da serotonina, como a clomipramina ou os ISRSs -
Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina, trata-se de uma classe de fármacos usados
no tratamento de síndromes depressivas, transtornos de ansiedade e alguns tipos de transtornos
de personalidade e que beneficiam mais de 60% dos pacientes com TOC. Todavia, se faz
necessário observar que os efeitos de drogas no tratamento do TOC têm sido avaliados
intensivamente, tendo sido constatado, quando o uso do medicamento é interrompido, que as
recaídas muitas vezes ocorrem, embora o tratamento medicamentoso seja essencial não se
comporta isoladamente como um tratamento efetivo, se faz necessário, concomitantemente, o
atendimento psicológico.

O tratamento medicamentoso se faz essencial, pois mesmo optando pela terapia


cognitiva comportamental é necessário o uso da medicação, pois a terapia colocará o
paciente em contato direto com o problema, com o objetivo de habituar-se com a
exposição dos estímulos temidos. (CICARINI; DUARTE; VIANA et al. 2022, p. 6-
7)

Deste modo, tratamentos psicológicos altamente estruturados funcionam um pouco


melhor do que os medicamentos. A abordagem mais efetiva é chamada de exposição e
prevenção de ritual (EPR), um processo em que os rituais são prevenidos ativamente e o
paciente é sistemática e gradualmente exposto aos pensamentos ou situações temidas.
923

Inovações mais recentes sobre tratamentos psicológicos baseadas em evidências para o


TOC examinaram a eficácia de tratamentos cognitivos com foco na superestimação da ameaça,
a importância e controle dos pensamentos intrusivos, o sentido de responsabilidade excessiva
presente em pacientes com TOC, que pensam que por si sós podem ser responsáveis por evitar
uma catástrofe, bem como a necessidade de perfeccionismo e certeza presente nesses pacientes.
Os resultados iniciais indicaram que essas estratégias são efetivas, talvez tanto quanto a
exposição e prevenção dos rituais.
A exposição com prevenção de resposta é, atualmente, uma das abordagens com maior
apoio empírico no tratamento do TOC. A terapia de EPR é uma terapia breve que
propõe ao paciente, exercícios graduais nos quais se exponha ao contato direto com
os objetos, locais ou situações que provocam medo ou desconforto e que são
sistematicamente evitados (exposição) e ao mesmo tempo deixe de executar rituais e
outras manobras que aliviam ou neutralizam a ansiedade ou o desconforto (prevenção
de rituais ou prevenção de resposta) (CONCEIÇÃO; BUENO. 2020, p.153).

Os exercícios são programados a partir dos sintomas que o paciente apresenta e de


acordo com os níveis de dificuldade que tem para executá-los, iniciando sempre por aqueles
que ele mesmo considera mais fáceis. Por exemplo, se o paciente necessita verificar o gás e o
fogão várias vezes antes de deitar será solicitado que não o faça; ou se o paciente necessita lavar
as mãos a todo o momento, será solicitado que se abstenha de fazê-lo; ou ainda se evita sentar
no sofá quando chega da rua, ou tocar em maçanetas, dinheiro, objetos usados por outras
pessoas, tais como: telefone, mouse, teclado, será solicitado que não o faça.
Um outro possível tratamento ainda pode ser elencado, a psicocirurgia, trata-se de um
dos tratamentos mais radicais para o TOC. Estudiosos reviram os registros de 33 pacientes com
TOC, a maioria dos casos extremamente graves e que fracassaram na resposta ao tratamento
medicamentoso e ao tratamento psicológico. Após uma lesão cirúrgica específica no feixe
cingulado – cingulotomia - , aproximadamente 30% se beneficiaram de maneira substancial.
Igualmente, realizaram uma cirurgia relacionada – capsulotomia - em 25 pacientes que não
tinham respondido a cinco anos de tratamento anterior; 35% ou 9 pacientes, tiveram benefícios
importantes, mas 6 dos 9 pacientes sofreram efeitos colaterais adversos graves da cirurgia.
Esses resultados parecem típicos dos procedimentos cirúrgicos e são semelhantes aos
resultados de um procedimento chamado de estimulação cerebral profunda em que eletrodos
são implantados por meio de pequenos furos no crânio e são conectados a um dispositivo tipo
marca-passo no cérebro (BARLOW; DURAND, 2015, p. 166-167).
Afirmam ainda Barlow e Durant (2015) que a vantagem da estimulação cerebral
profunda sobre a cirurgia mais tradicional é que ela é reversível. Levando-se em consideração
924

que esses pacientes pareciam não ter nenhuma esperança de qualquer outro tratamento, a
cirurgia merece ser considerada como último recurso.

3 METODOLOGIA

Foi desenvolvida a análise do curta metragem Mr. Hublot, buscando considerar a


urgente necessidade de pesquisar e refletir acerca do TOC, tal recurso versa sobre a realidade
do sujeito e a ocupação de si mesmo, possibilitando um caminho do encontro de si com suas
próprias ações. Recorremos, então, ao método da revisão bibliográfica, com leituras de artigos
em anais e revistas sobre a temática, a saber: Scielo, Google acadêmico, Pepsic, além da
Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva – RBTCC.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Embora a terapia de exposição e prevenção de rituais seja efetiva, principalmente,


quando existem muitos rituais e quando o paciente adere precocemente aos exercícios de casa.
Deve-se considerar que por mais que os rituais sejam prevenidos, os procedimentos parecem
facilitar as vivências porque o paciente aprende logo, num nível emocional, que nenhum
prejuízo resultará de ele executar ou não os rituais. Mas, nem sempre a terapia da exposição
garante a aprendizagem por parte do sujeito, por isso, alguns profissionais optam em aderir ao
tratamento medicamentoso e psicológico ao mesmo tempo.
Estudos avaliaram os efeitos combinados de tratamentos medicamentosos e
psicológicos. Muito embora, a EPR tenha sido comparada com a droga clomipramina, alguns
profissionais ainda são atraídos por uma condição combinada.

A EPR, com ou sem a droga, produz resultados superiores à droga sozinha, com 86%
respondendo à EPR versus 48% ao medicamento. A combinação dos tratamentos não
produziu nenhuma vantagem adicional. Da mesma forma, as taxas de recaída foram
altas no grupo de medicação isolada, quando a droga foi retirada (BARLOW;
DURAND, 2015, p. 166).

Destacamos o argumento de Leite, (2020, p.527) que afirma que a presença da família no
tratamento do TOC se faz necessário e funciona como peça fundamental ao abandono de alguns
comportamentos disfuncionais da pessoa com TOC. Se faz, neste contexto de tratamento, que
a família se inteire e fique a par do que é o TOC, pois, a família tendo o conhecimento, do que
925

se trata o transtorno, ajudará à participar ativamente do tratamento com o transtorno auxiliando-


o de maneira assertiva.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que é difícil a obtenção de um diagnóstico, bem como, deve-se apostar
no bom relacionamento paciente-terapeuta. Em alguns casos é preciso a intervenção
medicamentosa além do imprescindível apoio de familiares, de amigos e uma rotina
estabelecida de exercícios físicos como transição fundamental para a evolução do tratamento.
Os portadores de TOC possuem alguns rituais e comportamentos repetitivos. Por causa
dessas compulsões, tendem a evitar encontros com a família e a prática de diferentes atividades.
Algumas atitudes que podem acarretar atritos nas relações por serem feitas excessivamente, a
saber: lavar as mãos, checar se a porta está trancada, organizar objetos, entre outros. Apesar de
todos os fatores, é importante que a família acolha e auxilie o paciente. Devido às dependências
que os portadores costumam possuir, a rotina das pessoas com quem convive é geralmente
modificada e adaptada.
Estudos têm investigado sua relação com os sintomas obsessivo-compulsivos
apresentados pelos pacientes e, não raro, por pessoas da família. Ao compreender como a
acomodação familiar ocorre e quais os comportamentos dos familiares que estão contribuindo
para a manutenção dos sintomas, os terapeutas podem adequar estratégias de intervenção e
psicoeducação de modo a conduzir o sujeito a uma vida efetiva, assim como, o que acentua na
trama de Mr. Hublot que da condição de desprezo e isolamento no primeiro momento da trama,
se deu o surgimento de novas situações, estratégias criadas para superação e, em certo sentido,
comportar essa nova realidade, esses novos fatos.

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7&sourceid=chrome&es_sm=93&ie=UTF-8>. Acesso em: 20 de Abril de 2022.
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ESTÁGIO EM LICENCIATURA NO ENSINO FUNDAMENTAL I NA ÁREA DA


PSICOLOGIA: um relato de experiência

Clara Lis Rêgo1


Amanda Carolina Claudino Pereira2
RESUMO

Este trabalho científico é um relato de experiência que teve como objetivo descrever a prática
da disciplina de Estágio Supervisionado I e II do curso de Licenciatura, no ensino fundamental
I, compartilhar suas adequações, possibilidades e dificuldades na atuação pelo modelo de ensino
remoto. A experiência ocorreu no formato online devido ao isolamento social causado pela
pandemia do Coronavírus (COVID-19), sendo a primeira parte do estágio realizada no semestre
de 2021.1 e a segunda, no semestre de 2021.2. Na prática inicial foram feitas observações pelo
modelo remoto em uma turma de 4º ano em uma escola municipal da cidade de Mossoró e na
segunda, lecionada as aulas de psicologia para essa turma, também de forma online. Durante a
ministração das aulas houve algumas dificuldades com os recursos utilizados e na comunicação,
também se percebeu a diferença que existe na teoria e na prática. Porém, de modo geral as aulas
foram eficientes e não houve barreiras com relação ao contato com os profissionais da escola.
Palavras-Chave: estágio remoto, licenciatura, psicologia.

ABSTRACT

This scientific study is a experience report which aims to describe the practice of the discipline
of Supervised Internship I and II of the Licentiate course, in elementary school, to share its
adaptations, possibilities and difficulties in acting through the remote education. The experience
happened online because of the social isolation caused by the Coronavirus (COVID-19)
pandemic, the first part of the internship being held in the semester of 2021.1 and the second,
in the semester of 2021.2. In the initial practice, the observations were made online in a 4th
grade class of a municipal school in the city of Mossoró and in the second, psychology classes
were taught to this class, also online. During the teaching of the classes there were some
difficulties with the resources used and in the communication, it was also noticed the difference
that exists in theory and in practice. However, in general the classes were efficient and there
were no barriers to contact with school professionals.
Keywords: remote internship, degree, psychology.

1 INTRODUÇÃO

Diante da pandemia do Coronavírus, o mundo inteiro adotou medidas de isolamento


social. No Brasil, as aulas foram interrompidas e substituídas em sua grande maioria por aulas
online e os estágios básicos e profissionalizantes precisaram ser adaptados para o modelo

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Rio Grande do Norte. Email:
clara.rego@hotmail.com.
2
Orientadora. Mestre em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco. Email:
amanda.pereira@professor.catolicadorn.com.br
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remoto. Antes desse contexto, as escolas brasileiras nunca haviam atuado de maneira online,
segundo Novelli (2021), até as universidades e cursos de graduação que já possuíam em seus
currículos uma prática que contemplava ações docentes voltadas ao Ensino Digital encontraram
novos desafios para sua execução.
Desse modo, a suspensão das aulas presenciais e o fechamento das escolas foram
algumas medidas adotadas pelo governo brasileiro, com vista a proteger as crianças e os jovens
e, assim, reduzir as chances de que eles se tornassem vetores do vírus para suas famílias e
comunidades, para os idosos e demais grupos de risco (CARDOZO; TREICHEL;
MARQUEZAN, 2020).
Nesse momento, esses profissionais vivenciaram novas experiências das suas atividades
laborais, com um pouco mais de complexidade, visto que, requer operações mentais mais
completas para excelência da prestação de serviço. Sendo assim, tanto professores como alunos,
de certa forma, identificaram e/ou apresentaram algumas dificuldades em todo o processo
(BARBOSA; VIEGAS; BATISTA, 2020).
A Educação Básica e o Ensino Superior precisaram se reinventar e planejar ações para
dar continuidade às atividades. Além disso, os acadêmicos dos cursos de Licenciatura também
sofreram profundos impactos na execução da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado
(NOVELLI, 2021).
De acordo com a lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a formação dos profissionais
da educação, atendendo às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos
objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, tem como um dos
fundamentos a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e
capacitação em serviço.
Com relação à prática de estágio, a Lei 11.788/2008 compreende o estágio como ato
educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, o qual visa à
preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular
em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação
especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de
jovens e adultos. O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade
profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para
a vida cidadã e para o trabalho.
Segundo Stahl e Santos (2012), o estágio é uma inserção na realidade escolar, é
929

vivenciar o que é ser professor assumindo esta responsabilidade, e por este motivo, é uma
atividade essencial na formação do professor. Este é um momento da formação em que o
graduando pode vivenciar experiências, conhecer melhor sua área de atuação, a fim de que sua
formação se torne mais significativa, além de proporcionar momentos de discussões, de
reflexão crítica, de indagações que por sua vez possibilitam a construção de uma identidade
pessoal e profissional (SANTOS; FLAVIANO, 2016).
Conforme Silva e Gaspar (2018), é inquestionável, a importância desse componente
para o currículo de formação docente inicial, por possibilitar o diálogo entre a teoria e a prática,
mas esse olhar que se entrecruza possui estreita relação com a forma de compreender a
dimensão formadora do componente, que não se deu por acaso, mas a partir das inquietações
de quem pratica, pensa e teoriza a educação, demandando diretrizes e regulamentações para os
cursos de formação de professores.
No espaço/tempo do estágio são reveladas as inquietações, descobertas e incertezas da
escolha profissional, momento em que se descortinam as problematizações de um cenário
complexo e de busca de soluções, num movimento de reflexão-ação-reflexão (SHON, 2000
apud SILVA; GASPAR, 2018). Os alunos interagem com a realidade, refletem sobre as ações
observadas e partilhadas no contexto em que estão inseridos, criando suas próprias formas de
ser e agir, como futuros professores. Trata-se de um momento fundamental da formação, capaz
de explorar as demandas impostas na sala de aula (SILVA; GASPAR, 2018).
No contexto da pandemia, essa vivência foi limitada aos espaços digitais, sendo
necessário repensar a atuação no campo de estágio e lidar com as dificuldades do momento.
Assim, o presente artigo é um relato das atividades realizadas nos semestres do ano 2021, na
disciplina Estágio Supervisionado em Prática de Ensino em Psicologia I e Estágio
Supervisionado em Prática de Ensino em Psicologia II, do curso de Psicologia e pretende
apresentar a atuação de uma estagiária em uma escola municipal com o público do Ensino
Fundamental. Neste período da formação, o acadêmico realiza duas etapas do estágio, iniciando
pela observação, seguindo com a etapa da atuação no período seguinte.
O objetivo desta pesquisa é demonstrar como ocorreu a prática de um estágio
profissionalizante na área da licenciatura, compartilhar suas possibilidades e dificuldades na
atuação pelo modelo remoto. Sendo necessárias publicações de como foi essa atuação para
entender como essa prática ocorreu e embasar estágios futuros.
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2 REFERENCIAL TEÓRICO

O estágio, segundo Cigales e Souza (2021) é a síntese do processo formativo que se dá


nas ações docentes e na realidade histórico-social em que cada escola e seus sujeitos estão
contextualizados. Essas ações docentes ocorrem por meio das atividades que compõem a
docência, que mobilizam os conhecimentos teóricos e práticos na realidade em questão. Ou
seja, é o encontro dos conhecimentos teóricos e práticos na ação docente em determinada
realidade social e cultura escolar.
Durante o estágio supervisionado é possível ter um contato maior com a realidade
enfrentada pelos profissionais da educação. No modo presencial se consegue verificar a rotina
na sala de aula, da professora, dos alunos, dos conteúdos administrados, do espaço físico, dos
materiais utilizados, da metodologia e da relação professor e aluno (CARVALHO; SILVA;
MUNIZ, 2020). Diante disso, percebe-se a importância do estágio para a formação acadêmica,
sendo necessário à formação profissional com o intuito inicial de efetivar a práxis. É no estágio
que o aluno poderá ter a oportunidade de conhecer como se dá o desenvolvimento de uma rotina
escolar e ainda perceber como acontece a interação na sala de aula e nos diferentes espaços da
escola (SANTOS; FLAVIANO, 2016).
Antes as práticas de ensino eram traçadas e fixadas diante de um currículo pré
estabelecido pela normatização. Dentro do novo cenário, tais práticas, tiveram que receber um
novo direcionamento e serem flexibilizadas, isso porque as atividades remotas tiveram que ser
aplicadas e assim fazer uso direto com a tecnologia. Surge então a necessidade de adaptação
dos educadores para se adequar à nova realidade de compartilhar o conhecimento (ARRUDA;
SILVA; BEZERRA, 2020).

2 METODOLOGIA

O relato de experiência é um texto que descreve precisamente uma dada vivência que
possa contribuir de forma relevante para uma área de atuação. É a descrição que um autor ou
uma equipe fazem de uma experiência profissional tida como exitosa ou não, mas que contribua
com a discussão, a troca e a proposta de ideias para a melhoria do cuidado na saúde. Ele traz as
motivações ou metodologias para as ações tomadas na situação e a impressão que a vivência
trouxe para quem está descrevendo (UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA, 2016).
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De acordo com Daltro e Faria (2019), o Relato de Experiência (RE), é construído para
responder como produto científico, coloca ao pesquisador o desafio de articular teoricamente
conhecimentos que marcam seu pertencimento coletivo, ao mesmo tempo em que ativam suas
competências de percepção e interpretação. Configura-se como narrativa que, simultaneamente,
descreve experiência, lugar de fala e seu tempo histórico, tudo isso articulado a um arcabouço
teórico, legitimador da experiência enquanto fenômeno científico.
O relato é uma possibilidade de criação de narrativa científica, especialmente no campo
das pesquisas, capazes de englobar processos e produções subjetivas, como é o caso da
psicologia e das ciências humanas aplicadas, não mais enquanto operador neutro, mas atuante
e atravessado de forma relacional, que age e interage, abrindo-se para se afirmar como
particularidade, participante e ativa (DALTRO; FARIA, 2019).
Nesse sentido, a relevância de um relato de experiência/estudo de caso está na
pertinência e importância dos problemas que nele se expõem, assim como o nível de
generalização na aplicação de procedimentos ou de resultados da intervenção em outras
situações similares, ou seja, serve como uma colaboração à práxis metodológica da área à qual
pertence (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, 2021).
O relato com experiências na educação, é uma apresentação de experiências em que é
possível analisar aspectos que são considerados significativos na evolução da prática docente,
indicando os aspectos positivos e as dificuldades identificadas na organização e no
desenvolvimento da aula, os resultados e outros elementos que julgar pertinentes. De forma
geral, deverá conter informações sobre a aula que foi realizada, conforme informações do
planejamento, e resultados alcançados fazendo a relação entre teoria e prática, conhecimentos
desenvolvidos no curso e aplicados na prática da aula (ESCOLA NACIONAL DE
FORMAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO DE MAGISTRADOS, 2016). O relato é feito de
modo contextualizado, com objetividade e aporte teórico. Mesmo quando as vivências revelam
dificuldades, os relatos são importantes para alertar profissionais e indicar novos caminhos.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO I

O Estágio Supervisionado em Prática de Ensino em Psicologia I é dividido em duas


etapas, a primeira é composta pela parte teórica, em que ocorrem aulas sobre o contexto
histórico da psicologia na educação e sobre a atuação do profissional nessa disciplina. Já na
932

segunda etapa, na metade do semestre, os estagiários vão à campo para observação. Nesse
momento, a participação do estudante é para perceber o clima da sala de aula, a interação e
participação dos alunos, tipos de atividades que eles fazem, manejo do professor frente a essas
situações e para construção dos planos de aulas para serem executados no semestre seguinte.
A parte da observação é considerada importante, pois é nesse período que é construído
o primeiro vínculo com os alunos. Além disso, é também de suma importância, o momento da
elaboração dos planos de aulas a partir do que foi observado como pertinente para aquela turma,
tanto com relação aos conteúdos, quanto nos recursos e metodologias a serem utilizadas.
Ademais, os planejamentos são cruciais para um norteamento esclarecedor e propício
para as aulas serem realizadas de maneira eficaz, um bom planejamento faz com que todo o
conteúdo flua de acordo o horário previsto, e sendo algo positivo tanto para os alunos como
para o educador. No planejamento escolar dentro das instituições de ensino estão presentes os
objetivos, os métodos, os recursos e as ferramentas de avaliação escolhidas para serem
empregadas especificamente ao longo das aulas (DIAS JÚNIOR, 2020).
Ainda, de acordo com Stahl e Santos (2012), o planejamento, deve se estruturar a partir
de objetivos claros, que, por sua vez, dialoguem com as exigências dos currículos e regimentos
que sustentam o processo educacional, levando em consideração o nível de desenvolvimento
dos estudantes assim como, a realidade na qual a escola está inserida.
Uma sala de aula é composta por crianças diferentes com dificuldades diversas e
aprendizados em ritmos próprios, portanto, observar o professor neste momento de estágio,
oferece a oportunidade de conhecer metodologias, e constatar aspectos básicos da atuação do
coordenador, do diretor e outros profissionais que compõem a equipe da escola (SANTANA;
ABREU, 2020).

2.2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO II

O Estágio Supervisionado em Prática de Ensino em Psicologia II é totalmente prático,


sendo dividido em aulas ministradas pelo estagiário e em supervisões grupais guiadas com o
professor responsável. As supervisões ocorrem a cada quinze dias.
Nessa etapa do estágio, o semestre já se inicia com a ministração das aulas, e há uma
carga horária de 150 horas, sendo 7,5 horas semanais, divididas por campo, supervisão e
relatório a ser entregue para concluir a disciplina.
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2.3 DESCRIÇÃO DO CAMPO

O campo de estágio é uma escola municipal, em que a Estrutura Física é composta pelo
prédio próprio da prefeitura, com piso único, nove salas de aula, uma biblioteca, uma sala de
Atendimento Educacional Especializado (AEE), secretaria, direção, sala de multimídia
(televisão, computadores), banheiros, cozinha, refeitório, pátio com parte coberta, áreas de
esporte, água filtrada nos bebedouros e coleta de lixo.
A equipe de Recursos Humanos/Equipe de Trabalho é composta por: diretora, sem vice-
diretora, vinte professores, sete pessoas na equipe da secretaria incluindo a diretora e a
supervisora, sete pessoas na equipe de apoio e uma supervisora.
As Potencialidades observadas foram: Equipe bastante comprometida, a escola é situada
em um local acessível para os alunos e profissionais, nunca houve situação de assalto na escola,
oferecimento do AEE a alunos da escola e do bairro. Há uma grande participação das famílias
no modelo presencial, presença do Conselho Escolar, recebe recursos financeiros federais e
municipais para manter as funcionalidades da escola.
Com relação às limitações: a escola com suporte para duas supervisoras, entretanto
somente há uma; houve dificuldade de adaptação, inicialmente, ao modelo remoto; dificuldade
de planejamentos estratégicos e de recursos para o modelo remoto; muitos alunos sem acesso
às ferramentas necessárias para conseguir assistirem às aulas; laboratório de informática
inutilizado por falta de computadores novos.

2.4 ADAPTAÇÕES

Os estágios aconteciam de modo presencial, porém devido ao isolamento social foi


necessário adiar a ida ao campo, começando as observações do Estágio Supervisionado I apenas
no mês de junho e com menos encontros, sendo totalmente online e pela plataforma Google
Meet.
Com relação ao Estágio Supervisionado II, também ocorreu pela mesma plataforma e
deveria ser ministrada uma quantidade maior de aulas. Porém, mesmo após as aulas da
faculdade terem retornado presencialmente, as escolas municipais ainda não tinham retornado,
então se considerou o padrão de cinco planos de aula e consequentemente, cinco ministrações,
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devido a adaptação ao modelo online.


De forma remota, o único contato que se tem é online, e apenas com alguns profissionais
como: coordenadora, diretora e professora. Não sendo possível observar as demandas do
território em que os alunos estão inseridos, nem a estrutura do ambiente como também a relação
entre os outros profissionais, e desses profissionais com os estudantes. Além disso, é necessário
ter uma comunicação constante com a professora da sala em que se está estagiando, para
combinar os dias das aulas, dias de férias e manter-se informada sobre qualquer mudança.
2.5 ESTÁGIO SUPERVISIONADO I e II
O Estágio Supervisionado I ocorreu de maneira remota, o nível de ensino escolhido pela
estagiária foi o fundamental I, e após uma reunião com a coordenação da escola, foi decidido
que a estagiária ficaria com uma turma do quarto ano. O processo de observação ocorreu pelo
aplicativo Google Meet e foram feitas quatro observações, uma em cada semana do mês de
junho. A primeira foi para apresentar-se aos estudantes, e as outras para entender a dinâmica de
aula, seja pelo manejo e planejamento da professora, seja pela participação e compreensão dos
alunos frente ao ensino. Durante as observações foram sendo feitos os planos de aula e ao fim
do estágio, foi realizado um relatório e diário de campo das observações. Além de observações
sobre quais conteúdos, recursos e metodologias seriam mais pertinentes para aquela turma.
O segundo Estágio Supervisionado, teve início no semestre seguinte no mês de setembro
e também aconteceu de maneira remota devido às aulas no âmbito municipal de ensino ainda
não terem retornado presencialmente nesse período. A caracterização do campo foi feita por
meio de uma reunião online com a coordenadora. A estagiária foi incluída no grupo de
Whatsapp da sala e mandava as atividades e os links do aplicativo “Google Meet”, e o contato
maior era com a professora da turma. As aulas ocorriam a cada quinze dias, na semana em que
não havia aula, havia supervisão com um grupo de estudantes de psicologia e a professora, para
compartilhar as experiências e dúvidas. A supervisão é um processo muito essencial no período
de estágio curricular, pois auxilia os estudantes durante o planejamento e a aplicação das ações.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A primeira aula que a estagiária participou da observação foi da disciplina de religião,


sete alunos estavam presentes e apenas um estava com a câmera desligada. Algo que impactou,
pois não estava sendo esperado que os alunos estivessem utilizando a câmera, com base na
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própria experiência da estagiária nas suas aulas do Ensino Superior. A quantidade de estudantes
também foi uma surpresa, pois esperava-se que mais alunos estivessem presentes. Nessa aula a
professora utilizou um texto para ser lido e interpretado pelos alunos, após isso foi proposto que
os estudantes desenhassem algo específico com o que foi ensinado. Durante a observação foi
percebido que as crianças participavam bastante e perguntavam o que já tinha sido dito várias
vezes, a internet também não estava contribuindo. Já nesse momento, foi observado que a
estagiária deveria usar metodologias mais ativas e atividades em sala para eles participarem.
Outro ponto visto, é que algumas mães acompanham os filhos durante a aula, e muitas
vezes fazem as tarefas que a professora pede para os alunos fazerem, ou diziam como fazer,
mesmo a professora deixando claro que os alunos poderiam fazer da forma que sabiam. Assim,
observou-se que a autonomia de alguns alunos quase não existe, pois até mesmo para virar às
páginas do caderno as mães quem faziam.
Já a segunda observação aconteceu durante uma aula de português, na qual se percebeu
que sempre é necessário aguardar dez minutos para começar a aula, pois alguns alunos utilizam
o celular dos pais e estes chegam às 13 horas em casa.
Isso pode ser explicado em virtude das famílias terem que se adaptar à nova realidade,
além de cuidar da casa, algumas com trabalho remoto, precisam acompanhar e auxiliar nas
atividades prescritas pelos educadores. Alguns responsáveis estão tendo dificuldades para
acompanhar seus filhos, pois muitos continuam trabalhando e não tem experiência em ensinar.
Vale salientar que alguns alunos não possuem acesso à internet ou acesso a TV e não estão
acompanhando as aulas (CORDEIRO, 2020).
Ainda na segunda observação, a professora já havia passado o texto que seria utilizado
no dia pelo grupo do whatsapp e atividades anteriores relacionadas ao assunto. Ao entrarem na
aula online, esse texto foi lido pelos alunos, por meio da leitura coletiva, cada um leu um
parágrafo. Depois, foi pedido que eles respondessem questões do livro, deu-se um tempo e
depois as respostas foram discutidas em conjunto. Eles participaram bastante, alguns liam a
pergunta e outros a resposta. Nessa aula, seis crianças participaram, quatro delas com a câmera
aberta. Foi notado que os alunos não se incomodaram com a presença da estagiária, e
participaram mais ativamente do que da aula anterior.
A terceira observação ocorreu durante uma aula de geografia, nessa aula participaram
dez alunos, nove com a câmera ligada. Tendo em vista ao mês de junino, a escola estava
comemorando-o com desafios, o desafio da segunda-feira foi uma foto com roupa junina, o da
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terça-feira para fazer um desenho junino para postar em uma rede social. Foi visto que sempre
era reforçado que eles deveriam fazer, e não os pais, e era sempre dito que eles tinham
capacidade ao mesmo tempo em que faziam elogios. Nesse dia também houve uma
recapitulação do que já foi estudado. Foi feita uma leitura coletiva, em que a professora também
leu e respondidas questões sobre o assunto explicado. Observou-se que nas atividades sempre
é necessário dar de dois a quatro minutos para eles responderem, dando orientações e
explicando quando eles não entendem.
Foi nessa observação onde se iniciou a construção dos planos de aula para o estágio
seguinte, começando a pensar nas metodologias possíveis para a modalidade remota e que fosse
diversificada, para as aulas não ficarem monótonas. Ainda, os alunos não teriam livros para
acompanhar os conteúdos, então seria necessário que a estagiária levasse algo mais concreto
para a aula, como slides ou vídeos. Além disso, foram escolhidas as temáticas que a estagiária
iria lecionar.
Nesse sentido, o professor sempre buscará o desenvolvimento dos alunos com a
utilização de ferramentas educacionais que facilitará a compreensão do conteúdo, priorizando
a ludicidade, a dinamicidade e a valorização do cotidiano da comunidade escolar. Um bom
planejamento deve convergir com as necessidades e interesses do aluno, e o sucesso do projeto
a ser desenvolvido depende da sintonia entre o profissional formador (supervisor) e seu
formando na elaboração do planejamento do trabalho a ser apresentado à unidade escolar. A
postura do supervisor nessa fase, têm relevante destaque, pois vai influenciar diretamente não
só nos resultados obtidos no projeto aplicado na escola, como também em toda a vida docente
do seu aluno, e consequentemente, nas suas experiências com seus futuros alunos após formado
(DIAS JÚNIOR, 2020).
A última observação aconteceu durante a aula de ciências, na qual participaram dez
alunos, oito com a câmera ligada. A professora pediu para lerem um parágrafo e explicou
partedo assunto, depois pediu para outra pessoa ler, fazendo uma leitura coletiva. Viu-se que é
importante essa leitura, pois eles ficam atentos, participam e ainda exercitam a leitura.
Após lerem o texto, a professora pediu pra responder uma questão, destinou um minuto
para esse fim e depois pediu que respondessem oralmente, questionando se eles concordavam
com as respostas dos outros colegas. Mas, durante a aula, a internet caiu e depois de alguns
minutos voltou, e assim foram concluídas as outras questões.
Diante disso, observou-se novamente que os alunos possuem gosto pela leitura e
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participam ativamente respondendo as perguntas. Além disso, não houve nenhum


questionamento da parte deles, apenas a professora que despertava alguns pontos e eles
respondiam. Em todas as aulas de observação, a estagiária não participou ativamente, apenas
com a câmera ligada e se apresentando.
Já na parte prática das ministrações das aulas do Estágio Supervisionado II, iniciou se
com a apresentação da estagiária dizendo o nome, idade e algo que gosta de fazer durante o dia
e logo após foi pedido que eles também fizessem o mesmo para ser retomado o vínculo que
havia sido construído na observação passada. Essa aula durou quarenta minutos, com
metodologia expositiva dialogada, começando às 13:10. Logo depois se começou a introdução
do que é a Psicologia, as suas diferentes áreas de atuação, qual o seu papel e a diferença entre
o psicólogo bacharelado e licenciado, sendo o objetivo da aula que eles entendessem esses
pontos. Em seguida, foi explicado novamente qual seria a atuação da estagiária naquele espaço
e a frequência de aulas.
A turma é composta por 37 alunos, porém apenas nove assistiram a aula pelo Google
Meet. A participação de uma estudante foi comprometida devido a internet está instável, não
sendo possível compreender o que era dito por ela. Perguntou-se se os estudantes já haviam
ouvido falar na psicologia, e apenas uma criança sabia da existência da profissão, pois um
membro da família fazia acompanhamento psicológico.
Foi observado que esse conteúdo foi importante para eles entenderem qual a função do
psicólogo bacharel e do professor de psicologia. Com relação à metodologia, foi considerada
eficiente, pois o objetivo da aula pelo Google Meet foi alcançado, porém a dinâmica da aula
poderia ter sido mais lúdica, com a utilização de um vídeo ou um jogo relacionado com a
disciplina.
Apesar de eles terem dito os nomes, só foi possível lembrar o de algumas crianças, pois
elas entram com o email dos pais, então o nome que aparece não é delas e as câmeras estavam
desligadas para melhorar a internet. Ademais, a participação é muito boa, quando se perguntava
algo eles sempre respondiam e entraram com as câmeras ligadas no início da aula.
Foi necessário gravar um vídeo da estagiária, ministrando a mesma aula que foi dada
para os alunos do Meet, para os alunos que não puderam assistir na aula remota. Bem como,
fazer um texto explicativo sobre a presença da estagiária no grupo do Whatsapp, informando
que os links das aulas e as instruções das atividades seriam enviadas naquele aplicativo e diante
disso, notou-se que é algo muito trabalhoso, pois é necessário dar a mesma aula duas vezes,
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editar e postar o vídeo em outra plataforma digital, pois o arquivo fica grande e não é possível
enviar pelo Whatsapp, apenas o link do vídeo.
Além disso, há barulhos externos no ambiente em que são gravados e que atrapalham a
filmagem e era preciso parar a gravação para começar novamente. Nessa aula, apenas oito
estudantes acessaram o vídeo, ficando todo o restante sem assistir, sendo prejudicados, pois não
estão tendo o mesmo ensino que os outros.
Diante de tantas metodologias fundamentais para esse processo de aprendizado, são
necessários muitos dispositivos habilitados, como equipamentos eletrônicos com espaço para
armazenamento e conexões da internet, visando também a segurança de dados e informações.
Pensou-se em colocar os vídeos e materiais usados em plataformas como “Google Drive” e
“Google Classroom”, mas os estudantes não conseguem ter acesso a essas, pois necessita de
auxílio dos pais, e muitos destes, não sabem instalar nem utilizar essas plataformas, além de
que os dispositivos não suportam as instalações nos equipamentos celulares.
É neste mesmo momento que, em muitas vezes, ocorre um choque entre o idealizado
nas literaturas e a realidade do ambiente escolar, exigindo dos atores envolvidos no processo
educacional a capacidade de adaptação e flexibilização para permear a relação entre teoria e
prática em sala de aula. Para tanto é preciso investigar e valorizar as habilidades e competências,
bem como a realidade socioeconômica e cultural da comunidade escolar (DIAS JÚNIOR,
2020).
Na segunda aula ministrada, a temática foi sobre emoções e durou uma hora, começando
às 13:15 e concluída às 14:15, participaram dez alunos. A aula começou com a pergunta de se
eles sabiam o que eram emoções, nesse momento vários alunos responderam da forma como
entendiam e dando exemplos. Logo após foi colocado um trailer de um filme e pedido para que
eles prestassem atenção nas expressões dos personagens. Depois foi explicado o que eram
emoções e sentimentos, e as ramificações das emoções.
Em seguida, colocou-se outro vídeo para que os alunos identificassem as emoções que
os personagens estavam apresentando. Nessa aula utilizou-se de slides e a metodologia foi
expositiva dialogada. Por fim, a turma fez uma tarefa em sala para desenharem algo que
representasse alguma emoção e dizer qual. E uma para casa, para descrever e desenhar uma
situação que as crianças sentem uma das cinco emoções básicas e um sentimento.
Para os outros alunos que não assistem à aula nesse momento, foi enviado slides, fotos
das atividades e o vídeo explicando o conteúdo. Observou-se que as crianças que assistiram a
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aula pelo Meet conseguiram compreender bem quais as cinco emoções primárias, porém
tiveram bastante dificuldade de entender a diferença de emoções e sentimentos, misturando os
dois na maioria das vezes, inclusive nas atividades. Foi percebido também que os estudantes
que não assistem aula pelo meet não assistiram os vídeos que foram gravados e enviados para
o WhatsApp e nem feita as atividades, mesmo mandando recados de que deveriam ser
entregues.
Ainda, apenas cinco alunos enviaram a foto da atividade de sala e da tarefa de casa,
apenas um. Nesse dia um estudante enviou uma atividade de outra disciplina por engano para
a estagiária, mas não mandou a da disciplina da mesma. Notou-se que é mais efetivo fazer a
tarefa no horário da aula e só receber a foto depois. Além disso, deduziu-se que devido ao
desenvolvimento cognitivo, eles não conseguiram entender a diferença entre emoções e
sentimentos tão facilmente, por ser algo que exige um entendimento mais abstrato. E, nesse
estágio de desenvolvimento segundo Piaget, a criança em idade escolar apresenta uma
capacidade de raciocinar sobre o mundo de uma forma mais lógica, embora adquira a habilidade
de realizar essas operações apenas no concreto, pegando e experimentando (RODRIGUES;
MELCHIORI, 2014).
Com relação à metodologia, acredita-se que foi eficaz, pois conseguiu chamar a atenção
dos alunos, como também os recursos, visto que eles souberam relacionar os vídeos com o
conteúdo. Os estudantes sempre participam e usam muito de exemplos para explicar o que
entendem, ainda, a mãe de um deles fez uma pergunta direcionada a atuação do psicólogo
clínico, sendo necessário ter manejo para não confundir essa atuação com a do professor de
psicologia.
Na terceira aula ministrada, a temática foi sobre consequências e importância das
emoções e durou cinquenta minutos, começando às 13:10 e concluída às 14:00 horas, apenas
seis alunos participaram. A aula começou com a recapitulação do que eram emoções e quais as
emoções básicas. Logo após, foi feita uma leitura coletiva do livro "Quando me sinto triste",
em que cada aluno leu uma parte. Esse livro fala sobre formas de lidar com a emoção da tristeza
e como é estar triste.
Foi questionado o que eles mais gostaram no livro e começou-se a trabalhar a
importância das expressões das emoções e a função de cada uma, mostrando que todas são
essenciais, mesmo as que não parecem, como: medo, nojo e raiva. Utilizou-se um exemplo de
emoções em animais, e os alunos começaram a falar sobre os animais que tinham, foi
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fundamental ouvi-los, mas também perceber o melhor momento para voltar ao assunto da aula.
A atividade passada foi a mesma da semana anterior, pois muitos alunos ainda não
tinham respondido. Nessa terceira aula, já era possível saber o nome dos alunos mesmo que
estivessem cadastrados com o email dos pais. Foi enviado slides e o livro usado para a aula no
grupo de Whatsapp, e comunicado que os alunos que tivessem dúvida poderiam falar com a
professora. Nessa terceira aula, além da importância das emoções, seria retratado também os
efeitos fisiológicos e como eles influenciavam na tomada de atitude frente às emoções.
Porém, pela experiência das outras aulas, foi observado que estava em um nível de
compreensão que eles ainda não desenvolveram, sendo o conteúdo e plano de aula remodelado
apenas para falar sobre a importância e consequência das emoções no sentido prático e não
fisiológico. De acordo com Stahl e Santos (2012), o planejamento pode ser modificado em
detrimento de acordo com o retorno e o interesse dos estudantes ao que foi proposto. Assim, o
planejamento é flexível.
Ainda assim, foi percebida uma dificuldade de compreender a importância das emoções
que geralmente são associadas como ruins. Outra dificuldade é com relação à leitura de alguns
alunos, que já havia sido percebida durante as observações, um dos estudantes ainda não sabe
ler, então não conseguiu participar da leitura coletiva. Nesse momento da aula pelo Meet,
apenas cinco crianças ficaram até o final, havendo uma defasagem maior que nos outros dias.
Na penúltima aula, o conteúdo foi sobre empatia, em que o objetivo principal da aula
foi associar os conhecimentos anteriores sobre emoção, entender o que é empatia e a
importância de tê-la. Para isso, foi discutido sobre sentimentos associados à empatia, o que ela
provoca no outro e como desenvolvê-la. A quarta aula durou uma hora, das 13:15 às 14:15, foi
utilizado slides e um vídeo exemplificando o que é ser empático.
Além disso, no começo das aulas sempre é perguntado se eles têm conhecimento acerca
do tema que será estudado, para a estagiária ter a percepção de quando é necessário aprofundar
mais. Nesse dia houve a presença de onze estudantes, e muita participação. Eles se
disponibilizaram para ler os slides e para falar sobre o vídeo, então a metodologia foi
considerada eficiente.
Durante essa aula, na qual falou-se sobre sentimentos, muitos já tinham ouvido falar
sobre empatia mas não sabia o significado, e uma estudante confundiu com “simpatia e
antipatia”, porém facilmente conseguiram compreender o real significado. Para mais, como
havia sido percebido que as atividades passadas para casa tinham pouca adesão, a avaliação
941

desse dia foi na sala. Os dez alunos conseguiram entender o que foi explicado, e responder a
atividade que consistia em ler três exemplos de situações do cotidiano e pensarem como agir
de modo empático frente a elas: Joana chega em casa e percebe que sua irmã está irritada; Paulo
percebe que sua colega de sala está chorando; Gustavo chega para Augusto, seu amigo, e diz
que está chateado com uma brincadeira que ele fez.
Nesse dia foi necessário explicar todo o conteúdo novamente de uma maneira diferente
para que um aluno compreendesse, esse, não conseguiu fazer a atividade escrita por não saber
ler, mas a atividade foi adaptada para ele, pedindo que falasse um exemplo oralmente de como
agir de modo empático.
No momento da leitura das atividades alguns estudantes queriam ler todas as respostas
e não daria tempo de todos falarem caso fosse feito assim, além de que essa tarefa seria entregue
para a estagiária pelo Whatsapp e seria corrigida. Sendo essencial que a estagiária demonstrasse
o limite da quantidade de respostas que eles deveriam falar. Com relação aos alunos que não
estavam no Meet, foi enviado os slides, mas como em todas as outras aulas, não procuraram a
estagiária para tirar dúvidas nem entregar as atividades.
De acordo com Rodrigues e Melchiori (2014), o desenvolvimento de comportamentos
pró-sociais (aqueles que promovem interações sociais que oportunizam a aprendizagem de
outros comportamentos) ajudam as crianças a tornarem-se mais empáticas em situações sociais
e enfrentar os problemas de maneira mais construtiva. Por conseguinte, trabalhar em sala de
aula com estratégias de encenação de situações do cotidiano e que também envolvem a troca
de papéis, auxilia na compreensão do problema sob o ponto de vista do outro, um passo decisivo
para o desenvolvimento da empatia. Com relação à última aula, também começou às 13:10h e
teve duração de uma hora. Foi feita uma revisão de todos os conteúdos anteriores e um jogo
pela plataforma “Kahoot”, em que foram adicionadas perguntas para serem respondidas entre
verdadeiro ou falso e outras de múltipla escolha. Entre essas perguntas: Qual a opção que mostra
duas emoções básicas? a) Surpresa e felicidade b) Tristeza e medo c) Medo e angústia d)
Bondade e saudade; O que é empatia? a) é ajudar sem julgar b) é não ficar triste c) é ofender as
pessoas d) é não compartilhar nada.
Das questões de verdadeiro ou falso: Todas as emoções são importantes. a) verdadeiro
b) falso; Emoções e sentimentos são a mesma coisa. a) verdadeiro b) falso. Das questões de
múltiplas escolhas com mais de uma alternativa correta: Como podemos desenvolver a
empatia? a) Falando mal das pessoas b) Não se preocupando com ninguém c) Respeitando
942

outras pessoas d) Ouvindo um amigo.


Em função do modelo online, a estagiária marcava a alternativa que era respondida em
consenso entre todos os onze que estavam participando da aula, pois por eles estarem utilizando
o celular para a aula, não iriam conseguir acessar o jogo. Porém, caso fosse presencial,
provavelmente seria feito da mesma forma, ou por grupos menores de crianças que tivessem
celular, pois o laboratório de informática da escola está inutilizado devido à falta de
computadores.
Com esse jogo, foi possível eles atuarem em grupo, sendo explicado que mesmo
havendo divergência das respostas dadas por eles, apenas uma alternativa poderia ser marcada.
Das dez questões, ficaram em dúvida apenas em uma, em que a resposta correta seria a que
tinha quatro opções, mas marcaram a de três. Além disso, foi uma forma mais dinâmica de se
concentrar na aula, pois além das imagens que havia no jogo, gerava competitividade e mais
esforço para acertar as questões. Assim que os alunos diziam a resposta, a estagiária perguntava
o porquê de ser aquela alternativa, ou se eles tinham certeza, mesmo estando dizendo a resposta
correta, pois o objetivo era saber se eles realmente aprenderam os conteúdos.
Essa quinta aula foi o encerramento do estágio, sendo explicado que a experiência estava
terminando devido a quantidade de aulas exigidas pela faculdade terem sido cumpridas. Foi
doloroso terminar o estágio sem conhecê-los pessoalmente e sem ter a vivência do contato
presencial em sala de aula, mas tendo em vista as possibilidades existentes, considerou-se que
atingiu as expectativas.
Ao longo de todo o estágio, foi observado que os alunos que não conseguem assistir a
aula pelo aplicativo Meet, não acompanham o conteúdo de psicologia, nem das outras
disciplinas e estão sendo prejudicados. Outro ponto a ser considerado é que o fato desses alunos
não assistirem às aulas que foram preparadas e postadas exclusivamente para eles, desestimula
e preocupa o profissional da educação, pois não está havendo aprendizagem significativa, eles
serão aprovados no fim do ano letivo e chegarão com dificuldades quando as aulas presenciais
voltarem, visto que não tiveram acesso aos conteúdos bases do ano anterior.
Ante o exposto, a internet e os meios tecnológicos dificultaram a aula em alguns
momentos, pois alguns alunos ficavam com a internet instável e os aparelhos celulares estavam
com problemas. Porém, alguns recursos da internet facilitaram as aulas, tais como: a plataforma
Google Meet, YouTube, o aplicativo "Canva" para fazer slides e a plataforma "kahoot" para o
jogo de avaliação na última aula.
943

Quanto à interferência da família, esta aconteceu algumas vezes, em que algumas mães
que acompanhavam as aulas do filho faziam perguntas com relação à psicologia, exigindo
manejo da estagiária, pois aquela atuação era como professora. Sobre o planejamento de aulas,
foi percebido que precisa ser flexível, pois mesmo havendo a observação no primeiro estágio,
foi necessário mudar algumas coisas nos planos de aula para melhor entendimento dos
estudantes, e à medida que havia as aulas, percebia-se melhores formas de lecionar nas aulas
seguintes.
O estágio foi proveitoso devido ao engajamento dos alunos, mesmo sendo poucos
estudantes que participaram ativamente. Acredita-se que caso fosse presencial teria maior
participação, pois foi percebido que essa é uma caraterística marcante da turma. Diferente do
que foi constatado em um relato de experiência de Silva e Gaspar (2018), em uma turma do 5°
ano da rede pública, que era notória a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas e
muitos afirmavam que só frequentavam as aulas por obrigação e que ao atingir a maioridade
pretendiam abandonar a sala de aula. Uma problemática que faz parte do cenário educacional
brasileiro: a evasão escolar.
Com relação à abertura da escola e a boa relação com a professora, diretora e supervisora
favoreceu o planejamento e execução das aulas, pois a escola se mostrou disponível em
substituir as aulas fixas da professora para a estagiária, sendo disponibilizado o horário de uma
hora para cada dia em que foi lecionado. De modo geral, notou-se que os objetivos dos cinco
planos de aulas foram alcançados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização do Estágio proporcionou uma aproximação maior com a sala de aula,


mesmo no modelo remoto, foi possível perceber a rotina e o planejamento de um professor do
Ensino Fundamental. Por meio do planejamento das aulas e das ministrações, obteve-se
independência e autonomia. Nessa experiência foi perceptível a diferença que existe na teoria
e na prática, pois é necessário reinventar-se a cada aula, utilizar de estratégias que não são
adquiridas na graduação.
O contato com a escola foi muito restrito devido ao isolamento social causado pela
pandemia, não sendo possível vivenciar a prática real do ser professor no sentido de estar no
ambiente físico, ter contato presente com os alunos, conhecer e socializar com a equipe de
944

profissionais do local. Acredita-se que o modelo remoto fez muita diferença no formato das
aulas, pois sempre era necessário fazer algo mais dinâmico e lúdico para facilitar a fixação da
atenção e não se tornar cansativo. Mas considerou-se um processo de maior entendimento de
como ocorre a aprendizagem, do relacionamento professor-aluno, teoria e prática.
O estágio trouxe uma percepção maior de como é o trabalho do educador, dos limites
necessários em sala, adaptação de tarefas e manejo com os pais. Também trouxe uma
perspectiva do quanto a internet pode ser essencial nos meios educacionais, pois caso não
existisse, as aulas teriam ficado mais tempo paralisadas e os alunos com mais déficits. Foi
percebido que o formato online trouxe um relacionamento mais próximo e direto com a família
desses alunos, pois eles os auxiliavam nos momentos da aula e mandavam as atividades dos
filhos, algo que provavelmente não aconteceria caso fosse de forma presencial.
Ademais, proporcionou aprendizados que somente no campo da teoria não seria possível
e provocou o senso crítico de quanto o social influencia nos demais processos dos sujeitos, pois
mesmo com possibilidades das aulas serem online, muitos alunos não puderam participar
devido aos determinantes sociais já citados.

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Elabora%C3%A7%C3%A3o-de-Relato-de-Experi%C3%AAncia.pdf. Acesso em: 22 set.
2021.
947

ESTÁGIO EM PSICOLOGIA ESCOLAR: um relato de experiência

Nicholas do Amaral Oliveira1


Fernanda Fiuza Bastos de Moraes Pinto2
Pedro Henrique Nogueira Feranades de Queiroz 3
Francisco Mayccon Passos Costa4

RESUMO

O curso de psicologia contempla variados contextos e campos de atuação. Sendo a formação


do psicólogo caracterizada hoje no Brasil como generalista, os estágios básicos dentro do curso
contribuem para diminuir o impacto dessa visão geral da psicologia e possibilitar que o
estudante vivencie de forma prática a bagagem teórica e técnica, observando e intervindo nos
campos de atuação profissional. A presente pesquisa objetivou relatar a experiência dentro do
campo de estágio básico em psicologia escolar de alunos de psicologia do 5º e 10° período, que
aconteceu em uma Escola Estadual de ensino básico. A pesquisa conta com o relato de
experiência dos estudantes e suas principais observações, bem como a descrição de suas
intervenções com os alunos do 8º ano, junto a uma pesquisa integrativa de bibliografia. Tudo
isso configura-se em um material rico de informações que contribuirá para a comunidade
acadêmica conhecer a atuação do estudante de psicologia dentro da escola.
Palavras-Chave: Psicologia escolar, Relato de experiência, Estágio básico

ABSTRACT

The psychology course covers different contexts and fields of activity. As the training of
psychologists is characterized today in Brazil as generalist, the basic internships within the
course help to reduce the impact of this general view of psychology and allow the student to
experience in a practical way the theoretical and technical background, observing and
intervening in the fields of action. professional. The present research aimed to report the
experience within the field of basic internship in school psychology of psychology students
from the 5th and 10th period, which took place in a State School of basic education. The
research relies on the students' experience report and their main observations, as well as the
description of their interventions with 8th grade students, along with an integrative bibliography

1
Graduando em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
nickamaraloliveira@outlook.com
2
Graduanda em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: fernandafbmp@hotmail.com
3
Graduando em Psicologia. Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
pedro.queiroz@aluno.catolicadorn.com.br
4
Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Docente da Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: mayccon@yahoo.com.br
948

research. All this is configured in a material rich in information that will contribute to the
academic community to know the performance of the psychology student within the school.
Keywords: School psychology, Experience report, Basic internship

1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho é referente a prática da disciplina de estágio básico II, em Psicologia
Escolar, nele contém a descrição das vivências do grupo que frequentou uma escola pública de
ensino fundamental, focando nas interações e desafios enfrentados pelos integrantes. O estágio
teve como principais fundamentos a prática dos saberes construídos teoricamente em sala de
aula no período conceitual da disciplina, a aquisição da experiência na prática do psicólogo
educacional, além da possibilidade de descobrir a capacidade dos estagiários de identificar as
demandas da instituição, selecionando, tais como suas dificuldades, fragilidades, competências
e potencialidades, como também, definir quais desses aspectos seriam utilizados para o
planejamento e execução de uma intervenção.
Em vista disso, é necessário afirmar que para ser possível a saída a campo na disciplina
de Estágio, foi necessário uma série de outras disciplinas voltadas a Psicologia escolar e
educacional e desenvolvimento humano, disponibilizadas pela Faculdade Católica do Rio
Grande do Norte (FCRN), com intuito de preparar teoricamente os alunos para os prováveis
contratempos que tendem a surgir no meio do percurso, para que assim seja possível entender
os processos fundamentais para o desenvolvimento infantil saudável, bem como a importância
e os impactos da relações entre família-criança, família-escola e família-criança-escola.
Nesse sentido, Francischin (2016) fala sobre a Psicologia Escolar como uma
especialidade, acrescentando que dentre as principais funções do psicólogo na escola, está
presente um trabalho multidisciplinar e interdisciplinar, a intervenção ativa no clima
educacional, identificação de problemáticas e a realização dos objetivos educacionais para/com
os alunos no âmbito de ensino-aprendizagem, podendo envolver através disso, mediação junto
com a família, com os professores, diretamente com a instituição de ensino ou com os próprios
estudantes, de forma a criar ambientes confortáveis dentro da instituição, não restringindo seu
papel como diagnosticador ou o aluno a um diagnóstico, procurando promover a saúde e o bem-
estar para todos os colaboradores responsáveis para o crescimento da escola e os lecionandos,
complementa Guzzo (2012).
Assim sendo, ao se depararem com o campo, os estagiáriarios puderam vivenciar na
prática o trabalho de dismistificar a ideia do psicólogo na escola, expicar seu trabalho e
949

experimentar o trabalho com a equipe pedagógica, objetivando a análise das queixas e propondo
um projeto de intervenção que auxiliasse na melhoria das relações de ensino e aprendizagem.
E na tentativa de aliviar o máximo de sofrimentos no período em que se propunham.
Em vista disso, este artigo busca evidenciar o trabalho do psicólogo escolar, a partir do
relato de experiência do estágio básico em psicologia e processos educacionais, realizado
durante ano de 2022, entre março e junho, por alunos do quinto e décimo períodos, do curso de
Psicologia, da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, Localizada em Mossoró-RN.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO ESCOLAR

A psicologia enquanto campo de atuação no contexto escolar, desde o princípio da


história da psicologia brasileira, se desenvolveu lado a lado com a atuação da profissão de
psicólogo, como afirma Dias et al (2014). O autor ainda relata que o psicólogo escolar enfrenta
uma luta diária para estabelecer qual a sua verdadeira atuação dentro da escola, isso acontece
pelo fato de na prática profissional a maioria das pessoas entenderem que a sua atuação deve
ser voltada para a psicopatologia clínica, além dessa confusão ser feita muitas vezes pelo
próprio psicólogo.
Esse modelo clínico modifica o contexto das necessidades da escola, em que o psicólogo
avalia as dificuldades de aprendizagem das crianças e adolescentes a partir de instrumentos
padronizados e associa unicamente a ela e sua família a culpa por seus “fracassos”. ( SILVA
ET AL 2017). Silva (2020) critica esse modelo e afirma que o profissional da psicologia
trabalha visando sempre a promoção da saúde, contudo, no contexto escolar esses esforços
devem se dar sempre no incentivo à superação das dificuldades de aprendizagem, e
potencialização das possibilidades de aprender.
A autora ainda relata que algumas práticas que podem ser realizadas por ele e
demonstram resultados são a facilitação de processos de educação, preparação de outros
profissionais para essa facilitação, gestão de projetos e processos educativos focados na
reflexão, autonomia e transformação da realidade, apoio metodológico e pedagógico,
acompanhamento dos processos educacionais na secretaria entre outras variadas formas de
intervenção.
950

Silva et al (2017) conclui em sua pesquisa que o psicólogo escolar deve sempre estar
engajado aos processos pedagógicos e contribuir para o suporte da equipe e todos que estão
envolvidos com o processo. O autor pontua que é importante que todos tenham clareza do seu
verdadeiro papel e função dentro da escola para que esse trabalho alcance todos os objetivos e
o sucesso da aprendizagem.
Nesse sentido, entendendo a importância do psicólogo dentro da escola, o Congresso
Nacional decretou a Lei 13935/19 obrigando que todas as escolas das redes públicas contem
com uma equipe multiprofissional na presença de um assistente social e um psicólogo (Brasil,
2019). Sendo assim, o profissional da psicologia dentro da escola deve sempre olhar para a
integralidade do aluno, entender que ele está inserido em um contexto social, além de olhar para
as questões emocionais desse aluno, pois a educação se faz na união de todos esses fatores
(MOURA, 2021).

2.2. RELEVÂNCIA DO ESTÁGIO BÁSICO EM PSICOLOGIA ESCOLAR

Os estágios são espaços essenciais para o conhecimento e aprimoramento de técnicas,


além da vivência experimental pelo aluno. Os autores afirmam ser importante para a
capacitação dos profissionais no futuro de sua profissão. Pontuam ainda que muitos
profissionais ao ingressarem no mercado de trabalho sentem muita insegurança e não se sentem
preparados para lidar com as demandas da profissão, a maioria alegam não terem vivenciado
experiências práticas suficientes, revelando, desse modo, a grande importância do estágio
básico ainda na graduação (CAIXETA ET AL. 2022).
A lei n 11.788/2008 (Brasil, 2008), trata do estágio de formação profissional,
deliberando que este deve se propor a preparar o aluno para seu futuro profissional, como
cidadão e visando o trabalho. Dessa forma, Reis et al (2021) afirmam que o estágio em
psicologia escolar possibilita no contato com a equipe multiprofissional que o estudante
conheça e acompanhe a atuação desse profissional junto a equipe pedagógica, bem como
permite a utilização de todo os seus conhecimentos teóricos em um contexto prático de atuação.
Possibilitando vivenciar a distinção do atendimento psicológico longo de atendimentos
feitos pelo psicólogo escolar, visto que este primeiro é incompatível com as necessidades e as
dimensões concretas das instituições.
951

3 METODOLOGIA

Nesse viés, o presente trabalho teve como métodos de desenvolvimento um relato de


experiência das observações e intervençoes feitas pelos estudantes de psicologia no período de
estágio básico na escola, em complemento a uma revisão integrativa de literatura, tendo esta
classificação por Gil (2017) no livro “Como elaborar projetos de pesquisa”, de colaborar com
o aporte científico, fundamentando-se em um tipo de pesquisa realizada a partir de uma base de
materiais anteriormente desenvolvido.
Logo, os materiais utilizados foram apanhados em bases de dados como google
acadêmico e Scielo, priorizando os textos mais recentes e os autores de maior relevância na
temática. Com o intuito de buscar expor as ações realizadas dentro da prática da disciplina
associando-as a importância do psicólogo escolar nas instituições de ensino no Brasil.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. DESCRIÇÃO DE CAMPO

Em relação aos aspectos físicos, a escola pública de ensino fundamental descrita no


presente trabalho apresenta um total de 15 (quinze) salas, 9 (nove) delas sendo salas de aulas,
2 (duas) salas para cada série, com exceção do 9° ano que são compostos por três turmas, cada
uma contendo um ar-condicionado, um quadro branco, a mesa do docente e um armário para
materiais, além de uma quantidade de mesas e cadeiras correspondentes ao número de alunos
em cada sala.
As demais salas eram compostas pela cozinha, a secretaria (contendo está uma mesa, 3
cadeiras, um computador, uma pequena sala de arquivos e um bebedouro), uma biblioteca
(contendo, além do seu acervo de livros, uma mesa com cadeiras e uma sala menor que servia
como depósito de materiais acadêmicos), a sala dos professores (contendo uma grande mesa de
madeira, armários para os professores, um bebedouro, um armário de matérias e 14 cadeiras),
dentro desta mesma locação, havia uma outra direcionada à coordenação (contendo três birôs e
um computador), além dessas havia uma sala menor com arquivos e a última sala cujo qual
estava sendo usada como depósito para materiais de limpeza.
952

No centro da estrutura havia um pátio a céu aberto e outro coberto, ambos consistem em
um espaço de interação. A instituição ainda conta com uma quadra poliesportiva coberta,
utilizada apenas para aulas educação física e passa o restante do tempo fechada, sendo liberada
apenas pelo professor da matéria.
Mais à frente dos aspectos físicos, a instituição dispõe de um professor para cada
disciplina, exceto pela disciplina de matemática, que dispõe de dois profissionais. Um dos
pontos observados pelo grupo foi a alta demanda de ausências desses, junto com a falta de
docentes para suprir a ausência dos mesmos e de uma das professores que se encontrava de
licença, em virtude disso, as aulas ficavam vagas ou eram utilizadas para responder atividades
disponibilizadas pela diretora da escola.
Além disso, os alunos são vistos como indisciplinados pela maior parte do corpo
docente. Foi relatado por vários professores que os alunos davam muito trabalho e os causavam
estresses além de deixá-los cansados e desmotivados, eles frequentemente apresentavam falas
como “eles não querem nada com a vida”, “eles só funcionam na base do grito”. Entrando em
consenso com a afirmação de que a função do professor vem mudando, as responsabilidades e
exigências sobre esse profissional tem aumentado cada vez mais, de modo que ele precisa
apresentar, além das competências pedagógicas, habilidades sociais e emocionais (JENNINGS
E GREENBERG, 2009).
Dessa forma Lecionar vem se tornando uma atividade desgastante, que apresenta
repercussões evidentes na saúde física, mental e no desempenho profissional dos professores
(REIS ET AL., 2006).
Para Mello; Rubio (2013), a aprendizagem está associada a fatores que vão além do ato
de ensinar, de aplicar metodologias novas e criativas, para estes autores o afeto é determinante
para a aprendizagem e Goldane(2010) traz que o aprender ocorre por interações sociais que tem
sua origem em vínculos afetivos. Durante visitas e através dos relatos de alunos e professores,
foi possível perceber uma fragilidade socioambiental, que a maior parte dos alunos enfrenta
diariamente. Esta fragilidade afeta diretamente a vida escolar e a aprendizagem dos alunos.

4.2.RELATO DA INTERVENÇÃO REALIZADA NO ESTÁGIO


953

Foram encontrados dentro da instituição diversos públicos, entre eles: mães,


funcionários da escola, professores e alunos. Nesse sentido, foi escolhido dentro das
possibilidades disponíveis do estágio, duas turmas, de 8° e 9° anos para ser feita uma
intervenção inicial, os estagiários entraram nas salas se apresentando e explicando o papel do
estagiário de psicologia na escola logo depois fizeram uma escuta espontânea dos alunos sobre
suas perspectivas acerca da escola e da equipe, deixando-os livres para se expressarem e
relatarem as suas experiências de aprendizagem, interpessoal, familiar e estrutural.
Em um segundo momento foi motivado que os alunos escrevessem cartas relatando uma
experiência boa ou ruim que tiveram na escola, ou caso se sentissem confortáveis poderiam
indicar alguma queixa ou reclamação sobre qualquer quesito da escola.
Após a aquisição de dados e de discursões entre o grupo, ficou decidido o público-alvo
da intervenção final (uma vez que as intervenções iniciais foram as trocas de cartas com as duas
turmas) como os alunos do ano 8°b, uma vez que estes foram o alvo de maiores reclamações
dos Comentados.
Durante as conversas espontâneas, percebeu-se um alto índice de queixas dos alunos em
relação ao comportamento dos professores para com a eles, informando que não eram
respeitados nem valorizados e que eles apenas chegavam e passavam conteúdo. Com relação
as cartinhas, percebeu-se muito sofrimento, carência afetiva, mas também muitos sonhos e
desejos de um futuro melhor.
A intervenção final consistiu em duas dinâmicas com o objetivo de suscitar reflexões
sobre si mesmos e suas potencialidades e abrir caminhos para a união da turma entre si, a fim
de uns ajudarem aos outros em suas vivências e dificuldades. A primeira foi a dinâmica do
espelho, que consistia em individualmente irem até uma caixa e conhecerem a pessoa que a
partir daquele momento seria uma inspiração para eles, ao abrirem a caixa o aluno se deparava
com a própria imagem refletida no espelho. A segunda dinâmica foi a dinâmica do pirulito, em
que eles precisavam abrir o pirulito utilizando apenas uma mão, muitos não pensaram em pedir
ajuda aos colegas para abri-lo, nesse sentido, ao final os estagiários fizeram a reflexão sobre a
importância da união e da equipe para solução dos problemas.
Durante a dinâmica do espelho, observou-se muita dificuldade em olhar para si, muitos
não conseguiam, começavam a chorar e saiam da sala, nesse momento um dos estagiários os
acompanhavam e faziam um breve acolhimento e motivava-os a voltar para a sala e participar
das reflexões, também sentiam dificuldades em externar uma qualidade sua. Na dinâmica do
954

pirulito, alguns conseguiram sozinhos, outros disseram que pensaram na possibilidade de ajudar
o colega, mas como ele não havia pedido então não ofereceu ajuda.
Ao final foi feita uma reflexão sobre tudo o que havia sido vivenciado nesses dias e eles
disseram que gostaram muito, se sentiram amados e gostaram de refletir sobre si, suas
potencialidades e também conhecer os colegas de sala, entendendo que podem contar uns com
os outros.
Após as dinâmicas os estagiários leram uma cartinha feita por eles para os alunos,
agradecendo por terem se aberto e em resposta a todas as cartinhas produzidas por eles.
Concluiu-se desse momento que foi possível plantar esperança no processo de aprendizagem e
suscitar a busca pela autoestima, espírito de equipe e coletividade, e conhecimento da
importância do profissional da psicologia no contexto escolar.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estágio no ambiente escolar, atrelado a busca de literatura para a realização deste


exposto artigo, expressou-se uma experiência enriquecedora no sentido de que possibilitou
conhecer as ações e os impasses das intervenções em psicologia dentro do ambiente escolar, ao
modo que permitiu compreender a importância do psicólogo escolar dentro deste mesmo
ambiente institucional e em todo o processo de ensino-aprendizagem, bem como nas relações
interpessoais dentro do âmbito educacional e as de fora que o impactam, como por exemplo na
relação família-aluno, que, sendo esse o primeiro ciclo social do indivíduo, acaba por impactar
todo o restante, incluindo o institucional.
Portanto, enfatiza-se a grande importância desta experiência para a formação
acadêmica, profissional e pessoal de todos os integrantes do grupo. O aprendizado teórico,
aprendido e desenvolvido em sala de aula, foi intensificado de formas engrandecedoras, ao ser
possível vivenciar os desafios da profissão de psicólogo no país, dentro da atual conjuntura
política e social.
Além do aprendizado adquirido com a experiência junto dos alunos, uma vez que foram
necessários o profissionalismo e a humanidade ao se deparar com histórias reais, singulares e
subjetivas. Histórias essas que proporcionaram experiências onde não são possíveis de realizar
no processo de graduação em sala de aula ou na leitura de nenhum livro.
955

Dessa maneira, conclui-se a importância não só do psicólogo escolar, como também a


importância do estágio em psicologia escolar, no sentido de que dentro desses é possível
impactar, de maneiras pequenas, mas significantes a realidade dos alunos intervindos e,
consequentemente, a realidade da escola em si. Para mais, a presença do estagiário de psicologia
dentro da escola, acaba implantando gradativamente o conhecimento sobre a Psicologia em
meios o qual ela não é habitual, do mesmo modo que, seus direitos, deveres e Leis que a
assegura.

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psicologia e de serviço social nas redes públicas de educação básica. Disponível em:
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957

ANEXO 1 - CARTA ABERTA


De: Estagiários
Para: 8° Ano B
Nosso coração se enche de gratidão por ter conhecido tantas histórias incríveis, nós
agradecemos a todos vocês por terem aberto o coração e nos deixado entrar na profundidade de
quem vocês são, nos medos, nos sentimentos, nas frustrações, nas alegrias, nas indignações,
mas também em tudo que é colorido e cheio de afeto dentro de vocês.
Não é todo dia que alguém chega e nos pergunta quem somos nós, alguém que queira
nos escutar e saber o que há dentro do nosso coração de verdade. Mais difícil ainda nessa vida
tão superficial que vivemos, é que alguém se abra de verdade a quem faz esse tipo de pergunta,
por medo de não ser ouvido, compreendido. Mas aqui nós viemos com sede de saber quem
eram vocês, de realmente saber o que se passava aí guardadinho em você. E como ficamos
felizes lendo as carrinhas de vocês e percebendo que mesmo sem nos conhecer vocês se
abriram, tiraram nem que fosse uma gotinha de profundidade para compartilhar com a gente.
E ao conhecê-los um pouco, saímos daqui certos de que essa sala é recheada de talentos,
de sonhos, de jovens cheios de vida e potencial, a sua história ainda que muito difícil, formou
quem você é hoje, as decisões que você tomou foram as melhores que vocês poderiam ter
tomado no momento, não se culpe pelo que ficou para trás nem se desespere pensando no que
pode vir pela frente, vocês são fortes e potentes para darem as melhores respostas frente a vida
que te espera. Se ninguém nunca te disse isso, nós queremos dizer hoje, nós acreditamos em
vocês, nós acreditamos que apesar de qualquer dificuldade vocês são inteligentes, capazes,
responsáveis, e possuir aí dentro um potencial gigante para sonhar, acreditar e fazer acontecer
cada sonho. E para concluir deixo aqui uma poesia para que vocês também nunca esqueçam
que vocês têm um ao outro, procurem se conhecer dentro dessa sala há grandes mistérios em
cada pessoa que a habita.
Tabela 1
Na tabela 1 (um) se encontra a carta aberta executada pelos estagiários. Sua criação
partiu como parte da intervenção final, uma vez que uma das intervenções iniciais foi a
solicitação da escrita de cartas por parte dos alunos, nas quais deveriam conter informações
sobre como os mesmos estavam se sentindo, ou qualquer coisa que desejassem ser dita. Nesse
sentido, como os alunos se abriram com o grupo, os estagiários resolveram compactuar com a
958

ideia e acabaram escrevendo uma carta, onde é evidenciado a importância dos estudantes e um
pouco da opinião do grupo.
959

HOSPITALIZAÇÃO PROLONGADA EM UMA UTI NEONATAL: o enfrentamento


materno através de atividades terapêuticas

Camila Tuane de Medeiros1


Yasmin Falcão Bezerra2
Dayane Barbosa Silva3
Daniella Cristina de Sá Carneiro Costa Linhares4
Mayra Shamara Silva Batista5

RESUMO

Esse artigo tem por objetivo apresentar e discutir sobre as atividades terapêuticas realizadas
com as mães acompanhantes de uma UTI Neonatal. O presente trabalho foi construído por meio
de uma revisão bibliográfica de materiais já publicados e o relato da experiência das
profissionais sobre atividades terapêuticas realizadas. Os materiais utilizados para
fundamentação teórica da revisão foram coletados nas plataformas LILACS e SciELO,
filtrando aqueles publicados nos últimos dez anos, entre 2012 e 2022. Os resultados foram
categorizados em três grupos temáticos que subsidiaram a discussão: A hospitalização em uma
Unidade de Terapia Intensiva Neonatal; Aspectos psicológicos da mulher acompanhante; e
Atividades terapêuticas realizadas na UTIN. Diante disso, foi possível observar que um longo
período de permanência hospitalar pode significar prejuízos ao desenvolvimento do bebê, como
também, ocasionar repercussões psicológicas na mãe acompanhante. A notícia da necessidade
de internação e de cuidados intensivos é um momento marcante, pois além do nascimento de
um bebê de risco, que desperta sentimentos ambíguos na mulher, no cenário intensivo neonatal,
os fios e equipamentos necessários para o tratamento e manutenção da vida, também despertam
sentimentos de angústia e ansiedade relacionados à fragilidade do bebê e possível perda. Nesse
contexto, grupos de verbalização, oficinas de trabalhos manuais, atividades ocupacionais e de
autocuidado são algumas das atividades terapêuticas facilitadas pela equipe da assistência na
tentativa de minimizar as possíveis consequências emocionais a essas mulheres, fortalecendo
também, o vínculo entre o binômio e promovendo ambiente seguro durante o período da
internação.
Palavras-chave: UTI Neonatal; Atividades terapêuticas; Psicologia.

ABSTRACT

This article aims to present and discuss the therapeutic activities performed with accompanying
mothers in a Neonatal ICU. The present work was built through a bibliographic review of
materials already published and the report of the experience of professionals on therapeutic
1
Psicóloga residente em Saúde Materno-Infantil (UFRN/HUAB). E-mail: camilatuane.neuro@gmail.com
2
Psicóloga residente em Saúde Materno-Infantil (UFRN/HUAB). E-mail: yasminfalc@gmail.com
3
Psicóloga residente em Saúde Materno-Infantil (UFRN/HUAB). E-mail: dayanebarbosasil@gmail.com
4
Psicóloga hospitalar no Hospital Universitário Ana Bezerra (EBSERH/UFRN). Especialista em Psicologia da
Saúde: desenvolvimento e hospitalização (UFRN). E-mail: daniella.linhares@ebserh.gov.br
5
Psicóloga hospitalar no Hospital Universitário Ana Bezerra (EBSERH/UFRN). Especialista em Terapia
Intensiva Neonatal (UFRN/MEJC). E-mail: mayra.batista@ebserh.gov.br
960

activities performed. The materials used for the theoretical basis of the review were collected
on the LILACS and SciELO platforms, filtering those published in the last ten years, between
2012 and 2022. The results were categorized into three thematic groups that supported the
discussion: Hospitalization in an Intensive Care Unit Neonatal; Psychological aspects of the
accompanying woman; and Therapeutic activities performed in the NICU. In view of this, it
was possible to observe that a long period of hospital stay can mean damage to the baby's
development, as well as causing psychological repercussions on the accompanying mother. The
news of the need for hospitalization and intensive care is a remarkable moment, because in
addition to the birth of a baby at risk, which arouses ambiguous feelings in the woman, in the
neonatal intensive scenario, the wires and equipment necessary for the treatment and
maintenance of life, they also arouse feelings of anguish and anxiety related to the baby's
fragility and possible loss. In this context, verbalization groups, manual work workshops,
occupational and self-care activities are some of the therapeutic activities facilitated by the
assistance team in an attempt to minimize the possible emotional consequences for these
women, also strengthening the bond between the binomial and promoting an environment
insurance during the period of hospitalization.
Keywords: Neonatal ICU; Therapeutic activities; Psychology.

1 INTRODUÇÃO
É possível observar que o ambiente hospitalar é carregado de tabus, medos e crenças
relacionados ao adoecimento, vida e morte, o que impacta direta ou indiretamente quem
frequenta tal cenário. A fragilidade da condição humana diante de um processo de
hospitalização impacta diretamente naquilo que o paciente pode fazer de si mesmo em termos
de realidade existencial, levando cada sujeito a um processo de revisão da própria vida
(CAMON et al., 2003).
Dentro de um cenário de hospitalização infantil a presença de um familiar ou
responsável é indispensável para acompanhamento em leito. Levando em consideração a
internação de crianças recém-nascidas (RN) dentro de uma unidade de terapia intensiva
neonatal (UTIN), a presença materna torna-se necessária, em razão da oferta do
desenvolvimento do vínculo afetivo, cuidado ao binômio mãe-bebê e aleitamento materno.
Para Maldonado (2017), a gestação não é um fenômeno igualitário nas mulheres,
famílias e sociedades, dessa forma, o seu percurso intra, inter e pós-gestacional também não
será vivenciado homogeneamente. Ao gestar uma criança, expectativas e desejos podem ser
construídos, e estes irão estar interligados a diversos fatores que não estão relacionados apenas
ao ser mãe. O percurso histórico, contexto social e situação socioeconômica da mulher e sua
família, nível instrucional, questões relacionadas à saúde materna, relação com o (a)
companheiro (a) e existência ou não deste (a) companheiro (a) em sua vida, são alguns fatores
que devem ser levados em consideração ao se analisar o gestar e seu puerpério.
961

Compreendendo que cada mulher pode vivenciar o puerpério de uma maneira única, é
possível perceber que a internação de um bebê em um contexto de UTIN pode repercutir
singularmente nessa mãe, que possui uma história pessoal, uma trajetória de vida, e questões
sócio familiares particulares.
De acordo com Silva, Pinto e Alencar (2018), um cenário de hospitalização prolongada
ocorre quando a média de permanência hospitalar ultrapassa 24 horas. Estas autoras relatam
que a média de dias em que um paciente fica hospitalizado no Brasil é de 6,6 dias, e na região
Nordeste é de 5,7 dias. Em observância a isso, é necessário refletir que quando há a necessidade
de internação de um bebê, a mulher e mãe além de vivenciar o puerpério em um hospital,
possivelmente estará inserida em um cenário de hospitalização prolongada.
Apesar de o foco do cuidado em uma UTIN ser o recém-nascido, é importante
direcionar o olhar também para um sujeito cuja fala muitas vezes não é ouvida - a mãe
acompanhante. Uma mulher que, apesar de não ser a paciente internada, pode estar
experienciando o puerpério, o sofrimento por não estar em sua residência, a preocupação com
possíveis outros filhos que ficaram em sua residência, a hospitalização de um bebê, e tantos
outros fatores que podem ser observados.
Dessa forma, surge a noção da importância de perceber essa mulher, vivenciando um
novo cenário e abrindo mão de suas atividades e rotina para acompanhar o seu filho. Logo, faz-
se fundamental que a equipe de saúde seja cuidadosa, resiliente, flexível, e criativa, para
desenvolver estratégias de cuidado com foco no binômio mãe-bebê.
O objetivo deste artigo, então, é apresentar possibilidades e discutir como as atividades
terapêuticas, realizadas durante a internação de recém-nascidos em UTIN, podem atuar como
agentes minimizadores dos possíveis impactos e repercussões de cunho emocional e
psicológico que essa hospitalização possa ocasionar.

2 METODOLOGIA

Inicialmente, é fundamental para o desenvolvimento da metodologia do trabalho


compreender que a produção do conhecimento científico se inicia na pesquisa. Assim, pesquisar
pode ser considerado como o caminho para a ciência, já que tal atitude se baseia na busca de
respostas a uma questão proposta ou solução de um problema (KUARK, MANHÃES,
MEDEIROS, 2010).
962

A partir disso, existem várias possibilidades de produzir ciência, orientando-se por


razões de ordem intelectual e/ou de ordem prática. Conforme Carvalho et al. (2019), uma
pesquisa sobre problemas práticos pode gerar princípios científicos, assim como uma pesquisa
teórica pode proporcionar saberes práticos.
Este trabalho orienta-se por meio de uma revisão bibliográfica, utilizando materiais já
publicados. O autor Rother (2007) destaca que esse tipo de revisão auxilia os estudiosos a
conhecerem o estado da arte a respeito do tema pesquisado.
Com intento de relacionar as ideias, foram realizadas pesquisas utilizando como filtro
as palavras chaves “hospitalização prolongada”, “UTI neonatal” e “atividades terapêuticas”, em
diferentes ordens e combinações. No que diz respeito aos critérios de inclusão para seleção do
material utilizado, considerou-se a temática proposta no objetivo deste trabalho, quanto aos
critérios de exclusão, desconsiderou-se os trabalhos que não estavam disponíveis completos e
gratuitos, bem como os que não estavam na língua portuguesa ou traduzido.
Salientamos que a influência da historicidade da publicação dos artigos e documentos
utilizados nessa pesquisa foi observada, filtrando aqueles publicados nos últimos dez anos,
entre 2012 e 2022. Porém, foram usados livros que ultrapassam esse critério de seleção, em
virtude do valor das obras para os conhecimentos na área. Ademais, as referidas buscas
ocorreram através das plataformas SciELO - Scientific Electronic Library Online e LILACS –
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde.
Com o processo de buscas por materiais, foi possível observar a lacuna existente em
relação à temática, especialmente no que diz respeito à proposta de atividades terapêuticas no
ambiente da UTIN. Tal constatação aponta para a importância de construir saberes relevantes,
contribuindo para a aprendizagem e prática profissional.
Por se tratar de uma pesquisa que se interessa por saberes práticos, pelas aplicações
possíveis no cenário hospitalar, e para contribuir com a discussão identificada na literatura, será
realizado um relato da experiência das autoras. A fim de descrever a experiência, ocorrerá a
contextualização do ambiente, bem como exposição da vivência da organização das atividades
terapêuticas em um espaço de UTI Neonatal, em um hospital de assistência materno-infantil,
localizado no interior do estado do Rio Grande do Norte.
Entende-se como relato de experiência a descrição que um autor ou uma equipe
elaboram de uma vivência profissional, tida como exitosa ou não, mas que contribua com a
discussão, a troca e a proposição de ideias em uma determinada temática, objetivando a
963

melhoria do cuidado na saúde. Sendo o relato de experiência “a expressão escrita de vivências”


(MUSSI; FLORES; ALMEIDA, 2021).
Importante ressaltar que, para a escrita deste artigo, de acordo com a Resolução nº 510
de 07 de abril de 2016, que versa sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas
e Sociais, não será necessário o registro ou avaliação pelo sistema CEP/CONEP, em virtude
das seguintes normas:
“Art. 1º. Parágrafo Único. VI - pesquisa realizada exclusivamente com textos
científicos para revisão da literatura científica; VII - pesquisa que objetiva o
aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e
contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que
possam identificar o sujeito” (BRASIL, 2016, p. 2).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 A HOSPITALIZAÇÃO EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA NEONATAL

O artigo 7º da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Portaria


GM/MS nº 1.130, de 5 de agosto de 2015), afirma que “uma das ações estratégicas do eixo de
atenção humanizada e qualificada à gestação, ao parto, ao nascimento e ao recém-nascido” está
pautada na qualificação da atenção neonatal na rede de saúde materna, neonatal e infantil. A
Unidade Neonatal sendo subdividida entre Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN),
Unidade de Cuidado Intermediário Neonatal Convencional (UCINCo) e Unidade de Cuidado
Intermediário Neonatal Canguru (UCINCa), de maneira um ofertar cuidado ampliado
(BRASIL, 2015).
No hospital de assistência materno-infantil, acima mencionado, a Unidade de Cuidados
Intensivos e Semi-intensivos (UCIS) é composta pelos leitos de terapia intensiva neonatal,
leitos de cuidados intermediários neonatais convencionais, e leitos de cuidados intermediários
neonatais canguru, sendo referência para a macrorregião do Trairi do estado do Rio Grande do
Norte. O serviço atende a população por meio das regulações na Central de Regulação de Leitos
da Secretaria de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP), através de demandas internas
do hospital e regulações externas médico a médico. Estes leitos integram a Linha de Cuidado
Materno Infantil e Rede Cegonha, sendo a equipe atuante na unidade composta por psicólogos,
964

assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas, cirurgiões-dentistas,


fonoaudiólogos e médicos (COSTA; ALMEIDA; BULHÕES, 2021).
Os cuidados em UTI Neonatal são marcados pela alta tecnologia, pela urgência e
precisão das ações, com foco em manter a vida do bebê. Na UTIN são recebidos os bebês com
diagnósticos relacionados a dificuldades durante o parto, condições no nascimento e
imaturidade do organismo, como o baixo peso ao nascer (BPN), prematuridade (PT), entre
outras, sendo esses diagnósticos os mais recorrentes para indicação de internação, bem como,
circunstâncias que necessitam de acompanhamento multiprofissional específico para os bebês
recém-nascidos (MONTANHAUR et al., 2020; BASEGGIO et al., 2017).
O nascimento prematuro está relacionado às condições que levaram a uma
impossibilidade do útero gerar o bebê até o final da gravidez e/ou à necessidade de um parto
precoce de urgência. Inserido nos preceitos da Organização Mundial da Saúde (OMS), os bebês
que nascem com menos de 37 semanas e com até 2,500 kg são considerados prematuros ou pré-
termo (PT) (TINOCO, 2013; DUARTE et al., 2010; BASEGGIO et al., 2017).
Essa classificação ainda é subdividida em prematuro tardio, cujo RN nasceu com a
idade gestacional entre 34 e 36 semanas e 6 dias; prematuro moderado, com o nascimento entre
28 e menos de 34 semanas; e por último, temos o prematuro extremo, nascido abaixo de 28
semanas (BRASIL, 2016).
Com relação ao peso do nascimento, os RNPT também possuem a seguinte
categorização: baixo peso ao nascer são os RNs com peso menor que 2,500 Kg; muito baixo
peso ao nascer referem-se aos RNs com peso menor que 1,500 Kg; e extremo baixo peso ao
nascer é o RN com o peso de nascimento menor que 1,000 Kg (BRASIL, 2016).
Os recém-nascidos pré-termos (RNPT) demandam atenção e hospitalização após o
nascimento em decorrência do risco de adaptação à vida extrauterina, decorrentes da
imaturidade anátomo-fisiológica e do próprio processo de diagnóstico e da terapêutica
(VASCONCELOS; LEITE; SCOCHI, 2006). O RNPT pode apresentar uma série de
complicações, após o nascimento, e, muitas vezes associado à prematuridade encontra-se o
BPN, acentuando ainda mais os riscos de morbimortalidade infantil (BASEGGIO et al., 2017).
O tempo de internação do RN na unidade neonatal pode se estender por vários meses,
e, no cenário dessa hospitalização prolongada, ocorre mudança súbita na vida da família,
especialmente da genitora que, num curtíssimo espaço de tempo, torna-se acompanhante do
965

filho, sem que esteja preparada para essa mudança, quase sempre permeada por muito
sofrimento (FRELLO; CARRARO, 2012).
Um longo período de permanência hospitalar pode significar prejuízos ao
desenvolvimento do bebê, como também, ocasionar repercussões psicológicas na mãe
acompanhante, em decorrência de diversos fatores, dentre eles, a relação em construção com o
bebê que acaba de nascer, o distanciamento de sua família, e o papel social atribuído à mulher
(VASCONCELOS; LEITE; SCOCHI, 2006; MELO et al, 2016; SILVA et al., 2020).

3.2 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA MULHER ACOMPANHANTE

A descoberta de uma gestação, o seu percurso e o nascimento do bebê são


acontecimentos repletos de fortes sentimentos e emoções. Toda a experiência e construção
social vivenciada pela mulher na sua formação enquanto sujeito são significativos para
determinar como tal acontecimento vai repercutir. As características humanas não estão
presentes desde o nascimento, como também, não são apenas resultados do meio externo. O ser
humano é o resultado das relações entre homem e sociedade, pois “quando o homem transforma
o meio na busca de atender suas necessidades básicas, ele transforma-se a si mesmo”
(VIGOTSKI, 2007).
Uma hospitalização insere o sujeito diante de medos, angústias e estresses, em
decorrência de todos os fatores que estão envolvidos nas causas desta internação, bem como os
sujeitos implicados neste processo. No contexto da saúde perinatal, diante de uma situação de
riscos, é fundamental conhecer quais os recursos, pessoais e institucionais, de que a criança e a
família possuem, compreendendo também como esses recursos impactam no enfrentamento
desta situação, auxiliando, inclusive como possível fator de proteção (BRASIL, 2017).
No cenário materno-infantil, o enfoque da assistência costuma estar centrado nos
aspectos biológicos do ser mãe, tais como o ato de amamentar, a produção do leite e o cuidado
para com o filho. Entretanto, tal prática não prioriza, tampouco valoriza, a singularidade da
mulher que acabara de gestar e parir uma criança (VASCONCELOS; LEITE; SCOCHI, 2006).
À vista disso, o Manual Técnico da Atenção Humanizada ao Recém-Nascido
(BRASIL, 2017), nos faz refletir que
“as mães de RNs hospitalizados apresentam uma necessidade particular de
acolhimento para a sua dor e seu sofrimento e de serem reasseguradas em
966

relação aos cuidados que desempenham frente a seus filhos, os quais


necessitam de internação hospitalar e de cuidados especializados” (p. 117).

Montanhaur et al. (2020), e Silva et al. (2020) nos mostram que a notícia da
necessidade de internação e de cuidados intensivos é um momento marcante, pois além do
nascimento de um bebê de risco, que desperta sentimentos ambíguos na mulher, tanto negativos
como positivos, no cenário intensivo neonatal, os fios e equipamentos necessários para o
tratamento e manutenção da vida dos bebês também despertam sentimentos de angústia e
ansiedade relacionados à fragilidade do bebê e possível perda.
Rolim et al. (2016) nos fazem refletir que o impacto negativo causado pela vivência
da hospitalização pode ser atenuado pela confiança que as mães venham a desenvolver, ao
longo da hospitalização do seu filho, no trabalho da equipe e na permissão pela equipe da
participação dos cuidados do filho. O cuidado ofertado pelos profissionais com a escuta e
identificação de demandas, com divulgação das notícias sobre os bebês de forma
compreensível, e o apoio da equipe aos pais também podem atuar como fatores de facilitação e
enfrentamento das situações adversas decorrentes da internação (MONTANHAUR et al.,
2020).
Em sua pesquisa sobre a vivência de mães de bebês prematuros durante a internação,
Baseggio et al., (2017) observaram semelhança entre os sentimentos descritos pelas mães, como
a culpa por sentirem-se responsáveis pela internação e nascimento prematuro, angústia, medo,
estranhamento com a aparência e incerteza sobre a sobrevivência do bebê.
Vasconcelos, Leite e Scochi (2006) realizaram um estudo com mães acompanhantes
de seus RNs, cuja internação variou de 26 a 83 dias; nesse contexto, foi verificado que a saudade
da família foi um sentimento marcante entre as mulheres que estavam acompanhando os bebês,
principalmente com relação aos familiares mais próximos. Vale salientar que o contexto
familiar e social da mulher que está acompanhando o seu filho é um panorama importante a ser
verificado e problematizado, uma vez que algumas dessas mulheres podem não ter um suporte
familiar ou rede de apoio eficaz. Diante disso, o sentimento de solidão e abandono pode também
ser uma característica presente nesse contexto, em que o foco da assistência é o bebê.
Na construção da sua tese de doutorado, Tinoco (2013) buscou conhecer as
experiências vividas por mães de RNPT e entender as repercussões da prematuridade na
maternidade e na construção do vínculo entre mãe e filho. A autora afirma que, dentre as
participantes, a vivência de acompanhar seus filhos na UTIN “foi acompanhada por diferentes
967

sentimentos, reações e comportamentos” (p. 84). Além disso, sensações nomeadas de


sofrimento, estresse, desgaste, angústia, negação, medo e incertezas aparecem nos relatos das
mães quando se referem às suas percepções diante da experiência na UTIN.
Diante de todo o exposto e pensando em um processo de saúde que inclui, mas
ultrapassa os fatores biológicos, é necessário enxergar as características psicológicas presentes
em todos os contextos de saúde, visando o cuidado integral do sujeito.

3.3 ATIVIDADES TERAPÊUTICAS REALIZADAS NA UTIN

O Manual Técnico do Método Canguru (2017) orienta que devem haver espaços e
atividades que favoreçam a estadia da mulher e mãe no hospital, e que contribuam para uma
melhor ambientação. Atividades ocupacionais, grupos de verbalização, oficinas de trabalhos
manuais facilitadas por profissionais de saúde, são estratégias que favorecem também o
desenvolvimento de identidade de grupo entre as mulheres que estão compartilhando o mesmo
ambiente (BRASIL, 2017).
Tais estratégias são nomeadas neste artigo como atividades terapêuticas, tendo em vista
os seus objetivos e execuções. Sobre isso, Nascimento (1990) afirma que as atividades tornam-
se terapêuticas quando, através da sua realização, cria-se uma relação terapêutica entre o
profissional, os sujeitos participantes, o grupo e a atividade.
A equipe multiprofissional inserida na UTIN pode ser a mediadora do cuidado materno,
fortalecendo a importância da existência de atividades que tenham objetivo terapêutico. Santos
et al (2020) apontam para a necessidade de a equipe estimular as mulheres na participação de
atividades de autocuidado no período da hospitalização, pois, de acordo com os resultados
obtidos no seu estudo, o cuidado multidimensional favorece o enfrentamento desse período de
internação para mãe e para o RN.
Pensando em outros benefícios que as atividades terapêuticas podem gerar, Baltazar
(2010) aponta que, atividades manuais que as mães confeccionam para os seus bebês, podem
auxiliar no fortalecimento do vínculo entre o binômio e o trabalho com a expectativa da alta
hospitalar.
Em pesquisa realizada sobre a rotina da mãe acompanhante, Almeida et al (2018),
perceberam que o dia-a-dia dessas mulheres é permeado de ociosidade. Sendo assim, atividades
968

como musicoterapia, oficinas de artesanatos, dia de beleza, dentre outros, são sugeridos pelos
autores como forma de possibilitar uma hospitalização mais acolhedora e sensível.
Ao refletirmos sobre essas mães acompanhantes, entendemos que estas estão totalmente
distantes de suas vidas fora das paredes do hospital. É inesperada e intensa a vivência de uma
mulher que acompanha seu filho na UTIN, pois são muitas as emoções provocadas durante toda
essa experiência (FONSECA; RESENDE, 2021). Por isso, as atividades realizadas com elas no
período da hospitalização, além de buscar atingir efeito terapêutico, tem por objetivo promover
um ambiente seguro e facilitador de cuidados. A mãe que cuida, que amamenta e que se coloca
disponível aos cuidados com seu RN, também necessita de assistência integral e humana à sua
saúde.
A equipe de Psicologia do hospital, cenário deste relato, é composta por três
profissionais da Psicologia Hospitalar. Além disso, por ser vinculado a uma instituição de
ensino superior federal, recebe anualmente psicólogos integrantes do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde Materno-Infantil, uma pós-graduação Lato Sensu, cuja duração é
de 2 anos.
As atividades terapêuticas elaboradas pela equipe de Psicologia do hospital, para as
mães acompanhantes são construídas pelos profissionais, que se propõem a alcançar uma
variedade possível de recursos, atingindo a linguagem escrita, a linguagem verbal, estimulam
habilidades manuais, possibilitam a expressão do subjetivo, procuram promover relaxamento,
e celebração de datas comemorativas.
Tais atividades são variadas, indo de recursos pré-construídos, como caça-palavras e
desenhos para colorir; passando por alguns itens lúdicos como bingos, exposição de filmes e
musicoterapia; até atividades que promovam a expressão da linguagem e subjetividades das
usuárias, como as atividades manuais de produção, o Livrinho das emoções, e a Carta para meu
bebê.
No que se refere à promoção do autocuidado, já apontada pela literatura como um
facilitador de impacto da hospitalização, é promovido para as mulheres o acesso a objetos de
autocuidado, como esmaltes, lixas de unha e acetona, a fim de fortalecer a autoestima e
identidade dessas mães, que se encontram em uma internação prolongada com seus filhos.
Importante salientar que as atividades planejadas para as mães dependem da rotina da
UTIN. Para que estas ocorram, é importante observar quais as demandas do dia em que a
atividade será realizada, e principalmente, levar em consideração as intercorrências que podem
969

aparecer nesse contexto. É importante que a equipe esteja atenta às repercussões de uma
atividade não realizada, ou até mesmo nos impactos que determinada intercorrência pode gerar
no grupo de mães. A equipe da UTIN precisa está afinada com o cuidado humanizado, a escuta
e o acolhimento dessas mulheres (ZANFOLIM et al, 2018).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O nascimento de um bebê prematuro e/ou baixo peso não raro está associado a um
período de longa hospitalização. Dessa forma, faz-se necessário a presença de uma figura
responsável por acompanhar o bebê nesse período. Frequentemente essa figura é a mãe, que em
razão da condição de saúde do filho, acaba se afastando de suas atividades, família e rotina para
se dedicar a esse momento.
Ainda que na literatura atual e na política de humanização dos cuidados ao bebê
prematuro e/ou baixo peso fique clara a importância de espaços e atividades que favoreçam a
estadia da mulher e mãe no hospital, é possível observar, a partir do levantamento bibliográfico
construído, a escassez de material que discuta a respeito de atividades que envolvam e
promovam cuidado à mãe acompanhante de um bebê que vivencia longa hospitalização.
Compreende-se que por vezes a tensão do ambiente, a rotina e a sobrecarga de trabalho
em muitas instituições podem dificultar a promoção de momentos como os que foram
discutidos no decorrer do presente trabalho. No entanto, se faz necessário e urgente identificar
espaços de reflexão e momentos de delineamento de estratégias entre as equipes. Com a
finalidade de que seja possível realizar intervenções que ampliem o cuidado ao recém-nascido
prematuro e/ou baixo peso, envolvendo seus familiares e mais especificamente as mães
acompanhantes, na tentativa de minimizar as possíveis consequências emocionais da
hospitalização a essas mulheres, fortalecendo também, o vínculo entre o binômio e promovendo
ambiente seguro durante o período da internação.

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pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a
utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis
ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana, na forma
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973

HUMANIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO A PARTIR DE PAULO FREIRE: um relato de


experiência1

Silvia Lara Araújo2


Georgia Janine Oliveira Rosado Alves 3
Flávia Kamila Reinaldo Silva4
Ana Laura Câmara Marques5

RESUMO

Este artigo é um estudo sobre a humanização no ato de educar, segundo as considerações de


Paulo Freire, mais conhecido como um dos maiores educadores do século XX, pedagogo,
filósofo, escritor,“cidadão do mundo”. Além disso, o objetivo é relatar a importância do olhar
sensível sobre a competência docente na perspectiva freiriana por alguns fundamentos
significativos em sua obra: educação, liberdade, humanização e amor. Com uma metodologia
de base bibliográfica, qualitativa, explicativa e analítica, sob o respaldo de Gadotti (2003),
Vasconcellos (2007) e Zitkosky (2006), retratando um pensamento de que a educação deve
estar ligada diretamente ao sujeito, com sua competência de humanizar o mundo, levando o
educar como algo livre, simples e meditativo, tendo em vista que o indivíduo na consciência
de sua construção individual tem a necessidade de elaborar suas vivencias em sociedade, capaz
de despertar seu “eu” interior transformando uma educação maishumanizada.
Palavras-chave: Psicologia. Educação. Humanização

ABSTRACT

This article is a man educated in a humanitarian way, following the consideration of Paulo
Freire, who knows how to train XX teachers, pedagogue, philosopher, writer, "citizen of the
world". In addition, or objective is related to the importance of the sensitive look on the
competence of the Freiriana teacher by some fundamental perspectives in his work: education,
freedom, human and love.With a methodology of bibliography, qualitative, explanatory and
analytical, supported by Gadotti (2003), Vasconcellos (2007) and Zitkosky (2006), retracting a
thought that an education should be directly linked to the subject, with its competence to
humanize the world, taking its simple and educating as something free, considering that the
individual, in the consciousness of his individual construction, has the need to elaborate his

1
Artigo Científico apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura), como requisito
necessário para obtenção do título de Licenciada em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do
Norte, dezembro, 2021
2
Graduanda do curso de licenciatura em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – 2021
E-mail: lara.maia1@hotmail.com
3
Graduanda do curso de licenciatura em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – 2021 E-
mail:georgiajrosado@gmail.com
4
Graduanda do curso de licenciatura em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – 2021 E-
mail: flaviakamila14@hotmail.com
5
Professora Especialista da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – E-mail:
ana.marques@professor.catolicadorn.com.br
974

experiences in society, capable of awakening an inner "I" transforming a more humanized


education
Keywords: Psychology. Education. Humanization

INTRODUÇÃO

Quando discutimos os processos individuais do sujeito como “homem-mundo”, os


fatores sociais podem contribuir para apontar a forma como a sociedade trata as questões que
estãorelacionadas a esse sujeito. Uma dessas questões é a educação, que, pode-se intuir, nos
dias atuais, é utilizada como um meio de fazer o homem se tornar mecanicista, retirando sua
capacidade de pensar e agregar valores emocionais e sociais para o meio externo com
naturalidade, no que se difere do seu‘eu’ interior.
No contexto histórico da educação e ainda nos dias atuais, algumas escolas priorizaram
e priorizam apenas os conteúdos formais, conduzindo os seus alunos aos saberes puramente
científicos, avaliando-os e assim classificando-os de acordo com as metas estabelecidas
previamente, pelo professor, pelas instituições de ensino ou políticas educacionais (LÓPEZ,
2004). Mas essa homogeneidade nas metas estabelecidas se contrapõe com a inclusão escolar,
pois se sugestiona umaescola acolhedora, na qual sejam possíveis o acesso, a estabilidade e o
desenvolvimento pleno de todoe qualquer discente que nela esteja inserido.
Diante disso, o interesse pelo assunto despertou-se a partir da necessidade em
argumentar e contribuir para uma melhor compreensão do que se refere da Educação, com o
intuito de destacar queno contexto educacional brasileiro a educação é aplicada de maneira
padronizada e que essa é uma realidade atual, por esse motivo, essa pesquisa se justifica pelo
interesse em abordar a problemática da busca por uma educação humanizada nos processos
de ensino aprendizagem da escola, segundo às perspectivas de Freire.
Paulo Freire (1921-1997), sendo referência em educação, contribuiu em distintos
contextos culturais e áreas do conhecimento, sendo destaque em inúmeras publicações
concretizadas por estudiosos e interpretes do seu legado, é denominado como um dos maiores
educadores do século XX.
Outrossim, o seu legado ficou marcado por criticar a educação bancária que define o
discentecomo algo vazio que deve ser inteirado de conhecimento. Essa educação ainda entende
que professordeve deter todo o saber, incondicional e inerte, sem qualquer questionamento.
Ademais, o educandoprecisa ser ajustado a sociedade hodierna, estimulando a criticidade,
criatividade, dúvidas, curiosidade e autonomia. A partir de Paulo Freire a sociedade passou a
975

criticar esse métodotradicional de educação.


Nesse sentido, nesse estudo foi abordada, primeiramente a trajetória de vida de Paulo
Freire,pontuando sua habilidade como educador, escritor e por isso, nessa pesquisa destaca
pensamentos, angustias e inquietações da autora, quando se fala sobre educação, pois Freire
acreditava verdadeiramente numa Educação inclusiva e humanizada, levantando a
importância de refletir sobre uma educação capaz de reconhecer o meio social do aluno,
atuando a partir da sua realidade.
Isto posto, o objetivo dessa pesquisa é refletir juntamente com as ideias de Freire, no
que se trata da Educação, sobre a ação docente no processo de ensino e de aprendizagem,
favorecendo um lugar para a releitura sobre o papel social da escola, a formação docente, a
proposta pedagógica e as avaliações, tendo como representativo os previstos teóricos do
educador Paulo Freire.
A expectativa é refletir sobre a existência da escola na sociedade, compreendendo o
afastamento da ascensão do sujeito. O que evidentemente precisa de um educador que tenha
consciência do próprio homem, entendendo que a formação docente é importante para uma
escola de qualidade. Além disso, precisa-se de professores capacitados para ministrar seu
trabalho em ação coletiva com os educandos, valorizando seu estar no mundo e o seu fazer,
fazendo-se.
Essa pesquisa busca salientar a importância de uma escola que claramente seja capaz
de estarpreparada para o ensino e a aprendizagem, que de fato se efetivem, em que a proposta
pedagógica
esteja baseada em uma pedagogia critica, capaz de desafiar o educando a pensar na
realidade social que vive e que o educador seja como nas palavras de Paulo Freire: “A
professora progressista ensinaos conteúdos de uma disciplina com rigor e com rigor cobra a
produção dos educandos, mas não esconde sua opção política na neutralidade impossível de
seu que- fazer” (FREIRE, 2000, p.44)
Muitos trabalhos publicados sobre a bibliografia de Paulo Freire, traz uma visão
necessária da importância de transformação no que se diz sobre Educação e mais
Humanização, também faz a discursão da necessidade de se pensar sobre homem-mundo,
observando amplamente com o intuito de perceber o ser humano.
O método discutido por Freire é sobre a relação professor e aluno como ferramenta
importante para um aprendizado. A motivação do aluno é desafiada pelo desempenho no
976

diálogo e pelo desejo das palavras, assim, o interesse surgido pelo o assunto proporciona uma
alfabetização rápida e significativa. Para ele é necessário priorizar o igualitarismo entre
professor e aluno e seus princípioshumanistas que contribuem para a libertação que não retrata
somente dos desfavorecidos, mas da escola em si que existem normas ligadas aos interesses
que estão contra o controle da parte externa.
Por fim, a escola deveria ser um processo de ensino com o foco na aprendizagem e o
saber seriam construídos a partir do amor e da mente, mas na verdade, a maioria continua
visando apenas conteúdos e sem nenhuma preocupação com o ser humano, com o olhar mais
humanizado dentro da educação.

DESENVOLVIMENTO

Paulo Reglus Neves Freire, nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 19 de setembro de


1921, filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar e de Edeltrudes Neves
Freire, dona decasa. Morou na cidade do Recife até 1931, mas foi no município vizinho de
Jaboatão dos Guararapesque ele permaneceu durante dez anos.
No ano de 1941 passou a ministrar aulas de português no Colégio Osvaldo Cruz, como
também passou a dar aulas particulares para quem tinha dificuldade com a língua portuguesa.
Posteriormente, foi admitido no Setor de Educação e Cultura do Serviço Social da Indústria
(Sesi), onde, segundo Arelaro e Cabral (2019 p.269), “teve contato com trabalhadores de baixa
ou nenhumaescolaridade que frequentavam as escolas do Sesi, e começou a se dedicar, de
forma sistemática, às teorias da educação de jovens e adultos.”
Além disso, Paulo Freire (1921-1997) foi um educador brasileiro, criador do método
inovadorno ensino da alfabetização, para adultos, trabalhando com palavras geradas a partir
da realidade dos alunos. O escritor, como afirmara em dedicatória na obra Pedagogia do
Oprimido, tributou sua vida aos "Esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles sofrem,mas, sobretudo, com eles lutam" (FREIRE, 1983a, p. 17).

Freire teve uma grande importância no campo da educação crítica, defendendo um


tipo de educação que valorizasse o conhecimento das pessoas mais pobres, menos
escolarizadas e com menor acesso a bens e serviços. Ao mesmo tempo, defendia que
esse saber fosse expandido para que permitisse ao educando não só conhecer o mundo,
mas transformá-lo. Por conta dessas defesas, sempre teve aliados e adversários.
(ARELARO E CABRAL,2019, p 268).
977

Freire, ficou conhecido como um dos maiores educadores do século XX assim com
sua, “[...]valiosa contribuição pedagógica [...] iluminando a necessidade de desenvolver uma
‘pedagogia ética’e ‘utópica’, na perspectiva da superação de situações limitadoras” (ECCO,
2010, p. 79). Enfatizava que além do aluno aprender pela docência, era necessário um
aprendizado humanizador. Uma mensagem deixada por um prisioneiro de campo de
concentração nazista, também, registrada por Gadotti, suplica aos professores que “[...]
ajudem seus alunos a tornarem-se humanos. [...] Ler, escrever e aritmética só são importantes
para fazer nossas crianças mais humanas” (GADOTTI, 2003,p.13).
Considerando os apontamentos registrados anteriormente, reafirmamos que “[...] cabe,
também, à educação a responsabilidade de abrir as portas da mente e do coração e de apontar
horizontes de construção partilhada de sociedades humanas mais humanizadas” (BRANDÃO,
2002,
p. 22) Com isso, Paulo Freire aponta para a educação humanizadora, pois como afirma
Gadotti (1997,
p. 07): “Paulo nos encantou com sua ternura [...]. Suas palavras e ações foram palavras
e ações de luta por um mundo menos feio, menos malvado, menos desumano.”
A educação e a Humanização que Paulo Freire tem como objetivo transformar o sujeito
em seres humanos, sabendo que educar-se é um imperativo ontológico, pois pertence à sua
própria natureza e se empenha em concretizar a potencialidade e a possibilidade, que lhe é
peculiar, do vir aser humano, uma vez que nasce incompleto. Assim, o educar e seus processos
são condições para a hominização6, pois ao nascer, o ser humano, não passa de um projeto.

A CONCEPÇÃO DE ESCOLA PARA FREIRE

Paulo expressa a importância da escola e seus educadores, trazer mudanças


significativas parauma sociedade justa, mas o autor também expressa que a escola precisa
estar consciente de seu potencial, de suas propostas pedagógicas exemplares, de sua
organização e da forma de avaliar o processo de ensino e de aprendizagem, com o
compromisso e a capacidade de agir e refletir sobre a realidade atual.
A escola deve ser um ambiente de trabalho, de ensino e de aprendizagem, um lugar
que o vínculo permita estar evoluindo constantemente, pois a escola é um espaço privilegiado
para refletir. Freire sempre acreditou na capacidade criativa dos homens e das mulheres,
978

pensando assim, apresentou a escola como iminência da sociedade. Reconhecendo o dever que
tem o educandário parahomens e mulheres sabendo que esta não é a única responsável pelas
transformações da sociedade, pois são estabelecidas para a prevenção das estruturas sociais e
econômicas dominantes, que impedema própria mudança.
Assim, Paulo Freire apresenta para a escola o princípio da relação entre professor e
aluno, quemuitas vezes é envolvida pelo autoritarismo além da ausência do diálogo. A partir
de Paulo Freire compreende-se a importância a de uma aprendizagem que aconteça através do
diálogo entre alunos, pais e professores, modificando a vida escolar, ao transforma-la em um
assunto de todos osenvolvidos nesta rede.
Citado por Moacir Gadotti (1991, p. 84), é nesse sentido que Paulo Freire é enfático ao
afirmar que “a transformação da educação não pode antecipar-se à transformação da
sociedade, mas esta transformação necessita da educação”. Esse pensar expressa um desejo
de uma pratica pedagógica, não somente ao ponto da escola, mas da comunidade e da inclusão
desse sujeito, assim, a valorizaçãoda vivencia cotidiana como forma de mudança na medida
em que se torna digno de debater sobre asnecessidades das próprias culturas existentes.
Dessa forma a educação é vista como ferramenta a serviço da democratização,
contribuindo com as experiencias comunitárias dos grupos sociais e através da comunicação
para formar pessoas participativas. A reforma da educação, junto com a sociedade, é parte do
mesmo processo, nesse caminho, Freire enfatiza o educador que ao refletir o homem, a
sociedade e seus laços, atentou-se emdiscutir a educação brasileira e pensar formas de torna-
la melhor diante da participação de todos, na visão de uma educação libertadora com a força
do educando poder se tornar sujeito de seu próprio desenvolvimento.

HUMANISMO

O Humanismo diferencia-se nas atitudes do homem como responsável do mundo no


que se revela os sentidos da vida social, religiosa, política e todos os assuntos que faz sentido
com a sua realidade.
O olhar de Paulo Freire fala sobre a preocupação com a existência do ser humano no
mundo,um dos motivos de sua visão sobre a educação é a questão da humanização. Freire,
defende um humanismo puro e através do amor, que está ligado a história cultural de um
sujeito, ou seja, a perspectiva do ser humano para ser mais, e está relacionada exatamente no
tempo e espaço para constituir permanentemente a sua humanização.
979

O ser humano, para Freire é um ser inacabado e, consciente disso, aspira “Ser Mais”.
E por ser inconcluso, busca seu aprimoramento através da educação, pois “Educar é
substancialmente formar” (FREIRE, 1996, p. 32), considerando o inacabado como condição
ontológica dos humanos, bem como a questão antropológica freiriana, compreende-se que: a
concepção antropológica de Freire é marcada pela ideia de que o ser humano é um ser
inacabado; não é uma realidade pronta, estática, fechada. Somos um ser por fazer-se; um ser
no mundo e com os outros envolvidos num processo contínuo de desenvolvimento intelectual,
moral, afetivo. Somos seres insatisfeitos com o que já conquistamos (TROMBETTA, 2008,
p. 228).

Na verdade, diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não
são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua
inconclusão. Assim encontram as raízes da educação mesmo, como manifestação
exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que
dela têm (FREIRE, 2005, p. 83-84).

Assim sendo, para o autor, humanismo é representado por um proposito dos seres
humanos com a sua própria humanidade, caminhando por um sentir mais real. Ao notar-se um
ser no mundo eviver coletivamente, é importante para a conscientização de que o processo só
fará sentido se o papeltransformador a ser dirigido por homens e mulheres for com o intuito
de realizar seus sonhos e desejos.
Ademais, a humanização se faz perante o contexto de realidade de cada pessoa, esse
processoé algo permanente e inacabado tendo consciência da naturalidade da incompletude
humana. Por fim,esse pensamento quer apontar uma transformação de uma realidade, a ideia
é que não exista classe privilegiada querendo adestrar uma outra, mas que com uma mudança
de pensamento poderá abriruma nova forma do que se diz sobre Inclusão e humanização.

O HOMEM NA CONCEPÇÃO BANCÁRIA X EDUCAÇÃO

Se, para uns, o homem é um ser da adaptação ao mundo (tomando-se o mundo não
apenas em sentido natural, mas estrutural, histórico-cultural), sua ação educativa, seus
métodos, seusobjetivos, adequar-se-ão a essa concepção. Se, para outros, o homem é
um ser de transformação do mundo, seu quefazer educativo segue um outro caminho.
Se o encararmos como uma “coisa”, nossa ação educativa se processa em termos
mecanicistas, do que resulta uma cada vez maior domesticação do homem. Se o
encararmos como pessoa, nosso quefazer será cada vez mais libertador (FREIRE,
1967, p. 124).

Essa falsa concepção evita essa inquietação, freia a impaciência, mistifica a realidade
980

e tudo isso a fim de adaptar o homem. A compreensão crítica de Freire, (1967) sobre a inserção
do homemé denominada como “classificação da realidade”, assim, entende que tudo isso é
uma tarefa demoníaca, absurda, que a concepção bancária não pode suportar. Concluindo a
interpretação dos educandos como sendo inquietos, criadores e refratários a coisificação, eles
são vistos por essa concepção desumanizante como inadaptados, desajustados ou rebeldes.
A educação para Freire, segundo afirma Zitkoski (2006, p. 28), “deve ser trabalhada
intencionalmente para humanizar o mundo por meio de uma formação cultural e da práxis
transformadora de todos os cidadãos sujeitos da sua história”. Educar é uma relação interativa
entre pessoas, isto é, sujeito-sujeito na perspectiva de “ler” e transformar realidades. “A
educação é um atode amor, por isso um ato de coragem. Não pode temer o debate” (FREIRE,
1983b, p. 104), logo, umarelação sujeito-mundo.

A CONCEPÇÃO HUMANISTA E LIBERTADORA DA EDUCAÇÃO

Freire acreditava na realidade permanentemente mutável, não somente respeita a


vocação ontológica do homem de ser mais, como se encaminha para esse objetivo, estimulando
a criatividadehumana.
Na busca da melhor compreensão da atividade educativa, foi constatado que, além de
desejo e de consciência, somos seres de liberdade, de escolha. Este é um fato de que nem
sempre nos damosconta: escolhemos sempre, com maior ou menor consciência, com maior
ou menor margem de opções. Não há neutralidade, uma vez que há um movimento dado no
real que exige a cada momentonosso posicionamento, levando em consideração o não negar
esse sujeito, não se deve desrespeitar seus posicionamentos, mas sim, compreender a busca e
deixa-lo aproximar-se de uma verdadeira autonomia, ou seja, agregar o conhecimento.

Você, eu, um sem-número de educadores sabemos todos que a educação não é a chave
das transformações do mundo, mas sabemos também que as mudanças do mundo são
um quefazer educativo em si mesmas. Sabemos que a educação não pode tudo, mas
pode algumacoisa. Sua força reside exatamente na sua fraqueza. Cabe a nós pôr sua
força a serviço de nossos sonhos. (FREIRE, 1991, p. 126)

Freire (1986), a concepção segundo a qual o quefazer educativo é um ato de


transmissão ou de extensão sistemática de um saber. “A educação, pelo contrário, em lugar de
ser esta transferência do saber - que o torna quase “morto” -, é uma situação gnosiológica em
seu sentido mais amplo.” (FREIRE, 1986 p.68).
981

Toda situação educativa mesmo quando nos referimos à aprendizagem de


procedimentos e valores, não são apenas formadas de conceitos, por implicar atos de
consciência, envolve o conhecimento:
Diante disso, é importante salientar que em todos os tempos, recebemos uma prática
educativasem conteúdo, quer dizer, sem objeto de conhecimento a ser ensinado pelo educador
e apreendido, para poder ser aprendido pelo educando. “E isto precisamente porque a prática
educativa é naturalmente gnosiológica.” (FREIRE, 1991, p.45) Diante disso, “a liberdade, que
é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só
existe no ato responsávelde quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário,
luta por ela precisamente porquenão a tem.” (FREIRE, 1981, p 35)
A liberdade é um dos maiores anseios do ser humano, e por isso não tem o menor
sentido pensar o ser humano desvinculado da ideia e da prática da liberdade.
Contraditoriamente, há o medoda liberdade (a que Freire faz referência logo nas Primeiras
Palavras da Pedagogia do Oprimido quando diz: “porque pode haver alienação, e a grande
negação da liberdade. Com isso, é importante frisar a autonomia na educação, mostrando a
liberdade como uma opção de o sujeito formar sua identidade (FREIRE, 1981, p 1).

A POSTURA DE EDUCAR COM O INTUITO DE HUMANIZAR ESSA EDUCAÇÃO

Nas palavras de Paulo Freire (2004, p 329), ele “gostaria de ser lembrado como um
sujeito que amou profundamente o mundo e as pessoas, os bichos, as árvores, as águas, a vida”,
diante disso,o educador compreendia que o amor está no interior do ser, bem como na sua
essência, essa compreensão carrega profundas raízes para a educação, principalmente para
quem luta pela inclusão,defende e assume a humanização como a grande tarefa da escola.
McLaren (2001, p. 194), comentando a presença desta característica na obra de Freire,
afirma:“O que distingue Freire da maioria dos outros educadores de esquerda nestes tempos
de razão cínicaé a sua insistência, sem a mínima vergonha de fazê-lo, na importância do poder
do amor”.
Além disso, Paulo em sua trajetória desfoca sobre os conteúdos para centrar-se nos
sujeitosque estão inseridos na ação educativa. Ao se preocupar com o processo educacional,
registra na sua obra Pedagogia do Oprimido (1983), que a educação deve partir dos níveis e
das compreensões dos educandos e não a partir das interpretações do educador, considerando
982

qualquer realidade a ser conhecida. Com isso, Freire (1983) exibiu um dos problemas
encontrados na educação formal, como já trabalhado nessa pesquisa, é a inexperiência do
exercício democrático e a centralização no verbalismo, nos programas. Portanto, para superar
as limitações da Educação Bancária, a solução seria o desfoco dos programas, dos conteúdos
inertes e centra-se nos seres humanos envolvidos na ação educativa, nos processos de
aprendizagens. Contudo Freire (1983) reafirma-se a defesa e a vivência de procedimentos
interativos no ato educativo, notório na teoria freireana.
Para Paulo Freire, educar sempre será uma relação de gente com gente, de adultos com
crianças, conforme expressa Arroio (2001):

[...] Para Paulo Freire, o caráter renovador da educação está no caráter intrinsicamente
renovado de toda a relação humana, entre humanos. Formamo-nos no diálogo, na
interação com outros humanos, não nos formamos na relação com o conhecimento.
Este pode ser mediador dessa relação como pode também suplantar essa relação
(ARROYO, 2001, p. 47).

Desse modo, a forma de educação é baseada na relação, na interação, no convívio com


outros seres humanos. E é nesse processo que aprendemos a ser gente, porque convivemos com
gente FREIRE,1983). O mesmo autor ainda afirma que educar é “construir gente”, humanizar
os humanosna luta em denunciar e superar os elementos desumanizadores. Certamente pensar,
refletir a respeitoda educação, consiste em mentalizar, refletir o ser humano. E nesta ideia está
inserida a concepção de educar que, em síntese, é, também, promover, nos sujeitos, a
capacidade de interpretação dos diferentes contextos em que estão inseridos, bem como,
qualificá-los e “instrumentalizá-los” para a ação, nesses contextos, objetivando superações,
transformações. Para frisar sobre uma educaçãohumanizadora, que conscientize, promova
transformações e liberte, observa-se que:

Paulo Freire parte dos educandos. Não se firmou como educador pelas análises
sociológicas ou antropológicas, políticas ou econômicas que nos legou, mas pela sua
sensibilidade afinada, pedagógica para com os processos de poder ou não poder sermos
humanos nessa realidade, por vezes tão desumana (ARROYO, 2010a, p. 48).

Neste cenário, é fundamental haver um olhar compreensivo sobre a atividade do


professor para que esse não acabe desempenhando o papel de ser um simples tomador de conta
de aluno ou umpiloto de livro didático ou de apostila padronizada então, transmitindo apenas o
que está impresso, sem levar em consideração a realidade do aluno. Diante disso, muitas
instituições formadoras passamuma visão reducionista da atividade docente, de maneira que o
983

professor recém-formado se considera um “especialista”, não sendo raro encontrarmos uma


postura até arrogante, quando em alguns casos sequer há o domínio dos conteúdos básicos a
serem ministrados em sala). Nesse sentido, a formação docente se dar por parte de:

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às quatro a tarde. Ninguém
nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se
forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.
(FREIRE, 1991, p. 58)

Pela postura de professor entendemos aquele sujeito que está inserido no processo de
humanização, que faz a educação por meio do ensino, que está implicado na tarefa de propiciar
a apropriação crítica, criativa, duradoura e significativa da herança cultural como mediação
para a construção da consciência, do caráter e da cidadania plena de cada um e de todos, então,
certamente,estamos diante de uma das atividades mais complexas do ser humano, que exige
uma competência muito maior.
No processo de aprendizagem a interação social junto com a mediação do sujeito tem
total importância, já na escola há um dever que haja a interação entre professor-aluno, pois
não existiria uma outra forma de aprender sem essa conexão para que ocorra o sucesso no
caminho do ensino aprendizagem Por fim, compreende-se a existência de tantos trabalhos e
pesquisas na área da educação pelos assuntos, os quais buscam destacar a interação social e o
papel do professor mediador, como caminhos básicos para qualquer prática educativa
competente. Com as obras de Paulo Freire, observa-se vários pensamentos sobre esse tema e
um forte reconhecimento do diálogo como um marcante instrumento na constituição dos
sujeitos. No entanto, Freire defende a ideia de que só é possível uma prática educativa
dialógica por parte dos educadores.

[...], o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se


solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado
e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro,
nem tampouco tornar-se simples troca de ideias a serem consumidas pelos
permutastes. (FREIRE, 2005, p. 91).

Assim, quanto mais o professor conscientizar-se da necessidade do diálogo em suas


posturas dentro de suas aulas, grandes passos estarão sendo conquistado, inclusive o vínculo
com os alunos e por isso, se sentirão mais curiosos e mobilizados para transformarem a
realidade. Quando o professor anda por esse caminho, ele não é visto como um mero
transmissor de conhecimentos, mas como um mediador, alguém capaz de articular as
experiências dos alunos com o mundo, promovendo o caminho de refletir sobre seu processo,
984

assumindo um papel mais humanizador em sua prática docente.


Aescola é tida como um dos lugares essencialmente propícios, e talvez único, capaz
de propor o desenvolvimento intelectual e culturalmente do sujeito dentro de uma sociedade,
apesar disso, as relações estabelecidas no contexto escolar entre alunos e professores têm
intimado bastante atenção e preocupação por parte daqueles que constituem a escola como
espaço de construção e reconstruçãosobre o conhecimento.
Por esse caminho, entende-se que uma das tarefas das equipes pedagógicas de qualquer
escola, é a criação de estratégias e atividades significativas com o intuito de promover uma
formaçãocontinuada, a qual possibilite uma relação pedagógica significativa e responsável
entre professores e alunos, garantindo a naturalidade do processo ensino aprendizagem. É
indispensável não relatar a importância significativa da afetividade, tem como essência um
dos fatores preponderantes no processo de relacionamento do adolescente consigo mesmo e
com os outros, assim, isso ocorre a partir de um caráter cognitivo já estabelecido, ou seja, ele
consegue gerar uma exigência racional nasrelações afetivas.
Para Galvão (1995), o desenvolvimento do adolescente é marcado por muitos
conflitos, que são próprios do ser humano, alguns são importantes para o crescimento, outros
provocam muito desgaste e transtornos emocionais, a escola precisa adotar um ambiente mais
motivacional e afetivo que possibilite a esse adolescente sentir-se nesse processo, por isso a
mediação do professor é uma contribuição que irá ajudar o aluno no ensino e dar sentido ao
seu existir e ao seu pensar. É significativo que se ressalte que, quando se fala em proporcionar
uma relação professor-aluno baseada no afeto, e não confunde-se aqui afeto com
permissividade, pelo contrário, a ação do professor deve estabelecer limites e possibilidades
aos alunos, fazendo com que estes percebam o professor como alguém que, além de lhe
transmitir conhecimentos e preocupa-se com a apropriação dos mesmos, responsabilizando-
se com a ação que realiza, percebendo o aluno como um ser importante, dotado de ideias,
sentimentos, emoções e expressões.
Para finalizar e contribuir com as reflexões sobre a importância da afetividade na escola,
Freiredestaca:

Como prática estritamente humana jamais pude entender a educação como


experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos
devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Nem tampouco
jamais compreendi a prática educativa como uma experiência a que faltasse rigor em
que se gera a necessária disciplina intelectual (FREIRE, 1996, p. 146).
985

Esse pensamento sustenta a ideia de que quando buscamos aprofundar nossos


conhecimentossobre a importância da afetividade na escola, estamos, na verdade, procurando
compreender os sujeitos, quanto os assuntos educativos.

5 HUMANIZAR PARA EDUCAR: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA A PARTIR DE


PAULOFREIRE

Tal relato de experiência se concentra em analisar e discutir as aulas ministradas de um


estágiosupervisionado em Licenciatura, realizado em uma escola, que fica localizada na
cidade deMossoró/RN. A prática se concentrou em uma estagiária, 4 encontros no ensino
fundamental, foirealizada utilizando premissas ligadas à importância de educar e de conhecer
os alunos para entender suas necessidades e demandas. Também, diante dos conceitos
elencados no decorrer desse estudo, a educação humanizada e direcionada para a ação
humana foram processos entendidos comofundamentais na preparação e planejamento das
aulas e das atividades desenvolvidas em sala de aula.Outrossim, tudo que foi objeto de estudo
e aprendizado durante o curso de Psicologia dessa pesquisadora também foi utilizado como
referência para a prática em si. Desse modo, a partir da descrição de algumas aulas,
atividades e avaliações, por meio desse relato de experiência, serãoanalisados os processos
ligados à produção desse estudo na prática, e o que pode ser apreendido detudo isso. Ainda,
algumas imagens podem ajudar a conceber o estágio supervisionado como uma prática
concreta que acrescentou em muito para essa pesquisa e para a pesquisadora.
O planejamento das aulas focou em aspectos essenciais voltados para o conhecimento
de si e do mundo dos alunos, assim como das vivências sociais experenciadas por eles e
trazidas para a escola, que foi discutida nesse estudo a partir das concepções de Paulo Freire.
Essa preparação foi realizada a partir da leitura, pesquisa e entendimento acerca do significado
do estágio, assim como das metodologias que pudessem ajudar na prática e no ambiente de
ensino.
De acordo com Soares (2020), todos os processos de mudanças pelos quais a sociedade
atualvem passando são contribuintes para que as mudanças que também vêm transformando
o sistema de ensino e a educação como um todo. Isso faz com que os professores também
passem a precisar se adequar a essas mudanças, exigindo deles “[...] autonomia, trabalho
coletivo, capacidade de interagir com os alunos, produzir conhecimentos sistematizados e
986

formar cidadãos críticos, criativos, participativos, dentre outros” constituintes.


Todos esses parâmetros devem ser observados especialmente em sala de aula, onde a
prática educacional acontece de verdade. E, por isso, as aulas devem ser pensadas para, além
de inserir tais paradigmas, voltarem-se para a humanização nos processos de ensino
aprendizagem, já que, como preconizou, Delizoicov e Silva (2020) em seus pressupostos
teóricos, o ser humano ainda enfrenta barreiras na questão de vivenciar a verdadeira
experiência humanizadora, e a educação deve incluir esse fator como um dos mais necessários,
especialmente no que se refere à educação dialógico- problematizadora.
É mister acrescentar também, que, mesmo diante da importância da sala de aula, já
destacada,todos os espaços que constituem a educação devem ser incluídos nessa educação
dialógico- problematizadora, que se baseia especialmente nas concepções humanizadoras de
Freire. Por isso, a prática realizada buscou conhecer e envolver todos os ambientes e equipes
que constituíam a escola,como a coordenação, o corpo docente, o corpo de funcionários, que,
juntos, fazem o processo educacional acontecer. Dito isso, a partir desse ponto, iniciar-se-á o
relato de experiência voltado parauma análise acerca da humanização pautada em Paulo Freire.
32
O primeiro contato com a coordenadora da escola foi através do celular, onde foi
marcado brevemente um encontro para inicialmente haver uma conversa sobre como se daria
a prática em salade aula.
Já na primeira aula ministrada, a pesquisadora se apresentou e ouviu cada aluno se
apresentar,apesar de que, quando da chegada, o barulho e a inquietação fizeram com que tal
abordagem inicial fosse mais complicada. Contudo, após todos se apresentarem, deu-se início
a uma aula sobre ‘inclusãosocial’. Tal conteúdo despertou completamente a atenção dos
alunos, de maneira que houve uma interação imensa entre todos, quando a professora, essa
pesquisadora, buscou as opiniões dos alunosacerca do tema, assim como deu bastante atenção
aos diversos questionamentos que surgiram.
O que se percebeu, a partir dessa participação, era que o tema de ‘inclusão social’ era
relativamente novo para eles. Apesar de ser algo que constantemente está em pauta na vivência
do dia a dia, intui-se que pouco se sabe a respeito do verdadeiro conceito de inclusão social,
algo tão importante de ser discutido.
Segundo Bessa (2019), inclusão social pode ser concebida a partir de uma gama de
critériospensados para inserir aqueles indivíduos excluídos dos processos sociais dentro deles.
987

Essa exclusão pode surgir através de inúmeros fatores, como algum tipo de deficiência, a
orientação sexual, cor da pele, gênero, entre outros, que leva sujeitos e sujeitas que se incluam
nesses fatores a serem excluídosda sociedade. A inclusão social serve, assim, para despertar
debates para que esses cidadãos e cidadãs excluídos pela ignorância social tenham mais
oportunidades em todas as áreas sociais.
Tal discussão, então, despertou os alunos e alunas para refletirem acerca da
importância da inclusão social, fazendo com que alguns ainda abrissem espaço para dar
exemplos, partilharem experiências e complementarem afirmações em sala de aula. Dito isso,
essa aula foi pensadajustamente para que esse debate permitisse a participação de todos e de
todas, fazendo com que os alunos trouxessem para a sala de aula suas vivências e partilhas.
Partindo da perspectiva freiriana de ensino e da educação problematizadora e
humanizada, é relevante citar Soares (2020) novamente quando essa autora aponta que a
formação de professores deve se voltar justamente para que esses tenham o discernimento de
formar alunos e alunas que consigam e queiram fazer leituras de mundo acerca da realidade
que os cerca; ou, como bem pontuaa autora, que “[...] consigam fazer uma leitura crítica do
mundo, do [seu] contexto [...]”.
Trazendo os conceitos de Arroyo (2001) para essa análise e discussão, é propício
retomar o que ele conceitua quando afirma que educar é ‘construir gente’, trazer para o foco
do 33 ensino a lutaem denunciar e superar elementos desumanizadores, como foi citado no
estudo. Assim, essa primeiraaula conseguiu se concentrar nesse aspecto ao fazer com que os
alunos se atentassem para essa discussão acerca da importância da inclusão social.
Na medida em que educar é permitir aos sujeitos e sujeitas, também, fazer a
interpretação acerca dos contextos em que eles estão inseridos, a fim de que eles e elas
busquem transformações, isso está dentro dos aspectos que preconizam a educação
humanizadora e os ideais de Paulo Freire.
Outrossim, o debate foi realizado como em uma espécie de mesa redonda, como é
possível perceber na Figura 01, de maneira que até a disposição dos alunos foi pensada
para que todos se sentissem incluídos nas discussões e ficassem à vontade para questionar e
acrescentar, o que se intui que vai contra a concepção de educação bancária, em que o educando
não tem espaço para pensar porsi mesmo, tornando a educação mecanicista.
988

Figura 01: disposição dos alunos durante aula sobre 'inclusão social'.

Fonte: autoria própria (2022).

Na aula seguinte, ainda se observou a demora para iniciar a aula devido a uma certa
dispersãodos alunos, contudo, diante do silêncio proposital da professora, esta pesquisadora,
foi explicado quea espera pelo silenciar dos alunos para que a aula se iniciasse partia da ideia
da atitude esperada por eles, a tomada de consciência acerca da presença da professora em
sala, no que os alunos fizeram uma reflexão acerca da existência de um grau de igualdade entre
aluno e professor, em que ambos oslados devem prestar respeito mútuo um ao outro.
Tal concepção inicial foi vista como positiva, pois os alunos e alunas puderam perceber
que todos ali tinham os mesmos objetivos em comum: a educação conjunta. Diante disso, e
utilizando Trombetta (2008), autor já destacado ao longo do estudo, a ideia de educação
humanizadora de Freireaponta para uma questão relativa ao fato de que o ser humano é um ser
inacabado, como foi bastantediscutido no decorrer da pesquisa.
Isso constrói a ideia de que, ao estar no mundo, e ao nos voltarmos para os conceitos
de humanização, o processo de ensinar deve ser visto justamente a partir desse
desenvolvimento intelectual, moral e afetivo, que leve os alunos e alunas a pensarem acerca
de suas atitudes e comportamentos, mas sem desrespeitar suas formas de se expressar. É
possível fazer educação sem embates e sem retirar dos alunos a noção de que eles são
responsáveis por suas maneiras de agir e comportamentos.
Nessa aula, também foi feito um círculo e a discussão girou em torno do tema
‘Emoções’. Também foi disseminado um debate para que eles apresentassem seus pontos de
vista com relação aoconteúdo, e cada um buscou expressar suas emoções e compartilhar mais
ideias e experiências. Na terceira aula e última aula, percebeu-se que já existia uma interação
enorme com todos os âmbitos daescola. Isso demonstrou a importância de uma escola conjunta,
989

que busque estar em consonância parahumanizar os processos educativos de forma unânime.


Nisso, retoma-se a concepção de escola para Freire, quando o educador preconiza a
importância de um ambiente escolar consciente de seu potencial e de seus ideais, a fim de que
as práticas pedagógicas possam ser organizadas e feitas com compromisso e reflexão acerca da
realidade atual. Em sala de aula, decidiu-se por fazer algo diferente. Feito um círculo, foi
indicado para os alunos que se sentassem no chão e se dispusessem como desejassem, no que
alguns preferiram ficar sentados nas carteiras e outros mesmo no chão, como é possível de
observar na Figura 02, a seguir

Figura 02: disposição dos alunos na última aula.

Fonte: autoria própria (2022).

Tal disposição também pode se atentar para o fato de a escola poder ser enxergada
como umambiente de acolhimento, onde os alunos se sintam confortáveis para se expressarem
da maneira quedesejarem. A aula ministrada foi sobre ‘saúde mental’ e, feita a discussão e o
debate, foi realizada uma dinâmica que proporcionou ainda mais interação entre todos. No
final, foi disposta uma caixa e instruído aos alunos que escrevessem em um papel acerca do
que eles queriam para o futuro, como épossível observar na Figura 03, a seguir.

Figura 03: Caixa com escritos dos alunos acerca do futuro.


990

Fonte: autoria própria (2022)

A maioria dos relatos se voltavam para a realização de desejos e anseios diante das
realidades de cada um, e na esperança depositada na educação a partir disso. Para muitos,
estudar é justamente um ato de liberdade na medida em que pode lhes permitir realizar seus
sonhos e objetivos.
Nisso, pode-se recorrer a Freire quando o autor frisou, quando dos pressupostos
teóricos, quejamais compreendeu a educação como “[...] experiência fria, sem alma, em que
os sentimentos e as emoções, os desejos, os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie
de ditadura racionalista”, mas como uma experiência humanizadora, que enseje a liberdade de
todos os sujeitos que fazem partedela.
Assim, espera-se que esse relato de experiência tenha ajudado na compreensão do
quanto a humanização na educação é importante, assim como todos os processos ligados a
essa humanização.É preciso buscar novas concepções, entender os anseios dos alunos e dos
sujeitos e sujeitas que fazem parte do processo educativo, pois é justamente nas mentes dos
educandos que está o segredo de comotornar o fazer educativo parte deles e parte de todos.

METODOLOGIA

O artigo elaborado teve por objetivo desenvolver uma reflexão a partir da visão do
grande pensador Paulo Freire, que implantou obras que retratam sobre a “Educação e
Humanização” com base na revisão bibliográfica, em que sua fundamentação teórica foi
originada por artigos publicados.A revisão bibliográfica consiste em um método voltado para
991

o levantamento de um tema particular Em bases de dados divulgados em variados meios e


gêneros textuais e que segundo Cervo,
Bervian e da Silva (2007), “constitui o procedimento básico para os estudos
monográficos, pelos quais se busca o domínio do estado da arte sobre determinado tema” (p.
61).
Além disso, a pesquisa bibliográfica caracteriza–se pela busca das informações
necessárias com vista a responder as questões problema do estudo, através de obras teóricas
já publicadas. Ademais, apesar de esse método ser comum a maioria dos estudos, no meio
acadêmico há pesquisas que são desenvolvidas excepcionalmente a partir de fontes
bibliográficas. (GIL ,2002)
Nesse sentido, de acordo com Pizzani et al. (2012, p.54), a pesquisa bibliográfica pode
ser percebida como uma “revisão de literatura sobre as principais teorias que norteiam o
trabalho científico” e assim, através de periódicos, livros, artigos de jornais e revistas e até
mesmo, sites na internet, pode ser realizado o levantamento bibliográfico. (PIZZANI et al.
2012)
De acordo com Gil (1999, p. 65), o principal benefício da pesquisa bibliográfica está
em possibilitar ao investigante uma amplitude na “cobertura de uma gama de fenômenos”
muito mais doque numa pesquisa mais direta, facilitando quando o pesquisador precisar lidar
com uma dificuldadede pesquisa que destaca elementos e dados que por vezes podem ser
dispersos ou fragmentados.
Diante disso, essa pesquisa se configura como uma revisão narrativa no sentido de que
se tratade uma pesquisa mais ampla, na qual se apropria da descrição e discussão sobre o
desenvolvimento de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico ou contextual.
“Constitui, basicamente, de uma análise da literatura publicada em livros, artigos de revista
impressas e/ou eletrônicas na interpretação e análise crítica pessoal do autor” (ROTHER,2007,
p 01).
Essa pesquisa é uma abordagem qualitativa, pois proporciona exterioridades
particulares que de modo espontâneo, atingem motivações não explícitas, devendo ser
norteadas especialmente pelo aprofundamento da compreensão de um determinado grupo
(LÜDKE E ANDRÉ, 1986). Nesse sentido, a pesquisa qualitativa, de acordo com Minayo
(2009), trata de um nível de realidade que não deve quantificado, pois está vinculada ao
universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes. Assim, a pesquisa
992

qualitativa, procura abranger os fenômenos e suas complexidades, além de trabalhar com fatos
e processos que podem ser mais característicos.
Dessa maneira, a abordagem qualitativa trata-se do estudo das relações sociais e está
vinculada a sociedade e sua pluralização, levando em consideração suas antecipadas
mudanças, fato que é considerado uma consequência. (FLICK,2004). Assim, torna-se
fundamental uma análise baseada nas normas bibliográfica, principalmente no que tange às
ciências sociais, sendo de suma importância,seu uso de forma particular na educação.
Conforme Silva e Menezes (2005), a pesquisa qualitativa considera que existe uma
afinidadeentre o mundo real e o sujeito, que não pode ser traduzido em números, pois há um
vínculo intrínsecoentre o mundo que é mais prático e a intangibilidade do sujeito. Assim, “a
interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa
qualitativa” (SILVA; MENEZES, 2005, p. 20).
Assi , diante do objetivo dessa pesquisa que é refletir juntamente com as ideias de
Freire, no que se trata da Educação, sobre a ação docente no processo de ensino e de
aprendizagem, favorecendoum lugar para a releitura sobre o papel social da escola, a formação
docente, a proposta pedagógica eas avaliações, tendo como representativo os previstos teóricos
do educador Paulo Freire, nesse estudo bibliográfico, reunimos as principais teorias e
considerações de Gadotti(2003), Zitkoski(2006) e Vasconcellos(2007), tratando das
concepções de escola para Freire, além de fatos sobre o Humanismo e ainda a concepção
Bancária x Educação. Além disso, através das perspectivas desses autores abordamos sobre a
concepção humanista e libertadora da educação e por fim tratamos da postura do educar com
o intuito de humanizar.

CONCLUSÃO

Finalizamos essa pesquisa com o pensamento construtivo sobre a educação por base
da humanização a partir do olhar amplo de Paulo Freire que traz o conceito de educação
diretamente associado, interligado ao conceito de ser humano e dentro das suas obras,
compreende o ser na sua totalidade, isto é: entende-o “não apenas como razão. Sua concepção
antropológica converge para uma visão dinâmica da existência humana, ao valorizar de forma
equilibrada, todas as dimensões da nossa vida” (ZITKOSKI, 2006, p. 25).
O ser humano, para Freire (1983), é um ser inacabado e, consciente disso, aspira “Ser
Mais”. E por ser inconcluso, busca seu aprimoramento através da educação, pois “Educar é
993

substancialmente formar” (FREIRE, 1996, p. 32), considerando o inacabado como condição


ontológica dos humanos, bem como a questão antropológica freireana, compreende-se que:

a concepção antropológica de Freire é marcada pela ideia de que o ser humano é um


ser inacabado; não é uma realidade pronta, estática, fechada. Somos um ser por fazer-
se; um ser no mundo e com os outros envolvidos num processo contínuo de
desenvolvimento intelectual, moral, afetivo. Somos seres insatisfeitos com o que já
conquistamos (TROMBETTA; TROMBETTA, 2008, p. 228).

O pensamento educacional relatado não é uma “fórmula” a ser seguida ou refutada e


sim, mais especificamente: “Educação para Paulo Freire é uma conduta. Um conjunto de
valores pedagógicos; um compromisso; uma postura” (ARROYO, 2001b, p. 56). Está
implícita no conceito freireano de educação, que consiste na reflexão sobre a realidade. Freire
pensou, defendeu e operacionalizou umaeducação respeitosa da compreensão do mundo dos
educandos, que os desafiasse a pensar criticamente, isto é, a pensar certo.
Na busca da melhor de desenvolvimento para se obter uma compreensão da atividade
educativa, foi constatado que, além de desejo e de consciência, somos seres de liberdade, de
escolha,assim, acredita-se que não deve haver a possibilidade de separar o sujeito do mundo,
como uns depósitos isolados da realidade. Paulo Freire lida através de uma constante
problematização do homem-mundo, relatando que não há muita desigualdade e por isto, a
educação deve ser vista como a formação do professor é uma demanda constante, que sempre
está buscando uma construção de pensamento, juntamente com sua evolução humanista
individual.

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996

IMPLICAÇÕES EMOCIONAIS E SOCIAIS NO COMPORTAMENTO ALIMENTAR


DISFUNCIONAL E POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DA PSICOLOGIA
COGNITIVO COMPORTAMENTAL

Maria Eduarda Pereira Dantas


Prof. Esp. Andressa Paiva Porto

RESUMO

O trabalho apresentado traz uma visão baseada nos possíveis fatores emocionais e sociais que
influenciam o comer transtornado. Esse conta com um olhar crítico acerca do que reforça este
comer não intuitivo e quais causas estão inseridas nessa realidade, começando desde a causa
principal, onde tudo começou, como se organizam os modelos sociais para o que define como
certo ou errado, e como toda essa conjuntura exerce poder no agir e pensar dos sujeitos, fazendo
com que muitos regrem o que comem, devido às regras sociais. Se traz um olhar a respeito da
influência do capitalismo em cima dos corpos, principalmente, os femininos que sofrem
diretamente com o poder desse modelo de produção que busca lucrar com qualquer
oportunidade e dentro disso estão as cirurgias estéticas. As mídias sociais também exercem
grande influência atualmente sobre como as pessoas devem ser, estar e até se vestir, causando
no sujeito o sentimento de querer possuir tais produtos ali publicados pelas figuras midiáticas.
As pesquisas foram realizadas através da plataforma do google acadêmico e através de livros
de referências sobre o assunto, pois muitas das pesquisas nesta área são de realidades
internacionais. Por fim, busca promover um olhar crítico para os olhares acerca do comer
disfuncional e realizações de apontamentos teóricos e críticos para que seja ainda mais
pesquisado e investigado cientificamente.
Palavras-Chave: Comer Disfuncional. Transtornos Alimentares. Padrões Sociais. Terapia
Cognitivo Comportamental

ABSTRACT

The work presented brings a view based on the possible emotional and social factors that
influence eating disordered. This has a critical look at what reinforces this non-intuitive eating
and what causes are embedded in this reality, starting from the main cause, where it all started,
how social models are organized for what defines as right or wrong, and how all this conjuncture
exerts power in the acting and thinking of the subjects, causing many to regulate what they eat,
due to social rules. It takes a look at the influence of capitalism on bodies, especially women
who suffer directly from the power of this production model that seeks to profit from any
opportunity and within that are aesthetic surgeries. Social media also exert a great influence
nowadays on how people should be, be and even dress, causing the subject to feel that they
want to have such products published there by media figures. The research was carried out
through the academic google platform and through reference books on the subject, as much of
the research in this area is from international realities. Finally, it seeks to promote a critical look
at the views on dysfunctional eating and achievements of theoretical and critical notes so that
it is even more researched and scientifically investigated.
997

Keywords: Dysfunctional Eating. Eating Disorders. Social Standards. Cognitive behavioral


therapy

1 INTRODUÇÃO

Os transtornos alimentares são crenças e hábitos disfuncionais diante da comida, ou


seja, a forma como se ver, como se relacionar, como se portar frente ao alimento diz algo sobre
o que está acontecendo fazendo assim que o consuma ou absorva de uma forma diferente. São
vistos como doenças com causas multifatoriais, ou seja, que podem surgir por diversos fatores
caracterizado por inadequações nos padrões de consumo, causando prejuízos emocionais e
sociais (TIMERMAN, 2021). Dentro disso, existem critérios diagnósticos, de transtornos
alimentares diferentes como a Anorexia, Bulimia, Compulsão Alimentar, Purgação que são os
mais conhecidos pelo senso comum que constantemente está permeado por essas realidades
(SALOMÃO et al, 2021).
O comer pode trazer um certo tipo de comportamento disfuncional, ou seja, um conjunto
de ações que não fazem bem e é este comportamento que irá ser denominado de comer
transtornado, este não é citado pelo DSM-5, mas se qualifica como um fator de risco para que
o sujeito chegue a fechar critérios diagnósticos de Transtornos Alimentares. Estes, estão
permeados e surgiram a partir de ideias sociais que foram estabelecidas para alimentar um
mercado capitalista e fortalecer a indústria da beleza que lucra diariamente com isso (DA
CUNHA BREJO; MATHIAS, 2021).
Algumas práticas como pular várias refeições, fazer vários intervalos de comida, comer
de maneira excessiva, induzir vômitos e fazer práticas compensatórias e/ou purgativas para
recuperar o que comeu são comportamentos e atos que acabam determinando e sugerindo
alguns tipos de transtornos alimentares através do comer transtornado. Muitas dessas práticas
podem trazer prejuízos emocionais e biológicos para os sujeitos serem prevalentes e não
olhados com cuidado. Muitos dos comportamentos podem indicar hábitos que podem fazer mal
a esse sujeito ou ressaltar essas crenças sobre o comer (GONÇALVES, 2022).
É importante frisar que o social ele exerce grande influência sob a construção de crenças
do sujeito durante sua vida. É através de experiências e acontecimentos que o indivíduo constrói
suas ideias e pensamentos sobre si e sobre o outro. Através dele que o sujeito cria sua imagem
diante do que se enxerga certo ou errado. Seu sistema de crenças é formado a partir de uma
série de acontecimentos e muitos deles estão relacionados a nossa história de vida experiencial
(BECK, 2021).
998

Durante a construção dessa história acaba-se experienciando através do primeiro


vínculo social que seria a família, um ideal construído socialmente de corpo e molde corporal
que deve estar sendo seguido. Além disso, ocorre a presença de críticas e apontamentos sobre
este corpo, o que afeta os indivíduos cognitivamente acerca dos seus corpos, criando assim
ideias negativas e disfuncionais para sua visão atual de si e a forma como me vejo, me sinto e
me comporto diante desse ideal criado em cima disso (WRIGHT et al, 2018).
Dentro da ideia de que se tem acerca dos Transtornos Alimentares e do Comer
Transtornados, pode-se observar que existe uma certa diferença entre eles e é importante que
se tenha essa ideia para que não ache que ambos se cruzam em determinado momento, pois um
pode levar ao outro, ou seja, em uma linha, o percurso do comer transtornado cruza com os
transtornos alimentares fazendo com que um seja olhado para que se possa observar o outro
(DA CUNHA BREJO; MATHIAS, 2021).
A Terapia Cognitivo Comportamental, é considerada atualmente uma das mais
eficientes e padrão ouro quando se fala em transtornos. Assim, se pode considerá-la um norte
para discutir maneiras de intervenções diante das problemáticas apresentadas durante este
percurso, considerando que existem maneiras de se intervir e trazer medidas preventivas para a
recaída do sujeito que ali chega. Sendo utilizados várias das estratégias para que sejam
adaptadas às realidades apresentadas durante a demanda de cada sujeito (DOBSON; DOBSON,
2009).

2 METODOLOGIA

Para Sousa, Oliveira, Alves (2021), a pesquisa científica se dá através da busca e


indagação para buscar respostas que ainda não foram suficientes para concluir e/ou explicar o
que está sendo posto em evidência cujo motivo seja uma indagação ou questionamento de um
fato. Dessa forma, existem vários modos de se pesquisar uma resposta e levar essa informação
para as outras pessoas com o intuito de contribuir com uma informação a mais sobre o assunto
questionado, pode-se usar como exemplo da pesquisa bibliográfica, onde o pesquisador através
de plataformas de artigos científicos, livros, revistas já publicadas irá buscar dentro desses
trabalhos contribuições para dentro do seu trabalho através do que procura.
Dentro da abordagem Bibliográfica existe um cuidado que necessita ter diante de
algumas pesquisas já feitas e publicadas, é preciso verificar a veracidade dos fatos e investigar
999

se o que está sendo posto ali de fato vai agregar o seu trabalho, o investigador precisa ser
criterioso e averiguar se a informação lhe vai ser útil ou não. O trabalho do pesquisador vai
muito além do que apenas ir em uma plataforma e pesquisar um artigo de forma rápida, é preciso
tempo e leitura para que não se contente apenas com uma forma de abordar o seu assunto e
acaba perpetuando uma fala indevida, é preciso ter cuidado com o que está sendo posto por
terceiros (DE SOUSA; OLIVEIRA; ALVES, 2021).
Diante do que já foi colocado, para compreender e buscar contribuir de forma
significativa para os futuros trabalhos no âmbito do comportamento alimentar e do comer
transtornado, foi realizado através de palavras chaves como “comer transtornado”,
“comportamento alimentar”, “transtornos alimentares”, “Psicologia Cognitiva
Comportamental”, “mídias sociais”, dentro do que será posto e baseado nos objetivos deste
trabalho seguindo a linha de raciocínio da pesquisa. Para os critérios de exclusão foram
descartados trabalhos já publicados com mais de 5 anos, pois se configura como uma pesquisa
já não tanto atualizada o que pode comprometer a veracidade deste trabalho, assim também foi
preferível utilizar uma quantidade maior de artigos científicos do que em seu quantitativo de
livros. Para os de inclusão foi utilizado a preferência em trabalhos mais atuais e com número
de citações boas, baseado no que já foi lido e discutido em livros que são referência no assunto
como “A Prática da Terapia Cognitivo-Comportamental nos Transtornos Alimentares e
Obesidade” e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), utilizados
assim como parâmetros para as pesquisas e explorações no assunto.
Vale salientar de que artigos, livros, teses, foram utilizados dos anos de 2017 até 2022,
porém, alguns livros por terem grande relevância teórica no tema ultrapassaram esse período
de tempo, mas contribuíram de forma significativa para que esse trabalho fosse realizado de
forma verídica e que colaborasse para pesquisas futuras na área. Além dos livros virtuais e
físicos, foram utilizadas as plataformas do Google Acadêmico e Scielo- Scientific Electronic
Library Online para contribuir de forma significativa e relevante para esta pesquisa.
Com as pesquisas realizadas foi possível notar que existe um déficit nesta área que
permeia bastante esta sociedade, muitas vezes adoecida e permeada pela falta de informação e
buscas da mesma. Muitos dos trabalhos achados foram de anos como 2008/2010 onde se
encontram grande parte dos trabalhos publicados, porém vem sendo bastante discutido
atualmente acerca dos transtornos alimentares e comportamento alimentar devido ao estilo de
vida mais saudável de que está sendo pregado dentro das mídias sociais.
1000

Desta maneira, compreendendo que comportamento alimentar está como um fator de


suposta causalidade dos transtornos alimentares, é preciso se investigar ainda mais acerca do
que está sendo posto como problema de pesquisa e indagar qual a relevância deste tema dentro
das causalidades que se vem tendo. A sociedade em modo geral, acaba naturalizando certos
padrões e deixando de lado algumas problemáticas causadas diante das imposições de seus
padrões, também é possível destacar que nem toda dieta restritiva vá causar um comer
transtornado, mas é preciso observar se o que está sendo praticado de fato não está prejudicando
este sujeito. É preciso também observar que a maioria dos transtornos alimentares não são
possíveis de serem diagnosticados dentro da clínica, pois estão camuflados dentro de outras
demandas, por isso é preciso que se tenha mais claro o que causa este efeito.
Deste modo, a presente pesquisa tem como objetivo Identificar a relação entre as
questões emocionais e sociais sobre comportamento alimentar, discorrer acerca de Transtornos
Alimentares e comportamento alimentar transtornado, verificar as principais formas de
intervenção da Terapia Cognitivo Comportamental para comportamento alimentar
disfuncional.
A partir disso, disseminar informações acerca do comer transtornado e comportamento
alimentar, a fim de que possa colaborar com investigações e estudos interventivos na área da
Psicologia em Terapia Cognitivo Comportamental, quebrar preconceitos acerca dos padrões
corporais, discutir os critérios diagnósticos influenciados pelos meios sociais e postos como
fator de determinação quando colocados em evidência pelos transtornos e como a mídia social
tem forte influência dentro da sociedade e na disseminação de informações com discursos de
poder pré-estabelecidos pela sociedade.

3 IDEIAS SOCIAIS QUE SE FORMAM E A INFLUÊNCIA CAPITALISTA

Muito se discute a respeito dos modelos sociais e o que regem ou determinam o que será
seguido ou não. No período da Grécia antiga, surgiu a necessidade de se organizar a sociedade
e começar a definir o que ditava o certo ou errado a ser seguido e que isso seria colocado para
o bem comum daqueles em sua sociedade, dessa forma, as pessoas começaram a seguirem
normas e a definir esses modelos sociais como corretos e quem não o seguisse estaria “ferindo”
a sociedade (FIGUEIREDO, 2008).
1001

A ética deriva do grego ethos que significa morada do homem, ou seja, é ali onde o
sujeito vai se guiar e se basear, assim estar na natureza humana e estudar seu modo de agir.
Esses conceitos são construídos desde o período grego onde iniciavam as discussões do agir
humano, por onde ele seria regido e quem determina o que é certo ou errado? A ética se baseia
no princípio em que as ações normativas da sociedade devem ser questionadas e refletidas e a
moral é baseada no agir humano, ou seja, as decisões que são tomadas baseados nessas reflexões
do certo e errado para a sociedade (CREMONESE, 2019).
A internet desde a sua criação exerce sua importância e atualmente ganhou seu espaço
de não apenas em quesito de conteúdo e informação, mas onde muitas pessoas adquirem sua
renda principal através delas, ou seja, através das mídias sociais. As mídias sociais ocupam
grande espaço no quesito das influências a qual exercem seu grande poder dentro da cultura
brasileira, pois através das exposições e altos índices de engajamento dos influenciadores
digitais criou-se o hábito de se passarem horas diante do smartphone, sendo assim o Brasil hoje
ocupa o segundo lugar onde os habitantes ocupam mais tempo do seu dia na internet
(ROSOLEN, 2021).
Esta rotina de acesso nas mídias sociais promove muito mais do que apenas acessos,
promove um deslocamento de realidade do indivíduo que assiste para aquele que está
produzindo o conteúdo. Estes meios acabaram sendo utilizados como principais meios de
propagandas de produtos, pois existia um alcance maior nas pessoas que poderiam consumir
esse produto, assim as propagandas expressam muito bem (COSTA et al, 2019).
O que está sendo dito é que mesmo em um meio guiado por série de normas, é possível
encontrar algo que não se encaixe dentro desses ideais pré-estabelecidos, o que põe em
evidência o questionar se de fato aquele agir é correto para todos. Quando se define algo
socialmente nem sempre é levado em consideração outros fatores como questões biológicas,
financeiras, muito do que é colocado é baseado em uma ideia de compra (DE ALMEIDA;
GOMES, 2021).
Dentro dessa perspectiva pode-se perceber que existe um padrão corporal instaurado na
sociedade, ou seja, a sociedade tem a necessidade de definir um molde como correto, com essa
visão passam a observar demais realidades externas como inspiração a ser ou não a ser seguido,
assim com necessidades totalmente diferentes como as realidades europeias e estadunidenses
que culturalmente estão em corpos e situações distintas da realidade brasileira. Os biótipos
1002

brasileiros estão em formas e construções biológicas diferentes do que as que podem ser vistas
no exterior (COSTA et al, 2019).
A ideia ou imagem corporal contribui muito para que as pessoas comecem a comprar a
ideias vendidas por essa indústria que a anos lucra através do modo de produção capitalista. O
comércio viu uma oportunidade para ganhar dinheiro e girar o mercado com as cirurgias
estéticas, fazendo com que assim as pessoas chegassem de forma rápida e fácil aos resultados
tão colocados pela sociedade (DE ALMEIDA; GOMES, 2021).
Um ramo que vem lucrando crescentemente é o ramo das cirurgias estéticas, aos quais
vem sendo fortemente evidenciado pelas mídias sociais e seus influenciadores, que muitas
vezes colocam essa ideia como algo aparentemente tranquilo, rápido, fácil e de que todos que
querem podem conseguir, mas o que se pode colocar como um empecilho é que nem todas as
pessoas têm poder aquisitivo para custear uma cirurgia como essa (MALHEIROS et al, 2021).
E como o comer transtornado e os transtornos alimentares se encaixam aqui? As
normativas sociais em seu modo geral são instauradas e colocadas de maneiras impositivas, de
tal forma que o sujeito ao qual a sociedade o põe no lugar de ser criticado fortemente acaba
sendo alvo de possíveis consequências derivados da sociedade, fazendo com que sua relação
com a comida seja prejudicada, dessa forma causando uma disfuncionalidade. O comer
transtornado ou disfuncional não é colocado como um transtorno alimentar, mas pode ser
através dele que o sujeito se porte desta maneira que de tal forma é algo disfuncional para o
sujeito que pratica (GONÇALVES, 2022).
As dietas restritivas são um fenômeno colocado em prática em virtude de um padrão
social corporal onde as pessoas que não conseguem resultados satisfatórios em um curto espaço
de tempo acabam optando como uma alternativa viável para chegar a tal lugar. A sociedade
acaba buscando uma alternativa viável e mais rápida, onde popularmente é dita como correta e
acaba aderindo e agregando ao seu dia a dia, idealizando ser a melhor iniciativa (SOIHET;
SILVA, 2019).
A utilização deste método vem se tornando cada vez mais frequente quando se fala de
emagrecimento, tais práticas para chegar ao seu resultado podem ser vistas de formas restritivas,
pois muitas vezes a comida é posta como um vilão na vida do brasileiro, assim fazendo com
que esta alimentação seja realizada de maneira não tão saudável quanto a intenção de quem a
tem. Estas cobranças por emagrecimento são derivadas das normas sociais citadas no início
deste capítulo, onde a maioria dessas normas são instauradas em cima das mulheres que
1003

historicamente sofrem com críticas sociais em tudo que fazem, são e vão realizar (GOIS; DE
FARIA, 2021).
As dietas em sua ideia não é um problema, visto que a ideia é que promova qualidade
de vida e saúde para aquele sujeito, a questão de fato está quando as formas com a qual se usa
para emagrecer a torna nociva para o seu corpo. Fazendo com que se pratique comportamentos
compensatórios daquilo que acredita ser mais fácil e rápido para emagrecer. O cuidado com a
alimentação se consolidou de forma bastante positiva pela sociedade e as pessoas começaram
a cuidar da saúde, com isso muitas dietas, práticas de atividades físicas foram se instaurando na
sociedade (FERREIRA,2018).
Estas maneiras optativas de comer mais saudável, foi uma alternativa guiada pelo
aumento considerável e preocupante do sobrepeso e obesidade mundial. Fazendo com que
alguns modos alimentares fossem vistos com maus olhos, assim como tudo em nossa sociedade,
cria-se a ideia do certo ou errado, quando algo posto como incorreto, as pessoas passaram a
distribuir alimentos que apesar de gostosos e atrativos são vistos como grandes vilões das
refeições saudáveis, o que põe o sujeito em um lugar de se sentir extremamente culpado quando
ingerem tais alimentos (SILVA, 2020).
Quando o sujeito passa a ser guiado por uma dieta restritiva, há uma chance maior de
que quando ele coma, ganhe ainda mais peso do que se fizesse uma reeducação alimentar. Isso
porque quando se restringe um alimento em que o sujeito acha muito gostoso e tem maior
fascínio por ele, quando for comer em pequenas quantidades para saciar aquele longo tempo
que passou sem ele, o come de forma exagerada e em grandes quantidades para suprir essa falta,
é o que pode se chamar de comer transtornado (LEITE; FREITAS, 2021).
É preciso lembrar que nem todas as dietas restritivas irão causar este comer disfuncional
e de forma exagerada, mas é algo que pode aumentar as chances de que este efeito ocorra. Existe
o comer consciente, que auxilia nesse processo disfuncional, que seria uma psicoeducação para
que seja uma alimentação boa para o corpo, que o sujeito saiba de fato que está com fome e
saber também do que o seu corpo precisa, pois muitas vezes este comer é guiado pelo emocional
(LIMA et al, 2020).

4 COMER TRANSTORNADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS EMOCIONAIS


1004

A questão com a imagem corporal afeta em sua maioria mulheres, pois socialmente são
mais cobradas para obterem corpos magros e com tamanhos de busto e bumbum adequados e
bem vistos aos olhos da sociedade. O questionamento é que, quais as consequências de tantas
cobranças em cima de um sujeito para que ele supra todos esses quesitos impostos? Os
transtornos alimentares em sua maioria são resultados de padrões sociais impostos pela
sociedade a serem seguidos, seja possível ou não para você, assim surgem como respostas
emocionais ao molde social tão inacessível para todos, fazendo com que muitos achem
alternativas sejam elas em sua maioria maléficas para o corpo e saúde desse ser humano
(SANTOS, 2020).
As questões corporais são colocadas em cima de um ideal que se construiu ao qual o
gordo é feio, ruim e o magro é bonito e saudável. Assim as pessoas consideradas gordas são
colocadas de maneira excluída da sociedade, e pelas acessibilidades das cidades, pois em sua
maioria são projetadas para pessoas magras, igualmente as roupas que são pensadas e
idealizadas em cima do corpo já pré colocado como ideal (MENEZES; FERREIRA; MELO,
2020).
As emoções estão diretamente interligadas com os hábitos alimentares, ao qual a forma
como irá se alimentar às vezes é um fator determinante para a quantidade e o tipo de comida
que será ingerida, por exemplo, se estiver nervoso, angustiada, pode ser que procure comidas
mais doces. A ansiedade e a depressão são temas bastantes colocados em pauta e eles estão
intimamente ligados com os transtornos alimentares. (ANDRADE et al, 2021)
A contemporaneidade está abraçando fielmente um social que cotidianamente está
impossibilitando o seu viver de maneira livre e possível. Com isso, os sujeitos estão adoecendo
e ficando cada vez mais com critérios de ansiedade, as questões sobre o corpo por sua vez não
ficam para trás. O físico é algo que se carrega todos os dias e que está 24 horas dentro dos
olhares sejam eles de terceiros ou do próprio sujeito, fazendo com que se questione: será que
está bom? Será que meu corpo é bonito? e são esses questionamentos que podem trazer
sintomas de ansiedade (COPETTI; QUIROGA, 2018).
Esta por sua vez segue-se com a “aversão a comida” trazendo para o que já foi dito sobre
o comer transtornado e como o mesmo não se encaixa como um transtorno, mas sim como um
meio para o qual apareçam os TAs como a anorexia que põe em evidência a visão distorcida da
comida, ou seja, a ver como um vilão do seu dia a dia, a qual evita está ingerindo (DA CUNHA
BREJO; MATHIAS, 2021).
1005

O emocional está diretamente ligado com o alimento, que por sua vez reforça a ideia de que se
come muitas vezes aquilo que se sente e na mesma intensidade, os transtornos alimentares que
trazem comer transtornado ou comer disfuncional como um dos critérios diagnósticos, este está
presente em todos os TAs como por exemplo a bulimia segundo o APA (2014):
“Existem três aspectos essenciais na bulimia nervosa: episódios recorrentes de
compulsão alimentar (Critério A), comportamentos compensatórios inapropriados
recorrentes para impedir o ganho de peso (Critério B) e autoavaliação indevidamente
influenciada pela forma e pelo peso corporal (Critério D). Para se qualificar ao
diagnóstico, a compulsão alimentar e os comportamentos compensatórios
inapropriados devem ocorrer, em média, no mínimo uma vez por semana por três
meses (Critério C)” .

Partindo dessa ideia pode-se concluir que são um conjunto de fatores que contribuem
para que a bulimia ela venha a existir, assim o relação disfuncional com a comida vem em forma
da compulsão alimentar e das atividades que influenciam nesse ganho de peso, pois a pessoa
começa a ver de forma em que na maioria das vezes pode ser distorcida a comida e começa a
realizar uma série de atividades para queimar essas calorias que o que foi ingerido possui. A
visão distorcida do corpo representada pelo ideal que o indivíduo tem como correto faz com
que o sujeito ele possa vir com um reforçador da compulsão e a purgação (CARVALHO et al,
2019).
É importante que se tenha consciência sobre os efeitos psicológicos resultantes da causa
que seria a pressão estética em sua maioria no público feminino, que historicamente é cobrado
que a mulher tenha seus comportamentos controlados pelo sistema machista. Refletindo sobre
isso, é possível perceber que historicamente as mulheres são mais cobradas para responder a
expectativas sociais, seja de corpo, seja de forma de ser, agir e pensar (ROCHA; SANTOS;
MAUX, 2019).
Dessa forma, expressa de forma a que essas mulheres acabam internalizando essas
expectativas como algo que seja possível de ser realizado, quando se deparam com uma gama
de impossibilidades como custos altíssimos em alimentação, médicos, nutricionistas, a solução
que logo lhes vem à cabeça é deixar de comer ou pôr para fora e até muitas vezes tomar
remédios que inibem o seu apetite (SANTOS, 2020).
É socialmente instaurado que as pessoas precisam corresponder a um padrão corporal,
seja ele possível ou não. O que está posto como ideal é de fato imposto pela sociedade, assim
as pessoas quando não conseguem ou não estão dentro desse padrão começam a buscar
alternativas de como chegar ali de forma mais rápida e prática o que pode incluir dietas
1006

extremamente restritivas e privações de agrados pessoais para se chegar ao que aos olhos da
sociedade é considerado ideal (ALVARES; DE SANTANA, 2020).
Muito do que se é colocado como ideal não se define um limite para como alcançar
aquele objetivo que está posto, assim muito do emocional dos sujeitos começaram a ser afetados
ali por conta de um social que cobra resultados das pessoas. Recorrentemente se ver pessoas
que acabaram emagrecendo por conta de doenças, processos de enfrentamento pessoal como
uma perda muito importante, problemas com a saúde seja ela mental ou física e muito do que a
sociedade enxerga é o emagrecimento daquele sujeito e que agora ele/ela está mais bonito
(GODOI, 2019).

5 INTERVENÇÕES DA TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL COMO


PLANO DE TRATAMENTO

A Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) surgiu em 1964, quando Aaron Beck era
professor assistente de psiquiatria na Universidade da Pensilvânia, na época Beck era
psicanalista e lutava para que a teoria fosse reconhecida pela academia científica, assim
esperava, mas com os seus estudos e investigações nas pessoas com depressão, Beck percebeu
um padrão que existiam cognições negativas e crenças que acontecem majoritariamente em
indivíduos com depressão (BECK, 2021).
Esta abordagem é de cunho estruturado, colaborativo, objetiva, que busca identificar e
questionar pensamentos que são disfuncionais para o sujeito, pois existe uma série de
acontecimentos que influenciam uns aos outros que dentro da tcc, existe uma estrutura de que
se guia que são os pensamentos que influenciam as emoções que geram comportamentos,
propondo que as emoções exercem forte papel nos comportamentos, pois os pensamentos
geram as mesmas e são nesses pensamentos e após eles que a abordagem irá atuar, quesito que
o sujeito precisa se questionar se de fato aquela situação que está pensando é verídica ou não
(GONÇALVES; DE ALMEIDA, 2021).
A TCC se baseia no princípio de que existem esquemas e estes são responsáveis por
guiar as opiniões dos sujeitos de acordo com os assuntos que irão surgir e se formar ao decorrer
da vida, esses esquemas podem ser definidos como pastas que são separadas de acordo com
cada tema e abertas quando necessárias para o sujeito. Dessa forma esses esquemas, também
1007

possuem o sistema de crenças que são responsáveis pela visão de si, do mundo e dos outros
(WRIGHT et al, 2018).
A TCC, tem em sua formação teórica compreende que o sujeito possui uma formulação
cognitiva a ideia de que através de crenças e padrões comportamentais. O modelo cognitivo
refere-se ao modo em que o pensamento disfuncional induz como o paciente sente e age
conforme o acontecido e foca em ensinar o paciente a questionar seu pensamento de uma forma
mais funcional e assim, conseguem ter uma melhora em seu emocional e no seu comportamento
(ZAMANA, 2021).
Dentro dessas várias definições existem os erros cognitivos também colocados por Beck
como Distorções Cognitivas, que são visões distorcidas da realidade, ou seja, é um erro que
acontece nesse sistema de esquemas e crenças que afetam a interpretação dos fatos e
consequentemente a resposta com a qual será emitida diante da situação (POWELL et al, 2008).
A terapia cognitiva comportamental utiliza um dos princípios mais bem conhecidos
como a psicoeducação, pois é importante que o sujeito tenha ciência do que está acontecendo e
aprenda sobre para que assim o tratamento ele possa de fato ser significativo pro paciente,
fazendo com que assim aumentar as possibilidades de engajamento do mesmo nesse processo
(STTALARD, 2021).
É necessário que durante o tratamento o terapeuta trabalhe o que na TCC chama como
prevenção de recaídas, que promove ao sujeito alternativas para que ele não venha a repetir com
altas probabilidades os antigos comportamentos, fazendo com que este sujeito questione seus
pensamentos, emoções e entenda sobre isso e acabe por ter essa regulação e como o comer
disfuncional que reforça os transtornos alimentares, principalmente, em momentos de extremo
estresse (LEANDRO; VIDAL, 2021).
A prática Psicológica parte do princípio de acolher o sujeito que está em sofrimento
emocional, considerando além do que é posto por aquele que está falando e a partir disso traçar
metas e estratégias para guiá-lo de uma forma mais saudável promovendo uma prática de saúde
mental. Além disso, é desse olhar para além que se constrói o sujeito com uma visão
biopsicossocial, ou seja, como completo (DINIZ; LIMA, 2017).
É importante enfatizar que o comer transtornado ou disfuncional, não considerado um
transtorno alimentar, mas está presente como um critério diagnóstico em todos os Transtornos
Alimentares, permite que fique em alerta acerca do que pode está acontecendo e não o ignorar,
1008

pois o mesmo se apresenta como resultado de outras causas que podem está implícitas
(GONÇALVES, 2022).
A partir destas causas implícitas, pode-se enfatizar que o olhar para si quando de forma
não saudável, pode ocasionar comportamentos que entrem como reforçador deste processo
como a questão da auto-imagem que segundo Lima e Maynard (2019, p.1):
“A autoimagem é a imagem que se faz ou se imagina sobre si mesmo. É o princípio
da autoestima, visto que é internalizado no conhecimento da individualidade de si
mesmo e na expansão intrínseca das competências, na percepção dos sentimentos,
atitudes e ideias relacionadas à dinâmica pessoal.”

Partindo dessa visão, é importante enfatizar que o paciente com o comer disfuncional,
ele tenha dentro dos seus esquemas e dentro de sua formação de sistema crença, uma ideia de
que a comida em algum momento ela possa lhe trazer prejuízos visuais do seu corpo, pois
engordar para essa pessoa pode de fato ser algo ruim e indicar que se caso ela venha a comer
este alimento, possa de fato começar a subir de peso (DA SILVA, 2021).

Com isso, pode-se inferir que existe um reflexo do impacto social para esses sujeitos
que acabam reproduzindo e atendendo a esses discursos de que a magreza é sinônimo de beleza,
saúde e bem estar, mas não se sabe ao certo o quesito de saúde que se está usando para poder
ter e corresponder esse corpo bonito. Fazendo com que assim, os sujeitos queiram atender a
qualquer custo essa expectativa social gerada por normativas idealizadas pelo mercado
(NASCIMENTO, 2019).
Como mencionado o modelo cognitivo retrata como a maneira a qual interpretamos o
fato, quer dizer muito mais do que o próprio fato em si, assim o comer transtornado pode muitas
vezes ser associado a essa má interpretação dos fatos como a ideia de que aquele corpo não está
bom, então começa a utilizar de algumas alternativas que segundo Silva et al (2018) são:

“...comportamentos de risco como perfeccionismo, prática de dietas restritivas,


excesso de exercício físico, vômitos autoinduzidos e consumo de medicamentos
diuréticos, laxantes e anorexígenos são estratégias presentes para controlar o peso
corporal pelos jovens com sintomas sugestivos de TA.”

Tais comportamentos são derivados de distorções cognitivas, as quais são bastante


presentes em indivíduos que possuem a visão de um comer disfuncional para a sua vida, é esta
visão de que é preciso emagrecer custe o que custar que eleva ainda mais os índices de
abandonos dos tratamentos, pois são crenças e distorções muito fortes dentro do sujeito, que
requer bastante tempo em terapia (ZAMANA, 2021).
1009

O quadro abaixo mostra um estudo sobre o quantitativo de pacientes que acabam


abandonando o tratamento de transtornos alimentares, devido a aspectos emocionais e sociais
que surgem durante este período. É importante que se tenha uma rede de apoio estabelecida,
pois a família é de fato um pilar muito forte para quem está lidando com este tipo de transtorno
(SOUZA et al, 2019).

Quadro 1- Aspectos clínicos e de tratamento das participantes do estudo.

Fonte: SOUZA et al, 2019

Existem intervenções atuais da Psicologia, adentrando ao comer disfuncional que


promovem uma alimentação mais consciente, ou como o próprio nome sugere, um comer
intuitivo. Dessa forma, o mindful eating, ou “comer com atenção plena” promove que o sujeito
ao escolher o que vai comer, quanto e como vai comer, que tenha uma atenção para o que está
fazendo para que assim reflita sobre suas escolhas se são de fato funcionais para o seu dia a dia
(BARBOSA; DE OLIVEIRA PENAFORTE; SILVA, 2020).
Sousa et al (2020) disse que os Transtornos Alimentares são mais comuns e prováveis
de aparecer durante o final da infância e início da adolescência, pois é a partir desse período
que começam as influências midiáticas, inserção dos ambientes sociais e um entendimento
maior dos comentários familiares e sociais. Um estudo feito pelo mesmo, mostrou que ao
aplicar o questionário EAT-20 houve um maior número de alunas com indicativos de
transtornos alimentares no 4º período da faculdade do que no 1º período do curso de Nutrição,
pode-se perceber que ao se aprofundar nos assuntos essa visão da comida pode modificar a
depender de cada sujeito.

Gráfico 01- Dados relativos colhidos sobre atitudes para Transtornos Alimentares das alunas do
primeiro período em 2019
1010

Fonte: SOUSA et al (2020)

A aplicabilidade de técnicas se faz sentido para aquele momento pode auxiliar o


terapeuta com intervenções precisas para o paciente. Uma escala conhecida como EAT-26 foi
utilizada em um estudo que avaliou 276 universitários ao qual 21 destes através da escala foram
identificados risco de presença dos TAs (SILVA et al, 2018).
Esta escala EAT-26 significa Eating Attitudes Test e possui 26 questões que visa
avaliar e rastrear nos indivíduos possíveis desenvolvimentos de bulimia e anorexia
(GUIMARÃ et al, 2018), e se divide em:

“Cada questão é composta por seis alternativas de resposta. Para cada alternativa
são conferidos pontos que variam de 0 a 3 (sempre=3; muito frequentemente
= 2; frequentemente = 1; às vezes= 0; raramente = 0; nunca=0). A única questão
que apresenta pontos em ordem invertida é a 4, onde as respostas “sempre”,
“muito frequentemente” e “frequentemente”, pontuam zero, e as alternativas
“ás vezes”, “raramente” e “nunca” são conferidos 1, 2 e 3 pontos, respectivamente. O
resultado do teste é o somatório de todos os pontos, sendo considerado
um indicador de risco para o desenvolvimento de transtorno alimentar o
ponto de corte igual ou superior a 20.” (GUIMARÃ et al, 2018)

Com isto, fica mais evidente durante os períodos de avaliações o que está se passando
diante do que o sujeito traz para o consultório, a qual não é tão transparente como aparenta ser.
Exige fases de grandes avaliações para que possa se identificar ou não, pois muitas vezes estas
questões podem passar despercebidas ou camufladas em outras questões mais aparentes
(FINGER; OLIVEIRA, 2016).
Esses pacientes desenvolvem algumas crenças acerca do peso, do seu corpo,
alimentação e do seu valor pessoal, que dessa forma ajuda a reforçar manter o transtorno, porém
uma das crenças principais presentes é que esses pacientes igualam o que eles são no âmbito
1011

pessoal e corporal , ignorando ou não valorizando outros fatores. Assim, para esses pacientes a
magreza estaria associada à competência, beleza e saúde (DA SILVA, 2021).
Para evidenciar estes fatos, um relato de experiência feito por Broering, Scherer (2022),
a paciente B, 19 anos, é modelo e tem se auto sabotando quando chamada para fazer trabalhos,
a terapeuta falou que a mesma se demonstrou bastante extrovertida e chorou muito, mas estava
com bastante roupas largas. Muitos dos seus discursos eram com relação a não aguentar sentir
como se sentia, que a vida era um peso, falou que se alimentava pouco, com a ideia de que
gordo era infeliz. Dessa forma, pode-se perceber que muitos dos discursos dos pacientes com
transtornos alimentares, não vem de maneira aparente, eles aparecem de uma maneira mais
sutil, mas carregada de um construto de ideias sociais e culturais.
A mídia tem sido um forte aliado para a perpetuação e estabelecimento dos ideais de
beleza e saúde a respeito dos corpos das pessoas e da sociedade que é o corpo magro e muitas
vezes até esquelético que com resultado tem marcado a hipervalorização das relações dos
sujeitos com seu peso e consequentemente com a comida que vem ingerindo durante o dia a dia
(NASCIMENTO, 2019)
Partindo do pressuposto da TCC, é importante que se fortaleça o vínculo com o paciente
para que as intervenções e questionamentos comecem a fazer sentido para ele, pois as
intervenções se feitas ainda sem o vínculo bem estabelecido pode haver uma não adesão do
paciente na terapia, fazendo com que aumente as chances deste paciente desistir e não voltar
mais (BECK, 2021).
Assim, é importante que se trabalhe a psicoeducação do modelo cognitivo para que o
paciente consiga entender seus pensamentos, o que eles significam, de onde vêm, pois
entendendo o seu processo fica mais fácil com que ele adquira maior engajamento na sua
jornada terapêutica. Ao trabalhar este modelo coloca o paciente na posição de ser seu próprio
terapeuta no sentido de que, aprendendo a maneira com a qual funciona, pode-se questionar se
é verídico tais pensamentos (STALLARD, 2021).
Com pacientes que possuem Transtornos Alimentares é de suma importância que esse
vínculo seja estabelecido e que a família participe ativamente do processo do sujeito, pois a
mesma possui um papel ativo e necessário para a possível melhora do paciente. É preciso que
o terapeuta vá construindo a conceitualização do paciente para que possa ficar atento às
possíveis crenças, pensamentos automáticos, estratégias compensatórias, pois é a partir daí que
1012

o terapeuta entende como vai funcionar este sujeito e quais possíveis ações deste (DUCHESNE;
CAMPOS; PEREIRA, 2019).
6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Diante das leituras realizadas através da construção do referencial teórico e da revisão


de literatura (tabela 2) acerca da temática discutida nesta pesquisa foi possível constatar a
relevância do assunto levando em consideração a dificuldade que se tem em chegar até esse
diagnóstico, o aumento do número de cirurgias estéticas, trazer quantitativos através de gráficos
e tabelas que demonstram as falas rotineiras de pacientes com a alimentação disfuncional, a não
adesão ao tratamento como formas enriquecer este trabalho em quesito de informações.
A plataforma que foi de melhor acesso a esse conteúdo para a construção desse trabalho
foi a do Google Acadêmico, pois essa engloba um conjunto de informações que acabam sendo
úteis para a escrita, como revistas da área da saúde informativas, trabalhos de outras faculdades
como teses, monografias e livros.

Tabela 2- Referencial Teórico

AUTOR TÍTULO ANO OBJETIVO

AMERICAN Manual diagnóstico e 2014 Fundamentar


PSYCHIATRIC estatístico de transtornos cientificamente o comer
ASSOCIATION - mentais: DSM-5. transtornado como critério
APA diagnóstico dos TA.

DE ALMEIDA, Associação entre a 2021 Fazer uma análise crítica


GOMES insatisfação corporal e sua sobre o surgimento das
relação com o crescimento de práticas estéticas como
cirurgias plásticas estéticas sugestão do modo
capitalista.

GOIS, DE FARIA A cultura da magreza como 2021 Trazer para o trabalho o


fator social na etiologia de olhar sobre a magreza.
Transtornos Alimentares em
mulheres: uma revisão
narrativa na literatura.

PONTE Beleza, produção e 2018 Refletir sobre como a


normalização do corpo em reprodução dos padrões de
narrativas de crianças. beleza estão inseridos cada
vez mais cedo.
1013

ÁLVARES, DE Correlação entre dietas 2020 Esclarecer sobre o que são as


SANTANA restritivas e o surgimento ou dietas restritivas e as quais
agravamento de transtornos podem ou não levar a
alimentares transtornos alimentares.

SOUZA et al Significados do abandono do 2019 Dialogar sobre como os


tratamento para pacientes com tratamentos são necessários
transtornos alimentares para o paciente com TA e
sobre as consequências deste
abandono de tratamento.

SILVA, MELO, Insatisfação corporal em 2021 Enfatizar sobre as questões


SILVA adolescentes e sua influência sociais e como estas
no comportamento alimentar: influenciam o sujeito e seu
uma revisão sistemática como de pensar e se
relacionar com a comida.

PIRES, LAPORT Transtornos alimentares e as 2019 Dialogar sobre intervenções


contribuições da Terapia de tratamento.
Cognitivo-Comportamental
para o tratamento

ROCHA, Indústria da Beleza como 2019 Discutir sobre os efeitos do


SANTOS, MAUX vetor da pressão estética capitalismo.

ZAMANA Transtornos alimentares 2021 Discutir sobre os


Transtornos Alimentares.

TIMERMAN Transtornos alimentares 2021 Discutir sobre as restrições


alimentares e suas
consequências.

SANTOS Padrões de beleza impostos às 2020 Refletir sobre os padrões


mulheres corporais

BARBOSA, Mindfulness, mindful eating e 2020 Enfatizar sobre a


PENAFORTE, comer intuitivo na abordagem importância do comer
SILVA da obesidade e transtornos intuitivo.
alimentares

CARVALHO et al Terapia Cognitivo- 2019 Trazer para o trabalho a


Comportamental para bulimia intervenção da Terapia
nervosa crônica e severa: Cognitivo Comportamental.
estudo de caso

BARBOSA, Psicologia e transtornos 2019 Discutir sobre a realidade de


MIRANDA alimentares: produção alguns transtornos
científica sobre anorexia e alimentares.
bulimia nervosa
1014

COPETTI, A influência da mídia nos 2018 Enfatizar criticamente como


QUIROGA transtornos alimentares e na as mídias sociais
autoimagem em adolescentes influenciam na autoimagem
do sujeito.

COSTA et al Corpo e saúde: reflexões sobre 2019 Trazer uma análise sobre
a influência das mídias sociais corpo e saúde e quais
nos padrões corporais da critérios se usam atualmente.
sociedade

FERREIRA Transtornos alimentares: 2018 Discutir sobre os sintomas


principais sintomas e acerca dos Transtornos
características psíquicas Alimentares

GODOI Emagrecimento, imagem 2019 Enfatizar criticamente acerca


corporal e autoestima: um dos processos de
estudo de caso emagrecimento.

LEITE, FREITAS A influência da mídia na saúde 2021 Discutir sobre a influência


do indivíduo: Dietas das práticas de dietas
restritivas versus Reeducação restritivas propagadas nas
alimentar mídias.

KESSLER, POLL Relação entre imagem 2018 Trazer para o trabalho


corporal, atitudes para estudos na área e
transtornos alimentares e depoimentos de outros
estado nutricional em trabalhos.
universitárias da área da saúde

NASCIMENTO et Associação entre transtornos 2019 Trazer uma perspectiva além


al alimentares, suicídio e dos Transtornos
sintomas depressivos em Alimentares, mas em quais
universitários de cursos de outros ele pode estar
saúde associado.

GONÇALVES, Terapia Cognitivo 2021 Trazer a visão da TCC como


DE ALMEIDA Comportamental para plano de tratamento para os
Transtorno de Compulsão transtornos alimentares.
Alimentar: revisão integrativa
de literatura

SOUZA et al Significados do abandono do 2019 Falar sobre a incidência do


tratamento para pacientes com abandono de tratamento dos
transtornos alimentares sujeitos com TA.

SOIHET, SILVA Efeitos psicológicos e 2019 Falar sobre os possíveis


metabólicos da restrição perigos de restrições
alimentar no transtorno de alimentares.
compulsão alimentar
1015

SILVA et al Consumo de formulações 2018 Discutir sobre os riscos de


emagrecedoras e risco de medicações para emagrecer.
transtornos alimentares em
universitários de cursos de
saúde

De acordo com os artigos utilizados, percebe-se que as pesquisas na área apontam para
um recente aumento na investigação científica, mas poucos trabalhos brasileiros. Durante a
pesquisa é bastante presente alguns termos em inglês, o que traz uma grande importância para
investigações e trabalhos nessa área. Muito do foco nessa área são estudos fora do país que
acabam representando outras realidades diferentes do país.
Durante as investigações é possível perceber um olhar ainda maior para intervenções
multiprofissionais, com o objetivo de olhar para o sujeito além do que apenas uma área, o que
aumenta a probabilidade de adesão ao tratamento. É preocupante que a área de maior foco do
tratamento ainda não tenha tantos detalhes como as redes de apoio e a importância de seu
fortalecimento quando relacionados a transtornos alimentares, existem trabalhos em outros
transtornos como depressão, ansiedade, mas com o TA não foi possível encontrar com grande
facilidade e quando encontrados eram superficiais.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista o campo teórico prático apresentado, se trata de uma área muito rica,
mas que recentemente começou a ser mais explorada, pois ainda existe uma naturalização dos
processos alimentares dos sujeitos e suas relações com a comida. Atualmente, ainda existe a
ideia de que o gordo é visto como algo feio e remete sempre a falta de saúde e cuidado, levando
para o lado de que autocuidado e a autoestima estão ligados ao peso.
Assim, o trabalho vem propor um questionamento e um olhar crítico aos caminhos e
fatores que levam aos possíveis transtornos. O olhar social para os corpos dos sujeitos são de
que existe um modelo e um ideal a ser seguido fielmente, mas o que poucos não se questionam
é se tudo isso é capaz de existir, muitos sujeitos sofrem com esse processo, pois é uma realidade
que não está acessível de maneira saudável para todos.
O principal ponto deste trabalho é colaborar para intervenções futuras e posteriores, pois
foi de uma certa forma difícil de encontrar pesquisas científicas nacionais relativos a este tema,
já que como citado ao decorrer deste trabalho as intervenções elas precisam ser cautelosas e
1016

criteriosas, pois muitos destes comportamentos estão entrelaçados ou até camuflados por outros
tipos de transtornos como a ansiedade.
Uma das grandes dificuldades foi trazer dados estatísticos para enriquecer o trabalho,
pois muitas vezes existem pesquisas no campo quantitativo que falam a mais do que pesquisas
qualitativas, trazendo uma variedade ainda maior para o trabalho. Outro ponto pouco
investigado foi os arquivos científicos, muitos eram enxutos, com poucas informações,
argumentações pouco desenvolvidas e assim as pesquisas ficavam mais difíceis, por isso a
importância ainda maior deste trabalho para a academia.
Este trabalho foi construído a partir de um conjunto de pesquisas já publicados na área
baseado nos critérios de inclusão. Os trabalhos quando pesquisados eram pegos e colocados
com citações em sua maioria indiretas para dar uma argumentação ao que está sendo dito, as
tabelas e gráficos foram retirados também de artigos científicos em sua maioria da própria
autoria dos pesquisadores, o que só reforça a falta de investigação nesta área.
A maioria das alternativas estéticas estão ligadas diretamente aos modelos norte-
americanos, o brasileiro se baseia em uma realidade não vivenciada em seu país. Valores, ideais
e cultura são totalmente diferentes, então consequentemente os sujeitos irão tentar e não irão
conseguir de maneira natural. O Brasil é um país onde as pessoas são bastante imediatistas,
assim procuram soluções rápidas para que esse problema seja resolvido, porém não é medido
quão longe essas soluções podem ir.
As cirurgias estéticas são procedimentos que foram naturalizados no Brasil para fins
rápidos e propagados como soluções viáveis para esse sujeito. Alguns contam com chás e
remédios emagrecedores como maneira que brilham os olhos de quem ver, o que ressalta ainda
mais esse brilho é a internet que ocupa um lugar de grande influência atualmente, onde muitos
influenciadores digitais acabam fazendo propaganda de tais fins como se fossem acessíveis e
possíveis para todas as pessoas e que esta realidade pode ser vivida se com muito esforço.
Ao falar sobre essas lógicas estéticas pode-se discutir sobre o modelo de produção
capitalista que cerca as realidades brasileiras, ao qual, diante de qualquer oportunidade, uma
delas para lucrar com isso e ofertar sua venda, colaborando para esses processos pode-se incluir
o modelo de práticas médicas, pois muito dos procedimentos estéticos realizados, são feitos
pois no Brasil existe uma força avassaladora dos médicos como detentores do saber .
Após toda essa discussão seguindo a lógica, se traz o comer transtornado ou comer
disfuncional como consequência dos ideais sociais propostos pela sociedade que se propõem a
1017

serem seguidos, vem de uma reflexão sobre as possíveis consequências e relacionados ao


problema de pesquisa a fim de relacionar não só causas biológicas ou psicológicas, mas que o
sujeito está inserido em uma sociedade que entra como fator desencadeante em muitos casos.
Posteriormente, é importante trazer sobre as significações do comer e como este ato
pode ser significante para alguns sujeitos, pois o olhar da comida pode trazer benefícios e
malefícios para quem o ingere a depender do seu olhar. Dentro desse ponto de vista é
importante destacar suas influências e seus resultados se vistos de uma forma não saudável,
fazendo com que o sujeito interprete o seu modo alimentar como única forma de chegar ao
ponto exigido pela sociedade.
A Terapia Cognitivo Comportamental vem trazer suas contribuições e o seu olhar para
esse trabalho, pois é de forma bastante cautelosa e acolhedora que se precisa olhar para esse
sujeito que está passando por esse problema. É indispensável que se tenha a ideia da maneira
como funciona esse processo para o sujeito, pois é a partir desta prática que se traça planos
interventivos de tratamento para este comer Transtornado.

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MODOS DE SER E ESTAR: a atuação do (a) profissional de psicologia em um centro


de referência da assistência social através de um relato de experiência.

Ingridy Vitória Dantas de Lira1


Maria Cecília Azevedo Ferreira2
Míriam Câmara3
Amanda Carolina Claudino Pereira4

RESUMO

O presente trabalho visa apresentar e discorrer sobre a atuação do profissional de Psicologia no


Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) a partir de um relato de experiência dado
em um CRAS da cidade de Mossoró/RN haja vias de um estágio básico em Psicologia. Desse
modo, o CRAS enquanto equipamento responsável por prestar assistência em áreas de
vulnerabilidade e risco social, tem como parte fundamental de sua equipe o psicólogo. Diante
da atuação deste, reflexões sobre o fazer deste membro no campo da assistência social são
suscitadas mediante aos contextos vivenciados. Portanto, entende-se a importância e a
necessidade da presença do psicólogo nos equipamentos socioassistenciais, bem como do valor
dos estagiários para promoção de um fazer atual mediante novas visões, trazendo e
proporcionando uma renovação e motivações para um fazer ético e comprometido socialmente
com os sujeitos que ali permeiam.
Palavras-chave: CRAS; psicologia; atuação.

ABSTRACT

This paper aims to present and discuss the work of the psychology professional in the Reference
Center for Social Assistance (CRAS) from an experience report given in a CRAS in the city of
Mossoró/RN through a basic training in psychology. Thus, the CRAS, as an equipment
responsible for providing assistance in areas of vulnerability and social risk, has the
psychologist as a fundamental part of its team. Thus, in view of the psychologist's work,
reflections about the work of this member in the field of social assistance are raised by the
contexts experienced. Therefore, it is understood the importance and the need for the presence
of the psychologist in the social welfare equipment, as well as the value of the trainees for the
promotion of an actual work through new visions, bringing and providing a renewal and
motivation for an ethical and socially committed work with the people who live there.
Keywords: CRAS; psychology; representation.

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail para contato:
ingridydll@gmail.com
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail para contato:
ceciliazevedo.13@gmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail para contato:
miriancamara1@hotmail.com
4
Orientador(a): Amanda Carolina Claudino Pereira. Professora da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte
(FCRN). E-mail: profamandaclaudino@gmail.com
1023

INTRODUÇÃO

A Psicologia possui diversas áreas de atuação, que se baseiam em linhas teóricas


distintas, contribuindo para seu fazer profissional. No entanto, a formação acadêmica da
Psicologia no Brasil ainda possui um lugar elitizante, com teorias e métodos voltadas para o
diagnóstico e prevenção, com base em teorias norte-americanas. Por isso, fez-se necessário o
desenvolvimento de uma psicologia crítica, que vá além do diagnóstico, buscando o
acolhimento dos sujeitos em todos os territórios, com a promoção de uma psicologia mais
acessível. A partir disso, surge a psicologia social comunitária, com o intuito de repensar a
formação dos psicólogos, trazendo um olhar crítico voltado para as questões sociais,
econômicas, políticas e culturais, compreendendo que as demandas do sujeito necessitam ser
vistas a partir de todos esses aspectos (AZEVÊDO; PARDO, 2014).
Para além disso, faz-se importante pensar uma visão social, que considere a
historicidade do sujeito, compreendendo as questões sociais e suas mudanças ao longo do
tempo. Para isso, Azevêdo e Pardo (2014, p. 202), discutem: “[...] a psicologia social
comunitária prioriza a qualidade de vida de indivíduos, o desenvolvimento das relações
comunitárias e a construção de políticas sociais comprometidas com os direitos humanos”.
Através dela, institui-se uma psicologia social crítica, pensada no contexto latino-americano,
portanto, abarcando as necessidades e demandas da população brasileira, rompendo com a
psicologia importada norte-americana, que não dá conta das questões sociais presentes no
território da América Latina e, principalmente, do Brasil.
Por conseguinte, a atuação do psicólogo no Centro de Referência da Assistência Social
(CRAS) parte dos princípios da psicologia social comunitária, visando acessar as minorias em
seus territórios, trabalhando de modo individual e grupal, em busca de assegurar os direitos dos
indivíduos, através da conscientização e da busca pela garantia do desenvolvimento e efetivação
das políticas públicas. Pois, entende-se que é somente através da consciência de seus direitos
que os sujeitos poderão lutar por eles, com uma emancipação política e social, como afirma
Paulo Freire, em seu livro “Pedagogia do Oprimido” (1987, p. 27):

A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá, dois


momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da
opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em
que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e
passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.
1024

Para isso, faz-se necessário que o psicólogo inserido no CRAS possa acessar o território,
percorrendo os caminhos e entrando em contato com a população. Compreendendo as questões
sociais através de um olhar crítico, considerando os aspectos sociais, culturais, territoriais,
históricos e políticos, colocando-se, assim, ao lado do povo na luta pelos direitos, assumindo o
compromisso social e ético com o território. Este compromisso é posto como princípio
fundamental do Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005, p. 7), que diz que: “II. O
psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das
coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. ”
A partir deste referencial, desenvolve-se este relato de experiência como uma via de
apresentação e descrição de vivências e práticas que têm a finalidade de ampliar e fomentar os
saberes teóricos já desenvolvidos e de suscitar o desenvolvimento de novas hipóteses, teorias e
modos de fazer mediante uma ciência. Exposto isso, o relato aqui desempenhado apoia-se sobre
o estágio básico em Psicologia Social, desenvolvido durante o semestre letivo 2019.1, na
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). Ressalta-se ainda que o mesmo fora
experienciado e desempenhado pelas autoras deste produto e que encontra-se fundamentado
pelo relatório de estágio e diário de campo apresentados e entregues na conclusão da disciplina
de Estágio Básico I.
Além de tanto, este estudo encontra-se fundamentado pela realização de uma pesquisa
bibliográfica nas plataformas Scielo e PEPSIC no intuito de enriquecer e fortalecer as
informações relatadas. Deste modo foram selecionados artigos que compõem as referências
desta pesquisa, tendo por exceção apenas as orientações técnicas que são de suma importância
e valor quando falamos sobre a atuação profissional do psicólogo no CRAS.
Objetiva-se, portanto, relatar os fatos e vivências experienciados no estágio em um
CRAS da cidade de Mossoró, ao qual nomeou-se como CRAS-Bom Jesus, proporcionando uma
interrelação das descrições com reflexões que partem do papel e da atuação do psicólogo, bem
como do serviço que é ofertado no Centro de Referência da Assistência Social.

O CENTRO DE REFERÊNCIA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (CRAS)

A partir da Constituição de 1988, passou-se a discutir questões a respeito da assistência


social visando a promoção e a prevenção da saúde para o bem-estar da população, entrando,
1025

assim, em vigência a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), garantindo os direitos


negligenciados pela desigualdade social através das políticas públicas e priorizando a cidadania.
Portanto, com base nas diretrizes estabelecidas pelo LOAS, nasce o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) de onde se origina a Política Nacional da Assistência Social (PNAS,
2004), administrando as políticas de Assistência Social, garantindo a autonomia do sujeito
diante do seu território, da comunidade e fortalecendo os vínculos para a promoção da vida.
O SUAS se propõe a atuar através da Proteção Social Básica, no campo da baixa
complexidade visando a prevenção, proteção e proação estabelecidas no Centro de Referência
da Assistência Social (CRAS), e da Proteção Social Especial, no campo da média e alta
complexidade, promovendo o acolhimento institucional por meio do Centro de Referência
Especializado da Assistência Social (CREAS).
Para tanto, o CRAS, sendo a principal porta de entrada do SUAS, é uma instituição
pública estatal responsável pela distribuição dos serviços da proteção social básica nas áreas de
vulnerabilidade e risco social dos municípios. Logo, a partir do processo de territorialização,
busca conhecer a comunidade, investigando suas necessidades e potencialidades para o
enfrentamento das situações de risco. Possui ainda como exclusividade o oferecimento do
Serviço de Proteção e Atendimento Integral da Família (PAIF) que concede o acolhimento,
encaminhamento, grupos PAIF (grupos temporários que visam atuar sobre as necessidades que
advém de situações vulneráveis), atendimento individualizado e ações comunitárias. Por
conseguinte, possui, também, como eixo estruturante o matriciamento sociofamiliar que se
constitui nas intervenções focadas na família.
Para Queiroz (2018), o território é uma matéria viva e torna-se fundamental conhecê-lo
e entendê-lo para efetivação dos serviços assistenciais da saúde, uma vez que é de tal forma que
se toma conhecimento das vulnerabilidades instaladas na comunidade, bem como se adquire o
material para que se possa buscar enfrentar tais impasses. Seguidamente, ao adotar esse
panorama se torna possível um maior alcance da população, já que há uma descentralização dos
serviços assistenciais do núcleo do CRAS para as áreas próximas, garantindo uma maior
efetividade das funções propostas pelo equipamento e promovendo uma prevenção, proteção e
proação na vivência dos sujeitos.
Por sua vez, essas três estratégias primordiais na assistência social, tratam-se da
proteção social básica que visa garantir que os serviços do equipamento estejam alinhados para
que haja prevenção de riscos e situações de violência e vulnerabilidade na vida dos usuários e
1026

da comunidade. Sendo assim, havendo ainda estratégias adotadas à fim de proteger tais famílias
das ameaças e proagir da melhor forma e com antecedência mediante qualquer suspeita de
violência. Com isso, Oliveira e Dantas et al (2011) ressaltam que “cabe aos profissionais do
CRAS atuar frente às situações de vulnerabilidade em que se encontram as famílias-alvo de tais
programas, de forma a fortalecer os vínculos sociais e comunitários dessas”.
Imediatamente, o matriciamento sociofamiliar atua diretamente com a família, sendo
essa compreendida como núcleo social fundamental para efetivação das políticas sociais. Para
isso, considera-se família um conjunto de indivíduos unidos por laços de sangue ou afeto,
efetivada em um ambiente único de autonomia, representação social, acolhimento e sendo ainda
permeada por diversos conflitos. Entende-se família como um núcleo para além dos modelos
tradicionais, homogêneos e idealizados da sociedade, no qual as intervenções partirão da
subjetividade dos sujeitos, da forma que se organizam entre si, de seus valores, costumes,
cultura, identidades e potencialidades; objetivando, por fim, o fortalecimento da família e dos
vínculos estabelecidos, garantindo seu acesso às políticas ofertadas.
Além desses serviços, o CRAS também oferta benefícios como o de transferência de
renda, Benefícios de Prestação Continuada (BPC), benefícios eventuais, entre outros; e
programas e projetos de capacitação e promoção da inserção produtiva, de enfrentamento à
pobreza, à fome e geração de trabalho e renda.

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO CENTRO DE REFERÊNCIA DA ASSISTÊNCIA


SOCIAL (CRAS)

A Psicologia na assistência social tem como responsabilidade identificar as principais


demandas psicossociais da comunidade de forma que se afaste do modelo assistencialista, logo,
deve compreender e identificar a necessidade dos sujeitos a partir do contexto histórico, social
e pessoal para que haja uma intervenção psicológica efetiva (FLOR; GOTO, 2015).
O psicólogo deve sempre buscar a criatividade e a inovação para que possa atuar de
forma diferenciada nas realidades em que se encontra, praticando sempre a criticidade e
evitando a responsabilização do sujeito pela sua condição de vulnerabilidade. O profissional de
psicologia não deve atuar com atendimentos clínicos no CRAS, de forma que não podem
patologizar os usuários do equipamento, mas sim encaminhá-los para os centros de saúde
quando necessário. (ARAÚJO, 2014).
1027

Portanto, o psicólogo pode participar das ações do CRAS em conjunto com a equipe
interdisciplinar, de maneira que essas ações se articulem com as já existentes no território, sendo
necessária a realização de intervenções voltadas para os movimentos sociais. A atuação do
psicólogo deve ser fundamentada em investigações sobre o público-participante no seu
território de abrangência, que se encontra em situação de vulnerabilidade social e privação e/ou
fragilização de vínculos e de pertencimento social (CFP, 2007, p. 28). Caso seja necessárias
intervenções que não são ofertadas pelo CRAS, o psicólogo deve buscar auxílio em outros
equipamentos públicos que possam atender essa demanda, garantindo, desse modo, o direito
dos sujeitos ao acesso de serviços de qualidade.
Para nortear o trabalho do psicólogo nesse campo, o Centro de Referência em Psicologia
e Políticas Públicas (CREPOP) estabeleceu alguns princípios gerais, sendo esses: 1) Atuar de
acordo com as diretrizes e objetivos das PNAS e da Proteção Social Básica, cooperando para a
efetivação das Políticas Públicas e de desenvolvimento social; 2) Atuar de forma
interdisciplinar, buscando a interação de saberes e a complementação de ações; 3) Atuar a partir
do contexto local, baseado nos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais; 4) Atuar
baseado na leitura e inserção, para melhor compreendê-la e possibilitar intervenções junto aos
seus moradores; 5) Atuar para identificar e potencializar os recursos psicossociais individuais
e coletivos, com intervenções nos âmbitos familiar, grupal, individual e comunitário; 6) Atuar
apoiado no diálogo entre o saber popular e o saber científico da Psicologia; 7) Favorecer
processos e espaços de participação e mobilização social e organização comunitária; 8) Manter-
se em permanente processo de formação profissional, construindo, desse modo, práticas
contextualizadas e coletivas; 9) Atuar com prioridade de atendimento aos casos de
vulnerabilidade e risco social; 10) Atuar para além das configurações convencionais, em
espaços adequados ao desenvolvimento das ações (CFP, 2007, p. 20-21).
Sendo assim, o trabalho do psicólogo no CRAS tem como objetivo a atenção e a
prevenção a situações de risco, o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, o
conhecimento das vulnerabilidades existentes no território, a integração das famílias nos
serviços ofertados pela proteção social, a redução dos descumprimentos das regras do PBF e o
desenvolvimento das potencialidades dos sujeitos, de modo que eles conheçam os seus direitos
(ARAÚJO, 2014).

RELATO DE EXPERIÊNCIA
1028

O estágio em questão deu-se em busca da percepção das vivências únicas


experimentadas pelas pessoas que habitam o território do CRAS Bom Jesus, abrindo novos
horizontes aos olhares que se propõem a enxergar a singularidade para além dos âmbitos
elitizados, fortalecendo os laços da psicologia dentro das comunidades e permitindo que os
estudantes gozem das práticas do psicólogo dentro da atuação social.
Para a realização de suas atividades, este Centro de Referência da Assistência Social –
CRAS localizado na cidade de Mossoró/RN, possui como estrutura física duas áreas externas,
sendo uma localizada na entrada e outra nos fundos, uma sala de entrada, em que há uma TV e
algumas cadeiras. Há ainda uma sala de atendimento, que possui um computador, mesas,
cadeiras e armários com os arquivos da instituição, uma sala da coordenação com mesa, cadeira
e armário, uma sala de brinquedos, uma cozinha, um banheiro para funcionários e um banheiro
para usuários, e uma sala para intervenções e grupos que fica nos fundos da instituição. O CRAS
em questão dispunha de uma equipe composta por uma Psicóloga, uma Técnica em Sociologia,
uma Técnica em Enfermagem, duas Assistentes Sociais e Cozinheiras.
Nesse equipamento, uma sequência de atividades eram realizadas a cada dia da semana,
quando nas segundas-feiras eram efetuados atendimentos individualizados ou em grupo por
demanda espontânea e uma vez no mês eram feitas visitas domiciliares; nas terças e sextas-
feiras realizavam-se atendimentos individualizados ou em grupo por demanda espontânea; às
quartas-feiras pela manhã havia o encontro do grupo das crianças e pela tarde do grupo dos
jovens; por fim nas quintas-feiras à tarde o grupo de idosos acontecia.
A partir disto, o primeiro encontro, executado durante a tarde do dia 07 de outubro de
2019, desdobrou-se sobre a experimentação do equipamento social em sua composição, desde
suas instalações, a funcionários e vivências do local. Partindo da noção de que no CRAS – Bom
Jesus às segundas-feiras à tarde apenas realizavam-se atendimentos ou visitas domiciliares, no
dia em pauta foi realizada a acolhida de duas moradoras do bairro que buscavam atendimento
psicológico. Assim em diante, tomou-se conhecimento das principais demandas percebidas pela
psicóloga através de sua atuação e vivência na comunidade.
No dia 17 de outubro de 2019, com o segundo encontro no campo de estágio, vivenciou-
se junto à comunidade frequente no grupo de idosos uma discussão propiciada pela Secretaria
de Saúde do município sobre o outubro rosa e os desdobramentos do câncer de mama, bem
como sua prevenção. Por conseguinte, presenciou-se ainda o planejamento de uma ação entre
1029

a psicóloga e algumas demais estagiárias presentes que se propunham a realizar uma


intervenção ainda com foco na campanha de prevenção ao câncer de mama.
Durante o dia 31 de outubro de 2019, estabelecendo o terceiro encontro no campo de
estágio, vivenciou-se novamente junto ao grupo de idosos que se fez presente algumas
atividades de discussão sobre as experiências da velhice, promovidas pela psicóloga juntamente
de outras estudantes, bem como atividades de práticas físicas com um estagiário em educação
física. Sugerimos ainda uma intervenção buscando abarcar problemáticas que surgiram nos
discursos dos sujeitos que, por sua vez, reclamavam e se queixavam que poucas atividades
ainda os estimulavam a frequentar o equipamento, relatando que o grupo estava chegando ao
fim. Tal relato já havia sido apontado pela psicóloga atuante no CRAS – Bom Jesus, onde falava
que alguns membros haviam parado de frequentar o grupo por diversas divergências que se
instalaram, dentre elas impasses religiosos. Assim, sentiu-se necessário a realização de uma
intervenção que possibilitasse os sujeitos a trazerem suas falas e experiências à tona.
Por conseguinte, no dia 07 de novembro, deu-se a realização de tal proposta
interventiva. Logo, essa se consistiu por meio de uma tenda de contos que se dava a partir de
discursos que surgiam através da escolha de objetos com os quais os sujeitos possuíssem alguma
identificação. Para tanto, disponibilizou-se na sala um grande baú cheio de diversos e variados
objetos, tanto como uma cadeira aconchegante para que houvesse conforto e acolhimento
àquele que se propusesse a se aproximar, participar e dizer de suas vivências e histórias. Assim
sendo, percebeu-se inicialmente que os indivíduos se encontravam permeados pela curiosidade
e ludicidade que o baú os proporcionava enquanto fechado. Quando a dinâmica toma partida,
os sujeitos tendem a proferirem discursos que, em sua maioria, remetem a infância, de acordo
com suas escolhas de objetos.

Imagem 1 – Tenda do Conto


1030

Fonte: fotografia das autoras, 2019.

Sendo uma comunidade ainda bastante ruralizada, o Bom Jesus teve a promoção de
energia à sua população em ano recente, estando afastado da zona urbana da cidade de Mossoró,
trazendo grandes dificuldades para seus moradores, por isso, era inevitável tais fatores na fala
das pessoas que se sentiam tocadas ao ver lampiões5, relembrando suas histórias e dificuldades.
A dinâmica foi vista e avaliada de maneira positiva pelos participantes, contudo foi ainda
notado durante o momento o surgimento de uma grande onda de empatia, pela identificação
gerada pelos contos exprimidos. Notou-se que proporcionando a fala e trazendo à tona aspectos
do passado, foi possível a reanimação do grupo, uma vez que a atividade se traduziu de forma
lúdica e interessante, ofertando oportunidade de suscitar a subjetividade de cada um, gerando
identificação e empatia entre o grupo, e percepção de ocupação do sujeito sobre sua realidade.
Imagem 2 – Objetos disponíveis no baú

5
Dispositivo/objeto a base de querosene utilizado como fonte de iluminação. Também conhecido como
lamparina.
1031

Fonte: fotografia das autoras, 2019.

Em sequência, no encontro realizado no dia 11 de novembro, experienciamos as visitas


domiciliares, que somaram 4 em sua totalidade. Sendo assim, iniciaram-se na residência de um
idoso que é acompanhado pela psicóloga em função da necessidade que ele possui de usufruir
do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no entanto vêm-se lutando em busca desse
durante 5 anos ainda sem sucesso. Seguindo, visitou-se mais duas residências de idosos que
frequentam o grupo das quintas-feiras e que vinham sendo convidados a participarem de uma
confraternização, portanto a psicóloga estava em busca de suas assinaturas.
Por fim, a última visita ocorreu na casa de uma idosa que não é acompanhada pela
psicóloga, mas que durante o momento proposto relatou diversos problemas enfrentados por
ela, enquanto mulher idosa, na comunidade que, por sua vez, possui em maioridade
populacional pessoas anciãs que vivem no local desde sua infância. Posto isso, foi inegável a
percepção da precariedade vivenciada pela população do bairro Bom Jesus, que comporta casas
de taipa, estradas em barro e apenas uma escola, uma Unidade de Educação Infantil (UEI) e
uma Unidade Básica de Saúde (UBS), no entanto não possui nenhuma farmácia, nenhum
hospital ou clínica e nenhuma praça. Com isso, os moradores são constantemente obrigados a
visitarem o centro da cidade, que é distante, para acessarem mecanismos de saúde, educação e
lazer.
Ao longo do último encontro, ocorrido no dia 21 de novembro, assistiu-se uma nova
intervenção com o grupo de idosos, que foi formado em tal dia por um quantitativo em suma
maior que os demais que foram observados e relatados anteriormente, onde foi realizado uma
1032

discussão interativa sobre os desdobramentos do tornar-se idoso em busca da desmistificação


de alguns ideais existentes. Em seguida, foi ainda pautado um sorteio de diversos brindes,
gerando uma grande animação entre os participantes.
Além disso, faz-se importante pensar a relevância da vivência do estágio, assim, como
estagiária 1, experienciar o estágio me possibilitou visualizar a psicologia social comunitária
na prática. Logo, aprendi sobre o processo de territorialização, do acesso à população,
principalmente através das visitas domiciliares, além da convivência no grupo de idosos.
Visando isso, notei a importância dos grupos de convivência de idosos no CRAS, que possibilita
o encontro e a troca de experiências e cuidado. Desse modo, a partir da intervenção realizada,
foi possível perceber o processo de identificação com o bairro, apresentado nas falas sobre os
laços formados na comunidade. Por fim, a falta de espaços de lazer e de segurança foi bastante
discutida pelos usuários, a partir disso, notei a necessidade da efetivação das políticas públicas,
que garante os direitos da população.
Ainda, como estagiária 2, foi possível vivenciar momentos muito valiosos para o
percurso de graduação. Em que pôde-se explorar perspectivas diversas no município, na qual
nem sempre são alcançadas pela falta de atenção e de assistência dada particularmente à
população idosa, que encontram nos Centros de Referência um espaço com a possibilidade de
abertura para serem ouvidas e ocuparem um lugar de pertencimento, fortalecendo a
comunidade. Sendo constantemente necessário evidenciar a negligência do Estado com as
populações que se encontram mais afastadas do centro das cidades ou em zonas rurais. Em
suma, experiências como a tenda de contos proporciona o acolhimento e o fortalecimento de
laços entre os sujeitos em atuações realizadas por profissionais da Assistência Social.
Enquanto estagiária 3, foi possível muito retirar de aprendizado dessa experiência. Para
além de toda as diferenças que a prática se aparta e se divide da teoria, que é tão bonita e ideal
na academia, percebe-se em campo muito do valor da psicologia, como do serviço prestado
como um todo para a comunidade que usufrui e frequenta o CRAS. No entanto, tudo isso faz-
me ainda questionar e refletir sobre o perigo da exaltação de profissionais e saberes que, em
determinados lugares e espaços de vulnerabilidade, acabam se excedendo e tornando-se palavra
de rei, quando em realidade, por diversas vezes e motivos outros, os profissionais estão distantes
de um fazer ético, estando desatualizados e descompromissados com o fazer. Tudo isso reflete
de modo negativo na vida dos sujeitos que tanto apostam naqueles discursos. Por fim, além de
tudo já dito e exposto, entende-se aqui da necessidade de poder sempre nos questionar e
1033

reinventar diante de nossas atuações tendo em vista um compromisso ético com o que nos
propomos realizar e com as vidas que apostam em nosso fazer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estágio básico desempenhado possuía enquanto objetivo ampliar os conhecimentos a


respeito da psicologia social e proporcionar o contato com vivências transmitidas pela
comunidade e pelos profissionais que atuam no CRAS do bairro Bem Viver em Mossoró,
permitindo a observação na prática da constituição do trabalho do psicólogo nos equipamentos
sociais a partir das práticas da Psicologia Social Comunitária, que traz uma visão crítica voltada
para as questões sociais, compreendendo a historicidade dos sujeitos e garantindo seus direitos
enquanto cidadãos, levando a ocupação de novos horizontes além da academia. É com isso que
se depreende aqui a relevância dos estágios para formação profissional e acadêmica dos
discentes, uma vez que as experiências relatadas e vividas outrora não poderiam ser
experimentadas em sala de aula, e, por sua vez, deixariam uma grande lacuna ao proporcionar
que um novo profissional estivesse disposto a atuação sem a vivência e a prática que os campos
ofertam, logo sem um preparo adequado.
Para além disso, é notório também que a recepção de estagiários pelos profissionais em
seus ambientes de trabalho é uma importante ferramenta e oportunidade não só para o discente
que está em aprendizado, mas também para o profissional da psicologia que, muitas vezes,
encontra-se enrijecido em seu fazer, desmotivado ou desatualizado de uma prática
comprometida e eficaz com as necessidades que a comunidade demanda. A presença de
estudantes oferta não só um amparo, como também novas visões de como agir e acolher em
situações que antes não se compreendiam como proceder.

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1035

MONITORIA ACADÊMICA DA DISCIPLINA DE MÉTODOS DE PESQUISA: um


relato de experiência

Nicholas do Amaral Oliveira1


Karidja Kalliany Carlos de Freitas Moura2

RESUMO

A monitoria acadêmica realizada no ensino superior, é um modelo de ensino-aprendizagem


disponibilizado pelas instituições de ensino superior com o intuito de ser um fator divisor de
águas na educação do aluno de graduação, visto que dá a oportunidade aos lecionados, tanto os
monitores como os monitorados, de uma educação coletiva, voltada para o aluno, de modo que
seja possível aos estudantes visualizarem de um foco divergente, a ideia de docência. Além
disso, as técnicas e atividades aplicadas no período de serviço, podem contribuir para
ultrapassar barreiras pessoais, como a timidez, o aumento do ciclo social dos discentes e
barreiras profissionais, como o enriquecimento do currículo acadêmico. Desse modo, este
trabalho objetiva revelar a experiência vivenciada no exercício da monitoria acadêmica da
disciplina de Métodos de pesquisa, disciplina disponibilizada pela Faculdade Católica do Rio
Grande do Norte. Logo, numa compreensão pragmática, procura estabelecer os pontos de
ensino/aprendizagem da matéria e a magnitude do exercício monitorial, por meio de pesquisas
bibliográficas com fontes do Google Acadêmico, Scielo, Portal de Periódicos CAPES e na Fixa
normas de organização e funcionamento do ensino superior. Fazendo-se relevante a discussão
das demandas atreladas à monitoria no ensino superior, seus desafios, suas competências e suas
qualificações.
Palavras-chave: Monitoria acadêmica; Métodos de pesquisa; Metodologia da pesquisa
científica.

ABSTRACT

Academic monitoring carried out in higher education is a teaching-learning model provided by


higher education institutions with the aim of being a watershed factor in the education of
undergraduate students, since it gives the opportunity to teachers, both monitors and those being
monitored, of a collective education, focused on the student, so that it is possible for students
to visualize the idea of teaching from a different focus. In addition, the techniques and activities
applied during the service period can contribute to overcoming personal barriers, such as
shyness, the increase in the social cycle of students and professional barriers, such as the
enrichment of the academic curriculum. Thus, this work aims to reveal the experience lived in

1
Graduando de Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. Email:
nickamaraloliveira@outlook.com
2
Doutora em Ciências (UFERSA)/Professora da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. Email:
extensao@catolicadorn.com.br
1036

the exercise of academic monitoring of the Research Methods discipline, a discipline provided
by the Catholic Faculty of Rio Grande do Norte. Therefore, in a pragmatic understanding, it
seeks to establish the teaching/learning points of the subject and the magnitude of the
monitoring exercise, through bibliographic research with sources from Google Scholar, Scielo,
Portal de Periódicos CAPES and in the Fixa norms of organization and functioning of teaching.
higher. Making it relevant to discuss the demands linked to monitoring in higher education, its
challenges, its competences and qualifications.

Keywords: Academic monitoring; Research methods; Scientific research methodology

1 INTRODUÇÃO

A metodologia da pesquisa científica, além de guiar os seus estudantes na organização


de trabalhos acadêmicos, de auxiliar às questões metodológicas de trabalhos científicos
realizados comumente em nível de graduação, em propiciar uma produção científica dentro das
normas padrões de escrita acadêmica, como a Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), ela procura, dentre todo o seu arcabouço, estimular os discentes com a finalidade de
que os mesmos não tolerem uma existência a qual suas perguntas prossigam permanecendo
como indagações, afirma Pereira et al. (2018).
Além de introduzi-los no campo dos conhecimentos racionais e sistemáticos,
impactando tanto no indivíduo acadêmico, quanto o profissional, uma vez que esses caminham
juntos no mundo das ideias, complementa Lakatos e Marconi (2010).
Portanto, sendo a metodologia da pesquisa científica uma matéria disponibilizada em
um nível de ensino superior, a mesma se encara em um universo profissionalizante, repleto de
compromissos éticos e políticos para/com indivíduos ativos socialmente, logo, dentro do seu
projeto de ensinamento, é indispensável um tipo de formação mais real e efetiva, no qual seja
possível uma maior amplitude de possíveis certezas profissionais dos discentes, como é o
exemplo da monitoria acadêmica. (ANDRADE, 2018)
O modelo monitorial, também chamado de método lancasteriano criado por Joseph
Lancaster, foi considerado um modelo pedagógico de caráter continental, dado que se espalhou
por todo o continente americano em meados do século XIX. Este método, é advindo de um
sistema histórico relacionado ao processo de independência política de colônias americanas e
da Revolução Industrial Inglesa, em virtude disto, possuía e ainda possui uma dialética definida
pela divisão social do trabalho, assim sendo, o método era estabelecido por cinco princípios
funcionais, como afirma Ferreira Júnior (2010, p. 43), no livro “História da Educação Brasileira:
1037

da Colônia ao século XX’’.


Como por exemplo: O uso de lecionandos que tivessem melhor rendimento em
determinada disciplina para auxiliar o professor no ensino dos demais alunos, a possibilidade
de comunicação docente-discente, já que o aluno monitor era o único com autoridade para se
comunicar diretamente com o professor, como também de desempenhar o papel de mediador
pedagógico, cada monitor ficava responsável por, em média, 10 alunos, numa sala de 500, pelo
método lancasteriano, além de serem responsáveis pela aplicação de sadismos pedagógicos
(castigos físicos) em monitorados, devido a aplicação dessa mesma “pedagogia” nos discentes
monitores pelos mestres, como acrescenta o autor.
No entanto, atualmente, a Lei n.º 5.540, de 28/11/1968 prevê a monitoria acadêmica,
afirmando a obtenção desses cargos para aqueles alunos de graduação que se submeterem a
provas específicas e possuírem uma certificação de rendimento de atividades técnico-didáticas
da disciplina determinada, de certo modo, ainda seguindo um dos principais fundamentos da
prática monitorial. Servindo, também, o título de monitor como uma sequente entrada em um
caminho profissional e acadêmico em magistério superior.
Possibilitando, dessa forma, o estímulo do aluno monitor para seguir um possível
caminho docente, uma vez que a monitoria promove um aprofundamento do conhecimento e o
estreitamento de relações professor e alunos nas atividades de ensino e aprendizagem,
concedendo experiências positivas e negativas do âmbito da educação, como o subsídio no
aprendizado de alguém, todavia é acometido com condutas impróprias de estudantes (faltas,
descumprimentos de metas e demais desafios da profissão de lecionador), conclui Gonçalves et
al. (2021), em complemento de Matoso (2014).
Nesse viés, o presente artigo teve como objetivo relatar a vivência, através de um relato
de experiência, em relação a monitoria acadêmica, realizada no período de setembro de 2021 a
junho de 2022, de forma voluntária, extracurricular, disponibilizada aos alunos de no mínimo,
quinto semestre, do curso Bacharelado e Licenciatura em Psicologia, da Faculdade Católica do
Rio Grande no Norte, localizada em Mossoró-RN.

2 CONTRIBUIÇÃO E IMPORTÂNCIA DA MONITORIA NA FORMAÇÃO


ACADÊMICA DO ESTUDANTE-MONITOR

A importância da monitoria nas disciplinas do ensino superior excede o caráter de


obtenção de um título, seja no aspecto pessoal de ganho intelectual do monitor, seja na
1038

contribuição dada aos alunos monitorados e, principalmente, na relação interpessoal de troca de


conhecimentos entre os professores da disciplina, o aluno e o monitor.
Nessa perspectiva, destaca-se a monitoria, uma modalidade de estágio interno, que tem
como uma de suas finalidades despertar no discente o interesse pela docência, preparando-o
para uma futura experiência profissional nesta área, daí porque o programa de monitoria na
universidade se constitui em uma importante ferramenta para conceber os alicerces de uma
formação voltada para a docência (MEDEIROS et al., 2017).
Mesmo sendo uma ferramenta que persiste além do apoio e da colaboração do estudante-
monitor aos demais estudantes e docentes, a monitoria parte de um exercício devidamente
elaborado e pensado de forma minuciosa, posto que a mesma é continuamente utilizada para
questões vinculadas a obtenção de horas extras, bem como com o cumprimento de atividades
extracurriculares, exibindo também um peso de pontos determinantes para a ingressão em
concursos, programas de residência e pós-graduação (OLIVEIRA, ROCHA e PEREIRA,
2014).
Partindo desse princípio, Silveira (2017) delimita a função do monitor como ser um elo
entre lecionador e lecionados, uma vez que estando no mesmo patamar de estudante, como os
demais alunos, é possível a criação de um sentimento de igualdade, partindo da ideia de que,
por estar em um patamar mais avançado, o monitor precisou passar por onde os monitorados se
encontram. Dessa maneira, é importante que haja a percepção de que, além da sua própria, o
aluno-monitor acaba sendo responsável por diversas outras, sendo a monitoria muitas vezes um
tipo de estágio que pode ser implementado por um ano, igualando o total de dois semestres, há
o contato com variadas turmas e diversos alunos, ocupando assim uma posição de destaque
dentro da instituição de ensino (ANDRADE, 2018).
Logo, ponderando o modo como o monitor deve agir, esse, ao se disponibilizar na
contribuição do processo de ensino-aprendizagem, acaba se tornando o principal colaborador
do professor orientador, do mesmo modo que este discente se torna o principal auxílio no
estabelecimento e reforço do conteúdo em sala de aula.
Ou seja, é importante, para que esse processo resulte em êxito, uma boa comunicação
entre todos os membros envolvidos, assim, ao se disponibilizar para o papel, o monitor se põe
disponível para partilhar número de celular, WhatsApp e redes sociais, como um facilitador na
comunicação, útil principalmente em casos de contatos de emergência, para retirar alguma
dúvida, sem a necessidade da mediação com o professor responsável pela disciplina, acrescenta,
1039

Cavalcanti e Anjos, 2020.


Nessa perspectiva, Andrade (2018) ainda conclui que as uniões estabelecidas entre
professor e alunos (monitores e não monitores) nesse processo, fazem parte do quadro de
benefícios do sistema de ensino-aprendizagem, possibilitando a promoção da transformação de
aspectos pedagógicos e pessoais, na renovação não só de conhecimentos, como também na
empatia e sensibilização do meio, interferindo desse modo, significativamente no processo de
aprendizagem.

3 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento deste presente trabalho foram utilizadas, primordialmente, as


experiências adquiridas no período de execução da monitoria, em relação às condutas e técnicas
aplicadas pelos alunos, por demais monitores e pela professora da disciplina de métodos de
pesquisa. Além disso, foi produzida uma pesquisa bibliográfica, realizada nas bases de dados
do Google Acadêmico, Scielo, no Portal de Periódicos CAPES e na Fixa normas de organização
e funcionamento do ensino superior, tendo como principais descritores “Relato de experiência”,
“Monitoria”, “Ensino superior” e “Pesquisa científica”.
Nessa mesma perspectiva, este artigo foi elaborado através de uma revisão integrativa
de literatura, sendo está classificada por Antônio Carlos Gil no livro “Como elaborar projetos
de pesquisa” de 2017, com o intuito de colaborar com o aporte científico, fundamenta-se em
um tipo de pesquisa realizada a partir de uma base de materiais anteriormente desenvolvido.
Logo, foram incluídos no artigo, trabalhos acerca da importância da realização da
monitoria no ensino superior, relatos de experiência sobre a monitoria, como geralmente essa
prática é efetuada no Brasil, como também textos sobre a metodologia da pesquisa científica e
sua relevância, utilizando também, como base de conhecimentos para a presente pesquisa, os
livros base utilizado no plano de ensino do curso de Psicologia na FCRN, o Fundamentos de
Metodologia Científica de Lakatos e Marconi de 2010 e Pesquisa social: teoria, método e
criatividade, de Deslandes, Gomes e Minayo, de 2015.
Nesse viés, é possível afirmar que este artigo se trata de um estudo de cunho qualitativo,
uma vez que essas pesquisas dependem da visão e opinião do pesquisador para a interpretação
dos dados obtidos, condizendo nesse caso, pelo autor na condição de monitor. (LUDKE;
ANDRE, 2013).
1040

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Dentre as disciplinas disponibilizadas pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte


(FCRN), ao longo dos semestres, é disposta uma outra cadeira específica vinculada a
Metodologia da pesquisa científica, a disciplina de Métodos de pesquisa, esta possui carga
horária total, de 30hrs, tendo sua monitoria de 4 horas mínimas semanais obrigatórias, visando
o auxílio dos estudantes às questões previamente garantidas pela cadeira, como no
conhecimento científico e senso comum, na construção do conhecimento científico, nos níveis
da pesquisa científica, bem como nas suas noções básicas, nas conceituações do método, técnica
e pesquisa, além do desenvolvimento e apresentação de artigos científicos e suas normas de
elaboração (Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e American Psychological
Association (APA)).
À vista disso, “Métodos de pesquisa” tem como objetivos possibilitar aos lesionados o
maior conhecimento nos procedimentos básicos para os atributos da pesquisa científica (coleta
de dados qualitativos e quantitativos, interpretação desses, além das implicações éticas
associadas a estes). Logo, ao final da disciplina, “Os discentes deverão ser capazes de
desenvolver o pensamento científico, empregar a linguagem científica, produzir projetos e
artigos científicos, bem como, comunicá-los de forma correta” como é proposto na própria
ementa da matéria (PLANO DE ENSINO, 2022).
À vista disso, está previsto no Plano de ensino (2022), estratégias de aprendizagem
submetidas ao docente, que acabam por atingir a responsabilidade dos monitores responsáveis,
como demandas ligadas a compreensão de expectativas dos alunos, a utilização de conteúdos
relevantes que somem utilidade para que o discente consiga aplicá-lo de maneiras acadêmicas
e profissionais, além da capacidade de diferenciá-los dentro os demais tipos de aprendizados, a
realização de metodologias ativas, a qual seja possível fomentar discussões e debates coletivos,
desenvolvimento de atividades práticas, com o intuito de estimular os saberes interpessoais e
individuais dentro da sala de aula, mostrando a possibilidade de articulação com outras
disciplinas, entre os conteúdos articulados, como afirma Deslandes et al (2010), uma vez que
mesmo que a teoria não seja um qualquer combinado de palavras, é necessária uma maior
elaboração.
No ambiente onde o relato de experiência e o estágio da monitoria procederam, na
1041

Faculdade Católica, a organização, processos e conceitos foram retirados das Diretrizes


Curriculares Nacionais para o curso de formação em Psicologia e o seu Projeto Pedagógico,
posto isto, o processo foi desenvolvido com a finalidade de aperfeiçoar o crescimento
previamente visto em classe. Nessa conjuntura, visando o processo de ensino/aprendizagem, de
forma que fosse possível aperfeiçoá-lo, foram desenvolvidos estudos, revisões e análises, para
expor a relevância do conteúdo e a utilização adequada das suas informações.
As atividades da monitoria foram desenvolvidas entre 2021.1 e 2022.2, durante as
quintas-feiras e sextas-feiras, das 14:00 às 17:00 no primeiro semestre de serviço e nas
segundas-feiras e quartas-feiras, a princípio das 14:00 às 17:00, porém, posteriormente alterada
para o horário das 16:00 às 19:00, em virtude de ser um horário mais adequado para os
estudantes monitorados, no segundo semestre de serviço.
Nesse sentido, as funções consistiam em:
(a) Atendimento individualizado aos discentes na produção, leitura e correção de slides,
projetos e pré-projetos utilizados como instrumento de avaliação, produzidos ao longo do
semestre dentro da disciplina de métodos de pesquisa;
(b) Esclarecimento de dúvidas dos alunos.
(c) Disponibilidade de revisões dos conteúdos vistos em sala de aulo, caso fosse demandado
pelos alunos;
No entanto, a procura dos mesmos foi escassa, durante os dois semestres de monitoria
acadêmica apenas três grupos solicitaram auxílio para correção de artigos, nas áreas de
psicologia, nutrição e direito, ocorrendo apenas em períodos críticos do semestre (período de
provas, de entrega de demandas e final de período). Tendo como únicos serviços utilizados
requisitados pelos mesmos, os de auxílio na correção de projetos, pré-projetos e slides.
Nessa lógica, Reidenberg et al. (2002 apud LIRA; NASCIMENTO; SILVA; MAMAN,
2015), cita sobre como é comum o sentimento de inferioridade relacionado a alunos graduandos
quando se trata de docentes, em virtude de toda uma estigma relacionada ao conhecimento de
ensino superior apresentado pelo professor, sendo assim, esses discentes acabam por privarem-
se de expor suas necessidades e desejos, desperdiçando também os momentos de tirar dúvidas
sobre as matérias específicas do curso de graduação, de tal modo que acaba por refletir na falta
de consumo das qualificações da monitoria acadêmica e do aluno monitor.
A Tabela 1, revela os números de dias e as datas dos momentos dispostos do aluno
monitor para realização da tarefa de monitoria acadêmica a partir da disponibilidade dos alunos
1042

monitorados. Os mesmos foram questionados em sala de aula pela professora da disciplina a


possibilidade de horários, em seguida foi proposto pelos estudantes de graduação que os dias
disponíveis de serviço seriam segunda-feira e quarta-feira, a princípio das 14:00 às 17:00,
porém, posteriormente alterado para 16:00 às 19:00, como já foi, previamente citado
anteriormente, resultando o total de 6 horas semanais, ultrapassando o horário mínimo sugerido
pela ementa da disciplina, estando em citados na tabela, momentos ao quais foi necessário a
realização de monitorias extras, uma vez que alguns alunos encontraram em situações de curto
prazo para entrega de material, demandando assim, uma correção de urgência.

Tabela 1- Dias de monitoria em 2022.1

Número de dias Data dos dias Número de dias Data dos dias

Dia um 21/03/202 Dia quatorze 04/05/2022


2
Dia dois 23/03/202 Dia quinze 09/05/2022
2
Dia três 28/03/202 Dia dezesseis 16/05/2022
2
Dia quatro 30/03/202 Dia 18/05/2022
2 dezessete
Dia cinco 04/04/202 Dia dezoito 23/05/2022
2
Dia seis 06/04/202 Dia dezenove 25/05/2022
2
Dia sete 11/04/2022 Dia vinte (extra) 26/05/2022

Dia oito 13/04/2022 Dia vinte e um 01/06/2022

Dia nove 18/04/2022 Dia vinte e dois 06/06/2022

Dia dez 20/04/2022 Dia vinte e três 08/06/2022

Dia onze 25/04/2022 - -


1043

Dia doze 27/04/2022 - -

Dia treze 02/05/2022 - -

Tabela 2: Horários disponíveis em 2021.2

DIAS HORÁRIOS

Quinta-feira 14:00 às 17:00

Sexta-feira 14:00 às 17:00

Tabela 3: Horários disponíveis em 2022.2

DIAS HORÁRIOS
Segunda-feira 16:00 às 19:00

Quarta-feira 16:00 às 19:00

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A monitoria, no período de graduação é de suma importância, uma vez que proporciona


o aprimoramento de conhecimentos já obtidos em aulas anteriores (partindo do princípio de que
os alunos monitores já cursaram a disciplina que no presente monitoram), a vivência de uma
parte da prática da profissão de docente, conhecimentos de literaturas diversas, dado que a
monitoria era realizada com alunos de cursos de graduação distintos (Psicologia, direito e
nutrição), além de possuir a capacidade de motivar o monitor na criação de um maior senso de
comprometimento e responsabilidade, em virtude da autonomia dada pela professora no período
do serviço prestado, retirando-o em certo ponto, de uma possível zona de conforto pré-
estabelecida.
Sendo está uma experiência de extrema relevância para o indivíduo em si, para o
estudante, como para o profissional que um dia se tornará, além disso, é um cargo que propicia
1044

uma relevante notoriedade no currículo acadêmico, sendo este um fator de destaque para
processos seletivos dentro e fora do mundo universitário.
É importante destacar o descontentamento em relação a pouca procura dos alunos
para/com a monitoria, mesmo o serviço estando disponível semanalmente, todas as procuras
por auxílio foram apenas realizadas dias antes da entrega de atividades avaliativas
extremamente relevantes para a nota final, dessa forma é essencial fundamentar discussões,
dentro e fora de sala de aula, no que se refere a importância da monitoria da disciplina de
métodos de pesquisa, no sentido de incentivar a procura do monitor para colaboração em todo
o período, posto que, no panorama geral, é uma disciplina inteiramente prática.

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1046

O IMPACTO DAS REDES SOCIAIS NA AUTOIMAGEM FEMININA E AS


CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA

Anna Letícia Fernandes Cardoso1


Gabriel Lucena de Freitas2
Marya Thereza Xavier Mendes3
Adriana Martins de Oliveira 4

RESUMO

Considerando a relevância do estudo sobre os diversos impactos que as redes sociais trazem na
vida das mulheres, este artigo tem como objetivo compreender e relacionar os problemas de
autoimagem feminina com a construção de padrões estéticos do meio digital e as suas
consequências. Trata-se de uma revisão bibliográfica em que foram analisados 15 artigos,
pesquisados no Google Acadêmico, Scielo e Periódico Capes. Dentre os principais resultados,
destaca-se a urgência de análise para compreender em que momento exato as redes sociais
começam a atingir a autoimagem feminina e gerar gatilhos para doenças físicas e mentais. A
conclusão desse trabalho evidencia que quanto mais as mulheres são expostas as mídias digitais,
mais estão sujeitas e vulneráveis a problemas relacionados a autoestima e insegurança, devido
ao grande índice de comparação com os “corpos perfeitos” visualizados diariamente na internet,
fazendo com que a busca por procedimentos estéticos como: lipoescultura, silicone,
abdominoplastia entre outros, sejam cada vez maior e os problemas como o esgotamento mental
e os transtornos alimentares sejam mais acionados. Por fim, a psicologia possui como grande
objetivo minimizar os sofrimentos psíquicos dos sujeitos, especificamente das mulheres, que
sofrem com a pressão do “belo”, trabalhando com o seu autoconhecimento, fazendo com que a
autoestima e autoconfiança sejam pilares para uma melhora na vida pessoal e que a pressão
social e midiática não haja somente como papel negativo pra sua vida.

Palavras-chave: redes sociais; mulheres; padrões estéticos: autoestima.

ABSTRACT

Considering the relevance of the study on the various impacts that social networks bring to
women's lives, this article aims to understand and relate the problems of female self-image with
the construction of aesthetic standards in the digital environment and its consequences. This is
a bibliographic review in which 15 articles, which were available on Google Scholar, Scielo
and Periodical Capes. Among the main results, there is an urgent need for analysis to understand
at what exact moment social networks begin to affect women's self-image and generate triggers
1
Graduanda em Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
2
Graduando em Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
3
Graduanda em Psicologia na Faculdade Católica do Rio Grande do Norte.
4
Docente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Doutora em Administração pela PUCPR. E-mail: adrianaoliveira@professor.catolicadorn.com.br
1047

for physical and mental illnesses. The conclusion of this work evidences that the more women
are exposed to digital media, the more they are subject and vulnerable to problems related to
self-esteem and insecurity, due to the high rate of comparison with the "perfect bodies" viewed
daily on the internet, making the search for aesthetic procedures such as: liposculpture, silicone,
abdominoplasty and others, are increasing and the problems with mental exhaustion and eating
disorders are more triggered. Finally, psychology has as its main objective to minimize the
psychic sufferings of the subjects, specifically women, who suffer from the pressure of the
“beautiful”, working with their self-knowledge, making self-esteem and self-confidence pillars
for an improvement in life. and that social and media pressure does not only play a negative
role in your life
Keywords: Social mídia; womens; pressure; self esteem.

1 INTRODUÇÃO

O processo de singularização e o individualismo dos sujeitos frustram os objetivos


capitalistas, uma vez que esse sistema prioriza a padronização estética dos indivíduos, a fim de
obter lucro. Diante disso, o culto ao padrão imposto é uma estratégia do capitalismo que faz
com que as mulheres comprem a ideia de como devem parecer e quem elas devem ser. Logo, a
ausência de individualidade deixa as pessoas reféns das suas próprias vontades, haja vista que
estas serão influenciadas pelos espelhos sociais (ROLNIK; GUITARRI, 2008).
Esses espelhos sociais enfatizam a importância do corpo magro e jovem para que as
mulheres sejam aceitas na sociedade, sendo essas as características mais relevantes para serem
consideradas bonitas e saudáveis (RIBEIRO, 2016). Ou seja, tais modelos a serem seguidos
enquadram a figura feminina como “belas e feias” e “saudáveis e não saudáveis”.
Sob tal contexto, estes moldes são considerados fatores socioculturais que por sua vez
são um dos maiores contribuidores para a construção da autoimagem dos sujeitos, haja vista
que o descontentamento com a imagem corporal feminina, surge quase sempre por não se
encaixar nos padrões impostos e idealizados pela sociedade (RODRIGUES, 2019).
Neste contexto, a influência das redes sociais desencadeia preocupações excessivas em
relação ao corpo e imagem das mulheres, visto que a mídia possui forte poder persuasivo e
enfatiza moldes e parâmetros a serem seguidos e repassados de gerações a gerações,
contribuindo assim, o desenvolvimento de transtornos alimentares e doenças mentais no meio
feminino (OLIVEIRA; HULTZ, 2010).
Dessa maneira, é possível compreender que o uso das referidas redes sociais, enfatiza
cruelmente a generalização destas “representações” ideais de beleza. À vista disso, transtornos
e doenças como depressão, ansiedade generalizada, distúrbios alimentares e distorção de
1048

imagem, são desenvolvidos justamente pelo fato das mulheres se sentirem pressionadas a se
enquadrarem em padrões preestabelecidos pela sociedade contemporânea e por terem receio de
serem discriminadas, julgaras ou até excluídas por serem quem são, desencadeando assim
diversos impactos negativos na sua vida pessoal (LOBATO, 2021).
Não é prejudicial a busca pela beleza, mas a obsessão para se chegar em um padrão
inatingível impulsiona essas sequelas presentes na saúde física e mental das mulheres. É
possível ser saudável e não seguir padrões estéticos, como é possível seguir e não ter saúde
(LOBATO, 2021).
Ademais, as cirurgias plásticas no Brasil se tornaram um dos maiores motivadores para
a busca inatingível do padrão de beleza imposto pela sociedade, visto que esse processo se
tornou um dos meios mais rápidos e “eficazes” para quem deseja alcançar esse objetivo.
(CAMPANA; FERREIRA; TAVARES, 2012).
A psicologia estuda os transtornos mentais, suas causas, sintomas, tratamentos e
intervenções, e que cada sujeito é singular e deve ser escutado e tratado de forma individual e
particular. Por isso o psicólogo contribui tanto para a saúde dessas pessoas obcecadas por
padrões de beleza, uma vez que ele busca promover a aceitação e ressignificação do corpo do
paciente (LOBATO, 2021).
Segundo Kalb (2017), independente da atuação do psicólogo sua maior preocupação
deve ser minimizar o sofrimento psíquico do sujeito, trabalhando a aceitação como é dito no
estudo, seja através de dinâmicas, conversas, terapias de grupo, alternativas que vão de encontro
com a dor do paciente. Dessa maneira, os psicólogos realizam psicoeducação por meio de
diálogos, com a finalidade de alertar as pessoas de como os meios de comunicação interferem
nas escolhas e na singularidade da população, tornando os indivíduos “marionetes” dos veículos
comunicativos.
Este estudo conduz à clássica discussão sobre a relação das redes socias e a sociedade
feminina no mundo atual, na medida em que relaciona a autonomia dos indivíduos com a
imposição ditada no meio social e midiático. Sendo assim, pode-se justificar a importância do
debate acerca do tema, uma vez que o objetivo do estudo é compreender e relacionar os
problemas de autoimagem das mulheres com a construção de padrões estéticos do meio digital.
Além disso, o estudo se faz de grande relevância, visto que as pesquisas sobre a relação de
mídia-sociedade contribuem para entender alguns fenômenos sociais.
1049

2 METODOLOGIA

O presente estudo adotou como procedimento a pesquisa bibliográfica. Segundo Bento


(2012), a pesquisa bibliográfica é um meio de analisar, interpretar e investigar revistas, artigos,
livros e teses que se relacionam com sua área de estudo para o desenvolvimento do
conhecimento.
Os dados foram coletados em artigos disponíveis no Scientific Eletronic Library
(SciELO), Periódicos Capes e Google Acadêmico. A estratégia utilizada na coleta de dados foi
a leitura exploratória do material e a análise dos artigos que tinham relação com a temática e
agregaram no trabalho.
Para a busca de trabalhos como fontes de pesquisa, foram utilizadas as palavras-chave:
autoimagem, impactos, redes sociais, mulheres, transtornos, doenças mentais, psicologia,
cirurgias plásticas. Com a busca de “Redes sociais” AND impactos AND mulher, foram
encontrados 597 artigos no Google acadêmico, 380 no Periódicos capes e 46 no SciELO. No
intuito de delimitar ainda mais o tema foram utilizadas outras palavras chaves como:
autoestima, contribuições, estética, beleza, influência e imagem corporal. A partir disso, foram
selecionados um total de 14 artigos que possuíam uma aderência maior à temática.
Os critérios de inclusão e exclusão foram: artigos gratuitos, restrição linguística para o
português e sem recorte de tempo cronológico. Também foram incluídos artigos com dados
relevantes, bem como definições, fatores e consequências dos impactos causados na
autoimagem feminina devido a influência das redes sociais.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 IMPACTOS DAS REDES SOCIAIS NA VIDA DAS MULHERES

As redes sociais conquistaram ao longo dos últimos anos um espaço fiel na vida das
pessoas, atendendo aos diferentes assuntos, gostos, padrões e discussões possíveis. De acordo
com (SILVEIRA, 2004), os meios de comunicação em geral, atingem e influenciam grande
parcela dos indivíduos. Além disso, o termo mídia também está vinculado às redes sociais, uma
vez que engloba diversos veículos de notícias e o campo da rede virtual mais conhecida, que se
chama internet.
1050

Dessa forma, é possível verificar os impactos que as mídias digitais possuem sobre a
subjetividade dos indivíduos, visto que a redes sociais possuem poder e influência persuasiva.
Nesse sentido, para (MEGALE, TEXEIRA, 1998, p. 49) com o atual mundo virtual surge um
novo modelo de relações interpessoais, extremamente marcado pela prevalência da imagem das
pessoas e por um desinteresse pelas relações afetivas, produzindo um tipo de subjetividade
marcado pela individualidade dos sujeitos e pela aparência.
Com a facilidade do bombardeamento de informação através da internet pelas mídias
digitais, a necessidade de estar inserido naquele determinado momento e padrão social, faz com
que os indivíduos sintam a precisão de se encaixarem ao que está inserido para a sociedade
(LELES, 2019). Nesse sentido, pode-se considerar que as redes sociais exercem influência em
determinados padrões estéticos vistos como ideias, gerando um discurso que tormenta a pressão
estética dos jovens. Desse modo, os meios de comunicação acabam por interferir nas escolhas
feitas pelos indivíduos, bem como na sua subjetividade e singularidade (TEO, 2010).
Além disso, o processo de massificação das redes sociais na contemporaneidade
impulsiona a crescente preocupação com o corpo, uma vez que produzem um discurso que é
dito o tempo todo que beleza, estética, sedução e sucesso são inseparáveis e que viver sem esses
elementos te torna desconforme e infeliz, tornando-se assim, a mulher como componente do
mercado cultural e objeto de consumo para os demais (CAMARGO, 2019).
Assim, é válido afirmar que a mídia é um importante meio de transmissão de padrões
estéticos hegemônicos pelo qual influencia mulheres a possuir corpos e estilos de vida
considerados como desejáveis, influenciando o comportamento e a personalidade das figuras
femininas ao longo da vida.

3.2 BUSCA PELOS PADRÕES DE BELEZA RELACIONADOS COM AS DOENÇAS


FÍSICAS E MENTAIS

Ante o exposto, a mídia tem a enorme capacidade de indução para os padrões


estabelecidos, o que desencadeia várias doenças mentais e físicas principalmente em mulheres.
À vista disso, esse poder midiático propicia sentimentos de fracasso, incapacidade que abalam
a autoestima, além de enfrentarem julgamentos e exclusões, e como maneira de combater tais
pressões da sociedade as vítimas buscam toda e qualquer estratégia e método que contribuam
para a inserção dos seus corpos nos espelhos sociais (LOBATO, 2021).
1051

Estratégias essas que podem ser de várias formas, sejam com procedimentos estéticos,
dietas exageradas, grande esforço físico, vômito forçado. Todos esses exemplos acarretam
problemas mentais como estado depressivo e crises de ansiedade, além de transtornos
psicológicos como anorexia, distúrbios como a bulimia, vigorexia e ortorexia nervosa
(LOBATO, 2021).
De acordo com o estudo do IMC e crença alimentar por indivíduo, é preocupante a
obediência aos padrões estéticos, uma vez que grande parte da população tem o índice de massa
corporal abaixo de 25 quilogramas por massa ao quadrado, que facilita a instalação de
transtornos alimentares, já que as tensões estão voltadas ao alimento. Desencadeando, assim,
obsessão pelos padrões impostos, levando a autoimagem distorcida, favorecendo o
aparecimento de crenças negativas, tornando um terreno fértil para constituir distúrbios
alimentícios. (BOTELHO, 2005).
A anorexia é uma doença mental predominante nessas situações de busca pelo corpo
perfeito, uma vez que o indivíduo tem um distúrbio de imagem e se vê acima do seu peso real,
fazendo, assim, com que o mesmo deixe de se alimentar, abuse de dietas e passe a tomar
inibidores de apetite (VIANNA, 2005).
A bulimia é bem frequente também, na qual as pessoas após fazer ingestão de alimentos
tomam produtos termogênicos, laxante ou vomitam para reduzir imediatamente as calorias
consumidas. Já a vigorexia é mais comum em homens, porém muitas mulheres sofrem com esse
distúrbio, que assim como a anorexia os doentes vêem sua imagem alterada, eles se enxergam
mais atróficos de como verdadeiramente são, consequentemente passam a utilizar
anabolizantes, suplementos alimentares, drogas com o mesmo efeito e treinam exaustivamente,
não respeitando os limites corporais, ocasionando em lesões e desidratação. Ainda há a
ortorexia nervosa, que é o comportamento obsessivo patológico pela alimentação saudável,
quando o indivíduo não consegue comer nada que esteja fora do seu plano alimentar, causando
crises ansiosas e sentimento de incapacidade e de fraqueza. (CASTRO; CATIB, 2004)
Além das práticas que as mulheres usam para serem aceitas na sociedade que acabam
ficando doentes, incluem-se os tratamentos e cirurgias estéticas. A mídia potencializa essas
ações desenfreadas pelo fato das pessoas perceberem ídolos e celebridades dentro dos padrões
hegemônicos e bem-sucedidos, assim o desejo de “ajustar” o corpo se intensifica. Diante disso,
esses procedimentos muitas vezes estimulam sentimentos de insatisfação e de que sempre tem
algo que mudar no corpo, por conseguinte, doenças psicológicas como depressão e ansiedade
1052

podem ser desencadeadas, além das cirurgias ou tratamentos colocarem em risco a vida do
paciente (GRACINDO, 2015).

3.3 CIRURGIAS PLÁSTICAS PARA ALCANCE DO CORPO PADRÃO IDEALIZADO

A área da Cirurgia Plástica Estética (CPE) dispõe de inúmeros procedimentos estéticos


para melhorar a forma e a aparência das partes do corpo humano que desagradam os indivíduos.
No Brasil, alguns dos procedimentos desta área médica recebem destaque devido à elevada
procura e realização. Tal procura é favorecida principalmente pela expectativa de atingir o
padrão de beleza prescrito pelo mundo atual (SANTE; PASIAN, 2011).
Nesse sentido, a sociedade contemporânea de maneira geral, pode ser apontada como
uma das principais fontes de normas e regras sociais relacionadas à beleza, principalmente sobre
as mulheres, uma vez que elas perpetuam o pensamento de associar à magreza com o sucesso,
atratividade, investimento e aceitação. O culto feminino ao corpo magro, proveniente do atual
padrão de beleza imposto pela sociedade e mídias digitais, conduz um grande número de
mulheres a um nível elevado de sofrimento psíquico e à tentativa de buscar técnicas e soluções
rápidas em cirurgias plásticas, a fim de mitigar seus problemas (LOBATO, 2021).
Nesse sentido, é válido ressaltar que os influenciadores digitais exercem sobre seu
público um extremo poder de influência, induzindo a um determinado estilo de vida, decisões
de compra e até opiniões. Desse modo, em tempos mais modernos, os influenciadores, num ar
de perfeição, sugestiona cada vez mais, a construção do corpo perfeito e escultural, induzindo
aos seguidores a realizarem procedimentos cirúrgicos com fins estéticos, visto que a perspectiva
da beleza no meio digital elimina o diferente e classifica o padrão como o belo (ALVES, 2021).
Os motivos e os predicadores para a realização desses procedimentos, se tornou um
objeto e foco de estudo para diversos cientistas nos últimos tempos, uma vez que destacaram
uma crescente procura neste âmbito devido à grande exposição nas redes sociais e o poder da
influência de influenciadores digitais na internet. Desse modo, concluíram que a insatisfação
das mulheres com o seu corpo está diretamente relacionada com o aumento na realização de
cirurgias plásticas (CAMPANA; FERREIRA; TAVARES, 2012).
A cirurgia plástica é um procedimento no qual se busca a melhoria da aparência, os
traços originais da face ou do corpo que não agradam os indivíduos são moldados de acordo
com seus gostos. Segundo o estudo realizado pela International Society Aesthetic Plastic
1053

Surgery, o Brasil é o terceiro país do mundo em números de cirurgias plásticas, ficando atrás
apenas dos Estados Unidos da América e da China. (CAMPANA; FERREIRA; TAVARES,
2012).
Constata-se que o paciente busca o cirurgião plástico quando não está satisfeito com
algo do seu corpo, que essa insatisfação, inclusive, pode ocasionar abalos psíquicos no sujeito.
Desse modo, o sentimento negativo pode vir antes ou depois da cirurgia, podendo, assim,
acarretar consequências físicas ou mentais. Logo, vale salientar a importância e as contribuições
dos cuidados e estudos da psicologia, porque toda e qualquer mudança no corpo físico a mente
também é transformada, tendo vista que os dois são totalmente interligados. (GRANATO;
COSTA, 2015).

3.4 AS CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA SOBRE OS IMPACTOS CAUSADOS PELAS


REDES SOCIAIS NA VIDA DAS MULHERES

A atuação da Psicologia na vida das mulheres que possuem estigmas relacionados à


autoimagem é considerada de extrema necessidade e importância, visto que o trabalho desses
profissionais é promover a dignidade, a integridade e o bem-estar do ser humano.
Dessa forma, os profissionais da área da saúde mental devem sempre considerar os
indivíduos na sua relação com o mundo (DUTRA, 2004). Os psicólogos devem buscar
minimizar os sofrimentos psíquicos dos sujeitos a quem são demandados. Sendo assim, a
importância do psicólogo nessa área se encontra na escuta ativa, no acolhimento e no refúgio
em que o profissional oferece às pessoas que manifestam sofrimentos psicológicos.
O estudo publicado por Kalb (2017) aborda que os processos de sofrimentos
psicológicos não surgem de um nada e sempre há uma motivação interna ou externa para que
se seja acionado. Nesse contexto, de acordo com o seu trabalho, pode-se observar que padrões
estéticos, disseminados das redes e mídias sociais, possuem o poder de provocar sofrimento
psíquico. Nesse caso, os psicólogos clínicos possuem a necessidade de acolher e procurar
entender o que está acontecendo na vida da pessoa e fazer as intervenções necessárias, como
trabalhar as questões relacionadas à autoimagem e à autoestima.
A autora do trabalho também afirma que o principal objetivo e a maior preocupação do
psicólogo deve ser em atenuar o sofrimento do sujeito e fazer com que o indivíduo trabalhe a
1054

sua própria aceitação e imagem, fazendo com o que a pressão das redes sociais não gere
impactos maiores para sua vida pessoal. (KALB, 2017).
Desse modo, é evidente que a manipulação e a influência das redes sociais na vida das
pessoas produzem uma cultura de “corpo perfeito”, podendo causar transtornos à saúde mental,
uma vez que, de acordo com Bauman (2008), a tarefa de cumprir com as regras impostas pelo
mercado e pela sociedade resulta em um estilo de viver muito conturbado que proporciona
insegurança, baixa autoestima, ansiedade e depressão. Tornando-se cada vez mais necessário o
auxílio de um profissional capacitado a debater e ajudar nesses problemas.
Por fim, é importante salientar que a psicologia auxilia de forma positiva e ajuda no
equilíbrio emocional, na saúde mental e na autoestima das mulheres que enfrentam a pressão
social diariamente. É imprescindível desconstruir as regras sociais e o padrão cultural imposto
pela sociedade às mulheres humanas que só precisam ser livres e respeitadas.

4 CONCLUSÃO

Neste trabalho foi observado que a valorização do corpo cresce exageradamente, muito
por causa do forte impacto que a mídia vem trazendo principalmente para o público feminino.
E apesar dos avanços que os meios de informação e comunicação trouxeram para a sociedade,
muitos problemas foram desencadeados pelo fato das pessoas serem extremamente
influenciáveis pelos padrões de beleza construídos socialmente.
Essa forte influência que pessoas famosas e bem-sucedidas têm na população faz com
as mulheres façam de tudo para parecerem o máximo possível com seus espelhos sociais, ações
essas que podem pôr em risco a própria saúde física e mental. Desse modo, percebe-se que a
importância com a estética corporal aumenta com o passar dos anos, e que o sistema vende às
mulheres que qualquer sacrifício é válido para pertencer a um determinado grupo social e se
encaixar na padronização de “corpo perfeito”.
Sob tal contexto, foi percebido que esses sacrifícios são realizados de diferentes
maneiras, seja com cirurgias e procedimentos estéticos, ou com práticas de extremo esforço
físico, dietas rígidas, uso de drogas e anabolizantes. Com isso, uma série de complicações físicas
e psicológicas podem ser afloradas, são exemplos os distúrbios vigorexia, ortorexia nervosa,
bulimia e anorexia, doenças psicossomáticas como ansiedade e depressão, além de sequelas
corporais e risco de morte em casos de cirurgias e implantes.
1055

Além disso, as cirurgias estéticas têm uma enorme procura e realização mesmo com
altos números de indivíduos insatisfeitos com os procedimentos. Diante disso, a sociedade
contemporânea, principalmente as mulheres, são apontadas como uma das principais fontes de
normas e regras relacionadas à beleza, uma vez que elas associam à magreza com sucesso,
atratividade, investimento e aceitação. O culto feminino ao corpo magro conduz a um grande
sofrimento psíquico, pelo fato das mulheres buscarem soluções imediatas a fim de mitigar seus
problemas mentais.
As abordagens da psicologia podem ressignificar e reconquistar os valores e o papel da
beleza feminina na sociedade, trabalhar a diversidade humana e contribuir para as mulheres
terem maior autonomia em relação a suas dores e sofrimentos. Em suma, não será de forma
imediata que haverá uma desconstrução desses espelhos sociais, pois eles estão enraizados na
população.
Sem ter a pretensão de esgotar o tema, este trabalho tem a intenção de promover diálogos
e críticas construtivas para que os primeiros passos sejam dados, a fim de tornar o conceito de
beleza mais inclusivo e heterogêneo, sem afastar a necessidade de serem aprofundados estudos
por meio de diversos teóricos das áreas da saúde e das ciências humanas que se dedicam a
entender cientificamente essa problemática.

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1057

O IMPACTO DOS JOGOS ONLINE NAS RELAÇÕES SOCIAIS

Loyanne Priscila Albuquerque de Almeida 1


Grasielle Cunha Diógenes2
Kátia Geane Alves de Souza 3
Luzia Érica Ferreira Rebouças do Nascimento4
Adriana Martins de Oliveira 5

RESUMO

Os jogos eletrônicos/online estão cada vez mais fazendo parte das relações sociais, entrando
nas casas das famílias, como um elemento quase indispensável para o entretenimento e lazer,
décadas depois de seu surgimento. Com investimentos bilionários esses jogos vêm sendo a
terceira atividade de lazer mais rentável do mundo, perdendo apenas para a indústria bélica e
automobilística, fazendo sucesso em todos os grupos etários, principalmente na categoria jovens
e adultos. Ao longo dos anos, pesquisadores sobre o tema vêm observando que existem tanto
impactos sociais, econômicos e culturais, quanto ao uso dessas mídias digitais, não havendo um
concesso absoluto na classe científica, de como dosar a utilização dessas tecnologias com
ganhos apenas satisfatórios, afinal, viu-se que a prática excessiva destes pode ser considerada
um transtorno mental conforme a classificação da Organização Mundial de Saúde - OMS. O
objetivo deste artigo é debater sobre quais são os aspectos positivos e negativos dos jogos online
nas relações sociais. Também se propõe a apresentar situações de violência causadas pelo uso
dos jogos de RPG e MMORPG em ambientes virtuais contra as mulheres. Uma revisão da
literatura elaborada a partir de artigos já publicados que envolvem a discussão sobre o tema,
autores como Dias (2019), IBGE, (2019), Wenge e Campbell (2018) dentre outros estudiosos
na temática são discutidos neste artigo. Sendo assim, a pesquisa referente ao tema jogos
eletrônicos/online e seus impactos nas relações sociais, de grande relevância social, pois a
temática ainda não está sendo discutida como uma questão de saúde e política pública.
Palavras-chaves: jogos online, relações sociais, transtorno mental.

1
Graduada em Serviço Social pela Faculdade União Metropolitana de Educação e Cultura Ciências Social-
UNIME/BA. Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – RN. E-Mail:
priscilaalbuquerque21@hotmail.com
2
Graduada em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – RN. E-Mail:
grasydiogenes@hotmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – RN. E-Mail:
katiasouza.psico@gmail.com
4
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio de Norte - RN. E-Mail: luziaericafrn@gmail.com
5
Doutora em Administração pela PUC PR. Docente do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande
do Norte – RN. E-Mail: adriana.oliveira@professor.catolicadorn.com.br
1058

ABSTRACT

Electronic/online games are increasingly becoming part of social relationships, entering the
homes of families, as an almost indispensable element for entertainment and leisure, decades
after their emergence. With billion-dollar investments, these games have been the third most
profitable leisure activity in the world, second only to the arms and automobile industry, being
successful in all age groups, especially in the youth and adult category. Over the years,
researchers on the subject have observed that there are so many social, economic and cultural
impacts as to the use of these digital media, with no absolute consensus in the scientific class
on how to dose the use of these technologies with only satisfactory gains, after all. , it was seen
that the excessive practice of these can be considered a mental disorder according to the
classification of the World Health Organization - WHO. The purpose of this article is to discuss
what are the positive and negative aspects of online games in social relationships. It also
proposes to present situations of violence caused by the use of RPG and MMORPG games in
virtual environments against women. A literature review based on already published articles
that involve the discussion on the topic, authors such as Dias (2019), IBGE, (2019), Twenge
and Campbell (2018) among other scholars on the subject are discussed in this article. Thus, the
research on the topic of electronic/online games and their impacts on social relations, of great
social relevance, as the theme is not yet being discussed as a matter of health and public policy.
Keywords: online games, social relationships, mental disorder.

1 INTRODUÇÃO

Os jogos eletrônicos/online deixaram de ser vistos como meros passatempos e passaram


a ser reconhecidos por estudiosos da área como atividades que propiciam transformações na
forma como as pessoas aprendem e interagem com o mundo no processo das relações sociais.
Além de servir de entretenimento, esses são cada vez mais utilizados com finalidade educativa
para facilitar o aprendizado, estimular o desenvolvimento cognitivo e promover saúde do corpo
e da mente (MENEZES; HOLANDA, 2016).

Em outros termos, com o avanço da globalização tais tecnologias têm ganhado


notoriedade, principalmente no quesito de setor eletrônico e de informática. Cada vez mais a
internet e os jogos eletrônicos/online passaram a ganhar espaço nas atividades de lazer. O
mundo e as pessoas mudaram as suas formas de se relacionar, com o uso de aparelhos celulares,
computadores e smartphones.

Nesse aspecto, a comunicação passou a ser efetuada de forma mais rápidas, tendo os
aparelhos digitais papéis importantes nas atividades do dia a dia. Vale ressaltar, que o avanço
dos jogos eletrônicos teve um crescimento nos últimos anos com um investimento de bilhões
conforme Antoniolli (2020) o que nos traz a luz do debate sobre o poder que se gera a partir
desses jogos no processo de construção e desenvolvimento da cultura, bem como das relações
1059

sociais e familiares, podendo tais objetos de lazer exercer um papel positivo e em outros
aspectos negativos, dos quais avaliamos melhor no desenvolvimento deste trabalho.

Em concordância com os autores anteriores, Dias (2019) afirma que, os jogos


eletrônicos/online passaram a ser uma das mais importantes atividades de lazer para
adolescentes. O mesmo ainda acrescenta que o uso excessivo dessas mídias pode promover
prejuízos para o jogador (a), como exemplo cita: dores musculoesqueléticas, o isolamento
social, e a dependência psicológica classificando em seu estudo os prejuízos de saúde em
físicos, psicológicos e sociais alertando que essa também é uma preocupação dos profissionais
da área da saúde.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012) apontam que no


ano de 2012 ocorreu um crescimento de 6,8% no uso da internet com relação ao ano anterior,
com aproximadamente 5,3 milhões de novos participantes fazendo uso de celulares, tvs, e
microcomputadores, e nesse cenário ver-se grupos que representam 76,7% compostos por
jovens de 15 a 17 anos. Observa-se ainda que entre os adolescentes que fazem uso dessas mídias
digitais existe uma maior incidência de pessoas do sexo masculino.

Dados mais recentes realizados pelo IBGE de 2019 em Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios Contínua (PNAD), ao analisar as faixas etárias de 10 anos a 60 ou mais,
evidenciaram que a busca pelo uso da internet vem crescendo em todos os grupos etários, no
entanto foi mais acelerado nas idades mais elevadas, o que pode ter sido apresentado pelo
crescimento nas facilidades para uso destas tecnologias e na sua disseminação no cotidiano em
sociedade. A pesquisa ainda cita que os aparelhos mais utilizados são telefone móvel celular,
microcomputador, televisão e tablets (IBGE, 2019).

Nesse caminhar, os jogos eletrônicos/online e a sua íntima vinculação com a internet


vem sendo objeto de estudo acerca do uso problemático destas mídias interativas, tendo em
vista que um notável número de jogos é oferecido através do acesso à rede. Segundo o estudo
de Rideout, Foher e Roberts (2010), a quantidade de tempo gasto usando mídias varia de acordo
com o tipo de mídia e a idade da criança ou adolescente: crianças de 8 a 10 anos de idade passam
aproximadamente oito horas por dia utilizando mídias, incluindo televisores, música,
computadores, videogames e filmes, ao passo que os adolescentes podem chegar a 12 horas por
dia.
1060

Twenge e Campbell (2018) em consonância com a narrativa anterior afirma que a


relação entre aspectos de baixo bem-estar psicológico está atrelada ao uso severo das telas
digitais, incluindo dispositivos de smartphone, computadores, videogames e televisores. Entre
os aspectos associados, podem ser listados um maior nível de distração, menos curiosidade,
baixo autocontrole, menor estabilidade emocional, maior inabilidade de terminar tarefas e maior
dificuldade em fazer amizades. Nesse contexto, esta pesquisa tem como objetivo analisar os
impactos dos jogos eletrônicos/online nas relações sociais, identificando quais são os aspectos
positivos e negativos dessas mídias digitais.

Este estudo é uma revisão da literatura elaborada a partir de materiais/artigos já


publicados que envolvem a discussão sobre o tema proposto. Autores como Dias (2019), IBGE,
(2019), Twenge e Campbell (2018) dentre outros estudiosos(as) interessados na temática são
discutidos neste artigo. A busca pelos dados ocorreu nas seguintes bases eletrônicas nas
plataformas: Scielo, Google Acadêmico, e em trabalhos de conclusão de curso, com as seguintes
palavras chaves: “jogos online”, “relações sociais” e “jogos eletrônicos”, também foi feito uso
do operador boleano “MMORPG”, “jogos online”, jogos AND impactos. Não houve
delimitação de ano de publicação, outro critério de indução foi com relação à língua, já que o
material poderia ser em português ou inglês. A coleta de dados foi realizada no período de abril
a junho de 2022.
Com a elaboração deste artigo, o enfoque é contribuir no despertar, no convite a novos
pesquisadores (as) do campo da psicologia e áreas afins no sentido de explorar e ampliar o
debate em contexto acadêmico e na sociedade, no que se diz respeito a se tratar tal tema como
uma questão de saúde pública.

2 SURGIMENTO DOS JOGOS ELETRÔNICOS/ONLINE E SEUS IMPACTOS NAS


RELAÇÕES SOCIAIS

Os jogos online junto a outras formas de lazer digital se tornaram muito utilizados no
mundo fazendo com que essas tecnologias se transformassem em empreendimentos lucrativos
e prósperos com seu surgimento no século XX se expandindo no século XXI, mais
especificamente na década de 70 nos EUA, de acordo com Oliveira e Mota Filho (2017), a
origem se dá com o surgimento das seguintes modalidades: Multiuser Massive Online Role
1061

Playing Game - MMORPG e Role Playing Game - RPG no que se refere aos jogos online em
rede local ou em internet.
Inicialmente, os jogos online eram textos recebidos pelos usuários com informações
sobre o seu personagem. Com o desenvolvimento das tecnologias de suporte a internet, os jogos
online começaram a se tornar mais complexos, sendo que em 1997 a Origin Systems lança um
jogo inovador o primeiro Multiuser Massive Online Role Playing Game MMORPG lançado
comercialmente que em 2003, o mesmo alcançou a marca de 250 mil jogadores ( LESNIESKI,
2008).
Com relação a origem dos jogos online MMORPG se faz necessário pontuar também
sobre o precursor de todos os jogos de interpretação ao introduzir o imaginário na sua execução
o chamado role playing game RPG, este por sua vez, também possui os avatares (personagens)
que caracterizam cada jogador(a) e tem como função de envolver o número de 4, 5 ou mais
jogadores interagindo em rede (OLIVEIRA; MOTA FILHO, 2017).

Do encontro do jogo interativo RPG com o sistema de jogos em rede, resultaram os


MMORPG – Massive Multiplayer Online Role Playing Game – tipos de jogos que
costumam reunir milhares de pessoas ao mesmo tempo no mundo inteiro [...] A
hipótese mais arriscada – porque nos remete a uma profunda mudança cultural – é a
de que os videogames MMORPGs representam a passagem da cultura da
representação típica do século XIX e XX, para a cultura da simulação – uma hipótese
assentada nos estudos de Sherry Turkle. (FONTENELLE, 2009, p. 10-11)

Diante do exposto, viu-se em Oliveira e Mota Filho (2017) que o início do século XXI
demarcou um boom global do consumo e comércio dos jogos eletrônicos. Os videogames e
jogos online deixaram de ser um entretenimento simples e momentâneo para se transformarem
em negócio lucrativo para diversos setores industriais, como empresas computacionais, de
publicidade, distribuidoras e produtoras de jogos, tornando-se rapidamente um dos três pilares
econômicos atuais do entretenimento mundial.

Para se ter uma ideia do papel que os jogos eletrônicos estão desempenhando na
cultura humana deste início do terceiro milênio basta dizer que a movimentação
financeira de sua indústria é a primeira na área de entretenimento, superior à do
cinema, e a terceira do mundo, perdendo apenas para a indústria bélica e
automobilística (SANTAELLA, 2007, p. 407)

Ao expressar os pontos anteriores, entende-se que tais ferramentas podem ser utilizadas
tanto para o desenvolvimento humano, como elemento de controle social, ainda para uma
1062

mudança de cultura e no processo das relações sociais. As contribuições dos estudos de Santana,
Duarte e Lacerda (2020) aportaram que em 2018 a Organização Mundial de Saúde (OMS), após
pesquisas realizadas, chegou à conclusão de que a dependência nos jogos eletrônicos e sua
influência no cotidiano dos jovens com o uso abusivo passaria a ser reconhecido como uma
doença real, especificamente, um distúrbio mental, entrando oficialmente para Classificação
Internacional de Doenças (CID) sendo esta por sua vez, uma das principais ferramentas
epidemiológicas do cotidiano médico.
Além disso, uma das questões que o artigo mencionado traz é que a dependência nos
jogos eletrônicos não para de suscitar debater e mudanças de comportamentos e condutas
sociais em crianças, jovens e adultos tendo problemas atrelados ao limite de tempo gasto nesses
jogos e frequência com o uso abusivo, fazendo dos usuários desses jogos dar prioridade mais
as telas do que a atividades consideradas essenciais como se relacionar com amigos, familiares,
viajar, podendo também atrapalhar no ambiente de trabalho (SANTANA; DUARTE;
LACERDA, 2020).
Já na pesquisa elaborada por Real e Flores (2018) pela universidade do Rio Grande do
Sul viu-se um ponto de vista diferente dos autores citados até aqui, a partir da aplicação de um
questionário com os próprios jogadores, as autoras levantaram que existiam algumas
características importantes que justificassem que essa seria uma fonte de entretenimento e lazer,
onde os mesmos encontravam uma sensação de integração e aprendizado: aprende-se o processo
da competição, estratégia, trabalho em equipe, prazer e superação, sendo a amizade um fator
extremamente motivador.

[...] Os jogadores socializam com seus amigos e também fazem novas amizades,
vencendo as barreiras geográficas. Consideram que os jogos online alcançam um
grupo de adolescentes e jovens bastante significativo na sociedade atual,
independentemente de classe social e econômica, pois grande parte deles têm acesso
a esse tipo de jogo. É raro encontrar alunos que não tenham interesse em fazer uso das
tecnologias (REAL; FLORES, 2018, p.2).

3 ESTUDOS EMPÍRICOS ANTERIORES

Para iniciar o processo de contextualização sobre os estudos empíricos no que se diz


respeito ao tema é importante citar que os mesmos começaram a partir de 1984, quando foi
publicado o livro “The art of computer game”, de Chris Crawford, no qual o autor aborda a
natureza dos jogos e busca explicar quais as motivações para que as pessoas venham a se
interessar por jogar videogames (CRAWFORD, 2003).
1063

Após este primeiro passo, surgiram outros teóricos levantando novas e relevantes
reflexões sobre os games, como Loftus e Loftus (1984), James Paul Gee (2009), David
Buckingham (2010), entre outros. Loftus e Loftus, em seu livro publicado em 1983, “Mind at
Play: The Psychology of videogames”, discutiram temas inovadores sobre os jogos
eletrônicos, como seu possível estímulo a melhorar as memórias de longo e curto prazo, bem
como a capacidade de percepção e interação social (LOFTUS; 1983; OLIVEIRA; MOTA
FILHO, 2017).
É importante frisar após amplos debates e estudos, que o vício em vídeo games passou
a ser considerado oficialmente pela OMS em 2018, como transtorno mental6 afetando usuários
em todo o mundo, entrando para o CID 11 (SANTANA; DUARTE; LACERDA, 2020). Os
autores ainda apontam ao realizarem buscas em estudos da OMS que existem três
comportamentos que auxiliam no diagnóstico para identificar se há dependência no uso dos
jogos eletrônicos, tais são: o primeiro deles é a falta de controle no uso dos jogos, não existindo
uma hora específica de parar para realizar atividades consideradas essenciais, podendo passar
noites em claro. O segundo é a prioridade crescente: aqui ocorre o isolamento social dos amigos,
família e trabalho. O terceiro e último se refere a questão da toxicidade no uso dos jogos online,
o indivíduo se encontra em um nível de dependência elevado não sabendo mais como obter o
controle da situação com relação ao uso dos jogos online (SANTANA; DUARTE; LACERDA,
2020).
Já Mendes e Silva trazem em no ano de (2017) em seu estudo onde os mesmos aplicaram
questionário sociodemográfico com aproximadamente 265 adultos com idades compreendidas
entre 18 e 65 anos onde 75% eram do sexo feminino, majoritariamente e frequentavam o ensino
superior, revelou-se que o uso problemático da internet está associado a sintomas clínicos de
ansiedade, de stress e depressão, e associado com o nível do autoconceito (autoconhecimento).
Em outros termos, os autores trazem em seu estudo que o uso em excesso na vida do indivíduo
com relação às mídias/jogos online podem estar atreladas a sintomas ou doenças como as
citadas anteriormente. Além disso, foi observado neste que o uso dessas mídias tem se tornado
cada vez mais cedo na infância e adolescência, causando o distanciamento social.

6
O transtorno mental dos jogos pela internet está associado a classificação (DSM – 5) e a Dependência em
Videogames ao (CID11) são associados aos transtornos Não relacionados a Substâncias, portanto, possuem
essencialmente como características o abuso, a dependência, a tolerância e a abstinência (cada uma com suas
especificidades) (SANTANA; DUARTE; LACERDA, 2020).
1064

Até aqui foi encontrado que os mais diferentes tipos de jogos eletrônicos, conforme visto
nas conclusões dos estudos de Santana, Duarte e Lacerda (2020) foi que ao mesmo tempo o uso
dos jogos online pode trazer tantos aspectos positivos como malefícios aos seus usuários, como
em qualquer outra atividade em excesso. O diferencial no estudo desses autores foi destacar
episódios que se tornaram conhecidos por terem terminado de forma trágica, sendo esses
episódios, supostamente influenciados por alguns jogos eletrônicos.

Um casal da cidade de Reno, no estado americano de Nevada, pode passar até 12 anos
atrás das grades. Viciados em internet e jogos on-line, eles deixaram os filhos em
estado de inanição e com outros problemas de saúde. As crianças de 2 anos e 11 meses
foram levadas por agentes de segurança e assistentes sociais a um hospital, de onde
sairão para um abrigo do estado. Eles tinham comida, mas simplesmente não a deram
às crianças porque estavam muito distraídos jogando vídeo games [...] (SANTANA;
DUARTE; LACERDA, 2020, p.7)

Diante do exposto, se faz necessário cada vez mais discutir sobre o tema em questão a
fim de buscar alternativas de saúde pública que possam nos dá um norte de como proceder com
relação a episódios como o mencionado anteriormente. Essa questão de saúde mental é tão
emergente que já existem clínicas privadas para tratar várias doenças relacionas a dependência
em decorrência do uso excessivo dos jogos eletrônicos, como é o caso de clínicas já
estabelecidas para responder a preocupações individuais, familiares e comunitárias, como em
países, China, Japão e Coreia do Sul (SAUNDERS et al., 2017).
No Brasil esse distúrbio já é tratado em diversas unidades do Sistema Único de Saúde
(SUS), e em clínicas particulares ou sem fins lucrativos, Fernandes (2022) ainda cita centro de
ajuda, tais são:
Ambulatório de Dependências do Comportamento do Prod/Unifesp (Programa de
Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo).
Telefone (11) 5579-1543.
Programa Ambulatorial do Jogo (PRO-AMJO) DO IPq-HC-FMUSP (Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Telefone: (11) 2661-7805.
Jogadores Anônimos: www.jogadoresanonimos.org.br
No ano de 2018 especificamente nos meses entre julho e novembro nos municípios de
Juazeiro do Norte e Crato, Ceará, Brasil Bezerra et al. (2020) dedicou-se em seu estudo a
identificar através de entrevistas processadas no software IRAMUTEQ, identificar a percepção
1065

de jogadoras online quanto a violência sofrida nessas plataformas. Participaram do estudo 13


mulheres entre 20 e 35 anos.
Essa pesquisa apontou que todas as mulheres que participaram do estudo também
participavam de alguma modalidade de jogos online dos quais tinham espaço para interação
online (bate papo virtual). Os resultados apontaram que a maioria das participantes possuía
orientação sexual heterossexual (69,23%), com idade entre 18 e 23 anos (92,3%), solteira
(100%), estudantes (76,92%), sem filhos (100%), paritariamente da cor branca e parda
(46,15%), sem renda (46,15%) agnóstica (46,15%) e que residiam com os pais (76,92%). E
todas relataram que já sofreram violência em jogos online (BEZERRA et. al, 2020). Dado
a realidade de inserção dessas mulheres nesse cenário, e o fato de as mesmas já apresentarem
ter sofrido violência em jogos online, no seu estudo Bezerra apontou ainda que se fez-se
necessário compreender inicialmente o que essas mulheres tinham de conhecimento sobre
violência de gênero e como está se manifestava nos jogos online, ainda quais seriam estratégias
de enfrentamento adotadas pelas jogadoras. Assim, a partir dos discursos das participantes, foi
possível elaborar duas categorias temáticas:
Percepção das jogadoras online sobre violência e suas consequências, que foi
quantificada em números absolutos 32 vezes.
Rede de apoio e estratégias de enfrentamento, que foi quantificada 27 vezes nos
discursos.
Nesse sentido, verificou-se que as participantes relataram perceber a violência como
sendo um agravo que irá repercutir diretamente nas suas vidas, ocasionando-lhes mal-estar, e
que podem manifestar-se de forma psicológica através dos xingamentos, humilhações, ameaças,
mas também sob a forma física, através das agressões física e sexual, chegando a repercutir no
seu emocional e interferir na sua qualidade de vida. Quanto aos tipos de violência ocorridos no
ambiente virtual foi percebido, através dos discursos, que predominam a violência psicológica
(especialmente através da adoção de nomes pejorativos) e o assédio sexual (BEZERRA et al .,
2020).
Outro ponto de observação desse estudo foi sobre identificar as redes de apoio utilizadas
pelas participantes, bem como as ações de enfrentamento que essas jogadoras utilizam para
combater e denunciar os agressores. O estudo concluiu que existe a falta de apoio tanto por
parte dos desenvolvedores dos jogos como de uma rede social acolhedora diante da constatação
de violência sofrida em ambiente virtual a exemplo dos xingamentos, machismo etc. As
1066

jogadoras relatam em seus discursos a falta de atuação efetiva dos organizadores a condutas de
violência dirigidas a elas, a falta de efetividade também dos canais de denúncias e as falhas nas
penalidades e punições que são ineficientes aos jogadores agressores (BEZERRA, et al., 2020)
Em dados coletados em estudos anteriores se percebeu a importância de frisar debates e
estudos, que o vício em jogos passou a ser considerado oficialmente pela OMS em 2018, como
transtorno mental. Seguindo esta linha de pensamento afirma-se ser necessário cada vez mais
discutir sobre a temática em questão a fim de buscar alternativas de saúde pública que possam
servir de norte de como proceder, com relação a episódios nesse contexto
Na perspectiva de contribuir e a conscientização sobre os jogos eletrônicos e seus
impactos nas relações sociais é necessária uma conscientização na intenção de amenizar e
combater possíveis danos à saúde, a relação entre aspectos de baixo bem estar psicológico está
atrelada ao uso severo das telas digitais, isso exige buscar ajuda profissional da saúde no âmbito
da psicologia para que possa ser feito um trabalho de reorganização desse sujeito.
Sendo assim, refletir sobre a temática como um elemento quase indispensável para o
entretenimento e lazer é fundamental. Entende-se que os estudos encontram-se ainda em
momento inicial de sua produção e obter resultados satisfatórios requer provocar debates como
este, como forma de prevenção onde o sujeito precisa se conscientizar do uso em excesso de
jogos, pode acometer sua saúde. Afinal, viu-se que as práticas excessivas destes jogos podem
ser consideradas um transtorno mental conforme a classificação da Organização Mundial de
Saúde - OMS.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo identificou com a pesquisa em diversos autores sobre a temática que
existem tanto impactos positivos como negativos no que se diz respeito ao uso dos jogos
eletrônicos/online nas relações sociais, ainda que esse instrumento se usado em excesso pode
causar doenças físicas e mentais, porém o estudo ainda apresentou algumas limitações, se
fazendo necessário ampliar através de um estudo de campo a complementação desta pesquisa
no sentido mapear possíveis redes locais, e afim de se buscar entender como familiares e redes
de apoio estão lidando com a realidade dessa problemática.
Outro ponto que chamou atenção foi com relação a existência da violência contra as
mulheres no ambiente virtual, sendo essa uma temática ainda pouca abordada no estudo foi que
a violência, afeta negativamente a qualidade vida dessas mulheres, uma vez que fragiliza sua
1067

autoestima. Diante do exposto, mostra-se necessário o aprofundamento da pesquisa referente


ao tema jogos eletrônicos/online e seus impactos nas relações sociais, pois acredita-se que esse
problema ainda não está sendo discutido como uma questão de saúde e política pública.
Sendo assim, se faz necessário provocar o debate em ambiente acadêmico, para que os
estudantes de psicologia e áreas afins voltem o seu olhar para essa realidade ainda oculta, com
nuances e hipóteses a serem analisadas, no que se refere às relações das doenças mentais e com
as mudanças de comportamento em sociedade.

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1069

O LUTO INFANTIL E SUAS PARTICULARIDADES: um olhar sobre o luto na


infância com uma perspectiva compreensiva e reflexiva

Maria Eduarda dos Santos Morais ¹


Gessica Raquel Clemente Rodrigues ²

RESUMO

Tomando como forma de reflexão conforme o modo de que o olhar sobre perdas é discutido e
trazido para o cotidiano de cada indivíduo. O luto como uma maneira de expressão de um misto
de emoções com referência a perda, dada como um evento árduo e doloroso, mesmo com esses
efeitos ainda é pouco reconhecido como um temática para ser verbalizada liberalmente. O modo
de fantasiar, acobertar e desviar sobre o luto para o indivíduo que está em fase de
desenvolvimento infantil, reflete como sem muita significância para quem o acompanha.
Impactos no desenvolvimento podem ser consequências para a criança se não houver o diálogo.
O método utilizado nessa pesquisa foi a revisão integrativa, sendo dada como uma interação de
resultados e discussões de autores pesquisados, contabilizando com a pesquisa bibliográfica
como procedimento técnico. As pesquisas foram realizadas através das plataformas SciELO -
Scientific Electronic Library Online; BVS - Biblioteca Virtual em Saúde ; Portal Capes - Portal
de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e BDTD -
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, incluindo também livros técnicos-
científicos, analisando as maiorias das obras publicadas com um tempo dos últimos 10 (dez),
entre 2012 e 2022. Com resultados que apresentam uma relevância em trazer o luto para a
criança de maneira mais transparente e lúdica. Diante dos estudos e das pesquisas referentes a
essa temática, resultam para um desenvolvimento de novos estudos e particularidades Com isso,
com o intuito de debater um ponto importante para a criança, a relevância do falar sobre o luto,
a forma como as redes de apoio vai mediar para si mesma.
Palavras-chave: Luto. Morte. Infância

ABSTRACT

Taking as a form of reflection according to the way in which the look on losses is discussed and
brought to the daily life of each individual. Mourning as a way of expressing a mix of emotions
with reference to loss, given as an arduous and painful event, even with these effects is still little
recognized as a theme to be verbalized liberally. The way of fantasizing, covering up and
diverting about grief for the individual who is in the child development phase, reflects as
without much significance for those who accompany him. Developmental impacts can be
consequences for the child without dialogue. The instrument used as research was the
integrative review, being given as an interaction of results and discussions of researched
authors, counting with the bibliographic research as a technical procedure. The researches were
carried out through the platforms SciELO - Scientific Electronic Library Online; VHL - Virtual
Health Library; Capes Portal - Portal of Periodicals of the Coordination for the Improvement of
1070

Higher Education Personnel and BDTD - Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations,
also including technical-scientific books, analyzing most of the works published with a time of
the last 10 (ten), between 2012 and 2022. With results that present a relevance in bringing grief
to the child in a more transparent and playful way. In view of the studies and research related
to this theme, they result in the development of new studies and particularities. With this, in
order to discuss an important point for the child, the relevance of talking about grief, the way
in which support networks will mediate for themselves.
Keywords: Mourning. Death. Childhood

1 INTRODUÇÃO

O luto se detém de uma construção socialmente vista de maneira negativa para o


indivíduo que está passando por uma situação em que torna-se mais do que presente por um
tempo (in)determinado. A perpetuação desse fato se transforma em uma onda de sentimentos,
emoções, reações físicas, imersões que atravessam o psicológico das pessoas enlutadas. Assim,
cada um tem as suas particularidades representativas.
A morte e o luto geram uma reflexão questionadora perante a uma conduta que está para
a sociedade. A negação de discutir um fator de veracidade se debruça por uma enxurrada de
pensamentos que se referem como uma fonte de necessidade para falar sobre uma realidade.
Para Franco et al (2007), se traz uma ideia que se torna importante para poder elaborar uma
reflexão diante as temáticas de morte e luto:

O luto pela perda de uma pessoa amada é a experiência mais universal e, ao mesmo
tempo, mais desorganizadora e assustadora que vive o ser humano. O sentido dado à
vida é repensado, as relações são refeitas a partir de um avaliação de seu significado,
a identidade pessoal se transforma. Nada mais é como costumava ser. E ainda assim
há vida no luto, há esperança de transformação, de recomeço. Porque há um tempo de
chegar e um tempo de partir, a vida é feita de pequenos e grandes lutos, através dos
quais, o ser humano se dá conta de sua condição de ser mortal (FRANCO et aL, 2007,
p. 2).

Já se tornou algo natural de acontecer quando alguém conceitualiza luto ou quando está
falando sobre o assunto, se traz logo uma referência para a perda de alguém pela morte. Porém
vai além desse ponto, desde ao um término de um relacionamento, a uma perda de objeto que
tenha um valor sentimental muito forte, alguma perda da parte do corpo em decorrência de
algum acidente ou por cirurgia, perda de algum animal de estimação, separações de pais, são
todas possibilidades de perda e luto. Podendo ser percebido que o luto se varia e não é apenas
concretizado a um direcionamento de perdas de pessoas pela morte. Sendo assim, todas as
1071

situações que se relacionam com alguma perda, é preciso que se tenha um manejo para se ter
uma conduta favorável no processo de luto, já que esse processo tem uma visão negativa para
a sociedade (RAMOS, 2016).
Quando se fala sobre o luto se traz uma reflexão que persiste negativamente na realidade
da sociedade. A construção de uma ideia que se relaciona o luto a uma variedade de fatores que
se estabelecem como uma forma ruim de se ver aquele momento, seja por um período de tempo
mais curto ou mais longo, os questionamentos perante a esse tipo de processo se torna constante
para quem está vivenciando. Fatores estes que podem estar relacionados a crenças, a atitude, a
cultura familiar, dentre outros. A perda de algo ou alguém significante, pode ocasionar uma
influência grande na dinâmica do viver, seja no familiar, no social, e atinge fortemente o
pessoal. Sendo, então obrigados a reorganizar todo um sistema que já era seguido para a
realidade daquele indivíduo, se tendo modificações drásticas para tentar organizar uma logística
que se adeque ao novo contexto, de acordo com Ramos (2016).
A perspectiva dada para o luto diante as circunstâncias que são pontuadas, se dão por
uma conduta que a sociedade impõe perante a uma construção questionável. Quando se trata do
luto envolvendo a criança, se torna uma questão que se tem um tabu concretizado por um longo
período de tempo. Podendo ser uma experiência mais difícil para se elaborar uma perda tão
importante para aquele indivíduo. Para o adulto, que se encontra em um estado de
desorganização psíquica diante a situação do processo de luto já é uma vivência difícil, e para
a criança já se torna uma desorganização psíquica e emocional mais complicada por estar em
fase de desenvolvimento e não se ter uma noção tão sólida perante as demandas que estão
presentes ( LEANDRO E FREITAS, 2015).
Segundo Hoffmann (1993), a sociedade tem como uma prática estabelecida no estilo de
vida em que é evitado a aproximação ao tema morte e consequentemente o luto, tendo então
como forma errônea a privação e também a proteção a ser dada à criança, com ideações de que
contribuirá para um melhor desenvolvimento e se ter conforto psíquico a esta. Ao se direcionar
ao luto infantil, existem alguns pontos a serem repensados e discutidos diante todo um patamar
construtivo. Kübler-Ross (1991), traz que ao relacionar o luto as reações emocionais e
comportamentais da criança de uma maneira que não são proporcionais às dos adultos. Com
isso, atribuindo uma construção a uma ideia de que o luto na infância se torna banal para o
desenvolvimento psíquico daquele indivíduo.
1072

A abertura do diálogo torna-se referência positiva para um fenômeno como o luto. A


reflexão de uma premissa de que com os adultos têm uma compreensão construída sobre as
várias mortes, o esperado seria que a criança estaria mais preparada para enfrentar as perdas e
lutos. A partir dessa perspectiva, pode-se ter uma elaboração mais precisa e com mais facilidade
sobre o processo. Tendo então, uma provável relação mais apaziguada com situações
inevitáveis, encarando a morte de uma visão do processo de viver (PAIVA, 2011).
O luto infantil se torna uma situação de um processo delicado para a própria criança,
pois muitas vezes pode existir um diálogo dos pais/responsáveis e familiares em não comunicar
para o indivíduo sobre o acontecimento, ou contar alguma metáfora sobre o evento, em que para
Bee (1997) as crianças tomam um significado revertido diante as apropriações dos pais como
oração, mágicas ou fantasias sobre o ocorrido . Existe esse fator que pode se tornar uma
dificuldade para a criança lidar com o luto sem ter uma noção de como é, dos acontecimentos
que estão presentes na vida da criança e de todas as circunstâncias.
Como é trazido por Küblerr-Ross (1981), em que a criança reagirá de forma semelhante
como perder um dos pais por um divórcio, separação ou abandono. A criança encara a situação
como uma perda significativa em que não se compara a uma morte e consequentemente irá sim
enfrentar o luto com várias demandas ali presente nela, a serem trabalhadas. Reflexões como:
"Será que sou a culpada de acontecer isso com a mamãe e o papai?” “Aquela estrelinha é a
vovó”, indagações como essas que se tornam reflexivas ao analisar a relevância dessas trocas
de informações com a criança. E retorna Kübller-Ross (1981), com uma pontuação plausível
em que a criança tem noção de que a morte se torna algo não-permanente, em que se distingue
que, por exemplo, um divórcio dos pais e que ainda irá ter a oportunidade de voltar a vê-los.
E a partir dessa perspectiva, se traz uma problemática bastante relevante em relação ao
tema trazido. Do início dos porquês, por que não falar, por que se fantasiar toda a história, por
enganar os sentimentos daquela criança, vários questionamentos que se tornam referentes a uma
grande problemática que não é tão vista positivamente. Mas que pode ter a possibilidade de
carregar um leque de questões futuras e desenvolvidas durante a fase da infância e sendo talvez
reconhecida na fase adulta. E a problemática que se torna referência é “Como o não falar sobre
o luto na infância implica na forma lidar e no desenvolvimento da criança?''.
Com isso, sobrepõe como objetivo geral compreender como o não dialogar sobre o luto
impacta na vivência dessa situação para o público infantil. Se dá então, um questionamento
reflexivo que é pouco debatido tanto no meio acadêmico quanto no meio social. Tendo como
1073

forma natural, mas por ainda existir limitações do sujeito lidar com o luto. Nesse âmbito existem
várias vivências de crianças e pouca referência para possibilitar um diálogo relevante e plausível
sobre o luto, não sendo colocado em um patamar de significância para a criança. Quanto aos
objetivos específicos, estão relacionados a discutir sobre o luto na infância e refletir os impactos
do não falar sobre perdas com crianças
Ressalta-se que os questionamentos e curiosidades sobre o luto, a perda, a morte e o
luto são presentes de modo frequente, e logo após a disciplina de tanatologia, foi despertado um
maior interesse sobre toda a temática. Já que as leituras, estudos, pesquisas, passadas em sala
de aula não tinham muita relação com a morte, a vivência do luto na fase da infância aumentou
a curiosidade. E também na disciplina de desenvolvimento em que é apresentado desde o gerar
até a fase final do adulto. O que por consequência gerou um questionamento de saber que é algo
presente mas não é tão visto, explanado, e que terá implicações que são refletidas desse ato.
Sendo um conteúdo despertador. E em relação ao tema, foi algo que analisei em pontos como
o quanto os sentimentos da criança se tornam banalizados por terem pensamentos e
comportamentos que levam ao não dizer, também sobre a enfatização desse motivo.

2 METODOLOGIA

Segundo Netto (2010), a metodologia pode ser definida como um das partes mais
relevantes para fornecer detalhes importantes e suficientes para uma escolha restritiva de um
processo científico. Tendo então, uma estratégia de informações que são reconhecidas perante
as alternativas desejadas. Tomada como um caminho de desdobramento na construção de uma
pesquisa, como cita Kauark; Manhães e Medeiros (2010).
A caracterização da pesquisa presente se dá por meio da pesquisa qualitativa, em que a
mesma tem um viés referente a um processo de origem de descrição, tendo um objetivo
relacionados aos fenômenos sociais e suas predominâncias. Com isso, a pesquisa desenvolvida
compreende-se como uma linha seguida pela a qualitativa.
A pesquisa a ser categorizada como uma qualitativa como define Moresí et al ( 2003, p.
8):
Considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um
vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode
ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de
significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de
métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados
e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a
1074

analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os focos


principais de abordagem.

Com isso se faz parte de uma conjuntura que se constrói, de acordo, com as pesquisas
científicas que são realizadas através de uma procura constante de sabedoria e também de
aprendizagem para uma perspectiva generalista ampliada, diante a cada particularidade
referente a pesquisa qualitativa.
Quando se fala de pesquisa científica de bibliografia se propõe a ter uma estratégia
logística diante as condutas a serem realizadas de acordo com as perspectivas pesquisadas e
analisadas, com cautela. A partir do referenciamento apontado se dá escolhas de pesquisas que
se relacionam com o ponto principal a ser discorrido bibliograficamente, na construção de ser
ter argumentos científicos comprovados teoricamente a depender do caso. A pesquisa
bibliográfica traz um pensamento crítico acerca do assunto que foi discutido. É necessário que
haja uma confiabilidade dos trabalhos pesquisados para esse artigo para assim se ter um
resultado plausível perante as diretrizes tomadas em questão de uma conduta ética e com
responsabilidade. Assim, por meio da utilização de uma metodologia de avaliação se estabelece
uma prontificação para grandes possibilidades de produções científicas, como é citado por
Treinta et al (2014).
A partir de Souza, Silva e Carvalho (2010), com um direcionamento para a revisão
integrativa como uma definição de um método que está relacionado a se ter uma síntese de
conhecimentos com informativos de aplicabilidade eficaz para os estudos em prática.
Considerando aspectos relevantes de inclusão para a compreensão completa dos estudos. Sendo
analisado com uma significância das discussões de resultados.
Em vista disso, com um adendo as análises de adequações sobre uma pesquisa com um
intuito de construir uma ligação de compreensão e reflexão perante a uma pesquisa de cunho
colaborativo. As buscas realizadas foram utilizadas descritores como “Luto”, “ Morte”, “
Infância” e palavras-chaves como “ Luto na infância” e “ Morte na infância", como modo de
relevância para a contribuição da pesquisa.
Com relação aos critérios de exclusão, foi desconsiderado de forma gradual as obras que
não tinham como fator a tradução para a língua portuguesa ou estava em outro tipo de idioma
tal qual do Brasil, sem atribuição daqueles que não tinham uma relação indireta com o tema
discorrido, aqueles que não correspondem de certa forma as palavras-chave e os descritores. E
quanto aos critérios de inclusão, foram considerados os resumos que estivessem condizentes ao
1075

tema, temas que tivessem relevância para a pesquisa, inclusão da base de dados. Utilizando os
filtros tanto para a exclusão quanto para a inclusão da pesquisa.
A prevalência para um espaço temporal é dos últimos 10 (dez) anos, entre 2012 e 2022,
mas se torna necessário ter uma abertura para o espaço de pesquisa, pois existem algumas obras
que vão além dos 5 anos e que tem uma importância para a contribuição. Alguns livros
utilizados que fazem relação de maneira direta com o tema, tendo como um valor significativo
para o desenvolver da pesquisa. As buscas foram realizadas através das plataformas BVS -
Biblioteca Virtual em Saúde; SciELO - Scientific Electronic Library Online; Portal Capes -
Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e BDTD
- Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações.
No decorrer das buscas, foi percebido que existe uma certa rigidez para escrever sobre
o tema, o que torna um pouco mais difícil o desenvolvimento de materiais como estes. Alguns
se tornam referência, devido a esse ponto supracitado que detém de um processo delicado para
quem enfrenta. E quando é direcionado para a fase da infância, as obras tendem a diminuir um
tanto quanto. Destacando um ponto que de certa forma é preocupante, mas pouco discutido e
descrito.
Tendo em vista, uma discussão que se perpetua por diversas gerações, mas que não se
tem uma abertura ampla para um desenvolvimento completo de uma jornada que pode ser
considerada rígida pelo o decorrer dos anos. E com essa abertura, ter possibilidades de novas
perspectivas de referência de uma área de trabalho pouco explorada em comparação a tantas
outras , que se encontra com diversos desafios.
Uma perspectiva diferenciada para auxiliar e também completar as lacunas acerca do
assunto, mas de maneira aprofundada na fase infantil. Na qual, tem uma carência em obras de
pesquisas sobre como manejar naquele momento, como a família/pais possam explicar e definir
de um modo mais simples e prático, porém sem fantasias, o lidar com esses momentos em que
possa ter um espaço de longo prazo ou curto. Com isso, irá depender de como está sendo
manejado para aquela criança.

3 LUTO NA INFÂNCIA

3.1 TRANSPARÊNCIA DA MORTE E DO LUTO


1076

A vida pode ser considerada como um fenômeno. Nela tem vários eventos. E a morte
pode ser dada como um evento desse fenômeno. Como consequência e também como evento,
o luto. Sendo assim, como Chagas (2018) cita, durante a trajetória da humanidade o homem,
criou representações predominantes para o enfrentamento desse fenômeno, que está cada vez
mais inevitável não ter uma discussão crescente sobre.
O temor da morte foi naturalmente construído por causas existentes de um delineamento
atribuído às impressões de povos antigos. Perpetuando com pensamentos questionáveis de uma
dimensão considerada ainda ameaçadora para muitos. A Kübler-Ross (1981) cita em um dos
capítulos do livro “Sobre Morte e Morrer” que tem como um dos seus objetivos tentar traçar
mudanças perante a uma demanda questionadora e retrocedente. Mudanças essas que são
responsáveis pelo crescente medo da morte, oriundas de uma ideia restrita e decorrentes de um
aumento de problemas emocionais, grande necessidade de compreensão e a forma de lidar com
a morte, o morrer e todo o processo do luto.
De acordo com o que Chagas (2018, p. 29) discute em dos seus capítulos do livro "A
Morte e suas representações" traz um posicionamento sobre a morte diante do entender da
sociedade:

O entendimento e aceitação da ideia da morte constituem hoje um dia maiores desafios


do ser humano. Na verdade, talvez sempre o tenha sido, porém o temor diante do seu
próprio fim, tenha feito com que o homem a mantenha cada vez mais distante de si,
como um desconhecido e eterno inimigo, ou, por outro lado, tente veementemente
combatê-la, como sendo está o seu mais devastador inimigo, apesar desta se achar nele
próprio desde o momento de sua concepção, pois independentemente de qualquer
teoria filosófica, teológica ou científica, começamos a morrer no momento em que
nascemos. É o que nos ensina o próprio processo biológico dos seres vivos : nascer,
viver e morrer.

O luto segue uma linha de entendimento e de aceitação bem semelhante ao que foi
supracitado. Se detém de uma ideia construída de medo em que acontece a morte - já relaciona-
se luto constantemente ao morrer - e banaliza as outras formas de como se vem e sente o luto.
Segundo Baptista, Carvalho e Lorry (2005) o medo se encontra como um estado
emocional mais evidente diante situações que coloquem o indivíduo a alguma ameaça ou
incerteza. Apesar de ser um mecanismo de defesa para uma representação de comportamento,
onde se vê vulnerável a enfrentamentos, pode ser também considerado como psicossomático,
desencadeando resposta que influi na qualidade de vida daquele indivíduo. Com isso, o medo
pode ser considerado como uma adaptação para aquele sujeito, de acordo com uma perspectiva
evolutiva e desenvolvimentista.
1077

Baseado no que foi supracitado, é evidente que temos medo da dor, pois a partir do
momento em que ela está perante a situações de fragilidades, tem uma sensação psíquica que
torna-se um sofrimento imediato para o indivíduo. Com isso, tomando como uma relação
mínima, é o estado emocional do medo e o fenômeno do luto que se atravessam de maneira
inerente (CHAGAS,2018).
É perceptível que torna-se evidente a preocupação em relacionar-se de maneira direta
com a discussão do luto e da morte. Traz uma ideia de que esse fato é regulamentado, embora
se encontre de uma maneira longe de ser institucionalizada pela a sociedade, por carregar um
pensamento delimitado. Como cita Chagas (2018), sendo “esse sinistro fenômeno", que
influencia na qualidade de vida, contribui significativamente com a perturbação de pensar sobre.
De uma maneira para a atribuição positiva, proporcionar um melhor entendimento para uma
evolução intrapessoal e interpessoal.
Como discute Ramos (2016), apesar das diversas situações em que é apresentado o luto,
a sociedade tende a cingir o luto associado apenas a morte. E quando é rebatido para a realidade,
vai além da morte, desde um momento de separação a uma perda de emprego. Existe um luto
que está sendo escondido ou não reconhecido pelo o indivíduo que está vivenciando esse
evento. Analisando assim, percebe-se que a ideia de luto mantém apenas a uma demanda,
quando é vista como parâmetro da realidade da sociedade.

3.2 A VISÃO DA MORTE E DO LUTO AO LONGO DOS ANOS

A convivência constante de um fenômeno que perpetua significativamente por cada ser,


se diz muito de uma logística construída por uma ideia de que este momento está em um tempo
distante de acontecer e quando se depara com a realidade não está preparado psicologicamente
para aquele fato. Fato esse que perpassa por todos, mas é pouco comentado buscando se evitar
situações que podem ser constrangedoras e adiantadas para alguns.
É indubitável que a morte e o luto são eventos inseparáveis, uma é a única certeza que
está para quem vive e o outro pode se tornar um processo fantasioso. A expressão do processo
fantasioso, pode ser definida como uma ideia de que o luto não é algo harmonioso para poder
estar em transparência como devia ser apresentado. Fantasiando fatos que têm uma relevância
considerável para a construção de pilares da vida.
1078

A visão da morte diante das vivências de povos/sociedade atravessam uma diversidade


de questões influenciáveis para o entendimento mais claro, questões essas que estão
relacionadas à religiosidade, a filosofia, a cultura e também a ciência.” A morte apresenta-se
como um fenômeno impregnado de valores e significados dependentes do contexto sócio-
cultural e histórico em que se manifesta” (COMBINATO;QUEIROZ,2006, p. 209).
Os atributos da morte e do luto se dão de uma gama de desafios perante a situações que
fazem refletir e discutir, como é discutido por Chagas (2018, p. 19): [...] Porém,
contraditoriamente, o homem continua a ocultar, a ignorar e a encobrir essa questão como forma
de se manter distante da mesma, como sendo uma proteção à sua interação física e psicológica
e como se ignorasse o próprio fim ou condição de morte”.
Sendo então, compreendida como uma fonte de ameaça para a humanidade. Construindo
um tabu que perpetua de maneira árdua no contexto sociocultural. Refletido questões pautadas
como destruidoras por ter uma percepção que se torna distante de uma logística que envolve
fatores como o lida com esse fenômeno.
Sobretudo, as buscas por respostas em diversas áreas que possam estar correlacionadas
a morte e a luto, ficam presos a uma linha de raciocínio que não é tão explorada, dificultando o
debate e a explanação das ideações sobre um assunto que carente. Tendo como grande
envolvimento e tornando riquíssimo a sociedade medieval, as mitologias ali presentes artes
como forma de expressão, a religião se encontrando fortemente nesse meio. Mas sendo também
atribuído a outras eras e povos/sociedade, de acordo com Combinato e Queiroz (2006).
De acordo com Caputo (2008), a caracterização da morte se dá pela incerteza, pelo
mistério e por consequência natural, o medo, de uma situação que é denominada desconhecida.
As respostas são buscadas desde mitos e filosofia até a arte e religiões. Com um objetivo de
fazer conexões que tornem mais compreensível o fenômeno da morte.
O luto não se diferencia em relação a uma logística semelhante à da morte. Percorre
diante de uma ideia de que a ação de sentir o luto seja encoberta, mas que ao mesmo tempo
possa ser transparente. Sendo uma construção da sociedade elaborada ao decorrer dos anos, da
Idade Média até o tempo atual (CAPUTO, 2008).
O ato de morrer e ação do luto, além de um fenômeno biológico natural, contém
intrinsecamente uma dimensão simbólica, relacionada tanto à psicologia como às ciências
sociais. Enquanto tal, a morte o luto apresenta-se como um fenômeno impregnado de valores e
significados dependentes do contexto sociocultural e histórico em que se manifesta.
1079

Percorrendo diversos caminhos para dois fenômenos que refletem para além da realidade
(PARKES, 1998).
Ao analisar, a moral e a ética se põem como resposta para tal ato. A moral é social, faz
parte da coletividade, se resume às regras sociais instituídas, variando de cultura, tempo e
espaço. Já a ética, parte da moral, é uma reflexão da moral, e estar para a individualidade de
cada indivíduo e de como irá interpretar, tendo modificações, de acordo com Vásquez (1999).
Com isso, faz analisar se de como é a forma que é tratado a morte e o luto dentro de culturas
como o Brasil, e o que se reflete para cada indivíduo.
Fantasiar significa: criar fantasia (s) obra(s) de imaginação; devanear, imaginar, de
acordo com a definição de Oxford Languages (2022). A partir dessa palavra que envolve
questões relacionadas ao luto e que está interligado ao contexto histórico que influencia até os
tempos atuais. Influência essa que relaciona-se diretamente do modo de agir perante a um
assunto que equivale a estratégias para fantasiar um ato natural. Mas mesmo diante das
discussões levantadas para desmistificar o luto, a sociedade se encontra como rígida. Embora
também não seja necessário ter conhecimentos científicos para poder discutir sobre o luto e suas
particularidades.
As queixas que se tornam presentes no dia a dia da sociedade, se deixam levar para um
lado que é caracterizado como sem necessidade. Sem necessidade de discutir sobre a morte,
sem necessidade de falar como lidar com luto, sem necessidade de tirar dúvidas de como é o
luto. Muitas das indagações que perduram a um longo caminho e que ainda em pleno século 21
com grande parte das inovações e discussões avançadas, o luto juntamente com a morte ainda
se encontram encobertos por uma sociedade que está presa a um tabu. Agora lhe pergunto:
“Como um ser irá enfrentar e conviver com algo que não é dito abertamente ?”

3.3 O LUTO E CRIANÇA

O termo luto vem da deriva do latim Luctus, que significa morte, perda, dor e mágoa
(PEREIRA, 2008) e tem como uma definição dada como “o processo de sentir ou expressar
tristeza após a morte de um ente querido, ou o período durante o qual isto ocorre''. Envolve
tipicamente sentimentos de apatia e abatimento, perda de interesse no mundo exterior, e
diminuição na atividade e iniciativa. Essas reações são semelhantes à depressão, mas são menos
persistentes e não são consideradas patológicas” (APA, 2010, p. 568).
1080

A morte e o luto nos fazem sentir desconfortáveis perante a uma situação que deixa
angustiado, aflito, perdido, com receio do que possa vim. Com isso, é construído a partir da
situação uma visão negativa para a morte, e que então é repassada de geração para geração,
crenças que vão sendo elaboradas de acordo com o fenômeno. E é nesse último ponto
mencionado, que a criança está para a morte e o luto se calcula como improvável.
A educação sobre esses dois fatores se tornam imensamente importantes para como
aquela criança poderia conviver com outras dificuldades. Não se resume apenas ao fato de uma
morte, vai para além desse evento. Trazendo para a realidade, pode perceber que existem muitas
pessoas que se negam a dizer, informar, educar sobre um fenômeno inevitável. Um tabu que
percorre por toda a sociedade.
Quando é mencionado luto e criança, se tem um atributo de que essas palavras tornam-
se contraditórias diante a uma realidade que ver a criança como um ser indefeso e sem
autonomia e compreensão para tal ato, de acordo com Torres (1996). Construído de forma que
a morte e o luto não tivessem um lugar para ser ocupado a fase da infância, sendo que a partir
do momento do nascimento daquele ser, vem se tratando de forma direta ou indireta sobre o
luto.
Como muitos pensam, o luto não parte apenas após uma morte. Vai muito além desse
evento. Desde o desmame do mamar, para o deixar de usar a chupeta, adentrado também para
a perda de animais, separações de pais, mudança de casa e de escola, distanciamento de alguém
muito próximo de seu conviver. São algumas das situações que o luto está presente para aquela
criança que está em desenvolvimento.
Essas reflexões diante das situações supracitadas, trazem um respaldo de que há um
receio de que a criança não possa ter uma aproximação de forma livre do luto. Como cita
Vendruscolo (2005, p. 29):

Essa concepção errônea favorece atitudes inadequadas dos adultos com as crianças
que vivenciam situações relacionadas à morte, tais como: evitar o assunto, minimizar
o sofrimento que eles próprios estão sentindo para poupar a criança, utilizando
eufemismos que confundem ainda mais a criança e até mesmo a criação de mentiras
que venham substituir a situação que envolve a morte.

A forma como é vista através de um olhar com perspectiva de que não é necessário que
na fase infantil tenha um diálogo sobre assuntos que contribuirão para o desenvolvimento
daquele ser, se diz muito de crenças construídas e que seguem fortemente na sociedade. Tem
1081

como modo de fantasiar situações. Com isso, a criança questiona e as respostas se tornam vazias
para o entender dela.
“Ao não falar, o adulto crê estar protegendo a criança, como se essa proteção
aliviasse a dor e mudasse magicamente a realidade. O que ocorre é que a criança se sente
confusa e desamparada sem ter com quem conversar” (KOVÁCS, 1992, p. 33). Pode ser
considerado medo, como o não dialogar sobre possa ocasionar e com resposta se tem a proteção
da criança. Uma visão do adulto que pode prejudicar o desenvolvimento da criança sem o
entendimento plausível ( BAPTISTA; CARVALHO; LORY, 1997)
O ponto chave não é forçar para que aquela criança tenha algum convívio, está mais
para que se tenha uma noção e conhecimento sobre o luto. E não atribuindo consequências no
seu desenvolvimento afetivo, social, cognitivo, comportamental. Atribuições estas que são
refletidas perante ao fenômeno como positivas para o crescimento de pilares da vida da criança
(LOTTERMANN, 2010)
Na infância, a criança tem como referência os pais ou aqueles que estão no seu convívio
de modo frequente. Então, a partir do momento que estes fantasiam ou acobertam a morte e o
luto, deixam de acrescentar peculiaridades que podem ser importantes para a compreensão da
criança. Tendo como consequência um desafio intelectual e emocional para lidar com o luto,
como diz Torres (1996).
As investigações para a compreensão da morte na visão da criança vem sendo realizada
em meados dos anos de 1934, com um intuito de saber como a morte e também o luto refletem
para a fase infantil e se influencia o desenvolvimento global destas, de acordo com Torres
(1996). Em que a mesma cita as dimensões presentes diante o evento (p. 36):

É possível identificar três componentes do conceito de morte na criança:


irreversibilidade (impossibilidade de retornar ao estado anterior, morte do corpo), não
funcionalidade (compreensão de que todas as funções definidoras da vida cessam
com a morte) e universalidade (tudo que é vivo morre).

"A educação sobre a morte e o luto é sobre educar e contribuir para ampliação e
transformação das atitudes que se referem sobre morte, morrer e o processo de luto”
(TINOCO,2003, p. 1). A oportunidade e liberdade de educar sobre o luto, pode ser considerada
como um fator difícil, pois não depende de uma só pessoa, e das pessoas de convivências e
também da sociedade. Mas a partir dessa ação pode-se trabalhar essa questão que implica tanto
para quem tem uma visão negativa sobre.
1082

Tinoco (2003, p. 2), retorna como ideia que é o tanto quanto plausível para uma
construção de relevância significativa perante de reflexões que impactam negativamente:

Se por um lado é crescente o número de pessoas que se interessa por este assunto, é
grande o número de pessoas que demonstra atitudes de negação ou evitação quando o
assunto é morte. A morte ainda é um tema desconfortável na nossa e em muitas
culturas. A atmosfera de negação da morte que se instala nessas culturas influencia
novas gerações, resultando numa compreensão pobre tanto da vida quanto da morte.

O indivíduo adulto, com mais armazenamento de conhecimentos, já sofre por perdas –


sejam elas: corporais, pessoas do convívio ou material -- e quando é uma criança que ainda está
em fase desenvolvimento, descobertas, se torna mais delicado para lidar com as perdas. Por
tanto, a elaboração do preparo para tais assuntos que se fazem presentes constantemente, se
define como essencial para o desenvolvimento infantil ( PARKES, 1998).
O não dialogar sobre o luto impacta na vivência do público infantil com o seu
desenvolvimento e o seu lidar. O implicação de vários fatores, como já foi citado, como a
sociedade, as crenças, os pais, o conviver em uma cultura que enxerga a morte e o luto sem
validez para dialogar em momento diário. As dificuldades partem destas e outras que sobrepõem
negativamente em várias famílias e também a escola, já que este último mencionado é um dos
lugares de maior socialização durante a fase da infância. Limitam o falar.
A aproximação do tema do luto não significa que irá fazer a criança sofrer mais, mas
compreender como lidar com o luto, quais sentimentos/emoções que possam vir num momento
como esse, como ajudar alguém que esteja passando por situações como esta. É muito mais
sobre o aprender a ser empático e colaborativo com as pessoas e consigo mesmo ( KOVÁCS,
2003).

4 IMPACTOS DO NÃO DIALOGAR SOBRE PERDAS COM CRIANÇA

Há uma necessidade perante ao desenvolvimento das capacidades para elaborar perdas,


ainda mais quando se relacionam com crianças, como discute Oliveira (2001). Capacidades
estas que refletem na forma do entendimento da criança. Aparentemente, o ato da perda
encontra-se na situação como algo passageiro e sem muitas significâncias prósperas.
Adquirindo uma essência de questionamento contínuo por parte do público infantil.
Lima e Kovacs (2011,p. 391), trazem uma discussão importante para desmistificação do
silenciar a forma como é falado sobre a morte e o luto:
1083

A sociedade contemporânea supõe que a criança não compreenda a morte e o luto, e


encara tudo que lhe é associado como prejudicial a ela, mantendo um silêncio
amedrontador, desconversando ou protegendo-se com metáforas quando se trata de
conversar com os pequenos sobre esse tema.

A perda é caracterizada como ato ou efeito de perder; fato de deixar de possuir ou de


ter algo, de acordo com as definições de Oxford Languages (2022). Definição que está para
além de perdas de corpo, envolve perdas materiais, emocionais. Em que, se resume a várias
formas como presumem diante de uma temática que possa ser retornadas por diversas vezes,
mas que não tem um devido respeito para debater sobre.
“Se para o adulto é algo demasiadamente misterioso, imagina falar sobre este tema para
o público infantil, pois, devido seu nível de maturidade e desenvolvimento afetivo e
emocional não está preparado para compreender tal menção” (FARIAS et al, 2021, o. 24).
Por isso, se demanda de uma forma que intervenha sem uma performance clara para explicar
sobre o luto da criança. Torna-se complexo uma discussão que vislumbra passagens por diversas
famílias que constrói essa comunicação de primeira.
Para Piaget, de acordo como foi discutido com Shaffer e Kipp (2012), na fase da infância
não consta conhecimentos inatos, mas a criança constrói suas próprias compreensões do mundo
baseadas nas experiências vivenciadas. Como cita Yamaura e Veronez (2016, p. 82):

Dentro dessa perspectiva, o conteúdo dos seus pensamentos e, consequentemente,


seus comportamentos são moldados pelas influências do ambiente único de cada
indivíduo, podendo diferir drasticamente de pessoa para pessoa. Por isso somos
diferentes.

A interpretação que se tem quando é mencionada a palavra criança, se retém a uma visão
construída de que a mesma é um ser indefeso. Compactuando uma idealização de que não é
necessário apresentar e discutir assuntos que são relevantes para a construção dos seus próprios
pilares." A criança é criativa, imaginativa e tem uma curiosidade natural que a faz descobrir o
mundo, a vida e seus mistérios. Para tudo busca um porquê, não havendo diferença em relação
à morte" ( PAIVA, 2011, p. 22). Com isso, conforme o crescimento, a mesma adquire novas
formas de conhecimentos e compreende através do buscar e experimentar o mundo.
A morte e o luto estão presentes, inclusive, nos desenhos animados dos quais as crianças
tanto gostam ( PAIVA, 2011). A ideia mágica da imortalidade aparece quando, por exemplo, o
Pica-Pau é atropelado por um trem, fica completamente estendido no chão como folha de papel
1084

e, em questão de instantes, toma sua forma original e assim sai como fosse a sua rotina normal.
Ou no filme O Rei Leão quando aconteceu a morte de Mufasa e todos do reino enfrentaram um
processo de luto. Ou quando no filme Up - Altas Aventuras, em que Carl perdeu a esposa, e
para matar a saudade dela decidiu encarar uma viagem com centenas de balões amarrados à sua
casa em que morava com a esposa para um lugar que era o sonho do casal.
Alguns dos exemplos supracitados estão presentes cotidianamente na fase da infância,
pois onde há uma procura e desejo maior das crianças e também dos pais em apresentar filmes
infantis. Em que a maioria das vezes é mostrado para o filho tal filme, desenho ou jogo com um
objetivo principal uma distração, para ficar quieto, e não com um intuito de poder educar,
aprender algo positivo para aquela criança (PAIVA, 2011).
No entanto, cenas, como foram citadas, podem servir como uma maneira de ensinar
sobre diversas temáticas que são importantes para o desenvolvimento emocional,
comportamental, social, cognitivo de crianças que estão em uma fase de experimentar, descobrir
e ativar pensamentos. A capacidade de entendimento varia de idade para idade com relação à
fase da infância. Assim, de acordo com Schirmann et al (2019), o desenvolvimento da
aprendizagem está diretamente ligado aos estímulos ambientais em que o ambiente está para
oferecer e como o organismo da criança se adapta aos mesmos.
As fases de desenvolvimento estão em uma passagem de estágios que estão relacionadas
ao processo de aprendizagem do indivíduo. Piaget foi um dos autores que trouxe uma discussão
fortemente para os estudiosos e também para os leigos, apresentando as fases de estágios de
desenvolvimento da criança ao decorrer da idade. Piaget (1999) elenca quatro estágios que
precedem o desenvolvimento infantil: sensório motor, pré-operacional, operacional concreto e
operações formais.
No estágio sensório motor, Papalia ( 2006), traz que é o primeiro dos estágios dentro do
desenvolvimento infantil, iniciando desde o nascimento até aproximadamente os 2 anos de
idade, cita que Piaget defende a ideia de que os bebês aprendem sobre si e sobre o seu ambiente.
Em seguida, é definido como pré-operacional, acontecendo entre dois a sete anos de idade, é
chamado assim porque a criança carrega significações do período anterior, tendo conceitos
iniciais confusos, mas em constante construção de ideias lógicas (RAPPAPORT, 1981). O
operacional concreto é categorizada como:

Aproximadamente aos 7 anos, segundo Piaget, as crianças entram no estágio de


operações concretas, quando podem utilizar operações mentais para resolver
1085

problemas concretos (reais). As crianças são então capazes de pensar com lógica
porque podem levar múltiplos aspectos de uma situação em consideração (PAPALIA,
2006, p.365).

E por último, é definido o operacional formal, acontece nesse momento que o


adolescente possui uma evolução no desenvolvimento cognitivo melhor pré definido,
desenvolvendo a capacidade do pensamento abstrato, “esse desenvolvimento, geralmente em
torno dos 11 anos, lhe proporciona um modo novo e mais flexível de manipular as informações”
(PAPALIA, 2006, p.455).
Percebe-se que nessas fases de desenvolvimento há fatores que influenciam, diretamente
ou indiretamente, com a evolução dos estágios. Não necessariamente seguem um padrão de
idade, como cita Piaget (1999). Possa existir uma variação para cada criança. Fatores estes que
podem ser no modo em que a criança está para aquele ambiente, as pessoas que têm influência
mais predominante se irá instigá-la.
Com uma perspectiva, Torres (1999) ressalta que a forma de silenciar sobre a morte pode
acarretar algumas perturbações no desenvolvimento da criança que se tornam evidentes,
refletindo a curto ou longo prazo, sobretudo quando ela passa por certas experiências, como a
perda e o luto.
Com isso, a forma como a criança vai poder compreender perdas irá ser muito mais
avaliado de acordo com as fases do seu desenvolvimento, pois é um processo de construção do
entendimento. Se torna necessário, explicar, educar sobre a morte e o luto, mas com adendo de
que aquele indivíduo está em fase de descobertas, desenvolvendo-se cognitivamente,
emocionalmente. E a que o não dialogar sobre perdas com a criança pode gerar impactos com
consequências imediatas ou futuras (TINOCO, 2003)
Impactos esses que podem ser percebidos em um mínimo detalhe ou um máximo
(PAIVA, 2011, p. 33). Como a forma como poderá discorrer sobre perdas, lutos futuramente,
ter uma rigidez que para sentir emoções quando perder ao ou alguém que tem uma significância
afetiva, não querer enfrentar situações que leve o indivíduo a uma possível perda, ter uma
construção de crenças que irá percorrer de forma negativa quando relacionar-se a perda.
Como discute Fernandes (2011, p. 7) quando relacionasse o impactos das perdas para a
criança podendo acarretar sofrimentos sobre a mesma:

O não falar com a criança sobre o ocorrido – morte – para protegê-la, pode ter efeito
contrário e provocar mais sofrimento, pelo fato da criança ainda não saber o que está
1086

acontecendo e nem possuir experiências de como lidar com os sentimentos que surgem
diante da perda.

Kovacs (2007) traz que o trabalho psicoterapêutico, seja em qual for a abordagem,
aponta que a criança percebe toda a maneira de como é dada a movimentação acerca da morte
e do luto e se expressa seus sentimentos e angústias a partir das brincadeiras ou atividades
gráficas.
Quando relaciona os estágios de desenvolvimento da infância com perdas - morte
e luto, há uma distinção no decorrer destas. Segundo Fernandes (2011), na fase sensório motor
(0 a 2 anos), pode ser sentido como uma forma de aniquilação e abandono. Já no estágio pré-
operacional (2 a 7,8 anos) acontecem as principais descobertas sobre o fenômeno morte.
Durante este momento, há a representação do pensamento mágico onipotente e a morte é
percebida como reversível, como relata Kovacs (2007).
Por sua vez, no período operacional concreto (8 a 11 anos), onde ocorre uma busca mais
detalhada das explicações lógicas, como o caso indagar sobre as perdas, “faz se necessário
explicar o que está acontecendo, nomear as doenças, suas possíveis causas e tratamentos,
proporcionar conhecimentos à criança através de livros, filmes” (FERNANDES, 2011). E por
fim, na fase das operações finais (11+), Fernandes (2011, p. 8) finaliza com:

Adolescente já possui uma compreensão ampla sobre a morte e pode falar sobre o
tema, mas apesar de possuir certa experiência/ciência do que venha a ser a morte,
acredita ser imortal como um super herói. as consequências das doenças nesta fase,
pode levar o adolescente/jovem à revolta, ao isolamento e a tristeza.

De acordo com Torres (1999), as reações mais frequentes da criança frente às perdas -
morte- no processo de luto são: manifestações somáticas, reações hostis em relação ao morto
por se sentir abandonada por este (sobretudo se foi um dos progenitores que morreu), reações
hostis aos outros, idealização das qualidades do ente perdido, identificação com ele, pânico
decorrente da vivência do desamparo e culpa. Em que leva em consideração de como essa
criança está ciente sobre algo referente a perda e o processo de elaboração de luto.
Quanto à sintomatologia, Weller e Weller (1992), ao realizarem estudo com crianças
recentemente enlutadas, constataram que estas apresentaram sintomas depressivos como
disforia, perda de interesse, tristeza, culpa, desempenho escolar diminuído, retardo psicomotor
e ideação mórbida mais frequentemente que crianças não enlutadas. Contudo, desperta uma
relevância para o diálogo, mas também é realista ao ponto de que falar sobre perdas, morte e o
1087

processo de luto irá fazer com que a criança enlutada tenha comportamentos e emoções mais
controlados. É muito mais voltado para desmistificar a inocência e deixá-la ciente.
Harris (1991) verificou que crianças manifestam sintomas físicos e psíquicos,
apresentando problemas na escola quando estão em um processo elaborativo da perda daquelas
pessoas próximas. Crianças que viveram perdas podem apresentar disfunções sociais, baixa
autoestima e ansiedade. O que ressalta a necessidade de os professores saberem desses fatos
para compreender e acolher seus alunos. Com isso, se tornando plausível um diálogo pertinente
para possíveis impactos causados nessas crianças, para encontrar modos funcionais de se
conduzir.
Portanto, é necessário que seja importante dar um espaço. Para que a criança possa
expressar seus sentimentos diante o diálogo, e ao perceber que a mesma esteja confortável e
demonstra uma curiosidade, percorrer um caminho de clareza sobre as informações que estão
sendo expostas para ela, a respeito de perdas. Contado com uma rede de apoio que tenha a
somar para a construção daquela criança.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar sobre morte, luto, perda que são significativas para o aquele ser, se tornam um
grande desafio e tanto. A pesquisa, o manejo para seguir uma linha de raciocínio concreta que
seja abrangente mas focada, estudos, discussões, se tornaram barreiras, mas ao mesmo tempo
um caminho de novas perspectivas, um olhar que vai além do que vivenciar e ler, ativando o
modo crítico.
A relevância demonstrada para sociedade sobre um tema que é fantasiado entre a grande
maioria, se denomina como algo pouco discutido em diversos âmbitos. Quando se fala sobre
morte e luto, extrapola o incômodo para aquelas que se afastam ou acobertam. O incômodo, o
desconforto é válido, porém a validez para uma temática que fala sobre si e também alguém de
vinculação particular, apresenta-se como um cuidado.
A criança é um indivíduo que está em fase de desenvolvimento, isso já é perceptível,
porém, a idealização de que a criança não tem entendimento, não está ali apenas para aprender
além de matemática ou português ou está em uma fase de brincar, é enganosa. A fase infantil é
o momento em que o indivíduo se constrói, onde vai surgindo suas crenças, aparecimento de
distorções, nomeando, brincando e aprendendo, reconhecendo as suas emoções, a fase que está
1088

para um grande desenvolvimento comportamental, cognitivo, emocional, biológico, social. A


importância desse momento, muitas das vezes pode ser invalidado por outras pessoas que têm
uma percepção construída de que criança é inocente e sem autonomia.
A partir disso, a delimitação do problema deste escrito, tomou como foco as inquietações
que perduram. O diálogo básico para uma criança que não tem um conhecimento mais concreto
do que um adulto, pode ter consequências que podem influenciar o desenvolver e a forma como
vai lhe dar futuramente. As consequências do silêncio para a criança refletem de maneira
negativa, como: lidar com as emoções, encarar alguma situação que possa ter relação com a
perda. As frustrações com relação a perdas significativas, sejam boneco preferido, um
personagem favorito que morreu ou um ente querido, todas essas são formas de perdas e que
essas perdas têm um processo de elaboração de luto, mesmo que para um adulto não tenha muito
significância, mas para aquela criança que está descobrindo suas emoções irá ter uma relevância
significativa. E não respeitar a forma como a criança manifesta esse luto, menospreza a emoção
dela.
Há dificuldade em se debater uma temática tão complexa. Muitos dos artigos,
dissertações, pesquisas encontradas têm um direcionamento mas para a ligação de morte e luto,
e realmente os dois seguem em caminhos semelhantes. Porém, o luto não só se dá a partir do
momento que uma pessoa morre. A desconstrução dessa relação restrita de pensamento, precisa
estabelecer formas interativas para que a sociedade tenha uma visão um pouco mais ampliada
para quando se falar de luto.
A discussão sobre luto na infância levanta questionamentos que levam a uma dúvida de
contar ou não a verdade sobre o processo de luto. Nos artigos, mostra-se a realidade para aquela
criança, do não fantasiar, mas também respeitar e entender a fase de entendimento dela. A
compreensão se estende por cada idade. Respeitando o limite de cada criança.
A problematização do presente estudo, estrutura-se diante do luto para a fase infantil,
tendo como o caminho como o não dialogar sobre o tema possa vir interferir na vivência da
criança. Assim, trazendo uma percepção das pesquisas sobre morte e luto, de modo a estabelecer
um melhor entendimento com o temor destas; junto com isso foi discutido fatos importantes
sobre a visão da sociedade sobre o luto no decorrer dos anos e com isso trazendo uma discussão
com referências importantes sobre o luto juntamente com a criança como uma forma de
desconstruir e refletir sobre um parâmetro importante.
1089

Em seguida, levantou-se os impactos que o não dialogar sobre o luto pode interferir no
desenvolvimento da criança, em que a mesma esteja sendo ou não na situação. A reflexão se
sobressai sobre a maneira que elas podem interpretar o fenômeno e como influenciará.
Denominada por estágios em devidas idades e a possível forma de manifestar e lidar com um
misto de emoções perante a uma situação nova para elas. O impacto está relacionado às
manifestações de sintomas físicos, emocionais, comportamentais, cognitivos, dependendo de
cada contexto.
Com isso, a importância do desenvolvimento de pesquisas e estudos referentes a área
sobre perdas e a elaboração de luto para o público infantil. Visto que é uma temática pouco
valorizada e discutida pela a sociedade acadêmica. Em conclusão, a atribuição de novas
perspectivas para a temática se faz necessária para as dificuldades na forma do manejo com a
criança.

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1093

O MITO DA BELEZA E O IMPACTO NA SAÚDE MENTAL DAS MULHERES

Elisa Stéfani da Cunha Rocha 1


Mariana de Melo Filgueira Costa2

RESUMO
Este trabalho tem o intuito de discutir as formas que o mito da beleza influencia o cotidiano
feminino, principalmente seus impactos sociais, econômicos e psicológicos. Por meio da
revisão bibliográfica do livro “O Mito da Beleza” de Naomi Wolf e diversos outros artigos
sobre o tema, foi possível relacionar os efeitos que a discriminação de gênero tem na vida dos
sujeitos, bem como entender a origem de alguns comportamentos associados a homens e
mulheres e porque eles se sustentam. Cinco pontos principais de impacto foram analisados, o
contexto histórico, a questão trabalhista, a disseminação de ideais a partir das mídias sociais, a
cultura do estupro e a repercussão na saúde mental das mulheres. Foi identificado que o ideal
de beleza impõe às mulheres uma pressão social gigantesca que afeta todos os âmbitos da sua
vivência, e lhes deixa em posição de desvantagem aos demais sujeitos, numa tentativa bem-
sucedida de manter uma das hierarquias de poder que sustentam o sistema capitalista.

Palavras-chave: mito da beleza; cultura do estupro; saúde mental; mídias sociais; diferenças
de gênero.

ABSTRACT
This paper has the intention of discussing the ways in which the beauty myth influences the
female daily life, especially the social, economic and psychological impacts. Through a
bibliographical review of the book “O Mito da Beleza” by Naomi Wolf and several other
scientific articles on the same topic, it was possible to relate the effects that gender
discrimination has peoples on the lives, as well as understand the origin of some behaviors
associated with men and women and why they support themselves. Five main topics were
analyzed, the historical context, the labor issue, the dissemination of those ideals through social
media, the rape culture and the repercussion it has on womens mental health. We were able to
identify that the ideal of beauty puts women under a huge social pressure that affects all areas
of their experience, and puts them at a disadvantage to other people, in a successful attempt of
keeping one of the power hierarchies that supports the capitalistic system.
Keywords: beauty myth; rape culture; mental health; social media; gender differences.

1 INTRODUÇÃO
A sociedade patriarcal e capitalista tem seu foco voltado ao corpo da mulher, em vários
aspectos, como a reprodução, os estereótipos de beleza, até o quanto de trabalho o corpo da
mulher pode aguentar e lhe ser útil, mesmo ganhando menos do que os homens; todos esses

1
Bacharel em Psicologia pela Universidade Potiguar - UNP. Email: elisastefani01@gmail.com
2
Bacharel em Psicologia pela Universidade Potiguar - UNP. Email: marianamelo161296@gmail.com
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pontos têm algo em comum, são formas de controle social, uma maneira que as instituições
encontraram para atrasar os avanços da emancipação das mulheres. Naomi Wolf, no livro “O
mito da beleza” (2018), afirma que cultuar a beleza, a juventude feminina, são estímulos que o
patriarcado utiliza para reforçar tal controle sobre esses corpos. Há um objetivo em evitar que
os ideais feministas de emancipação, conquistados nos anos 1970, continuem sendo exercidos
e possam evoluir. Pois, a evolução desses ideais poderia desestabilizar o sistema capitalista.
Em sua obra, Wolf apresenta como se desenvolveu o mito da beleza ao longo das
décadas, como o ideal de dona de casa se transformou e chegou ao ideal de beleza que afeta
tantas mulheres até o presente momento. Expõe a opressão causada por esse mito através das
indústrias, do mercado de trabalho, da mídia e da cultura como um todo. E apresenta as
consequências físicas e psicológicas que foram geradas nessas mulheres, ansiedades
decorrentes da aparência, do envelhecimento, transtornos alimentares causados pela obsessão à
magreza, dentre outros impactos sociais e econômicos também. Assim, Wolf desenvolve sua
ideia de como o patriarcado, reforçando esses estereótipos, se fortalece enfraquecendo as
mulheres.

Como eu tinha tido a sorte de estudar a história do feminismo, percebi que, a cada
geração que houvesse um forte avanço por parte das mulheres, algum ideal surgia para
sugar as energias e assim garantir que elas não progredissem demais. (WOLF, 2018,
p. 4/5).

Através de um padrão de beleza irreal e inatingível, usado contra a autoestima feminina,


o sistema capitalista usufrui dessas inseguranças para deslegitimar a importância das mulheres
no mercado de trabalho, mantê-las como mão de obra mais barata, que consumam tudo que é
dito como “belo, e oprima sua liberdade sexual, sua liberdade de escolha e sua liberdade
financeira, mantendo-as refém de um mito absurdo e ilusório que faz com que as mesmas creiam
serem insuficientes, sem valor, se não atingirem o padrão, assim, causando adoecimento.
Ao decorrer do texto, a autora apresenta quais as principais consequências causadas por
diversas mídias, como o cinema, as revistas, a pornografia, até a caricatura da “mulher
profissional”, e como atingem a autopercepção das mulheres desde o período pós guerra, até os
dias de hoje.
Sobre as os impactos causados pela mídia nas mulheres, Wolf apresenta estatísticas
respectivas às consequências anteriormente citadas:
No momento em que estou escrevendo, as estatísticas referentes à anorexia e à bulimia
estão exatamente como estavam em 1991. Em alguns campi, 30% das universitárias
que moram em repúblicas sofrem de bulimia, fazendo com que esse seja um dos
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poucos problemas de saúde mental de transmissão social. A obsessão por exercícios e


a dismorfia da imagem – condição em que a pessoa não vê o próprio corpo como ele
de fato se apresenta – estão, no mínimo, mais disseminadas e frequentes. Em alguns
grupos de mulheres, o medo de envelhecer mantém a mesma força de sempre. (WOLF,
2018, p. 6).

Além disso, o mercado de cirurgias plásticas tornou as intervenções no corpo das


mulheres cada vez mais comuns, através de um marketing bem articulado, diversos
procedimentos, cremes para clareamento da pele, e outros inúmeros cosméticos, surgiram e
ganharam espaço na mídia. Através da pornografia e das revistas, principalmente, esses ideais
eram transmitidos desde a época que a autora aborda e até a atualidade, mudando, apenas, a
forma de transmissão, assim, influenciando jovens a pensassem que precisam atingir a perfeição
física para ter acesso a uma sexualidade aceitável.
Wolf fala que era comum, em 1991, o implante de silicone de forma excessiva, ideal
também influenciado pela pornografia, e que causava ansiedade nas mulheres em relação ao
formato e tamanho dos seus seios, por exemplo. Explica também a influência que acarreta na
identidade sexual feminina como um todo, impossibilitando que as mulheres possam distinguir
o papel que a pornografia efetiva na criação de como ser, qual aparência ter, como se comportar
no sexo, separando de seu sentido pessoal e individual de identidade sexual.
Por mais que tenha acontecido um avanço quanto às novas gerações perceberem a
falsidade das promessas e das imagens das indústrias midiáticas, ela afirma, ainda há muito em
que avançar, reformular e desconstruir, para haver de fato uma libertação contra esses padrões.
Portanto, o presente trabalho, busca investigar, de acordo com a obra de Wolf, e do
ponto de vista da análise do comportamento, os efeitos relacionados ao desfalque da posição
social da mulher, em relação a posição dos homens; os danos psicológicos e físicos dessas
opressões, trazendo a problemática para a atualidade, assim, concluindo qual seria o papel do
psicólogo nessa jornada de autoconhecimento e reconstrução da autoestima feminina na
sociedade.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
Nesta seção, serão discutidos, de acordo com o que se pode encontrar na literatura,
assuntos relacionados ao feminismo e a psicologia acerca do papel da mulher na sociedade. A
princípio, será debatido sobre o conceito de “mito da beleza”, na visão da autora estudada para
realizar este artigo. Nos tópicos seguintes, será abordado, de acordo com a psicologia e a
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vertente feminista, sobre o impacto do comportamento machista, reforçado pela mídia, para
fortalecer o capitalismo e enfraquecer as mulheres de diversas formas.

3 METODOLOGIA
A presente pesquisa inicia com a revisão bibliográfica do livro "O Mito da Beleza”
(2018) da autora Naomi Wolf, com o intuito de apresentar a problemática acerca da construção
da imagem da mulher na sociedade patriarcal e capitalista. Utiliza-se argumentação decorrente
de como surgiu o mito da beleza, que é o principal fator interferente na autoimagem feminina,
e quais os danos físicos, psicológicos, econômicos e sociais causados por esse mito. Além de
explicar como a simbologia da “mulher ideal” prejudica a emancipação das mulheres.
Pesquisou-se também, através de artigos científicos referentes à correlação entre o feminismo
e a psicologia, quais são os principais impactos dos mitos, que a mídia desenvolve para controlar
a liberdade das mulheres, na atualidade. Utilizou-se da visão analítico-comportamental para
contextualizar como os mitos se desenvolvem e interferem no comportamento humano. Assim,
concluindo qual seria o papel da psicologia para a construção social, em desmistificar essas
crenças, amenizar os impactos no cotidiano das mulheres, através de um acolhimento adequado.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 O MITO DA BELEZA E O IMPACTO SOCIOECONÔMICO


Desde a época em que o livro foi escrito, em 1991, percebe-se certa evolução do mito
da beleza, durante essa década, até os anos 2000. O mito se adapta ao mercado, assim como
incentiva que as mulheres também o façam. “O mito da beleza, como muitas ideologias da
feminilidade, muda para se adaptar a novas circunstâncias e põe em xeque o esforço que as
mulheres fazem para aumentar seu próprio poder.” (WOLF, 2018, p. 13).
Ou seja, sempre que uma ideologia é derrubada, seja por existir dados que comprovam
o quanto é prejudicial, ou o feminismo lute para que aconteça essa mudança, o mito permanece,
sempre buscando maneiras de transferir seu foco para algo mais moderno e dito como inovador,
entretanto, não excluindo seu caráter repressivo.
Apesar dos avanços do feminismo dos anos 1970 e de mudanças em relação à
flexibilidade da aparência entre a década de 1990 e 2000, as mulheres ainda não se sentem
totalmente livres para escolher como querem se vestir e se comportar, diante da exposição
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social, que a inserção delas no mercado de trabalho viabilizou. Ser vista significa ser julgada e
há, sim, um peso maior quanto ao julgamento que as mulheres sofrem, em relação aos homens.
“Quanto mais numerosos foram os obstáculos legais e materiais vencidos pelas
mulheres, mais rígidas, pesadas e cruéis foram as imagens da beleza feminina a nós impostas.”
(WOLF, 2018, p. 16). Apesar de que muitas percebam o que acontece com elas, como o avanço
coletivo foi e está sendo retardado, em relação às épocas passadas, na atualidade existe um
sentimento de exaustão, confusão e a sensação de que as mulheres foram separadas pelo sistema
para que se tornem fracas demais para lutar contra essa maré gerada pelo mito.
Em “O Mito da Beleza”, Naomi Wolf aborda a existência de uma relação entre a
conquista de direitos das mulheres e seus problemas com autoimagem. A ditadura da beleza
seria uma forma remanescente de exercer sobre as mulheres o controle que a lei já não permitia
mais; a forma mais recente de manipulação que o patriarcado encontrou para “manter-lhes na
linha”.
Ainda que o número de mulheres poderosas, que possuem mais dinheiro, e
reconhecimento social, tenha aumentado, mesmo assim, em termos de como elas se sentem do
ponto de vista físico, podem, de fato, estar em uma situação pior do que suas avós não liberadas.
Pesquisas recentes apontam com consistência que, no mundo ocidental, entre a maioria das
mulheres que trabalham, têm sucesso, são atraentes e equilibradas, existe uma “subvida” secreta
que lesa sua liberdade através de conceitos de beleza que aguçam o ódio a elas mesmas, criam
obsessões com o físico, pânico de envelhecer e pavor de perder o controle. Existe uma violenta
reação contra o feminismo, nesse cenário, que emprega imagens da beleza feminina como uma
arma política contra a evolução da mulher, esse é o mito da beleza.

Durante a última década, as mulheres abriram uma brecha na estrutura do poder.


Enquanto isso, cresceram em ritmo acelerado os transtornos alimentares, e a cirurgia
plástica de natureza estética se tornou uma das especialidades médicas de mais rápida
expansão. Nos últimos cinco anos, as despesas com o consumo duplicaram, a
pornografia se tornou o gênero de maior expressão, à frente dos discos e filmes
convencionais somados, e 33 mil norte-americanas afirmaram a pesquisadores que
preferiam perder de 5 a 7 quilos do que alcançar qualquer outro objetivo. (WOLF,
2018, p. 17/18).

A beleza se torna moeda de troca, aquilo único que as mulheres têm a oferecer, um
sistema monetário e político, determinado por instituições masculinas e pelo poder institucional
dos homens.
As qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres são apenas
símbolos do comportamento feminino que aquele período julga ser desejável. O mito
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da beleza de fato sempre determina o comportamento, não a aparência.” (WOLF,


2018, p. 20).

Esse mito se desenvolveu diante da libertação das mulheres da repressão material,


observa-se a importância, para o patriarcado, em manter a imagem do provedor e encorajar a
competição feminina, através de categorizá-las como mais bonitas ou mais feias, mais aptas ao
casamento; símbolos de fertilidade, impedindo a união entre as mulheres e incentivando a
necessidade de aprovação masculina. Faz alegoria a estratégia política de “dividir e conquistar”,
implementada em diversos impérios ao longo da história humana, que consiste em separar um
grupo maior de pessoas em grupos menores e, consequentemente, mais frágeis, suscetíveis ao
poder do “inimigo”. A mulher ideal é a jovem inocente, que não tem poder ou controle sobre si
mesma, e que não mantém vínculos fortes com seus pares.
A ideia de exercer controle sobre as mulheres a partir de sua aparência surgiu com a
Revolução Industrial, pois no período pós-guerra surgiu uma nova classe de mulheres
alfabetizadas e ociosas na sociedade, pois, durante a guerra, foi preciso que elas fossem
qualificadas para trabalhar no lugar dos maridos. Entretanto, isso mudou quando a guerra
acabou e os maridos voltaram.
De acordo com Wolf (2018, p. 21.) “da submissão dessas mulheres à domesticidade
forçada dependia a evolução do capitalismo industrial.” Era a forma de submetê-las a esse ideal
para que o capitalismo pudesse se expandir e manter o poder dos homens.
Com as novas tecnologias, foi possível reproduzir a imagem de como deveria ser a
mulher ideal. Daí em diante, mulheres passaram a ser bombardeadas com fotografias, anúncios,
pinturas, cartões-postais, gravuras e até mesmo bibelôs de porcelana de “belas” mulheres.
A ordem social sente a necessidade de se defender evitando a realidade das mulheres,
de seus corpos e rostos reais, em valor de imagens forjadas, para manter a economia e a estrutura
de poder vigentes funcionando da forma desejada. Como diz Wolf (2018, p. 24):
As economias ocidentais são agora inteiramente dependentes da continuidade dos
baixos salários pagos às mulheres. Uma ideologia que fizesse com que sentíssemos
que temos menos valor tornou-se urgente e necessária para se contrapor à forma pela
qual o feminismo começava a fazer com que nos valorizássemos mais.

Quando as mulheres passaram a ingressar no mercado de trabalho de forma


significativa, o mito da beleza foi refinado de forma a legitimar a discriminação das mulheres
em seus empregos.
De acordo com o IBGE (2019; 2020), as mulheres trabalham até 10 horas a mais que os
homens. Além do trabalho remunerado, ainda são as maiores responsáveis pelos afazeres
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domésticos. Elas representam também mais da metade da população do mundo. Ainda assim,
com todos os empecilhos colocados em seus caminhos, as mulheres conseguem se sobressair e
conquistar algum poder.
“No Quênia, com recursos agrícolas desiguais, as mulheres colheram o mesmo que os
homens. Com recursos iguais, elas produziram maiores colheitas com maior eficiência.”
(WOLF, 2018, p. 29). Dadas as oportunidades às mulheres, elas se sobressaem, pois estão
condicionadas a trabalharem em dobro, mesmo ganhando menos.
O sistema vigente tem medo da força das mulheres, e para minar suas tentativas de
ascensão utilizam de estratégias diversas: o mito da beleza, a crença de que o trabalho doméstico
não é de fato um trabalho, o não fornecimento de creches para que as mães trabalhadoras tenham
onde deixar seus filhos durante a jornada de trabalho, etc.

4.2 QUALIFICAÇÃO DE BELEZA PROFISSIONAL


Desde o mercado de casamento, no século XIX, as mulheres aprenderam a considerar
sua beleza como parte do sistema econômico, algo a ser valorizado pelos homens tanto quanto
o dinheiro, o que não se tornaria tão diferente durante o momento em que tiveram acesso ao
mercado de trabalho.
A qualificação de Beleza Profissional (QBP), surgiu em conjunto a emancipação
profissional das mulheres, com o objetivo de desvalorizar as conquistas profissionais dessa
classe e exercer controle sobre ela, assim como o mito da beleza. De acordo com a autora (2018,
p. 26), “à medida que as mulheres iam exigindo acesso ao poder, esta estrutura recorreu ao mito
da beleza para prejudicar de modo substancial o progresso das mulheres.” Assim, a beleza
deixou de ser apenas uma moeda simbólica e passou a ser o real valor das mulheres no sistema
capitalista, tornando-se um fator fundamental, no mercado de trabalho, para qualificá-las.
Teve início na década de 60, à medida que mais e mais mulheres passavam a morar
sozinhas e trabalhar, após a formatura. O sistema capitalista e patriarcal passou a ter medo de
mulheres bem qualificadas, por temerem que elas ganhassem o espaço dos homens no mercado
de trabalho, e, por isso, existe uma fonte de poder, movida pelo mito da beleza, que serve para
desestabilizá-las.
Com isso, houve uma onda de sexualização de diversas profissões majoritariamente
femininas, tais como comissária de bordo, enfermeira, modelo, etc. Como diz Wolf (2018, p.
36), “a jovem mulher que trabalhava foi restrita a um estereótipo que usava a beleza para abalar
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tanto a seriedade do trabalho desempenhado quanto às implicações de sua recente


independência”.
Devido essa cultura de sexualização, entre a década de 60 e 70, foi também iniciado um
movimento de conscientização acerca de discriminação sexual ocorrido no trabalho, pois
diversos eram os ataques contra mulheres. Casos como demissão em massa de comissárias de
bordo ao fazerem 32 anos, ou ao se casarem, por exemplo.
A QBP dá margem para ações que não eram cogitadas antes das mulheres entrarem no
mercado de trabalho, como demissão por estar fora do padrão de beleza, por envelhecer ou por
engordar. Diversas mulheres foram aos tribunais e perderam seus casos, pois a lei estava a favor
do empregador, lhes dando autoridade sobre o que é ou não beleza profissional. Sequer existiam
leis referentes acerca da aparência no local de trabalho antes da ingressão das mulheres nele.
O mito da beleza mais uma vez interferindo na realidade das mulheres. É o padrão da
mulher jovem, inocente, inexperiente, submissa e sem poder mais uma vez tomado como algo
a se almejar. Enquanto isso, homens eram encorajados a ter sua individualidade,
independentemente de como ela se apresentasse, e eram ensinados que sua maturidade é sinal
de poder.
A beleza supera a competência no momento da contratação, especialmente ao se tratar
de um cargo na mídia. O primeiro caso identificado foi no telejornalismo, mas logo essa
situação se espalhou por todas as profissões.
As trabalhadoras mais emblemáticas do Ocidente continuavam visíveis se fossem
“lindas”, mesmo que não realizassem bem seu trabalho. Poderiam realizar um bom
trabalho e ser “lindas”, portanto, visíveis, mas sem receber nenhum crédito pela
competência. Ou poderiam, ainda, ser competentes e “sem beleza”, portanto
invisíveis, de tal forma que a competência de nada lhes valia (WOLF, 2018, p. 39).

A beleza da mulher era sua função e sua culpa. Após Christine Craft - repórter que foi
demitida por ser considerada muito velha, feia e desrespeitosa com os homens em seu ambiente
de trabalho - ter perdido o caso contra sua empresa, diversos outros casos surgiram e diversas
outras mulheres perderam. Casos de discriminação sexual, em que mulheres eram demitidas
por sua aparência, ou mesmo de assédio sexual, em que a vítima era culpabilizada por sua
agressão devido seus atributos físicos. Wolf (2018, p. 41) afirma que a mulher “é examinada de
todos os ângulos para que se descubra de que forma o que lhe aconteceu foi sua culpa.”
Não ocorre o mesmo entre os homens, pois existe uma cultura que os favorece nessas
situações, tanto no âmbito jurídico, quanto profissional, eles não são submetidos às mesmas
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avaliações quanto a aparência e, com certeza, não são responsabilizados pela maneira que
assediam as mulheres no local de trabalho e fora dele.
De acordo com Wolf (2018, p. 49), “elas recebem a responsabilidade total pelas
vantagens e desvantagens do encanto físico no local de trabalho, podendo, do ponto de vista
legal, ser punidas ou promovidas, insultadas ou até mesmo estupradas de acordo com essa
responsabilidade.” A lei estava do lado do sistema em vigor, não das mulheres. Existir era uma
sentença de culpa. Não se pode ser “feia”, que é demitida, e não se pode ser “bonita”, que é
assediada ou pode perder a credibilidade em relação a sua capacidade. Muitas mulheres se
perguntam se são valorizadas apenas por sua beleza e se sentem inseguras quanto às suas
habilidades profissionais. Portanto, não importa em qual categoria esteja, se não estiver no
limite do que é exigido, estaria errada.
A QBP além de desqualificar e desrespeitar a integridade das mulheres, lhes toma tempo
e boa parte do dinheiro que elas ganham. Muitas passam horas se preocupando com os cuidados
com a beleza e gastando de forma exorbitante em cosméticos, roupas e procedimentos estéticos
como um todo, para que tenham a aparência desejada, o que amplia o nível de desigualdade,
pois além de receberem menos que os homens, ainda são coagidas a investir seu dinheiro em
algo que serve para agradar o sistema. É uma forma de manter a exploração, usando outros
meios. “As mulheres sempre receberam menos do que os homens pelo mesmo trabalho, e a
QBP fornece a esse fato uma nova justificativa racional ali onde a antiga se tornou ilegal”
(WOLF, 2018, p. 51)
A aparência se tornou fator decisivo na contratação, promoção e no pagamento. As
inseguranças femininas tem valor financeiro - mas não somente pelo gasto que proporciona às
mulheres com a tentativa de se encaixar num padrão físico irreal -, pois o mito da beleza causa
a diminuição da autoestima das mulheres, que acreditam merecer menos que os demais e, por
isso, aceitam menos. E assim, o sistema sai ganhando, mais uma vez. As mulheres não sabem
o valor que tem e não esperam por muita coisa.
Existe uma tripla jornada, exaustiva, que desmerece o trabalho e a capacidade da mulher
em detrimento da sua aparência física, fazendo com que a mesma se preocupe mais com a
beleza, além de se preocupar com a tarefa que está exercendo, e, chegando em casa, preocupa-
se com os afazeres domésticos. Naomi Wolf enfatiza que não há espaço para revolução nessa
dinâmica, pois não há energia para que isso aconteça, assim, o mercado continua se
aproveitando de mão de obra barata, através da insegurança feminina.
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Com isso, a maioria das mulheres da modernidade relata um cansaço excessivo. E é esse
o objetivo da QBP, pois o cansaço e os danos psicológicos gerados pela opressão, barra o
progresso, e não permite às mulheres que lutem pelos seus direitos da forma necessária. A
maioria gasta muita energia tentando correr contra o tempo, contra o envelhecimento, pois, para
as mulheres, é sinônimo de perda de valor, algo velho e obsoleto, que não serve mais. O
contrário acontece com os homens, seu envelhecimento é sinônimo de poder e experiência.

4.3 OS EFEITOS DA CULTURA NA SAÚDE MENTAL DAS MULHERES


As mulheres possuem poucas referências de modelos culturais, em relação aos homens,
que têm diversas figuras históricas sendo exibidas e apreciadas constantemente. Devido a isso,
elas se agarram ao que conseguem encontrar, fazendo com que suas inspirações, suas heroínas
e seus modelos, por vezes, sejam aqueles que estampam capas de revista, aparecem em
catálogos, nos filmes, nos quais exibem um ideal de perfeição. A imagem da mulher ideal e
perfeita é algo ensinado a ser almejado desde cedo, adquirindo, assim, uma importância
obsessiva.

Esse padrão, que descarta as mulheres enquanto indivíduos, se estende desde a cultura
de elite até a mitologia popular. Os homens olham as mulheres. As mulheres se
observam sendo olhadas. Isso determina não só as relações entre os homens e as
mulheres, mas também a relação das mulheres consigo mesmas (WOLF, 2018, p. 61).

Isso não significa que mulheres possuem identidades fracas ao ponto de se influenciarem
com qualquer imagem, mas existe um apelo muito forte na mídia, que afeta a forma em que
essas mulheres se enxergam. Para a cultura, mulheres que demonstram personalidade são mal
vistas, não são desejáveis como a figura da “ingênua sem malícia". Por isso há uma contradição
quanto a imagem de heroína, que geralmente é escrita por mulheres, enquanto os homens
preferem apresentar a configuração da “mulher ideal”, assim, cria-se um estereótipo da mulher
perfeita e da mulher que deve ser desprezada por não ter tais atributos.
“A cultura estereotipa as mulheres para que se adequem ao mito, nivelando o que é
feminino em beleza-sem-inteligência ou inteligência-sem-beleza. É permitido às mulheres uma
mente ou um corpo, mas não os dois ao mesmo tempo” (WOLF, 2018, p. 62).
Nas obras escritas por homens, tem-se duas mulheres opostas uma à outra, a “bonita” -
tem sucesso - e a “feia” – é a fracassada. Já nas obras escritas por mulheres, há uma virada nessa
perspectiva, a heroína por vezes é a moça desvalorizada, pouco atraente, mas cheia de vida. E,
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como coloca Wolf (2018, p. 63), “As obras escritas por mulheres estão repletas das injustiças
perpetradas pela beleza — tanto por sua presença quanto por sua ausência.”
Quando uma jovem lê os livros da cultura masculina, porém, o mito corrompe o que
essas histórias parecem contar, e o seu valor moral. Wolf (2018, p. 63) afirma que “histórias
contadas a crianças como parábolas de valores corretos perdem o sentido para as meninas à
medida que o mito inicia seu trabalho”. Pois, na cultura as crianças aprendem, em seu processo
de socialização, que os homens se lançam em aventuras pela sua audácia intelectual, pelo
progresso e pelo bem comum. No entanto, como uma futura mulher, a menina aprende que a
mulher mais linda do mundo foi criada pelo homem, e que a audácia intelectual dela trouxe aos
homens perigo e morte. O mito torna a menina que lê desacreditada no que diz respeito à
coerência moral das histórias de sua cultura, e muitas não se sentem representadas nas histórias
de “belas mulheres”.
Outro ponto que a autora aborda é sobre a ascensão das revistas femininas, que ocorreu
com o objetivo de democratização da beleza, e que foi possível devido a grandes investimentos
de capital, a expansão da alfabetização e ao aumento do poder aquisitivo das mulheres.
As revistas passaram a acompanhar as mudanças de status das mulheres, mudando o
tom de acordo com a função social ocupada pelo seu público. Na primeira guerra mundial, por
exemplo, as revistas serviram de propaganda política, incentivando - de forma charmosa - a
participação das mulheres na guerra, o que aumentou o alistamento na época. É o mito da beleza
servindo aos propósitos do governo e do sistema econômico. Apesar da necessidade da força
feminina em papéis geralmente executados por homens, as mulheres ainda eram influenciadas
a prezar por suas aparências.
Entretanto, após a guerra, as mulheres não queriam largar seus empregos e voltar à vida
doméstica. Para que isso ocorresse, as revistas femininas tiveram papel de grande importância,
publicando constantemente sobre a alegria e realização desse papel. Não se pode deixar de notar
o quanto os conteúdos midiáticos sempre tiveram influência e poder na modulação da
sociedade. Mais do que reflexo da realidade existente, eles criam um ideal de vida que deve ser
seguido a todo custo; e esse custo normalmente é a liberdade e autonomia femininas.
Os anunciantes vendem, como “terapêutico” e religioso”, a vida de dona de casa e a
compra de produtos para manter a imagem de perfeição em todos os papéis que lhes são
permitidos. Porém, quando as mulheres começaram a trabalhar e perdeu-se o público alvo da
maioria dos anúncios existentes na época (produtos de limpeza, de cozinha, do lar, etc), foi
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necessário criar uma nova insegurança que gerasse lucro. É aí que atua o mito da beleza e a
indústria de cosméticos. Wolf (2018) coloca perfeitamente quando diz que “alguém em algum
lugar deve ter imaginado que elas comprarão mais se forem mantidas no estado de ódio a si
mesmas, de fracasso constante, de fome e insegurança sexual em que vivem como aspirantes à
beleza” (p. 68).
O mito da beleza é sustentado pelo sistema capitalista em todas as instâncias possíveis,
pois o alimenta de forma abundante. Tudo é feito para manter a mulher em estado de prisão,
seja presa a sua função de dona de casa e aos afazeres e cuidados com a família, seja presa à
ideia de que seu corpo nunca será bonito o suficiente, e que, por isso, ela nunca será suficiente.
Todas essas prisões têm como pivô a culpa por não atingir um ideal inalcançável de perfeição.
O de mulher, mãe, dona de casa, profissional e esposa perfeita.
Como forma de desmerecer os movimentos feministas, que lutam pelos direitos e
emancipação das mulheres, a mídia as colocava em lugares de repúdio, às representando como
“menos mulheres”, figuras masculinizadas e feias, e assumia que sua luta partia de um lugar de
inveja daquelas que eram exemplos de mulheres. “Quando se atrai a atenção para as
características físicas de líderes de mulheres, essas líderes podem ser repudiadas por serem
bonitas demais ou feias demais. O resultado líquido é impedir que as mulheres se identifiquem
com as questões” (WOLF, 2018, p. 70).
As revistas possuíam, em determinadas épocas, tanto poder e influência sobre as
mulheres porque era nelas que a maioria encontrava apoio e um lugar de pertencimento, uma
mentoria e ajuda em diversos aspectos da vida. Era uma comunidade, que proporciona
participação da cultura feminina, que as mulheres não conseguiam encontrar em quase nenhum
outro lugar.
Entretanto, essa mídia é diretamente motivada pelos anunciantes, de uma forma incisiva,
a produzir de modo a persuadir essas mulheres, seja removendo conteúdo indesejável para esses
anunciantes, sejam expondo certos modelos em excesso, como o uso de cosméticos, mesmo que
esses não tenham comprovado efeito algum na pele, mas, a forma que é capitalizada, transforma
a revista em um mercado, elas dependem do patrocínio para que continuem em circulação.
Assim, criou-se diversas formas de marketing que se utilizam do apelo religioso, em algumas
épocas, e do apelo psicológico, que recentemente é um dos principais métodos de venda.
Sobre a incitação religiosa, “as revistas transmitem o mito da beleza como o evangelho
de uma nova religião. Ao lê-las, as mulheres participam da recriação de um sistema de crenças
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tão poderoso quanto o de qualquer das igrejas cuja influência sobre elas se desfez tão
rapidamente,” afirma Wolf (2018, p. 86). Para Wolf, essa seria a “igreja da beleza”, que teria
surgido para suprir o vazio espiritual que se alastrou quando a tradicional relação das mulheres
com a autoridade religiosa se rompeu. Com tanto vigor quanto a religião anterior, a ordem social
a impõe para dominar a autoridade religiosa como uma força de controle sobre a vida das
mulheres.
Enquanto as mulheres se prendem a mais um sistema medieval de crenças, os homens
abandonaram essa forma de pensar ainda na Idade Média. O que lhes dá mais uma vantagem
em relação às mulheres, já que o mundo opera na modernidade. É a forma de as manter longe
da concorrência.
O Rito é defendido como verdade absoluta por toda a sociedade, bem como o sistema
de “castas” que o mito da beleza impõe. Não existe ceticismo na modernidade quanto ao
assunto, apesar de ser uma ideia determinada por seres mortais, moldada pela política, pela
história e pelo mercado. Com a perda do direito de controlar as mulheres por diversos outros
meios, os homens passaram a utilizar com severidade o julgamento da beleza, para manter o
poder que lhes é ameaçado.
Segunda a autora, essa crença é vista como Deus costuma ser visto – “no alto de uma
hierarquia, com sua autoridade o ligando a Seus representantes na Terra: jurados de concursos
de beleza, fotógrafos e, em último lugar, o homem comum.” (WOLF, 2018, p. 87). O homem
seria a imagem de Deus na terra, por isso teria uma parte da autoridade “divina” para julgar as
mulheres. Pois, partindo do ponto de vista ocidental, que tem o cristianismo como religião
principal, a mulher é ensinada, desde o berço, que o homem é criado a imagem de Deus,
portanto, perfeito, e a mulher é criada a partir do homem, de uma parte do seu corpo que é
dispensável, uma coisa secundária, para estar à sua disposição e lhe servir e, por isso, é
imperfeita.
As semelhanças entre o culto à beleza e o catolicismo, por exemplo, são diversas. Tem-
se algo sagrado, que as mulheres devem procurar alcançar, que é aprendido desde o nascimento;
é uma instituição que vive dos “dízimos” dos seus adoradores e exige fé incondicional e
incontestável, e por isso não perdoa hereges e pecadores, aqueles que não acreditam em sua
divindade ou não a seguem à risca.
Wolf (2018) fala em seu texto ainda sobre os métodos de diversas religiões de base cristã
que foram adotados para manter o rito da beleza funcionando de forma opressora e eficaz.
1106

Dentre eles, ela cita o luteranismo, que rege as modelos como aquelas escolhidas e, portanto,
belas, e aquelas que não se encaixam nessa categoria são as "amaldiçoadas", e que a forma de
alcançar o “céu” seria através das exigências do consumismo. Cita também o judaísmo
ortodoxo, que prega compulsões de pureza e é ditado aqui pelas leis que o mito impõe sobre o
que comer, vestir, o que fazer no corpo e quando. “Eles estão literalmente reconstituindo uma
nova fé a partir de antigas crenças, recorrendo a técnicas tradicionais de mistificação e controle
do pensamento para transformar as mentes femininas de forma tão radical quanto qualquer onda
evangélica do passado.” (WOLF, 2018, p. 88).
É uma religião que abrange as partes mais controladoras das demais existentes e as
impõe sobre as mulheres como verdade absoluta, a todos os momentos, tornando quase
impossível escapar pois o mundo inteiro a cultura, ao mesmo tempo que finge que ela não existe.
É impossível escapar de amarras que você não sabe que estão te prendendo. “A enorme catedral
em cuja sombra elas vivem nem chega a ser mencionada” (WOLF, 2018, p. 89).
O rito da beleza usa dessa crença de imperfeição natural para forçar as mulheres na
busca pela melhoria constante, pois elas já nascem com algo precisando ser consertado. E, em
cima disso, se cria uma indústria que lucra com todas as inseguranças existentes nas mulheres
e faz de tudo para lhes manter insatisfeitas com a sua aparência.
Cirurgiões plásticos são vistos como a nova divindade, capaz de reparar aquilo que está
errado nas mulheres. Enquanto isso, homens acreditam serem deuses, que não tem seu valor
definido pela aparência que tem e de quem não é cobrado a eterna juventude.
O rito da beleza surge em contrapartida aos movimentos feministas da época, que
causaram a decadência da autoridade religiosa e da necessidade de se enquadrar em
determinados papéis para ser considerada uma “boa moça”. Ele se instala após a destruição
desse pedestal, e antes das mulheres terem acesso a poder e autoridade genuínos. Aparece para
preencher uma “lacuna” deixada pelas antigas formas de controle e opressão e se apresenta
como comunidade para essas mulheres, lhes permitindo manter um vínculo que lhes dizem já
não existir mais.

4.4 AS REDES SOCIAIS E O MITO


O mito da beleza reúne diversas formas de opressão e causa impactos diversos na saúde
mental das mulheres, lhes trazendo inseguranças, afetando sua autoestima e prejudicando sua
1107

relação com seu corpo e sua imagem. Esses fatores, por vezes, são capazes de desencadear
problemas psicológicos mais graves, como transtornos alimentares, depressão e ansiedade.
Na modernidade, o maior difusor desses ideais são as redes sociais, que promovem e
glamorizam a vida e o corpo de mulheres magras, sejam elas modelos, influenciadoras digitais,
atrizes, cantoras, etc; lhes é vendido que a felicidade reside no corpo padrão, o corpo magro.
Entretanto, estudos apontam o contrário. De acordo com Zimmerman (2018 apud Rocha, 2021),
houve um aumento nos casos de depressão e ansiedade com o crescimento das redes sociais, e
os transtornos alimentares são, atualmente, as doenças relacionadas à saúde mental que possuem
a maior taxa de mortalidade.
A ideia de emagrecimento é nutrida em todos os âmbitos da vivência feminina, e uma
das formas mais fortes pela qual se apresenta é na disseminação do corpo magro enquanto corpo
saudável. É a culpabilização e crucificação do corpo feminino amparado na ciência; o que
permite, inclusive, que mulheres gordas sejam ignoradas em ambientes hospitalares e tenham
seus problemas de saúde todos atribuídos ao seu peso e percentual de gordura - mesmo quando,
na realidade, não existe relação alguma.
Com as redes sociais, as pessoas passaram a consumir e criar conteúdo de forma
avassaladora. O nicho fitness de redes como o instagram, atingem as mulheres com inúmeras
imagens e textos que procuram inspirar a perda de peso e a obtenção de um condicionamento
físico; duas coisas que isoladas não causam mal algum, mas aliadas aos ideais de corpo perfeito
e o culto a magreza, tem impactos diversos. Além de que não existe fiscalização rigorosa da
veracidade dos procedimentos e técnicas divulgados, o que significa que pessoas sem a
qualificação necessária passam informações incorretas, estimulando restrições alimentares e
práticas de exercícios em níveis perigosos. Suas mensagens induzem culpa em relação ao peso
ou ao corpo, estigmatizam a gordura, objetificam o corpo feminino e promovem a cultura da
dieta. Tudo isso enquanto se vende como prática saudável e necessária.

O ideal fitness pretende ser uma alternativa mais saudável que o ideal de magreza [...]
através da promoção de uma alimentação saudável e de exercícios. No entanto, a
literatura atual apoia que essas imagens podem ser igualmente prejudiciais, pois
continuam a incitar maior insatisfação corporal devido à natureza inatingível de tais
fotos (ROCHA, 2021).

O mito da beleza não é sobre saúde feminina, do contrário a sociedade não pressionaria
as mulheres a fazerem cirurgias plásticas desnecessárias como forma instantânea de obter o tão
desejado corpo “perfeito”. A nova moda entre as celebridades, por exemplo, é a Lipoaspiração
1108

de Alta Definição (LAD) ou Lipo HD, que é uma evolução da lipoaspiração convencional; ela
é feita em camadas mais superficiais do corpo, para definir a musculatura de pessoas que já
possuem percentual de gordura baixo (GOMES E NICOLAU, 2021). Esse procedimento tem
sido divulgado em mídias sociais como banal e sem riscos, apesar de não ser o caso.
É comum que a sociedade se reinvente em suas tecnologias, aperfeiçoando-as de forma
a garantir maior comodidade e melhor experiência para o usuário. Junto dessa evolução
tecnológica, evoluem também os meios de opressão contra diferentes minorias sociais. O ataque
às mulheres ocorre primeiramente de forma psicológica, e é a instabilidade emocional delas que
- por vezes - permite os ataques físicos, muitos deles auto infligidos.
As mídias sociais estimulam a comparação entre as pessoas, desde os corpos aos estilos
de vida, pois são publicadas apenas as melhores imagens, editadas e manipuladas para
apresentarem uma realidade que não existe. A comparação social é utilizada pelo sujeito como
forma de entender o mundo ao seu redor e a si mesmo, baseando-se em informações externas;
assim, quando a referência disponível é irreal, os sujeitos nunca obtêm a validação externa
necessária para sua vivência, pois são incapazes de alcançar aquilo que lhes é apresentado, o
que pode causar maior insatisfação corporal, desvalorização do corpo e humor negativo
(ROCHA, 2021; CARVALHO, FREITAS E FERREIRA, 2016).

O impacto negativo das mídias sociais tem sido frequentemente atribuído ao processo
de comparação social. Além disso, as redes sociais permitem uma maior comparação
dos corpos em relação aos meios de comunicação de massa já que o conteúdo
divulgado atinge um maior número de pessoas e com mais velocidade (ROCHA, 2021,
p. 25).

As redes sociais mascaram a realidade e a apresenta de forma editada e com uma


curadoria meticulosa, distorcendo a percepção daqueles que as utilizam. Com o advento dos
movimentos feministas nas plataformas online, foi dado início a uma tentativa de quebra desses
ideais através da disseminação de imagens de corpos reais (ROCHA, 2021).
O mercado econômico não permite que os indivíduos espalhem uma narrativa que não
os favorece e, para atender as demografias que estavam sendo afetadas por esses movimentos,
passou a expandir seus produtos para diferentes tipos de corpos. Entretanto, até as imagens que
fugiam do padrão magro eram padronizadas; as mulheres gordas das ascendentes campanhas
plus size todas tinham o mesmo tipo de corpo, com a cintura mais fina e pernas grossas, o
famoso corpo "violão''. Era a repetição e manutenção do padrão em números maiores.
1109

O movimento Body Positive foi divulgado nas redes sociais como uma maneira de
disseminação e aceitação do corpo fora dos padrões sociais, uma forma de reverter essa
narrativa e dar voz às pessoas oprimidas pelo mito da beleza. É uma ação que tem diversos
impactos positivos, pois fornece uma referência de corpo mais dentro da realidade e permite
uma identificação maior dos sujeitos. A positividade corporal e a valorização do corpo é fator
de melhoria da imagem corporal e da saúde mental e emocional (ROCHA, 2021).
O movimento não é livre de falhas, entretanto, nem da pressão social imposta às
mulheres de outras formas. Rocha (2021) afirma que o Body Positive tenta expandir as
concepções de beleza da sociedade para que inclua, também, corpos fora dos padrões atuais, ao
invés de acabar com essas concepções que atribuem valor às mulheres baseado no seu nível de
beleza sem levar em conta suas demais características.

4.5 MITO, SEXO, GÊNERO E COMPORTAMENTO COLETIVO


Além de desestruturar a seriedade do trabalho feminino, como discutido anteriormente,
Wof (2018) argumenta em seu livro sobre outras formas em que a sociedade, no âmbito
magitoriamente patriarcal, utiliza o sexo para controlar a liberdade sexual e afetiva das
mulheres. A autora exemplifica, principalmente, sobre o impacto da pornografia na forma em
que as mulheres enxergam o própio corpo e como são vistas socialmente.
Antes da influência do mito da beleza na pornografia, a imposisão da culpa era reforçada
pela religião, o sexo era visto como pecaminoso, o sexo da mulher era visto como uma “besta
inssasiável” que deveria ser controlada. Após a revolução sexual dos anos 70 e 80, uma nova
fonte de controle surgiria para distanciar as mulheres de seu real potencial de prazer. A
pornografia cercou as cidades com imagens fabricadas, que não condiziam com a realidade, e
emanavam sadomasoquismo ao ponto de o transformar em tendência de moda.
O comportamento sexual é aprendido socialmente, portanto, determinadas imagens
instigam determinados desejos e condutas. A autora descreve anúncios de vários tipos em que
mulheres são expostas, nuas, tendo uma aparência considerada desejável, de acordo com o
padrão de beleza, e, nesses anúncios, essas mulheres demonstram uma sensação de prazer e
êxtase. “Nessas imagens, onde o rosto é visível, ele está paralisado num ricto de êxtase. A leitora
depreende que precisará ter aquela aparência se quiser ter aquela sensação.” (WOLF, 2018, p.
128).
1110

Além da necessidade de se tornar desejada, através de exibir uma aparência perfeita,


evidenciar o sadomasoquismo na mídia, alega que as mulheres mantenham um comportamento
de submissão, e estejam dispostas a aceitar violência configurada como prazer, normalizando a
violência sexual contra as mulheres.
Outra problemática relacionada à forma que a mídia apresenta o corpo feminino e o
sexo, é em afetar o comportamento social, esteriotipando o estupro, reduzindo-o a algo que
acontece, somente, em certas circuntâncias isoladas. “O movimento feminista tem usado a
expressão cultura do estupro para defender que comportamentos sexualmente violentos são
explicados contextualmente, não se tratando de ocorrências isoladas ou de efeitos de agentes
psicológicos internos.” (FREITAS E MORAIS, 2019, p. 2).
De acordo com Buchwald et al. (1993/2005, apud FREITAS E MORAIS, 2019), ao
definir cultura do estupro, afirma que a violência sexual não é fato inevitável, mas algo passível
de modificação. Essa perspectiva é compatível com a noção de mutabilidade do comportamento
para o Behaviorismo Radical.
Segundo as autoras anteriormente citadas, utilizando-se do pensamento dos analistas do
comportamento (COUTO, 2017; RUIZ, 2003), compreendem que gênero não deve ser
considerado como uma característica individual e interna, seja biológica ou mental, pois é uma
construção influenciada pela cultura, através de práticas que passaram a ser vinculadas ao sexo
como uma cateroria biológica.
Portanto, comportamentos considerados exclusivamente femininos e masculinos são
efeitos do controle diferencial exercido pelos membros de uma cultura ao se relacionarem com
meninos e meninas desde o nascimento. Porém, relacionar-se de forma diferente com homens
e mulheres não gera apenas comportamentos estereotipadamente masculinos e femininos,
produz, também, dominação masculina sobre as mulheres, através do que é reforçado na
sociedade.
A partir da classificação inicial homem/mulher, regras sociais e outras contingências
culturais passam a fazer parte da modelação e modelagem dos comportamentos dos
indivíduos. Exemplificando, o menino relaciona-se com brinquedos, filmes e livros
que permitem a aprendizagem de classes de comportamentos como tomar iniciativa,
arriscar-se, agredir oponentes, enquanto a menina, estará exposta a uma infinidade de
contingências referentes ao aprendizado de habilidades de cuidado em relação aos
outros e a si mesma, como cuidar de bebês, limpar a casa, comportar-se gentilmente e
cuidar da aparência (FREITAS E MORAIS, 2019, p. 5).

Fortalecer tal padrão comportamental em meninas, separando-as socialmente dos


meninos, tem influência nas habilidades e gostos que homens e mulheres costumam
1111

desenvolver, ainda que haja exceções. Aos poucos, isso seleciona um amplo conjunto de
atividades femininas não apenas diferente do masculino, mas desigual em termos de acesso a
reforçadores, como dinheiro e prestígio social.
Os costumes anteriormente mencionados contribuem para a manutenção da dominação
masculina, do patriarcado. “Cultura do estupro, por sua vez, são comportamentos e práticas
culturais produzidas neste contexto patriarcal.” (FREITAS e MORAIS, 2019, p. 6). A divisão
de papéis de gênero perpetuada pelos membros da cultura patriarcal manipula diversas formas
de opressão das mulheres, e não apenas de caráter sexual. Nesse sentido, embora essa prática
seja relevante para a existência da cultura do estupro, suas consequências não são limitadas
apenas a esse propósito.
Entretanto, a forma que o patriarcado normaliza o estupro, causa efeitos extremamente
danosos às mulheres, podendo causar diversos transtornos físicos e psicológicos. A sociedade
normaliza o estupro quando - além de exibir imagens violentas, que vunerabilizam o corpo
feminino à submissão, transformando a imagem de submissão em algo “comum”-, na mídia,
essa palavra é excluída, não dando nome a essa violência. Utilizando-se de floreios verbais
para diminuir o impacto gerado por essa palavra, pois usar a palavra estupro, pode gerar repúdio
e ansiedade nas pessoas. Na cultura, esse termo foi verbalmente relacionado a uma série de
estímulos desagradáveis. Assim, a imagem dos homens - que, por estatística, cometem esse
crime com maior frequência, tornando-o uma violência de gênero - é protegida, reduzindo sua
responsabilidade e as consequências morais e jurídicas por estuprar uma mulher.
Em contrapartida, existe, na perspectiva do pensamento coletivo, uma exacerbada
culpabilização da vítima. Há, na sociedade, um mito no qual as mulheres são consideradas
culpadas pela violência por causa da forma que se vestem e de como se comportam, são
consideradas permissivas, caso aconteça violência sexual praticada, principalmente, por alguém
conhecido. Pois, também existe um mito de que o estupro acontece, apenas, em lugares escuros,
ambientes propícios, e por desconhecidos agressivos. Então, se uma mulher denuncia que foi
violentada por um colega, pelo marido, pelo pai, ou qualquer homem conhecido, ela geralmente
não será validada, justamente por existir esses estereótipos que excluem, da visão social, outras
formas de abuso. Causando, assim, um problema alarmante, mas como pouca visibilidade,
aumentando o prejuízo na vida das mulheres.
Os efeitos desses estereótipos, nos homens, estão relacionados a concordância deles com
o mito do estrupo (de ser um evento isolado), assim, muitos deles violentaram uma mulher sem
1112

ao menos saberem que estão cometendo um crime. “A ideia é que, se ele nega a existência da
violência, ele violentaria porque não consideraria que o que ele praticou foi um estupro”
(FREITAS e MORAIS, 2019, p. 8). Como, por exemplo, muitos homens não sabem que tirar o
preservativo durante o ato sexual, sem o consentimento da parceira, é considerado abuso sexual.
Muitos maridos acreditam que podem forçar, mesmo que por persuasão, ou chantagem, a fazer
sexo com suas esposas, pois há uma ideia internalizada sobre o matrimônio, em que a esposa
deva servir aos desejos do marido. Muitas mulheres também não possuem o conhecimento
acerca desses abusos “sutis”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A primeira teoria feminista publicada data de 1720, mais de 300 anos atrás, então pode-
se acreditar que as discriminações de gênero - a crença de que homens e mulheres possuem
características próprias aos seus gêneros e, por essas diferenças, uns seriam superiores aos
outros - existe há muito mais tempo. Como em todas as outras esferas da sociedade, a psicologia
também foi afetada por essa ideia de superioridade masculina, que defendia que os papéis
sociais deveriam ser empenhados conforme seus traços primordiais, de expressividade para
mulheres e instrumentalidade para homens (NOGUEIRA, 2001).
Foi somente por volta dos anos 70 que o conceito de androginia surgiu para desafiar
esse ideal, sugerindo uma combinação desses traços e a eliminação da dualidade de gêneros. A
androginia psicológica, por sua vez, implica que é possível que o sujeito apresente ambos os
tipos de “personalidade” e, ainda, que pode executá-los ao mesmo tempo. Como diz Nogueira,
(2001, p. 13) “é possível para um indivíduo ser ora compassivo ora assertivo, ser expressivo e
instrumental, ser masculino e feminino dependendo das circunstâncias apropriadas a estas
várias modalidades”.
A teoria da androginia, entretanto, apresentava uma desvantagem para as mulheres, pois
ainda partia do pressuposto de diferentes características naturais atribuídas a gêneros diferentes,
no qual a mulher era inferior. Eagly (1987 apud Nogueira, 2001) defendia uma teoria que
apontava o caminho contrário, afirmando que as diferenças sexuais seriam meramente produto
dos papéis que os indivíduos ocupam na sociedade, não baseadas em fatores biológicos mas na
socialização do sujeito durante a infância.
Esses papéis se desenvolvem a partir das expectativas existentes nos indivíduos, que
geram competências, atitudes e crenças diferentes e, como diz Nogueira (2001),
1113

A causa para o comportamento socialmente tipificado parece ser a divisão do trabalho


entre os sexos [...] apenas uma mudança na divisão do trabalho, poderá conduzir a
uma mudança substancial no conteúdo dos papéis de género, na tipificação das
competências e crenças e, posteriormente, na extensão das diferenças sexuais (p. 15).

A psicologia, a partir dos movimentos feministas, foi levada a se aprofundar nas


questões de gêneros e estudá-las com maior afinco, levando em conta o sexismo e as suas
consequências no desenvolvimento pessoal e interação social das mulheres, o que auxiliou a
desbancar a ideia de inferioridade biológica feminina. Essa nova perspectiva deu ênfase ao
papel do gênero como estímulo, prescrição de papel e relação de poder, e foi responsável pelo
levantamento de novas questões, introdução de novos conceitos, modelos e problemas
(NOGUEIRA, 2001)
O gênero então passa a ser entendido como construção social, não um atributo divino e
uma verdade absoluta, mas algo criado pelos indivíduos para categorizar e separar os membros
da sociedade. E é essa diferença, estabelecida pelas classes dominantes em função de uma lógica
hierárquica que mantém alguns no poder em detrimento de outros, que gera o mito da beleza e
causa - e normaliza - às mulheres tantas agressões diariamente.
Segundo Freitas e Morais (2019), em uma linguagem analítico-comportamental,
compreende-se que os mitos podem funcionar para mulheres como regras (direcionadas a suas
filhas, amigas, irmãs) e autorregras, e os comportamentos verbais emitidos são mantidos por
reforço social de outras mulheres e de homens; e o comportamento de seguir a regra é mantido
por reforço negativo, ou seja, por retirar ou evitar estímulos verbais de repreensão por se
comportar de determinada maneira, principalmente, por não se comportar como o esperado.
Portanto, seja o mito da beleza, ou o mito do estupro, mesmo que essas mulheres não entendam,
não saibam, ou não consigam nomear o sofrimento delas, não significa que não estão sendo
atingidas e desenvolvam transtornos psicológicos.

A síndrome do estresse pós-traumático foi identificada como transtorno psicológico


em 1980, e agora é considerada comum entre vítimas de estupro. As mulheres que não
chamam o próprio estupro por esse nome ainda assim sofrem do mesmo tipo de
depressão, de ódio a si mesma e de impulsos suicidas que acometem mulheres que
assumem o que ocorreu (WOLF, 2018, p. 159).

Uma parcela considerável do problema da cultura do estupro se refere a falta de apoio


às vítimas durante e após um assédio ou abuso. Tanto a família, como amigos, desconhecidos
e até os órgãos governamentais não costumam prestar o devido suporte a essas mulheres. Isso
1114

acontece porque essas pessoas, assim como agressores e vítimas, também fazem parte da
comunidade verbal que ensina mitos sobre estupro, oferece modelos de papéis sexuais e reforça
diferencialmente comportamentos em homens e mulheres (FREITAS E MORAIS, 2019). Por
isso, há uma necessidade, a nível de saúde pública - mesmo que pouco discutida na grande
mídia - em disponibilizar acolhimento e psicoeducação para que essas mulheres possam nomear
suas dores, tenham tratamento adequado, e a população também possa ter conhecimento dessas
situações, para que saibam como interferir.
Entretanto, para Mayorga (2014), mudanças sociais não acontecem sem a presença de
figuras que tenham autoridade para atuar no cenário público, que possam tencionar, de forma
incisiva, instituições que pareçam ser invariáveis, mesmo que de maneira imparcial, como o
campo dos direitos, da cidadania e da política. Para isso, a psicologia, juntamente com
instituições governamentais e com o feminismo, precisa intervir na esfera pública, para que o
assunto chegue à população, assim, chegando nas pessoas que precisam desse atendimento,
sejam vítimas de abuso sexual, mulheres que sofram de transtornos alimentares, dismorfia
corporal, ou todo e qualquer dano causado pelos mitos sobre “ser” mulher.
Com os estudos realizados entende-se que a construção de gênero pode variar, haver
modificações, mas não é uma desconstrução que vá ocorrer facilmente, visando a importância
da imposição de ideologias para a manutenção do patriarcado. Mas, com um trabalho de
conscientização a respeito dos prejuízos causados pelo mesmo, no cotidiano das mulheres,
pode-se evoluir na maneira que elas, e as pessoas que apoiam a causa, as enxergam e possam
entender que seu valor não pode ser medido por um regimento machista.
Desenvolvendo autonomia, através do apoio de outros e do autoconhecimento, as
mulheres podem reivindicar seu espaço na sociedade, não desconsidera-se que é uma luta
constante, mas, com conhecimento e facilitadores na política e na mídia, o movimento feminista
pode ganhar mais força contra a dominação masculina, consequentemente, melhorando a
qualidade de vida das mulheres. Portanto, também observa-se a necessidade no investimento
do governo em creches para que as mães possam trabalhar e deixar seus filhos seguros; e investir
em mais espaços terapêuticos para mulheres, principalmente vítimas de violência, já que é um
problema tão urgente.
1115

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Pedro Henrique Berbert; FREITAS, Luciana Gomes; FERREIRA, Maria Elisa
Caputo. Comparação Social, Insatisfação Corporal e Comportamento Alimentar em Jovens
Adultos. Interação Psicol., Curitiba, v. 20, n. 2, p. 219--225, maio/ago. 2016

Em média, mulheres dedicam 10,4 horas por semana a mais que os homens aos afazeres
domésticos ou ao cuidado de pessoas. Agência IBGE Notícias. 16, julho, 2020. Estatísticas
Sociais. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-
imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27877-em-media-mulheres-dedicam-10-4-horas-
por-semana-a-mais-que-os-homens-aos-afazeres-domesticos-ou-ao-cuidado-de-
pessoas#:~:text=Em%202019%2C%20146%2C7%20milh%C3%B5es,homens%20(78%2C6
%25)>. Acesso em 05 de julho de 2022.

FREITAS, Júlia Castro de Carvalho; MORAIS, Amanda Oliveira. Cultura do estupro:


considerações sobre violência sexual, feminismo e Análise do Comportamento. Acta
Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamiento, vol. 27, núm. 1,
2019 Universidad Veracruzana, México

GOMES, Rogério Schutzler; NICOLAU, Gabriela Valente. Lipoaspiração abdominal:


evoluindo de alta para média definição. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/rbcp/a/zcVwWyZMXt5wQgPxLgPs6jk/?format=pdf&lang=p>.
Acesso em 03 de agosto de 2022.

MAYORGA, Claudia. Algumas contribuições do feminismo à psicologia social


comunitária. Athenea Digital, Março, 2014. 14(1), 221-236.
http://dx.doi.org/10.5565/rev/athenead/v14n1.1089

NOGUEIRA, Conceição. Feminismo e Discurso do Género na Psicologia Social.


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PERET, Eduardo. Mulher estuda mais, trabalha mais e ganha menos do que o homem.
Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-
noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-
homem>. Acesso em 05 de julho de 2022.

ROCHA, Claudia Burlamaqui Lima. Body positive & Instagram: Performances online do
corpo feminino. Orientador: José Manuel Pereira Azevedo. 2021. 70 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Ciências da Comunicação, Faculdade de Letras, Universidade do Porto,
Porto, 2021.

WOLF, Naomi. O Mito da Beleza. 1. ed. Rio de janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.
1116

O QUE FICA DEPOIS DO AMOR?: estudo sobre o trabalho de luto das separações
amorosas

Raquel Martins Firmino1


Dra. Julita Gomes Maia de Sena 2

RESUMO

O trabalho de luto advindo de uma separação amorosa pode ser uma vivência muito dolorosa
para o sujeito, por mais que esse trabalho psíquico não seja respeitado pela sociedade ou pelo
próprio sujeito em alguns casos, é necessário que seja realizado. Para estar sujeito à perda de
um grande amor basta amar, nenhum amor está imune à dor da separação. Diante desse
contexto, este estudo buscou trazer conhecimentos de base psicanalítica acerca de como
acontece esse luto e quais são os mecanismos que estão presentes nesse processo. Este estudo
é uma pesquisa bibliográfica tendo como embasamento teórico a teoria psicanalítica, bem como
autores importantes para a temática do luto. Foi possível chegar ao conhecimento de que a
ruptura amorosa é um processo doloroso, que necessita de tempo e apoio para ser elaborada de
maneira proveitosa, proporcionando ao sujeito novas perspectivas e possibilidades.
Palavras-chaves: Luto. Psicanálise. Separação amorosa. Separação.

ABSTRACT

The work of mourning stemming from a loving separation can be a very painful experience for
the subject, even though this psychic work is not respected by society or by the subject itself in
some cases, it is necessary that it be done. To be subject to the loss of a great love it is enough
to love, no love is immune to the pain of separation. In this context, this study sought to bring
psychoanalytic-based knowledge about how this mourning happens and what are the
mechanisms that are present in this process. This study is a bibliographic research with
psychoanalytic theory as its theoretical basis, as well as important authors on the topic of
mourning. It was possible to reach the knowledge that the break-up is a painful process, which
needs time and support to be elaborated in a profitable way, providing the subject with new
perspectives and possibilities.
Keywords: Mourning. Psychoanalysis. Loving separation. Separation.

1
Bacharela e licenciada em Psicologia pela FCRN; Pós-granduanda em Teoria Psicanalítica – FAF; Mestranda
no programa PPGCISH - UERN. Email: raquelmfirminopsi@gmail.com
2
Especialista em Psicologia Clínica com formação psicanalítica – UNPESI (PB); Mestre em Saúde e sociedade
– UERN; Doutora em Psicologia – UNIFOR. Email: juhsena@hotmail.com
1117

1 INTRODUÇÃO

A relação com o outro vem sendo uma base para sustentação social desde os primórdios,
e deste surgiu o contato com o sentimento que chamamos de amor. O amor é uma temática,
palco de grandes reflexões filosóficas, poéticas e psicológicas, devido ao seu caráter abstrato e
singular, surge margem para diversas observações.
O amor e a perda estão conectados, não se dispõe a um sem estar à mercê do outro.
Existem pessoas que acreditam ser um preço alto demais e preferem se esquivar da construção
de um laço, outras preferem ignorar essa equação, iludindo-se que elas e aquelas às quais
direcionam seu amor são imortais e inseparáveis. Chegam a acreditar que o amor está garantido
e inabalável, e se sentem insultadas se o amor for posto em perigo ou perdido (PARKES, 2009).
O sofrimento pode atingir o ser humano por três vias: o sofrer proveniente do próprio
corpo, pela sua fragilidade e efemeridade, esse sentimento, isto é, o sofrimento à mercê de
doenças e do tempo; do mundo, que pode fazer recair sobre o humano forças poderosas,
aniquiladoras e implacáveis; do contato interpessoal com outros seres humanos. O sofrimento,
oriundo dessa derradeira via, é sentido de forma mais dolorosa do que qualquer um
anteriormente citado. Todos esses três vieses da dor são inevitáveis (FREUD, 1930).
O trabalho tem como problemática a busca do conhecimento sobre como se dá o trabalho
do luto diante de uma ruptura amorosa. Partindo disso, a presente pesquisa teve como objetivo
geral compreender como se dá o trabalho de luto diante de uma ruptura amorosa. Diante da
inquietação e busca de conhecimento sobre o assunto, foram desenvolvidos três objetivos
específicos, sendo eles: identificar como o luto se apresenta após a separação amorosa;
investigar quais mecanismos são acionados pelo trabalho psíquico no processo de luto e por
fim, analisar as discussões psicanalíticas em torno do luto por separação amorosa.
O presente trabalho trata-se de uma pesquisa bibliográfica. De acordo com Gil (2008),
a pesquisa bibliográfica se caracteriza pela análise de conteúdos teóricos publicados, sejam eles
escritos, impressos ou eletrônicos. O teórico ainda afirma que as pesquisas exploratórias
possuem como objetivo fornecer maior conhecimento sobre o problema proposto, tendo como
fim torná-lo mais evidente e proporcionando um aperfeiçoamento da ideia.
A pesquisa bibliográfica tem como principal vantagem a abrangência que é
proporcionada ao investigador, diante de maior cobertura de fenômenos e informações do que
aquela que poderia ser explorada diretamente (GIL, 2002).
1118

2 O LUTO DA RELAÇÃO

O luto é importante para você não se vingar no próximo amor (Fabrício Carpinejar)

De acordo com Freud (1917), em seu emblemático texto Luto e melancolia, O luto é
uma reação natural à perda de alguém que se ama ou de algo que está em seu lugar, como, por
exemplo, um ideal, pátria, liberdade e entre outros. O enlutado apresenta-se como um
desinteresse pelo mundo externo, a incapacidade de eleger um novo amor, bem como o
distanciamento de toda e qualquer atividade que não esteja em consonância com a memória do
objeto perdido.
Freud (1917) exemplifica que diante da realidade em que o objeto de amor não está mais
disponível, é necessário que haja uma retirada total da libido outrora direcionada para o objeto
de amor, entretanto é comum que o ser humano apresente uma oposição a essa ação, pois reluta
em abandonar a posição libidinal, mesmo quando um substituto se candidata. Acredita-se que
paulatinamente seja realizado o desinvestimento, para isso será depositado grandes quantidades
de energia e tempo para a elaboração de cada lembrança e expectativa na qual a libido associou-
se ao objeto perdido. Enquanto isso, o objeto perdido segue vivo na psique do enlutado.
Portanto, ao surgir a recusa da admissão irremediável da perda, por mais que haja uma
atenuação da dor, essa ação avizinha-se à loucura, sendo também possível considerar que uma
vez abrandado esses movimentos de rebelião, a dor ressurge ainda mais viva do que
anteriormente. No processo de separação amorosa, existe um eu debilitado e uma imagem
excessivamente viva do desaparecido. O eu conserva-se dedicado a manter a imagem do objeto
perdido, havendo assim um superinvestimento dessa figura psíquica. O desinvestimento precisa
ser efetuado, se não o Eu ficará imobilizado e com a vida paralisada, desenvolvendo assim um
estado crônico do luto (NASIO, 1997).
Não é tarefa fácil quantificar o nível de dor que o enlutado irá sentir para que o trabalho
de luto seja realizado, tal procedimento exige dedicação e comprometimento. Freud afirma que
o luto não deve ser considerado patológico e muito menos deve ser impedido de ser vivenciado,
pois isso seria prejudicial ao sujeito, e também porque se acredita que as reações a essa
1119

experiência iriam cessar com o passar do tempo, e assim o Eu ficaria novamente livre para
novos investimentos (FREUD, 1917).
A princípio a ruptura amorosa é vivida como um prejuízo ao sujeito, sem possibilidade
de restauração, e isso causa indignação, é justamente essa revolta contra a indignação que tem
como objetivo manter latente a ruptura e seria justamente a não separação. Na separação dos
amantes, ocorre um fenômeno que pode ser definido como a presença da morte na vida. Desta
maneira, na ruptura que não ocorreu a morte concreta do cônjuge, existe uma morte
compartilhada, pois, ao passo que é preciso matar esse outro que vive no sujeito para sobreviver,
também é necessário que haja a aceitação da própria morte na mente do outro (CARUSO,1989).
“Embora o divórcio possa ser às vezes a melhor solução para o casal [...] o tempo de
elaboração do luto pela separação é quase sempre maior do que o luto pela morte” (FÉRES-
CARNEIRO, 2003, p.5).
Desse modo, o rompimento pode ser vivenciado como algo na ordem do insuportável,
fazendo com que o sujeito sinta de forma muito intensa. A dor não vem da perda, mas sim da
continuidade desse amor que vive junto com a presença do outro na psique, essa presença viva
que é confrontada pela constatação da ausência real do objeto causa de amor (NASIO, 1997).
Caruso (1989), enfatiza que a separação reverbera na psique humana como a morte real,
na ruptura, o sujeito torna-se um morto na mente do outro, pode não estar mais disponível como
objeto amoroso. Alguns desses enlutados são vítimas de suicídio para que a dor seja cessada. A
ruptura amorosa para o autor é considerada uma tragédia na vida dos amantes, e a passagem ao
ato, pelo suicídio ou assassinato do ex-cônjuge, pode ilustrar a inaptidão do sujeito de se
defender-se do caráter mortal envolto na separação.

Podemos considerar que o objeto pode ser renunciado, mas o amor por ele não, quando
esse amor se refugia em identificação narcísica, o ódio entra em cena degradando esse
objeto substitutivo e satisfazendo-se sadicamente de seu sofrimento. Esse sadismo
pode justificar a tendência ao suicídio por parte do melancólico (FERREIRA, 2010,
p.72).

A melancolia é um outro estado de consternação mais intensa, considerando o que foi


falado sobre o luto, vemos nos casos que interessa a esta pesquisa, a perda é de ordem ideal, o
objeto de amor não morreu concretamente, mas está perdido enquanto objeto amoroso. “Em
outros casos ainda, achamos que é preciso manter a hipótese de tal perda, mas não podemos
discernir claramente o que se perdeu, e é lícito supor que tampouco o doente pode ver
conscientemente o que perdeu.” (FREUD, 1917, p.130).
1120

Diante disso, é observado que a melancolia em decorrência da perda é familiar ao


sujeito, já que o sujeito sabe quem perdeu, mas não o que perdeu dessa pessoa. Outra
diferenciação entre o luto e a melancolia é que o enlutado sofre uma considerável molestação
da autoestima, sintoma que não é participante do processo de luto. No luto a perda de interesse
é no mundo externo, este agora é considerado vazio, mas na melancolia a percepção é que o
próprio ego está desprovido de valor, com o vazio, incapaz e desprezível. Apresentando um
empobrecimento do Eu, o sujeito desenvolve um delírio de inferioridade, no qual o sujeito se
desonra diante de outros esperando por punições, e, de igual modo, é possível observar uma
dificuldade na alimentação e insônia (FERREIRA, 2010).
Freud (1917), constata que, após uma minuciosa escuta do melancólico, é possível
identificar que as auto acusações não são necessariamente compatíveis ao sujeito queixoso, mas
na verdade são denúncias que se encaixam com mais compatibilidade ao objeto de amor
perdido. Sendo assim, as recriminações e queixas feitas ao outro se voltam para o próprio Eu.
No entanto, não deve ser causa de espanto se algumas dessas incriminações sejam direcionadas
a si mesmo, estas encobrem as demais que são endereçadas ao outro, para que assim o
conhecimento da situação seja dificultado, essas lamentações também nascem dos prós e
contras no conflito amoroso que levou à perda. “A conduta dos doentes também fica mais
compreensível agora. Para eles, queixar-se é dar queixa.” (FREUD, 1917 p. 133).

Vemos que o Eu se deprecia e se enraivece consigo, e, assim como o doente, não


compreendemos aonde isso pode levar e como pode mudar. É antes à parte
inconsciente do trabalho que podemos atribuir aquela função, pois não é difícil
enxergar uma analogia essencial entre o trabalho do luto e o da melancolia. Assim
como o luto leva o Eu a renunciar ao objeto, declarando-o morto e oferecendo ao Eu
o prêmio de continuar vivo, do mesmo modo cada conflito da ambivalência relaxa a
fixação da libido no objeto, desvalorizando-o, depreciando-o, até abatendo-o, por
assim dizer (FREUD, 1917 p. 141).

Caruso (1989) apresenta quatro mecanismos de defesa do Ego que são acionados quando
acontece a ruptura amorosa. O primeiro é a agressividade e por meio dela o objeto de amor
perdido será desvalorizado, permitindo que o amor seja transformado em ódio, para que possa
ser realizada a desidentificação com o objeto perdido. Pois mesmo que a consciência veja os
defeitos do objeto, este correspondia às expectativas do Ideal de Ego. Sendo assim, a
depreciação é a estratégia mais segura para a aceitação da morte do objeto perdido na psique.
1121

O segundo mecanismo é a indiferença, sendo essa a breve repressão afetiva observada


no processo de elaboração, podendo ser observada na frase “estou pouco me importando”, não
seria essa a indiferença que é observada após o trabalho de luto da separação.
Outro mecanismo descrito por Caruso é fuga para adiante, que seria uma alternativa à
indiferença, esse mecanismo se expressa por meio de uma atividade socialmente aceita, como,
por exemplo, o excesso de trabalho, ou as diversões exacerbadas que, pode ser classificada,
como uma espécie de acordo entre o Superego e o Id. Todavia, essas atividades podem ser
consideradas uma leviandade por funcionarem como inibições de afeto. De acordo com a
sociedade, o aumento no desempenho, proporciona ao Ego um substituto da satisfação libidinal.
Existe ainda mais outra manifestação, que seria o desejo de ser solicitado ao amante ausente,
como uma compensação simbólica da separação, sendo nomeado pelo autor de “preocupação
ativa” manifestada como interferência da vida do outro, para se sentir participante.
Essa ação pode ser expressa por meio de envio de presentes, conselhos, auxílios. Todos
esses meios são um mecanismo de defesa contra a separação e também uma realização
simbólica do prazer. Através dos presentes e conselhos, é possível notar uma demonstração
simbólica da potência sexual. Tais atividades possuem uma dupla função: uma defesa do Ego e
uma representação simbólica do ato sexual.
O quarto mecanismo de defesa do Ego é a formação de ideologias na qual haverá uma
racionalização do afeto, nesse processo as qualidades do ausente serão introjetadas
definitivamente, o que antes era imagem do ideal, agora irá transformar-se em Ego. Quando
uma pessoa que deixou marcas indeléveis na representação do ideal, a separação pode
indiretamente enobrecer o Ego do sujeito.
De acordo com Bowlby (1990), em um processo de luto pode ser observado quatro fases
principais: 1. Torpor: com duração de algumas horas ou até semanas, nessa fase pode ocorrer
momentos de raiva e consternação; 2. Protesto ou anseio: emoções intensas com alto nível de
sofrimento psicológico e inquietação física, existe uma busca pela pessoa perdida; 3. Desespero:
o enlutado constata a irreversibilidade da perda, implicando em desmotivação, apatia e
depressão; 4. Recuperação: o desespero e depressão vão lentamente sendo atenuadas, sendo
agregadas a sentimentos positivos, adaptação às mudanças e a novas possibilidades de
investimento amoroso. Porém é natural que haja vacilação nos sintomas depreciativos, em
especial em datas comemorativas que estão ligadas à pessoa perdida (reações de aniversário).
1122

É necessário ressaltar que, tanto os mecanismos de defesa expostos pelo autor Caruso,
quanto as fases são descritas por Bowlby, possuem o objetivo de promover maior compreensão
acerca do assunto, mas elas não acontecem de forma evolutiva ou linear, com duração
determinada e intensidade padrão. Cada sujeito irá vivenciar o processo de luto de forma
singular, assim como cada elaboração tem sua particularidade.
A separação amorosa pode ser facilmente classificada como um luto não franqueado.
Partindo do princípio que cada sociedade possui um conjunto de regras e normas vigentes que
irão determinar como o luto deve ser vivido, e nelas estão contidas, quem, quando, onde,
duração do pesar. No entanto, essas regras podem não fazer jus aos sentimentos dos enlutados
(DOKA, 1989).
Essa variação do luto que é muito comum em nossa sociedade, pois esta é marcada pela
evitação e negação, os pensamentos e sentimentos conflitantes não têm espaço para expressão,
então, sem o reconhecimento social e profissional para a reorganização, o sujeito fica
susceptível ao luto não reconhecido. É comum o entendimento de que um termino precisa ser
superado, e deve-se seguir adiante o mais rápido possível. Algumas frases que podem
demonstrar invalidações e minimização do sofrimento do enlutado são essas: “bebe que passa”,
“deixa de besteira, tem muita gente no mundo”, “você ainda é jovem”, “um amor se cura com
outro”.
Diante das sociedades líquido-modernas, é possível inferir que existe um imediatismo
em todos os âmbitos da vida. São cobranças para a produtividade exacerbada e modernização,
a vida não pode parar, “tempo é dinheiro”. Segue-se essa lógica ou está sujeito a perecer uma
vida precária, com alicerces na incerteza e insegurança constante, ou com demasiados reinícios
(DA COSTA SALLES; CECCARELLI, 2012).
Os enlaces subjetivos frouxos e ausência de compromissos são as características mais
presentes nas ligações entre os sujeitos. Vivemos em uma “sociedade de valores voláteis,
descuidada do futuro, egoísta e hedonista, onde a velocidade e não a duração é o que importa”
(BAUMAN, 2007 p.10). O autor exemplifica que as relações estão embasadas em ligar-se
rapidamente a qualquer coisa e se desvincular é o que vale. Viver com intensidade o presente e
pelo o momento, extraindo o máximo de satisfação, rechaçando sofrimentos, envolvimentos
profundos, inquietações, privilegiando fins rápidos e indolores, pois assim é mais fácil
recomeçar.
1123

A vivência do luto pode se tornar ainda mais difícil quando se trata de uma perda que
envolve ambivalência. Perda ambíguas são aquelas que se caracterizam pela falta de
clareza com relação ao que foi perdido, sobre quem perdeu, ou ainda envolve a perda
ou não. Com a incerteza sobre como reagir nessas situações, as pessoas
frequentemente não fazem nada, ou melhor, não expressam nenhum tipo de reação.
Nesse sentido, a perda que envolve ambivalência gera luto não reconhecido uma vez
que passa a ser considerada “pequena e superável”, principalmente quando comparada
a perdas por morte após determinada convivência e vinculação com a pessoa amada
(CASELLATO, 2005).

No luto não reconhecido, o que acontece, é o fracasso da empatia, ocorrendo uma


incapacidade de compreender e validar de forma sensível o processo de enlutamento que está
sendo vivenciado pelo sujeito. Levando em consideração que em decorrência da invalidação
social, o sujeito fica suscetível a não autorizar o próprio luto, gerando possíveis complicações
na elaboração da perda (CASELLATO, 2015).
Existem também outras razões para o não reconhecimento de acordo com Casellato
(2015), que afirma que o reconhecer implica em assumir que algo está no real, então constatar
a veracidade do acontecimento, consequentemente coloca o sujeito no lugar de lidar com essa
realidade, que pode estar querendo defender-se dessa emoção.
“Um “não te amo mais” ou “devemos nos separar” pode ser algo impossível de ser
metabolizado, pois encerra o enigmático que vem do outro. Nesse sentido, sem recursos para
traduzir as excessivas mensagens do ex-parceiro, o sujeito interrompe o processo de luto”
(MARTÍNEZ; MATIOLI, 2012, p. 220)
O trabalho do luto demanda um tempo para que seja realizada elaboração psíquica.
Porém os fatores anteriormente expostos nos advertem que nem sempre esse tempo é respeitado,
seja pela sociedade ou pelo próprio sujeito. Na tragédia do príncipe Hamlet, o personagem
principal não pode fazer o luto do pai em função do desrespeito aos ritos funerários, esse é um
exemplo de luto não realizado, ou mesmo “feito às pressas”. Esse movimento pode ser
catastrófico e enlouquecedor, podendo determinar ações e o destino do sujeito (DA COSTA
SALLES; CECCARELLI, 2012).
Existe uma linha tênue que separa o luto considerado “normal” do complicado, levando
em consideração que cada sujeito vivencia tal sentimento de forma muito singular, por isso não
há uma determinação rígida de tempo para que haja total elaboração desse luto. Relacionando
o assunto com o luto por perda do objeto de amor, Neves (2015) nos adverte que o parceiro que
não encontrar validação para sua dor está sujeito a uma maior angústia no processo de
elaboração, sendo esse imprescindível para reorganização psíquica do sujeito.
1124

Conforme Parkes (1998), em decorrência do rompimento de vínculo, o enlutado pode


chegar a experienciar reações emocionais e físicas, tal como comportamentais e sociais. Em um
processo de luto complicado, essas vivências podem ser ainda mais penosas por faltar-lhe uma
base segura. O autor trouxe valiosas contribuições no que diz respeito ao reconhecimento do
luto complicado, atestando a cerca disso que “é somente quando ele se prolonga muito e causa
danos às funções da vida normal que pode ser considerado “patológico” (PARKES, 1998, p.42).
Como foi discutido no início do tópico, o luto trata-se de um processo natural e previsto,
sendo essencial para a elaboração da perda, sendo assim é uma etapa importante para a saúde
mental do sujeito que está vivenciando a separação amorosa. A vivência do luto proporciona ao
sujeito a possibilidade de desenvolver resiliência diante das perdas e mudanças que lhe são
impostas. A confrontação desse processo tem papel importante no fortalecimento da confiança
nas competências do sujeito, fazendo com que este possa dar sentido aos acontecimentos e
reestruturar a própria vida (CASELLATO, 2005).

2.1 No amor e na separação também existo

Os casais são criados por causa do amor. Eu estou sempre à espera de entender o que é.
(Valter Hugo Mãe)

As separações amorosas estão impregnadas de sentimentos ambíguos e conflitantes para


as pessoas, o que a torna uma vivência dolorosa e desafiadora na maioria dos casos. Para além
disso, é preciso considerar o social, pois os sujeitos são atravessados por toda a constituição,
leis, hábitos e crenças vigentes em sua comunidade. Diante disso, o amor e a separação também
são julgados por essa mesma comunidade em que esses sujeitos estão inseridos.
As relações que são de natureza homossexual ou extraconjugal tendem a não serem
reconhecidas socialmente, sendo assim, o luto pela ruptura será ainda menos respeitado. Em
decorrência das conquistas na lei, transformações sociais e com o esvaecimento da
religiosidade, os homossexuais vivenciam relações cada vez mais duradouras, todavia sem
direito ao sofrimento e ao luto, justamente por ainda serem relações as quais a sociedade
direciona preconceito e estigma (CASELLATO, 2005).
Uma pessoa homossexual, quando se separa, e por vezes não tem espaço para a
expressão social e reconhecimento do seu sofrimento com entes queridos, pode sofrer um luto
1125

velado e um tanto doloroso. Bem como o homossexual que está saindo de um relacionamento
hétero para assumir sua sexualidade. Para além das dificuldades desse reconhecimento, que essa
pessoa pode enfrentar, ele, o homossexual, também está sujeito a sentir culpa por deixar o
conjugue e filhos, se os tiver. O social reafirma o fracasso do casamento mal sucedido e o
culpabiliza pela confusão nas escolhas amorosas. Essa falta de apoio provoca o isolamento do
sujeito, mas quando se tem o apoio da família o processo é menos doloroso (CASELLATO,
2005).
No envolvimento dos amantes, também é construída uma relação e estas precisam ser
consideradas também. Apesar de que em 2005 com a Lei n. 11.106/05 o adultério tenha deixado
de ser crime no Brasil, o laço dos amantes pode ainda provocar repúdio social, por ser
considerado um envolvimento amoroso indigno e relacionado à infidelidade. Desta forma, o
relacionamento não é reconhecido. As relações são sigilosas e sem privilégios sociais, e se por
um lado a proibição provoca o desejo, a desaprovação social leva o sujeito à exclusão. Como
consequência disso, o sofrimento pela separação também não é válido, na tentativa da interdição
do seu direito à dor e ao sofrimento (CASELLATO, 2005).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho foi desenvolvido a partir de leituras psicanalíticas, como também de


autores que são refêrencia na temática do luto, como Parkes e Casellato. Para que o artigo
pudesse obter mais embasamento teórico.
Devido ao contexto, pode-se inferir que este estudo buscou trazer contribuições para a
sociedade, bem como para formação de profissionais da área clínica, pois essa demanda está se
mostrando cada vez mais frequente na clínica psicanalítica, níveis elevados de angústia e
desamparo podem ser observados em nossa contemporaneidade, e uma dificuldade na
elaboração do luto de uma relação, seja pelo grande sofrimento ou pela falta de recursos para
lidar com a frustração.
Foi possível observar que a separação do objeto de amor é um processo muito doloroso
para esse mesmo sujeito. Estudar como se dão os mecanismos de defesa e as reações comuns a
perdas dessa ordem, bem como esclarecer que o luto é uma reação normal a perda de algo
valoroso na vida do sujeito, e que o sofrimento pela perda é proporcional, foi um meio para
promover conhecimento profissional e social acerca do assunto.
1126

A sociedade que dita regras para a expressão e sentido desse luto pode prejudicar a vida
do sujeito, acreditando que todo relacionamento dessa ordem pode ser facilmente substituído.
Consequentemente, essa atitude pode gerar nos enlutados profundas angústias pela invalidação
de sua perda, tanto por parte da sociedade como por sua própria, gerada pelo sentimento de
desamparo e vergonha.
Buscou-se exemplificar qual a importância do trabalho de luto por separação amorosa,
mostrando que o sofrimento pela perda é normal, e que é preciso que esse processo de dor não
seja mascarado, fazendo com que o sujeito fique preso àquela dor sem perceber, ligado a uma
pessoa que não está mais disponível para o amor. A travessia do luto é importante para que o
sujeito possa permitir-se a novas vivências, e envolvimentos amorosos sem ficar à sombra do
amor antigo, podendo assim, amar livremente uma nova pessoa.
Ressalta-se ainda a importância de serem produzidos mais estudos acerca desta temática,
que é de valor único, levando também em consideração a maior ocorrência das separações na
sociedade contemporânea. Assim sendo, a tentativa de obter conhecimento sobre o tema apenas
abre um leque de novas questões e possibilidades para que sejam elaborados mais estudos,
trabalhos e pesquisas, para que haja maiores esclarecimentos sobre este que é um dos maiores
sofrimentos que atingem aos seres humanos.
Ao discutir sobre a presente temática, esta pesquisa mostra o seu grau de relevância
observando como se dá esse processo de rompimento amoroso, partindo da observância de que
é um processo incontestavelmente singular e buscando reconhecer a importância da elaboração
desse luto, para que seja possível proporcionar melhor continuidade da vida e das relações
desses sujeitos.

REFERÊNCIAS

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2004.

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CARUSO, I. A separação dos amantes: Uma fenomenologia da morte (5ª ed.) São Paulo:
Cortez, 1989.
1127

CASELLATO, G. O resgate da empatia. São Paulo: Summus, 2015. p.264.

CASELLATO, G. Dor silenciosa ou dor silenciada? Perdas e lutos não reconhecidos por
enlutados e sociedade. Campinas: Livro Pleno, 2005.

DOKA, K. Disenfranchised Grief: Recignizing, Hidden, Sorrow. Nova Iorque: Lexington


Books, 1989.

FÉRES-CARNEIRO, T. Separação: o doloroso processo de dissolução da conjugalidade.


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Barroco em revista, 2010. p. 56.

FREUD, S. (1917) Luto e Melancolia, (Sigmund Freud Obras Completas, p. 127-144). Brasil:
Companhia das Letras.

FREUD, S. (1930) Mal-estar na civilização, (Sigmund Freud Obras Completas, p. 191-270).


Brasil: Companhia das Letras.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2002.

GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GOMES, M. S. L. No entre dois: o vínculo do casal. 189 p. Tese (Doutorado de Psicologia) –


Faculdade de ciências e letras, Universidade Estadual Paulista (UNESP). São Paulo, 2017.

MARTÍNEZ, V.C.; MATIOLI, A.S. Enfim Sós: Um estudo psicanalítico do


divórcio. Revista Subjetividades, v. 12, n. 1-2, p. 205-242, 2012.

NASIO, J.D. (1997). O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Zahar

NEVES, C.C. Luto complicado nas separações amorosas. (Monografia de Especialização).


Quatro Estações, Instituto de Psicologia, São Paulo, 2015.

PARKES, C.M. Luto estudos sobre a perda na vida adulta. Summus editorial, 1998..

DA COSTA SALLES, A.C.T.; CECCARELLI, P.R. Angústia, separação e desamparo na


clínica contemporânea. Belo Horizonte: Estudos de psicanálise, 2012 (n. 38, p. 23-28)
1128

ORIENTAÇÃO VOCACIONAL COMO INSTRUMENTO PROPULSOR DE


DESENVOLVIMENTO PESSOAL E PROFISSIONAL NO TEA

Mariana Lara Cabral Viana1


Géssica Mayara Costa Bezerra2
Karen Lívia Costa Carvalho3
Mara de Souza Leal4

RESUMO

O presente estudo trata-se de uma revisão de literatura e objetivou analisar de que forma a
orientação profissional voltada para indivíduos com TEA pode vir a ser um mecanismo
propulsor do desenvolvimento pessoal e profissional, além de promover discussões em relação
ao processo de inclusão e práticas capacitistas que impedem o sujeito desse espectro de
ocuparem espaços trabalhistas. Para isso foram realizadas buscas, no primeiro semestre de
2021, entre os meses de Abril e Maio, nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scielo, Pepsic, Periódicos CAPES e Google
Acadêmico operacionalizada através do cruzamento dos descritores “Autismo” e “Orientação
profissional e “Orientação vocacional”, articulados por meio do operador booleano “AND” em
ambas as pesquisas. Os achados científicos apontaram para a importância do processo de
orientação profissional como ferramenta facilitadora frente às capacidades, preferências e
motivações do sujeito no espectro autista, ressaltando-se a importância de compreender o
indivíduo em sua totalidade. Assim, dada a escassez de estudos voltados a essa temática, é
possível frisar a importância dessa pesquisa e suas contribuições para a comunidade científica,
uma vez que as indagações levantadas aqui, proporcionam reflexões quanto ao lugar social da
pessoa com autismo, somando novas perspectivas de se pensar a inclusão destes.
Palavras-Chave: Autismo; Orientação Profissional; Orientação Vocacional; Revisão de
Literatura.

ABSTRACT
This study is a literature review and aimed to analyze how professional guidance for individuals
with ASD can become a propulsion mechanism for personal and professional development, in
addition to promoting discussions regarding the inclusion process and enabling practices that
prevent the subject of this spectrum from occupying labor spaces. For this, searches were carried
out in the first half of 2021, between the months of April and May, in the databases Latin
American & Caribbean Health Sciences Literature (LILACS), Scielo, Pepsic, CAPES
Periodicals and Google Scholar operationalized through the crossing of the descriptors
“Autism” and “Professional guidance”, “Autism” and “Vocational guidance”, articulated
1
Graduanda pelo Curso de Psicologia da Faculdade Nova Esperança de Mossoró - FACENE/RN.
marianalaracv@gmail.com
2
Graduanda pelo Curso de Psicologia da Faculdade Nova Esperança de Mossoró – FACENE/RN.
gessicabezerra1@gmail.com
3
Graduanda pelo Curso de Psicologia da Faculdade Nova Esperança de Mossoró – FACENE/RN.
karenliviacarvalho@gmail.com
4
Mara de Souza Leal. Profa. Dra. e Coordenadora do Curso de Psicologia da Faculdade Nova Esperança de
Mossoró – FACENE/RN. E-mail:marasleal@alumni.usp.br
1129

through the boolean operator “AND” in both surveys. The scientific findings pointed to the
importance of the professional guidance process as a facilitating tool in the face of the subject's
abilities, preferences and motivations on the autistic spectrum, emphasizing the importance of
understanding the individual as a whole. Thus, given the scarcity of studies focused on this
theme, it is possible to emphasize the importance of this research and its contributions to the
scientific community since the questions raised here provide reflections on the social place of
the person with autism, adding new perspectives to think about their inclusion.
Keywords: Autism; Professional guidance; Vocational guidance; Literature review.

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o DSM-V (2014), o transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno


do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação
social em múltiplos contextos, englobando déficits na reciprocidade, comportamentos não
verbais de comunicação e habilidades para compreender, desenvolver e manter
relacionamentos. Os sintomas geralmente afloram no período do desenvolvimento, mas podem
não se manifestar até que o indivíduo passe por demandas sociais que exijam capacidades
sociais mais exacerbadas ou ainda, podem ser mascarados por estratégias aprendidas
posteriormente. Dessa maneira, é preciso refletir e compreender sobre as especificidades que
permeiam a vida desses indivíduos, fugindo de descrições taxativas e permitindo-os explorar
suas habilidades de forma autêntica.
Nesse sentido, considera-se a esfera psicossocial que envolve as exigências e
responsabilidades relacionadas ao processo de introdução ao mercado de trabalho. Sendo assim,
confrontar-se com um contexto cada vez mais competitivo que encoraja a manutenção de
determinados padrões, pode vir a ser um mecanismo de exclusão e sofrimento para aqueles
que, em certo grau, fogem da regra e visualizam a necessidade da escolha profissional cada vez
mais próxima. Dessa forma, considerando os sujeitos no espectro autista, pode-se atribuir
reflexões acerca de como esses indivíduos atípicos encaram as questões relacionadas a sua
trajetória acadêmica, bem como o processo de escolha profissional.
No Brasil, a lei de nº 12.764/2012 estabelece a Política Nacional de Proteção dos
Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, assegurando que os autistas sejam
considerados deficientes para todos os efeitos legais. Além disso, fica reconhecido nesta, de
acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a indispensabilidade de “estímulo
à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista no mercado de trabalho, observadas as
peculiaridades da deficiência” (BRASIL, 2012). Contudo, segundo Jesus (2014), não se
1130

estabeleceram com formalidade recursos e estruturas de serviços para que tais políticas fossem
implantadas, deste modo, torna-se limitado os resultados que garantem os direitos relacionados
à atuação profissional.
Assim, percebe-se a necessidade de um olhar que se concretiza em mudanças quanto a
essa realidade, já que, não dispor de possibilidades e recursos para que esses indivíduos ocupem
o mercado de trabalho, é um manifesto implícito de negação, uma recusa de tornar os espaços
acessíveis. Quanto a isso, aponta-se o conceito de capacitismo, que “também está nas ideias,
práticas, instituições e relações sociais que presumem corpos como capazes e, ao fazê-lo, as
pessoas com deficiência como marginalizadas e, em grande parte, como invisíveis “outros”.”
(IVANOVICH; MARIVETE, 2020, p. 7).
Dessa forma, a Orientação Profissional surge como um mecanismo importante para esse
público em questão como uma prática necessária para indivíduos em determinados momentos
de sua carreira, como também para estudantes que desejam ingressar à carreira universitária e
no ambiente laboral (MELO-SILVA, LASSANCE, SOARES, 2004). A definição desta prática
sugere a possibilidade de o sujeito ser orientado por profissionais qualificados e ainda a
possibilidade da própria pessoa se orientar, ou seja, “reconhecer a situação do lugar onde se
acha, para guiar-se pelo caminho" (FERREIRA, 1986, p. 1233). De acordo com Martins (1978),
as expressões mais utilizadas que fazem referência ao mesmo trabalho, são: vocacional,
profissional e educacional, para nos restringirmos ao campo do comportamento vocacional. O
primeiro citado, o termo vocacional está ligado a vocação que no latim significa “vocatione”,
ato de chamar, escolha, chamamento, predestinação, tendência, disposição, talento, aptidão. O
conceito profissional tem como conceito “pertencente à profissão”, “que exerce uma atividade
por profissão ou ofício”. Já o conceito de orientação profissional, na perspectiva da psicologia
tem como conceito a ajuda prestada a uma pessoa que almeja à solução de problemas relativos
à escolha de uma profissão ou a carreira profissional, considerando as características da pessoa
e as possibilidades de emprego no mercado de trabalho (BRASIL, s/d). Os modelos de
intervenção implementados foram e são influenciados pela estratégia de Bohoslavsky, com
influência da psicanálise freudiana e kleiniana. Para o referido autor, ela pode ser aplicada para
o autoconhecimento, investigação, compreensão, modificação do comportamento, atuando
tanto no âmbito individual como no grupal, bem como no comunitário ou institucional
(Bohoslavsky, 1991).
1131

Analisar as diferenças por uma ótica mais abrangente, oferece-nos a capacidade de


compreender a importância da construção de um lugar social em que a participação desses
sujeitos seja ativa e pautada na autonomia. A disponibilização de oportunidades significa
transpor narrativas de violência e exclusão, inaugurando uma perspectiva que aprimora a
qualidade de vida e acolhe o sujeito em suas particularidades. A esse respeito, o presente estudo,
busca analisar de que forma a orientação profissional voltada para indivíduos no espectro, pode
vir a ser um mecanismo propulsor de desenvolvimento pessoal e profissional, além de promover
discussões acerca do processo de inclusão e práticas capacitistas que impedem os sujeitos de
ocuparem espaços. Pretende-se portanto, ampliar o debate acerca do assunto apresentado,
acrescendo as perspectivas de transformação e estando de acordo com uma ciência psicológica
que considera a diversidade humana e as potencialidades dos sujeitos.

2 METODOLOGIA

O presente artigo trata-se de uma revisão de literatura, que de acordo com Gerhardt e
Silveira (2009) é o momento da pesquisa em que se revisita os conhecimentos já reunidos sobre
determinada temática. Sendo que, o conceito de literatura nesta sentença está relacionado ao
conjunto de documentos científicos que dizem respeito a um determinado assunto.
Dessa forma, valendo-se desse percurso metodológico escolhido, a pesquisa foi
realizada durante o primeiro semestre do ano de 2021, no período de Abril a Maio, por meio
das bases de dados científicas Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
(LILACS), Scielo, Pepsic, Periódicos CAPES e Google Acadêmico operacionalizada através
do cruzamento dos descritores “Autismo” e “Orientação profissional”, “Autismo” e
“Orientação vocacional”, articulados por meio do operador booleano “AND”.
Foram selecionados como critérios de inclusão os estudos publicados entre 2011 a 2021,
a fim de retratar a produção dos últimos 10 anos, em qualquer idioma, dos quais surgiram Inglês,
Espanhol, Francês, Alemão, Português, Sueco, Chinês, Norueguês, Russo, Indonésio, Eslavo,
Dinamarquês, Persa, Italiano, Japonês, Turco, sendo artigos, teses e dissertações disponíveis
como trabalhos completos e gratuitos. Em relação aos critérios de exclusão, foram delimitados
aqueles trabalhos pagos, incompletos e que fogem da temática proposta. A seleção dos trabalhos
foi realizada por meio da leitura dos títulos e dos resumos para a composição da amostra.
1132

As publicações selecionadas devem-se à aplicação dos critérios de inclusão e exclusão


estabelecidos e utilização dos descritores em pares definidos e utilizados nas bases de dados
mencionadas anteriormente e como demonstrado a seguir.

Tabela 1: Trabalhos científicos sobre a orientação vocacional como instrumento propulsor de


desenvolvimento pessoal e profissional para o autista dos anos de 2011 a 2021.

Cruzamentos Google LILAC SciELO Periodicos PesPSI Total


academico S Caps/Mec C

Autismo AND Orientação profissional 16.100 2 0 2.591 0 18.69


3

Autismo AND Orientação vocacional 2.060 0 0 529 0 2.589

Amostra 18.160 2 0 3.120 0 21.28


2

Fonte: Elaboração dos Autores (2021).

Por meio do cruzamento dos descritores foram identificados 21.282 publicações nas
quais para a seleção seguiu-se da seguinte forma, verificou-se os artigos disponíveis na íntegra
e por meio do título selecionou-se os trabalhos que se encaixam mediante critérios
estabelecidos, após isso, foi realizado uma leitura prévia dos resumos, resultando na seleção de
13 trabalhos, sendo 3 destes teses de mestrado, e 10 artigos científicos, onde 3 se repetem.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Valendo-se dos resultados encontrados e considerando a investigação proposta, verifica-


se que o processo de introdução ao mercado de trabalho é um aspecto mobilizador das diversas
esferas e instituições sociais, já que, envolve questões relacionadas ao próprio sujeito, como
também ao contexto. Assim, no que se refere ao indivíduo com autismo, Martins (2014) afirma
que esse processo demanda preocupações financeiras e possibilidades de socialização, sendo
importante que tanto o jovem como a família estejam cientes das dificuldades e busquem apoio
1133

profissional caso seja necessário. A autora enfatiza também que a conjuntura familiar se
apresenta enquanto um “porto seguro” da pessoa com deficiência, sendo assim, uma rede de
apoio essencial nessas situações.
Dessa forma, acerca dos condicionantes da aprendizagem, Filipe (2014), enfatiza a
importância de se considerar e identificar quais os que interferem no funcionamento cognitivo
dos clientes com Perturbações do Espectro Autista (PEA). Onde destaca-se a tendência para o
estabelecimento de rotinas, para fazer generalizações, a dificuldade para transferências, a
linguagem utilizada, as dificuldades na compreensão de conceitos simbólicos, interação social,
problemas com questões motivacionais e foco de atenção, dificuldades a nível sensorial
podendo apresentar hiper ou hipo sensibilidade a determinados estímulos, e ainda a ausência de
empatia e cumplicidade. Estas são consideradas as que mais prevalecem no indivíduo com PEA,
porém, estas variam de pessoa para pessoa, considerando cada ser como único e singular.
Além disso, nota-se que o processo de orientação profissional é considerado complexo,
pois neste, não deve-se considerar somente o indivíduo em si, mas sim a interação de variados
aspectos que se fazem presentes na vida do indivíduo, a citar os aspectos físicos, psicossociais,
educacionais, culturais que envolve o ser, e ainda as dimensões presentes no contexto do
trabalho onde está inserido. O estudo ainda cita que a OP busca utilizar estratégias que auxilie
no trabalho de aceitação das limitações, que vise facilitar o autoconhecimento dos indivíduos
envolvendo o seu Perfil de Competências e habilidades, identificando os mecanismos de defesa
e as suas expectativas e também a dos seus familiares com o objetivo de as tornar o mais
realistas possível e assim colaborar com o processo de melhor forma. (FILIPE, 2014).
Nesse sentido, Melo e Barbosa (1998) apresentam um panorama análogo quanto a essa
questão, inferindo que dada a sua complexidade, a orientação vocacional em jovens com
necessidades educativas especiais não pode ser limitada no tempo, disponibilizando uma gama
de atividades que permitam aos indivíduos demonstrarem o seu potencial livremente. Com isso,
os resultados obtidos se apresentam de forma mais fidedigna, diminuindo o risco de serem
taxados enquanto vocacionalmente incapazes.
Ademais, os autores Lorenz et al. (2016) discutem portanto, que há uma baixa taxa de
emprego direcionada para esse público e uma possível explicação para isso são as barreiras
estruturadas por estereótipos na sociedade. Indo de acordo com Filipe (2014), esses
estereótipos, por vezes, surgem por parte dos empregadores que acabam por considerar que
pessoas com PEA no ambiente de trabalho envolve custos maiores e ainda podem provocar
1134

problemas a nível de baixa produtividade, comunicação e também na aceitação deste frente aos
demais colaboradores. Sobre isso, Frank et al (2018) problematizam no estudo, o estereótipo de
que o trabalho para adultos com TEA é orientado para uma atuação mais técnica e não social,
o que por sua vez, não vai de acordo com a amostra de seu trabalho onde é possível visualizar
uma alta área de ocupação nos setores de saúde, social, ensino e educação.
Com relação a essa questão, é possível discutir sobre a forma como os estereótipos e
preconceitos refletem na negação de direitos de indivíduos com autismo, corroborando com
ideias capacitistas que alocam pessoas com deficiência no lugar de “problema”, podendo gerar
uma culpabilização por parte desses sujeitos, aflorando sentimentos de incapacidade, gerando
sofrimento nestes. Com base nisso, percebe-se a importância de investigar essas barreiras para
que assim possa analisar estratégias de enfrentamento, e ainda se faz necessário sensibilizar
empregadores e empregados acerca dessa problemática, em busca de uma melhor inclusão,
qualidade de vida e de trabalho (FILIPE, 2014).
Outro aspecto identificado nessa revisão, diz respeito a esse processo de inclusão da
pessoa com deficiência, perpassando contextos educacionais e adentrando no cenário do
sucesso profissional. Sendo assim, considerando o estudo realizado na Holanda por Büscher-
Touwen, Groot e van Hal (2018), observa-se que a lacuna entre o ensino superior e o mercado
de trabalho ainda se apresenta como uma circunstância problemática, já que, esses indivíduos
embora apresentem um índice educacional elevado, não dispõem de oportunidades
empregatícias ou estágios. Os autores apontam que o apoio nessa fase transicional é
fundamental, constatando essa premissa a partir de falas de pessoas com deficiência,
observando a necessidade de uma atenção maior para orientação profissional voltada a esse
público.
Dessa forma, corroborando com esse aspecto, um estudo realizado na Alemanha
(FRANK et al., 2018) oferece-nos uma perspectiva similar, pois, mediante os resultados
encontrados na pesquisa, os autores informam que apesar de um nível de educação geral acima
da média, pessoas com diagnóstico tardio de TEA estão em desvantagem no quesito
participação no mercado de trabalho. Essa questão se desdobra a partir de uma ótica que
engloba diversos setores da sociedade, visto que, nessa corrida que se direciona a ascensão
social por meio do trabalho, esses indivíduos são excluídos dentro de uma perspectiva
depreciativa. Assim, pensar verdadeiramente em práticas inclusivas, significa unir a instituição
familiar, acadêmica e empregadores, que devem dispor ferramentas para a contratação de um
1135

corpo de funcionários diverso, como também estruturas e dinâmicas que mantenham essas
pessoas no trabalho, de modo a incluí-las verdadeiramente.
Assim, se vivemos em uma sociedade baseada nos distintos padrões de distribuição de
oportunidades, é preciso pensar em estratégias que modifiquem esse cenário, dando os
primeiros passos rumo à socialização daqueles que costumeiramente foram colocados à
margem. Nesse sentido, as mudanças necessárias são feitas com ações participativas,
deslocando-se do lugar de silêncio para outro de protagonismo. A pesquisa sistemática realizada
por Maciver et al., (2019), oferece-nos uma projeção acerca dos fatores psicossociais e
ambientais relacionados à participação de crianças com deficiência na escola, resultando em
mecanismos como identidade, competência e experiência mente e corpo. Esses resultados
indicam a importância de valorizar e considerar significativamente os interesses, as motivações
e as preferências das crianças, pois assim é possível compreender a percepção de si mesmo que
se relaciona diretamente com a auto estima de si mesmo, além de observar as relações
estabelecidas e o sentimento de pertencimento e respeito da comunidade escolar.
De acordo com isso, percebe-se que se a participação ativa está ligada também às
preferências e interesses em determinadas atividades na escola, a orientação profissional pode
vir a ser um mecanismo capaz de proporcionar um processo inclusivo, fornecendo
oportunidades de desenvolvimento tanto pessoal como acadêmico. Em consonância com esse
aspecto, Ravenscroft, Wazny, Davis (2017) assinalam que participar de atividades educacionais
e de recreação permite às crianças o desenvolvimento das habilidades sociais, além da expressão
do potencial criativo, alcançando saúde física e mental. Como reforça o estudo de Maciver et
al. (2017), o método utilizado para inclusão do aluno deve estar focado em estratégias que
envolvem não somente este, mas toda a comunidade escolar. Bem como no ambiente em que
está inserido e aspectos físicos e sociais do mesmo, além da identificação de características
positivas e pontos que necessitam de apoio.
Levando em consideração as ferramentas que venham a agregar no processo de
orientação profissional voltado para pessoas com autismo, o estudo realizado por Tokarskaia,
Bystrova e Valieva (2021), apontam o uso da realidade virtual como sendo uma tecnologia que
pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades comunicativas, além da autodeterminação
profissional, simulando alguma situação específica e monitorando interesses e emoções
positivas. Embora seja um aparelho de custo elevado, a pesquisa amplia o quadro de
possibilidades e pode vir a oferecer uma assistência efetiva nesse quesito.
1136

Nessa perspectiva, o estudo realizado por Leopoldino (2014), oferece-nos também


práticas e políticas que podem vir a ser implementadas como preparação para a atuação
profissional, incentivando o preparo vocacional individualizado, incentivos à realização de
estágio e primeiro emprego. Além disso, a autora pontua também o estímulo à contratação,
mediante a criação de programas de conscientização para empregadores, como também o
fomento à produção científica.
Portanto, mediante ao arcabouço teórico aqui exposto, observa-se a escassez de estudos
no Brasil, realidade que também se repete se comparada ao contexto internacional. Acerca
disso, Morozova e Belyavskiy (2016) apontam que mesmo a orientação profissional sendo um
fator que corrobora para o sucesso profissional da pessoa com autismo, ainda existe uma
explícita ausência de pesquisas relacionadas a isso. Assim, observa-se a necessidade de
discussões que aprimorem a temática enquanto um assunto emergente, pois, compreender as
necessidades desses sujeitos significa pensar em condições e oportunidades de
desenvolvimento, deixando de ser um obstáculo ao exercício pleno das suas capacidades.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do percurso metodológico apresentado, os achados científicos apontam para a


relevância do processo de orientação profissional como uma ferramenta capaz de mobilizar o
sujeito com autismo frente às suas capacidades, preferências e motivações. Assim, enfatiza-se
a necessidade de compreender esse indivíduo de forma integral, perpassando pela família,
escola, empregadores e a sociedade no geral, dada a existência de uma responsabilidade coletiva
em dispor um espaço em que ele é ouvido, considerado e exerce efetivamente sua participação
nas decisões. Nota-se ainda uma gama de espaços possíveis para inserção do orientador
profissional no Brasil, como em escolas, para isso é importante e necessário o desenvolvimento
de políticas públicas tornando possível a implementação do serviço a fim de tornar possível e
acessível essa experiência.
Logo, dada a escassez de estudos na literatura, é possível reiterar a relevância dessa
pesquisa e a contribuição para a comunidade científica, visto que a indagação aqui levantada,
proporciona reflexões quanto ao lugar social da pessoa com autismo, acrescendo novas
perspectivas de pensar ferramentas inclusivas. Ademais, infere-se a responsabilidade da ciência
1137

psicológica quanto a assistência a esse público, assumindo seu papel contra o capacitismo e
rompendo com noções excludentes.

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1139

PSICOLOGIA E RURALIDADES: uma análise sobre as principais comorbidades


adquiridas por trabalhadores rurais na comunidade de areias alvas do município de
Grossos/RN

Paulo Augusto de Souza1


Esequiel Pagnussat2

RESUMO

A temática ruralidade é um assunto de pouco interesse teórico na área de psicologia, na


atualidade essa discussão vem descentralizando o campo de atuação do psicólogo, hoje tendo
como nova possibilidade o meio rural, necessitando assim uma formação acadêmica
transformadora para atuar nesse contexto. Dessa forma, este trabalho tem o seguinte objetivo
geral, compreender como a psicologia em contexto de ruralidade ajuda na redução de danos aos
trabalhadores com multicomorbidades que podem ser adquiridos na atividade do campo.
Quanto aos objetivos específicos: a) fazer um levantamento bibliográfico sobre a psicologia no
contexto rural; b) analisar a importância da atenção da saúde primaria nas áreas rurais; c)
identificar as principais comorbidades dos trabalhadores rurais. O percurso metodológico
adotado neste trabalho é do tipo descritiva e explicativa, utilizando como instrumento de
investigação a pesquisa bibliográfica possuindo uma abordagem quali-quantitativa. Além da
pesquisa em fontes literárias, foram utilizados dados primários da comunidade rural Areias
Alvas fornecidos pelo Unidade Básica de Saúde do município de Grossos/RN. Portanto, com a
realização da pesquisa foi possível observar a escassez de estudos envolvendo a psicologia e
ruralidades, como também a importância que faz o psicólogo dentro desse contexto. Foi
possível também verificar através da literatura consequências em decorrências a atividade rural
desenvolvida pelo trabalhador ao longo de sua vida e sendo expressada através das principais
comorbidades encontradas em Areias Alvas, sendo a diabetes e hipertensão as mais frequentes
e outro fator importante foi as mulheres que mais são afetadas nesses agravos.
Palavras-chave: Psicologia. Ruralidades. Comorbidades. Areias Alvas.

ABSTRACT

The theme of rurality is a subject of great theoretical interest in the area of psychology,
nowadays this discussion has been decentralizing the field of action of the psychologist, today
having as a new possibility the rural environment, thus requiring a transformative academic
training to act in this context. Thus, this work has the following objective was defined, to
understand how psychology in the context of rurality helps in reducing damage to workers with

1
Graduando em Psicologia, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
s.augusto@academico.ifrn.edu.br
2
Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2011), mestrado
em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2014) e Especialização na
modalidade de Residência em Saúde da Família e Comunidade pela Residência Integrada em Saúde da Escola de
Saúde Pública do Ceará (2017). E-mail: esequiel.pagnussat@professor.catolicadorn.com.br
1140

multicomorbidities that can be acquired in the field activity. Regarding the specific objectives:
a) to make a bibliographic survey on psychology in the rural context; b) to highlight the
importance of primary health care in rural areas; c) identify the main comorbidities of rural
workers. The methodological path adopted in this work is descriptive and explanatory, using
bibliographic research as an instrument of investigation, having a quali-quantitative approach.
In addition to the research in literary sources, primary data from the rural community Areias
Alvas provided by the Basic Health Unit of the municipality of Grossos/RN were used.
Therefore, with the accomplishment of the research it was possible to observe the scarcity of
studies involving psychology and ruralities, as well as the importance that the psychologist
makes within this context. It was also possible to verify through the literature consequences as
a result of the rural activity developed by the worker throughout his life and being expressed
through the main comorbidities found in Areias Alvas, with diabetes and hypertension being
the most frequent and another important factor was women who are most affected in these
diseases.
Keywords: Psychology. Ruralities. Comorbidities. Alvas sands.

1 INTRODUÇÃO

A temática ruralidade ainda é um assunto recente para debate teórico na área de


psicologia, na atualidade essa discussão vem descentralizando o campo de atuação do
psicólogo, hoje tendo como nova possibilidade o meio rural, necessitando assim uma formação
acadêmica transformadora para atuar nesse contexto. Pois, a Psicologia em seu processo
histórico tem o foco voltado para os centros urbanos, tanto na produção cientifica quanto no
campo de atuação pretendido pelos profissionais, com isso a população das regiões rurais
acabava ficando desassistidos desse serviço, em virtude da dificuldade de locomoção para a
cidade.
De acordo com Leite e Dimenstein (2013), os autores discutem sobre o processo de
interiorização da profissão em campos não tradicionais, isto é, o ingresso dos psicólogos nas
áreas rurais. No Brasil esse campo de atuação do psicólogo no meio rural acontece de forma
estratégica das políticas públicas. Nos últimos anos essa integração do campo da psicologia
pode-se ver através do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Proteção Social Básica do Sistema
Único da Assistência Social (SUAS) com atuação em conjunto com as equipes de
multiprofissionais da atenção primaria e psicossocial promovendo ações sobre a saúde e
prevenção de doenças.
Nesse contexto, Leite e Dimenstein (2013) descreve de forma detalhada onde acontece
os principais meios de atuação do psicólogo no meio rural, a qual se dá por meio da Política de
Saúde, com a implantação de serviços da atenção primária em saúde e saúde mental nas
Unidades Básicas de Saúde (UBS), Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF) e Centros de
1141

Atenção Psicossocial (CAPS), e da Política de Assistência Social, com os Centros de Referência


em Assistência Social (CRAS).
Com isso, vale destacar a importância da atuação do psicólogo nesse cenário, pois é
preciso que o profissional esteja capacitado e principalmente consciente do contexto que está
inserido, sendo suas ações fundamentais para a população rural, assim facilitando a
comunicação e entendimentos sobre a saúde e as consequenciais que o trabalho rural pode
acertar ao longo da sua vida. Neste contexto, surge as seguintes problemáticas que fundamenta
o trabalho: Como a saúde primária pode intervir na redução de danos para que os
trabalhadores rurais tenham qualidade de vida no trabalho? Como os dados apontam as
comorbidades nos (as) trabalhadores (as) rurais? Qual influência/importância esses dados
têm?
A partir dessa problematização, foi definido o seguinte objetivo geral, compreender
como a psicologia em contexto de ruralidade ajuda na redução de danos aos trabalhadores com
multicomorbidades que podem ser adquiridos na atividade do campo.
Buscando facilitar o processo de investigação foram definidos os seguintes objetivos
específicos:
a) Fazer um levantamento bibliográfico sobre a psicologia no contexto rural;
b) Analisar a importância da atenção da saúde primaria nas áreas rurais;
c) Identificar as principais comorbidades dos trabalhadores rurais.
Desta forma, a escolha pela temática justifica-se inicialmente de caráter pessoal, cuja
motivação principal que induziram o interesse em desenvolver e pesquisar sobre o assunto
decorrente da vivência do campo que teve grande influência e ao decorrer do curso novos
olhares e pensamentos contribuíram para uma autonomia sobre o assunto através da realidade
e as consequências da saúde dos trabalhadores rurais.
`Em relação ao caráter acadêmico e social, a motivação norteadora se pautou no
interesse de contribuir com a literatura na área da psicologia envolvendo a ruralidade e no
contexto social a perspectiva em desenvolver um estudo voltado de forma específica para uma
região com objetivo de trazer informações sobre o assunto em beneficio a comunidade rural e
ao município. Assim, por ser um assunto de debate recente no campo da psicologia, pode-se
observar a precarização de estudos na área da psicologia e ruralidades e saúde dos trabalhadores
rurais, tendo em vista a relevância que a unidade básica tem sobre os cuidados primários em
1142

saúde, destacando-se principalmente a sua intervenção nos diversos contextos que abordam o
trabalhador rural sobre as perspectivas biológicas, psicológicas e sociais.
Além desta introdução e das considerações finais, a pesquisa está dividida em mais 3
seções. A primeira é destinada aos procedimentos metodológicos da pesquisa. A segunda é o
desenvolvimento teórico que está fundamentado em três momentos, a) trazendo uma discussão
entre a ciência psicológica, psicologia social e o processo de subjetividade de Foucault; b) a
psicologia no contexto da ruralidade; c) saúde do trabalhador e a importância da atenção
primaria. Enquanto que a terceira seção é a parte do resultado e discussão buscando analisar as
principais comobirdade da população situadas na comunidade rural Areias Alvas/ RN.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Antes de iniciar uma discussão sobre o campo da psicologia no âmbito rural, é


necessário discutir alguns conhecimentos prévios que será de alicerce no decorrer do texto.
Assim, de acordo com Gazzaniza, Heatherton e Halpern (2005, p. 4), a ciência psicológica é o
estudo e da teoria e da prática do funcionamento comportamental do indivíduo e da sua mente.
Conforme cita os autores, “A psicologia envolve o estudo da atividade mental e do
comportamento. O termo psicólogo é usado de forma ampla para descrever alguém cuja carreira
profissional envolve compreensão da vida mental ou previsão de comportamento.”.
Neste sentido, nos dias atuais a psicologia pode ser definida como uma ciência social
responsável pelo estudo dos processos mentais e do comportamento do ser humano. Assim,
Gazzaniza, Heatherton e Halpern (2005, p. 5), define que “A ciência psicológica é o estudo,
por meio da pesquisa científica, da mente, do cérebro e do comportamento.”.
De acordo com Canguilhem (1973), por anos a ciência caminhou na direção de seu
objeto. Isto é, o motivo de investigação cientifica de determinado fenômeno, o autor reflete que
esse objeto não é apenas um atuante específico, mas, é preciso considerar outras propriedades
para uma solução. Conforme descreve abaixo:

Procurou-se, durante muito tempo, a unidade característica do conceito de uma ciência


na direção de seu objeto. O objeto ditaria o método utilizado para o estudo de suas
propriedades. Mas era, no fundo, limitar a ciência à investigação de um dado, à
exploração de um domínio. Quando se tornou claro que toda ciência se dá mais ou
menos seu dado e se apropria, assim, daquilo que se chama seu domínio, o conceito
de uma ciência progressivamente fez valer mais seu método do que seu objeto. Ou,
mais exatamente, a expressão “objeto da ciência” recebeu um sentido novo. O objeto
1143

da ciência não é mais somente o domínio específico dos problemas, dos obstáculos a
resolver, é também a intenção e o alvo do sujeito da ciência; é o projeto específico que
constitui como tal uma consciência teórica. (CANGUILHEM, 1973, p. 104),

Neste sentido, a psicologia enquanto ciência caminhou para outros horizontes de base
teóricas, assim, formando um conjunto de componentes com objetivo de compreender o
comportamento humano e as funções mentais, para que seja capaz de trazer soluções tangíveis
que tragam melhorias as pessoas.

Assim, dentro do campo da psicologia existe diversas áreas de estudo científico em


virtude das ações comportamentais e funcionalidades mentais que tem sido uma problemática
na saúde tendo em vista o crescimento relativo de doenças e transtornos mentais apresentados
em diversos setores sociais. Neste contexto, pode-se descrever que algumas áreas de atuação da
psicologia como: a psicologia educacional; psicologia social; psicologia organizacional e do
trabalho; psicologia esportiva, dentre outras.
Diante disto, como interesse de investigação este estudo buscou desenvolver uma
discussão direcionada a psicologia social, pois os objetivos propostos estão relacionados a
pesquisa sobre fenômenos recorrente a determinada área rural. Assim, pode-se definir que “A
psicologia social diz respeito a como as pessoas influenciam os pensamentos, os sentimentos e
as ações das outras pessoas.” (GAZZANIZA; HEATHERTON; HALPERN, 2005, p. 496).
Enquanto que Lane (2006, p. 9), aponta que “O enfoque da Psicologia Social é estudar o
comportamento de indivíduos no que ele é influenciado socialmente.”.
Neste contexto, é valido a discussão sobre o pensamento dos autores refletindo sobre os
espaços rurais, principalmente sobre seus comportamentos. Segundo Gazzaniza, Heatherton e
Halpern (2005, p. 496), a psicologia voltada para área social alcança um extenso e variado
território, ocasionando os seguintes questionamentos: “[...] como as pessoas percebem e
compreendem as outras, como elas funcionam em grupos, por que magoam ou ajudam outras,
por que estigmatizam e discriminam determinadas pessoas, por que se apaixonam”.
De acordo com a narrativa de Lane (2006), a autora descreve de forma sucinta a
influência do comportamento humano de quando nascemos até a fase adulta, conforme pode
ser visto abaixo:

E isto acontece desde o momento em que nascemos, ou mesmo antes do nascimento,


enquanto condições históricas que deram origem a uma família, a qual convive com
certas pessoas, que sobrevivem trabalhando em determinadas atividades, as quais já
influenciam na maneira de encarar e cuidar da gravidez e no que significa ter um filho.
(LANE, 2006, p. 9-10).
1144

Em suma, o campo da psicologia social atua na análise dos fenômenos sociais que
podem ser observados, de forma clara e concisa, ajuda a compreender o comportamento do
sujeito em um determinado grupo ou na sociedade, como também seu estado mental.
Diante do que foi explanado até aqui, firmando uma compreensão sobre a ciência que
estuda o comportamento e a função da mente, torna-se valido trazer uma breve discussão sobre
um conceito de suma importância dentro da psicologia, a subjetividade. Assim, de acordo com
Spink, Figueiredo e Brasilino, (2011, p. 79), a “Subjetividade tem sido um termo bastante
utilizado pelas Ciências Humanas e Sociais, particularmente pela Psicologia, para indicar a
configuração psíquica do sujeito, a internalização do eu a partir dos processos sociais.”.
Outro autor traz a menção sobre essa característica da subjetivação, abordando aspectos
sobre o mundo interno do sujeito, conforme cita Oliveira (2021):

A subjetividade expressa algo pessoal, idiossincrático, como as intuições pessoais, o


desejo e os prazeres, mas a subjetividade também é capaz de expressar algo de
impessoal, estranho, na medida em que é reprendida pela sua experiência com o
mundo social e cultural. (OLIVEIRA, 2021, p. 11).

Michel Foucault foi um filosofo francês que trouxe importantes contribuições para o
campo da psicologia, principalmente pelas suas narrativas desenvolvidas de forma crítica sobre
questões contemporâneas, tendo como uma de suas principais teorias os processos de
subjetivação, para o autor:

[...] ao se interrogar sobre os modos de subjetivação do sujeito, não o faz por meio das
condições formais nem tampouco destaca as condições empíricas que, num
determinado momento da história, permitiram ao sujeito tomar ciência de um objeto
já dado na realidade. Foucault analisa a constituição do sujeito a partir de certo tipo
de conhecimento, ou seja, dos seus modos de subjetivação em um determinado tempo
e lugar. ( SPINK; FIGUEIREDO; BRASILINO, 2011, p. 80).

Portanto, pode-se então definir que a subjetividade discute sobre a existência do sujeito
e na teoria de Foucault esse processo decorre da experiência do sujeito em se relacionar consigo
mesmo. Enquanto que a psicologia social tem grandes contribuições para a área das ruralidades,
tema esse desenvolvido na seção seguinte, tendo como os estudos de grupos que influenciam o
meio social em que vivem e convivem no mesmo grupo, podendo o psicólogo contribuir de
forma construtiva e descontruir o que afeta negativamente o grupo ou a comunidade.
No contexto cientifico, grande parte literatura no campo da psicologia tem seus
interesses de investigação voltados para as localidades urbanas, esse enfoque dá-se em virtude
da globalização que impulsa a modernização de vários setores para poder acompanhar esse
desenvolvimento, pois essa “[...] centralização das ações da Psicologia em cidades com
1145

características predominantemente urbanas, locais de circulação do grande capital e polos de


desenvolvimento industrial”(LEITE; DIMENSTEIN, 2013, p. 28).
Alguns autores defendem a teoria em relação ao foco de atuação dos psicólogos, a qual
esse interesse nos centros urbanas acontece mediante as oportunidades que podem acontecer na
vida do profissional, seja relacionado ao mercado de trabalho quando as condições e qualidade
de vida encontradas nas cidades. Nessa perspectiva inicial, surgem o interesse como objeto de
estudo em ampliar os espaços de atuação da psicologia, procurando descentralizar os olhares
para o espaço urbano e direcionar para o meio rural.
Autores como Martins (2010), relata uma narrativa a respeito desses novos olhares para
esse campo de atuação no espaço rural em virtude de novas possibilidades profissionais,
segundo o autor “O meio rural brasileiro vem recebendo cada vez mais destaque na mídia
contemporânea, sobretudo após a emergência dos movimentos sociais espalhados pelo país,
levantando a bandeira da Reforma Agrária” (MARTINS, 2010, p. 84).
Em contrapartida, Silva e Macedo (2017) discute sobre essa relação urbano-rural
trazendo a ressalva sobre a valorização dentro do espaço rural e as limitações dentro dos espaços
urbanos. Dessa forma, os autores firmam que:

A partir dessas mudanças, os estudos e pesquisas sobre o rural, ainda desencadeados


e interpelados pelo fenômeno da globalização, recolocaram conceitos como espaço,
território, territorialidades e territorialização, repensando as relações entre campo e
cidade. (SILVA, MACEDO, 2017, p. 88).

Contudo, mesmo com essa visão direcionada à comunidade rural ainda é presente uma
lacuna referente a esse debate dentro do campo da psicologia em virtude das questões sociais
enraizada a esse grupo. De acordo com Silva e Macedo (2019), está “questão social” associada
ao contexto rural está relacionada a desigualdade, pobreza, miséria, fome, como também a
ausência de políticas e serviços públicos voltadas para essa população.
Segundo Martins (2010), a ruralidade é enxergada como um espaço social de construção
de valores de processo histórico, quando se fala de população rural traz a reflexão sobre uma
diversidade cultural como: as lutas por terra, condições financeiras, trabalho árduo, princípios
e família. Assim, não se limitando apenas ao próprio território, mas, buscando entender todos
os fatores e efeitos construídos ao longo de sua vida no campo.
Fazendo um paralelo com o autor supracitado anteriormente, Silva e Macedo (2017),
destaca a ruralidade como um lugar de vida e de trabalho, sendo desenvolvido acerca de sua
1146

diversidade e potencialidade que essa territorialidade pode oferecer, estando relacionados aos
aspectos sociais, econômicos e culturais.
De acordo com Silva e Macedo (2017), os autores trazem uma discussão inerente as
condições precárias que a população situada no espaço rural estão inserias com menores índices
de qualidade de vidas. Em contrapartida Lopes, Ferreira e Friedrich (2018), retratam a
ruralidade não apenas como um modo de característica do espaço rural, mas, sim diversificadas
expressões de subjetividade existente neste ambiente.
Assim, a ruralidade possui suas especificidades com suas dimensões próprias, dentre
elas pode-se ver as dificuldades de acesso a serviços básicos, seja por falta de condições
financeira ou seja pela sua localização que o impossibilita, especialmente de serviços de caráter
público. A história da comunidade rural tem a premissa enraizada em um menor índice de
escolaridade, trabalho infantil para sua subsistência, dependência de programas sócias e de
transferência de renda, desemprego, pouco acesso a serviços da saúde, dentre outros.
(MARTINS, 2010; SILVA; MACEDO, 2017; 2019).
Neste contexto, a identidade do povo rural é marcada pela ideia de território, processo
de produtivo agrícola, meio de subsistência e diferente interesses sociais e políticos a qual estão
inseridos, conforme pode-se ver abaixo:

No caso das ruralidades, entendidas como expressões de identidades sociais no mundo


rural, entende-se a noção de identidade territorial que passa por um processo de
ressignificação de uma noção de território herdada da modernidade para uma nova
noção associada à natureza e aos processos de produção e reprodução da vida; as
disputas territoriais expressam diversos e diferentes interesses, como rurais e urbanos
locais/nacionais/globais, entre outros; o território expressa disputas sociais e políticas
as quais são construídas identidades sociais (SILVA; MACEDO, 2019, p. 109).

Antes discutir a atuação do psicólogo dentro do contexto rural, é importante salientar


que dentro da literatura duas grandes publicações impulsionaram o desenvolvimento de novas
pesquisas dentro dessa área, principalmente deste século XXI. Sendo elas: o Caderno de
Referências Técnicas para Atuação de Psicólogos (as) em Questões Relativas à Terra, pelo CFP
no ano de 2013 e a versão revisada de 2019, e, ainda neste mesmo ano com a publicação da
coletânea de Leite e Dimenstein (2013) com a temática “Psicologia e contextos rurais”.
Dessa forma, Silva e Macedo (2019, p. 103) acredita que “a Psicologia pode instituir
ações inovadoras” dentro desse contexto da ruralidade, pois para Leite e Dimenstein (2013) a
interiorização da profissão do psicólogo dentro de campos menos desenvolvidos e não
tradicionais pode trazer uma nova realidade para essa população. Com isso, o Conselho Federal
1147

de Psicologia (CFP), discorre que a psicologia “[...] com as questões sociais se sustenta pela
exigência ética de que onde houver seres humanos sendo explorados, humilhados,
desqualificados, discriminados, aí está a real demanda para esses profissionais.” (CFP, 2019, p.
27).
Ainda de acordo com Leite e Dimenstein (2013), os autores discutem a respeito do
exercício da profissão do Psicólogo, trazendo a ideia que sua atuação no contexto rural traz uma
estruturação de serviços ligados a bem-estar e às funções comportamentais dentro de sua
realidade.
Enquanto que para Lopes, Ferreira e Friedrich (2018), a Psicologia atuando nas
comunidades rurais busca entender os problemas que originam o sofrimento psicológico e do
comportamento frente a sua realidade de vida, sendo assim a atuação profissional colabora
buscando fortificar os indivíduos em atitudes mais conscientes para sua saúde.
Dentro dessa demanda da ruralidade, o Centro de Referências Técnicas em Psicologia e
Políticas Públicas (CREPOP) criado em 2006, é responsável por elaborar referencias técnicas e
promover a qualificação da atuação do psicólogo em diversas políticas públicas. Desta forma,
“O CREPOP tem como uma de suas finalidades oferecer à categoria documentos que norteiem
o fazer profissional nos serviços, programas e políticas, demarcando também o papel ético e
político deste fazer” (CFP, 2019, p. 17).
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia (2019), discutir essa temática da
psicologia com questões relacionada a terra não é uma tarefa fácil como muitos pensam, é
preciso ter um compromisso ético e de descoberta através da sua cultura e história que
fundamenta os aspectos sociais que marca a construção de nossas subjetividades.
Entretanto, de acordo com Leite e Dimenstein (2013) mesmo que não exista uma política
pública que regulamenta a participação do psicólogo dentro dessas questões rurais, mas existe
um leque de possibilidades para o exercício dessa profissão, sendo expressadas dentro de campo
através de viés da saúde, assistência social, extensão rural, Organizações Não Governamentais
(ONG’s), cooperativas com serviços voltados a agricultura, sem deixar de destacar os
movimentos sociais agrários, como exemplo o Movimento Sem Terra (MST) e o Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA).
Ainda de acordo com os autores supracitados, mesmo com esses inúmeros meios de
atuação tem sido por ações de políticas voltadas para a saúde que o psicólogo tem efetivado sua
atividade dentro desse contexto das ruralidades. Conforme expressam os autores:
1148

No entanto, tem sido por meio da Política de Saúde, com a implantação de serviços
da atenção primária em saúde e saúde mental (Unidades Básicas de Saúde/UBS,
Núcleos de Apoio a Saúde da Família/NASF e Centros de Atenção
Psicossocial/CAPS), e da Política de Assistência Social, com os Centros de Referência
em Assistência Social (CRAS), nos municípios de médio e pequeno porte, que a
população do campo tem tido acesso de maneira mais efetiva aos serviços dos
psicólogos. (LEITE; DIMENSTEIN, 2013, p .37-38)

Por outro lado, os autores Lopes, Ferreira e Friedrich (2018) discute a respeito da relação
à campo de políticas voltadas ao Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), sendo
este responsável pela proteção social básica, sendo considerada o ponta pé inicial da população
de regiões de risco e de vulnerabilidade social para a disponibilidade de outros serviços
necessários.
Portanto, os profissionais de psicologia que atua dentro desse contexto rural devem
compreender primeiramente os fenômenos que inter-relacionado a sua história e cultura que são
enfrentados subjetivamente por cada indivíduo. Assim, possibilitando ações que não se limite
somente ao atendimento programado, mas que cause efeito para efetivação no dia a dia de cada
pessoa.
A discussão sobre a saúde do ser humano não é um assunto recente e principalmente de resposta
fácil quando o assunto é voltado a população do meio rural, que grande maioria é marcada por
questões econômicas e social ao longo de sua vida. Miranda, Duraes e Vasconcellos (2018),
enfatiza que “O debate sobre a saúde do homem ganha contornos especiais quando se trata da
saúde do homem trabalhador rural.”
De acordo com Menegat e Fontana (2010), descrevem alguns possíveis riscos
relacionados à saúde do trabalhador rural está sujeito em decorrência da vida no campo.
Podendo-se listar: acidentes com animais, ferramentas ou equipamentos, exposição a produtos
agrotóxicos, vibrações e a radiações solares, infecções, dentre outros. Assim, ocasionando
doenças ou agravos de forma física ou psicológica, como câncer de pele, envelhecimento
precoce, lombalgias, lesões musculares, problemas ortopédicos como tendinites e bursites,
hipertensão, diabetes, distúrbio psíquicos, insônias, problemas respiratórios e pulmonar,
depressão, ansiedade e diferentes tipos de cânceres em alguns casos.
Fazendo paralelo com argumentação acentuada na seção anterior ao retratar sobre a
escassez de estudos voltados a psicologia no contexto rural. Por sua vez, Dimenstein et al.
(2017), complementa a narrativa que além da necessidade acadêmica de estudos voltados a
saúde mental do trabalhador rural, pois os enfoques das questões rurais estão na maioria das
1149

vezes voltados para questões produtivas, agricultura familiar e políticas públicas. Já em relação
a saúde do trabalhador, as problemáticas são direcionadas as morbidades em decorrências ao
trabalho do campo.
Ainda de acordo com os autores supracitados Dimenstein et al. (2017), descreve a
relação das vulnerabilidades e dos problemas relacionados a saúde mental. Esses agravos têm
sido associados ao estresse, fadigas, falta de apoio social, falta de tempo e de lazer, perspectiva
de melhores condições de vida, como exemplo: condições precárias de moradia, baixo poder
aquisitivo, desemprego e também relacionado a educação, como exemplo pouca escolaridade.
Conforme relata Dimenstein et al. (2017, p. 153),

Os transtornos mentais em geral causam considerável impacto em termos de


morbidade, prejuízos na funcionalidade e capacidade produtiva, interferindo na
qualidade de vida das pessoas. Além disso, têm efeitos intergeracionais que perpetuam
o ciclo de pobreza, o isolamento e a falta de mobilidade social, particularmente nas
famílias rurais.

Neste contexto, diante do que foi argumentado até o presente momento, vale destacar a
importância que o profissional de psicologia pode trazer para o cenário rural. De acordo com
Zimath et al. (2020, p. 264), “A psicologia é uma ciência de grande relevância para a prevenção
e a promoção da saúde1 das pessoas, seu campo de atuação é extenso, essencialmente no que
se refere à saúde mental”.
Assim, fazendo uma relação entre as ideias de Dimenstein et al. (2017) e Zimath et al.
(2020, p. 265), com objetivo de alterar essa realidade da comunidade rural, foi produzida no
setor do Sistema Único de Saúde (SUS), com implementação da Portaria de nº 2.866 no ano de
2011 foi instituída “[...] a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da
Floresta (PNSIPCF) para auxiliar no bem-estar das comunidades em conjunto com as atividades
de saneamento e meio ambiente, evitando riscos à saúde”. Sendo está medida necessária
também relacionada a saúde mental desta população.
Ainda referente a essa política, Menegat e Fontana (2010, p. 1520) essa medida tem
como objetivo central:

[...] melhorar o nível de saúde dessas populações, por meio de ações e iniciativas que
reconheçam as suas especificidades, objetivando o acesso aos serviços de saúde; a
redução de riscos à saúde, decorrentes dos processos de trabalho e das inovações
tecnológicas agrícolas e a melhoria dos indicadores de saúde e da sua qualidade de
vida.

No entanto, nas abordagens discutidas pelo CFP (2019) e pelos autores Leite e
Dimenstein (2013), a população rural tem em seu processo histórico tem dificuldade de acesso
1150

a serviços básicos a saúde, mesmo com alguns avanços ocorrentes ao longo do ano, ainda é uma
parte social que necessita de mais atenção das entidades públicas, não ficando somente em
discurso e documentos, mas sim em efetivação de ações que tragam benefícios a essa
comunidade social.
Até o presente muito se tem debatido sobre os riscos e vulnerabilidade de doenças e
agravos referentes a trabalho rural. Por isso, torna-se importante trazer uma breve discussão
importância da Atenção Básica a Saúde (ABS) e das Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Neste contexto, promover a saúde não se restringe somente a espaços isolados para
procura do bem-estar físico ou mental, mas uma ação que busque a equidade, igualdade e
dignidade do ser humano, que muitas das vezes são afetadas pelos interesses políticos,
econômicos e social conforme pode se ver abaixo:

A promoção da saúde significa não somente a construção de ambientes mais


saudáveis, mas de uma sociedade mais fraterna e igualitária, em que a dignidade
humana seja intocável. Tais objetivos são abalados quando investimentos econômicos,
políticas e decisões governamentais acabam por prejudicar os direitos fundamentais
das diversas comunidades (BRASIL, 2012b, p. 48).

Desta maneira, Atenção Primária a Saúde ou Atenção Básica, independente da


nomenclatura adotada atua como agente sistematizados de medidas aos cuidados sócias,
visando atender as necessidades populacionais com objetivos de criar estratégias efetivas para
o acesso a saúde de todos.

A atenção básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito


individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de
agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a
manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte
na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes
de saúde das coletividades (BRASIL, 2012a, p. 19).

As Unidades Básicas de Saúde são de extrema importância para o acesso a saúde, pois
são instaladas em diferentes localidades de forma estratégica para atender de forma eficiente
aquele perímetro com atendimento e serviços básicos da saúde de forma gratuita. Dessa forma,
“As Unidades Básicas de Saúde – instaladas perto de onde as pessoas moram, trabalham,
estudam e vivem – desempenham um papel central na garantia à população de acesso a uma
atenção à saúde de qualidade.” (BRASIL, 2012a, p. 9).
Uma das principais características das UBS’s, é a equipe de multiprofissionais que
compõe seu campo de atuação e principalmente de acordo com a necessidade local apresentada.
1151

Pois, em seu processo de trabalho desenvolve ações aos grupos de riscos e os fatores de riscos
clínicos e comportamentais, tendo o objetivo de prevenir doenças ou evitar a agravamento de
danos evitáveis. Assim, atuando com planejamento e organização em conformidade as
demandas locais e ações intersetoriais em casos de atuação domiciliar (BRASIL, 2012a).
Por tanto, tecendo a discussão para o povo do campo, tendo em vista a exigência de
cuidados nas atividades laborais buscando prevenir contra futuros problemas à saúde, a
implementação desses pontos de apoio pode trazer vários benefícios a comunidade rural na
prevenção de possíveis riscos à saúde e agraves que podem ser evitados em virtude da
disponibilidade e o acesso a serviços importantes para sua vida.

3 METODOLOGIA

Com objetivo de compreender a psicologia no contexto rural, a presente pesquisa é do


tipo descritiva e explicativa, respectivamente. Sendo a primeira caracterizada de acordo com
Gil (2008, p. 28), “As pesquisas deste tipo têm como objetivo primordial a descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre
variáveis”. Ainda segundo o autor, a pesquisa do tipo explicativa, tem a preocupação de
identificar os fatores que contribuem para a ocorrência determinadas situações (GIL, 2008).
Como instrumento de investigação, a pesquisa teve como base a pesquisa bibliográfica
e a pesquisa documental. Neste contexto, a pesquisa bibliográfica é compreendida por Gil
(2008), como um tipo de pesquisa desenvolvida baseadas em material já elaborado e publicado,
através de, livros, dissertações, monografias, artigos, entre outras literaturas. Complementando
a discussão Marconi e Lakatos (2003, p. 158), define que “a pesquisa bibliográfica é um
apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem
capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema”. Enquanto a
documental, corresponde ao acesso de informações primarias, de acordo com Gil (2008) busca
analisar documentos de “primeira mão” como exemplo documentos e arquivos que não foram
tratados cientificamente.
Desta maneira, para a coleta de dados inicialmente se dá através da revisão bibliográfica
de fontes literárias. Para a seleção do material de estudo, acontece primeiro a “pesquisa” no
Google Acadêmico utilizando palavras-chaves como: Psicologia e Ruralidades; Saúde do
Trabalhador Rural; Comorbidades do Trabalhador Rural; SUS e Ruralidades. Após este
1152

momento, como critério de seleção dos arquivos para leitura e análise foi realizado a leitura do
título e resumo dos arquivos científicos que contém estas palavras-chaves.
O campo de análise da pesquisa é a comunidade rural Areias Alvas no município de
Grossos/RN, tendo como delimitação amostral os trabalhadores rurais desta comunidade.
Assim, o segundo momento da coleta de dados é realizado um levantamento de dados primários,
sendo repassadas informações sobre a saúde dos trabalhadores rurais em forma de porcentagem
pela Secretaria Municipal de Saúde do município de Grossos/RN disponibilizada pela Unidade
Básica de Saúde da comunidade Areias Alves.
Assim, quanto sua abordagem a pesquisa percorreu um caminho de cunho quali-
quantitativo. Na perspectiva qualitativa sendo discutido a respeito da realidade dos
trabalhadores rurais da comunidade Areis Alves, enquanto que o lado quantitativo foi
apresentado as principais comorbidades apresentadas através da coleta de dados.

4 RESULTADO E DISCUSSÃO

De acordo com Rebouças (2000), a comunidade rural Areias Alvas passou a ser habitada
por escravo aproximadamente em 1988, quando os escravos foram expulsos das cidades de
Mossoró e Grossos do Rio Grande do Norte. Em sua história, é marcada as famílias residentes
dessa comunidade sobreviviam se deslocando atrás de recursos na cidade de Mossoró, pois a
cidade de Grossos não tinha o que eles precisavam.
A comunidade Areias Alvas está localizada no município de Grossos/RN conforme
pode-se ver na figura 1.
1153

Figura 1 - Localização da comunidade rural Areias Alvas

Fonte: Autoria própria (2022)


A comunidade rural é marcada pela agricultura familiar e, também pela propriedade
cultural sendo conhecida e considerada como o Segundo maior Cajueiro do mundo, conforme
pode-se ver na figura 2.
1154

Figura 2 - 2º Maior Cajueiro do Mundo

Fonte: Acervo do autor.

Assim, com objetivo de investigar as comorbidades apresentadas nos trabalhadores


rurais da comunidade rural Areias Alvas com a colaboração da Secretaria Municipal de Saúde
do município de Grossos/RN disponibilizada pela Unidade Básica de Saúde, foram analisados
dados primários que se pode expressar o cenário dessa população.
Durante o século XX, mudanças acarretadas pelo desenvolvimento tecnológico e o
estímulo ao aumento produtivo do setor agrícola trouxe mudanças significativas a ocupação
rural dos trabalhadores, antes o processo produtivo agrícola eram marcadas pelas tarefas
manuais, hoje existe máquinas e equipamentos que reduzem essa carga de trabalho exaustivo,
mas, não deixando de necessitar de manuseio do homem.
Se antes o trabalho braçal trazia agravantes a saúde do trabalhador ao longo do tempo,
hoje existe a vulnerabilidade e os riscos presentes nesses manuseios destes meios modernos do
processo produtivo. A figura 4, retrata essa situação explanada sobre o trabalho no território
rural.
1155

Figura 3 - Trabalho Rural da Comunidade Areias Alvas

Fonte: Acervo do autor.


Assim, tornou-se necessário discutir brevemente sobre o trabalho rural, pois como
objetivo de analisar os efeitos recorrentes a essa condição de trabalho. Desta forma, foram
analisados 57 dados de pessoas fornecida pela UBS que atende a territorialidade da comunidade
rural Areias Alvas. Com isso, os resultados obtidos fundamentam uma discussão que expressa
através do gráfico 01 retratando as principais morbidades apresentadas pelos trabalhadores
rurais de Areias Alvas.

Gráfico 1 - Comorbidades dos Trabalhadores Rurais do Munícipio de Areias Alvas

COMORBIDADES

Hipertenso (a) Diabético (a)

Hipertenso (a)

Diabético (a)

0 5 10 15 20 25 30 35 40
1156

Fonte: Autoria própria.

Diante disto, através do gráfico 01 foi possível perceber que o maior número apresentado
foi a do pessoal que tem hipertensão, em contrapartida outro fator intrigante é o nível do pessoal
que são diabéticos e hipertensos de forma conjunta. De acordo com Menegat e Fontana (2010),
dentro do espaço rural é bem comum consequências decorridas do trabalho do campo ao longo
da vida do sujeito devido as suas exposições físicas e mentais. Ainda segundo os autores, o seu
contexto social através da necessidade de subsistência por vezes força maiores intensidades que
podem afetar sua saúde a médio e longo prazo, sendo a hipertensão e diabete causas frequentes
dessa decorrência.
A partir dessa narrativa, torna-se interessante investigar sobre o sexo que mais é afetado
por esses agravos decorridos ao longo dos anos mediante o trabalho e a vida do campo. Com o
gráfico 02 pode-se ver o sexo das pessoas que possuem mais comorbidades dentro da
comunidade rural Areias Alvas.

Gráfico 2 - Sexo em relação a comorbidade

30

25

20
%

15
F
10
M
5

0
Diabético (a) Hipertenso (a) Hipertenso (a)
Diabético (a)
COMORBIDADE

Fonte: Autoria própria.

Com a exibição do gráfico 2, pode-se visualizar de maneira geral através do


levantamento de informações que as mulheres são as que mais sofrem com esses agravos a sua
saúde, sendo a expressado significativamente a diferença entre o sexo oposto. Uma das
possíveis causas que pode explicar tal resultado está associado as múltiplas jornadas da mulher
1157

do campo, conforme expressa Herreira (2013), além do serviço doméstico que muitas vezes são
intituladas e assumida sua responsabilidade, as mulheres também realizam atividades
produtivas agrícolas e, além disso é principal cuidadora da família, triplicando sua jornada de
serviço, que além das comorbidades pode ocasionar problemas mentais, como estresse elevado,
ansiedade e depressão.
Em suma, o trabalho desordenado da população do campo traz consequências futuras a
sua saúde, as condições de trabalhos que são expostos podem trazer inúmeras agravantes
referentes ao manuseio de produtos químicos, máquinas e equipamentos e a extensa carga
horaria de atividade e esforço físico que são exaustivas. Ao contrário da carga física, os lados
psíquicos são fortemente afetados, por exemplo a necessidade de garantir o meio de subsistência
e de sustento seu e de sua família.
De acordo com Costa Neto e Dimenstein (2017, p. 1656), em relação aos efeitos
psicossociais em decorrência a ruralidade, os autores descrevem alguns fatores que norteiam a
compreensão, como: “A fome, violência, traumas, dor, humilhação, e falta de reconhecimento
vividos por segmentos sociais subalternizados podem se configurar como fatores mediadores
de sofrimentos variados.”.
Desta forma, a saúde do trabalhador não deve ser considerada apenas como mais caso
decorrente do trabalho do campo, mas considerar os fatores que fundamenta esse adoecimento.
Segundo Costa Neto e Dimenstein (2017, p. 1657), “Considerar o cuidado em uma perspectiva
psicossocial implica no alargamento do conceito de saúde, contemplando a variedade de
determinações que produzem os processos de saúde-doença.
Neste contexto, Silva e Macedo (2019), desenvolve o argumento que essa complexidade
envolvendo o campo ruralista está associado as subjetividades dessa população frente a sua
realidade de vida. Conforme complementa Silva e Macedo (2010, p. 10):

[...] O sofrimento ou mal-estar psicossocial, produzido a partir das condições de


existência; responsável por corroer o sistema de resistência social e romper, por meio
da supressão da emoção e da anulação do pensar na atividade, o nexo entre pensar,
sentir e agir. Nesse processo, a consciência é entendida não apenas na forma de
conhecimento explicativo, mas no aspecto intuitivo-emocional que traduz ou expressa
certa visão de mundo e acaba facilitando espaços para inclusão dos desejos,
necessidades e emoções no processo de conscientização.

Na mesma proporção que Lopes, Ferreira e Friedrich (2018), falam que essa questão
social apresentada pela população rural não deve se limitar apenas em casos específicos, mas,
1158

principalmente na coletividade. Exemplo disso é o campo de atuação que tem seus enfoques
voltados a área urbana, que segundos os autores em raciocínio com Leite e Dimenstein (2013)
existe ainda uma necessidade de aprofundamento teórico e investigativo as questões
relacionadas a ruralidade e principalmente a atua do campo da psicologia neste contexto, sendo
foco de investigação.
Assim, a atuação do campo da psicologia em situações apresentadas como essa da
comunidade rural Areias Alvas, pode ser entendida através do olhar do psicólogo na
conscientização, orientação e da saúde física e da procura cotidiana do bem-estar. Vale salientar,
de modo nenhum, o psicólogo vai trazer a cura para esses efeitos decorrentes ao trabalho do
campo, pois são consequências geradas ao longo de sua trajetória. Mas, sua atuação ajudara em
novas práticas saudáveis e conscientes do seu corpo e da sua mentalidade.
De acordo com o direcionamento do Conselho de Psicologia, o campo de atuação do
psicólogo no espaço rural torna-se necessário na busca de melhorias e benefícios a qualidade
de vida desses sujeitos, que ao longo de sua vida e até nos dias contemporâneos são parcelas
sociais excluídas e abandonados.
A atenção básica em análise, são compostas por ações em saúde, tanto no contexto
coletivo e individual, propõe um olhar integral de efeito positivo nas demandas de saúde da
população, buscando diminuir as circunstâncias das pessoas em vulnerabilidade, determina e
decide de forma precisa, o importante papel do (a) psicólogo (a) nesse contexto de atuação,
como traz um dos princípios fundamentais do código de ética do psicólogo: II. O psicólogo
trabalhará visando a promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e
contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão (CFP, 2019).
O serviço de atenção primária a saúde conforme foi vista no capítulo anterior, traz
melhorias no acesso a saúde do cidadão e quando voltamos os olhares para a população rural,
vários benefícios correspondem a assistência frente as demandas por diferentes serviços de
saúde, conforme expressa Costa Neto e Dimenstein (2017, p. 1661),

Nesta perspectiva, pensando nas populações rurais, a atenção primária em saúde se


destaca como nível de atenção que permite imersão no território onde as populações
vivem, o reconhecimento das necessidades de saúde e dos processos de determinação
social da saúde.

Diante disso, segundo Dimenstein et al. (2017), no que remete a políticas públicas
destinadas a saúde mental, não existe nenhuma regulamentação legislativa ou normativa que
1159

aborda a atenção e o cuidado a população rural. Como parte social coletiva, essa população
possui necessidade particulares associadas à sua saúde que requer atendimentos especializados.
Por fim, a psicologia social tem grandes contribuições para essa área das ruralidades,
como os estudos de grupos que influenciam o meio social em que vivem e convivem no mesmo
grupo, podendo o psicólogo contribuir de forma construtiva e descontruir o que afeta
negativamente o grupo ou a comunidade. A observação do psicólogo diante da influência de
sindicatos, grupos rurais e comunitários, na UBS com intervenções sociais para determinado
público, movimentos sociais em prol de causas necessárias e a busca constante do bem-estar
biopsicossocial, são algumas das contribuições positivas associadas ao contexto rural.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto até aqui, o presente trabalho buscou compreender como a
psicologia no contexto da ruralidade contribui na redução de danos aos trabalhadores com
multicomorbidades que podem/são adquiridos na atividade do campo. Desta forma, com a
realização da pesquisa através dos dados fornecidos da UBS da comunidade rural Areias Alvas
e a relação qualitativa fundamental na bibliografia selecionada, foi possível alcançar ao objetivo
principal onde a psicologia e o trabalho do psicólogo traz significantes benefícios para essa
comunidade através da transformações e desconstrução de contextos que afetam o meio
biopsicossocial.
Em relação as propostas específicas, fazendo um levantamento teórico da psicologia no
contexto rural, foi possível observar ainda a necessidade de desenvolver estudo mais eficazes e
frequentes do campo da psicologia com esse território de possibilidades que é a psicologia nos
contextos rurais e relativas as questões da terra. Assim, a atuação psicológica se caracteriza pelo
acolhimento individual ou comunitária e independente disso, sua ocupação traz importantes
intervenções para essa população que são carentes de serviços especializado a saúde mental.
Desta forma, ao analisar a importância da atenção da saúde primaria nas áreas rurais, foi
possível observar a relevância dos mesmos em virtude da facilidade de acesso a serviços básicos
relacionados a saúde de forma gratuita, tendo em vista que antes essa população acabava sendo
excluída em virtude das dificuldades de locomoção, condições financeiras dentre outros
problemas associados as questões rurais.
Com o tratamento das informações coletadas da comunidade rural, foi identificado as
principais comorbidades apresentadas entre as mais presentes a diabetes e a hipertensão, como
1160

também foi possível ver que as mulheres são as que mais sofrem com esses reflexos do trabalho
rural. Alguns autores na literatura descrevem outros agravantes associados a condição de
trabalho do campo, como exemplo lesões musculares e problemas ortopédicos, questões
relacionada a saúde mental em decorrência a preocupação da vida sofrida que muitos passam,
a vulnerabilidade e riscos de acidentes, exposição a produtos tóxicos, ambiente e infecções.
Contudo, levando em consideração o a literatura abordada, juntamente com o Centro de
Referências Técnicas em psicologia e Políticas públicas (CREPOP) que lançou no ano de 2019
o livro de referências técnicas para atuação de psicólogas (os) em questões relativas à terra, a
psicologia contribui com diversos fatores que possibilitam a psicoeducação sobre o trabalho e
as precariedades que podem ser resolvidas diante de movimentos sociais com as associações
dos trabalhadores rurais, que os mesmos pagam mensamente para obter a aposentadoria por lei,
psicoeducar sobre os problemas que relacionam a saúde mental, dando suporte de escuta e
orientação para os (as) trabalhadores (as) do campo, fazer intervenções que possam contribuir
não somente para o trabalho que já se faz presente na vida dessas pessoas, e sim, trazer
contribuições benéficas de bem-estar nos fatores psicológico, biológico e social.

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1163

POSSÍVEIS DANOS QUE A EXPOSIÇÃO EXCESSIVA DE CRIANÇAS NAS REDES


SOCIAIS E O IMPACTO NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Camila Tereza Amorim e Silva1


Helena Maria da Silva Jales2
Marina Clara Soares Costa 3
Karidja Kallianny C. F. Moura4

RESUMO

Com a propagação do uso das redes sociais, no compartilhamento de informações, resultado de


um novo modelo de relação sociocultural advinda da sociedade contemporânea que vivemos,
na qual valores foram alterados, assim progenitores se veem no direito de publicação de
imagens e vídeos da criança em sua rotina, até os seus momentos mais íntimos e reservados. As
novas definições de sucesso foram incorporadas ao consumismo exagerado, reflexo do apelo
da mídia nesse espaço de exibicionismo, no qual logo foi notado por empresas e pais no intuito
de retorno financeiro que optaram por profissionalizarem seus filhos, colocando-os no centro
desta engrenagem capitalista. Assim, por meio deste estudo procuramos identificar os possíveis
danos ao desenvolvimento infantil que de fato ocorrem em virtude a exposição excessiva da
imagem da criança nas redes sociais. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica a artigos científicos,
livros e textos disponíveis online para a elaboração do presente documento. Visualizamos a
estreita relação entre a visibilidade infantil no Instagram e as práticas relacionadas ao consumo,
onde os que deveriam oferecer proteção, acabam por expor a criança aos perigos que vão desde
a adultização infantil, o que pode ocasionar danos ao delicado processo de construção da
personalidade, podendo representar ameaça a intimidade, à vida privada, direito a imagem,
prejuízos em outras esferas do desenvolvimento infantil e até estarem sujeitos a ação de
pedófilos. Por fim, cabe aos progenitores mais responsabilidade na hora de expor seus filhos, a
fim de garantir seu direito ao desenvolvimento saudável, com muita brincadeira, imaginação e
criatividade.
Palavras-chave: redes sociais; desenvolvimento infantil; adultização infantil; pais;
consumismo.

ABSTRACT

With the spread of the use of social networks, in the sharing of information, the result of a new
model of sociocultural relationship arising from the contemporary society we live in, in which

1
Graduanda do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
camilla.tereza@hotmail.com
2
Graduanda do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
lenajales2013@hotmail.com
3
Graduanda do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
marina.clarah@gmail.com
4
Doutora em Ciências/Professora da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
extensão@catolicadorn.com.br
1164

values have been changed, thus parents see themselves in the right to publish images and videos
of the child in his routine, even his most intimate and private moments. The new definitions of
success have been incorporated into the exaggerated consumerism, a reflection of the media's
appeal in this space of exhibitionism, which was soon noticed by companies and parents who
opted to professionalize their children for financial return, putting them at the center of this
capitalist gear. Thus, through this study we sought to identify the possible damage to child
development that actually occurs due to excessive exposure of children's image on social
networks. We used bibliographic research to scientific articles, books and texts available online
for the elaboration of this document. We visualize the close relationship between the visibility
of children on Instagram and practices related to consumption, where those who should offer
protection, end up exposing the child to dangers ranging from child adulthood, which can cause
damage to the delicate process of building personality, and may represent a threat to intimacy,
privacy, image rights, damage in other spheres of child development and even be subject to the
action of pedophiles. Finally, it is up to the parents to be more responsible when exposing their
children, in order to guarantee their right to a healthy development, with lots of play,
imagination, and creativity.
Key words: social networks; child development; child adulthood; parents; consumerism.

1 INTRODUÇÃO
O desenvolvimento humano se atém aos processos de mudanças e estabilidade por todos
os períodos do ciclo da vida, ou seja, o ser humano está em um processo contínuo de
desenvolvimento, em constante evolução (PAPALIA; FELDMAN, 2013). Os domínios do
desenvolvimento se encontram no campo físico, cognitivo e psicossocial. Neste distinto estudo,
vamos utilizar de base teórica-metodológica o amadurecimento típico do período de
desenvolvimento na primeira infância (0 aos 3 anos) e segunda infância (3 aos 6 anos) ainda de
acordo com os autores já citados.
Com o crescimento do uso das redes sociais pela população, onde há o
compartilhamento de sua vida íntima por meio de fotos, vídeos e mensagens e assim, acabam
por compartilhar a vida de seus filhos. Para Monaquezi (2021) em muitas ocasiões os pais
passam a ver os seus filhos como propriedades, confundindo autoridade de pais, como direito
de posse. Sem o consentimento dos filhos, que ainda não tem cognição para compreender o
nível de exposição, e que, todo este material compartilhado estará à disposição dos usuários por
toda a sua vida. A sociedade brasileira de pediatria (SBP, 2021) faz um alerta: “Pais que optam
por não compartilhar conteúdos de seus filhos na internet preservam a saúde mental futura dos
menores”. A publicação de fotos e vídeos nas redes online, podem até ser realizadas na
inocência, mas nunca se sabe o que os indivíduos que estão tendo acesso a este conteúdo irão
fazer. A malícia existe no mundo, então cabe aos responsáveis pelos pequenos resguardar e
assegurar a sua proteção.
1165

A violência é um problema social de dimensão global. A internet como uma rede de


fácil acesso a todos, é utilizada como veículo de comunicação e informação aberta e pública.
Muitos profissionais da saúde aconselham que crianças e adolescentes não devem ter vida
pública nas redes sociais (SBP, 2021). Pelo simples fato de que não sabemos quem está a
visualizar o material compartilhado, e por uma falta de critérios de segurança e privacidade que
as redes sociais ainda sofrem, estes conteúdos podem estar sendo distorcidos e adulterados por
indivíduos mal-intencionados, que acabam fornecendo este material a grupos de pedófilos e de
pornografia por todo o globo (CRESCER, 2021).
Dessa forma, o presente estudo busca responder a seguinte questão de pesquisa: Como
o desenvolvimento infantil pode ser afetado com a exposição excessiva da imagem da criança
nas redes sociais?
Assim, o estudo tem como objetivo, através da revisão da literatura, identificar os
possíveis danos ao desenvolvimento infantil perante a exposição excessiva da imagem da
criança nas redes sociais.
A relevância dessa pesquisa está pautada na importância em reconhecer e alertar aos
pais, responsáveis e a sociedade em geral, que o compartilhamento da imagem de seus filhos
e/ou crianças de forma exacerbada nas mídias sociais, pode acarretar possíveis danos ao
desenvolvimento infantil. O que pode permitir melhor compreensão do atual contexto na área,
o uso das mídias sociais e os perigos no qual ficamos à mercê com tal exposição, bem como
proporcionar discussões acerca do desenvolvimento infantil, atrelado às redes sociais. Esta
pesquisa também visa complementar a literatura precedente, como os estudos realizados por
Martins (2019) que revelam como os pais compartilham suas experiências parentais e a vida de
seus filhos de forma mais íntima, a rotina da criança é exposta através de fotos, vídeos e textos,
nos quais constam informações acerca do ato de brincar e ir à escola, o que comem, o que
vestem, os lugares que frequentam, dentre outras, informações estas, que são colocadas na rede
de internet onde milhões podem ter acesso.
O presente estudo encontra-se estruturado em seções. Está primeira aborda a temática
explorada, de forma contextualizada, e define seus objetivos, relevância e contribuições: a
segunda discute os trabalhos científicos já realizados, utilizados como base teórica,
evidenciando os resultados obtidos a partir da base de dados coletados: a terceira demonstra a
metodologia aplicada: e por último, a quarta apresenta as considerações finais.
1166

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 REDES SOCIAIS

Vivemos em uma sociedade conectada. As redes sociais são uma realidade para as
diferentes camadas sociais, a facilidade em compartilhar informações, imagens, conteúdos e o
dia a dia é algo que se tornou rotina para boa parte das pessoas.
Todas as gerações estão conectadas a internet e sua grande maioria está presente nas
redes sociais. Atualmente já temos a geração denominada de Nativos Digitais, expressão criada
pelo educador Prensky (2001), que são os jovens que já nasceram em um ambiente digital e
estão cercados por aparelhos tecnológicos como celulares e tablets. Para Prensky essa geração
são “falantes nativos” da linguagem digital dos computadores, videogames e internet.
Costumamos ver como é comum as crianças com pouca idade já saberem usar dispositivos
eletrônicos de forma tão eficaz e resolutiva. Isso é o resultado de uma geração que nasceu em
uma era que o mundo já se encontrava totalmente digital.
Já para a geração que vivenciou a mudança para a era digital, o autor chama de
“imigrantes digitais”, que são as pessoas que precisaram se adaptar ao ambiente digital e
aprender como se usa as tecnologias. Geralmente é a geração de quando a internet e os
dispositivos digitais começaram a surgir tiveram que se adaptar para conseguir sobreviver a um
mundo digital.
Os pais atuais estão encaixados na ideia dos imigrantes digitais. Com o acesso às redes
sociais, compartilham o dia a dia e o que é muito comum de acontecer também é o registro dos
primeiros anos dos filhos através de perfis. Já era comum aos pais registrar o desenvolvimento
de seus filhos e organizar essas informações em álbuns de família, e mostrar para todas as visitas
a intimidade de seu filho com certo orgulho das conquistas e crescimento da criança, deste
modo, ainda que não tivesse a autorização da criança para tal exposição, mas se tratava de um
ambiente controlado. No ambiente digital, o alcance dessas imagens é bem mais amplo, em
que podemos observar alguns pais que criam perfis para recém-nascidos e passam a filmar a
rotina da criança. Tal prática chega a ser polemizada, pois a criança não tem a escolha de
resguardar a sua imagem e muitas vezes não é medido quais consequências essa ação de
compartilhamento pode trazer. Costumamos ver na mídia e principalmente na internet a
espetacularização que alguns pais fazem de seus filhos. Alguns passam a ser forçados a tomar
1167

certas atitudes para que o vídeo ou foto saiam bons, e assim cometendo atitudes abusivas com
a criança.
Diante de tais atitudes cabe lembrar a sociedade que desde 1990, ano de criação do
Estatuto da criança e do adolescente (ECA), onde se é reconhecidos e resguardados por lei no
qual estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à dignidade, o respeito, estar a salvo de
qualquer tipo de negligência, exploração, violência, crueldade e opressão. Onde cabe a seus
responsáveis a sua proteção, por se tratar de sujeitos que estão vivendo um intenso processo de
desenvolvimento físico, psicológico, moral e social. (BRASIL, 1990)
Essa prática dos pais fazerem compartilhamento de imagens dos filhos nas redes sociais
ganhou o nome de “shareting” que é a junção das palavras “share” que significa “compartilhar”
e “pareting” que significa “parentalidade”. O termo foi criado por um jornalista do veículo
americano The Wall Street Journal em 2012 (ORESTEIN, 2017).
O termo surgiu com as redes sociais e coloca a ideia do compartilhamento que os pais
fazem com o desejo de exibir o que os filhos representam no ambiente familiar. As postagens
realizadas são diversas, do momento do nascimento, introdução alimentar, primeiros passos,
aniversários, viagens, relação com os animais de estimação, entre outros. Esse formato ajuda os
amigos e familiares que estão distantes a participarem através do meio digital do crescimento
da criança.
De acordo com reportagem publicada pela Revista Crescer, uma pesquisa realizada pela
AVG, empresa fabricante de softwares de segurança, diz que 81% dos bebês com menos de 2
anos já têm algum tipo de perfil na rede com imagens disponíveis.

O estudo foi feito com 2200 mães que vivem nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra,
França, Alemanha, Itália, Espanha, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Entre os dados
da pesquisa, destaca-se o alto índice de presença online dos menores de dois anos nos
Estados Unidos: 93%. Já na União Europeia, esse percentual cai para 73%. Outros
dados que também chamaram a atenção: 7% dos bebês e crianças pequenas têm um
endereço de e-mail criado pelos pais e 5% tem perfil em rede social (CRESCER, 2015,
n. p.).

2.2 A EXPOSIÇÃO DA IMAGEM INFANTIL EM UM AMBIENTE CONTROLADO

A maioria dessas exposições acontecem na rede social “Instagram”, uma ferramenta que
permite compartilhamento de fotos e vídeos. A própria rede social determinou em suas
1168

diretrizes um controle de idade para o uso, e os perfis infantis precisam ser monitorados pelos
pais. Com essa política de acesso muitos perfis de milhões de seguidores foram extintos. Apesar
da atitude da rede social, na qual demonstra sua posição diante de resguardar a imagem do
público infantil, o mesmo, não acontece por parte dos pais e/ou responsáveis, já que eles criam
perfis com os seus dados, mas as publicações ainda são de conteúdo que expõe a intimidade de
seus filhos, dando continuidade ao problema.
Em muitos casos a exposição começa mesmo na fase intrauterina, no qual a criança
começa a ser exposta mesmo antes de ter nascido. Esse compartilhamento a partir do conteúdo
dos pais geralmente atinge a um público adulto que tem interesse em acompanhar todos os
passos da maternidade. A rotina, o dia a dia da criança e até mesmo momentos restritos a família
é compartilhada nesse espaço. Os pais detêm do poder de escolha de como a criança irá
aparecer. Tornando a sua rotina planejada para ser exibida nas redes sociais.
A imagem e o tipo de conteúdo são moldados a partir do que o público deseja consumir,
buscando sempre bons resultados em números e até lucros a partir do que postam em suas
páginas. A exposição acaba se tornando profissionalizada, pois essa exibição e conteúdo
produzido começa a trazer benefícios e atrair marcas que desejam fazer publicidades com a
imagem da criança, que acaba se inserindo num ambiente adulto e tendo responsabilidades
incompatíveis com a sua idade.
A profissionalização do trabalho nas redes sociais é mais conhecida como “influencer
digital”, no qual o influenciador tem seu conteúdo voltado para um público determinado e a
partir disso, empresas fecham trabalhos para divulgação em seus perfis. As crianças não podem
ser consideradas influenciadores digitais, pois não são elas que manipulam as suas imagens e a
sua presença neste mundo digital, na verdade, elas têm a suas imagens utilizadas por seus pais
para angariação e visibilidade pelos meios publicitários:

O menor torna-se uma “ferramenta comercial” para o progenitor que deseja monetizar
a exposição do dia a dia dos filhos na Internet. Nesse sentido, a exposição de crianças
em tenra idade é ainda mais preocupante, pois elas não possuem discernimento
suficiente para identificar possíveis arbitrariedades cometidas por seus pais, os quais,
podem chegar a submeter os filhos a incidentes humilhantes e vexatórios (MARUM,
2020, p. 96).

O discernimento do conteúdo é totalmente controlado pelos pais, mas vale salientar que
o exercício das responsabilidades parentais não constitui um direito subjetivo dos pais, mas
antes um dever funcional a eles incumbido, através do qual os progenitores têm a obrigação de
1169

garantir o desenvolvimento integral dos filhos menores. Porém, a criança não tem poder de
decisão em muitos casos sobre aparecer ou não, e algumas acabam se levando pelo mundo
adultizado e glamourizado que a influência digital proporciona.

2.3 ADULTIZAÇÃO INFANTIL

A adultização é a aceleração das fases da vida, como o próprio nome diz, adultizar é o
ato de dar ou tomar caráter de adulto, não dando a criança a oportunidade de vivenciar de forma
adequada todas as etapas do desenvolvimento infantil. Faz a criança atravessar as etapas de seu
desenvolvimento de forma a antecipar seus aprendizados, dando-lhe uma estimulação
inadequada, levando-a a entrar no mundo adulto, antes de estar com o desenvolvimento físico
e psicológico completo. Uma criança é submetida à adultização em muitos contextos e de
muitas formas distintas, tanto de forma planejada e intencional quanto de forma não proposital.
O desenvolvimento humano ocorre a partir do nascimento e percorre toda a vida do
indivíduo até a sua morte (PAPALIA; FELDMAN, 2013). É necessário entender a importância
de viver cada fase, a infância é a primeira etapa do desenvolvimento de uma pessoa. Em sua
obra O Desaparecimento da Infância, Postmam (1999, p. 18) alega que “Para onde quer que a
gente olhe, é visível que o comportamento, a linguagem, as atitudes e os desejos - mesmo a
aparência física - de adultos e crianças se tornam cada vez mais indistinguíveis”. Em que as
fronteiras entre o mundo adulto e o mundo infantil estão desmoronando.
Sendo um fenômeno social, a adultização infantil é reforçada por várias tendências que
rouba das crianças uma etapa da vida que não volta mais (POSTMAM, 1999). Essa exposição,
ainda na infância, a ambientes, experiências e conteúdo que pertencem a um universo que não
corresponde a idade da criança (CHILDHOOD BRASIL, 2016), faz com que ela pule fases da
vida, mesmo que não esteja preparada para tais experiências. A infância que já é um período
curto de desenvolvimento, com esses novos comportamentos adotados, pode se passar
despercebida, uma vez que se antecipe a fase adulta (KALAMAR; CASTILHOS, 2020). Talvez
as razões não estejam sendo percebidas pela sociedade e nessa ausência de percepção, a
adultização é alimentada e a infância roubada (POSTMAM, 1999). Esses acontecimentos são
preocupantes, e essa problemática está intrinsecamente ligada ao modelo de sociedade em que
vivemos hoje.
1170

Todas as etapas em que uma pessoa vive, desde o seu nascimento, irá lhe promover
experiência e preparação para uma vida adulta. Não vivenciar a experiência de uma infância
verdadeira traz consequências negativas ao desenvolvimento emocional infantil. A criança que
não vivenciou a experiência de conquistas e derrotas, de uma vida social comum a este período
de sua vida, pode vir a acarretar na fase adulta sentimentos de angústia, estresse, depressão,
ansiedade, sentimentos de inadequação e crise de identidade (CHILDHOOD BRASIL, 2016).
Além de que, uma criança que não aproveita a infância de forma adequada ao seu
desenvolvimento, pode se tornar um adulto infantilizado. Por não ter experimentado alguns
processos necessários na infância, quando adulto sente a falta desta vivência a qual não teve
acesso e acaba a ter comportamentos infantis e uma baixa inteligência emocional.
Amadurecer no tempo certo é essencial para uma vida adulta com a saúde mental
preservada. Mas as crianças são expostas a experiências as quais não estão prontas
emocionalmente para lidar com elas. São apressadamente forçadas a lidar com artifícios de
questões físicas, psicológicas e sociais da vida adulta, mesmo não estando prontas para enfrentar
essas situações (BUCKINGHAM, 2006).
A exposição ao consumismo exacerbado, encabeçados por atores sociais como
publicidade infantil, sociedade do consumo, e até mesmo por seus próprios responsáveis que
expõe a criança a reproduzir padrões inapropriados para sua idade (LUNETAS, 2018). Muitas
crianças vivem com a agenda lotada, como mini adultos, as vezes com mais compromissos que
os próprios adultos. Essa adultização precoce faz as crianças crescerem com valores morais
distorcidos, vemos crianças com muitos compromissos e responsabilidades, assim como
crianças preocupadas com cuidados com o corpo e aparência (WEBER, 2016), frequentando
salão de beleza, usando salto alto, se vestem com fantasias de adultos em miniatura, roupas
sensuais, muitas vezes de marcas famosas e caras, são um reflexo destes estímulos. Tomando
espaço na sociedade a nova ditadura da moda e dos padrões adultos sobre a infância. De acordo
com a Childhood Brasil:

A mídia e a publicidade são grandes responsáveis por essa erotização precoce ao


reforçar a cultura machista que objetifica a mulher desde a infância e expõe a diversos
tipos de violência. É cada vez mais comum o surgimento de casos de assédio sexual
contra meninas ou meninos, principalmente nas redes sociais (2016, n. p.).

O modo que a sociedade atual vive, está atrelada a uma quantidade enorme de
informação, marcado pela tecnologia cada vez mais avançada. É notável quando uma criança
1171

tem a fase adulta introduzida precocemente, tem o mesmo acesso às informações que os adultos,
apresentam interesses pelos mesmos gostos e frequenta os mesmos círculos sociais. Já dizia
Postmam (1999), quando a criança é adultizada, não há mais distinção entre elas e os adultos
na orientação social, na linguagem e nos interesses. E os meios de comunicação com suas
propagandas encantadoras despertam um grande interesse do público infantil em relação ao
consumismo (KALAMAR; CASTILHOS, 2020). Esse marketing voltado para as crianças, faz
com que elas se imaginem naquele mundo de fantasia a que foi apresentada, e como não tem
maturidade para distinguir que o que está sendo vinculado, não é real, se instaura a falsa
necessidade por possuir tais produtos, ocorrendo a hipervalorização do consumismo.
As crianças são estimuladas a comportamentos que não condizem com sua idade e que
se ocupam de uma rotina de responsabilidades antecipadas e que desconsidera marcos
importantes para o seu crescimento e desenvolvimento, como o brincar. Os pequenos não têm
tempo para fantasiar e experimentar o mundo e perdem a noção do que é ser criança, é preciso
satisfazer também a sede de brincar:

A brincadeira é um elemento indispensável para uma infância feliz e um importante


instrumento de socialização. Entre os benefícios das atividades lúdicas, especialmente
durante a primeira infância, estão o desenvolvimento da autoestima, o estabelecimento
de vínculos com os pais e o aumento da capacidade de sentir empatia pelos outros.
Pelo brincar, as crianças também aprendem a lidar com problemas, resistir à pressão
de situações adversas e a viver em sociedade. (AGÊNCIA SENADO, 2016, n.p.).

O brinquedo tem uma função importante no desenvolvimento da criança, sendo portador


de elementos reais e imaginários que permeiam o mundo infantil, Lira e Ferreira nos faz lembrar
que “o quanto a criança faz uso do imaginário na compreensão de si mesma e do mundo como
um todo” (2015, p. 5). Por ter uma versatilidade, o brinquedo pode aparecer em diferentes
locais no ato de brincar, é um objeto aberto que a criança se lhe for permitido, a uma brincadeira
não condicionada ou pré-determinada, a ação infantil junto ao brinquedo transpassa o
imaginário. Ele possibilita que a criança crie novas formas e em seu desenrolar, produza efeitos
imprevisíveis. (PADILHA, 2015).
Sem brinquedos, sem espaços lúdicos, interrompe-se o desenvolvimento. É nessa
atividade que se descobre a convivência com outras pessoas, entende-se a autonomia e estimula-
se a imaginação. Desde 1959, a ONU por meio da Declaração Universal dos Direitos da Criança
reconhece que brincar é um direito fundamental para o desenvolvimento infantil. Esse direito
1172

também foi fortalecido pela Convenção dos Direitos da Criança de 1989 e também está presente
no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990).
Ainda para Padilha (2015) o cinema, os vídeos e os jogos de computadores desenham
novos ídolos infantis, que passaram a representar a criança e consequentemente passa a ter uma
grande influência na construção de sua identidade. Esses personagens juntamente com
indústrias especializadas em produtos infantis, como os de brinquedos, exploram essa forte
representação na vida da criança, induzindo ao consumismo, e que estão sempre se
reformulando para permanecer presente no cotidiano infantil.
Por meio da mídia as crianças têm acesso mais fácil às informações, ela é atrativa por
ser colorida, interessante e convidativa. Como a mídia faz parte do dia a dia das crianças, elas
acabam sendo influenciadas por ela, imitando o que veem (HENSEL, 2015, p. 16). “Esse
deslumbramento com a tela e a máquina faz com que a criança se adapte a uma nova
configuração de brincar”.
Na atualidade, os problemas contemporâneos, desencadeou uma ansiedade nos pais em
relação à violência e ao alto tráfego de veículos nas ruas, o que fez a liberdade infantil diminuir
drasticamente. A educação, por sua vez, passou a ser o “trabalho” da infância. Um ofício e
obrigação a serem cumpridos. (BUCKINGHAM, 2006) Assim, as crianças encontram-se mais
confinadas em casa, com mais compromissos e obrigações, com atividades extracurriculares
que preenchem todo o seu dia. Segundo o mesmo autor, nas classes mais favorecidas é comum
que as crianças tenham rotinas rígidas com aulas de inglês, esportes e música. A educação
parece ser, portanto, o trabalho da infância, e não se pode permitir que este se interrompa quando
as crianças saem da sala de aula. Postmam (1999, p. 167) nos lembra “Não é concebível que
nossa cultura esqueça que precisa de crianças. Mas está a caminho de esquecer que as crianças
precisam de infância”.
Seja qual for o modelo que funciona em cada família, cabe avaliar que essas decisões
são sempre tomadas pelos adultos que cercam a criança, afinal, enquanto ser em
desenvolvimento, os pequenos têm pouco ou nenhum poder de escolha, Ou seja, todo o processo
de adultização que prejudica as etapas do desenvolvimento infantil, principalmente por ocorrer
o afastamento de exercícios essenciais para a evolução das relações afetivas, processos
cognitivos, habilidades motoras e de linguagem, são ações que partem das escolhas do
responsável pela criança. Portanto, é preciso considerar os impactos desses processos em seu
1173

desenvolvimento, já que as crianças estão o tempo todo sujeitas ao que os outros decidam por
ela.

2.4 PERIGO DAS REDES

Há diversos perigos nas redes sociais, no uso da internet em si, configura-se em


cibercrimes (Crimes Cibernéticos), são de certa forma mais fáceis de serem cometidos porque
muitas vezes os próprios usuários das redes fornecem as informações necessárias para que este
tipo de ato criminoso seja cometido. Em se tratando de publicações de fotografias, vídeos, e
informações de caráter íntimo, realizadas no mundo online, estamos sujeitos a sermos de
pessoas mal-intencionadas.
As crianças são consideradas alvos fáceis, e devido ao advento da internet facilitou
muito para que crimes como a pedofilia fosse cometido, pois transmite uma sensação de
impunidade mediante a possibilidade de anonimato, dificultando a sua localização (MORAIS,
2018), o que é muito preocupante. Essa violação contra a criança tem nome, é ciberpedofilia. A
internet facilitou a vida de muitos pedófilos, tendo em vista que se ampliaram os meios de
abordagem utilizados por esses para o cometimento do crime de pedofilia.
Vale salientar que a pedofilia é considerada uma doença, se enquadra dentre os
transtornos mental sexual, que segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) da
Organização Mundial da Saúde (OMS), no item F65.4, a define como “pessoas adultas (homens
ou mulheres) que tem preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de
crianças de um ou do outro sexo, realmente pré-púberes ou não” (OMS). Por tanto fica claro
que a pedofilia já se caracteriza pelo simples desejo sexual, e assim, não há necessidade de
haver relações sexuais para que o sujeito seja considerado pedófilo.
Diante do que estar previsto no ordenamento jurídico brasileiro, o sujeito só se
enquadrará como pedófilo a partir do momento que exteriorizar, a sua patologia, ou seja, ato
que é caracterizado como prática criminosa (CARAMIGO, 2017).
É neste espaço virtual, em que a pedofilia e a pornografia infantil, dominam as práticas
criminosas dos crimes virtuais e constituem as principais violações de direitos na internet, sendo
a pornografia uma grande engrenagem da pedofilia, cujo o mercado movimenta anualmente
cerca de U$ 9 bilhões em todo o mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU),
(ANDRADE, 2020). Porém, entre os “crimes cibernéticos, os que mais recebeu denúncias no
1174

último, em sua forma única recebeu 34.411 denúncias, o que representa a maior incidência de
crime praticado na interne (MORAIS, 2018, p. 19).
A internet ainda é um espaço de comunicação que infelizmente é utilizada de forma
negativa, para violação dos direitos humanos. A Ong SaferNet (associação civil de direito
privado) (2005) é uma instituição de referência de âmbito nacional e internacional que atua no
enfrentamento das violações dos direitos humanos na internet. Como já mencionado
anteriormente, o mundo online é gigante e as práticas criminosas realizadas neste ciberespaço
só crescem ano após ano, não só no Brasil como no mundo. O Ministério Público Federal se
uniu a SaferNet, por sua capacidade de mobilização e articulação, na produção de conteúdos e
tecnologias de enfrentamento a crimes cibernéticos. A internet não é maléfica, mas o uso
inadequado pode trazer prejuízos.

3 MÉTODO

O estudo foi desenvolvido da análise e interpretação de dados obtidos em pesquisa do


tipo bibliográfica, o qual consiste no exame da bibliografia, para o levantamento e análise do
que já foi produzido sobre o assunto que escolhemos como tema para esta pesquisa científica.
Desta forma a base desta pesquisa foi realizada em livros, artigos eletrônicos, artigos científicos
especializados. Inicialmente foi realizada uma leitura exploratória, em busca de informações
que fossem pertinentes ao tema, a fim de nos assessorar na problemática proposta, apresentada
a partir do objetivo deste estudo. De acordo com Marconi e Lakatos (2003, p. 155): “A pesquisa,
portanto, é um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um
tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para descobrir
verdades parciais”. Em uma busca mais abrangente, foram selecionados artigos, revista
eletrônicas e livros. Logo após, foi realizada uma leitura mais seletiva, no qual foram
selecionadas as informações mais pertinentes.
O levantamento bibliográfico estruturou-se em publicações encontradas nas bases de
dados Scielo, Google Acadêmico e Google. Com palavras-chave como: “desenvolvimento
infantil”, “redes sociais, “narcisismo parental”, “adultização infantil” “exposição infantil”,
“ambiente digital’ e “abuso infantil”.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
1175

Acreditamos que o presente estudo observou a presença da imagem das crianças


expostas por seus familiares nas redes sociais, e os perigos que se ocorre nesse ambiente digital.
Neste novo construto da sociedade contemporânea, se fez necessário o estudo do
desenvolvimento infantil com essas novas formas de se relacionar, apresentando os possíveis
danos a esse período de crescimento, onde ela está mais vulnerável às escolhas de seus
progenitores. A vulnerabilidade das informações, o comprometimento da privacidade, os
problemas de segurança, o fortalecimento do consumo como estilo de vida e, no caso das
crianças, o enaltecimento da adultização infantil, que coloca a criança como um pequeno adulto.
Esses são aspectos que caracterizam o empobrecimento deste novo ambiente denominado de
mundo virtual.
Os pais são os responsáveis pela inserção dos filhos nesse ambiente online. São eles que
criam o conteúdo, exploram a imagem muitas vezes de forma inadequada sem prever os danos.
O dia a dia da família, a rotina da criança, marcos importantes como aniversários, primeiros
passos, alimentação e passeios. Com isso pode-se dar margem as um dos principais riscos
citados que é a pedofilia, um dos aspectos negativos do sharenting, porém foi desmistificado
que a pedofilia não é em si um crime, se caracteriza por uma doença mental de ordem sexual.
E, diante da possível impunidade, o anonimato, o fácil acesso à internet, faz esse tipo de crime
aumentar a cada ano. Na ciberpedofília o grande problema enfrentado não se trata da falta de
legislação, mas da identificação dos criminosos. Com esta pesquisa queremos propagar essa
questão para a sociedade e familiares de crianças que realizam o sharenting, que desconhecem
esse fator de risco, e ainda veem com inocência a publicação de material de suas crianças nas
redes sociais.
Além das questões que põem em risco a integridade da criança, outro ponto que
podemos observar é o consumismo por trás de toda essa problemática da exposição. O consumo
é a nova ordem mundial, no qual se transformou na parte central na formação da nova identidade
das pessoas. Consumir se tornou um status social, uma forma de identificação, onde ter é mais
importante que ser. O ambiente digital dispõe de muitos tipos de mídias que podem persuadir
cada vez mais o consumo, com isso é gerado uma demanda de divulgação de produtos e
empresas enxergam uma grande oportunidade nesses perfis familiares que tem como
personagem principal a criança. Então o estudo entra na questão da profissionalização do
trabalho nas redes sociais, que de acordo com MARUM (2020), essa ferramenta social acaba
se tornando monetizada a partir da exposição do dia a dia dos filhos. O que seria uma prática
1176

abusiva, pois o discernimento do conteúdo é totalmente controlado pelos pais que acabam
inserindo a criança em um ambiente adulto com obrigações incompatíveis com a sua idade.
Essas atividades que as crianças acabam sendo inseridas, podem colocá-las em um
processo de adultização. Neste presente estudo, foi esclarecido sobre o que se configura a
adultização infantil, que seria a aceleração de fases e a criança vivenciar de forma inadequada
as suas etapas de desenvolvimento infantil. Com isso, podemos concluir que diante de toda a
problemática apresentada, a criança que passa por todo o risco de integridade com os perigos
da exposição, os danos que o consumo é capaz de trazer, pode tirar o seu direito de brincar que
é uma etapa importante para socialização, e reflete diretamente também em sua criatividade,
habilidades cognitivas e motoras.
A família deve reconhecer o seu papel no desenvolvimento da criança, como o indivíduo
responsável pela compreensão do mundo e da significação das situações. Assim, apresentamos
a nossa preocupação com a exposição infantil nas redes sociais, nos questionamos a respeito da
influência que esta prática pode acarretar nas relações familiares, entre pais e filhos. E quando
esta, tem o intuito do retorno financeiro, as relações são construídas de forma forjada, visando
as publicações e os likes.
Com o presente estudo não temos a intenção de vetar o uso das redes sociais ou proibir
que os pais utilizem esses meios, para publicarem imagens de seus filhos, infligindo os seus
direitos de expressão e informação, pois compreendemos a importância do uso da internet no
meio de vida atual. Mas queremos ressaltar que essas atitudes são uma via de mão dupla, ou
seja, há uma colisão nos direitos de personalidade e não temos o intuito de violar os direitos de
nenhuma das partes, nem da criança e nem dos pais. A intenção é de propor e direcionar
caminhos para uso das redes sociais de forma mais consciente por parte dos familiares, o uso
responsável da internet por parte destes é crucial, podendo-se dizer que o anonimato é uma
alternativa eficaz aos problemas suscitados pelo sharenting. Como já pontuado os impactos
desse tipo de exposição da imagem da criança em seu desenvolvimento, vale salientar que o
universo pesquisado foi significativamente pequeno e limitado, mas o suficiente para
propormos a adoção de políticas públicas centradas na proteção da criança e na educação dos
progenitores acerca do significado e das implicações legais, morais e sociais decorrentes desta
exposição, uma vez que a literatura indica que poucos pais têm consciência dos danos que as
suas ações podem causa na vida de seus filhos.
1177

Destacamos a necessidade de se fazer o acompanhamento dessas crianças por um


período de tempo suficiente para o desenvolvimento de inferências e conhecimentos ainda mais
aprofundados e embasados, podendo ter uma abordagem mais qualitativa a respeito da
superexposição da imagem da criança na internet em seu viés comercial diretamente impactado
na vida das crianças. E quando o problema atinge os direitos de crianças e adolescentes, seres
humanos vulneráveis que necessitam da tutela especial da sociedade, da família e do Estado.
Por fim, é necessário que os pais fiquem mais atentos às questões apresentadas que
podem colocar os seus filhos em risco. É fundamental compreender a necessidade da criança
respeitar suas fases de desenvolvimento, estimulando as atividades compatíveis com a sua
idade, fugindo da exposição e da profissionalização da sua imagem através das redes sociais.

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Sociedade_Brasileira_de_Estudos_Interdisciplinares_da_Comunicacao_XVII_Congresso_de_
Ciencias_da_Comunicacao_na_Regiao_Sul-Curitiba-PR-
26_a_28_Midia_Consumo_e_a_Adultizacao_de_Criancas_Uma_Ref/links/5c55e916a6fdccd6
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Acesso em: 01 de maio de 2022.
1181

POSSÍVEIS PREJUÍZOS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DAS


CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NO CONTEXTO PANDÊMICO DA COVID-19

Israel Barbosa Neto1


Emanuelle Carolyne dos Santos 2
Maely Yara Tenório Soares3
Nielly Stefany Peres de Castro4
Álvaro Micael Duarte Fonseca5

RESUMO

O cenário pandêmico trouxe inúmeras mudanças na rotina de alunos e educadores, bem como
de toda a equipe escolar, pela mudança abrupta do ensino presencial ao 100% on-line. Alunos
com deficiência tiveram sua realidade ainda mais prejudicada, visto que perderam parcial ou
completamente a assistência que recebiam. Assim, essa pesquisa teve como objetivo
compreender o ensino-aprendizagem e as modificações implicadas pela pandemia da COVID-
19, com foco nos alunos com deficiência. Os métodos utilizados envolveram entrevistas
estruturadas com oito professores e entrevista semiestruturada com uma coordenadora, que são
responsáveis pelo ensino dos alunos das séries dos 6º ao 9º em uma escola de rede pública
municipal. Assim, como resultado é perceptível que houveram grandes prejuízos quanto à
aprendizagem das crianças típicas e, principalmente, das crianças atípicas. A partir dessa nova
realidade, buscam-se novas alternativas e soluções para diminuir os danos, unindo os âmbitos
escolar e familiar, para que seja possível atingir o nível de aprendizado adequado desses alunos.
Palavras-chave: COVID-19; Assistência; Ensino à distância; Alunos com deficiência.

ABSTRACT

The pandemic scenario brought numerous changes in the routine of students and educators, as
well as the entire school team, due to the abrupt change from face-to-face teaching to 100%
online. Students with disabilities had their reality even more impaired, as they lost partially or
completely the assistance they received. Thus, this research aimed to understand teaching-
learning and the changes implied by the COVID-19 pandemic, focusing on students with
disabilities. The methods used involved structured interviews with eight teachers and a semi-
structured interview with a coordinator, who are responsible for teaching students from 6th to
9th grades in a municipal public school. Thus, as a result, it is noticeable that there was great
damage to the learning of typical children and, especially, of atypical children. Based on this
new reality, new alternatives and solutions are sought to reduce the damage, uniting the school
and amily spheres, so that it is possible to reach the appropriate level of learning for these
students.
Keywords: COVID-19; Assistance; Distance learning; Students with disabilities.

1
Estudante de Psicologia pela Universidade Potiguar - UNP. Email: barbosarael308@gmail.com
2
Estudante de Psicologia pela Universidade Potiguar - UNP. Email: ecarolynes@gmail.com
3
Estudante de Psicologia pela Universidade Potiguar - UNP. Email: maelyyara@outlook.com
4
Estudante de Psicologia pela Universidade Potiguar - UNP. Email: nielly.stefanny@gmail.com
5
Psicólogo. Mestrando em Saúde e Sociedade pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN. Email:
alv.micael@gmail.com
1182

1 INTRODUÇÃO

A pandemia da COVID-19 influenciou a rotina de todos, nos mais diversos âmbitos e


esferas, na educação não poderia ser diferente, seus impactos implicaram em diversas alterações
no dia a dia dos estudantes e educadores. Características sócio-histórico-cultural podem ter
ficado mais evidentes no período atual, deixando à margem um traço histórico, embora
negligenciado por alguns, o peso da desigualdade, vivenciada por muitos, reafirma a fragilidade
do setor educacional.
Algumas instituições de ensino têm em seu plano atividades extracurriculares que
ocorrem de modo remoto, contudo, nunca foi algo que ocorreu de modo abrupto e exclusivo às
telas, em tempos normais. Durante o período de ascensão da COVID-19 isso mudou, e o ensino
passou a ocorrer de modo remoto, exclusivamente, tornando-se totalmente à distância, tendo
em vista as medidas de segurança e distanciamento social exigidas pela Organização Mundial
de Saúde (OMS). Diante deste cenário, alunos e educadores travaram uma luta em busca de
soluções para que as aulas pudessem continuar atendendo a todos.
Com a necessidade urgente de alteração solicitada mediante o período social vigente,
não houve tempo para que as escolas montassem o planejamento ideal para o novo modelo de
ensino, assim como para capacitar seus docentes e a comunidade escolar. A brevidade do ensino
remoto em muitos lugares do Brasil, no sentido de não permitir que as aulas ficassem suspensas
durante muito tempo, fez com que houvesse uma rápida adaptação na migração para o ensino à
distância. Porém, essa mudança repentina e abrupta, pode não ter sido bem elaborada e
transmitida para os professores e alunos, seja em decorrência do não acesso aos meios digitais,
internet ou até mesmo o fato de não saber manusear e utilizar tais meios de comunicação.
Partindo do contexto atual, onde o mundo enfrenta a pandemia da COVID-19, em que
uma das esferas mais afetadas foi a esfera educacional, e se fez necessário o fechamento das
escolas por motivo de controle da disseminação do vírus. É possível verificar a importância do
papel do psicólogo que, dentre tantas funções, atua como mediador, buscando otimizar a relação
e interesses das instituições de ensino, dos estudantes e seus familiares, principalmente dado o
momento atual. Todas as atuações desenvolvidas por psicólogos são de extrema importância
em tempos de pandemia e constituem uma série de boas práticas que precisam ser seguidas para
a superação da sociedade em momentos de crise.
1183

A colaboração da Psicologia é indispensável para o meio educacional inclusivo no


cenário da pandemia, pois há a importância de uma comunicação constante e presença ativa
deste profissional diante da adaptação repentina, juntamente da equipe docente, buscando
medidas para a promoção do currículo escolar, além de analisar aspectos importantes da
pandemia e se colocar à disposição para orientação de possíveis ações a serem tomadas. Como
também oferecer suporte emocional para toda a comunidade escolar.
Deste modo, o presente artigo expõe como as atividades escolares estão sendo
desenvolvidas no período vigente, em meio a pandemia, como está se dando a adaptação dos
alunos com deficiência, sabendo da dificuldade do momento em que os mediadores tiveram que
intensificar os atendimentos, para poder facilitar a aprendizagem, a orientação, e acolher os
alunos neste período conturbado. Assim, partindo instigados a investigar como essa mudança
abrupta de ensino pode ter influenciado os alunos com deficiência. Trazendo artigos nacionais
e de vivências do Brasil, considerando o pressuposto assegurado em lei de caráter igualitário e
de direitos de todos os cidadãos brasileiros que é o da educação.
Este presente artigo tem como objetivo geral, compreender a conjuntura educacional das
crianças com deficiência no contexto EAD. Para tal, propomos como objetivos específicos,
investigar o processo de ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência no contexto EAD;
analisar o suporte prestado a esses alunos, para que seja possível atingir o nível adequado e
avaliar junto a escola como acontece o acompanhamento da aprendizagem dos alunos com
deficiência.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A escola é uma instituição que existe com a finalidade de promover, além do ensino
pedagógico e outros, o aprendizado de habilidades socioemocionais, considerando as
especificidades de cada sujeito. A psicologia é inserida nesse contexto como a perspectiva de
colaborar com os processos educativos por meio de uma visão ampla frente aos fenômenos
vigentes. (CAMARGO; CARNEIRO, 2020, p. 3)
As instituições de ensino são essenciais no processo de aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos, pois se trata de um ambiente mediador na etapa de construção do
saber historicamente constituído, assumindo um espaço de grande relevância no processo de
1184

inclusão, pois compreende-se como um local com base social e de ensino (FERREIRA; LIMA;
GARCIA, 2015).
O Atendimento Educacional Especializado (AEE) destinado aos alunos com
deficiências, tem como objetivo promover acessibilidade e suporte no contexto da Educação
básica, minimizando as barreiras que dificultam a comunicação, mobilidade e inserção do
estudante no ambiente escolar (CURY et al., 2020).
Com a pandemia, o distanciamento das salas de aula e o ensino remoto, mais da metade
dos estudantes do mundo foram prejudicados com o atual modelo de ensino. Tal fator torna-se
ainda mais agravante quando é explorado o âmbito adaptativo das crianças que necessitavam
de Educação Especial (NEE), onde, de acordo com RIBEIRO; OLIVEIRA (2021), esse cenário
teve grande impacto nos alunos com deficiência, que perderam o acesso a acessibilidade,
considerando que necessitam de recursos extras para garantir a participação e o aprendizado nas
aulas. Sem os meios tecnológicos adequados, sem a intensificação do manuseio, muitas vezes
sem internet e sem orientação dos familiares ou cuidadores, muitas crianças, que em contexto
presencial tinham um apoio escolar individual, no contexto pandêmico podem ter ficado parcial
ou totalmente desassistidos desse tipo de auxílio que é de extrema importância para o
aprendizado e desenvolvimento das suas habilidades sociais e motoras.
Além da falta de assistência aos alunos, atrelada ao modelo emergencial de ensino
ocasionado pela COVID-19, as mães se viram em um novo cenário, o de acompanhamento
educacional. Na tentativa de suprir a ausência de uma assistência pedagógica assertiva, as
famílias tiveram as suas demandas duplicadas, pois com a orientação apenas remota tiveram
que prestar assistência, orientação e explicação do conteúdo, evidenciando uma defasagem no
processo de ensino-aprendizagem das crianças e adolescentes no período pandêmico (ARAÚJO
et al., 2022).
Vivenciar tantas mudanças repentinas gerou grandes impactos em toda a comunidade
escolar, produzindo consequências físicas e, principalmente, emocionais. Essa realidade
evidenciou a importância do cuidado com a saúde mental, fazendo com que os profissionais
atuantes na psicologia escolar tivessem um grande aumento nas suas demandas, tendo que
construir novos espaços de acolhimento, escuta e troca, diante a realidade vigente (PEDROZA;
MAIA, 2021, p. 92).
Salientando a noção de perda no processo de ensino aprendizagem dos alunos com
necessidades educacionais especiais, de acordo com Ferreira, Lima e Garcia (2015), o
1185

profissional que atende de modo direcionado aos alunos com o AEE, deve possuir formação
especializada na sua área de atuação, com a finalidade de promover caminhos novos e
concernentes a uma educação inclusiva e satisfatória. Embora o AEE possua caráter
suplementar ou complementar ao ensino regular, é de extrema importância para a formação do
aluno, pois por meio dele são explorados os temas trabalhados em sala de aula de um modo
mais amplo, com a intenção de intervir na necessidade de cada aluno que utiliza desse serviço.

3 METODOLOGIA

Mediante a discussão do cenário atual, implicamos na busca pela compreensão da


conjuntura educacional com foco nos alunos com deficiência. Estes que tiveram sua realidade
atingida, ainda mais, por este período pandêmico. O nosso trabalho conta com a pesquisa de
campo, aliada a entrevistas, que como afirma Minayo (2001), a entrevista é uma técnica
utilizada com o objetivo de construir informações relevantes para o objetivo de pesquisa. Sendo
duas entrevistas, uma entrevista estruturada realizada com uma coordenadora escolar e outra
semi estruturada aplicada com oito docentes que são responsáveis pelo ensino no horário
vespertino do 6º ao 9º ano em uma escola da rede pública municipal da cidade de Mossoró/RN.
Estabelecemos critérios para que fosse possível delimitar os sujeitos e, assim, existir a
construção da análise, sendo viabilizada a compreensão mais ampla e estendida da problemática
delineada.
3.1 SUJEITOS

Após a pesquisa bibliográfica que foi realizada sobre a atual situação no contexto
escolar, modalidade EAD, partiu-se para a parte prática pelo meio do estudo de caso, aonde foi
realizado na Unidade Escolar Municipal Amor. Tendo como alvo de análise, 19 crianças com
deficiências ou com características semelhantes, que são assistidas no âmbito escolar. Para o
desenvolvimento do seguinte trabalho, na parte prática, foi necessária uma visita a Instituição
de Ensino para uma conversa com a Coordenadora Pedagógica da escola, para que pudéssemos
conhecer o ambiente escolar, e as demandas sobre as dificuldades de aprendizagens dos alunos.

3.2 INSTRUMENTOS
1186

Para isso utilizaremos o tipo de entrevista semiestruturada que traz em sua estrutura
clareza quanto aos objetivos que buscamos alcançar, por meio da utilização de um roteiro
previamente elaborado para o tema a ser investigado, complementadas por outras questões
inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista, nos possibilitando o máximo de
informações e compreensão quanto ao desenvolvimento das crianças. No qual confeccionamos
um questionário com perguntas principais específicas aos professores para que, a partir dessas
respostas possa emergir informações pertinentes a investigação e assim atingirmos os objetivos
pretendidos. Como também, para nos aproximarmos da realidade vista da perspectiva dos
educadores, bem como da rotina escolar de forma remota.

3.3 PROCEDIMENTO

Para a prática, inicialmente realizamos uma visita na instituição de ensino, com o intuito
de recolher dados sobre a realidade e as demandas existentes, na qual iremos desenvolver todo
nosso processo de investigação. Para analisarmos se ocorre suporte adequado para os alunos,
como pontuamos nos objetivos específicos, elaboramos uma entrevista semiestruturada e
realizamos com a coordenadora escolar. Nela foi possível colher dados a respeito dos alunos,
das suas necessidades específicas e do suporte oferecido a eles nas aulas presenciais, antes do
período pandêmico, e nas aulas remotas. Ainda na perspectiva de analisar o ensino
aprendizagem desses alunos, faremos um questionário com perguntas a serem realizadas com
os professores. O questionário irá avaliar a qualidade das aulas remotas, a realização das
atividades, o engajamento e motivação dos alunos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os profissionais entrevistados foram professores atuantes na rede pública municipal –


que terá como codinome “Amor”, com vasta experiência de campo. Os educadores responsáveis
pelo ensino das turmas do 6° ao 9° ano, no turno vespertino, relataram as adversidades diante
do período de pandemia, dentro do questionário elaborado para eles. Os sujeitos entrevistados
foram 7 docentes, com faixa etária entre 30 e 60 anos de idade, sendo, 57% do sexo feminino
(4) e 49% do sexo masculino (3), identificados na pesquisa como P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7.
1187

O questionário abordou perguntas que abrange tanto alunos típicos como os atípicos, do
turno vespertino, com alguma dificuldade no processo de ensino-aprendizagem. O intuito deste
questionário e seu método comparativo é identificar algum possível desnível entre os alunos
diante do novo cenário educacional.
A investigação deu-se por meio de um questionário do Google Forms com cinco (5)
perguntas investigadoras. Através das informações coletadas pelo corpo docente, foi
identificado que na escola no turno vespertino constam 8 (oito) alunos com algum tipo de
deficiência matriculados nas aulas. Antes da pandemia a participação e o rendimento dos alunos
era de 100%, contudo após a migração para o ensino remoto, esse rendimento baixou. Não se
podia mensurar como poderia ser a participação dos alunos em um contexto remoto, uma vez
que o contexto nunca foi vivenciado por tanto tempo antes.
Observou-se então, que o rendimento varia de acordo com a disciplina ministrada. Não
foi possível apurar o porquê dessa defasagem de participação, mas imagina-se que possa haver
uma forte relação com a atividade prática trazida por essas disciplinas antes, e que, em contexto
remoto tornou-se inviável executá-las do mesmo modo. A professora P5 relata sobre o
engajamento dos alunos: “Não muito, sabemos que é um desafio que enfrentamos.”

Quadro 1. Participação dos alunos.

Fonte: Autoria própria, 2022.

Quanto ao processo de adaptação às aulas remotas, os professores, em unanimidade,


afirmaram que tiveram que se adaptar, planejar e muitas vezes pedir ajudas extras a outras
pessoas próximas ou a colegas de profissão, pois, apesar das ferramentas tecnológicas já
estarem presentes em suas realidades, antes da pandemia, elas não eram tão essenciais para
desenvolver uma aula; eram usadas como recursos e não como fontes principais.
1188

O registro de uma fala da professora P7 a respeito da adaptação mostra muito bem sobre
o processo: “No início encontrei algumas dificuldades para me adaptar ao ensino remoto, mas
com a ajuda dos colegas, estudo, paciência, planejamento e dedicação tudo foi se adequando.”
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, após um
ano desde o início da pandemia, grande parte dos estudantes do mundo ainda são afetados pelo
fechamento parcial ou total das redes de ensino, onde mais de 100 milhões de crianças
adicionais cairão abaixo do nível mínimo de proficiência no âmbito da leitura como resultado
do processo de adaptação dentro da crise de saúde que tem sido a COVID-19 (UNESCO 2021).
Os professores relataram que não há participação dos alunos com deficiência nas aulas.
Ocorreu uma queda substancial desse grupo nas disciplinas: alguns alunos não participam mais,
outros deixam para tirar dúvidas apenas no fim da aula e de forma isolada. Constatou-se ainda
a falta de apoio da família no que tange à presença e participação nas atividades, contudo não
se constatou se esses alunos, que representam um público numeroso dentro da escola, tem
aparelhos eletrônicos e internet para a continuidade dos estudos. “Com o distanciamento
imposto por este período da pandemia, alguns alunos se afastaram, inclusive parte dos alunos
com deficiência.” Registro da fala da professora P7 sobre o distanciamento dos alunos no
contexto escolar.
Assim como na participação, as devolutivas dos alunos com algum tipo de deficiência
também sofreram uma queda. Muitas não ocorrem e quando ocorrem são fora do prazo
estabelecido pelo docente. Os dados não poderiam ser diferentes, uma vez que, não ocorre a
participação dos alunos nas aulas, logo as devolutivas seguirão o mesmo quantitativo. O
professor P4 relata que houve uma queda significativa nas devolutivas das atividades e que o
prazo quase sempre não é cumprido: “Os prazos nem sempre são respeitados. Demoram na
devolutiva.”
Esses resultados abrem portas para uma discussão ainda maior se pensarmos que um dos
motivos pelos quais as devolutivas sofreram grande queda pode ser as desigualdades sociais.
Sabe-se que o momento pandêmico afrouxou as estruturas econômicas e sociais de diversos
países e de milhares de famílias em todo o mundo. Famílias que não têm acesso à internet, aos
meios tecnológicos, ao trabalho assegurado em lei logo são vítimas da desigualdade e das
formas avulsas de trabalho inserindo muitas vezes os alunos com dificuldades educacionais
nesse processo perverso e escancaradamente desigual (MARTINS, p. 2, 2020).
1189

Quadro 2. Devolutivas dos alunos quanto a entrega de atividades e participações na aula.

Fonte: Autoria própria, 2022.

Dos 7 professores entrevistados, 3 disseram usar avaliações de forma igualitária para


todos os alunos, porém além das avaliações, o progresso no decorrer do semestre, a participação
e a presença também são itens que constituem a formulação geral da avaliação do aluno. 2
professores disseram não usar avaliações e apenas 1 disse que ocorria o processo de adaptação
da avaliação para alunos que apresentam algum tipo de deficiência. Fala da professora P4 sobre
o processo de adaptação das atividades: “Avaliações tem que ser adaptadas para a necessidade
de cada aluno. Diferente dos demais alunos em muitos casos.” Nesse sentido, para Mendes,
Teotônio e Moura (2017), o processo avaliativo sempre esteve e sempre estará presente em
nossas vidas. Contudo, observam que essa avaliação nunca deve ser empregada como verdades
absolutas e autoritárias, mas sim, baseada no processo da investigação, problematização e na
ampliação das perspectivas de cada discente.
A avaliação de alunos com deficiência, deve então, sempre ser baseada na perspectiva
de avaliar continuamente o processo de aprendizagem respeitando o seu tempo e os caminhos
que cada um percorre dentro das suas singularidades. Uma aprendizagem comprometida com o
respeito ao próximo e com a formação de cada cidadão, e nunca na linha da exclusão e da
segregação das diferenças. (MENDES; TEOTÊNIO; MOURA, 2017).
A educação inclusiva, no Brasil, apesar dos muitos ganhos, ainda tem bastante que
crescer e expandir-se no sentido de abranger aqueles que, por direito, deveriam estar no âmbito
educacional. Como visto, houve uma grande evasão dos alunos nesse período correspondente à
pandemia e esse não é um caso isolado, nem tampouco, momentâneo. Resulta-se de um
problema educacional, político e socioeconômico refletido na população, primordialmente mais
1190

pobre. Se as crianças que deveriam estar na escola/ assistindo aula em casa não estão; existe um
porquê e existe além de tudo um questionamento: onde estão? E esse questionamento quando
pensamos nas crianças atípicas, torna-se ainda mais preocupante; se não estão na escola
interagindo, desenvolvendo várias habilidades e ninguém está se questionando onde estão, o
fato se torna mais preocupante ainda se não nos perguntarmos onde estarão no futuro próximo.
Por meio dessas ferramentas foi possível analisar, juntamente do corpo escolar, como
ocorre o acompanhamento no processo de aprendizagem dos alunos com deficiência.
Possibilitando, assim, um melhor suporte à classe discente e um melhor direcionamento aos
professores e funcionários.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou investigar o processo de ensino-aprendizagem de alunos com


deficiência no contexto EAD, bem como as principais dificuldades enfrentadas por esses alunos.
Tendo em vista os aspectos observados ao longo do trabalho, ficou evidente a problemática
trazida pelo ensino à distância, de modo que os recursos disponibilizados no ensino presencial
para os alunos com deficiência, onde eram assistidos por auxiliares, após essa transição
perderam esse suporte.
Em virtude dos fatos mencionados, adquiridos por meio das pesquisas realizadas, foi
constatado que, apesar dos esforços pelo corpo docente e coordenação escolar para a adequação
ao novo contexto, a falta de participação de parte de alguns alunos com deficiências nas aulas,
geradas principalmente pela baixa assistência familiar no processo de ensino remoto,
ocasionaram uma diminuição na devolutiva desses alunos, uma vez que sofrem por efeito da
não participação nas aulas. Diante dessas constatações,
a pesquisa de campo na escola foi positiva, pois contribuiu para a compreensão acerca do
processo de inclusão no ambiente escolar. Ficando claro que tão importante quanto dar retorno
às questões objetivas, como a identificação da problemática, faz-se necessário atentar-se à
relevância do apoio aos alunos com deficiência, colaborando efetivamente no processo de
ensino-aprendizagem desses alunos.

REFERÊNCIAS
1191

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1192

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caminho.pdf#page=91. Acesso em: 16 set. 2021.
1193

PSICOEDUCAÇÃO DO LUTO: o apego e a perda

Pedro Henrique Nogueira Fernandes de Queiroz 1


Maria Katiane Formiga Miranda 2

RESUMO
O presente artigo é uma revisão bibliográfica e tem como objetivo apresentar a necessidade e a
importância da psicoeducação do luto. Será exposto o que é luto e como alguns autores a
dividem, as consequências de não o vivenciá-lo e dá tentar evitá-lo e será apresentado alguns
dos motivos que levou a sociedade a necessitar de uma psicoeducação para o luto.
Palavras-chave: Luto; psicoeducação;

ABSTRACT

This article is a literature review and aims to presente the need for and importance of
psychoeducation in griel. It will be exposed what gried is and how some leaders divide it, the
consequences of not experiencing it and trying to avoid it, and some of the reasons that led
society to need a psychoeducation for grief will be presented.
Keywords: Mourning, psychoeducation.

INTRODUÇÃO

Discutir sobre o luto e a morte é evitado, e isso se dá pelo fato de que não vemos como
algo presente no nosso dia a dia ou algo que não pode acontecer com a gente. Muitas vezes
acreditasse que existe uma maneira correta de sentir o luto ou de que a maneira de outra pessoa
de vivenciá-lo é errada. Isso acontece principalmente por acreditarmos que existe apenas uma
maneira de sentir o luto ou por só uma maneira ser válida.
Sanders (1999; pág. 3) fala o seguinte sobre a dor que vem com o luto: "A dor de uma
perda é tão impossivelmente dolorosa, tão semelhante ao pânico, que têm que ser inventadas
maneiras para se defender contra a investida emocional do sofrimento. Existe um medo de que
se uma pessoa alguma vez se entregar totalmente à dor, ela será devastada - como que por um
maremoto enorme - para nunca mais emergir para estados emocionais comuns outra vez". Isso
faz com que o luto seja visto como ruim, a ser evitado, mas isto está claramente errado, pois
como Parkes (1972) afirmou: “É necessário ao enlutado passar pelo sofrimento do luto para ter

1
Discente de Psicologia. E-mail: pedro.queiroz@aluno.catolicadorn.com.br
2
Especialista em Gestão de Pessoas e docente pela Faculdade Católica do RN. E-mail:
maria.miranda@professor.catolicadorn.com.br
1194

a resolução deste, qualquer coisa que continuamente permita que a pessoa evite ou suprima a
dor pode prolongar o curso do luto” (p. 173).
Para Kovács (2003), as dificuldades que temos para lidar com a perda e realização do
luto em nossa sociedade atual são, em sua maior parte, o resultado de uma mentalidade que
mantém a morte como um tema a ser evitado, e o caminho para desfazê-la passa por uma
educação para a morte. Assim como Kovács acredito que é necessário que tenhamos uma
educação para a morte, não com o intuito de ficar acostumado ou insensível a ela, mas sim, com
o intuito de aceitá-la como algo natural que todos iremos passar.

METODOLOGIA

Esta é uma pesquisa de cunho bibliográfico, desenvolvida com base em material já


elaborado, constituído principalmente com dados adquiridos a partir de livros e artigos
científicos, nos quais são encontrados outros estudos sobre a temática aqui trabalhada, é de
caráter exploratório, tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema,
aprimorar ideias e constituir hipóteses. As plataformas utilizadas foram o Google Acadêmico
onde as palavras chaves “luto”, “tarefas do luto”, “luto complicado”, “fases do luto”,
“psicoeducação” e “depressão” e o livro Aconselhamento do Luto e Terapia do Luto (Um
Manual para Profissionais da Saúde Mental) de J. William Worden.

O LUTO

Em seu livro WORDEN (2003) diz que os antropólogos que estudaram às diversas
sociedades, suas culturas e como eles reagem às perdas de um ente querido, expressão que,
independentemente da sociedade estudada, em qualquer local do mundo, há uma tentativa,
quase universal, para recuperar o objeto amado perdido e/ou existe a crença de além-morte, em
que se possa reencontrar a pessoa amada. Isso mostra que independente da cultura ou da vida
que as pessoas levam, ainda se tem o sentimento de perda e a necessidade de se ter uma
continuidade.
Isso acontece, pois, as pessoas não querem perder a sua fonte de apego, e por causa disso
procura-se maneiras de manter esse objeto de apego mesmo após a sua morte. De acordo com
Bowlby (1977b), o apego surge da necessidade de segurança, desenvolvem-se normalmente no
1195

início vida, costumam ser direcionados a alguns indivíduos específicos e tendem a resistir por
grande parte da vida. Essas pessoas muitas vezes são alguém da nossa família já que na maioria
dos casos são eles que nos dão apoio, alimento e proteção durante a nossa infância.
Para Stroebe (1992), o luto é um processo cognitivo que envolve confrontação e
reestruturação do pensamento acerca da pessoa morta, da experiência da perda e do mundo sem
a pessoa morta, no qual agora, o enlutado precisa viver. Esse processo varia de pessoa para
pessoa, como Bromberg (2000) aponta o luto a um conjunto de reações de uma perda
significativa e pontua que nenhum é igual ao outro, pois não existem relações significativas
idênticas. De acordo com Parkes (1998) isso acontece, pois, o grau de parentesco, o gênero, o
tipo de morte, os vínculos e os recursos internos disponíveis a cada indivíduo influenciam na
sua forma de vivenciar a tristeza e o luto. Mas o impacto do luto acaba por se intensificar de
acordo com a intensidade do sentimento de apego que se tinha com a pessoa perdida.
É importante sempre ressaltar que o luto é um processo inevitável e atinge todos os
indivíduos que cercam o enlutado, inclusive aqueles que não conheciam a pessoa falecida. Mas,
que tem um impacto maior nos membros da família que estão passando pelo processo de luto,
mas de forma distinta (MELO, 2004). Por exemplo no que refere à relação com o enlutado,
verifica-se que a morte de um filho se relaciona com um Luto mais intenso e persistente do que
a morte de um esposo, pai ou irmão (Nolen-Hoeksema & Larson, 1999; Sanders, 1999).
George Engel (1961) levantou a seguinte questão “luto é uma doença?”, para ele o luto
representa o afastamento do estado de saúde do sujeito, e da mesma forma que a cura se faz
necessária no campo fisiológico para levar o corpo de volta ao equilíbrio, é igualmente
necessário um período para o enlutado retornar ao estado similar de equilíbrio psicológico.
Embora o luto apresenta diversos sintomas e de ser considerado por alguns autores como uma
doença, ainda é importante lembrar que Freud (1915) nos diz que, embora o luto envolva graves
afastamentos daquilo que constitui uma atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre
considerá-lo como uma condição patológica a ser submetido a tratamento medicamentoso.
Mas não é necessário que aconteça uma morte para que se tenha um processo de luto,
Howarth e Leaman (2004:321), definem o luto como uma resposta psicológica a morte ou a
qualquer outra perda. Anteriormente foi apresentada a relação entre o apego e o luto e apesar
de ter sido apresentado exemplos de relações entre pessoas, a relação de apego não
necessariamente é entre duas pessoas. O luto nada mais é que um processo de adaptação após
1196

uma perda, esta perda pode ser uma relação que chegou ao seu fim, uma ideia, um plano que
não deu certo ou até mesmo a perda de um objeto.
O luto é um processo que apresenta diversos comportamentos, tanto na ordem do pensar
e do sentir, quanto na ordem comportamental. As pessoas podem passar a se sentir sozinhas,
ansiosas, culpadas e até mesmo aliviadas, os comportamentos podem ser evitação social,
evitação de lembranças e do que possa causá-las ou pode até chegar a haver uma
supervalorização das lembranças e objetos da pessoa morta, choro frequente, dentre outros. A
intensidade do luto é influenciada diretamente pelo grau de parentesco, o gênero, o tipo de
morte, os vínculos e os recursos internos disponíveis a cada indivíduo influenciam na sua forma
de vivenciar a tristeza e a situação do luto (Parkes, 1998). Um recurso que acaba por ser
extremamente utilizado é a religião, que muitas vezes acaba por ter uma função protetora sobre
o indivíduo, permitindo que ele incorpore uma perda ou tragédia ao seu sistema de crenças. Um
bom exemplo é uma pessoa que tem forte crença de que todas as coisas fazem parte de um
grande plano de Deus, pode apresentar menos estresse após uma perda, do que uma pessoa que
não tem essa crença (Wortman e Silver, 2001).
Pôr o luto apresentar uma quantidade tão elevada de “sintomas”, os pesquisadores
dividem o luto, em estágios, outros de fases, não por ele ter elas em específico ou mesmo segui-
las, mas sim, para facilitar a compreensão sobre o processo que é o luto. A seguir, será exposto
melhor a ideia de tarefas e de estágios que foram desenvolvidas por J. William Worden e
Elizabeth Kübler-Ros respectivamente. Vale lembrar que, o enlutado não irá necessariamente
cumprir as tarefas ou passar pelos estágios na ordem em que eles são apresentados.

OS ESTAGIOS DO LUTO

Elizabeth Kübler-Ross (2005) que é uma psiquiatra suíço-americana, uma entre


trigêmeos, nascida com pouco mais de novecentos gramas, desde o início da vida sentiu que
precisaria trabalhar duro para provar que merecia viver. Marcada na adolescência pelos horrores
da Segunda Guerra, trabalhou fazendo os primeiros socorros dos necessitados na Polônia e na
Rússia. Com isso, começou seu interesse pela morte e o morrer, e atualmente ela é uma
referência no assunto, que dividiu o luto em cinco estágios: a negação e o isolamento, a
raiva, a barganha, a depressão e a aceitação. O trabalho dela foi desenvolvido com pessoas em
estado terminal e o objetivo dela era estudar o processo que levava os indivíduos neste estado
1197

a aceitarem a sua condição. Enquanto desenvolvia seu estudo percebeu que não só indivíduos
que estão em estado terminal passam por esses estágios, mas, também aqueles que sofrem a
perda (OLIVEIRA, 2014, p. 12).
A mesma teoriza que na primeira fase a pessoa tenta inconscientemente ou
conscientemente lutar ou se proteger contra a dor da perda, este estágio funciona como um
amortecedor para o grande impacto que é a notícia da perda, o paciente muitas vezes cria
situações ilógicas, mas que para eles ainda podem acontecer. O isolamento pode ser visto como
parte do processo de negação já que em muitos casos o enlutado se isola para evitar contato
com pessoas ou lugares que o lembrem-se do falecido e assim da sua perda.
O segundo estágio que é a raiva, a pessoa começa a se expressar e a mostrar os
sentimentos conflituosos que veio com a perda. O enlutado começa perguntar-se o motivo de
isso ter acontecido e a olhar em volta e a se perguntar como isso é justo. Neste estado não há
muito que se possa fazer além de entender que essa raiva é normal, como diz Fagundes (2012,
p. 20), “a raiva deve ser encarada como parte natural do processo, pois, é necessário ao paciente
que ela seja extravasada de alguma forma”.
A terceira fase, a barganha surge principalmente por causa da crença que temos que a
morte é um castigo, uma forma de nos punir ou o karma agindo. Isso faz que tanto os pacientes
quanto sua família tentem negociar a morte com promessas, ou tentem realizar uma “troca”, na
qual, Kübler -Ross (1996, p. 95) explica da seguinte forma:

Estamos acostumados com este tipo de reação porque acontece o mesmo com nossos
filhos: primeiro exigem, depois pedem por favor. Podem não aceitar nosso “não”
quando querem passar uma noite em casa de algum amigo. Podem se zangar e bater
os pés. Podem se trancar no quarto e demonstrar sua raiva nos rejeitando por algum
tempo. Mas sempre terão outros pensamentos. Podem pensar em outra forma de
abordar o problema. Podem se oferecer para executar algum trabalho em casa que, em
circunstâncias normais, jamais conseguiríamos que fizessem.

A fase da depressão ou a quarta fase traz um grande impacto, pois, é neste estágio que
o sujeito entra em contato com a perda sem nada para amortecê-la. Kübler -Ross (1996 apud
FAGUNDES, 2012, p. 21) diz: “seu alheamento ou estoicismo, sua revolta e raiva cederão lugar
a um sentimento de grande perda”. Esta fase pode ser dividida em dois, a depressão reativa que
é quando surgem outras perdas devido à perda primária, como por exemplo perdas financeiras
e perda de apoio e companhia e a depressão preparatória que é quando o enlutado começa a
aceitar a sua perda, ficando normalmente mais silencioso e reflexivo.
1198

O quinto e último estágio é o estágio da aceitação, nele o enlutado passa a aceitar a


realidade, Kübler -Ross (apud OLIVEIRA, 2014, p. 13) fala o seguinte sobre esta fase: “não
significa o fim do sofrimento, mas um período em que a pessoa deixa de lutar contra a morte, a
aceita e isso facilita o enfrentamento”, é neste estágio que o sujeito passa a se abrir mais e a
falar do que está sentindo.

TAREFAS DO LUTO

J. William Worden acredita que o conceito de fase traz um sentido de passividade,


enquanto tarefas traz a ideia de que o enlutado deve agir e que ele pode fazer alguma coisa.
Worden diz que existem quatro tarefas que devem ser concluídas para o processo de luto ser
vencido são elas: I. Aceitar a realidade da perda; II. Elaborar a dor da perda; III. Ajustar-se ao
ambiente onde está faltando a pessoa que morreu; IV. Reposicionar em termos emocionais a
pessoa que faleceu e continuar a vida. Worden ainda dizia que já que o luto é um processo e
não um estado as tarefas irão exigir um esforço, ainda que nem todas as perdas desafiem as
tarefas da mesma maneira.
A primeira tarefa é a de aceitar a realidade da perda, esta tarefa existe para “combater”
a negação que de acordo com Dorpat (1973) pode ser praticada em diversos níveis e aparece de
muitas formas, porém mais comumente envolve o fato da perda, o seu significado e sua
irreversibilidade. Uma das formas de negação é tentar evitar o significado que a perda tem ou
que o que foi perdido tinha, como por exemplo uma pessoa que perdeu o pai e passa a repetir
que ele não era um bom pai ou uma boa pessoa. Outra maneira é recorrer a religião e a ideia de
que aquela perda não é permanente, Parkes (2001) usa como exemplo a religião espírita e
afirma:

O espiritismo afirma ajudar pessoas enlutadas na procura pela pessoa morta, e sete dos
indivíduos enlutados incluídos nos meus diversos estudos, referiram visita a sessões
espíritas ou a templos espíritas. Suas reações foram mistas - alguns sentiram que
obtiveram algum tipo de contato com a pessoa morta e alguns ficaram assustados com
isto. No geral, essas pessoas não ficaram satisfeitas com a experiência e nenhuma
delas se tornou participante regular de reuniões espíritas, (p. 55-56).

Geoffrey Gorer (1965) traz o termo “mumificação” para descrever a forma de negação
onde o sujeito enlutado manter o falecido, ou mais comumente os seus bens de maneira que
quando o indivíduo “voltar” ele possa fazer uso. Um bom exemplo disso são pais que perdem
1199

um filho e mantêm o quarto como era antes da morte. Isto não é incomum em período inicial,
mas se torna negação se permanece por muitos anos. Outra forma de negação.
A segunda tarefa é a de processar a dor do luto, antes de falar da importância desta fase,
é bom deixar claro que embora seja quase impossível não ter sofrimento após uma perda, as
pessoas dificilmente têm a mesma intensidade de sofrimento e não necessariamente o seu
sofrimento irá se apresentar da mesma forma. Uma das grandes dificuldades desta tarefa se dá
quando o enlutado interage com a sociedade e ela acaba por não reconhecer a sua dor, pois
como Geoffrey Gorer (1965) expeça: “Dar lugar ao luto é estigmatizado como mórbido, doentio
e desmoralizante. A ação considerada adequada a um amigo é a de distrair o enlutado de seu
processo de luto” (p. 130).
A terceira tarefa que é a de se ajustar a um mundo sem a pessoa morta, se divide em
três áreas que precisarão ser ajustadas após uma perda, que são elas: Externa, que é como aquela
perda irá afetar o funcionamento diário do sujeito; internos, que é como a perda influência na
forma como o enlutado se ver e os ajustes espirituais, que é como a morte irá influenciar os
valores, as crenças e a visão que o enlutado tem sobre o mundo. Se faz necessário tantos ajustes
pois o indivíduo muitas vezes não sabe qual a importância ou o tamanho da influência que o
falecido tinha sobre a sua vida. Attig (1996) diz que a morte pode chegar a destruir o propósito
central de vida do enlutado, e é fundamental descobrir e inventar novos significados diante da
perda.
A quarta tarefa é reposicionar em termos emocionais a pessoa que faleceu e continuar
a vida, para Klass, Silverman e Nickman (1996) as pessoas não se separam da pessoa que
morreu, mas sim, encontram formas de desenvolver laços continuados com ela. Volkan (1985)
fala o seguinte:

Um enlutado nunca esquece completamente a pessoa morta que era tão valiosa em sua
vida e nunca retira totalmente o investimento em sua representação. Jamais podemos
extirpar aqueles que têm sido próximos de nós, de nossa própria história, exceto por
atos psíquicos prejudiciais à nossa própria identidade, (p. 326

A quarta tarefa é sobre isso, entender que embora a pessoa morta ainda seja importante
e que o sujeito ainda a ame, está tudo bem seguir com a vida, amar outras pessoas e ter novos
relacionamentos, isto não é errado ou fara o enlutado amar menos a pessoa que foi perdida. A
quarta tarefa do luto só é concluída quando o enlutado encontra um lugar para a pessoa morta
1200

que permitirá ao sujeito ficar conectado a ela, mas de um modo que não o impedirá de seguir o
rumo de sua vida (WORDEN, 2003).

PERIGOS DE NÃO VIVENCIAR O LUTO

A não vivência do processo de luto pode ser extremamente prejudicial para o sujeito,
mas antes de ser apresentado as consequências da não vivência do luto, será apresentados três
dos vários fatores que podem levar uma pessoa a evitar o processo de luto.
De acordo com Worden (1998) tem pessoas que não conseguem aguentar extremos de
sofrimento emocional e assim se afastam, como mecanismo de defesa do próprio sujeito, com
a finalidade de se defender de sentimentos tão fortes. Esse mecanismo de defesa muitas vezes
acontece sem a percepção do sujeito, ou o sujeito percebe e não quer voltar para aquela situação
de extremo sofrimento.
Um dos grandes motivos que fazem as pessoas evitarem o processo de luto é a forma
como a tristeza e o luto são vistos socialmente. O sujeito quando a frente da sociedade é
“proibida” de mostrar seu sofrimento, pois ele é “feio” e deixa um “clima ruim”. E como diz
Freud (1929), desde os primórdios os homens esforçam-se para obter a felicidade, eles querem
ser felizes, e para isso o sofrimento e a tristeza são evitados e muitas vezes desprezados.
O terceiro, que será apresentado, que pode levar uma pessoa a não vivenciar o seu
processo de luto é quando o sujeito é eleito pela família ou grupo como o “mais forte”, e a partir
deste momento o sujeito precisa agir como tal, mostrando que está tudo bem e colocando o
sofrimento dos outros acima do seu, normalmente é o “homem da família” que fica nesta
posição.
Trazendo novamente as palavras de John Bowlby (1980) quando ele afirma que “Mais
cedo ou mais tarde, alguns desses indivíduos que evitam a consciência plena do luto vão
esmorecer - geralmente, com alguma forma de depressão” (p. 158). E complementando com
Birman (1997) trazendo que quando um excesso não encontra o caminho de saída, o efeito vai
se dar através do corpo, manifestando-se por situações de estresse, pânico e outras perturbações
psicossomáticas. Como expressado, o luto não é um processo que possa ser evitado ou que deva
ser evitado, agora irá ser apresentado algumas das consequências da não vivência do luto.
A casos em que a pessoa fica “presa” em negação e com isso pode acontecer o que
Geoffrey Gorer (1965) denomina “mumificação”, que é quando o enlutado preservar os objetos
1201

ou em casos raros o próprio morto, de forma que eles fiquem a uso para quando a pessoa falecida
voltar. Um exemplo disso são os pais que preservam o quarto dos seus filhos em perfeito estado
após a morte deles ou começa a ver o morto incorporado em um dos seus outros filhos.
Outro exemplo é quando a pessoa não consegue fazer os ajustes necessários para
continuar a sua vida sem o morto e acaba acreditando que nunca mais será amada da mesma
forma. O enlutado pode ainda acreditar que é incapaz de cumprir as funções que eram
desempenhadas pelo falecido e assim começar a perder a sua autoestima, isso fará com que a
eficácia pessoal seja desafiada e a pessoa pode atribuir qualquer sucesso ao acaso ou ao destino,
e não às suas próprias forças e habilidades (Goalder, 1985). A pessoa pode chegar a “lutar”
consigo mesma, fazendo com que ela não consiga fazer tarefas consideradas simples, o enlutado
passa a promover a sua própria impotência e pode acabar se afastando da sociedade, por não
conseguir cumprir as exigências do ambiente.
O sujeito ainda pode chegar a desenvolver um processo de luto complicado, que
acontece quando o processo de luto diverge do que é culturalmente normativo, quanto à
duração, sintomas e intensidade do luto (Prigerson et al.,1995). Prigerson (1995) ainda afirma
que o luto complicado normalmente começa seis meses após uma perda significativa e
caracteriza-se por uma diminuição de interesse em uma ou mais atividades importantes para o
indivíduo, ou períodos intensos de emoções, recordações espontâneas e sentimentos de solidão
ou vazio.
De acordo com Zisook e Shuchter (1993) alguns indivíduos enlutados desenvolvem
episódios de depressão após uma perda. Dorpat (1973) afirma que para alguns indivíduos a
depressão pode acabar servindo como uma forma de defesa contra a dor do luto, e completa
dizendo raiva quando dirigida para si mesmo e desviada da pessoa morta, pode dificultar que o
sobrevivente lide com os sentimentos que existem em relação à pessoa morta e a sua perda.
Além dos exemplos citados acima a não vivência do luto ou uma tentativa de evitação
do mesmo pode trazer outras consequências ao enlutado. A potência dessa consequência varia
dependendo da pessoa que foi perdida, das crenças e principalmente do sujeito que vivenciou a
perda.

LUTO E DEPRESSÃO
1202

A depressão de acordo com teorias recentes é o resultado de interações entre os fatores


biopsicossociais. De acordo com Morris (APUD DEITOS, NASCIMENTO E NOAL, 1992, p.
329) existem sete fatores potenciais para ocorrência de depressão associada à doença física: 1.
história familiar de desordem psiquiátrica; 2. um passado de história de depressão; 3.
personalidade pré-mórbida; 4. o impacto dos eventos da vida, incluindo a doença; 5. o grau de
incapacitação gerado pela doença; 6. a presença de patologia cerebral e anormalidades
neuroendócrinas; e 7. a qualidade do apoio social durante o tempo da doença.
Lucas (2014) diz que a depressão pode surgir a partir de situações de desgaste emocional
não geridas, de inúmeras perdas e de adaptações exigidas pelo meio social, familiar e
institucional, podendo levar a alterações psicológicas, sociais e cognitivas. Esta perturbação
aparece através do sentimento de tristeza, vazio, angústia, inutilidade, culpa, abandono, humor
depressivo, perda de apetite, queixas somáticas, e a motivação inerente para a realização de
atividades sociais, lúdicas e culturais começa lentamente a diminuir, e consequentemente, o
refúgio e isolamento social domina a forma de estar do sujeito perante o mundo, podendo
proporcionar e reforçar pensamentos disfuncionais e suicidas.
Durante muitos anos, principalmente, no contexto clínico a depressão e o luto foram
confundidos, isso se deve principalmente pela quantidade de sintomas que a doença e o processo
têm em comum, como por exemplo tristeza, insônia, falta de apetite, apatia, perda de peso,
cansaço físico e psicológico e desinteresse por questões sociais. Apesar de apresentarem
sintomas iguais ou parecidos, sempre vale lembrar que de acordo com o DSM-5 (APA, 2014)
o luto apesar de levar a um grande sofrimento, dificilmente provoca um EDM.
Para entender melhor o que diferencia estes dois conceitos será primeiro apresentado o
significado de luto para Worden (2009), que define o luto como um processo emocional após
uma perda, que envolve um processo de adaptação ou de transformação, pelo qual o enlutado
passa para se estruturar racionalmente e emocionalmente. No entanto, outros aspectos devem
ser tidos em consideração: durabilidade e intensidade dos sintomas, que se traduzem no
funcionamento global do sujeito. Esses aspectos são de grande importância pois eles ajudam a
diferenciar entre o luto normal e o luto complicado.
Durante o processo de luto, algumas vezes, o sujeito passa por complicações que fazem
com que este processo seja mais longo e doloroso e que assim o enlutado fique mais vulnerável
a problemas de saúde na ordem mental (O’Connor, Allen, & Kaszniak, 2002; Stroebe, Folkman,
Hansson, & Schut, 2006; Stroebe, Schut, & Stroebe, 2007). O luto passa a ser considerado
1203

complicado quando ele afeta a capacidade funcional do indivíduo, de modo que o enlutado não
consiga voltar ao seu funcionamento normal anterior à perda. Neste sentido, quando o processo
de Luto se desvia da norma cultural do indivíduo relativamente à duração, intensidade e
sintomas específicos e gerais do Luto, considerasse que o indivíduo se encontra a vivenciar um
processo de Luto Complicado (Prigerson, Frank et al., 1995). Nas palavras de Horowitz o luto
complicado é:

A intensificação do luto em nível em que a pessoa fica sobrecarregada, recorre às


condutas mal adaptativas ou permanece interminavelmente ente no estado de luto sem
progressão do processo de luto na direção de sua conclusão... (Isto) envolve processos
que não se movem em direção à assimilação e à acomodação, mas em vez disso,
conduzem às repetições estereotipadas ou interrupções extensivas da recuperação.
(Horowitz etal. 1980, p. 1157)

É importante salientar que o luto, pode ser um fator para o desenvolvimento de um


quadro patológico (APA, 2013; Souza & Romero, 2008), como foi apresentado, durante o
processo de luto, principalmente quanto a o desenvolvimento de um luto complicado, o enlutado
apresenta uma maior vulnerabilidade psicológica. Dopart(1973) ainda traz a possibilidade de a
depressão ser usada como um mecanismo de defesa, ele diz que quando a raiva é dirigida para
si mesmo e desviada da pessoa morta, pode dificultar que o sobrevivente lide com os
sentimentos, que muitas vezes são contraditórios, em relação à pessoa morta. Avaliando através
de uma revisão histórica feita por Parkes (2001), sabemos que o desenvolvimento de teorias ou
estudos que interliguem o luto e a depressão não é algo que teve início atualmente, pois no seu
estudo sobre o luto Parkes (2001) nos fala que, em 1621, o médico Robert Burton publicou The
Anatomy of Melancholie, obra na qual apresenta o pesar como sintoma e causa principal da
melancolia ou daquilo que, modernamente, chamamos de depressão clínica. Yale, Jacobs et dl.
(1987, 1989, 1990) que discutem a depressão dentro do contexto do luto falam que:

Embora a maioria das depressões no processo de luto seja passageira e não exija
atenção profissional, há observação crescente de que alguns tipos de depressão,
sobretudo aquelas que perduram no primeiro ano do luto, são clinicamente
significativas (1987, p. 501).

Com os dados expostos é possível compreender que embora a depressão e o luto não
sejam as mesmas coisas e que eles tenham que ser diferenciados para que o acompanhamento
psicológico possa ser feito de forma efetiva, ainda é importante não apenas entender como eles
com trabalhar eles individualmente, mas também em um contexto onde eles aparecem juntos.
1204

A IMPORTÂNCIA DA PSICOEDUCAÇÃO PARA O LUTO

A Psicoeducação surgiu no início de 1970, como um modelo que envolve distintas


disciplinas e teorias que podem ser inter relacionadas para compreender e aplicar suas técnicas
frente ao adoecimento do indivíduo (Wood et al., 1999). Segundo Authier (1977), a
psicoeducação proporciona uma maneira de auxiliar no tratamento das doenças mentais, a partir
das mudanças comportamentais, sociais e emocionais, assim permitindo a prevenção da saúde.
Pois quanto mais informada estiver uma pessoa acerca da sua condição de saúde, seja física ou
mental, sobre o seu funcionamento e sobre a forma como pode ser conduzido seu tratamento,
mais esta pessoa estará pronta para participar ativamente no seu processo de melhoria (Lukens
& McFarlene, 2004).
A psicoeducação para o luto teria como objetivo fazer com que o sujeito o compreenda
um pouco melhor, pelo que ele irá passar durante este processo e pincipalmente qual a
importância do luto, isto para ajudar a compreender que o luto é um processo benéfico para
todos aqueles que sofreram uma perda. E isso se faz necessário pois como enfatiza Ariès (1990)
a sociedade impossibilita a expressão da dor por causa morte, então ela passa a ser reprimida,
escondida, solitária. Assim, ela contribui para o aumento do desconforto e das repercussões da
perda, pois, perante a sociedade, a morte, o feio e o diferente não têm mais espaço (Rabelo,
2006).
Trazendo novamente a fala de Kovács (2003), quando ele traz que as dificuldades que
temos para lidar com a perda e realização do luto em nossa sociedade atual são, em sua maior
parte, o resultado de uma mentalidade que mantém a morte como um tema a ser evitado, e o
caminho para desfazê-la passa por uma educação para a morte. É esperado que fique claro que
não é por o assunto ser visto como um tabu ou por ele não ser discutido que ele irá deixar de
existir, isso só fara com que ele cause um impacto maior e assim seja potencialmente mais
danoso. Para que o processo de psicoeducação possa ocorrer de forma efetiva, é de extrema
importância que o profissional da área da psicologia, saiba diferenciar a tristeza característica
de um luto normal daquela considerada patológica, tanto para que o processo de intervenção
seja adequado e não cause mais sofrimento quanto para que não se acabe por negligenciar os
sintomas do paciente (Zisook & Shear, 2009)
1205

Além do que dos motivos que já foram apresentados, a psicoeduçação ainda ajudaria a
combater o grande número de pessoas que evitam o processo de luto ou que o temem por causa
da dor e da grande carga emocional que vem com ele. Pois como já foi dito por Worden (1998)
tem pessoas que não conseguem aguentar extremos de sofrimento emocional e assim se afastam,
como mecanismo de defesa do próprio sujeito, com a finalidade de se defender de sentimentos
tão fortes.
Não é esperado mudar a forma como a sociedade vê a morte ou a dor causada pela
mesma, o que se espera com a psicoeducação é mudar a forma como o enlutado encara a morte
e o processo de luto. Esta necessidade surge do fato de não vermos a morte como algo presente
ou provável de acontecer no nosso dia a dia, isto faz com que não estejamos prontos para a
realidade da perda e nem para o que vem após ela que é o processo de luto.
A partir dessas mudanças que se espera que as pessoas parem de temer o luto e os seus
sintomas, isso fará com que as pessoas estejam mais abertas a vivenciar este processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto neste artigo através de uma revisão bibliográfica acredito que
os objetivos propostos tenham sido alcançados, já que foi possível apresentar o luto como um
processo necessário, foi mostrado algumas das possíveis consequências de não o vivenciar e
acima de tudo foi apresentado os motivos que nos levam a necessitar de uma psicoeducação
para o luto, além do porquê necessitamos da mesma. Porém acredito que se faz necessário uma
aplicação pratica desta teoria para que se possa de fato comprovar o efeito de uma
psicoeducação para o luto.

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PSICOLOGIA ESCOLAR E ESTÁGIO PROFISSIONALIZANTE: possibilidades de


intervenção em uma escola da rede municipal de ensino em Mossoró/RN.

Karen Lívia Costa Carvalho¹


Géssica Mayara Costa Bezerra²
Mariana Lara Cabral Viana³
Sabrina Raquel de Oliveira⁴
Wandeclebson Ferreira Júnior⁵

RESUMO

A Psicologia Escolar no Brasil remonta ao período colonial do país, no qual eram usados
instrumentos psicológicos para medir e classificar indivíduos em instituições educacionais e
médicas em grande escala. Ao longo da história da Psicologia foram necessárias muitas batalhas
para sua regulação como profissão, além da constante luta voltada à inserção no espaço
educacional. O presente trabalho tem como objetivo expor a experiência vivida durante o
período de estágio em uma escola da rede municipal de ensino de Mossoró/RN. Trata-se de um
relato de experiência que descreve as intervenções realizadas por três estudantes do curso de
Psicologia da Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró (FACENE/RN), no
semestre letivo de 2022.1, fruto da disciplina de Estágio Supervisionado II. Foi possível entrar
em contato com diversos desafios da práxis da Psicologia Escolar, muitos deles também
presentes no discurso de toda a equipe, frequentemente voltado para as dificuldades encontradas
na rede pública de ensino - desde a falta de estrutura e de recursos à desvalorização do professor
e do ensino. Conclui-se que a experiência foi extremamente engrandecedora para o processo de
formação do grupo de estágio, assim como exitosa no tocante ao trabalho desenvolvido, uma
vez que grande parte dos objetivos propostos foi alcançada.
Palavras-Chave: Psicologia escolar; Estágio profissionalizante; Relato de experiência.

ABSTRACT

School Psychology in Brazil dates back to the country's colonial period, in which psychological
instruments were used to measure and classify individuals in educational and medical
institutions on a large scale. Throughout the history of Psychology, many battles have been
necessary for its regulation as a profession, in addition to the constant struggle aimed at insertion
in the educational space. The present work aims to expose the experience lived during the
internship period in a school in the municipal education network of Mossoró/RN. This is an
experience report that describes the interventions carried out by three Psychology students at
the Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró (FACENE/RN), in the semester of
2022.1, as a result of the Supervised Internship II discipline. It was possible to get in touch with
several challenges of the praxis of School Psychology, many of them also present in the
discourse of the entire team, often focused on the difficulties encountered in the public school
system - from the lack of structure and resources to the devaluation of the teacher and of
teaching. It is concluded that the experience was extremely enriching for the formation process
1210

of the internship group, as well as successful in terms of the work developed, since most of the
proposed objectives were achieved.
Keywords: School psychology; Internship; Experience report.

1 INTRODUÇÃO

A Psicologia é uma ciência relativamente recente no Brasil, sendo a sua regulamentação


enquanto profissão deferida há apenas seis décadas, em 27 de agosto de 1962, pela Lei nº
4119/62. Os cursos referentes à formação em Psicologia foram inseridos nas faculdades de
filosofia e haviam especialidades em Psicologia Educacional, Psicologia Clínica e Psicologia
aplicada ao trabalho (BRASIL, 1962).
Oliveira-Menegotto e Fontoura (2015) afirmam que a Psicologia foi inserida no
contexto educacional por meio de princípios higienistas datados de até meados do século XX,
tendo como objetivo separar os sujeitos considerados mentalmentalmente saudáveis daqueles
que não eram. Tal conduta era realizada com auxílio de instrumentos científicos restritos da
área. Essa perspectiva da Psicologia era predominantemente individualizada e voltada ao
contexto clínico, tendo como foco o ajustamento do indivíduo e desconsiderando sua
singularidade, sem um olhar crítico de compreensão social. Atualmente ainda é possível, em
muitos casos, observar a aplicação da Psicologia no ambiente educacional marcada pela sombra
do seu passado. As autoras afirmam ainda que as teorias voltadas ao desenvolvimento das
crianças e dos adolescentes também ajudaram nessa forma de inserção da Psicologia nesse
contexto, considerando que tais teorias foram desenvolvidas a partir de ideologias de repressão
e controle das tendências espontâneas, sem discutir a dinâmica presente na instituição de ensino
(OLIVEIRA-MENEGOTTO; FONTOURA, 2015).
Contudo, hoje sabe-se que a atuação do psicólogo no contexto escolar deve basear-se na
fundamentação teórica da Psicologia interligada à educação, com uma mediação do viés
educativo que implica em um passeio por diversos saberes, ampliando horizontes de atuação
que sejam condizentes com uma visão abrangente das demandas que se apresentam, superando
práticas de cunho clínico-terapêutico (ANTUNES, 2008).
Assim, a prática do psicólogo no contexto escolar tem como questionamentos
importantes: que função social a escola tem? Como o psicólogo pode contribuir para o
desenvolvimento dos sujeitos envolvidos nesse ambiente? Entende-se que o sujeito é formado
por influências biopsicossociais, por isso um trabalho com foco na escola também exige
1211

compreensão das demais esferas de sua vida. Nesse sentido, esse saber diz respeito às
subjetividades envolvidas no processo de ensino aprendizagem, valendo-se de temáticas
relacionadas ao desenvolvimento, ideias, comportamentos, além de sentidos e identificações
que permeiam as relações ambientadas na escola (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2019).
Como modo de garantir uma formação capaz de desenvolver as competências e
habilidades necessárias para uma atuação de excelência, o estágio supervisionado se faz
indispensável para o estudante de graduação em Psicologia. Por meio dele, torna-se possível
colocar em prática conhecimentos teóricos construídos em sala de aula, proporcionando ao
estudante o contato com a comunidade e reafirmando cada vez mais suas potencialidades para
além da prática clínica em consultórios (ANTUNES, 2008), como é o caso da atuação
hospitalar.
Diante disso, o presente trabalho tem como objetivo relatar a experiência de estágio
profissionalizante de estudantes do curso de Psicologia em uma escola pública do município de
Mossoró, interior do Rio Grande do Norte. Sua relevância é justificada pelo potencial de inspirar
novas discussões e práticas que aliem as teorias psicológicas aos saberes psicopedagógicos em
prol da construção e manutenção de um ambiente escolar capaz de promover bem-estar, saúde
mental e autonomia.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 HISTÓRIA DA PSICOLOGIA ESCOLAR

Ouve-se falar de movimentos relacionados à Psicologia Escolar desde o século XIX,


sendo as principais fontes de influência desta área francesas e norte-americanas. Sabe-se que
no Brasil, na República Velha, em meados de 1889 a 1930, foram utilizados instrumentos
psicológicos para medir e classificar indivíduos em instituições educacionais e médicas em
grande escala, demonstrando a influência da Psicologia norte-americana, principalmente no
trabalho do psicólogo junto às instituições escolares (CRUCES, 2006). Com isso, percebe-se a
ênfase do caráter clínico e terapêutico no início da Psicologia Escolar no Brasil.
Muitas batalhas por direitos que permitissem a Psicologia adentrar no universo escolar
foram travadas ao longo desses quase 60 anos. Desde a atuação no modelo clínico da década de
1212

80 até o amplo espaço conquistado nos dias atuais, muito se remodelou do fazer do psicólogo.
No meio do percurso, observou-se ainda a diferença existente entre Psicologia Escolar e
Psicologia Educacional. Enquanto o primeiro termo se refere à atuação prática na escola, o
segundo seria a área que se dedica a refletir, problematizar e pesquisar acerca dos processos
educacionais em geral, não somente na escola. Pode-se dizer, portanto, que esta seria uma área
na qual o profissional produz conhecimento e subsídios para que o psicólogo escolar os utilize.
Trata-se então de um trabalho em conjunto e complementar (GUZZO, 2001; MARINHO-
ARAÚJO; ALMEIDA, 2005).

2.2. OBRIGATORIEDADE DO PROFISSIONAL DA PSICOLOGIA NAS ESCOLAS

A luta pela obrigatoriedade do profissional da Psicologia nas escolas tem como marco
inicial o ano 2000, com o ex-deputado José Carlos Elias, que deu início ao Projeto de Lei 3688
‒ tornando-se posteriormente a Lei 13935/2019. O ex-deputado, junto às equipes de
profissionais da Psicologia e de Serviço Social, levantou a proposta de atender os estudantes
dos ensinos fundamental e médio, com o objetivo de colaborar com melhorias no processo de
aprendizagem, nas relações entre alunos, educadores e a comunidade escolar no geral, além de
estabelecer uma parceria com profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), caso houvesse
necessidade de demanda de atendimentos nesses espaços (BRASIL, 2019).
Com a aprovação da Lei 13935/2019, as redes públicas de educação básica passam a
contar com serviços de Psicologia e Serviço Social para atender as necessidades da população,
além das prioridades definidas pelas políticas públicas de educação através de equipes
multidisciplinares. Dessa forma, o Art. 1º institui que tais equipes desenvolvam atividades
propulsoras de melhorias na qualidade do processo de ensino-aprendizagem, viabilizando a
participação da comunidade escolar e mediando as relações sociais circunscritas nesse espaço.

3. METODOLOGIA

Trata-se de um relato de experiência que descreve as intervenções mediadas por três


estudantes do curso de Psicologia da Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró
(FACENE/RN) em uma escola da rede municipal de ensino de Mossoró/RN, no semestre letivo
de 2022.1, fruto da disciplina de Estágio Supervisionado II.
1213

As atividades foram realizadas com o ensino fundamental I, nas turmas do 1º ao 5º ano


no turno matutino, com alunos na faixa etária de 7-13 anos, de março a junho de 2022.
Primeiramente, realizou-se uma visita na instituição com objetivo de conhecer o ambiente, a
gestão, e entender as demandas presentes no campo. Na ocasião, também foi solicitado o Projeto
Político Pedagógico. Os momentos subsequentes foram destinados a estudos, planejamentos e
confecção de materiais para as intervenções desenvolvidas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A visita inicial permitiu o reconhecimento do local, tanto físico como em relação ao


funcionamento e a equipe que o integra. Já a reunião com a diretora responsável possibilitou a
discussão das demandas da escola e as possibilidades de inserção da Psicologia em atividades
capazes de contribuir positivamente para com a comunidade escolar. Além disso, foi solicitado
o Projeto Político Pedagógico visando compreender de forma mais abrangente as práticas
educacionais norteadoras. Dias e horários de disponibilidade para as intervenções foram
pactuados mediante o cronograma de estágio das estudantes, que esclareceram as possibilidades
de flexibilidade de acordo com as necessidades da escola. A partir disso e do contato posterior
e frequente com o corpo docente e demais colaboradores, as intervenções foram planejadas e
efetivadas, como visto a seguir.

4.1 DINÂMICA DO QUEM SOU EU

A intervenção ocorreu com a turma do 5º ano e foi realizada em sala de aula, com auxílio
de papel e canetas e sem a presença da professora. A dinâmica teve o objetivo de conhecer e
conectar-se com a turma. Para a sua efetivação, as estagiárias entregaram pedaços de papel para
os alunos e solicitaram que eles registrassem algo que os apresentasse ‒ letras de músicas,
frases, desenhos, poesias. Em seguida, pediu-se que cada um deles mostrasse seu registro e
falasse sobre o significado da produção, justificando o porquê daquilo o apresentar de maneira
fidedigna. Foi possível observar a utilização de objetos do cotidiano, animais de estimação,
versos de livros e até mesmo desenhos da própria escola, acompanhados da narrativa da
importância de estudar.
1214

Contudo, o desenho destacou-se como a forma mais utilizada pelos alunos. Este, além
de uma expressão artística, pode ser uma forma ampla e diversa de se comunicar. Nos desenhos
podem ser expressos e ressignificados sentimentos e sensações não alcançados por meio da fala.
Para Souza (2011, p. 03), “A produção de imagens é uma forma de comunicação de afetos que,
a partir daquele que a produz, estimula aquele que as observa a entrar em contato com elas,
como uma espécie de linguagem”.

4.2 CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

Em consonância com os benefícios visualizados a partir do instrumento, e em alusão à


campanha de Abril Azul e o dia 02 de dezembro, data que celebra o dia mundial de
conscientização do autismo, foi realizado um momento que envolveu todas as turmas do turno
matutino. A intervenção aconteceu no pátio da escola e foi feita por meio da contação de
histórias. O livro utilizado foi o “Meu amigo faz iiii”, de Andréa Werner, que conta a história
das descobertas de uma criança a respeito de um menino autista. A história foi encenada por
duas estagiárias com o uso de bonecos.
Dentre a vasta gama de recursos que podem ser utilizados na Psicologia Escolar aliada
a Psicologia Infantil, um dos mais brilhantes é a contação de histórias. Isso porque o contar ou
inventar histórias desempenha grande atração e alegria nas crianças, enriquecendo as suas
experiências, desenvolvendo tanto a imaginação, quanto a linguagem oral e escrita, organizando
o pensamento de forma lógica (VASCONCELOS, 2018). Conforme Peres, Naves e Borges
(2018) a contação de histórias pauta-se enquanto um instrumento capaz de agir como um elo
que transita entre os afetos, a cognição e a dimensão social humana, sendo possível dar
significados diversos e, a partir disso, atuar tornando os indivíduos mais íntegros e cidadãos.
Considerando esse aspecto, ao entrar em contato com a representação e a imaginação advinda
das histórias contadas, constrói-se novos sentidos e formas de ver o mundo.

4.3 ORIENTAÇÃO A MÃES

A partir do diálogo com uma professora e sugestão da mesma quanto à necessidade de


atenção especial a um determinado aluno, observou-se, junto a ele, dificuldades de
1215

aprendizagem, de interação social e acompanhamento da série escolar na qual estava inserido,


o 4º ano.
Como estratégia inicial, foi realizado o contato com a genitora. Utilizou-se, no encontro,
a anamnese psicológica, que configura-se como parte crucial do diagnóstico de situações, na
qual surgem questões da história de vida e demais fatores como preconceitos, normas,
expectativas e padrões familiares (RAMOS, 2011). O diálogo teve o intuito de coletar
informações da história do aluno e orientar/informar sobre possíveis estratégias para manejar
suas necessidades. Ressaltou-se a importância da busca por auxílio profissional específico para
melhor investigação do quadro, bem como do apoio da família junto à escola na assistência à
criança.

4.4. DISCUTINDO EMOÇÕES

A infância é uma fase do desenvolvimento humano marcada por descobertas, sensações


e curiosidades. Com isso, é extremamente natural vivenciar um “boom” de emoções e
sentimentos e não saber expressá-los. Del Prette e Del Prette (2013) citam que desde a infância
é imprescindível a estimulação do desenvolvimento diverso de habilidades, a exemplo da
expressão de emoções, relacionando-se à capacidade de reconhecer e nomear sentimentos,
construindo um repertório variado para lidar com as próprias questões emocionais. Para Franco
e Santos (2015, p. 340), “o estudo da relação entre a compreensão emocional e o
desenvolvimento infantil pode ser essencial para ajudar a criança no seu desenvolvimento
saudável.” Partindo dessa premissa, considera-se indispensável que a temática seja abordada
com os pequenos, auxiliando-os e dando-lhes suporte para que reconheçam e acolham o que
sentem.
Assim, a intervenção foi realizada na turma de 1º ano do ensino fundamental, com o
intuito de refletir com crianças de sete a nove anos sobre as emoções. Para facilitar o diálogo,
utilizou-se a estratégia da mímica, a partir da qual as crianças nomearam as emoções
representadas. Na sequência, foi distribuído um rosto em branco e, separadamente, os elementos
que o compõem enquanto parte do corpo humano, com diferentes feições, para que fizessem
sua própria montagem representando uma das emoções que aprenderam. O recurso da música
também foi utilizado a partir da canção “Cara de quê?”, contando com a participação ativa de
todos os alunos, reproduzindo as diferentes expressões citadas.
1216

4.5 CRIANDO MINHA ROTINA

Observou-se junto à professora a necessidade de trabalhar elementos relacionados à


disciplina com as crianças. Com isso, a intervenção foi planejada com base na intenção de
promover o entendimento do respeito ao tempo de cada atividade disposta no dia a dia. Como
ferramenta, foi utilizado um cartaz para consolidação da rotina a partir do uso de figuras
representativas, como: tomar banho, fazer as refeições, estudar, etc. Com a exposição do cartaz,
os alunos foram levados a reflexões acerca de limites e respeito.
Dias (2010) afirma que as atividades planejadas devem envolver a criança ativamente,
garantindo-as a construção da noção de tempo e espaço, possibilitando-lhes compreender como
são organizadas as situações e permitindo, sobretudo, o convívio social. Para além disso, é
possível aliar o desenvolvimento da autonomia nas possíveis construções envolvidas em uma
rotina, à medida que a criança cresce sentindo-se confiante para realizar suas atividades diárias.

4.6 MAIO LARANJA

O mês de maio é marcado por uma campanha de trabalho árduo e contínua. Trata-se do
mês de conscientização contra o abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Segundo
o Art. 227 da Constituição Federal do Brasil (1988),

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao


jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Seguindo a perspectiva da necessidade de abordar essa temática nos mais variados


ambientes possíveis para que assim atinja pessoas de todas as faixas etárias, a intervenção foi
realizada em dois formatos. Houve, primeiramente, a abordagem de diálogo direto com as
crianças do 4º ano, com o auxílio de ferramentas lúdicas e recreativas para melhor compreensão.
A dinâmica do “pode ou não pode” deu início ao momento, destacando situações acerca do
toque físico. Para responder, os estudantes utilizaram plaquinhas com “✓ / x”. Na sequência,
foi a vez da dinâmica “batata quente”, na qual a batata foi representada como cartões com
1217

questionamentos e situações de possíveis abusos, além da reflexão do que fazer a partir disso.
Foi enfatizada, durante toda a discussão, a importância de pedir ajuda, discutindo sobre com
quem falar e o que fazer. Para finalizar, foram distribuídos papéis para que pudessem registrar
em desenhos pessoas de sua confiança.
A segunda alternativa utilizada foi a construção de um painel interativo. O objetivo foi
explorar uma atividade denominada “semáforo do toque”, que mostra dois corpos infantis
cisgêneros, representando os gêneros feminino e masculino, e os lugares permitidos, não
permitidos e que demandam atenção/cuidado quanto ao toque. Para isso, utilizou-se as cores
verde, vermelho e amarelo, respectivamente. Ademais, foram adicionadas informações como
nove sinais de alerta que podem indicar o abuso infantil e como denunciá-lo. O painel ficou
exposto no pátio, local onde pais, alunos e funcionários têm livre acesso.

4.7 DIALOGANDO SOBRE AUTOESTIMA

Sabe-se que ao dialogar sobre autoestima é importante caminhar para além do elemento
beleza, pois, de acordo com Galindo (2020), autoestima trata-se de um aspecto da personalidade
humana, conferindo um juízo de valor e estando relacionada à valorização de si e apreciação do
modo de ser e viver.
Considerando a relevância dessa questão, a vivência foi realizada com alunos do 3º ano
do ensino fundamental. Nela, foi utilizada a “dinâmica do dado”, recurso construído pelas
estagiárias que continha seis frases atreladas à temática da autoestima. Para melhor discussão
do assunto, inicialmente foram feitos e esclarecidos alguns questionamentos, tais como: “Vocês
sabem o que significa autoestima?”; “E qualidades?”; “E valor?”. As respostas foram
exemplificadas com situações/expressões vivenciadas no cotidiano. Além disso, as diferenças
entre alta autoestima e baixa autoestima foram abordadas, pontuando os elementos que
potencializam uma e outra.

4.8 DISCUTINDO EMPATIA

Reconhecendo a escola como espaço de grande influência na construção social do


sujeito, torna-se fundamental incluir na sua rotina o exercício do olhar e do cuidado para com
o lugar do outro nesse convívio. Sobre esse aspecto, pontua-se a empatia como um exercício
1218

diário a ser trabalhado. Para Sampaio et al. (2013), esse conceito refere-se ao acesso dos
indivíduos às questões de seus pares, envolvendo elementos da cognição e dos afetos, fazendo-
os experimentar de maneira congruente os reflexos obtidos a partir do contato com o outro.
Com base nisso, utilizou-se duas dinâmicas para a intervenção realizada na turma do 5º
ano. Inicialmente, a dinâmica de apresentação solicitava que os alunos se juntassem em duplas,
conversassem e, posteriormente, um falasse da história do outro como se contasse a sua. A partir
disso, uma reflexão acerca de como se sentiram colocando-se no lugar do colega para contar
sua história foi realizada.
Em seguida, a “dinâmica do feiticeiro” solicitou-se que cada um dos alunos escrevesse
uma prenda para o colega ao seu lado. Ao final, os escritos foram lidos e as prendas pagas pelos
próprios criadores. No decorrer das dinâmicas, as conversas envolveram a importância de tratar
bem o próximo, com respeito e empatia.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível notar, frequentemente, o discurso de toda a equipe voltado para as


dificuldades encontradas nas instituições de educação básica na rede pública. Estas vão desde a
falta de estrutura e de recursos à desvalorização do professor e do ensino. Junto a isso, destaca-
se a herança do estado pandêmico, com relatos de dificuldades com relação à continuidade do
planejamento do conteúdo programático em decorrência da deficiência de aprendizagem de
grande parte dos alunos.
Percebe-se que a escola acolheu e incentivou os serviços de Psicologia no ambiente.
Contudo, alunos e equipe escolar trataram, por vezes, a atuação do estágio como serviço de
atuação biomédica, em grande parte influenciados pelas vestimentas das estagiárias ‒ roupas
brancas, como protocolo da Instituição de Ensino Superior da qual fazem parte ‒, comumente
utilizadas por médicos, enfermeiros e outros profissionais em serviços de saúde. Além disso, a
experiência reforça a necessidade da psicoeducação junto a professores, alunos e toda a equipe
quanto ao fazer da Psicologia no ambiente escolar, compreendendo as especificidades dessa
atuação e seu distanciamento do fazer clínico.
Conclui-se que a experiência foi extremamente engrandecedora para o processo de
formação do grupo de estágio, assim como exitosa no tocante ao trabalho desenvolvido, uma
vez que grande parte dos objetivos foi alcançada, tornando possível, apesar das dificuldades,
1219

uma prática capaz de compreender em suas invenções alunos, equipe escolar e a esfera
familiar/comunitária.

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VASCONCELOS, J. O. de. Contação de histórias infantis: um recurso para estimular a


aprendizagem. Universidade Federal da Paraíba: 2018.
1221

PSICOLOGIA HOSPITALAR: práticas e inserção profissional no brasil

Maria Cecília Azevedo Ferreira1


Míriam Câmara2
Ingridy Vitória Dantas de Lira3
Amanda Carolina Claudino Pereira4

RESUMO

A Psicologia Hospitalar é uma área em contínuo crescimento que se faz em conjunto com o
trabalho multiprofissional de modo a contribuir com o cuidado nos âmbitos psíquicos e sociais
dos pacientes atendidos. Em vista disso, o decorrente trabalho de pesquisa bibliográfica visa
discutir a atuação do psicólogo nos diversos espaços hospitalares em que se faz presente e
necessário, perpassando por ambulatórios, hospitais gerais e psiquiátricos, UBSs, dentre outros.
Desse modo, o psicólogo encontra-se em função da promoção, prevenção e garantia de saúde
do paciente, realizado a partir da escuta e cuidado ao paciente, à família e também da equipe,
viabilizando estratégias de enfrentamento decorrentes da hospitalização e a compreensão do
sujeito em uma perspectiva ampla e digna de cuidado.
Palavras-Chave: Psicologia Hospitalar; Atuação Profissional; Práticas de cuidado.

ABSTRACT

Hospital Psychology is an area in continuous growth that is done in conjunction with


multidisciplinary work to contribute to the care in the psychic and social spheres of the patients
treated. In view of this, the resulting work of bibliographic research aims to discuss the role of
the psychologist in the various hospital spaces in which he is present and necessary, passing
through outpatient clinics, general and psychiatric hospitals, UBSs, among others. In this way,
the psychologist is in function of the promotion, prevention and guarantee of the patient's health,
carried out from the listening and care to the patient, the family and the team, enabling coping
strategies resulting from hospitalization and the understanding of the subject. in a broad and
care-worthy perspective.
Key words: Hospital Psychology; Professional performance; Care practices.

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
ceciliazevedo.13@gmail.com.
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
miriancamara1@hotmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN). E-mail:
ingridydll@gmail.com
4
Orientador(a): Amanda Carolina Claudino Pereira. Professora da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte
(FCRN). E-mail: amanda.pereira@professor.catolicadorn.com.br
1222

1 INTRODUÇÃO

A Psicologia hospitalar se caracteriza como uma área de atuação do psicólogo inserido


no contexto da saúde. De acordo com o CFP, órgão que regulamenta a profissão do psicólogo
no Brasil, o psicólogo clínico, estando inserido na psicologia da saúde, pode trabalhar em
âmbitos diferentes do consultório, sendo esses: hospitais, unidades psiquiátricas, Unidades
Básicas de Saúde, entre demais campos.
Assim, Fossi e Guareshi (2004), salientam que o psicólogo hospitalar atua em função de
garantir a qualidade de vida dos pacientes e usuários, bem como da família e equipe. Desse
modo, o profissional da psicologia não se restringe apenas ao atendimento clínico, realizando
também trabalhos em grupos terapêuticos, unidades de terapia intensiva, ambulatórios,
enfermarias em geral, psicodiagnóstico e avaliação psicológica.
Para tanto, a Psicologia Hospitalar é um campo em constante crescimento que segue
apoiado no trabalho multidisciplinar com os demais profissionais atuantes. Logo, é preciso que
o psicólogo explicite aos demais membros da equipe acerca dos seus papéis nas intervenções a
serem feitas com o paciente, para que estes estejam cientes de suas responsabilidades inserido
na equipe e no ambiente hospitalar (CARVALHO et al, 2011).
Inserido no espaço de ambulatórios, haja vista a cronicidade das patologias evidenciadas
nesses locais, o psicólogo ambulatorial visa a investigação da patologia do paciente, buscando
estar alerta para comportamentos que se mostrem favoráveis ou desfavoráveis diante do quadro
de saúde para que estratégias sejam adotadas em busca de garantir um estilo de vida orgânico
(BAPTISTA; DIAS; BAPTISTA, 2018).
Já no trabalho da psico-oncologia e dos cuidados paliativos, o profissional da psicologia
emerge através da tentativa de garantir a qualidade de vida do paciente, dedicando-se a prestar
assistência ao mesmo e a família, estando ciente do diagnóstico e prognóstico, buscando vias e
alternativas a serem adotadas para o cuidado desse paciente, principalmente diante da adoção
de cuidados paliativos. Portanto, diante dos cuidados paliativos, não tratando-se apenas de
pacientes diagnosticados com câncer, o psicólogo deve iniciar seu trabalho com o paciente o
mais precoce possível, haja vista a prevenção e administração do sofrimento, ofertando a escuta
e visando a amenização dos sintomas e dores, sejam físicos ou psicológicos (BAPTISTA;
DIAS; BAPTISTA, 2018).
1223

Deste modo, no cuidado com pacientes diagnosticados com doenças crônicas o trabalho
do psicólogo tem como foco promover a autonomia do sujeito quanto às informações acerca de
seu diagnóstico e tratamento, dar suporte na adaptação quanto à mudança de rotina, observar o
modo como o paciente está reagindo à doença, ainda, visa auxiliar a família a lidar com o
contexto atual e, quanto à equipe, busca oferecer assistência nas perdas e questões emocionais
(ANGERAMI-CAMON et al, 1996).
A Psicologia Hospitalar abrange ainda a pediatria, onde o profissional atua com extrema
delicadeza, dando suporte ao infante e à família, visando ainda a amenização de prejuízos no
desenvolvimento dessa diante de longos períodos de internação (BAPTISTA; DIAS;
BAPTISTA, 2018).
Por último, o psicólogo em atendimentos realizados em Centros de Terapia Intensiva
(C.T.I) tem a função de acolher o paciente, a família e a equipe visando compreender o
sofrimento do sujeito de forma integral a fim de alcançar enfretamentos a partir de uma visão
ampla e interdisciplinar. Logo, sendo analisado o quadro psico-reativo, distúrbios
psicossomáticos, quadros conversivos, fantasias mórbidas, angústias e ansiedades frente ao
quadro clínico, além de propiciar ações de estímulo e possibilidades de contato em casos de
pacientes comatosos e prestar o devido cuidado em pacientes depressivos e em pacientes
suicidas (ANGERAMI-CAMON et al, 2010).
É possível destacar que historicamente o compromisso hospitalar seguiu o modelo
biomédico hegemônico e a psicologia adentra esse campo com o intuito de trazer um cuidado
além da dimensão físico-biológica e estabelecê-lo também no contexto psíquico e social
(TEXEIRA, 2022). O presente trabalho está caracterizado como uma pesquisa de cunho
bibliográfico e foi produzido para compor o portfólio da disciplina de Psicologia Hospitalar,
visando discutir de modo mais abrangente a atuação do psicólogo nesses diversos espaços que
seu trabalho se faz possível e necessário. Pretende-se ainda enunciar a importância que o
profissional de psicologia possui nos ambientes ambulatoriais, de cuidados paliativos e psico-
oncológicos, de pediatria, nos Centros de Terapia Intensiva, nos cuidados de pacientes com
doenças crônicas e no trabalho em equipes multiprofissionais, discorrendo sobre a sua prática
em cada uma delas.

2 A EXPERIÊNCIA NA PSICOLOGIA HOSPITALAR


1224

2.1 PSICOLOGIA AMBULATORIAL

A psicologia ambulatorial limita-se pelo atendimento em ambulatórios, que geralmente


são encontrados em hospitais. Contudo, nem todos os hospitais possuem essa especificidade,
sendo assim são mais comumente localizados em hospitais que tratam de doenças crônicas, uma
vez que a partir dessas, com a variação de estágios da enfermidade, nem sempre o paciente
permanece em internação, podendo seguir necessitando de cuidados e acompanhamentos que
são demandados para os centros ambulatoriais (LALONI; FERNANDES, 2018).
Portanto, no trabalho ambulatorial, é feita uma investigação da relação entre
comportamento e saúde, em função de compreender a probabilidade de comportamentos que
aumentam ou diminuem os riscos diante da doença. Tudo isso está intimamente relacionado aos
hábitos e estilo de vida do adoecido (LALONI, 2006). Logo, faz-se necessário que a atenção
esteja voltada para comportamentos que podem agravar o caso do paciente ou levá-lo a adquirir
uma nova enfermidade. Para tanto, é importante que seja trabalhado estratégias para adoção e
manutenção de um estilo de vida orgânico (LALONI; FERNANDES, 2018).
Haja isto, a especificação de fatores de risco psicológico, comportamentos sociais e
crenças do sujeito são precisas, em função de produzir tais estratégias de adaptação frente ao
processo de saúde-doença. Esses fatores podem se constituir enquanto sociais, na rede de apoio,
a partir de causas econômicas, ambientais ou mesmo psicológicas (LALONI; FERNANDES,
2018).
Além disso, apesar da cronicidade dos casos da maior parte do público encaminhado
para o ambulatório, algumas pessoas são resistentes ao atendimento psicológico, principalmente
diante de quadros não esperados. Mostra-se mais comum que a concordância com o
atendimento parta após a conscientização e aceitação de sua condição de adoecido, sendo,
variadas vezes, uma condição permanente. Em meio a isso, é imprescindível compreender e
aguardar o tempo do paciente. É preciso enfatizar, ainda, que a maior parte das demandas
existentes partem de doenças crônicas e encaminhamentos infantis, podendo ser enviadas pelo
hospital ou pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) (LALONI; FERNANDES, 2018).
Através da atuação de diversos profissionais no âmbito tanto ambulatorial, como
hospitalar - uma vez que se comunicam – há, comumente, condições de trabalho inadequadas
desses profissionais, o que dificulta um trabalho humanizado e atento a questões que necessitam
1225

de aprofundamento, gerando violências e levando os profissionais e pacientes a estados de


vulnerabilidade, o que pode agravar os casos que ali se apresentam.
A atuação do psicólogo nesse local deve se dar através da investigação das influências
que perpassam a vida do paciente, como sua história, relação com o ambiente hospitalar e de
vida, estabelecendo vias para construção psicológica do sujeito. Contudo, não se deve esquecer
das demandas referentes ao diagnóstico e prognóstico, além das questões do indivíduo enquanto
um todo (LALONI; FERNANDES, 2018).
Para tanto, é possível a realização de avaliação psicológica, intervenção terapêutica
individual ou grupal. Para esse trabalho, muitos hospitais costumam estabelecer limite de
tempo, portanto as técnicas são mais comumente focais e comportamentais (LALONI;
FERNANDES, 2018).
O trabalho do psicólogo no ambulatório inicia-se com a triagem, em busca de conhecer
a demanda inicial do paciente, bem como adquirir uma visão geral do mesmo e do seu quadro,
assim, estabelecendo encaminhamentos e métodos para prosseguimento do tratamento. A
triagem tem objetivo de investigar se o paciente é legível ou não para o serviço, além de acolhê-
lo, podendo demandar mais de um encontro (LALONI; FERNANDES, 2018).
Já passando aos atendimentos, geralmente são realizados em frequência semanal ou
quinzenal, a depender da quantidade de demandas que chegam ao ambulatório, bem como o
tempo de sessão. A duração irá variar de acordo com a evolução e resposta do paciente ou da
política hospitalar. Pode-se escolher um foco para trabalho e atentar as intervenções através
dessa via. Tal foco poderá ser determinado em conjunto ao paciente ou pelo julgamento do
profissional de acordo com sua avaliação do caso. Esse trabalho delimita-se através do
planejamento do profissional, do objetivo para realização da psicoterapia breve, bem como da
abordagem utilizada. Assim, a realização do atendimento através da psicoterapia breve, exige
do paciente um compromisso com seu processo terapêutico.
Em alguns hospitais é também realizado o que se conhece como interconsulta, onde o
atendimento é realizado por mais de um profissional ao mesmo tempo, aproximando
profissionais e saberes, com foco no paciente. Sendo, então, interdisciplinar e permitindo a
construção de uma visão mais ampliada do enfermo. Logo, é iniciada através dos levantamentos
de triagem, do motivo geral da solicitação da consulta, das expectativas estabelecidas diante do
trabalho de cada profissional, ajudando na compreensão geral dos aspectos concernentes ao
1226

paciente, estabelecendo e analisando os possíveis prognósticos e compreendendo as medidas de


segurança para os atendimentos.
Assim, no ambulatório o profissional da psicologia objetiva auxiliar o paciente diante
de suas questões psicológicas, de saúde e do que poderá surgir adiante, ou seja, a partir do
prognóstico.

2.2 PSICO-ONCOLOGIA E CUIDADOS PALIATIVOS

O câncer é caracterizado por um conjunto de doenças em que ocorre o crescimento


desordenado de células em tecidos e órgãos (INCA, 2016), sendo o seu tratamento feito através
de cirurgias (em casos mais brandos ou de início da doença), quimioterapia (uso de
medicamentos para destruir as células doentes e visando evitar a migração de tumores para
outros órgãos do corpo) e/ou radioterapia (utilização de radiação localizada na área do corpo
afetada pelo câncer). A partir disso, a psico-oncologia é a área da psicologia que objetiva o bem-
estar e a qualidade de vida dos pacientes acometidos pelo câncer, realizando assistência do
paciente e seus familiares na prevenção, diagnóstico, tratamento, cura ou cuidados paliativos,
além de investigar os fatores psicológicos e sociais que influenciam no tratamento e
reabilitação, realizando pesquisas na área e capacitando outros profissionais (BEZERRA;
TAURISANO; PREBIANCHI, 2018).
Essa área de estudos tenta compreender o contexto do paciente e como este entende o
seu quadro diagnóstico, tal como o sofrimento emocional e os estigmas e fantasias criados que
podem afetar a adesão do tratamento e a influência dos cuidados, no qual varia de acordo com
o nível socioeconômico e cultural de cada indivíduo. Assim, sendo necessário que a equipe
multiprofissional investigue a rede de apoio e como esta mesma recebeu a notícia do diagnóstico
e como gera o suporte necessário desse paciente, ademais, auxiliando na criação de estratégias
de enfrentamento e adaptação (TEIXEIRA; PIRES, 2010). O psicólogo, nas suas modalidades
de atendimento, prestar suporte profissional de forma individual, proporcionando uma maior
privacidade ao paciente e podendo ser realizado nos leitos e ambulatórios durante a internação,
ou de forma grupal, feito em conjunto com o paciente, família e os outros profissionais da
instituição hospitalar (BEZERRA; TAURISANO; PREBIANCHI, 2018).
A partir disso, os cuidados paliativos realizados pela equipe multiprofissional, se
apresentam como um acompanhamento indispensável não somente em casos de câncer, mas
1227

também em qualquer doença crônica ou degenerativa, visando a qualidade de vida dos pacientes
e seus familiares com um enfoque holístico, sendo recomendado desde o início do diagnóstico.
Esta prática se refere a uma ideia de acolhimento e proteção que valorize o cuidado integral do
sujeito na realização da prevenção e alívio do sofrimento durante o enfrentamento das doenças,
com o intuito de proteger o paciente da medicina curativa quando esta já não consegue acolher
da forma mais adequada (BEZERRA; TAURISANO; PREBIANCHI, 2018). Os autores
indicam ainda que o objetivo que se procura alcançar é de conforto e suporte e não de cura da
doença, minimizando dores e outros sintomas desagradáveis com o uso de terapias integrativas.
Durante o processo de cuidados ao paciente é necessário que haja a escuta, para que as
demandas possam ser acolhidas e os aspectos espirituais e psicológicos do sujeito sejam
integrados; que o psicólogo e a equipe encoraje-o para que participe das decisões e mantenha
sua autonomia, oferecendo um sistema de suporte que possibilite-o viver da forma mais ativa
possível, auxiliando, ainda, na criação de estrategias de enfretamento, como a busca de apoio
social e psicológico e realizando o encaminhamento da família para a psicoterapia caso seja
necessário; explicar sobre os cuidados paliativos e deixá-lo ciente de que a equipe o está
acompanhando e dar abertura para os familiares a fim de que também se sintam acolhidos e
tenham espaço de fala, assim, podendo expressar seus sentimentos e emoções junto ao paciente,
compreendendo quais as dúvidas e reforçando os recursos adaptativos e o enfretamento de
possíveis processos de luto, dessa forma, estimulando o autocuidado de todos os envolvidos
(BEZERRA; TAURISANO; PREBIANCHI, 2018)..
Os princípios na prática dos cuidados paliativos são: aliviar a dor física e psicológica,
além de outros sintomas desagradáveis; afirmar a vida e resgatar a morte como um processo
natural; respeitar o momento do paciente, sem adiar ou acelerar a morte; integrar os aspectos
psicológicos e espirituais no cuidado; oferecer suporte para que o paciente viva ativamente na
medida do possível; proporcionar suporte aos familiares durante o tratamento e nos processos
de luto; focar nas necessidades do sujeito e da família a partir de uma abordagem
multiprofissional; melhorar a qualidade de vida do paciente e influenciar positivamente o curso
da doença, de modo que respeite seus desejos e necessidades; e iniciar o mais precocemente
possível para que o paciente seja cuidado durante diferentes etapas da doença, possibilitando
compreensão e um maior controle de situações estressantes (ROSA; RODRIGUES, 2018).
O serviço pode ser executado de três maneiras, sendo elas: em uma Unidade de Cuidados
Paliativos, localizada em uma das áreas do hospital com um conjunto de leitos que trabalha com
1228

profissionais capacitados e que seguem os ideais das práticas em cuidados paliativos; com uma
equipe interdisciplinar que é acionada quando o paciente precisa, em casos de hospitais que não
possuem leitos específicos de cuidados paliativos; ou por uma equipe itinerante, que também é
acionada quando dada a necessidade de atendimento ao paciente, com o caso podendo ser
acompanhado em conjunto ou não com o médico (ROSA; RODRIGUES, 2018).
2.3 CUIDADOS A PACIENTES DIAGNOSTICADOS COM DOENÇAS CRÔNICAS

Atualmente, os países em desenvolvimento estão aumentando cada vez mais a


expectativa de vida e diminuindo a taxa de natalidade, esse fenômeno implica no
desenvolvimento de doenças de maior complexidade, como as doenças crônicas. O crescimento
da população diagnosticada com essas doenças desencadeia uma sobrecarga no sistema de
saúde, visto que essas patologias demandam um tratamento complexo e contínuo. Logo, as
doenças crônicas são conceituadas como um agrupamento de sintomas duradouros que se
desenvolvem em uma patologia, de modo gradativo e com variadas causas, sendo
desencadeadas por fatores genéticos e/ou por hábitos de vida. Essas doenças são recorrentes e
na maioria das vezes estão atreladas a comorbidades, que levam a um quadro com maiores
complicações, sendo necessárias internações frequentes (SEBASTIANE; OLIVEIRA, 2011).
De acordo com Medina et al. (2014), o trabalho de prevenção é um fator importante para
evitar o desenvolvimento das doenças crônicas, estando esse incluído nas políticas de saúde do
SUS, que estabelece a prevenção principalmente na atenção primária, de modo individual e com
a comunidade. Este cuidado ocorre através da educação em saúde, informando acerca de hábitos
de vida saudáveis e na busca por mudanças nas questões sociais que influenciam a qualidade
de vida dos usuários. Entretanto, a atuação focada no modelo biomédico não prioriza a
prevenção, mas a busca incessante pela cura, dificultando a prática da promoção à saúde por
meio de um viés biopsicossocial.
Portanto, o diagnóstico traz diversas sequelas e limitações, que podem afetar o sujeito e
sua família, sendo necessária uma atuação do profissional da psicologia para trabalhar as
consequências na saúde mental e emocional das pessoas em questão. O trabalho do psicólogo
tem como foco promover a autonomia do sujeito quanto às informações acerca de seu
diagnóstico e tratamento, dar suporte na adaptação quanto à mudança de rotina, observar o
modo como o paciente está reagindo à doença, ainda, visa auxiliar a família a lidar com o
1229

contexto atual e, quanto à equipe, busca oferecer assistência nas perdas e questões emocionais
(SEBASTIANE; OLIVEIRA, 2011).
Por fim, Barreto et al. (2015) expõe os desafios quanto ao trabalho com pacientes
crônicos, estando esses voltados para a dificuldade em estabelecer o diagnóstico, devido a
complexidade dessas doenças, que podem acarretar um diagnóstico tardio e com maiores
complicações; o longo período de tratamento que gera gastos no sistema de saúde; além da
resistência de alguns pacientes na adesão ao tratamento, com a possibilidade de agravamento
dos sintomas.

2.4 PSICOLOGIA HOSPITALAR PEDIÁTRICA

O trabalho na psicologia hospitalar pediátrica demanda do profissional da psicologia


uma extrema delicadeza, perpassando por diversos enfrentamentos que dizem desde os aspectos
psíquicos da criança e da família, bem como o cuidado diante de todo o desenvolvimento desse
infante. Assim, crianças submetidas a longos processos de internação, estando distantes de um
ambiente familiar, acolhedor e confortável para si, podem encontrar-se mais vulneráveis a
dificuldades no seu processo de desenvolvimento, seja esse físico ou cognitivo, o que poderá
levá-la, ao desenvolvimento de problemas comportamentais, principalmente diante da
inexistência de suporte psicológico em meio ao processo (MACEDO; RIBEIRO; DIAS, 2018).
É primordial que no trabalho da psicologia hospitalar pediátrica, o profissional esteja
atento aos sinais emitidos pelas crianças e pelas famílias para proporcionar, cada vez mais, um
atendimento assertivo, compreendendo as demandas. Assim, a atuação se encaminha através do
conhecimento do histórico do paciente, de suas experiências anteriores com a hospitalização e
do diálogo com a equipe, paciente e família (NICHOLS, 1985). Logo, preparar o paciente para
realização de procedimentos e para nova rotina estabelecida, diz da necessidade e da
importância que a criança esteja ciente, na medida de seu entendimento, de todo processo que
envolve seu adoecimento, seja do diagnóstico, prognóstico, tratamento e enfrentamentos
adiante, para que possa constituir formas de lidar com sua condição de saúde. Com tudo isto, é
preciso compreender ainda a relevância do entendimento familiar dos aspectos citados, uma vez
que a maneira que essa família entende o processo influencia a própria compreensão e
comportamento da criança. Sendo assim de suma importância a investigação da elaboração
1230

desse processo na família, levando ainda em conta que afetará diretamente o manejo adequado
das necessidades do infante (MACEDO; RIBEIRO; DIAS, 2018).
Por meio do trabalho com a família, compreende-se que o contato permanente dos
familiares com o paciente infantil durante o internamento é um importante meio de cuidado de
manutenção dos vínculos. Através disso, a atuação com esses membros se propõe a discussão
do quadro do paciente, manejo do tratamento, desenvolvimento de estratégias para
enfrentamento de dificuldades, trabalho das relações, vínculos e emoções; além da exposição
de normas e regras do ambiente hospitalar, bem como dos direitos e deveres impostos no local
(MACEDO; RIBEIRO; DIAS, 2018).
Como um dos métodos de trabalho do psicólogo, a avaliação psicológica nesse âmbito,
desde que bem realizada e de maneira completa, pode contribuir para redução do tempo de
hospitalização. A avaliação pode acontecer em diversos momentos (leito, pré-procedimentos,
momento do brincar) e através da utilização de diversos instrumentos (escalas, testes,
entrevistas), a depender do que é disponibilizado pela instituição e da demanda do caso. Com
isso, há a possibilidade de investigar e conhecer aspectos gerais, como os impactos nos aspectos
de vida do paciente e família, sendo no próprio cuidado com a saúde, na escola, emprego, rotina,
e etc (MACEDO; RIBEIRO; DIAS, 2018).
Logo, pode ser realizada com o paciente, visando a participação do mesmo nos
processos que tratam de seu estado de saúde, bem como do enfrentamento emocional diante dos
medos, angústias e expectativas e da realização de encaminhamento conforme a necessidade;
com a família, de forma a coletar informações que o paciente é incapaz de fornecer, oferecer
suporte, orientação e incentivar no cuidado e participação ativa no processo, além de também
encaminhar quando é preciso; com a equipe, em função de otimizar o trabalho, tornando-o mais
direcionado e, logo efetivo, auxiliando na identificação de comportamentos, sintomas e
orientando condutas em busca da diminuição de prejuízos ao paciente (MACEDO; RIBEIRO;
DIAS, 2018).
Ao tratar da amenização desses prejuízos, é necessário avaliar o impacto trazido pela
alteração da rotina da criança, sendo assim importante a adoção de estratégias para viabilizar a
inserção de aspectos desse cotidiano na internação. A existência de brinquedoteca no ambiente
hospitalar se faz de grande importância, levando em consideração que o brincar atua na vida da
criança de forma terapêutica, auxiliando na elaboração de experiências, permitindo que a
criança seja posta diante do processo como sujeito ativo através do controle do ambiente,
1231

possibilitando ainda um melhor desenvolvimento em meio as condições. Para tanto,


profissionais como psicólogos, estagiários, pedagogos e brinquedistas atuam nesse ambiente
auxiliando a criança a partir de atividades educativas, recreativas e psicoterapêuticas
(MACEDO; RIBEIRO; DIAS, 2018).
Tratando do cotidiano infantil, a escola e a educação se fazem presente em grande parte,
sendo preciso e importante a continuação de tais processos na vida da criança.
Consequentemente, a classe hospitalar se instaura em meio a esses objetivos e demandas,
constituindo um atendimento especial, desenvolvido em junção as unidades escolares e direções
dos estabelecimentos e serviços da saúde, compreendendo a importância da ligação do infante
com seus processos anteriormente cotidianos (MACEDO; RIBEIRO; DIAS, 2018).

2.5 ATENDIMENTO PSICOLÓGICO NO CENTRO DE TERAPIA INTENSIVA

As C.T.Is ou U.T.Is (Unidade de Terapia Intensiva) comumente estão relacionadas ao


estereótipo de morte e sofrimento pelos pacientes e familiares. Porém, essas unidades possuem
o objetivo de acompanhar o paciente de forma mais intensa com atendimento 24 horas,
utilização de equipamentos mais sofisticados, equipe qualificada e com o foco na enfermidade,
sendo necessário em casos de pós-cirurgias ou agravamento de doenças, necessitando de
monitoramento constante. Os profissionais que trabalham nessas unidades possuem uma rotina
bastante acelerada, sentimentos de apreensão, situações de morte iminente, estresse e tensão
que também são vivenciadas pelos pacientes (SEBASTIANE, 2010).
O psicólogo que realiza atendimento em U.T.I tem os objetivos de acolher o paciente,
familiares e equipe, compreender o sofrimento do paciente de forma holística, buscando
enfrentamentos a partir de uma visão interdisciplinar. Eventualmente, promovendo uma morte
e tratamentos mais dignos e menos sofridos e proporcionando a devida atenção à família que
pode vir a sentir-se impotente diante da situação, pois esta é uma potente força afetiva para o
paciente e deve ser envolvida durante a assistência. O tratamento dos aspectos psicológicos
deve ser feito analisando o quadro psico-reativo, no qual irá ser observado as reações à
internação; síndromes psicológicas; distúrbios psicossomáticos; quadros conversivos, tais como
ocorrência de convulsões sem explicação para que seja entendido o que está acarretando essa
resposta; fantasias mórbidas e angústias, além de ansiedades frente ao quadro clínico. Também
1232

é parte da função do psicólogo proporcionar estímulos e possibilidades de contato externo com


pacientes em coma, motivando a participação da família no processo (SEBASTIANE, 2010).
O olhar em relação aos pacientes cirúrgicos que se encontram internados na U.T.I está
em perceber os sentimentos de angústia, ansiedade e medo relativos a dor, anestesias e
complicações durante o processo cirúrgico e pós-cirúrgico no qual está presente uma base
concreta, pois é um procedimento médico que possui riscos e quanto mais valorizado for o
órgão que será operado maior a preocupação do paciente, por isso é notória a importância da
confiança e autorização (SEBASTIANE, 2010). Durante o pós-operatório é importante
observar alguns fatores e possíveis geradores de complicações na evolução do caso como:
letargia e apatia; agressividade; depressão reativa, no qual pode ocorrer em mulheres no pós-
parto; reações de perda, como a perda esperada ou não de um membro do corpo; elaborações
inadequadas das limitações ocasionadas pela cirurgia e dificuldades no processo de reabilitação
e da reintegração social (SEBASTIANE, 2010).
Em caso de depressão no paciente pós-cirúrgico, que pode acarretar em nível leve à
grave, sendo os fatores que geram essa reação associados ao estresse e ansiedade do paciente
durante o pré-operatório, essa resposta também pode influenciar o quadro imunológico do
sujeito e comprometer a sua recuperação. Por isso mostra-se importante a abertura com relação
aos sentimentos e fantasias do paciente para que o mesmo seja orientado da melhor forma
possível antes do procedimento cirúrgico (SEBASTIANE, 2010).
A U.T.I, por ser um ambiente de tensão constante, de isolamento e possuir um clima de
morte iminente, causa no paciente uma certa perda de noção de espaço-tempo e pode gerar
sintomas de agitação, depressão, anorexia, insônia e perda de discernimento decorrentes do
tempo prolongado de internação, sendo preciso observar se há outros fatores relacionados
ocasionando essas respostas e se é necessário reabilitação (SEBASTIANE, 2010).
Outra demanda presente na C.T.I são os casos de pacientes suicidas, sendo de extrema
importância a observação dos discursos que o paciente traz, como falas sobre o fim da vida e
também a ocorrência de sentimentos de angústia, fracasso e culpa. As duas modalidades são:
suicídio passivo, no qual o paciente se mostra sem esperança de vida e não aceita se alimentar,
nesses casos encontra-se importante analisar se existe algo que traga alguma felicidade e que o
paciente gostaria de fazer; suicídio ativo, cujo indivíduo atenta contra a própria vida por meio
de intoxicação por medicamentos, sendo necessário uma atenção psicológica imediata para
1233

acompanhar o paciente e ajudá-lo a reelaborar suas questões e buscar por alternativas de


melhora (SEBASTIANE, 2010).

2.6 O PSICÓLOGO E A EQUIPE MULTIPROFISSIONAL

O trabalho do psicólogo no ambiente hospitalar se desenvolve de modo


multiprofissional, esse pode ser realizado de maneira multidisciplinar, em que cada profissional
realiza seu atendimento individualmente; interdisciplinar, com intervenções em conjunto a
partir das discussões em torno do caso; por fim, o transdisciplinar, no qual a equipe evolui no
caso de acordo com as necessidades do paciente, desenvolvendo trabalhos juntos, com a
possibilidade de buscar outras instituições (TONETTO; GOMES, 2007).
Para Fossi e Guareschi (2004) a atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar visa
promover qualidade vital para pacientes e equipe de saúde, considerando o sujeito como um
todo nos seus aspectos biopsicossociais e no acesso a seus direitos básicos, buscando um
trabalho de modo integralizado. Assim, o atendimento psicológico se desenvolve a partir das
demandas do paciente e do seu contexto de hospitalização, focando nesse e em sua família.
No entanto, no âmbito hospitalar o saber médico se sobressai, sendo pouco
compartilhado entre os demais membros da equipe, que muitas vezes reproduzem essa
hierarquia, e, ainda, na comunicação com os familiares e pacientes, não utilizando uma
linguagem cotidiana. Essa figura hierárquica do médico, por muitas vezes vem desde a
graduação, com uma formação focada em salvar vidas, em que os aspectos biológicos são
colocados acima dos psicológicos, reduzindo o paciente ao sintoma, voltando pouca atenção
para os aspectos psicossociais do sujeito (SILVA et al, 2017).
Para tanto, no cotidiano hospitalar faz-se necessário que a equipe multidisciplinar utilize
uma linguagem acessível aos pacientes e à família, fazendo compreender-se (SILVA et al,
2017). Quanto ao trabalho do psicólogo, o mesmo deve explicitar aos demais membros da
equipe acerca dos seus papéis nas intervenções a serem feitas com o paciente, para que esses
saibam quais são suas responsabilidades inserido na equipe e no ambiente hospitalar
(TONETTO; GOMES, 2007).
Para fins conclusivos, nota-se que as dificuldades acerca do trabalho multiprofissional
para o psicólogo estão em torno da desvalorização e/ou desentendimento de seu saber, que
desencadeia na dificuldade de inserção desse nos hospitais, visto que não é compreendido como
1234

um profissional importante para compor a equipe. Além disso, as práticas em equipe são
realizadas, ainda, de modo a separar o indivíduo por partes biológicas e psicológicas,
restringindo ao profissional da psicologia o espaço de escuta e acolhimento, que pode distanciar
o paciente de outros membros da equipe que atuam com neutralidade (SILVA et al, 2017).

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com as discussões apresentadas a partir da articulação dos diversos campos


de atuação do psicólogo hospitalar, é possível inferir que o trabalho desse está em função da
promoção, prevenção ou garantia de saúde e qualidade de vida do paciente. Estando, assim,
esse profissional em busca de oferecer escuta e cuidado ao paciente, à família e, inclusive, a
equipe, amenizando dores e sofrimentos de natureza múltipla. Estando disposto a viabilizar e
desenvolver estratégias que oferecem ao hospitalizado e sua família uma qualidade de vida
orgânica, por meio do trabalho multidisciplinar, podendo ser realizado ainda na esfera
interdisciplinar, com os profissionais trabalhando em conjunto ou transdisciplinar,
possibilitando o trabalho em união a outras instituições, a favor da compreensão do sujeito de
forma mais ampla e digna.
No entanto, no ambiente hospitalar o que permanece em evidência está sempre o saber
médico e biologizante, na qual em muitas ocasiões são dispostos acima dos saberes
psicológicos, reduzindo o paciente apenas a sua doença e deixando de lado os fatores
psicossociais do sujeito, o que expõe como de extrema importância que o psicólogo explicite
diante da equipe hospitalar sobre o seu papel na instituição em que encontra-se inserido,
proporcionando, assim, uma gradativa melhora na inserção de psicólogos nesse meio.
Em suma, o vigente trabalho buscou discorrer brevemente sobre a prática do psicólogo
nas áreas hospitalares a fim de elucidar o valor que este traz à equipe como um todo, de modo
a exprimir uma crescente na inserção e aceitação desse profissional junto aos demais da área da
saúde e suscitar um acréscimo de pesquisas sobre a temática.

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1236

QUANDO A DIVERSIDADE E INCLUSÃO IMPACTAM NOS RESULTADOS DAS


ORGANIZAÇÕES

José Alves Neto 1

RESUMO

O presente estudo visa explorar a Diversidade e Inclusão dentro das organizações e como o
tema impacta nos seus resultados. Buscou-se identificar se existe uma relação direta ou indireta
da Diversidade e os resultados financeiros, assim como explanar os benefícios gerados pela
inclusão dessas minorias. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica através de um levantamento
de trabalhos publicados no Scielo e Google Acadêmico, constando a data de publicação de 2020
a 2022, posteriormente foram submetidos a uma análise de conteúdo dentro da temática,
excluindo aqueles que não estivessem dentro do objetivo da pesquisa. Constatou-se no resultado
da pesquisa que a Diversidade vem sendo debatida dentro das organizações, através de politicas.
Foi compreendido que essas inclusões impactam nos resultados financeiros das empresas, além
de contribuir para o desenvolvimento dos seus colaboradores, resulta numa clima
organizacional de motivação e inovação, além de gerar uma diferenciação mercadológica das
organizações que abordam esse tema e uma identificação com a sociedade em sua maioria.
Palavras-Chave: Diversidade, Minorias, Organizações.

ABSTRACT
The present study aims to explore Diversity and Inclusion within organizations and how the
theme impacts their results. We sought to identify whether there is a direct or indirect
relationship between Diversity and financial results, as well as explaining the benefits generated
by the inclusion of these minorities. This is a bibliographic research through a survey of works
published in Scielo and Google Scholar, with the publication date from 2020 to 2022, later they
were subjected to a content analysis within the theme, excluding those that were not within the
objective. of the search. It was seen in the result of the research that Diversity has been debated
within organizations, through policies. It was understood that these inclusions have an impact
on the financial results of companies, in addition to contributing to the development of their
employees, it results in an organizational climate of motivation and innovation, in addition to
generating a market differentiation of organizations that address this topic and an identification
with society in most.
Keywords: Diversity, Minorities, Organizations.

1 INTRODUÇÃO

A diversidade no Brasil não é algo tão novo assim, ela está presente desde o processo
de colonização do nosso povo, e até mesmo antes disso, essa pluralidade é perceptível através
do fenótipo dessa população, onde não há uma aparência física que caracterize a população
brasileira fazendo a diferente de outros continentes e países, como Ásia, Europa e África.

1
Bacharelando e Licenciando em Psicologia. Joseealvesnetoo2014@gmail.com
1237

Entretanto esse assunto vem ganhando debates bem mais fortes desde as últimas décadas, para
que essas diferenças possam ser reconhecidas e respeitadas na sociedade, de maneira que todos
possam ter acesso às mesmas oportunidades.
O mundo corporativo exerce um papel de grande relevância nesse assunto, e o interesse
por promover diversidade e inclusão tem crescido de forma expressiva no nesse meio, sejam
em termos fenótipo e biológicos, como em termos subjetivos. De acordo com o estudo
Oldiversity (2020) 70% acreditam que empresas e marcas devem integrar o tema de diversidade,
esse levantamento também mostra uma alta porcentagem na percepção dos entrevistados em
relação ao preconceito de contratação de minorias (LGBTQIA+ - lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros, intersexuais, queers, assexuais e qualquer outra forma não
representada no acrônimo -, Pretos, Pessoas Com Deficiência, Mulheres e Idosos). No presente
trabalho iremos explorar e compreender os conceitos de diversidade e como as organizações
são impactadas por esse assunto.
Torres e Pérez-Nebra (2014) afirmam que a inserção da diversidade e inclusão dentro
das organizações está ligada diretamente a motivos econômicos, focando na perspectiva que a
diversidade e inclusão podem trazer benefícios financeiros, além de cumprir com legislação e
responsabilidade social.
Apesar de muitas empresas visarem lucros financeiros através do tema algumas outras
não consideram tal assunto relevante e impactante para os resultados, tendo isso em vista, surge
o questionamento: O quanto a diversidade pode impactar nos resultados de uma organização?
Buscando sanar essa dúvida e a carência do tema da pesquisa, o presente estudo tem
como finalidade contribuir para produção do assunto, assim como evidenciar o impacto da
temática abordada nos resultados das organizações, além de colaborar para o fazer de estratégias
de diversidades nas empresas.
Estudos que tem como base a diversidade e inclusão abrem espaço para debates que
possibilitam que as pessoas minorizadas dentro das empresas possam ser vistas e ouvidas como
pertencente ao meio coorporativo, oportunizando uma melhora no ambiente empresarial e o
crescimento dessas pessoas nos cargos de lideranças. Para atingir o objetivo desse trabalho foi
utilizado o método de Pesquisa Bibliográfica.

2 REVISÃO DE LITERATURA
1238

2.1 DIVERSIDADE NAS ORGANIZAÇÕES

Para discutir a diversidade é importante compreender o que é de fato, Fleury (2000) a


define como sendo um mix de pessoas com diferentes identidades que interagem no mesmo
sistema social. Coexistindo dentro desse sistema grupos de maiorias e minorias. Os grupos
denominados de maioria são aqueles cujos membros se beneficiaram historicamente de recursos
econômicos e poder em relação aos demais.
Alves e Galeão-Silva (2004) caracterizam a diversidade como um conjunto de atributos
particulares que diferem de outras culturas, como: gênero, sexualidade, crenças, costumes e
tradições.
A diversidade não se limita a questões raciais, de gênero ou de sexualidade, ela se
expande para questões que envolvem estilo de vida, religião, condição física, condição
socioeconômica, nacionalidade, idade, dentre outras. (GONÇALVES, 2016).
O assunto das minorias e da diversidade tem sido um tema relevante nos países como
Estados Unidos e Canadá. Desde a década de 60, os movimentos políticos em prol da integração
racial oportunizaram a promulgação de leis que visavam à igualdade de oportunidade à
educação e emprego. (FLEURY, 2000).
E quando se trata do Brasil, pode-se classificá-lo como um país heterogêneo, com uma
diversidade de culturas, sotaques, religiões, gêneros e costumes, (GRECCHI, 2010;
CORTELLA, 2020) e isso se dar muito pelo processo de povoamento do país. Essa pluralidade
sempre existiu no Brasil. A colonização fundamentou-se na exploração da riqueza tropical e do
trabalho escravo. Ao decorrer dos anos o Brasil passou por diversas transformações em termos
políticos e em termos econômicos, o país também sofreu modificações culturais com a chegada
dos imigrantes europeus e asiáticos onde determinados padrões culturais foram se
desenvolvendo no país através dessa influência estrangeira, resultando numa população
miscigenada e diversificada culturalmente por causa dos casamentos inter-raciais (FLEURY,
2000).
Essa miscigenação gerou de certa forma grupos minoritários e diferenciados dos demais
cidadãos, fazendo que surgisse uma desigualdade com os diferentes, essas minorias sofrem até
hoje com discriminação na contratação. De acordo com o estudo Oldiversity (2020) onde
abordou o tema de pessoas com deficiência (PCD), LGBTQIA+, Mulheres e pessoas Pretas, foi
possível ver através dos resultados que 75% das empresas têm preconceito em contratar pessoas
1239

LGBTQIA+, 77% têm esse preconceito na contratação de pessoas pretas, 78% têm preconceito
em contratar pessoas mais velhas e 71% dos entrevistados acreditam que as organizações tem
preconceito em contratar PCDs.
Em um perfil traçado pelo mesmo estudo mostra expressivamente o estereótipo hétero
branco cristão de 21 a 40 anos de idade não sendo portador de nenhuma deficiência.
(OLDIVERSITY, 2020).
O Interesse das empresas brasileiras pelo tema ainda é bem recente, surgiu nos anos 90.
A maioria das empresas que estão desenvolvendo programas de inclusão são norte-americanas
(FLEURY, 2000)
Em uma pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho mostra que 87%
das empresas brasileiras se interessam por ampliar a pluralidade, todavia, esse número cai 27%
quando se fala em programas de inclusão dentro da corporação. 55% dos entrevistados relatam
que as empresas onde trabalham estão preocupadas com essa inserção. (GUEDES, 2021).
É nítido o interesse das organizações em diversificar o âmbito corporativo, mas quando
se parte para a gestão de diversidade existe uma carência significativa, transformando assim
essa vontade de inclusão apenas em algo utópico.

2.2 GESTÃO DA DIVERSIDADE NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL

Alves e Galeão-Silva (2004) em sua pesquisa conseguiu encontrar duas categorias que
são de grande relevância para o estudo da diversidade: ‘’Gestão de Diversidade’’ e ‘’Ação
Afirmativa’’, tendo como conceito de Gestão de Diversidade a prática gerencial que busca
substituir ações afirmativas e ações de acesso igualitário ao trabalho, e as Ações Afirmativas
são compreendidas como fenômenos sociais não naturais que são resultados da interação social,
e que necessita de políticas exclusivas para membros de grupos minoritários que são atingidos
pela exclusão social.
A Gestão de Diversidade surge em 1980, mas as primeiras pesquisas nacionais
realizadas e publicadas referente à Gestão de Diversidade são datadas do início dos anos 90
(BARBOSA; CABRAL-CARDOSO, 2007; TORRES; PÉREZ-NEBRA, 2014).
Na atualidade o interesse das empresas em trazer uma pluralidade para dentro das
organizações é bem ostensivo, Moreira, Cappelle e Carvalho-Freitas (2015) acreditam que o
comportamento do indivíduo frente ao diferente vai retratar não somente a conduta que a
1240

empresa espera, mas também sua visão em quanto ao mundo. Se caso a diversidade não for
efetiva dentro na corporação isto é resultado dos indivíduos que ali estão e também da cultura
organizacional.
O papel da Gestão de Diversidade dar-se como um meio de transformar o mercado mais
equilibrado, contribuindo na aceitação das diferenças e reduzindo o preconceito dentro do meio
corporativo. O interesse dessa forma de Gestão em olhar para o assunto está muito interligado
aos benefícios no desempenho das equipes e no aumento de resultados. (SANTOS et al., 2021).
Na contemporaneidade, os starkeholders estão olhando muito além da obrigação
econômica da organização de dar retorno a seus sócios. Em meio aos fatores que afetam a
imagem interna e externa da empresa está o fator social, que deriva da conclusão que aquela
corporação não se limita a metas e ao financeiro. Atualmente vem sendo exigido que diante da
atuação econômica também seja esperado um desenrolar diante aos problemas sociais do
contexto atual e futuro. (SANTOS, 2020).
Em seu trabalho, Santos (2020) traz algumas empresas que tiveram iniciativas pró-
diversidade no meio organizacional. A proposta da Pepsico é realocar as pessoas que estão fora
do mercado, compreendendo que a recolocação dentro do mercado é mais difícil desenvolvendo
o programa ‘’Ready to Return’’. A empresa também assinou um acordo da ONU chamado ‘’He
for She’’, que tem como objetivo o empoderamento feminino. Outra marca é a Natura com o
programa chamado Politica da Valorização da Diversidade, que trata da inclusão de PCDs. O
Itaú compartilhou, em 2017, a Carta de Compromisso com a Diversidade, o banco promove a
Semana da Diversidade focada em quatro temas de prioridades: LGBTQIA+, Gênero, PCD e
Raça. Outras marcas como Netflix, Doritos, Uber, Avon, Skol são fortes defensoras da luta
LGBTQIA+.
Esses programas voltados para a pluralidade nas organizações são chamados de Ações
Afirmativas. As ações afirmativas são politicas sociais voltadas ao combate da discriminação
seja ela étnica, de gênero, religiosa, capacitista e outras, afim de que promova a participação
desses grupos. (INSTITUTO FEDERAL DO SUL DE MINAS GERAIS, 2020), de modo geral
ações afirmativas elas possuem efeito instantâneo e de baixa duração, é bem mais usada dentro
de organizações que querem resolver algum conflito velado ou ganhar confiança de um setor
especifico de mercado. Essas ações não deveriam ser praticada pelas organizações, apesar de
breve é uma ação pouco ética e irá gerar consequências, como o retorno do problemas e uma
talvez desestabilização emocional nos membros. (LEITE, 2018).
1241

Entendo as ações afirmativas como algo de baixa duração e focado em problemas


específicos e menos visíveis, torna-se mais interessante e assertivo ações continuas focadas no
problema especifico para que exista uma extinção e prevenção do retorno dessas situações, além
da promoção da diversidade constante fazendo com que aqueles colaboradores inseridos na
empresa sintam-se parte dela, transformando essas ações em parte da cultura.
Quando o colaborador se sente representado e compartilha da cultura da organização
isso beneficia a empresa em vários pontos, entre eles a baixa rotatividade e uma maior retenção
de talentos, além de gerar coesão, lealdade e comprometimento entre os membros. (TRÉSSINO;
CANDIDO; GALLI, 2020).

2.4 IMPACTOS DA DIVERSIDADE NOS RESULTADOS ORGANIZACIONAIS

No processo de inovação, a organização precisa contar com profissionais qualificados,


que consigam trazer resultados significativos para dentro das organizações através de ideias,
criação de valor ao implementar novos produtos e serviços. É essencial para a corporação que
a aprendizagem e o conhecimento contribuam para gerar valor, vantagens competitivas e
impactar o desempenho de forma positiva da empresa. Esse tipo de atuação gera mais
originalidade e corrobora para que novas ideias circulem entre os colaboradores tornando os
mais engajados e criativos. (PIALARISSI, 2019), e isso advém muito de como é a pluralidade
dentro da organização, e essa diversidade de pessoas, personalidades e pensamentos resultam
em resultados expressivos.
As vantagens de levar inclusão e diversidade para dentro das organizações estão cada
vez mais claras. Embora a justiça e os direitos sociais sejam o principal motivo dessa inserção,
as empresas vêm vendo o quanto isso é uma vantagem competitiva em comparação com seus
pares.
Em um estudo realizado pela McKinsey & Company em empresas latino-americanas foi
percebido que as empresas que aderiram à inclusão e diversidade superam outras empresas em
práticas-chaves como inovação e colaboração, criando lideranças que promovem confiança e
um bom trabalho em equipe. Essas organizações também costumam ter ambientes de trabalho
mais felizes e com uma alta retenção de talentos. (CASTILHO; CALLEGARO;
SZWARCWALD, 2020). O estudo foi realizado com cerca de 700 empresas de capital aberto,
1242

abarcando as principais indústrias com sede no Brasil, Panamá, Chile, Peru, Colômbia e
Argentina, a pesquisa foi realizada com 3.900 funcionários.
A pesquisa mostrou que empresas comprometidas com a diversidade têm 80% de
promoção de confiança e diálogo aberto por parte da liderança, e 73% maior a probabilidade de
ter uma cultura de liderança com foco em trabalho em equipe.
Os colaboradores dessas empresas além de relatar altos índices de inovação e
colaboração que seus pares, esses colaboradores também têm probabilidade: 152% maior de
afirmar que podem propor novas ideias e tentar inovar no modo de execução das coisas, 77%
maior de concordar que a organização aplica ideias externas para melhorar seu desempenho,
76% maior de afirmar que a organização faz repasse de feedback clientes para que haja uma
evolução no atendimento ao público.
O estudo citado anteriormente também mostra o impacto da diversidade na felicidade
dos colaboradores e na saúde mental da organização. A pesquisa da Castilho, Callegaro e
Szwarcwald (2020) que práticas de lideranças eficazes criam uma organização saudável, e uma
capacidade maior de entregar um desempenho superior em longo prazo. A diversidade é um
poderoso capacitador de práticas saudáveis e bons resultados. 63% dos funcionários dizem
estarem felizes nas empresas que tem a diversidade como um de seus focos, comparando com
31% das empresas que não abordam a diversidade, essas empresas têm até uma vez e meia mais
probabilidade de colaboradores realizados em seu ambiente de trabalho, além de 36% dos
membros desejarem permanecer três anos ou mais, e 15% almejarem cargos superiores. Ainda
dentro dessa pesquisa, as empresas com saúde organizacional no quartil superior tem retorno
total dos acionistas três vezes mais que as empresas do quartil inferior.
As empresas percebidas pelos seus colaboradores como diversa tem 93% mais de
probabilidade de superar o desempenho financeiro de seus concorrentes, assim como em termos
de diversidade de lideranças há uma probabilidade de 25% maior de uma melhor performance
financeira, Pialarissi (2019) em um estudo realizado afirmou que é possível ver a partir dos
resultados a redução de custos com absenteísmo e com rotatividade dentro da organização, além
de um aumento em inovação, retenção de talentos e maior capacidade de resolução de
problemas e mediação de conflitos.
É de concordância entre teóricos que abordam o tema de diversidade que essas e muitas
outras vantagens de adotar o tema para dentro das organizações, alguns estudiosos trazem que
com um ambiente diversificado a possibilidade de haver uma redução de conflito é expressiva,
1243

resultando em colaboradores motivados e engajados, de acordo com um estudo da Harvard


Business os conflitos são reduzidos em até 50% em comparação a empresas onde não há um
investimento em programas de diversidade e inclusão, ainda essa mesma pesquisa nas
organizações onde existe uma pluralidade há 17% de membros mais engajados. As pesquisas
mostram que as organizações que têm pessoas LGBTQIA+ assumindo lideranças tem uma
performance de 61% maior em comparação com empresas que não tem essas lideranças.
Em uma pesquisa Demitindo Preconceitos: Por que as empresas precisam sair do
armário (2022) realizada pela Santa Caos as empresas com politicas de diversidade de gênero
têm mais 15% de chance de superar as metas, no Reino Unido, por exemplo, para cada 10% de
aumento no índice de diversidade de gênero o lucro bruto teve um aumento de 3,5 %.
Suzuno (2017) em uma pesquisa publicada na Teamable apontou que as empresas com
politicas de diversidade gozam de alguns benefícios em relação a seus pares que não têm essas
politicas, 67% dos entrevistados pela pesquisa relatou que o ambiente diversificado é um
indicador importante para procurar a empresa e considerar ofertas de emprego, 57% querem
priorizar a Diversidade e Inclusão, essas empresa tem um fluxo de caixa 2,3 vezes maior, 35%
dessas empresas superam as homogêneas, 1,7 vezes a ter lideres inovadores e 70% de chance
de conquistar novos mercados.
É possível compreender os efeitos positivos da diversidade dentro das organizações
desde resultados financeiros a resoluções de problemas, além de desenvolver uma visão e
tratamento humanizado com aqueles que não se encaixam no padrão social tanto dentro da
corporação como no meio social.

3 METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa bibliográfica, realizada a partir


de trabalhos publicados de 2020 a 2022, através do Google Acadêmico e Scielo, utilizou-se das
palavras-chave: ‘’ diversidade’’, ‘’ resultado’’, ‘’ inclusão’’ e ‘’ Organizações’’ para seleção de
artigos, foram descartados pesquisas anteriores há 2020, exceto aquelas que servem como base
teórica para o assunto, estudos fora do tema não entraram na seleção. Foram selecionados 19
trabalhos dentro do tema pesquisado, a pesquisa iniciou-se em janeiro de 2022 e teve finalidade
em julho de 2022.
1244

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O impacto da Diversidade e Inclusão (D&I) está bem além das vantagens financeiras
como mostrado no presente trabalho, apesar de ter grande impacto nos resultados lucrativos
também deve ser considerados os ganhos nos aspectos do social e de relacionamentos.
A D&I dentro do ambiente corporativo é a representatividade de vários grupos
minoritários de uma sociedade, que envolve identidade de gênero, gênero, sexualidade, etnia,
condição física e psicológica, classes sociais, religiosidade e vários outros fatores, contudo é
perceptível através do estudo o quanto ainda existem empresas que não vêm importância em
abordar práticas voltadas ao tema, sendo ainda uma organização homogênea.
Dentro do mercado de trabalho a competição para superar seus pares ocorre a todo o
momento, as corporações que não têm um quadro de colaboradores que represente a pluralidade
social acabam ficando um pouco para trás nessa corrida, em contrapartida aquelas que adotam
politicas voltadas para inclusão dessas pessoas tem sempre mais possibilidades de performance
superior, como vimos na pesquisa da McKinsey & Company onde nessas empresas existem
152% chance dos colaboradores sugerirem novas ideias e inovar no método de execução das
coisas, além de 72% está em constante aprimoramento processual e 64% dos colaboradores
estarem de alinhados com as ideias de seus lideres, é perceptível que quando a diversidade
chega nos cargos de lideranças existem ações inovadoras e voltadas para a equipe.
Foi visto no presente trabalho que em um time onde há diversidade de personalidade, de
fenótipos e mentes, têm uma grande desenvoltura na criatividade de elaboração de produtos e
propostas inovadoras, além do que há uma redução de conflitos, existe uma maior retenção de
talentos e diminuição da rotatividade, uma imagem mais alinhada com a sociedade e com
resultados acima da meta.
As empresas precisam de profissionais muito bons e quando se deixar passar esses
funcionários por não se encaixarem em um padrão ela está tendo uma perda significativa em
seus resultados e na desenvoltura de seus membros, além de quê uma economia produzida por
iguais e gerando exclusão em diferentes acaba por ficar parada, já que muita das vezes aqueles
que fogem do padrão dessa organização não se sente representado por ela.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
1245

A atual pesquisa teve como objetivo principal explanar o quanto que a diversidade e
inclusão podem impactar nos resultados de uma organização, além de contar com objetivos
específicos como compreender a realidade das empresas frente a essa temática, e como elas têm
abordados ações e programas para que atingissem o objetivo de incluir essas minorias em seu
espaço de trabalho, outro objetivo especifico era compreender o cenário empresarial brasileiro
diante do tema, visto que o Brasil é uma país extremamente miscigenado e diverso, esse objetivo
não foi atingido no presente artigo por se tratar de um eixo do tema que é carente em pesquisa
e produção de materiais, todos os trabalhos encontrados voltados para o tema dentro do Brasil
não se encaixava nos critérios de inclusão ficando impossibilitado de serem usados na pesquisa,
ademais o objetivo principal foi atingido visto que o explanado trouxe diversos dados que
comprovam o impacto que a Diversidade e Inclusão tem nos resultados, seja eles de forma
financeira, como no clima organizacional e desenvolvimento dos membros.
Este artigo buscou contribuir para os materiais produzidos dentro da temática, foi
percebida uma carência quando se trata do Brasil deixando assim um espaço de pesquisa para
o aprofundamento da temática em território nacional, assim como levantar ações de inclusão
efetivas.

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1248

REFLEXÃO SOBRE O LIVRO: Dibs - Em busca de si mesmo

Dina Stéphanie Lopes Gouveia1


Maria Vera Lúcia Pessôa Porto2

RESUMO

Dibs em busca de si mesmo narra a trajetória de uma criança no isolamento e, após processo
terapêutico, sua abertura para o mundo. Na escola ele recuava até o canto da sala, e lá
permanecia agachado, cabeça baixa, braços dobrados e firmemente cruzados sobre o peito,
ignorando o mundo à sua volta. Em casa, vivia uma vida desequilibrada, por vezes, em um
mutismo e em outras, na agitação. O primeiro contato da psicóloga com Dibs foi o convite para
levá-lo a uma espécie de brinquedoteca. Ela afirma: "Queria que a iniciativa de tecer os laços
de nossas relações fosse dele". Muitas vezes, essa abertura da criança pela comunicação é
realizada pelos adultos, em sua ansiedade, privando-a de construí-la. Nesse sentido, um dos
objetivos da psicóloga no estabelecimento dessa relação com Dibs era ajudá-lo a conseguir
independência emocional e autonomia. A autora do livro, Dibs em busca de si mesmo, Virginia
Mae Axline, tornou-se autoridade reconhecida internacionalmente, ao desenvolver a técnica de
ludoterapia no tratamento de crianças com distúrbios emocionais.
Palavras-Chave: Processo terapêutico, Ludoterapia, Distúrbios emocionais.

ABSTRACT

Dibs in search of himself narrates the trajectory of a child in isolation and, after a therapeutic
process, his opening to the world. At school he would retreat to the corner of the room, and
there he would crouch, head down, arms folded and tightly crossed over his chest, ignoring the
world around him. At home, he lived an unbalanced life, sometimes in silence and at other times
in agitation. The psychologist's first contact with Dibs was the invitation to take him to a kind
of toy library. She says: "I wanted the initiative to weave the bonds of our relationships to be
his." Often, this opening of the child to communication is carried out by adults, in their anxiety,
depriving them of building it. In this sense, one of the psychologist's goals in establishing this
relationship with Dibs was to help him achieve emotional independence and autonomy. The
author of the book, Dibs in Search of Himself, Virginia Mae Axline, has become an
internationally recognized authority for developing the technique of play therapy in the
treatment of children with emotional disorders.
Keywords: Therapeutic process, Play therapy, Emotional disorders.

1 INTRODUÇÃO

1
Discente do 8º período do curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN.
2
Professora doutora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e discente do 8º período do
curso de Psicologia da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte – FCRN.
1249

A história do livro é composta de vinte quatro capítulos. Menciona relatos de várias


sessões de psicoterapia, enfatizando muito bem a ludoterapia com uma criança e sua psicóloga.
Os pais de Dibs haviam permitido que as sessões de ludoterapia pudessem ser gravadas. Os
diálogos entre ambos foram transcritos, relatando cada sessão que ocorria no Centro de
Orientação Infantil, a participação da mãe, foi de suma importância as contribuições da mesma,
assim como também as colocações das professoras e a do próprio Dibs.
No primeiro encontro da psicóloga com a mãe de Dibs. Uma das frases da mãe de Dibs
para a Psicóloga: "- Sabemos que você foi chamada à escola como psicóloga para observar Dibs
- disse ela. - É muita gentileza sua assumir essa tarefa. Gostaríamos que você soubesse que nós
não esperamos nenhum milagre. Já aceitamos a tragédia de Dibs". É como se a mãe tivesse
desistido do seu filho. Mas, a psicóloga, após explicar como funciona o trabalho, com sessões
realizadas na sala de ludoterapia do Centro de Orientação Infantil com uma entrevista semanal,
duração de uma hora, mesmo depois das explicações de como se daria o tratamento, recebeu o
convite da mãe de Dibs para que as sessões fossem realizadas na casa dele (de Dibbs), afirmando
que pagaria pelas sessões, a psicóloga não cogitou nenhuma das possibilidade e se manteve
firme quanto ao Centro de Orientação Infantil para o atendimento.
No livro é abordado a importância do valor terapêutico desse tipo de ajuda psicológica,
no qual, é baseado na experiência da própria criança, como um ser capaz, como uma pessoa
responsável em um relacionamento que tenta comunicar-lhe duas verdades básicas: que
ninguém conhece realmente tanto do mundo interior de um ser humano quanto o próprio
indivíduo, e que a liberdade responsável cresce e desenvolve-se a partir do interior da pessoa.
A criança deve, antes de tudo, aprender a respeitar a si mesma e a experimentar um sentimento
de dignidade que desabrocha gradualmente de auto-entendimento. Só então lhe será possível
apreciar com autenticidade as personalidades, direitos e diferenças dos outros.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Iniciamos nossa pesquisa realizando algumas reflexões sobre o livro, Dibs: Em busca
de si mesmo, partindo do entendimento de que o livro é um auxílio ao terapeuta aprendiz. Dessa
forma, passamos a relatar a narrativa da obra e a perceber como se desenvolve a trajetória de
uma criança no isolamento que após processo terapêutico obtêm uma abertura para o mundo.
1250

Dibs vai ao seu primeiro dia no Centro, lá inicia suas primeiras comunicações através
dos brinquedos, das tintas, dos lápis de cor, da caixa de areia. Sentiu dificuldades para tirar o
casaco, as luvas, o chapéu e, principalmente, os sapatos quando entrou na caixa de areia, para
tanto, necessitou da ajuda da psicóloga. Na verdade, aquela criança estava não somente pronta
para emergir, mas já começando a longa aventura do desabrochar. Qualquer que fosse seu
problema, podíamos agora retirar-lhe o rótulo de retardado mental. A psicóloga enfatiza ainda
que: Seria um ato de violência invadir seu mundo para tentar arrancar-lhe respostas. Se
conseguisse fazê-lo sentir-se confiante e uma pessoa que tem verdadeiras razões para suas
atitudes, se pudesse transmitir-lhe a convicção de que não há respostas preestabelecidas, e nem
pressa para fazer qualquer coisa - Dibs poderia conquistar, mais e mais, um sentimento de
segurança em si mesmo, para entender e aceitar suas próprias emoções.
No decorrer dos atendimentos fica claro para a psicóloga que Dibs tinha um vocabulário
rico, embora não o usasse. Dibs desenhou uma casa e deu de presente a psicóloga, foi quando
ela chega a uma primeira conclusão de que "Ali estava uma criança muito capaz, de um alto
nível intelectual, cujas habilidades estavam dominadas por seu distúrbio emocional."
Dibs se sentia tão bem na sala de ludoterapia que não queria sair após o término da
sessão. Foi quando a psicóloga começou a pôr limites de tempo, "quando este tempo termina,
não importa como você se sente sobre a questão, não importa como eu me sinta ou como
qualquer pessoa se sinta sobre isso, o tempo se esgotou e nós dois temos que deixar a sala de
brinquedos. Agora, está na hora de sairmos".
Para a psicóloga, o processo terapêutico bem-sucedido depende do equilíbrio mantido
entre o que a pessoa traz para a sessão e o que ela leva. Dibs oscilava muito no início da terapia,
com comportamentos ora muito intelectualizados, ora infantilizados. A psicóloga não desejava
confinar Dibs a um tipo restritivo de comportamento. Ela queria que Dibs aprendesse que era
uma pessoa com seus variados aspectos, e fazê-lo lidar com isso era um dos objetivos.
A primeira referência que Dibs fez de sua escola, foi sobre o coelhinho da escola que
havia observado em uma jaula. Ali foi o indício de que, embora não fosse um aluno ativo e
participante do grupo, estava observando, aprendendo, refletindo, extraindo conclusões,
enquanto sondava, à margem dos acontecimentos ao seu redor.
Dibs agora que começou a entender seu medo e a descobrir verdades, ele ia crescendo e
desabrochando ao longo das sessões. Estava trocando seu pavor, sua raiva e suas angústias pela
esperança, confiança e alegria. Sua profunda tristeza e seu sentimento de derrota estavam se
1251

dissolvendo. O pai de Dibs se mostrou uma pessoa com um autocontrole elevado, pois quando
foi buscá-lo não deixou transparecer qualquer agressividade, apesar de não deixar Dibs falar.
A mãe de Dibs ligou para a psicóloga e marcou uma sessão, ela se mostrou preocupada
com Dibs. Como a mãe de Dibs foi quem marcou a sessão, a psicóloga se manteve em silêncio,
para que a mãe do garoto pudesse justificar sua ida. A mãe de Dibs com muita dificuldade,
relata que tem tentado com todas as suas forças entendê-lo, mas sente-se como quando ele ainda
era apenas um bebê. “Nunca havia cuidado de nenhuma criança antes dele, nunca pude entender
Dibs. Ele foi um desgosto... um desapontamento desde seu nascimento”. Ela não havia
planejado ter uma criança, em sua concepção sua gravidez foi um acidente, no qual, fez
desmoronar todos os planos do casal, incluindo, sua vida profissional. Relatou que antes de
Dibs era um casal muito feliz. Afirmou que seu marido ressentiu-se com sua gravidez. “Sempre
achou que deveria tê-la evitado, [..] eu também me ressenti com o fato”. Ela afirmou que seu
marido se afastou dela, enterrando-se em seu trabalho. E acaba justificando ao dizer que, “ele é
cientista. Um homem brilhante, mas fechado. E muito, muito sensível”.
Ela era cirurgiã, eu que adorava meu trabalho, disse ela. O casal tinha um círculo seleto
de amizade, pessoas intituladas por ela como brilhantes. O sentimento dela era que Dibs ao
nascer destruiu tudo, ela afirma que o menino sofria de esquizofrenia ou de autismo, se não
fosse retardado mental.
Relatou ainda, que investigou se Dibs realmente teria algum desses transtornos, mas não
obteve a resposta que procurava. Disse ela, “[...] fomos advertidos pelas assistentes sociais de
que nossa reação expressava hostilidade e resistência. [...] O psiquiatra falou-nos que,
considerando nossas experiências, seria muito franco conosco”. Para o médico, Dibs não
apresentava traços de deficiência intelectual, nem psicopatia, nem lesão cerebral, para o
psiquiatra Dibs é apenas a criança mais rejeitada e emocionalmente carente que até então havia
conhecido, e falou que quem necessitava de ajuda clínica era o casal, sugerindo assim,
tratamento para os dois. A mãe de Dibs teve uma segunda filha, Dorothy, nasceu um ano depois
de Dibs, ele achou que uma outra criança poderia ajudá-lo a se relacionar melhor.
Dibs teve sarampo e por isso, não pode ir a uma das sessões, na sessão seguinte ele
demonstrou autoconfiança ao fazer uma pergunta e dizer que iria verificar por si mesmo. Na
terapia, a formulação de perguntas é tão importante quanto a obtenção de respostas precisas e
honestas. Se mostrou muito curioso quando indagou a psicóloga, “Que é terapia? - Terapia?”
Deixando-a surpresa com tal pergunta.
1252

Com o tempo a psicóloga notou que Dibs estava sendo tratado com mais consideração,
respeito e compreensão, em sua casa. Seu pai estava permitindo que suas potencialidades
desaparecessem, possivelmente os pais estariam modificando-se para melhor entender Dibs, ou
seria Dibs quem havia mudado em sua capacidade de relacionar-se com os pais e por isso podia
aceitar a aproximação de ambos mais naturalmente, a psicóloga se indagou.
Em uma das sessões Dibs começou a falar, “há muitas crianças em minha classe na
escola, eu gosto delas, gaguejando, quero que elas gostem de mim”, mas o menino não as queria
ali na sessão com ele e a psicóloga.
A mãe de Dibs faz revelações sobre o novo comportamento de Dibs dizendo que ele está
muito melhor, está mais calmo e mais feliz. Que nunca mais foi acometido de acessos de raiva,
dificilmente chupa o polegar, olhava-os nos olhos, responde a maior parte das vezes, quando
lhe fazem perguntas. Mostrou-se interesse pelo que está ocorrendo com sua família. Começou
a brincar com sua irmã, quando ela estava em casa, demonstra um pouco de afeição. Sua mãe
afirmou, que em certas ocasiões, Dibs tem-se aproximado dos pais para fazer comentários sobre
si próprio. A mãe do menino fala à psicóloga que agora sente-se livre desse medo, pois ele está
começando a comportar-se de uma maneira mais normal.
Miss Jane e Hedda são as professoras de Dibs, encontram-se com a Psicóloga e
explanam o quanto estão felizes em comunicar que notaram uma grande mudança em Dibs,
uma transformação gradativa, ele responde as perguntas, em várias ocasiões é ele próprio quem
inicia uma conversa, está calmo, feliz e demonstrando interesse pelas outras crianças, sua
linguagem quase sempre é correta, mas quando algo o aborrece, ele retrocede a seu modo
abreviado, imaturo, de falar. Geralmente, refere-se a si próprio como "eu", gradualmente, ele
foi se aproximando do grupo. De início, respondia com breves palavras às questões que lhe
eram dirigidas.
A maior mudança ocorreu por ocasião de seu aniversário, relatou uma das professoras,
[...] "No dia em que anunciamos o aniversário de Dibs, não imaginávamos qual seria sua reação,
anteriormente ele não participava. Dibs cantou, "Parabéns, querido Dibs, parabéns para mim!"
Ele distribuiu cada pedaço de bolo com um grande sorriso no rosto. Continuava cantando: "Hoje
é o meu aniversário. Meu aniversário. Estou completando seis anos."
Em uma das sessões relata que Dibs começou a se abrir para criar vínculo com seu pai.
"Bom dia, papai. Que você tenha um dia feliz hoje". O pai de Dibs colocou seu jornal de lado e
respondeu-me: "Bom dia, Dibs. Tenha um dia muito feliz também". E sabe que tive? Foi, de
1253

fato, um dia feliz o de hoje, disse Dibs a sua psicóloga. Dibs caminhava em volta da sala,
mantendo no semblante a luz do seu sorriso.
Na escola Dibs faz um livro para mamãe, e conta como foi confeccionar. “Assim,
recortei algumas folhas de um catálogo de sementes. Preguei-as num papel colorido e escrevi o
nome de cada flor sob a gravura. Juntei todas as páginas e costurei-as com linha verde”. Vou
fazer alguma coisa para papai disse ele, e estou tentando imaginar um presente para Dorothy,
“Darei para vovó um pedacinho do final do ramo de minha árvore favorita, “estou crescido
agora”, continuou, encontrei meus inimigos e lutei contra eles. Então, descobri que já não estava
amedrontado, descobri que já não era infeliz e senti amor. Agora, sou forte, grande e corajoso”.
Então sua psicóloga conclui como Dibs havia mudado, aprendendo como ser ele próprio, a
acreditar em si, a libertar-se. Estava tranqüilo e feliz, estava apto a ser uma criança agora.

2.1 DIBS: AUTO-REGULAÇÃO, FUGA DE CONTATO E AJUSTAMENTOS CRIATIVOS.

A auto-regulação que Dibs veio a desenvolver foi sem dúvida fundamental para seu
“ajustamento criativo”. É por isso que Dibs é um menino criativo, pois implica sua ação no
mundo a fim de torná-lo o mais assimilável possível, ficando com aquilo que o nutre e recusando
e/ou transformando aquilo que não lhe serve.
Conforme Aguiar (2014, p. 62) os ajustamentos criativos podem ser entendidos então
como a expressão, a cada momento, da melhor forma possível de esse indivíduo autorregular-
se no contato com o mundo, caracterizando o processo de desenvolvimento como uma sucessão
contínua de ajustamentos criativos ao longo do tempo, citando Perls, (1977).
1254

O contato e fuga de contato é a forma como experienciamos o mundo, é um modo que


encontramos para perceber e interagirmos com o mundo. Os setes sentidos são uma das
principais vias de contato de uma criança para experimentar e interagir com o meio no qual ela
está inserida. Segundo Aguiar (2014, p. 77), quanto mais a criança pode desenvolver,
experimentar e usar todas as suas funções de contato maior serão as suas possibilidades de
estabelecer uma modalidade de contato satisfatória. De acordo com Kiyan (2006, p. 154 e 155)
a fuga de contato pode ser um mecanismo de defesa. Esses mecanismos de defesas ou tentativas
de evitar o contato podem ser saudáveis ou patológicos conforme sua intensidade, sua
flexibilidade, de maneira mais geral sua oportunidade. Fugir não significa necessariamente um
comportamento defensivo. Foi observado que Dibs, por diversas vezes, usava de fuga de contato
para que conseguisse se ajustar.
Para que Dibs viesse a obter um desenvolvimento adequado foi fundamental que ele
tivesse oportunidade de experimentar o mundo e as situações de inúmeras formas: olhando,
tocando, cheirando, ouvindo, saboreando e movimentando-se, além de exercitar a linguagem.
Aguiar (2014, p. 78), afirma, que para um desenvolvimento pleno das funções de contato
assegura mais alternativas de ajustamento criativo no mundo e acontece naturalmente se o
ambiente do qual a criança faz parte for facilitador e estimulante.

3 METODOLOGIA

Foi desenvolvida a análise do livro, Dibs: Em busca de si mesmo, buscando considerar


a urgente necessidade de pesquisar e refletir acerca de algumas reflexões da obra como um
auxílio ao terapeuta aprendiz. Dessa forma, passamos a relatar a narrativa da obra e a perceber
como se desenvolve a trajetória de uma criança no isolamento que após o processo terapêutico
obtêm uma abertura para o mundo. Para tal investigação, recorremos, então, ao método da
revisão bibliográfica, com leituras de outros livros, a saber: Gestalt-terapia com crianças e E a
Gestalt Emerge, além de artigos em anais e revistas sobre a temática.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
1255

Dibs era uma criança inteligente forte e corajosa, mas não possuía o estímulo necessário
para desenvolver suas habilidades. Desse modo, vivia amedrontado e infeliz. Também não
havia por parte dos pais a compreensão necessária para que o filho viesse a desenvolver suas
potencialidades, sendo rotulado, na maioria das vezes como retardado mental, o que complicava
a evolução do quadro de desgosto e infelicidade de Dibs.
Com o processo terapêutico as diferentes potencialidades de Dibs foi se desenvolvendo
num tempo e espaço capazes de aderir ao que é visualizado ou escutado por intermédio da
própria criança, adentrando ao processo de aprendizagem que aprofunda a participação dos
sujeitos da aprendizagem numa constante interação e diferenciação capaz de fortalecer
capacidades próprias e desenvolve-las.
O processo terapêutico utilizado foi o da ludoterapia, a qual se concentra na criança,
conduzindo-a a buscar por si mesma sua própria compreensão de mundo, de si e do que o rodeia.
A ludoterapia é uma técnica psicoterápica de abordagem infantil que se baseia no fato de que
brincar é um meio natural de auto-expressão da criança. O brincar terapêutico tem sido objeto
de estudo da corrente humanista da psicologia, pois é considerada como mais uma possibilidade
diagnóstica e terapêutica nos atendimentos.
Desse modo, durante as sessões de ludoterapia é dada a oportunidade da criança de
libertar os seus sentimentos e problemas através da brincadeira. Na ludoterapia a criança tem o
brinquedo e a brincadeira para exprimir os seus sentimentos. Assim, os distúrbios emocionais
foram paulatinamente sendo superados e Dibs na busca de si mesmo, foi reencontrando-se e
harmonizando-se consigo próprio, com seus familiares e integrantes da escola, passando a ter
uma vida mais saudável.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
1256

Como o desenvolvimento de Dibs e suas formas de contato foram reprimidas, ele não
pode expressar-se de maneira natural, de modo a se comportar como um bebê. Aguiar (2014, p.
79), os adultos reprimem as crianças de maneira que elas aprendem desde muito cedo que olhar
para os outros “é feio”, que não se deve “encarar” os adultos, pois se trata de um sinal de
insubordinação, que não se deve olhar para “pessoas diferentes” e que a curiosidade pode ser
punida. Isso pode vir a prejudicar seus ajustamentos criativos criando uma forma de fuga que é
natural do ser humano, temos uma tendência de fugir de coisas que não nos trazem satisfação
ou prazer.
Outro aspecto a ser considerado é que muitas vezes uma criança não é aceita para terapia
se seus pais se recusam a participar do tratamento. Ninguém pode imaginar o número de
crianças que retornam a seus lares bloqueados e sem apoio profissional. Mas o que ocorre é
que, apesar da aquiescência consciente de certos pais em tentar solucioná-los, permanecem eles
em tal nível de resistência, que muito pouco pode ser conseguido. Se, de fato, não estão prontos
para tal experiência, dificilmente poderão tirar proveito dela.
Quantas crianças superdotadas desenvolveram-se de uma maneira desequilibrada e
ficaram aprisionadas em seu mundo solitário! Tal inteligência superior cria sérios problemas de
ajustamento pessoal e social (AXLINE, p.152).
"Dibs - Em Busca de si mesmo", aborda um tema que instiga o leitor a querer chegar
até o final e desvendar a trama de Dibs na busca por si mesmo. Esta obra nos chamou bastante
atenção, como uma criança atípica e um diagnóstico pode mudar a vida de uma família, os
temas abordados como: comportamentos de Dibs com sua família, na escola e nas sessões de
ludoterapia vão sendo transformados no decorrer da história. Este livro será de suma
importância e irá proporcionar aos leitores, grandes contribuições, para a vida e prática de
qualquer um que se propor a ler, em especial aos profissionais de psicologia, entre outros que
possam se deleitar com as peculiaridades de Dibs.

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Luciana. Gestalt-terapia com crianças: teoria e prática. São Paulo: Summus,
2014.
1257

AXLINE, Virgínia M. Dibs Em busca de Si Mesmo. Rio de janeiro: Círculo do livro, 1986.

LIVRO NAUTAS, https://www.livronautas.com.br/ver-autor/297/virginia-m-axline,


publicado 2011, data de acesso: 20 de novembro de 2021

KIYAN, Ana Maria Mezzarana. E a Gestalt Emerge - Vida e Obra de Frederick Perls. Col.
Identidades. 2. ed. São Paulo: Altana, 2006.
1258

SAÚDE MENTAL DA MULHER: uma perspectiva a partir do movimento feminista

Jordana Feitosa da Câmara1


Maria Katiane Formiga Miranda 2

RESUMO
O presente trabalho objetivo compreender a relação entre o movimento feminista e a saúde
mental da mulher contemporânea, entendendo como esse movimento se articula na promoção
de saúde. Tem-se como objetivos compreender as contribuições da sociedade no adoecimento
das mulheres e revisar a construção histórica do feminismo e sua relevância para as mulheres.
O método de pesquisa utilizado foi o de revisão integrativa de literatura a fim de correlacionar
os temas de maneira integrada e organizada. Através dessa revisão, foi possível verificar as
nuances de adoecimento mental das mulheres a partir da influência violenta da sociedade e
também observar como o movimento feminista se constitui historicamente como uma
articulação de potência em promoção de saúde, inclusive saúde mental às mulheres. Conclui-se
a escassa produção de trabalhos científicos que abordem essas temáticas concomitantemente e
a urgência em trabalhar neste resultado, visto que é uma temática relevante e pouco analisada.
Palavras-chaves: Saúde mental. Mulher. Feminismo.

ABSTRACT

The present work aims to understand the relationship between the feminist movement and the
mental health of contemporary women, understanding how this movement is articulated in
health promotion. The objective is to understand the contributions of society in the illness of
women and to review the historical construction of feminism and its relevance to women. The
research method used was the integrative literature review in order to correlate the themes in an
integrated and organized way. Through this review, it was possible to verify the nuances of
women's mental illness from the violent influence of society and also to observe how the
feminist movement is historically constituted as an articulation of power in health promotion,
including mental health for women. It concludes the scarce production of scientific works that
approach these themes concomitantly and the urgency to work on this result, since it is a relevant
theme and little analyzed.
Keywords: Mental health. Women. Feminism.

1 INTRODUÇÃO
Ao considerar o feminismo como um movimento sociopolítico de construção histórica
pautada em ideais de libertação e justiça social, é possível fazer uma interlocução entre este fato

1
Graduanda de Licenciatura em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte- E-mail:
jordanafeitosa2@gmail.com
2
Docente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, graduada em Psicologia pela Universidade Estadual da
Paraíba (UEPB), com MBA em Gestão de Pessoas pela Universidade Potiguar (UnP). – E-mail:
maria.miranda@professor.catolicadorn.com.br
1259

com elementos pertinentes a vivências de mulheres, tanto as que o viveram quanto as que
experimentam os desdobramentos deste feito. Nesse sentido, Kehl (2016, p. 50) afirma que:

A insistência dos pensadores do período que me refiro quanto a natureza feminina


revela justamente a emergência, na sociedade moderna, de novas condições de
desestabilização da relação entre as mulheres e as formações sociais fundadas na
diferença das funções reprodutivas, masculina e feminina.

Entende-se, portanto, a necessidade de refletir e repensar o modo operandis das relações


que envolvem a mulher contemporânea. De forma a ponderar a construção da sociedade como
tal e como as mulheres são vistas e tratadas dentro da perspectiva atual, torna-se urgente a
reflexão sobre novas formas de existir e estar no mundo para esses sujeitos.
Iniciado, propriamente dito, nos anos 1920, o movimento feminista vem se tornando,
além de uma posição de contestação de direitos das mulheres, um ponto de apoio e acolhimento
a esses sujeitos que encontram nessa rede um espaço de criação de vínculos com outras
mulheres (HOLLANDA, 2018). Com isso, o lugar da mulher modificou-se e assumiu outra
posição diante da sociedade. Hoje, a chamada mulher contemporânea ocupa um lugar de
cidadão com direitos e deveres e goza de mais possibilidades de existência, podendo optar ou
não por casar-se e seguir a maternidade, por exemplo (STREY, 1999).
Dessa forma, destaca-se a relação entre o feminismo e saúde mental da mulher
contemporânea, evidenciando-se a urgência de trabalhar maneiras alternativas de sustentar a
existência desses sujeitos em uma sociedade desigual e violenta. Assim, o presente trabalho
visa a contribuir para esta discussão, propondo considerar a vivência de mulheres como um
percursor potente para o movimento feminista e como este colabora para reduzir os danos
causados pela sociedade atual na perspectiva da saúde mental.
A temática proposta atravessa a vivência subjetiva da autora; sendo ela estudiosa e
militante ativa nas causas sociais, especificamente o movimento feminista. Começou a estudar
o feminismo aos quinze anos de idade e desde então segue implicada em conhecer as nuances
desse movimento social. As situações de violência experienciadas a motivaram neste percurso
que a fez compreender a importância do feminismo em relação à saúde mental da mulher.
A principal força motriz que justifica o interesse da autora nesta temática está às voltas
de uma vivência empírica do movimento feminista articulado à condução de sua própria saúde
mental. Ao vivenciar situações de violência, a autora encontrou, em meio ao feminismo, um
espaço de criação de vínculos que a proporcionou alternativas quanto à elaboração de sua dor.
1260

Além disso, ao se debruçar em estudos teóricos, deu-se conta da importância deste


conhecimento para a sociedade civil como um todo, o reconhecendo como o único caminho
possível ao se pensar a construção de novas formas de relações.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Adichie (2017) tem como uma de suas maiores contribuições à literatura a demarcação
do movimento feminista como um lugar de todos. Ou seja, homens, mulheres e todas as pessoas
devem se implicar no feminismo a partir de uma visão igualitária de direitos e possibilidades.
Para a autora, é inconcebível pensar a construção de uma sociedade sem fazer o recorte de
gênero. Assim, ela aborda o assunto de maneira sólida, perspicaz e acessível.
Nesse sentido, a autora questiona alguns paradigmas sociais e como estes são destrutivos
às mulheres e ainda implica o movimento feminista nessas questões de maneira direta. “O
problema da questão de gênero é que ele prescreve como devemos ser em vez de reconhecer
como somos. Seriamos bem maia felizes, mais livres para sermos quem realmente somos se não
tivéssemos o peso das expectativas de gênero” (adichie, 2017 p 36). Com isso, ela nos alerta
para como a divisão de tarefas e ideais acerca de homens e mulheres causam sofrimento nesses
sujeitos.
Em contrapartida, Butler (2019) rompe as barreiras de sexo e gênero ao pensar que uma
das pautas do movimento feminista seria transgredir a binaridade entre esses conceitos. A autora
inicia a discussão de que os ideais de sexo e gênero são plurais e diversos à medida que ambos
foram construídos socialmente a partir de discursos científicos alicerçados em interesses
políticos de manutenção do status quo. Compreendendo a imutabilidade desse discurso entre a
sociedade, deve-se pensar como esse discurso foi criado e mantido, visto que os conceitos de
sexo e gênero sempre foram vistos como duais e opostos.
Para a autora, falar de sexo e gênero como destoantes é limitar a discussão e supor que
esse sistema binário é natural, quando não o é. O gênero e o sexo estão culturalmente inscritos
no discurso e não são conceitos estáveis. (Butler, 2019). Nesse sentido, ela implica o
movimento feminista à medida que coloca em pauta o termo “mulheres” e suas limitações. A
escritora problematiza a suposição feminista de que esse conceito determine uma unidade entre
esses sujeitos. Dessa forma, inaugura o debate feminista político da não identidade comum entre
as mulheres.
1261

Com isso, para entender um pouco melhor a importância de analisar esses conceitos da
discursividade, é possível recorrer a Salih (2002), em que a autora coloca que, mesmo
parecendo sutil e despretensiosa, a linguagem é sempre intencional, parecendo algo que
simplesmente descreve o corpo, para a autora, ele o constitui.
Ao prosseguirmos o raciocínio acerca do discurso e da linguagem, Bordin (2014) afirma
que, para Foucault, o discurso é um conjunto de ideais que entram em consenso entre os
indivíduos a partir das relações de poder entre eles, visto porque, já que para esse teórico, o
conhecimento cientifico é baseado também nessa relação hegemônica.
Ainda para Foucault, os ditos “discursos de verdade” são formados e validados entre os
sujeitos através de suas relações e a partir dos elementos de comportamentos, valores e a própria
linguagem. Bordin (2014) resgata os conceitos daquele autor para valer a necessidade de se
pensar as relações a partir de uma norma de produção da linguagem, escancarando a
importância de se pensar esse elemento e como ele atravessa os sujeitos.
Ao considerarmos a importância de resgatar conceitos incipientes, Homem, Caligaris
(2019) debatem um pouco sobre o ódio à mulher e como isso se tornou um fenômeno
contemporâneo. Os autores abordam que, na cultura ocidental, a misoginia começou por duas
vias: Pandora e Eva. A primeira, a que por curiosidade, permitiu que toda a maldade do mundo
fosse liberada. E a segunda, que cometeu o primeiro pecado, amaldiçoando todas as outras
mulheres.
De acordo com esses autores, essas figuras representam todo o desejo sexual atribuído
a essas mulheres e que os homens não podem conter, assim se frustram e se revoltam. Essas
figuras, vistas como tentadoras, revelam como a sociedade enxerga as mulheres e como isso
reverbera na vida desses sujeitos.
Ao aproximar-se um pouco da contemporaneidade, Kehl (2016) pontua a participação
das mulheres na Revolução Francesca como um grande marco de contribuição política. A
principal motivação para esse fato se deu pela influência dos ideais filosóficos do Iluminismo -
liberdade individual e autonomia do sujeito. Esses conceitos fizeram as mulheres europeias
começarem a se questionar sobre submissão, maternidade e casamento.
Congruente a isso, Friedan (1971) problematiza o estilo de vida das mulheres à medida
que o entende como limitante, uma vez que, de acordo com a escritora feminista, a noção de
que as mulheres são as únicas responsáveis pela manutenção domiciliar, cuidado aos filhos e
afins aprisiona-as em um falso ideal de autonomia. A autora relaciona essa vivência desigual
1262

ainda ao casamento e à maternidade, visto que são elementos lidos socialmente como inerentes
às mulheres.
Nesse sentido, Adichie (2017) em seu manifesto feminista provoca

Já que pertenço ao sexo feminino, espera-se que almeje me casar, espera-se que faça
minhas escolhas levando em conta que o casamento é a coisa mais importante do
mundo, o casamento pode ser bom, uma fonte de felicidade, amor e apoio mútuo. Mas
por que ensinamos as meninas a aspirar o casamento, mas não fazemos o mesmo com
os meninos? (ADICHIE, 2017, p. 32).

Apenas nesse trecho, é possível perceber a necessidade de repensar a instituição do


casamento a partir de uma perspectiva feminista igualitária. Considerando as nuances
socialmente determinadas em volta dessa realidade, que apesar de apresentar uma expectativa
interessante, na realidade acaba por tornar-se mais um espaço de violência para mulheres.
Ao compreender um pouco sobre quais pautas o movimento feminista se interessa, é
importante que se recorra um pouco a seu percurso histórico a fim de entender a necessidade
desse movimento e o por que ele ainda apresenta caráter emergencial.
Duarte (2003) traz uma perspectiva cronológica relevante e divide o movimento
feminista em quatro ondas no Brasil. A justificativa dessa divisão, de acordo com a autora, está
pautada na necessidade de considerar os momentos iniciais desta luta e trazer lugar de destaque
para mulheres que foram pioneiras nessa jornada.
A primeira onda começa no século XIX e tem como principal pauta o direito básico a
ler e escrever, que, por muito tempo, foi reservado aos homens. Nesse meio, o acesso à educação
era a demanda principal e as mulheres desejavam ser incluídas na literatura, periódicos e afins.
Os nomes brasileiros de destaque dessa primeira onda foram Nísia Floresta, Joana Manso e
Júlia Albuquerque.
Já a segunda onda ficou marcada pela ampliação das conquistas pela educação e pelo
almejo do voto. Nesse período, as mulheres conseguiram mais espaços na produção literária e
usaram desse espaço para disseminar ideias revolucionárias. Uma dessas ideias seria então a do
direito ao voto. Um nome marcante desse período de luta foi a escritora e artista Josefina
Álvares.
Duarte (2003) coloca a terceira onda do feminismo como o momento rumo a cidadania,
na qual as mulheres se organizaram de maneira mais sistemática e efetiva para conseguir o
direito ao voto. Esse período foi marcado pela inauguração das mulheres na política e o sufrágio,
1263

ressaltando nomes como Bertha Luz, Cecilia Guimarães e Alzira Soriano. Em 1932, no governo
de Getúlio Vargas, as mulheres conseguiram o direito ao voto.
Por fim, a autora coloca quarta onda como a revolução sexual e literária na história das
mulheres. Iniciou-se nos anos 1970 e teve como principal marco a pioneira discussão acerca de
sexualidade, métodos contraceptivos e aborto. Além disso, as brasileiras tiveram que demarcar
seu lugar na política através da luta contra a ditadura militar, que pairava nesses tempos de
maneira violenta e institucionalizada. Foi também nessa época que debates como amamentação,
discriminação contra mulheres negras e população feminina periférica vieram à tona.
Especificamente sobre a discriminação contra mulheres negras, pauta crucial para o
movimento feminista, Ribeiro (2019) afirma que conhecer a história do feminismo negro é
crucial para entender as opressões sofridas por essas mulheres, que além de vivenciarem o
machismo, passam pelo racismo estrutural.
A autora também alerta sobre o racismo no Brasil pautado na neutralidade racial,
elemento que alicerça essa violência contra a população negra. De acordo com ela, o sistema
racista perpassa basicamente todos os âmbitos da vida social comum e, em muitos deles, passa
desapercebido. Assim, torna-se urgente a responsabilização de toda a sociedade civil afim da
construção de uma sociedade consciente de seus sistemas de opressão e disposta a lutar contra
eles.
Tomado como base esse aparto histórico, De Jesus e Almeida (2016) colocam que o
movimento feminista foi crucial para o progresso das mulheres diante a história, sendo a
pesquisa feminista responsável por reavaliar o poder das mulheres e subverter o ponto de vista
de dominação em que esses sujeitos foram colocados.
As autoras supracitadas definem que o movimento feminista se refere às lutas das
mulheres como um todo e que seus objetivos estão alicerçados na superação da hierarquia
masculina e na desigualdade de gênero. Além disso, as autoras definem as Grandes Guerras
como acontecimentos históricos de extrema relevância para as mulheres, já que foi nesse
momento que as elas foram inseridas de maneira institucional e regular no mercado de trabalho.
Assim, corroborando com isso, Zirbel (1998) coloca o movimento sufragista como um
ponto crucial para entender a luta das mulheres no Brasil. De acordo com a autora, o movimento
das mulheres brasileiras foi organizado a partir de um levante popular, visto que o período
vigente era o do Estado Novo e depois a Ditadura Militar. Assim, as mulheres foram sujeitos
1264

políticos responsáveis por demarcar um lugar de luta e resistência frente aos moldes de governos
autoritários do país.
Ainda, Zirbel (1998) afirma que as principais demandas do feminismo dizem sobre
reinvindicações acerca da desigualdade nos direitos civis, políticos e trabalhistas, tentando
subverter a cultura instaurada, desde a religião, sistema jurídico e vida social comum como um
todo.
No Brasil, de acordo com Goldenberg (2001), o feminismo foi um movimento social de
extrema importância ao se pensar a formação histórica do país. Desenvolvido a partir de uma
colonização europeia violenta e influenciada pela Igreja Católica, o Brasil foi construído a partir
de um modelo patriarcal e conservador, não havendo espaço para outras formas de construir
família, religião e sociedade. Assim, o feminismo tornou-se um elemento crucial para subverter
um pouco dessa lógica no Brasil, sendo um movimento político indispensável.
Nessa perspectiva, Otto (2004) define que o movimento feminista no Brasil assume
múltiplas facetas e identidades, assumindo papel diverso na sociedade. A autora justifica essa
analise a partir da movimentação política ativa em que as mulheres assumiram desde o Golpe
de 1937 até a Ditadura Militar, que foram marcos históricos de enfraquecimento democrático.
Com isso, percebe-se a relevância do movimento feminista para a emancipação das
mulheres, tanto a nível Brasil quanto internacionalmente. Assim, Gurgel (2010) propõe que o
feminismo no mundo teve sua primeira expressão datada em 1978 a França, que, pela influência
da Revolução Francesa, as mulheres começaram a romper as estruturas de dominação já
instauradas. Foi nesse momento que as mulheres, de forma incipiente, reivindicaram seus
direitos políticos.
Kehl (2016) fortalece essa discussão e acrescenta que a participação política das
mulheres na Revolução Francesa foi influenciada principalmente pelos ideais filosóficos do
iluminismo, que pautavam a autonomia e liberdade dos sujeitos. Destarte, foi o conhecido
pensamento das Luzes que motivou as primeiras movimentações feministas na Europa, isso
porque valorizava a emancipação individual, recusando qualquer forma de submissão dos
indivíduos políticos.
Desse modo, compreende-se a luta feminista como um movimento social globalizado
influenciado por ideais filosóficos, políticos e culturais da época. Contudo, alguns elementos
acerca desse movimento foram também construídos a partir de seu momento histórico, não
1265

conseguindo romper algumas barreiras. Uma delas foi a inserção de mulheres negras em suas
movimentações (Davis, 2016).
A partir disso, essa autora aponta a fragilidade histórica em que o movimento sufragista
se deu por excluir mulheres negras de suas organizações. Nas convenções populares acerca do
sufrágio feminino, as únicas aceitas eram mulheres brancas de classe média que colocavam
apenas seus interesses em pautas, excluindo mulheres negras do debate.
A autora, enfim, ressalta o discurso de uma companheira negra em uma das convenções
pelo sufrágio feminino nos Estados Unidos. Durante a primeira Convenção Nacional pelos
Direitos das Mulheres, a mulher negra Sojourner Truth proferiu um dos discursos mais
marcantes da história do feminismo. Ao ser questionada sobre a força das mulheres em
sustentarem o direito ao voto, ela respondeu:

Arei a terra, plantei, enchi os celeiros, e nenhum homem podia se igualar a mim! Não
sou eu uma mulher? Eu podia trabalhar tanto e omer tanto quanto um homem – quando
conseguia comida- e aguentava chicotes da mesma forma! Não sou eu uma mulher?
Dei luz à treze crianças e vi a maioria ser vendida como escrava e, quando chorei em
meu sofrimento de mãe, ninguém, exceto Jesus, me ouviu! Não sou eu uma mulher?
(DAVIS, 2016, p. 71).

No prosseguir da reunião, ao ser questionada sobre o suposto princípio cristão que está
em detrimento da supremacia dos homens, respondeu: “Aquele homenzinho de preto ali, ele diz
que as mulheres não podem ter os mesmos direitos do que os homens porque Cristo não era
uma mulher. E de onde veio Cristo? De onde veio seu cristo? De Deus e de uma mulher! O
homem não teve nada a ver com ele.” (DAVIS, 2016, p.71)
Sobre o feminismo negro, Ribeiro (2018) acrescenta que esse movimento em especifico
começou a ser articulado a partir da segunda onda do feminismo, entre os anos de 1960 e 1980,
nos Estados Unidos, influenciado principalmente pela fundação National Black Feminist. Já no
Brasil, o feminismo negro começou a criar potência nos anos 1980 e tem como objetivo
principal inserir o debate da negritude no movimento feminista, dando voz e vez às demandas
das mulheres negras, já que essas mulheres são acometidas pelas consequências do machismo
e racismo combinados.
Com isso, aplica-se o conceito de interseccionalidade. De acordo com Akotirene (2019),
essa ideia impede reducionismos e se implica compreender as estruturas modernas mais afundo,
investigando os contextos e fazendo intersecções entre as discriminações e violências. Isso
1266

mostra, então, a necessidade de se compreender como as violências se combinam e se


manifestam, não podendo ser reduzidas a apenas a um único elemento.
Nesse contexto, torna-se urgente que vivências de mulheres negras sejam disseminadas
e colocadas em lugar de destaque na luta feminista. Nisso, Adichie (2019) convida os
movimentos sociais e a população como um todo a questionar e entender o perigo de uma
história única. A autora expõe esse conceito como a popularização de uma história a partir de
um único ponto de vista, assim se tornando uma verdade absoluta e criando estereótipos danosos
para as populações em desvantagem social. Isso pode ser aplicado com a população negra a
partir desse movimento de silenciamento de suas histórias, precisando ser revisto e reelaborado.
Portanto, assimilando esse aparato histórico de construção, é possível entender o
feminismo como um movimento sociopolítico, organizado e de múltiplas faces, tendo seu
desenvolvimento por todo o mundo de maneira protagonizada por mulheres e sempre de caráter
popular. Nisso, Tiburi (2018) sustenta que o feminismo é um movimento ético-político e ético-
poético que tem como principal objetivo subverter as normas já instauradas da sociedade. Para
ela, é crucial que as mulheres ocupem lugar de expressão na sociedade e que sejam
protagonistas de sua própria história.
Assim sendo, compreende-se que as mulheres protagonizaram causas femininas,
reivindicando espaços públicos e se implicando nos movimentos sociais e políticos. Para as
autoras, Pedro e Guedes (2010), essas lutas foram significativas à medida que incluíram no
debate o conceito de gênero, pois só assim foi possível identificar mais claramente as
discriminações sofridas pelas mulheres de forma especifica, tentando erradicar a naturalização
de comportamentos que mantenham as desigualdades entre homens e mulheres.
Para além disso, é importante que ressalte a multiplicidade de formas tomadas pelo
feminismo a partir das mudanças contemporâneas. Jesus (2014) sustenta a existência do
chamado transfeminismo. De acordo com a autora, essa vertente se implica a subverter a lógica
binária excludente dos corpos. Ou seja, essa linha de pensamento feminista pensa e valoriza a
existência de pessoas que não se identificam na lógica reducionista de homem/mulher e passeia
em outras possibilidades.
Já citado anteriormente, esses elementos acerca da transgeneridade têm influência direta
da Teoria Queer, representada principalmente por Butler (2019). A autora considera que a
discussão acerca do corpo não deve se limitar a sexo e gênero e sim considerar outros elementos
1267

culturais que permitam a existência de outras narrativas, ultrapassando a lógica dual e binária
estabelecida. Assim, complementa:

Além disso, mesmo que os sexos pareçam não problematicamente binários em sua
morfologia e constituição (ao que será questionado), não há razão para supor que os
gêneros também devam permanecer em número de dois. A hipótese de um sistema
binário dos gêneros encerra implicitamente a crença numa relação mimética entre
gênero e sexo, na qual o gênero reflete o sexo ou é por ele escrito (BUTLER, 2019, p.
26).

Ao compreender alguns elementos sobre o feminismo e sua construção, é possível notar


a importância desse movimento para a sociedade e como ele moldou a história em aspectos
políticos, sociais, éticos e filosóficos. Assim, FARIA, NALU et al. (2018) colocam que a luta
feminista se baseia principalmente pela liberdade e autonomia dos corpos das mulheres, sendo
uma articulação essencial para se pensar as transformações organizacionais do nosso cotidiano,
trabalho e vida.

2.2 SAÚDE MENTAL DA MULHER

A narrativa da loucura feminina é historicamente ligada à sexualidade. De acordo com


Vilela (19920, no Egito Antigo as mulheres eram tratadas como seres malignos pela
complexidade anatômica dos seus corpos, ao incluir útero, óvulos e afins. Órgãos diretamente
ligados à sexualidade, aquelas que exercessem esse lugar mais ativamente eram vistas como
loucas. Essa relação foi um fator crucial para a caça às bruxas, que se iniciou na Idade Média.
Pegoraro, Caldana (2008) corroboram com o pensamento supracitado, já que entendem
o fenômeno da loucura feminina como algo construído diretamente ligado à sexualidade desses
sujeitos. Nesse sentido, é possível recorrer também ao pensamento de Garcia-Roza (1985) em
que define a criação da loucura como um exercício de controle sobre a sociedade. Ou seja,
independente de qual loucura se fala, essa questão escancara as formas de dominação a partir
da elaboração de um certo saber. Ainda de acordo com o autor, a ciência responsável por esse
feito foi a psiquiatria, que, durante todo o século XIX, estudava sobre a loucura e seus efeitos,
a fim de entender como está se portava no cérebro humano.
Federeci (2017) retrata a caça às bruxas como um dos eventos mais importantes da
história da humanidade e coloca sua relevância ao pensar as novas formas de produção e
iniciativa governamental. Um dos maiores artifícios usados para fortalecer a caça às bruxas foi
1268

a propaganda midiática acerca dos perigos que essas mulheres poderiam causar. Ou seja,
durante a maior perseguição de pessoas da história, uma das estratégias utilizadas foi a
manipulação em massa a fim de criar uma imagem de que mulheres seriam loucas e perigosas,
gerando uma onda de medo, revolta e perseguição.
Foucault (1978) estabelece fortemente a relação da loucura como uma estratégia social
de manutenção de controle. Esse fenômeno foi a forma encontrada pela burguesia de eliminar
aqueles que fugiam a regra dentro da sociedade, aprisionando-os em um grupo marginalizado.

Daí a supor que o sentido do internamento se esgota numa obscura finalidade social
que permite ao grupo eliminar os elementos que lhe são heterogêneos ou nocivos, há
apenas um passo. O internamento seria assim a eliminação espontânea dos "a-sociais";
a era clássica teria neutralizado, com segura eficácia — tanto mais segura quanto cega
— aqueles que, não sem hesitação, nem perigo, distribuímos entre as prisões, casas de
correção, hospitais psiquiátricos ou gabinetes de psicanalistas. (FOUCAULT, 1978,
p. 28)

Desse modo, compreende-se a loucura como um diagnóstico socialmente criado e


mantido com o intuito de aprisionar corpos em um sistema desfavorável em detrimento de
regalias de um grupo detentor de poder e controle. Esse movimento de dominação se baseia
principalmente no processo de despersonalização de sujeitos que não se enquadravam na norma
estabelecida, demonstrando perigo para a homogeneidade do grupo dominante.
Ao compreender que as mulheres fazem parte de um grupo socialmente vulnerável e
sujeito a violências, o diagnóstico da loucura e afins perpassa pela história desses sujeitos de
maneira intensa. Pessotti (1994) coloca que, depois do decaimento da caça às bruxas, a
alternativa para essas mulheres que eram vistas como desviantes era a internação; geralmente
mulheres de baixo poder aquisitivo.
Além do diagnóstico de loucura, outros nomes são dados e socialmente produzidos para
os corpos das mulheres. Solomon (2017) afirma que apenas a biologia não é capaz de explicar
por que mulheres são mais acometidas com a depressão. Amparado por autoras feministas como
Dana Crowley Jack e Susan Nolen- Hoeksema, o autor entende que as mulheres tendem a ser
mais depressivas por serem constantemente retiradas do lugar de cidadã e sofrerem mais
violência. Esse argumento escancara a forma violenta pela qual a sociedade adentra pela
biologia das mulheres. Com isso, entende-se que seja pelo diagnóstico de loucura, depressão ou
afins, o corpo da mulher é sempre atravessado pelo social desigual e violento.
1269

No caso especifico da depressão, entende-se que esse transtorno é um dos mais


prevalentes na população e envolve aspectos biológicos, psicológicos, endócrinos, genéticos e
socioculturais (Weissman e Olfson, maratnc, 1995). Desse modo, as autoras Baptista, Oliveira
(1999) chegam a conclusão de que mesmo considerando aspectos biológicos para explicar a
maior incidência da depressão em mulheres, são as questões psicossociais que explicam essa
incógnita.
Garcia (1995) também expressa que a depressão em mulheres está para além de uma
condição psiquiátrica e sim fala sobre a impossibilidade de se colocar. Assim, na falta dessa
expressão e afirmação dentro da sociedade, esses sujeitos acabam por implodir esses
sentimentos, resultando no diagnóstico da depressão.
Ao compreendermos esse contexto, é possível estabelecer fortemente a relação entre
esses diagnósticos com a forma com que essas mulheres são vistas e tratadas na sociedade. Em
uma pesquisa feita por Zanello, Fiuza e Costa (2015), os resultados mostraram a necessidade
de se debater o adoecimento mental pela ótica psicossocial ao considerar as diferenças entre
homens e mulheres na sociedade. No referido trabalho, 8 homens e 7 mulheres foram
entrevistados e esse processo era baseado por questionários semiestruturados. As perguntas
eram sobre sociabilidade, experiências, desejos e perspectivas de futuros. Ao final, os discursos
desses sujeitos comprovaram o quanto o sofrimento psíquico vivenciado por eles passa pelos
estereótipos de gênero socialmente construídos.
Ao pensar o corpo como uma esfera atravessada pelo social, Safatle, Junior e Dunker
(2018) colocam que a história desse corpo marca um lugar de expressão e sofrimento social,
podendo assumir inclusive diversas maneiras de sofrer. Isso, a partir do que a história
determinou para tal estrutura, considerando todas as transformações históricas que o corpo
perpassou ao longo do tempo, desde suas significações até sua própria conjuntura.
Breton (1953) atribui ao corpo o principal modo de ligação do homem com o mundo.
Esse corpo, sempre moldado pelo contexto sociocultural, é a maneira em que se expõem as
significações de existência no mundo. É através desse corpo que o homem consegue estabelecer
vínculos e se comunicar com o outro, através do vetor simbólico, semântico e imaginário.
Na perspectiva apresentada, entende-se que é impossível desvincular o corpo das
mulheres da experiência do coletivo e como este o afeta. Santos (2009) afirma que a vivência
do sofrimento psíquico, apesar de falar sobre a subjetividade humana, também é perpassado
pelos atributos históricos e os valores socialmente construídos e aceitos. Assim, mesmo
1270

compreendendo o adoecimento mental como algo individual, é preciso que o mal-estar coletivo
também seja levado em perspectiva, já que esse fator vai ser crucial para entender a forma como
as relações humanas se estabelecem. A autora também coloca essa intersecção como necessária
ao pensar o campo da saúde mental e do gênero, pois esses elementos se tornam indissociáveis.
Na perspectiva da saúde mental, Kohen (2001) afirma que, ao pensar a saúde mental da
mulher especificamente, alguns elementos são imprescindíveis. Cuidado pré e pós-natal, saúde
dos filhos, comorbidades, distúrbios mentais, violência doméstica, saúde reprodutiva e afins são
alguns desses temas. Assim, é necessária uma reforma na maneira em que a saúde aborda esses
temas, visto que são de suma importância para compreender a vivência de mulheres
relacionadas à saúde mental.
Assim, sejam tomadas pelo lugar da loucura, depressão ou outros diagnósticos, as
mulheres tomadas pela inconformada desse lugar na sociedade são rechaçadas, marginalizadas
e violentadas. Segundo Garcia (1995), pelo fato de as mulheres serem atravessadas por essa
imposição, é mais comum que esses sujeitos vivenciem sentimento de culpa pelos seus desejos
e colocações. Com isso, explica-se a grande incidência de internação de mulheres por tentativa
de suicídio, depressão pós-parto, desmaios e cefaleias.

Recuperemos o fato de que Freud (1888/1969) começou o verbete lembrando a


superação do vínculo histórico da histeria como um distúrbio relacionado ao aparelho
sexual feminino. Isso foi importante na repercussão do que se seguiu. Definiu a
histeria como uma neurose desprovida de alterações do sistema nervoso. Descartada
a anatomia, concebeu-a como uma modificação fisiológica do sistema nervoso.
Definiu que a histeria, em essência, “deve ser expressa numa fórmula que leve em
consideração as condições de excitabilidade nas diferentes partes do sistema nervoso”
(BOCCA, 2011, p. 885).

Com isso, entende-se que dado o nome de histeria à condição de repressão sexual das
mulheres, fato esse que ao longo da história sempre admitia nomes diferentes e se relacionava
ao patológico, porém não era explicado apenas pelo fisiológico. As conhecidas “histéricas de
Freud” explicitavam essa relação desigual que se colocava sobre as mulheres da época. A
repressão sexual de desejo, sentido e corpo afetavam esses sujeitos de maneira visceral.

3 METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do presente trabalho, a metodologia escolhida baseia-se na


revisão integrativa de literatura. De acordo com Souza, Silva, Carvalho (2010), a revisão
1271

integrativa se diferencia de outros métodos, como a meta-análise e revisão sistemática, por


exemplo, por abranger mais estudos teóricos e práticos. Ainda segundo os autores, a revisão
integrativa de literatura permite uma maior compreensão do fenômeno analisado por combinar
uma multiplicidade de propostas cientificas e gerar um cenário consistente e compreensível
diante de uma amostra ampla e diversa.
Este trabalho teve como alicerce a utilização das bases de dados do Scielo e Google
Acadêmico. Assim foram escolhidas por serem plataformas cientificas abrangentes e por
responderem à demanda pesquisada, tendo em vista a diversidade de material encontrado nesses
programas.
Para a realização da pesquisa, foram utilizados os descritores em palavras-chaves de
saúde mental, mulher e feminismo. A busca foi realizada entre abril e junho de 2022.
Na realização da pesquisa, não foram encontrados artigos quando utilizados os
descritores: Saúde mental da Mulher e Feminismo, e Saúde Mental e Feminismo. Por fim, ao
pesquisar com o descritor Saúde e Feminismo, foram encontrados 28 resultados.
Desses 28 artigos encontrados, apenas 6 apresentaram potencial de contribuição ao
entrar em consonância com a temática do presente do trabalho. Dos restantes 22 trabalhos, 3
não entraram no critério de inclusão por abordar assuntos sobre cuidado obstétrico, 3 por tratar-
se de feminismo negro, 2 por serem mais voltados à questão da violência de gênero, 1 por trazer
mais especificamente a questão da pandemia da Covid-19, 1 por voltar-se à criminologia
feminista, 2 por afunilar-se na descriminalização do aborto, 1 por abordar mulheres na ciência,
1 por tratar homens no feminismo,2 por serem sobre direitos reprodutivos das mulheres, 1 por
ser sobre tabagismo feminino especificamente, 2 por ser da área da enfermagem, 1 por voltar-
se a tratar a temática da terapia ocupacional e por último, 2 trabalhos que se implicavam mais
na área do HIV.
Dessa forma, torna-se observável a não implicação da comunidade científica em abordar
o movimento feminista aliado à saúde mental das mulheres. Apesar de existirem trabalhos
voltados a compreender o movimento feminista e seus elementos, tal como uma gama de
trabalhos sobre saúde mental da mulher, essa correlação não é explorada. Assim, compreende-
se a necessidade emergencial do presente trabalho, visto que traz uma nova perspectiva para a
comunidade cientifica ao inaugurar a relação entre essas temáticas.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
1272

A seleção final desta pesquisa baseou-se em 6 artigos científicos produzidos entre os


anos de 2012 e 2022, todos escritos em língua portuguesa, seguindo os critérios de inclusão e
exclusão estabelecidos.
A partir disso, tem-se que Lima et. al (2022) contribuíram no sentido de pontuar a
estreita relação entre a saúde e os elementos culturais, escancarando que a promoção de saúde
passa também pelos eventos sociais. Além de que os assuntos de sexo, gênero e trabalho
também são perpassados por esse meio, sendo a violência doméstica um exemplo disso. Souza
et al (2021) corroboram com isso ao pontuar a tripla jornada feminina e quanto esse meio social
contribui para o adoecimento mental das mulheres.
Oliveira (2021) Mendonça e Gonçalves (2020) colaboram no bojo da pesquisa ao
colocarem em pauta a participação dos movimentos sociais na promoção da saúde, o que é de
extrema relevância para este trabalho. Nisso, Silveira, Paim, Adrião (2019) também
acrescentam a importância da atuação dos movimentos sociais na promoção de saúde,
principalmente em tempos de vulnerabilidade político-social como a Ditadura Militar. Por fim,
Paiva et.al (2015) pontuam a ligação direta do movimento feminista com a promoção de saúde
das mulheres através do processo educativo.
Ao considerar os aspetos supracitados, é possível nomear algumas relações possíveis
entre o movimento feminista e a saúde mental da mulher contemporânea. Nesse sentido, Furlin
(2012) aponta para a importância de considerar a experiência de mulheres na teoria feminista.
A autora coloca que a epistemologia científica da teoria feminista tem a experiência de mulheres
como objeto de estudo à medida que constitui, além de uma produção de conhecimento,
processos de subjetivação para esses sujeitos.
A autora ressalta a importância de considerar a vivência dessas mulheres na teoria
feminista também para construir um novo sentido acadêmico, ressignificando os processos
científicos de objetividade nas ciências humanas e sociais, visto que a categoria da experiência
poderia trazer uma nova perspectiva acerca desses elementos. Furlin (2012). Assim, entender
como essas mulheres vivem é prioridade no movimento feminista, em que um desses elementos
perpassados é como a saúde mental dessas mulheres se encontra. Com isso, Lima (2022)
considera a articulação entre promoção da saúde e movimento feminista como algo
fundamental. De acordo com ela, pela instabilidade governamental frente a políticas públicas
de qualidade, as organizações feministas podem trabalhar para combater as desigualdades de
gêneros impostas pela sociedade. Assim, coloca:
1273

Considerando-se a gravidade do problema e as medidas mínimas ou insatisfatórias


promovidas pelo Estado. Ressalta-se a importância da atuação de entidades não
governamentais e organizações feministas brasileiros como atores políticos e sua
capacidade de impulsionar políticas públicas de efetivação da cidadania das mulheres,
em especial, no que se refere ao enfrentamento de violências de gênero (LIMA, 2020,
p. 2).

Ainda, a autora chama atenção para como esse panorama da saúde está implicado
diretamente na cultura e política, pois respondem também às vulnerabilidades socioeconômicas
que pautam o processo saúde-doença Lima (2022).
Logo, entende-se que a questão da saúde não pode ser desvinculada dos processos
sociais vigentes, e assim funciona para a saúde mental. Fonseca (1985) aponta justamente para
a influência de multifatores ao tratar-se da saúde mental. Fatores biológicos, sociais, fase de
desenvolvimento, antecedentes genéticos e estilo de vida devem ser considerados para abordar
o assunto de maneira mais abrangente.
Consonante isso, Martins (2004) salienta que a relação entre saúde mental e
sociabilidade é estreita e deve ser levada em consideração. Com isso, fatores de riscos
psicossociais são os mais alarmantes ao pensar saúde mental: como o sujeito se relaciona com
o ambiente externo, por exemplo, pode ser um fator de risco à saúde mental por tratar-se do
contexto social em que está inserido.
Apesar de abordar o tema da saúde mais especificamente no âmbito educacional,
algumas contribuições de Hoffmann et al (2017) são importantes serem colocadas. De acordo
com os autores, a desigualdade de gênero são elementos agravantes no que diz respeito à saúde
mental das mulheres, visto que essas passam por mais situações de vulnerabilidade tanto no
ambiente de trabalho quanto na esfera privada.
Nessa perspectiva, Souza et al (2021) acrescentam que as desigualdades de gênero no
ambiente de trabalho se tornam mais alarmantes por escancarem uma tripla jornada enfrentada
pelas mulheres, em que são determinadas a darem conta tanto da esfera produtiva quanto
reprodutiva da sociedade, sobrecarregando esses indivíduos de maneira significativa. Com isso,
demonstra-se a influência do meio social para o adoecimento mental de mulheres e a pressão
descomedida que essas sofrem.
Mais especificamente voltada à saúde, Mendonça e Gonçalves (2020) implicam que a
respeito da saúde coletiva no Brasil, as manifestações populares de resistência foram
1274

fundamentais na luta do povo, principalmente no que se refere a não colocar essas pessoas em
papel de espectador e sim de protagonista.
Os autores também chamam atenção para o papel do feminismo negro nessa perspectiva.
“O feminismo negro vem sendo o verdadeiro responsável pela grande teoria de tudo unificada
coo jamais a esquerda ousou conceber: interseccionalidade/encruzilhada” (MENDONÇA e
GONÇALVES, 2018, p. 7), ressaltando assim, a importância de se pensar os movimentos
sociais como parte atuante na luta sobe direitos em saúde.
Além disso, Oliveira et al (2021) assinala que um grande equívoco nos debates em saúde
é não considera questões de trabalho, relações de classe e violência. Especificamente sobre as
mulheres, as autoras consideram de suma importância ressaltar que violência doméstica é tema
importante no que diz respeito àsaúde das mulheres. Nisso, como já debatido anteriormente, o
movimento feminista implica em estudar e combater, demonstrando a necessidade dessa
organização em assuntos voltados a saúde da mulher.
Silveira, Paim, Adrião (2019) acrescentam que, durante o período da Ditadura Militar
no Brasil, os movimentos feministas tiveram papel de protagonismo no que diz respeito à luta
pela educação, cidadania e inclusive, saúde. De acordo com os autores, esse período foi marcado
pela extrema instabilidade e precarização dos serviços públicos no país e que, diante disso, o
movimento feminista foi um dos agentes de luta em defesa da saúde.
Nesse sentido, os autores ainda acrescentam a participação de militantes feministas nos
movimentos populares de bairro em cuidado a saúde. Pela ausência do Estado em época de
instabilidade político-social, organizações não governamentais e movimentos sociais se
implicaram em práticas de cuidado à saúde ao redor do país; a partir de criação de grupos e uma
ampla movimentação popular de mulheres com ideais feministas. Isso, mais uma vez,
demonstra o papel histórico que o feminismo ocupa em lugar de resistência a saúde das
mulheres.
Abers, Silva, Tatagiba (2018) afirmam que os movimentos sociais têm ligação direta e
indissociável com a criação de manutenção de políticas públicas numa realidade de Estado
Brasileiro. Tal conexão relaciona a dependência da formulação dessas políticas atrelada ao
posicionamento dos movimentos sociais atuantes.
Concordante a isso, Lavalle et al (2018) pontua que, mais que uma relação próxima, as
políticas públicas e os movimentos sociais mantêm uma relação de dependência mútua. Ou
seja, ambos dependem um do outro para atuarem na sociedade civil, de modo que os
1275

movimentos sociais apresentam contribuições significativas na efetivação dessas políticas


públicas.
Com isso, percebe-se a importância de avaliar o movimento feminista como precursor
de saúde na sociedade civil, visto que esse movimento se enquadra como um movimento social
atuante que contribui diretamente na efetivação de políticas públicas de assistência, saúde e
cidadania. Cisne, Gurgel (2008) entende essa relação à medida que coloca a atuação do
movimento feminista como historicamente responsável pela elaboração de ações e estratégias
que questionam as bases de exploração das mulheres, colocando-as em posição de sujeito
político de respeito e emancipação.
Pensando nesse viés de sujeito político de autonomia e sua importância para a
constituição da saúde, Goulart (2013) coloca que o âmbito da saúde mental deve ser relacionado
a aspectos biológicos, sociais, culturais e a história de vida daquele sujeito. Sobre este último,
o autor coloca que entender os processos sociais que acontecem em volta são de imensa
importância para entender como o sujeito se comporta nessas esferas, já que diz respeito a uma
produção simbólica com o mundo, caracterizando, assim, a forte relação do desenvolvimento
da noção de saúde com um olhar político de movimentação organizada.
Gonzales, Reys (2004) abordam essa temática, considerando a saúde mental como um
elemento amplo e multifatorial. Para os autores, a saúde é um atributo que depende também de
como a sociedade se comporta em uma perspectiva macro, assim a sua promoção depende
também de como essa sociedade se organiza e se apresenta, funcionando como um aspecto
primordial, e considerando essa perspectiva, as instituições de poder detêm enorme influência
na promoção de saúde da população.
Nessa perspectiva, Paiva et.al (2015) resgatam que, já na época de 70 e 80, o movimento
feminista se preocupava em promover ações educativas em saúde a mulheres a fim de
democratizar esse conhecimento e estabelecer a saúde como um espaço também ocupado por
mulheres.
A saúde sexual e reprodutiva das mulheres sempre foi preocupação do movimento
feminista; e na intenção de popularizar o acesso a esses espaços de educação em saúde, foi o
feminismo que demarcou a necessidade em se adquirir esse conhecimento (PAIVA et. Al,
2015). Com isso, demonstrando o papel histórico exercido pelo movimento feminista na
aquisição de direitos na promoção de saúde.
1276

Desse modo, tendo em vista que o lugar ocupado pelas mulheres na sociedade é
estruturalmente adoecedor, Beauvoir (2016) afirma que, ao longo da história, o lugar reservado
às mulheres é de Outro, de um segundo sexo.

O homem que constitui a mulher como um Outro encontrará, nela, profundas


cumplicidades. Assim, a mulher não se reivindica como sujeito porque não possui os
meios concretos pata tanto, porque sente o laco necessário que a prende ao homem
sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz nos seu papel
de outro (BEAUVOUIR, 1960, p. 18).

Como coloca a autora, o papel de Outro da mulher na sociedade a aprisiona e determina


uma vivência feminina limitante. A autora também evidencia a importância do feminismo ao
tratar, de forma geral, a questão das mulheres. De acordo com ela, a querela do feminismo se
coloca a debater as questões das mulheres de maneira incisiva e, mesmo que faça isso a muito
tempo, ainda não é o suficiente.
Ao completar essa perspectiva acerca da importância do movimento feminista para a
sociedade como um todo, inclusive na promoção de saúde, Ribeiro (2019) demarca o feminismo
como um lugar de todas as mulheres. Mesmo tendo sido conivente com ações excludentes em
sua gênese, o feminismo assumiu formas diferentes diante o tempo e hoje assume uma categoria
diversa e interseccional. A autora finaliza afirmando que os elementos de raça, orientação
sexual e identidade de gênero são indissociáveis do movimento feminista, contemplando todas
as mulheres em fundamento nesse movimento político social de emancipação feminina.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pensar todos os elementos discutidos anteriormente, a primeira consideração a ser


feita é sobre a desproporcionalidade em relação ao material encontrado para discussão. Apesar
de existirem muitos trabalhos acerca da construção do movimento feminista e afins e sobre
saúde mental da mulher, essa articulação ainda é pouco ou nada explorada pela comunidade
cientifica. A pesquisa feita demonstrou um significativo déficit na conexão entre esses temas,
em que nenhum a trazia de maneira direta e correlacional. Esse parâmetro investigativo
demonstra, além de um descaso com o tema, um não saber sobre como esses elementos se
relacionam, sendo de urgência um novo olhar sobre eles.
1277

A temática do movimento feminista é tratada como revolucionária no sentido de


organização sócia e mudanças culturais e políticas, o que não deixa de ser extremamente
importante. Porém, um adendo significativo sobre esse movimento é como justamente as
mudanças causadas por ele contribuem para a saúde mental das mulheres. À medida que o
feminismo proporciona mudanças sociais de emancipação feminina, isso contribui para uma
vivencia das mulheres menos violentas e mais harmônicas. E essa vivencia está totalmente
ligada à saúde mental desses sujeitos.
Como minuciosamente elaborado anteriormente, o adoecimento mental das mulheres se
dá, em grande parte, pela violência perpetuada pela sociedade, que foi construída em moldes
patriarcais que naturalizam a violência de gênero. Reavaliando esse lugar e como a sociedade
enxerga e se posiciona com as mulheres, o movimento feminista se propõe a construir um
mundo diferente, novo e revolucionário.
A partir dessa contingência, o feminismo subverte essa lógica violenta contra as
mulheres a partir de posicionamentos articulados à políticas públicas e de ações estratégicas
voltadas aos direitos das mulheres, que ainda hoje não são efetivados da maneira ideal. Assim,
esse movimento impulsiona a criação de um espaço melhor para todos viverem, mesmo aqueles
e aquelas que não participam ativamente, mas que por estarem inseridos na sociedade como um
todo, desfrutam das contribuições significativas que ele proporciona.
Para além disso, é importante frisar a potência que o movimento feminista apresenta
dentro de suas ações organizadas. Grupos de leituras, páginas em redes sociais, ONGS
especificas, produção científica feminista, articulações em defesa das mulheres são
movimentações que fazem parte do feminismo e criam um espaço de acolhimento e interação
entre as mulheres que participam ativamente.
A criação de vínculo entre essas mulheres torna-se uma rede de apoio a qual vale a pena
mencionar. Além de que o trabalho investido nesse movimento também cria uma noção
diferente do que é ser mulher no mundo. O escrever, ouvir e falar sobre a vivencia particular de
ser mulher desenvolvem um sentimento de pertencimento, fortalecendo a subjetividade e
reafirmando desejos, experiências e possibilidades de criação.
Esses dados elementos são de suma importância para a saúde dessas mulheres. Como já
colocado, a saúde mental se caracteriza por aspectos multifatoriais, dentre eles, a cultura e como
o sujeito se insere nela. Assim, a participação em um movimento social ativo de reflexão acerca
1278

do papel das mulheres na sociedade incita uma revolução além de política, fenomenológica,
pois, ao questionar esse lugar no mundo, muitas questões podem vir à tona.
Ao olhar as produções acerca desses elementos, entende-se que a arte também assume
papel importante nos movimentos sociais. E no movimento feminista não seria diferente. Diante
dessa urgência em subverter a lógica vigente e das reflexões internas causadas pela participação
no movimento, a arte aparece como refúgio e momento de trabalho. Depositando energia
naquilo que é feito, as mulheres usam desse recurso para expressar aquilo que vivem dentro e
pelo movimento. Música, dança, poesia, comédia, teatro e afins surgem como um lugar de
refúgio a esses sujeitos adoecidos que encontram no movimento feminista, um lugar de luta,
vínculo e afeto.
Com isso, a psicologia como ciência e profissão também deve se implicar na resolução
dessa problemática. Visando o sujeito em sua totalidade, considerar os aspectos sociais é de
suma importância para a atuação de psicólogos e psicólogas éticas. Assim, ao trabalhar
juntamente com uma mulher, aspectos socioculturais devem ser pensados, pois sua dor também
é perpassada por essa realidade. Pensar na mulher como um sujeito autônomo, digno e livre é
dever da psicologia.
A comunidade estudantil e profissional da ciência psicológica deve tecer possibilidades
de experiências dessas mulheres além da violência sofrida, e também dar voz e vez a esses
sujeitos. Escutando a dor sofrida e criando espaço seguro para a elaboração dessa dor.
Como está pautado no Código de Ética do profissional de psicologia, os profissionais dessa área
devem trabalhar juntamente com a comunidade a fim de não corroborar com qualquer tipo de
violência, servindo como um instrumento contrário a isso. Desse modo, o psicólogo deve
trabalhar na promoção de saúde e contra as desigualdades sociais estabelecidas, sendo um ponto
de acolhimento a esses sujeitos tão vulneráveis.
Dessa forma, demandam-se mais trabalhos científicos acerca dessa relação, que se
apresenta como extremamente significativa e importante para esse corpo no mundo. Olhar para
como o movimento feminista contribui para a saúde mental das mulheres; é olhar para essas
mulheres; é olhar para essa renúncia ao lutar; é olhar para vivências silenciadas; é olhar para
um círculo de cuidado que se estabelece; é olhar de perto tudo aquilo que não se vê no dia a dia,
mas que está ali, e graças a essas mulheres.

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SAÚDE MENTAL DE ESTUDANTES NEGROS: manifestações Antirracistas na


Educação Básica1

Clara Cecília da Silva Dantas2


Francisco Mayccon Passos Costa 3

RESUMO

O presente artigo discute a saúde mental de estudantes negros em razão dos efeitos das
manifestações racistas, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional. Segundo a
OMS (Organização das Mundial de Saúde), o Brasil ocupa elevado número de casos de
depressão na América Latina, ou seja, cerca de 12 milhões de pessoas são afetadas pela doença.
A ansiedade é outro transtorno que atinge vários brasileiros, principalmente os jovens negros.
Este trabalho apoia-se na leitura, sobretudo, de Carone; Bento (2002), Tavares (2017), Munanga
(2005). Como metodologia, adotou-se uma discussão bibliográfica sobre a situação de
estudantes negros, cuja luta antirracista tem o envolvimento de grupos organizados por homens
e mulheres comprometidos com o combate ao racismo e à discriminação racial que visa à
persecução da igualdade racial. A partir dos dados obtidos na investigação, os resultados
contribuíram para um panorama condizente com a realidade das práticas de combate ao racismo
racial cotidiano na escola básica.
Palavras-Chaves: Racismo, saúde mental, estudantes negros, manifestações antirracistas.

Abstract
This article discusses the mental health of black students due to the effects of racist
manifestations, ethnic-racial inequalities and institutional racism. According to the WHO,
Brazil has a high number of cases of depression in Latin America, that is, about 12 million
people are affected by the disease. Anxiety is another disorder that affects many Brazilians,
especially young black people. This work is based on the reading, above all, of Carone; Bento
(2002), Tavares (2017), Munanga (2005). As a methodology, a bibliographical discussion was
adopted on the situation of black students, whose anti-racist struggle has the involvement of
groups organized by men and women committed to fighting racism and racial discrimination
aimed at the pursuit of racial equality. Based on the data obtained in the investigation, the results
contributed to a panorama consistent with the reality of practices to combat everyday racial
racism in elementary schools.
Keywords: Racism, mental health, black students, anti-racist demonstrations.

1 INTRODUÇÃO

1
Artigo Científico apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, como requisito necessário para
obtenção do título de Licenciatura em Psicologia, pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, em 2021.
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte, e-mail:
clara.dantas@aluno.catolicadorn.com.br
3
Psicólogo pela UEPB, Mestre em Educação pela UERN, Docente do Curso de Psicologia da Faculdade
Católica do Rio Grande do Norte, E-mail: francisco.costa@professor@catolicadorn.com.br
1286

Embora desde a antiguidade haja registros de inúmeras situações de discriminação e


exclusão social de alguns grupos sociais, há muito tempo pessoas negras depararam com
obstáculos para exercerem plenamente sua cidadania. A partir da escravidão moderna, o
preconceito racial prevalece ao longo da história da humanidade até os dias atuais.
Comportamentos ou atitudes discriminatórias em função da raça, etnia ou cultura fazem com
que, infelizmente, existem grupos de pessoas que insistam na ideia de superioridade de um
grupo social em detrimento da opressão sobre outros considerados inferiores.
De acordo com Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio Continua (PNAD
Educação 2019), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 71,7 % dos jovens
fora da escola são negros, apenas 27,3% destes são brancos. O mesmo estudo demostra a
desigualdade de acesso à educação nos índices de analfabetismo. Em 2019, 3,6 % das pessoas
brancas de 15 anos ou mais eram analfabetas, enquanto entre as pessoas negras o percentual
chega a 8,9%.
A Escola é considerada como um dos espaços socias em que crianças e adolescentes
negros(as) defrontam-se com a vivências do racismo, discriminação racial e exclusão social. As
situações de rejeição enfrentadas pelos alunos negros produzem várias sequelas na autoestima
dessas crianças e jovens, repercutindo negativamente no desempenho escolar, na capacidade de
aprendizado, contribuindo para evasão escolar. (BRASIL, 2011).
Têm-se como pontos relevantes desse estudo a discussão sobre as relações raciais no
contexto das práticas pedagógicas da escola pública e manifestações antirracista na Educação
Básica, que trata do ponto de vista amplo do movimento social, além de apreciar a
complexidade, heterogeneidade e a pluralidade das organizações que atuam no campo das
relações sociais e de combate ao racismo.
Também se torna importante o destaque para o protagonismo do movimento negro que,
segundo Goulart (2007), Tannús (2007), Mattar (2008), exerce um forte combate contra uma
sociedade injusta, que oculta o estigma, estereótipos e práticas de discriminação racial. A ação
ocorre através da política que visa identificar o preconceito, a discriminação e o racismo que
estão impregnados no imaginário social, não apenas por pessoas não negras, mas por diferentes
grupos em toda a sociedade brasileira.
Infelizmente o risco maior que se relaciona ao sofrimento da mente das vítimas provém
do racismo estrutural.
1287

Desse modo, se é possível falar de um racismo institucional, significa que a imposição


de regras e padrões racistas por parte da instituição é de alguma maneira vinculada à
ordem social que ela visa resguardar. Assim como a instituição tem sua atuação
condicionada a uma estrutura social previamente existente – com todos os conflitos
que lhe são inerentes –, o racismo que essa instituição venha a expressar é também
parte dessa mesma estrutura. As instituições são apenas a materialização de uma
estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus
componentes orgânicos. Dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque
a sociedade é racista. (ALMEIDA,

Em pleno século XXI, são muitas as manifestações de racismo e humilhação vivenciadas


por estudantes negros, sobretudo no ambiente escolar. O racismo é uma das formas de violência
psicológica, cujos graves danos em jovens negros repercutem em seu comportamento e também
na eficiência escolar.
Assim este artigo tem por objetivo discutir as situações de racismo e constrangimentos dos
alunos da educação básica e refletir sobre as manifestações antirracistas como estratégias de
enfrentamento.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 SAÚDE MENTAL DE ESTUDANTES NEGROS

O racismo provoca danos psicológicos aos estudantes negros e reproduz de forma


permanente prejuízos em sua vida, causando o adoecimento mental que, muitas vezes, requer
acompanhamento profissional com psicólogos e psiquiatras. Quanto ao desempenho escolar, há
comprometimento com o rendimento, sua identidade e autoestima. O preconceito racial
vivenciado pelas vítimas atrapalha suas relações cotidianas e seu próprio desenvolvimento
pessoal.
De acordo com Tavares (2017, p. 3), há um destaque para o racismo estrutural e
institucional relacionado aos movimentos sociais com predominantes de baixa qualidade de
vida, parcialidade ao acesso a saúde que corresponde a causa para o suicídio.
Na análise dos fatores relacionados ao suicídio, uma importante ação é a identificação
dos transtornos mentais, com maior associação aos episódios de suicídio, como os transtornos
de humor, sobretudo depressão; os transtornos decorrentes do uso abusivo de substâncias
psicoativas, consumo abusivo de álcool; transtornos de personalidade, quadros de esquizofrenia
e diversos transtornos de ansiedade. Além desses aspectos, devem-se considerar os fatores
1288

suicidas em adolescentes (10-19 anos) de natureza psicológica, tais como aqueles relacionados
ao processo de luto, os conflitos excessivos e de humor. Sofrimentos e angústias que fomentam
a ideação suicida podem alcançar alto grau de intensidade e resultar na prática do ato. (Silva;
Feitosa; Machado, 2019, p. 9)
São muitos os prejuízos no desempenho escolar dos alunos negros devido às práticas
racistas vivenciadas na escola, em que muitas pesquisas atuais revelam cotidianamente. Nelas,
encontram-se altos índices, a evasão escolar do aluno negro acompanhada por sentimentos de
não pertencimento do espaço escolar em relação a sua identidade étnica, além dos processos de
avaliação de aprendizagem desiguais e o despreparo de professores frente às questões de
racismo e discriminação que fazem parte da vida dos alunos negros na escola.
De acordo com Valverde e Stocco (2009), o estudo realizado com a educação infantil
por Eliane Cavalleiro identificou ausência da população negra no espaço escolar como:
cartazes, fotos, informativos, omissão de professores diante das situações de discriminação
sofridas por crianças negra, práticas de realização desumanizadora sofridas por elas, também
por professores: estimulo e efetivação a criança branca.
O escravo nos livros didáticos é geralmente representado como ser invisível na
sociedade, omitem seus costumes, resistência e tradições, enquanto os brancos são sempre
representados como heróis, protagonistas, salvador da história. Ele é retratado com um ar de
superioridade, em prejuízo do negro como ser indiferente, sem expressão nem humanidade.
No curta metragem “Dudu e o lápis cor da pele’’, no Youtube, observa-se a prática
racista da professora que em bom tom pede para os alunos pintarem as gravuras de pessoas da
cor de pele e entrega um lápis de cor clara para os alunos e Dudu fica entristecido pois percebe
que a cor do lápis não é a cor de sua pele.
Há a questão dos fenótipos negros e o branqueamento, fatores que devem ser
considerados, pois a assimilação da suposta hegemonia da brancura: a pressão da população
branca para que o negro negue seus traços para ser aceito na sociedade. Isso interfere na sua
autoestima, levando a uma valorização da cultura e traços da pessoa branca e a desvalorização
da população negra. O que causa consequências sérias, pois o negro se sente insatisfeito e
considera que as características brancas são as mais bonitas. (CARONE et al., 2016).
Por sua vez, muitas escolas não abordam projetos temáticos sobre racismo, o silêncio é
predominante, ou seja, muitos dos professores se calam acerca do assunto sobre preconceito
racial, apelam para a omissão, como também na maioria das vezes tomam atitudes passivas.
1289

Alguns docentes diferenciam os alunos negros conforme suas características raciais e/ou cor da
pele, tais como aquela bronzeada, moreninha, a menina de cor. Além de comentários
pejorativos, eles não reconhecem a discriminação e muito menos os efeitos prejudiciais. Desse
modo, a escola e a família ajudadas pelas diversas formas de mídia, acabam retrocedendo sobre
a discriminação racial e o decorrente sofrimento vivenciados pela população brasileira.
As instituições de ensino refletem sobre a pluralidade da população brasileira quanto
suas desigualdades socias. Assim é seu papel fundamental combater toda e quaisquer formas de
discriminação, intolerância e preconceito. Através do ensino da diversidade e das diferenças as
crianças aprendem a valorizar a pluralidade étnico-racial, desde o início de sua formação. Com
isso, o resultado de uma educação com cidadãos mais empáticos, respeito, críticos e consistentes
de responsabilidade torna o mundo melhor.
Muitas pessoas são vítimas de preconceitos e discriminações em razão a sua pele,
gênero, orientação sexual, aparências, religiões, condições socioeconômicas entre outros fatores
de identidades sociais. Tais situações de desigualdades atingem o ambiente escolar, por isso as
instituições de ensino têm o incentivo de combater à violência, adotando o aspecto cultural de
inclusão, visando a condições igualitárias.
Algumas ações para serem aplicadas e ter resultados positivos e transformadores exigem
que se fortaleça a autoestima sobre representatividade em livros, músicas, produção culturais.
Deve-se promover a integridade com dinâmicas e trabalhos em grupos, a construção de
campanhas contra o racismo, devem ser revisto o projeto Político Pedagógico (PPP) da
instituição para tornar as propostas educativas e ambientes acolhedores, além da capacitação de
professores a fim de que não se reproduzam discriminações e preconceitos.
Os educadores precisam usar argumentos para formação dos grupos, pois crianças e
adolescentes costumam estabelecerem seus próprios grupos de afinidade. É fundamental que os
familiares, professores, comunidade escolar entre outros evolvidos nessa tarefa reflitam sobre
as ações vivenciadas no ambiente escolar por eles, procurarem a melhor forma do trabalho
voltado a inclusão das atividades escolares.
Quando os estudantes negros sofrem bullying, possuem mais chances de apresentar
ansiedade, baixa autoestima ou até se tornarem futuros agressores. Suas vivências de opressão
e condições de vitimização se refletem intensamente na construção de sua identidade, em seu
sentimento de pertencimento racial.
1290

Os agressores têm características de pessoas com arrogância e são mal-humorados. A


família dos provocadores em sua maioria é desestruturada, cuja afetividade costuma ser
comprometida entre os membros familiares. Logo, a possibilidade de prevalecer a solução de
problemas com comportamentos agressivos ou explosivos, segundo os apontamentos de
Campos e Jorge (2010, p. 111), é compatível com as realidades desses ambientes
desestruturados. A falta de supervisão dos pais e a frágil relação afetiva contribuem para esse
quadro de práticas excludentes.
Com base em Silva (2004), em uma sociedade multifuncional e racista, o contato com a
realidade branca cria no negro de acordo com suas repentinas frustações transtornos
emocionais, falta de oportunidade, perspectiva para o futuro. O racismo atua negativamente a
saúde mental ocasionando o sentimento de inferioridade, baixa autoestima comprometendo seu
desempenho escolar.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é um transtorno
frequente que acometem mais 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Envolvendo em
marcas e preconceitos que associam a “preguiça” ou “falta de vontade”, esse estado da alma
pode se tornar uma condição crítica à saúde, ainda segundo a (OMS) pode alterar a rotina no
trabalho, escola ou meio familiar. O percurso para superar a depressão são espaços de escuta
não somente em terapia mais em grupos de apoio, como os familiares e amigos que auxiliam
no tratamento dos transtornos mentais e ameniza sofrimentos.
As políticas públicas de promoção da igualdade foram desenvolvidas pelo Ministério da
saúde, como uma delas que é a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
(PNSIPN) cuja finalidade é garantir a equidade na efetivação dos direitos humanos à saúde da
população negra. Assim como, o Programa Saúde na Escola (PSE) foi instituído pelo decreto
ministerial nº 6.286/2007 e tem por objetivo auxiliar com a formação integral dos estudantes da
rede pública da educação básica, em ações de promoção à saúde, prevenção de agravamentos e
atenção à saúde.
O PSE também viabiliza a junção de setores evolvidos, espaços de troca de
conhecimentos, concepção de opiniões formadas pelos jovens para que os tornem cidadãos
tenham um enxergar crítico e possibilitem a pensar.
Considerando a psicologia preta, em 2015, ela ganhou força na vida do psicólogo Lucas
Veiga, apesar de ser mestre em psicologia pela Universidade Federal Fluminense, Ele descobriu
1291

que na prática sua formação acadêmica não era suficiente para acolher, cuidar ou atender as
questões trazidas por muitas dos adolescentes pretos e pardos que frequentava a casa.
Segundo Lucas a psicologia preta oferece uma série de ferramentas que em meio às
violências do racismo ajuda a promover saúde mental para população negra. Ele, pesquisou
também a obras de autoras brasileiras como Virginia Leone Bicudo, Neusa Santos pioneiras
nos estudos sobre raciais no Brasil. Socióloga, Virginia foi a primeira acadêmica a escrever uma
dissertação de mestrado sobre relações raciais no país, atitudes racistas de pretos e mulatos em
São Paulo, em 1945.
Já Neusa tornou-se famosa pela publicação do livro Torna-se Negro – As vicissitudes
da identidade do negro brasileiro em ascensão social (1983).
Foi aliado a leitura de autores negros e estudo sobre questões raciais a sua experiência
clínica, Veiga montou um curso a introdução a Psicologia preta. Teve mais 500 pessoas – 90%
deles psicólogos e estudantes de psicologia negros e negras, finalidade do curso pensar o
impacto do racismo na subjetividade negra, mas que isso pensar formas de promoção em saúde
mental.
Lucas atende pacientes em seu consultório, no Rio de Janeiro. E alguns pacientes
preferem psicólogos negros, pois a pessoa negra não se ver no poder, inteligência e beleza que
predomina na sociedade. Um dado triste é que Neusa Santos uma das pensadoras que inspirou
esse psicólogo na criação do seu curso, cometeu suicídio se atirando da janela do apartamento
onde morava. Apenas setes meses antes no dia 13 de maio, Neusa publicar um artigo contra o
Racismo: com muito orgulho e amor no jornal correio da baixada.
Nela a psicanalista se perguntava abolição da escravatura quer dizer libertação. Será que
acabamos mesmo com a injustiça, com a humilhação e com o desrespeito que a sociedade
brasileira ainda nos trata. Nos
Em uma outra pesquisa conduzida pelo psicólogo Alessandro de Oliveira dos Santos
(2016), professor de Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia
(IP) da USP trata-se do estudo de atuação do psicólogo no tema das relações étnico raciais: um
estudo na Região Metropolitana de São Paulo.

“Minha familiaridade com o tema começou, por assim dizer no nível da pele, porque
em meus anos de estudo universitário, fui um estudante negro em uma classe de
professores brancos. E agora, sou um professor negro em classe de alunos brancos’’,
disse isso a agência Fapesp. Alessandro (2016).
1292

A realidade desde fato nos mostra que os negros são minorias que chegam a realizar
suas conquistas, pois diante de seus obstáculos, alguns desistem de seus sonhos.
Apesar do mito da democracia racial a sociedade brasileira se estruturou sobre o regime
escravista, com a escravização do indígena primeiro e do africano depois, mais de três séculos
de escravidão deixaram marcas profundas.
Na década de 1990, estudos adquiridos faz uma comparação mais política, associando
às lutas semelhantes contra o preconceito. Pesquisadores brancos entenderam que o estudo da
cultura negra e indígena estava produzindo no outro um olhar para si mesmos, colocando a
autoimagem do branco em questão. O livro que o psicólogo se baseou foi o Psicologia Social
do Racismo, de Maria Aparecida Bento e Iray Carone, (2002), que mostra a importância do
psicólogo social no enfrentamento do racismo e tenta propor soluções para combater o processo
de branqueamento social cometido pela sociedade brasileira. Quanto à atuação dos psicólogos,
Santos entrevistou profissionais de diversas áreas clinicas, recursos humanos, atendimento à
saúde, relações étnicas-raciais.
Os psicólogos clínicos precisam lidar com sua própria raça, na maioria com sua
branquitude. Já os psicólogos organizacionais deparam com despeito da legislação, raça
continua a ser um dado importante na decisão de contratação, enquanto os relacionados a área
de atendimentos em saúde lidam com questões que são específicos para os diferentes segmentos
da população: brancos, negros, indígenas, asiáticos.
O pesquisador Alessandro diz que os psicólogos entrevistados tinham pouco
conhecimento dos aspectos históricos e sociais das relações étnico-raciais. Quanto a psicologia
considera o ser humano como fonte de seu próprio sofrimento ou considera esse sofrimento
parte de sua existência, com o qual se deve aprender a conviver, no meio social na criação de
modos de ser, pensar e agir.

3 METODOLOGIA

Os procedimentos dos dados coletados supracitados, foi através do estudo qualitativo, a


partir da revisão da literatura do tipo narrativa. A partir de teóricos como Carone; Bento (2002),
Tavares (2017), Munanga (2005), há uma discussão bibliográfica sobre a situação de estudantes
1293

negros, cujo envolvimento de homens e mulheres resulta numa luta antirracista de combate ao
racismo e à discriminação racial, além de persecução à igualdade racial.
Ademais, algumas leituras de artigos comprometidos com os danos psicológicos sobre
as vítimas do preconceito racial negro contribuem para um quadro preocupante sobre a saúde
mental de estudantes negros. Tomando-se por base os trabalhos anteriores sobre a temática
empreendida, seus dados serviram para o perfil dos estudantes negros, bem como de sua saúde
mental em virtude dos danos do preconceito sofrido. Os dados obtidos pela pesquisa
predominante através da revisão bibliográfica contribuíram para a análise qualitativa e o traçado
do padrão do fenômeno observado, e suas manifestações segundo as características teórico-
práticas.
A principal motivação do estudo, surgiu pela perda de um amigo jovem negro, estudante
de escola pública que teve sua saúde comprometida pelo sofrimento psicológico, depressão e
que cometeu suicídio. Diante dessa situação, resolvi estudar a saúde mental dos estudantes
negros e a luta antirracista, buscando compreender os fatores de risco para o desenvolvimento
dos diversos transtornos psicológicos advindo do racismo vivenciado na escola e na sociedade
em que vivemos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 MANIFESTAÇÕES ANTIRRACISTA NA EDUCAÇÃO

Para promover uma educação antirracista é preciso reconhecer a existência do racismo


também na escola, visto que ela está inserida na sociedade. E o ambiente escolar é um lugar
propício para as manifestações conflituosas existem entre os diferentes grupos étnico-raciais.
As transformações em uma escola dependem da gestão democrática, sendo necessária todos os
profissionais compreender os desafios, como o racismo se manifesta naquele ambiente e criar
estratégias para superá-los.
Para Lucimar Dias, coordenadora do núcleo de estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), combater o racismo também passa por reavaliar a
qualidade educacional, por isso temos que comtemplar a educação antirracista nas escolas e ter
um olhar cauteloso nas práticas pedagógicas para ser contemplado
1294

A exibição movimento negro, de acordo com Goulart (2007), Tannús (2007), Mattar
(2008), refere-se ao grupo de organizações e instituições dedicados a resguardar e a
proporcionar os direitos de mulheres e homens negros na luta contra o racismo. O Movimento
Social Negro um conjunto de estabelecimentos, incluindo as associações como escolas de
samba, grupos de capoeira, casas e terreiros de religiões de matriz africana, grupos culturais,
organizações não governamentais antirracistas. Esses grupos têm como metas o combate ao
racismo, discriminação racial, a valorizar a cultura negra, a igualdade de direitos e a inclusão
social.
De acordo com Gomes (2005, p. 59), a expectativa do Movimento Negro e de todos
aqueles que se posicionam contra o racismo e a favor da luta antirracista é de construir um país
que, de fato, apresente e crie condições dignas de vida e oportunidades iguais para toda a
sociedade, principalmente para os grupos sociais e étnico-raciais que vivem um histórico
comprovado de discriminação e exclusão. Aí, sim, estaremos construindo uma sociedade
realmente democrática que respeite e valorize a diversidade.
Segundo Munanga (2005) não tem lei, cultura que consiga eliminar atitudes racistas ou
preconceituosas presente na mente das pessoas. Porém acredita na colaboração em que a
educação pode oferecer para questionar e descontruir mentiras de superioridade e inferioridade
entre os humanos que foram colocados neles essa cultura racista onde houve a sociabilização.
A constituição de 1988 tipificou o racismo como crime inafiançável e imprescindível,
sujeito à pena de reclusão. A lei Nº 10.639 de 2003 e a lei Nº 11.645 de 2008 estabeleceram o
ensino obrigatório da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio públicos e privados. Mas o avanço da legislação não tem impedido que
discriminações e ofensas raciais ocorram diariamente no Brasil.

Por isso, não é novidade dizer aqui que, a partir da abolição, os sobreviventes da
escravidão e seus descendentes de ontem e de hoje foram simplesmente submetidos a
um sistema educacional monocultura, eurocêntrico, que nada tinha a ver com sua
história, sua cultura e visão do mundo. Essa submissão subentende uma violência
cultural simbólica tanto significativa quanto física, sofrida durante a escravidão.
(MUNANGA, 2013, p. 38)

As instituições de ensino têm que respeitar e valorizar as famílias de culturas diferentes


no processo educacional, pois é o ambiente em que os grupos estão em conversa e conflito com
o desafio de respeito a diversidade, nesse espaço pode ser para o aluno negro a construção de
sua identidade, em que parte desde de sua família ou então a negação de suas raízes étnicas caso
seja confrontado com a exclusão.
1295

A identificação das crianças com seu meio social e com expoentes importantes
contribuem no processo de interiorização da concepção do mundo a sua volta, ou seja, a
aprendizagem se dá pelo repasse de significados no mundo, através da socialização a criança
tem contato e tem uma forte ajuda na sua aprendizagem.

“Ainda em casa, a criança negra vai para a escola sem saber sobre as suas diferenças
e conhecendo apenas aquele mundo no qual todos como ela são seus semelhantes”, no
entanto, ao se deparar com o racismo individual e institucional frequentes no ambiente
escolar, tais como, conceitos negativos sobre a população negra, o uso de forma aberta
ou velada de “expressões utilizadas para depreciar pessoas negras, qualificando-as
como inferiores, violentas, indolentes, perigosa”. (NETO; FREIRE, 2020, p. 6),

A vivência das crianças negras marcada por experiências de racismo e discriminação


gera vergonha em relação a si, um sentimento de incapacidade e desvalorização que induz o
modo como ela se coloca nas diferentes situações de ensino ao passar dos anos, favorecendo
para uma trajetória escolar mais longa e árdua do que a das crianças brancas. Desse modo, um
fator preocupante na reflexão de Santos (2001) é referente aos livros didáticos na educação
antirracista disponível nas escolas, em que é essencial a construção de uma imagem positiva
aos negros. Com uma análise que não se associe ao conteúdo da história do Brasil, porque assim
a crianças negras se olham de maneira negativa a representação.
Na escola sempre ouvimos falar sobre o processor de escravidão, mas raramente sobre
o quanto a população negra é importante, tendo colaborando com tantas especialidades para
nossa cultura, na urbanização das cidades, na riqueza da língua.
O escravo também nos livros didáticos é geralmente representado como ser invisível na
sociedade, não mostra seus costumes, resistência e tradições. Já os brancos são sempre
representados como heróis, protagonistas, salvador da história como também é mostrado com
um ar de superioridade, o negro como ser indiferente, sem expressão e sem humanidade.
(MUNANGA et al, 2005).
A escola e a família são ambientes importantes para formação intelectual de uma
criança, do reconhecimento de que ela é na sociedade. Por isso é tão importante que nesses
espaços haja informação consciente e uma educação antirracista. Ademais, é importante
reconhecer sobre a resistência do Quilombo dos Palmares, estudar sobre a história e cultura
afro-brasileira não se resume apenas ao dia 20 de novembro.
É essencial descontruir a imagem que temos sobre o negro, para que haja uma
transformação de quem ele é e do quanto é importante para história. Ao estudar sobre a origem
1296

africana na escola, o educador pode utilizar um recurso como uma atividade que referencie
pessoas negras como as escritoras Kiusam de Oliveira, a filósofa Djamila Ribeiro, a partir das
quais as crianças possam desenhar, escrever sobre essas negras fazendo a representação com
quem se identificam, tomando tais pessoas como ícones também da sociedade. Isso no contexto
da escola ajuda em nossa sociedade os alunos a conhecer os traços negros e ver como algo
bonito, sintam orgulho e admiração. (BERTH, 2019).
É um deslize por parte da escola não tratar as questões raciais no seu dia a dia, dado que
são questões que se mostram tão urgentes e são, como evidenciam os relatos das crianças,
geradoras de sofrimento. Ao avaliar um sub grupo envolvendo o racismo institucional faz
menção a dinâmica de ensino relacionado tanto ao currículo, a prática docente que tem como
educação apoio pedagógico e antirracista. (LIMA e SOUSA, 2014; GOMES, 2017).
Há na escola a presença do racismo envolvendo o uniforme, quando os alunos utilizam
os acessórios que são específicos da subjetividade negra em sua maioria chama atenção de
outros alunos brancos reproduzindo o preconceito.
Estudos mostram que o racismo, a discriminação e o preconceito no ambiente escolar causam
as pessoas negras: baixa auto-estima, a falta de capacidades próprias, rejeição ao outro do
mesmo pertencente racial, timidez, pouca ou nenhuma participação nas aulas, dificuldades de
aprendizagem, recusa de ir à escola o que pode levar a evasão.
A realidade atual mostra que o Brasil faz pouco para superar o racismo presente nas
escolas. Apesar de suas graves consequências não tem dado sua devida atenção, à medida que
as crianças são cometidas pelas experiências do racismo ela tornam sujeitas preocupantes. Os
xingamentos realizados pelas crianças brancas às crianças negras não são tratados com a mesma
gravidade que merecem, isso mostra como a escola tem limitações para lidar com os conflitos
raciais. Cavalheiro (2005) descreve a situação de um professor ao presenciar um aluno
apelidado mostra que ele não liga, pode associar ao racismo como também dificulta sua
eliminação, o que de forma nenhuma deve negar ou silenciar porque cabe ao docente o combate
da prática racista.
E quando o racismo envolve a parte escrita dos alunos os professores tornam aliados ao
sistema racista e pactuam com a falta de capacidade das crianças que retomam a silenciar o
corpo em suas expressões aprisionadas pelos fatores racistas na escola, influenciando os alunos
a diminuir a escrita para evitar ser observado comentários sobre os erros ortográficos e pobreza
de vocabulário.
1297

Quando a escola esconde situações como estas passas a conviver com questões étnico-
raciais, há o aparecimento de conflitos que influenciam no bem-estar das crianças. É observado
também que ao presenciar atitudes racista sendo por parte de outro colega negro também causa
desfechos negativos para saúde emocional e psicológica, apesar de ser não ser a vítima direta
do racismo, o que na literatura isso é conhecido como racismo vicário quando se ouve falar
sobre ou ver a experiencia vindo de outra pessoa. (MANSOURI; JENKINS, 2010; HARRELL,
2000).
O que causa na criança sentimentos de medo, vergonha, tristeza sendo que a
discriminação é partilhada por eles, o que pode ter relação com o cabelo, pele, estrutura facial,
etc. Outros estudos mostram os efeitos do racismo vicário, causa o aumento da solidão em
crianças e jovens e problemas emocionais relacionada a sociedade de crianças com verbalização
devagar e a dificuldade relacionada ao se falar com superioridade.
Considerando a existência real e nociva do racismo neste espaço, é necessário que as
escolas executem urgentemente medidas antirracistas. Para assim seguir, há algumas
considerações, sugerindo como a comunidade escolar deveria se envolver nessa forma de
educação, o trabalho dos professores assume um papel fundamental na desconstrução de um
ideário racista e segregador que está introduzido nas pessoas da nossa sociedade, incluindo eles
próprios que também são sujeitos em construção nessa mesma sociedade. Por essa razão, o
educador precisa ter um olhar cauteloso para seus educandos, buscando identificar sinais que
possam denunciar atos discriminatórios.

Cabe ao educador e à educadora compreender como os diferentes povos, ao longo da


história, classificou a si mesmos e aos outros, como certas classificações foram
hierarquizadas no contexto do racismo e como este fenômeno interfere na construção
da autoestima e impede a construção de uma escola democrática. (GOMES, 2003, p.
77)

É também tarefa do educador e da educadora entender o conjunto de representações


sobre o negro existente na sociedade e na escola, e enfatizar as representações positivas
construídas politicamente pelos movimentos negros e pela comunidade negra. A discussão
sobre a cultura negra poderá nos ajudar nessa tarefa.
É essencial que todo o corpo escolar esteja sensível a toda angústia causada pela
discriminação enfrentada pelas crianças, adolescentes e jovens negros que são sofrentes de
apelidos pejorativas, ridiculizados pelos seus traços físicos e textura de cabelos. Por isso, se faz
1298

necessário a comunicação de significados que envolva o respeito mútuo, ao outro a suas


diferenças, a possibilidade de se falar sem medo, temores ou preconceitos.
A educação tem fundamental importância nesta luta, pois se acredita que o espaço
escolar seja responsável por boa parte da formação pessoal dos indivíduos sendo um ambiente
fundamental para a separação das desigualdades raciais e superação do racismo. (PEREIRA,
2004, p. 1).
O currículo é um ponto central no debate acerca da educação e as questões raciais. A
falta de quase toda dessa temática racial no currículo escolar, em todos os níveis de
escolarização o que tem levado a defesa incontentável de um currículo multicultural para a
manutenção desse assunto engendrado (OLIVEIRA, 2003).
Ambas as modalidades curriculares e afrocentrado com base ainda em Oliveira (2003)
se referem e procuram se certificar ao conceito de eurocentrismo, responsável pelas oposições
e incoerência, desordens e desconcertos, enfim boa a parte dos anseios que marcam a relação
étnica- racial na escola. Dessa forma, trata-se de relatos e práticas curriculares que adquira no
contexto da escola que se está vinculado um deliberado sentido de resistência.
Com isso, é necessário que dentro dos ambientes escolares com negros ou sem, tenha a
oportunidade de conhecimentos essenciais para se viver em sociedade e que se forme
indivíduos com autonomia, responsáveis para repensar e criar as relações étnico raciais,
tornando assim o processo de ensino-aprendizagem mais proveitoso, contemplando a todos os
alunos.
Os alunos alvos de discriminação racial, frente às situações de racismo, reagem de
formas variadas. Há os que não conseguem se defender, silenciando frente às situações de
discriminação sofrida. Mas também há os que fazem denúncias, reclamações, contestações,
revides, numa clara forma de luta contra o racismo (SANTOS, 2007, p. 40).
Relacionado com Nelson Piletti e Walter Praxedes (2010), não se trata só da questão
racial no âmbito escolar, mas apesar dos estudantes renda baixa, é evidenciado a grande
insatisfação o que mostra não é só a forma de excluir mencionados nos autores e sim a cultura
europeia que é estabelecida. Por isso, ao centralizar esse processo educacional se direcionando
a uma matriz cultural é necessário romper e descontruir o saber, paradigmas que são assumidas
culturalmente em ênfase a esta estrutura europeia para se tenha como resultado uma dialógica
entre esse plural de saberes e sua estrutura igualitária, ampla e política na prática social.
1299

Faz necessário a adoção de políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de


valorização da diversidade étnico-racial presente na educação escolar brasileira, nos diversos
níveis de ensino para terem uma base boa desde o principio e formem cidadãos éticos,
compromissados a combater toda forma de preconceito que surja na vida cotidiana em nossa
sociedade.
Sousa (2005, p. 113) reforça: “Daí, ser fundamental aos educadores ter cuidado e
conhecimento crítico para não caírem nas armadilhas de seu próprio discurso, para não o
transformar em propagador de ideologias dominantes.” Por isso, é importante investir na
formação de professores, que estes lidam diariamente com crianças e jovens na parcela
fundamental da constituição do pensamento desde sujeitos. Segundo Santos (2005), há um
destaque para o campo a respeito da capacitação, seminários de professores, cursos, para se
relacionar a situação real dos negros no Brasil. Tendo em vista quanto o processo da ditadura
militar não favoreceu a militância contra o racismo, o que constituiu uma relação de oprimidos
e pressão vendo que essas questões não eram tratadas a sério a tempos pelo país.
Cavalleiro (2001, p. 159) ressalta que a tarefa de ser antirracista implica em “[...] lutar
contra a história oficial, os meios de comunicação, a educação familiar e religiosa.” Assim,
entende-se que muitas pessoas ainda se fechem para o antirracismo porque, durante toda a vida,
ouviram serem propagadas por todos os meios ideias racistas. Por isso, tornou-se uma verdade
absoluta, então difícil de desconstruir.
Diante do caráter histórico, sistêmico e estrutural das desigualdades étnico-raciais, é
analisado no contexto escolar sobretudo na base curricular uma perspectiva eurocêntrica, visto
que há ausência de alguns fatos ou até invisibilidade, tal análise impossibilita o conhecimento
plural de todas as raças devido à deslegitimação do negro como e reprodutor de conhecimento.
De acordo com a filósofa Carneiro (2005, p, 114):

A exclusão racial via o controle do acesso, sucesso e permanência no sistema de


educação manifesta-se de forma que, a cada momento de democratização do acesso à
educação, o dispositivo de racial idade se rearticula e produz deslocamentos que
mantêm a exclusão racial.

Desse modo, requer um sistema educacional de qualidade para todos, onde a identidade
deve ser valorizada e respeitada em sua dimensão sociocultural, a fim de implementar a luta
antirracista nesse cenário como forma de combater a exclusão.
1300

A circunstância histórica referente aos anos de 1950 e 1960 baseado em Hernandez


(2014) quando se fala sobre a negritude e o pan-africanismo em torno da raça, das línguas e
tradições culturais africanas cederam lugar à questão da luta pela independência. Que
envolviam alguns líderes como martiniquenho Franz Fanon e o “guineense cabo-verdiano”
Amílcar Cabral, que atuaram na geografia nos países Argélia, Cabo Verde como espaços tanto
de guerra como liberdade. Também se deu a possibilidade do pensamento africano e sua não
colonização e as próprias traços.
O antirracismo no ambiente escolar se rebela como movimento de enfrentar e lutar a
essas formas agressivas. Assim, repercute direto na reconstrução da identidade da população
negra, destacando as crianças e jovens que já foram vítimas de uma educação racista e, por isso,
carregam manchas que infelizmente, se tornam para sempre.
A escola é um espaço de transformações e trabalho continuo de professores, tanto a
equipe pedagógica quanto todos os membros da escola devem refletir acerca de maneiras de
enfrentar o racismo, a partir de seu conhecimento sobre ele possa reconhecer no ambiente evitar
seu desenvolvimento, para então pense maneiras para superação e eliminá-lo.
Empreender uma luta por uma psicologia mais inclusiva requer descolonizar as matérias
que estão dadas em sala de aula a fim que possa ter um posicionamento contraditório em relação
aos estereótipos e preconceitos que se produzem. “Descolonizar implica estilhaçar as velhas
sedimentações culturais, intelectuais e políticas e, mais do que resgatar, criar um senso de valor
próprio sobre si mesmo e sobre o povo ao qual se pertence” (VEIGA, 2019, p. 247).
Assim relata a discussão a importância das âmbito da psicologia a respeito das figuras
negras, os marcadores sociais que se apagam da sociedade civil, acabam sofrendo o processo
de branqueamento tanto em suas produções como suas singularidades.
Faz necessários que se busque formas e ferramentas por parte profissionais a esses
indivíduos para promover a sua formação e como promovam debates de produção culturais e
vivencias inclusivas e uma psicologia menos preconceituosas e possivelmente antirracista.
A implementação de políticas tantos que abrange em redes e nas escolas, como critérios
da capacidade de práticas de desenvolvimento de práticas pedagógicas na educação é de suma
importância focalizam poucas vezes as relações étnico-raciais, assim possa desenvolver
pesquisas voltadas tanto nas instituições envolvendo a cultura africanas para trabalhar aspectos
específicos e atenda as normativas a esse respeito.
1301

A psicologia estuda os processos da mente e busca entender o seu humano e a interação


social. Possui várias ramificações que inclui a psicologia da educação que se dedica a estudar
aprendizagem nos processos educativos que auxiliam como: mecanismos do funcionamento de
paradigma em crianças, adultos. A eficiência de estratégias educacionais.
O andamento da escola enquanto organização, também responsável por complexo
transtornos, relacionados a déficit, dislexia entre outros problemas. Já a psicologia escolar é
aplicada ao processo de aprendizagem, aplicada ao processo prático relacionado ao diagnóstico,
interferências no processo do aprendizado. Um dos maiores desafios na escola contempla uma
liberdade tanto de expressão como respeito. Os educadores se preparam também em exercer um
importante papel de estímulos afetivo emocionais constitutivos. A busca pela criatividade,
curiosidade vai desde do desenvolvimento infantil desde o nascimento até a vida adulta.
A lei n° 13.935 de 11 de dezembro de 2019 aborda sobre as redes públicas de educação
básica contarão com profissionais da psicologia e serviço social para atender as necessidades e
políticas de educação, por meio das equipes multiprofissionais. Essas equipes deverão
desenvolver ações com a participação da comunidade escolar sendo mediado entre as relações
sociais e institucionais, cujo projeto político-pedagógico das redes públicas de educação básica
e seus estabelecimentos de ensino. Assim, os sistemas de ensino serão implementados um ano
a partir da data da publicação dessa lei. Todavia, ainda não foi exercido a atuação tanto de
psicólogo como de assistente social, sobretudo nas escolas da rede pública. Nesse sentido, é
fundamental a prática dessa lei para promoção de políticas públicas no processo de ensino-
aprendizagem da educação básica.
A pesquisa em questão contribuiu para o estudo mais amplo sobre saúde mental dos
estudantes negros (as) e as repercussões causadas pelo racismo e suas implicações no cenário
escolar. Nesse sentido, a escola tem papel preponderante para combater o preconceito e as
discriminações, como também colaborar na construção da democracia, promovendo os
princípios éticos da liberdade, empatia, respeito, justiça e solidariedade.
Outrossim, as leis citadas apresentam-se como um avanço para luta antirracista, mas
ainda assim há enormes desafios para sua implementação na prática. Por exemplo, em
decorrência da ausência de mecanismos para um suporte pedagógico efetivo, bem como pelas
campanhas sazonais como dia da consciência negra, tais ações deveriam ser difundidas ao longo
do ano letivo, uma vez que a autonomia dos sujeitos se dá através de suas relações diárias,
tratando da saúde mental especificamente existe a necessidade de trabalhar as individualidades,
1302

objetivando priorizar profissionais qualificados para atender sob um olhar acolhedor as questões
raciais.
Sob esse viés, no que tange ao acesso à educação de qualidade como previsto
constitucionalmente para todos é de suma relevância principalmente para desenvolvimento
psicossocial compreender as raízes da problemática que envolvem o adoecimento mental dos
estudantes negros, haja vista o poder transformador da educação no meio social. Nessa
perspectiva, respaldado em teorias e fundamentos como de Munanga, Iray Carone e Cida Bento
será uma alternativa para construção dessa discussão, buscando fomentar a luta antirracista.

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1305

SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO AO LUGAR: revisão de literatura sobre a


memória social indígena

Pedro Victor da Silva Azevedo1


Karidja Kalliany Carlos de Freitas Moura2

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo abordar a formação psicossocial do ‘sentimento de


pertencimento ao lugar’ e como ela pode impactar a promoção de saúde coletiva na cidade de
Mossoró/RN, considerando as especificidades relacionadas aos povos indígenas do semiárido
potiguar, habitantes do bioma Caatinga. Os procedimentos metodológicos consistiram em
pesquisa bibliográfica e revisão narrativa de literatura a partir de uma perspectiva
interdisciplinar. O projeto foi contemplado com o financiamento da Fundação de Apoio à
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN) e encontra-se em estágio de
desenvolvimento, onde será realizado o inventário participativo de um bem cultural indígena.
Os resultados parciais apontam que a memória social é a base para a formação do sentimento
de pertencimento ao lugar, fornecendo uma referência (identidade) para a subjetividade humana
a partir dos grupos sociais nos quais ela se constitui.
Palavras-chave: Emergência étnica. Memória social. Povos indígenas.

RESUMEN

El presente estudio tiene como objetivo abordar la formación psicosocial del 'sentimiento de
pertenencia al lugar' y cómo puede impactar la promoción de la salud colectiva en la ciudad de
Mossoró/RN, considerando las especificidades relacionadas con los pueblos indígenas del
potiguar semiárido, habitantes del bioma caatinga. Los procedimientos metodológicos
consistieron en la investigación bibliográfica y la revisión de la literatura narrativa desde una
perspectiva interdisciplinaria. El proyecto fue premiado con el financiamiento de la Fundación
de Apoyo a la Investigación del Estado de Rio Grande do Norte (FAPERN) y se encuentra en
etapa de desarrollo, donde será realizado por el autor hasta la etapa final del inventario. Los
resultados parciales indican que la memoria social es la base para la formación del sentimiento
de pertenencia al lugar, proporcionando una referencia (identidad) a la subjetividad humana
desde los grupos sociales en los que se constituye.
Palabras-clave: Emergencia étnica. Memoria social. Pueblos indígenas.

1
Estudante de psicologia da Faculdade Católica do rio Grande do Norte/ Bolsista de pesquisa da FAPERN. E-
mail: pedro.azevedo@aluno.catolicadorn.com.br
2
Doutora em Ciências (UFERSA)/Professora da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte/ Coordenadora
Técnica de pesquisa FAPERN.E-mail: extensao@catolicadorn.com.br
1306

1 INTRODUÇÃO

“Seu Zequinha era um galego


Do rosto da cor de brasa
Morava longe da gente
No sítio Cacimba Rasa,
Mas, foi não foi, seu Zequinha
Passava o dia lá em casa.

E numa dessas visitas


Seu Zeca contou pra gente
Que numa Estrela do céu
Existia um continente
Com cinco povos indígenas
Com uma língua somente

Os cinco povos viviam


Numa aldeia grande e bela
Os bairros iguais ao Centro,
Sem resquícios de favela,
E a terra dividida
Pra quem trabalhava nela [...]

Nas escolas ensinavam,


Antes de ler e contar,
A criança amar a terra,
O rio, o lago e o mar
E plantar flores na aldeia
Um esporte popular”

As seis moedas de ouro (Antônio Francisco)

As identidades indígenas no Rio Grande do Norte se apresentam, ainda, de modo


discreto, comparado com outros estados do Brasil ou até mesmo do Nordeste. Tendo em vista
que a historiografia local tradicional não se preocupou com a investigação sistemática sobre
essas populações, promovendo o apagamento de diversas etnias no âmbito dos registros oficiais
e reforçando o imaginário social de que os ‘índios’ foram extintos no Estado através de
mecanismos coloniais, dentre eles: o extermínio, o exílio e a miscigenação (CAVIGNAC,
2003). Ainda assim, é exequível compreender a história e a cultura indígena da Caatinga,
quando lida sob o prisma da potência, investigando as populações ancestrais milenares que
habitavam um bioma único no planeta e que, curiosamente, ainda carece de maiores pesquisas.
1307

Cavignac (2003) aponta que para entender as faltas deixadas pela produção acadêmica
nas representações coletivas, é necessário fazer um estudo crítico da literatura e uma revisão da
história indígena no semiárido, desviando dos estigmas e categorias genéricas aos quais estes
grupos foram submetidos ao longo dos séculos. As pistas deixadas pela tradição oral indicam
caminhos para a pesquisa, ao passo de que é preciso compreender os muitos modos de se
perceber indígena. Nesse contexto, os relatos e a cultura dos povos sertanejos, principalmente
daqueles que habitam as áreas rurais mais distantes da urbanização e mantêm vivas as tradições
ancestrais, ou até mesmo daqueles que assistiram as transformações ocorridas pela grande
expansão das cidades, devem protagonizar os debates sobre o tema da presença indígena no
bioma.
O silenciamento das origens e a contestação de uma diferença étnica foram estratégias
de sobrevivência, utilizadas por remanescentes indígenas na região, o que faz com que os grupos
que reivindicam uma identidade diferencial no século XXI, fazendo isso nos moldes da
sociedade brasileira e dos órgãos administrativos oficiais, precisam se apropriar de marcas
históricas, por vezes desagradáveis, e estigmas coloniais, visando a retomada e o direito sobre
os territórios que antes foram ocupados pelas missões jesuíticas ou por comunidades em que
possuem algum vínculo de parentesco (CAVIGNAC, 2003).
Embora o semiárido brasileiro disponha de porções litorâneas e possa ter sido ocupado
por grupos tupis, a caracterização étnica mais evidente na literatura sobre os indígenas da
caatinga, trata-os a partir do conceito de “Tapuia”. Um grupo genérico que engloba diferentes
povos. Posteriormente, estes passaram a ser designados como “Caboclos” ou “Caboclos
Brabos”, mestiços de ‘brancos’ e ‘índios’ que habitam principalmente as zonas rurais no interior
do Nordeste, subsistindo da agricultura e pecuária desde as primeiras inserções europeias na
América Latina (OLIVEIRA, 2014).
Mossoró, lócus da pesquisa, é uma cidade de médio porte localizada no semiárido à
cerca de 35 quilômetros de distância da costa atlântica, exercendo uma forte influência política
e econômica na região Oeste do Rio Grande do Norte, por servir de entreposto comercial para
as capitais Natal-RN e Fortaleza-CE, como também entre o sertão e o litoral do estado. Há pelo
menos duas hipóteses em relação ao significado original do nome da cidade, a primeira
pressupõe que ele representa algo em torno de “rasgão” e “ruptura”, relativas a presença do rio
em solo predominantemente seco, sendo a segunda e a mais aceita entre o povo, a de que o
topônimo guarda uma relação com o povo indígena Monxoró, antigos habitantes da margem do
1308

rio Apodi, pertencentes à etnia Cariri, dado que o componente humano fora possivelmente o
principal responsável pela popularização do termo e construção do nome do espaço, em
detrimento dos fenômenos naturais (COSTA, 2011).
Diante o exposto, este trabalho apresenta como problemática: Como o sentimento de
pertencimento ao lugar pode influenciar a promoção de saúde coletiva em Mossoró/RN,
considerando a história e a cultura dos povos indígenas do semiárido potiguar? Buscando
resolver a problemática, o objetivo do trabalho se deteve a investigar, a partir de levantamentos
bibliográficos e de uma revisão narrativa de literatura, bem como, entender qual o papel
desempenhado pela afetividade, as memórias e o inconsciente na formação do sentimento de
pertencimento ao lugar.

2 RAÍZES DO SENTIMENTO DE PERTENCIMENTO AO LUGAR

Abya Yala evoca um território afetivo, talvez imaginário, de povos que


viviam aqui nesse continente [América Latina] antes de iniciar as,
digamos, “abordagens” no continente por povos que vieram de outras
paisagens. (...) uma invasão que ia alterar profundamente a noção de
território que os antigos, os nossos antepassados antigos, tinham sobre
esse lugar (KRENAK, 2015, p. 327).

O sentimento de pertencimento ao lugar é uma ideia incipiente nas pesquisas em


psicologia, muito embora a mesma venha construindo uma tradição teórica no estudo sobre as
identidades sociais. O conceito também pode aparecer em alguns textos como “apego ao lugar”,
variação em língua portuguesa para “place attachment”, proposta pela psicologia ambiental
(GIULIANI, 2003).
Os princípios do apego ao lugar têm como base a Teoria do Apego (TA), elaborada pelo
psicanalista Jonh Bowlby (1907-1990), que se refere ao apego como um mecanismo básico e
fundamental para a sobrevivência humana, desempenhando o papel de satisfação dos desejos
inconscientes por meio de uma “figura de apego” (pai, mãe, irmão etc.) e proporcionando o
sentimento de conforto e segurança para os sujeitos (DALLBEM; DELL’AGLIO, 2005).
Seguindo o princípio do diálogo interdisciplinar, foi na geografia humanista que esse
estudo encontrou uma das principais bases epistemológicas para construir uma reflexão mais
consistente sobre o pertencimento ambiental. Tuan (1974) desenvolveu um conceito muito
importante para o tema, usado para definir o ‘amor ao lugar’: a topofilia. Segundo Felipe (2001),
1309

o lugar também pode ser caracterizado não apenas como um cruzamento de coordenadas
geográficas, mas uma construção histórica de múltiplas camadas simbólicas e de significações,
além de um espaço de intimidade onde as pessoas se relacionam afetivamente e
subjetivamente. Nessa direção, o lugar apresenta atributos que são bases para o discorrer desta
pesquisa, como por exemplo, identidade, afetividade, pertencimento, entre outros.
Considera-se que as formas de expressar o amor pela terra e o pertencimento diferem
umas das outras em intensidade e modos de conduta, influenciadas pelos grupos sociais dos
quais os sujeitos fazem parte, determinados a partir da classe socioeconômica, raça/etnia,
gênero, religião, lugar de origem etc.:

O apego à terra do pequeno agricultor ou camponês é profundo.


Conhecem a natureza porque ganham a vida com ela (...). Para o
trabalhador rural a natureza forma parte deles - e a beleza, como
substância e processo da natureza pode-se dizer que a personifica. Este
sentimento de fusão com a natureza não é simples metáfora. Os
músculos e as cicatrizes. testemunham a intimidade física do contato. A
topofilia do agricultor está formada desta intimidade física, da
dependência material e do fato de que a terra é um repositório de
lembranças (TUAN, 1974, p. 111).

A casa, o bairro e a aldeia, pela familiaridade que as pessoas têm com esses ambientes,
caso não provoquem sentimentos desagradáveis estimulados por traumas ou experiências
negativas vivenciadas neles, podem envolver os seres humanos, protegendo-os do mundo
exterior. Além dessa sensação recorrente de bem-estar, o amor pelo lugar carece de uma
consciência do passado. O argumento patriota, por exemplo, utiliza, entre outros, o mecanismo
da modificação da paisagem, tornando a história visível nos monumentos heroicos, museus e
memoriais, com a função de tornar o solo da pátria sagrado. Até mesmo povos iletrados, como
diversas comunidades nativas do semiárido brasileiro, sustentam esse sentimento no passado,
associando os laços afetivos com a natureza, a “mãe-terra”, aos ancestrais. Nesse sentido, a
história é responsável pelo amor à terra (TUAN, 1974).
A fala de Liderjane Kaxixó, em um dos debates promovidos pelo Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo em 2016, junto ao movimento indigenista, ajudam a ilustrar melhor
essa dinâmica do sentimento de pertencimento ao lugar. Quando questionada por um professor
sobre o motivo pelo qual o povo Kaxixó tem resistido ao etnocídio cotidiano promovido por
fazendeiros e igrejas no território indígena (TI) tradicional, ela respondeu:
1310

O que nos faz ficar firme e não deixar nos abater? É isso: a memória,
amor à terra, árvore, lugar, não há um amor a um ser. É a um lugar,
estado. Tudo. Então, se você tem amor à terra, sempre vai querer ficar
ali, contar para seu filho: “filho, sua mãe passou nessa árvore. Eu era
assim, desse tamanho. Era grande, pequena. Eu sentia isso nessa árvore.
E o meu filho vai crescer, sabendo onde era uma mangueira,
bambuzeiro que eu passei e tirei bambu. Então, ele vai levar aquilo na
memória dele: que aquele lugar, para mim, era sagrado. E, a partir
daquele momento que eu passo para meu filho, aquilo se torna sagrado
para ele também. Porque a memória que ele terá de um lugar que foi
especial para mim. Então, ele, quando crescer, se passar por lá, pode
estar destruído, bonito, vai passar: “eu passei aqui com minha mãe”.
Vamos dizer que passe com o filho dele: “passei com minha mãe. Disse
que era a infância dela, lembrança dela. Então, é minha também, filho”.
Então, o filho dele vai passar. Isso perpetua. É essa origem que não
deixamos morrer (CRP-SP, 2016, p. 80-81).

Liderjane expressa o desejo de manter a continuidade da cultura a qual ela pertence e a


tradição de amor à terra através da produção de memória nas novas gerações e da afetividade
que estas podem vir a possuir. Para além de uma noção dessa memória enquanto algo acabado
e estabelecido no passado, é por meio dela que o passado continua presente e que se derivam as
possibilidades de futuro (BAIRRÃO, 2016).
No Brasil, o conflito por terras é uma constante. Desde a colonização, com a promoção
da expansão agrária feita pelos portugueses e, mais recentemente, através da especulação
imobiliária, as populações aborígenes vivem uma situação de exílio. Nessa perspectiva, o
território se constitui a partir relações de poder que envolvem a sociedade e o espaço geográfico.
Já a territorialidade, diz respeito a um conjunto de relações com o espaço em que são
incorporadas dimensões políticas, econômicas e culturais, construindo identidades e produzindo
sentidos para os lugares que são vivenciados pelos grupos sociais cotidianamente (SILVA;
SILVA, 2020). Ainda neste caminho, o uso do espaço enquanto lugar de especulação e recurso
econômico aliena as sociedades contemporâneas da condição primária em que se constituía o
vínculo com o meio ambiente (as pessoas, comunidades, plantas, rochas, animais e os demais
elementos da natureza), bem como com determinados modos de vida. Pode-se dizer então que
essa transitoriedade compulsória limita a diversidade cultural e subjetiva, impossibilitando a
formação afetiva dos lugares de memória.

2.1. A FORMAÇÃO DA MEMÓRIA SOCIAL INDÍGENA


1311

A partir desse ponto, faz-se necessário refletir sobre o conceito de “memória”, buscando
entender as funções que ela exerce sobre o pertencimento étnico-ambiental e a constituição das
identidades territoriais e comunitárias. Por muito tempo essa foi uma categoria relacionada
estritamente à capacidade individual de recordar ao passado, no sentido de reconstituir
parcialmente uma experiência vivida. Porém, foi a partir de uma pesquisa do sociólogo Maurice
Halbwachs (1877-1945) que a noção de memória coletiva foi elaborada. A inovação do termo
dá-se justamente na compreensão de que os contextos sociais nos quais os sujeitos se inserem
são fundamentais para o fenômeno da recordação e das lembranças, não havendo possibilidade
de estas existirem isoladas do grupo social (SILVA, 2016b).
De acordo com a concepção de Halbwachs (1990), a lembrança precisa de uma
comunidade afetiva para existir e se constitui através das relações sociais estabelecidas com
outras pessoas ou comunidades, os denominados “grupos de referência” (família, escola, igreja,
partido político, ambiente de trabalho etc.). Além disso, para o autor elas se distinguem entre
memória individual e coletiva, ou “memória autobiográfica” e “memória histórica”, sendo a
primeira um ponto de vista da segunda, pois mesmo que o sujeito vivencie uma experiência de
forma individual, para recordar dela não é necessário que haja um testemunho material do
ocorrido (SILVA, 2013).

Admitamos, todavia, que haja para as lembranças duas maneiras de se


organizar e que possam ora se agrupar em torno de uma pessoa definida,
que as considere de seu ponto de vista, ora distribuir-se no interior de
uma sociedade grande ou pequena, de que elas são outras tantas
imagens parciais. Haveria então memórias individuais e, se o
quisermos, memórias coletivas. Em outros termos, o indivíduo
participaria de duas espécies de memórias. Mas, conforme participe de
uma ou de outra, adotaria duas atitudes muito diferentes e mesmo
contrárias. De um lado, é no quadro de sua personalidade, ou de sua
vida pessoal, que viriam tomar lugar suas lembranças: aquelas que lhe
são comuns com outras não seriam consideradas por ele a não ser sob o
aspecto que lhe interessa, na medida em que ele se distingue delas. De
outra parte, ele seria capaz, em alguns momentos, de se comportar
simplesmente como membro de um grupo que contribui para evocar e
manter as lembranças impessoais, na medida em que estas interessam
ao grupo (HALBWACHS, 1990, p. 34).

Destacam-se duas informações importantes abordadas no trecho acima: uma que a


memória pode se formar em torno de uma pessoa ou no interior de uma sociedade, outra que a
1312

memória coletiva pode ser lembrada (ou esquecida) conforme o interesse do grupo que a
produziu. Ampliando ainda mais a reflexão, a memória autobiográfica se apoia na memória
histórica porque as histórias de vida fazem parte da história geral. Tomando como exemplo a
memória nacional, que Maurice classifica a própria como sendo uma “memória emprestada”,
considera-se que esta foi construída pelos outros, através dos veículos de comunicação de
massa, da qual não se pode confirmar as próprias lembranças e são as únicas fontes daquilo que
se deseja repetir (HALBWACHS, 1990).
Compreendendo as categorias de memórias citadas acima, é possível aprofundar-se
ainda mais na investigação do tema. Uma outra dimensão deste conceito diz respeito à
mobilização dos sentimentos e desejos humanos direcionados a um objeto, ela corresponde à
memória afetiva. Bressan Junior (2017; 2019) elaborou um estudo consistente acerca da
formação afetiva da memória a partir da análise da televisão enquanto um espaço de revisitação
social para construção desta e, desse modo, os caminhos empreendidos pelo autor podem ser
relacionados ao objetivo proposto neste capítulo, a fim de entender como o ‘sentimento de
pertencimento ao lugar’ se constitui.
A memória desempenha uma função sociocultural relevante, é o parâmetro para
assimilar as mudanças e permanências das sociedades, reconstruindo reminiscências
intermediadas pelo momento presente. Assim, pensando no papel dos lugares nesse processo,
considera-se que a apreciação estética deles podem provocar nas pessoas recordações de
momentos únicos, ligando-as afetivamente aos coletivos que compartilham percepções
semelhantes sobre o mesmo espaço, onde sentimentos de amor, raiva e saudade podem
constituir o laço social de um grupo (BRESSAN JUNIOR, 2017).
Isso acontece porque as emoções que são evocadas instigam mecanismos inconscientes,
como afirma Ferrés (1998). De acordo com Bressan Junior (2019), os lugares podem suscitar
recordações que são transferidas para outras memórias, como por exemplo: estar na zona
histórica do centro de Mossoró-RN, observando os prédios construídos no século XX, pode
fazer um ancião lembrar-se, emocionado, de um momento vivido em família numa antiga lagoa,
hoje aterrada, na região periférica da cidade. Em ambas as imagens aparecem elementos de um
passado distante, perdido, onde as emoções são intensificadas pelo luto. Essa correlação só é
possível pela atividade associativa dos pensamentos, proporcionada pelo contato com o lugar.
No processo de transferência afetiva, as sensações nem sempre são agradáveis e as
recordações manifestam emoções direcionadas aos acontecimentos, personagens, lugares e
1313

coisas. As pessoas são movidas por sentimentos e temores inconscientes, onde há um prazer em
revisitar o passado pela possibilidade de reestabelecer um laço social “esquecido”, reconstruído
com as reminiscências e experiências, individuais e coletivas, atualizadas. Os grupos de
referência atuam na construção das memórias desde a infância, intervindo sobre o
desenvolvimento dos afetos e do sistema de crenças e valores morais, ou seja, a coletividade e
a socialização são determinantes nesse processo em que o laço social traz de volta o “estar
com”, fazendo com que a recordação aconteça somente por intermédio de outras pessoas
(BRESSAN JUNIOR, 2019).
A problemática do inconsciente enquanto constituinte da memória é uma preocupação
desta pesquisa, por isso ela será abordada com maior profundidade no tópico seguinte. Contudo,
ao se tratar da memória social indígena do semiárido norte-rio-grandense, vale salientar que
esta resiste ao ‘desaparecimento’ com inúmeras dificuldades. A bibliografia local tradicional
disseminou a ideia de extinção das identidades diferenciais no estado e muitos acontecimentos
motivaram o deslocamento das populações remanescentes para outras localidades. A
distribuição desigual de terras, o acesso restrito à água salubre e as experiências de violência
física ou simbólica, como o preconceito com a cultura autóctone, configuram-se como os
principais fatores que influenciaram essa mobilidade (CAVIGNAC, 2003).
Na Caatinga, as chuvas são intermitentes e os recursos hídricos escassos. Além disso,
os povos originários tiveram o trânsito nas terras tradicionais limitado pelas fronteiras agrícolas
da colonização, disputando o espaço com latifundiários e ficando submetidos ao regime de
trabalho escravo, a fome, doenças, castigos físicos, catequização forçada e morte frequente. Em
síntese, a miscigenação, que é considerada um dispositivo de extermínio das diferenças étnicas,
também pode se constituir como uma via para expressar os traços ancestrais que resistiram ao
processo colonial. Uma maneira de “(re)existir”, resultante no que hoje se compreende como
“cultura popular”, “sincretismo religioso”, entre outas manifestações mais aceitas pelo projeto
nacional de construção da identidade brasileira e um tanto menos perigosas para ela.

3 METODOLOGIA

Este artigo se constituiu enquanto uma pesquisa de natureza bibliográfica e abordagem


qualitativa, que forneceu o embasamento necessário à produção da monografia. Partindo de
uma perspectiva interdisciplinar, o procedimento utilizado foi o de construção de uma narrativa
1314

que priorizasse a articulação entre os principais conceitos teóricos de cada área dos
conhecimentos abordados e propiciasse o diálogo entre as diferentes ciências e formas de
expressão, que vão desde a antropologia e a poesia de cordel, aos estudos freudianos sobre a
psicanálise e o inconsciente, a geografia humanista e a historiografia. De acordo com Soares,
Picolli e Casagrande (2018, p. 318):

[...] a pesquisa bibliográfica constitui uma etapa preliminar de


praticamente toda a pesquisa acadêmica, e acrescenta que quase toda
tese ou dissertação desenvolvida, atualmente, contém um capítulo ou
seção dedicado à revisão bibliográfica, com o duplo propósito de
fornecer fundamentação teórica ao trabalho, bem como identificar o
estágio atual do conhecimento de determinado tema.

O método utilizado para compor este trabalho cumpriu as etapas a seguir:


a) seleção dos bancos de dados PePSIC, SciElo, Periódicos CAPES e Google
Acadêmico;
b) disponibilidade de artigos completos, capítulos de livro, teses e dissertações;
c) opção apenas por textos em escritos em língua portuguesa;
d) descritores: Emergência étnica, Memória social, Laço social, , Psicologia e
Povos Indígenas; ano de publicação (2012-2022). Devido à escassez e, por
vezes, a desatualização bibliográfica dos conteúdos que respondessem a
construção desta pesquisa, pelo menos 30% (trinta porcento) do referencial
teórico foi destinado à leitura e interpretação de textos clássicos em que os
conceitos abordados na discussão subsequente fossem contemplados.

Para seleção dos materiais, os resumos dos artigos, teses e livros (quando existentes)
foram lidos, sendo avaliados para sua inclusão ou exclusão, de acordo com o escopo e objetivos
da pesquisa. A partir daí foram feitas as pontes entre discussões dos mais diversos autores,
caracterizando o estudo como sendo de base interdisciplinar com o intuito de alcançar um olhar
múltiplo sobre o “sentimento de pertencimento ao lugar”, integrando uma diversidade saberes,
desde a poesia popular de Antônio Francisco (2012) e a antropologia de Cavignac (2003), aos
estudos culturais contemporâneos de Silva (2000), a geografia de Tuan (1974) e Felipe (2001)
e a psicanálise de Freud (2011ª, 2011b); e Bairrão (2016).
1315

Dessa forma, a necessidade de um olhar ampliado para o fenômeno do pertencimento


indígena ao semiárido se faz possível, rompendo com a lógica euro-centrada e hegemônica no
âmbito acadêmico de compartimentação do conhecimento. A priori, os textos foram
consultados de forma geral a partir da relação com o tema estudado. Em seguida foram feitas
uma leitura prévia para selecionar as obras de acordo com a demanda da monografia e uma
seletiva para identificar os conteúdos pertinentes na bibliografia de base. Ao final foi realizado
uma leitura crítica/reflexiva sobre os conceitos abordados ao longo do texto, para então ser dado
início à escrita deste material.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na tentativa de proporcionar uma síntese razoável para a compilação teórico-reflexiva


que foi apresentada, pode-se apreender o ‘sentimento de pertencimento ao lugar’ enquanto um
conceito complexo e multifacetado. Se por um lado o pertencimento ambiental pode
corresponder a uma forma de subjetivação fecundada nas práticas de guerra/controle social,
como foi evidenciado nas discussões acerca das estratégias nacionalistas, podendo desembocar
também em violência, exclusão e autoritarismo radical. Em outra perspectiva, este sentimento
aparece como um instrumento de emancipação dos povos tradicionais.
Grupos minoritários que percebem a terra enquanto espaço de possibilidade para firmar
um contato mais sensível com o mundo físico têm muito a contribuir nas discussões sobre a
ocupação sustentável do espaço e as alternativas de promoção de saúde que se estabelecem nos
ambientes de permanência. Convidando a psicologia a integrar um conjunto de saberes e
ciências através das práticas ancestrais de cuidado, das relações comunitárias e do vínculo
profundo com a natureza, percebe-se que estas(es) profissionais são retirados de um lugar
comum, construído historicamente através da clínica tradicional individualizada.
O trabalho dos profissionais da psicologia deve ser determinado pelas condições
materiais concretas da população atendida, tendo como objetivo o processo de conscientização
pessoal e coletiva. Para tanto, é necessário assumir o ponto de vista da população oprimida,
dentro das relações sociais de poder e domínio, acompanhando-a em um percurso histórico de
libertação. Nesse sentido, não se pode naturalizar o conflito social, abordando a problemática
psicológica apenas como uma questão individual, e sim, organizar as relações pessoa-ambiente
para que cada sujeito possa ocupar um lugar no corpo social e materializar os próprios interesses
(MARTÍN-BARÓ, 1996).
1316

Psicólogas(os) também podem optar por compor equipes de saúde coletiva através da
clínica ampliada, por exemplo, em que a concepção de cuidado é apreendida de maneira mais
horizontalizada e não se reduz ao binômio “saúde/doença”, em que as(os) profissionais ocupam
uma posição de autoridade frente aos sujeitos por supostamente possuírem um conhecimento
sobre a condição de sofrimento do Outro. Mas, diferente desta perspectiva, a atenção integral
deve ser feita através do princípio da cooperação, onde a comunidade exerce o protagonismo
das ações e nas definições das próprias demandas (CFP, 2019).
Uma das colaborações mais eficazes que a psicologia crítica pode fazer nesse sentido
está em assimilar as determinantes sociais (de gênero, raça, classe etc.) como fatores que
condicionam o sofrimento psíquico e a situação de vulnerabilidade. Mas, essa também não é
uma atribuição reservada às(aos) psicólogas(os), e quando associada ao déficit nas grades
curriculares dos cursos de graduação sobre o papel social desempenhado pela psicologia, pode
se constituir como um desafio prático para a atuação destas(es) profissionais.
Contextualizando o trabalho com as populações autóctones, pode-se considerar que os
povos indígenas representam um movimento de resistência política em todo o planeta,
articulando pautas transversais principalmente no âmbito da cultura, meio ambiente e direitos
humanos. Mas, no semiárido brasileiro, onde mais recentemente essas identidades diferenciais
vêm sendo novamente reconhecidas, pois tinham sido dadas como extintas, essas populações
sobrevivem ao extermínio físico e simbólico cotidianamente, e quando não, são massacradas
pelo poder econômico juntamente com a flora e a fauna nativa.
Além dos mecanismos de apagamento da memória social indígena no Nordeste, lugar-
símbolo da miscigenação brasileira produzida por Gilberto Freyre, a Caatinga (que ocupa a
maior parte dessa região) sofre com a falta de reconhecimento autêntico em âmbito nacional e
mundial, pelo estigma de ser um lugar pobre, seco e de pouca diversidade socioambiental,
fazendo com que o bioma seja o mais vulnerável aos processos erosivos, como a desertificação,
do Brasil (CAATINGA, 2019). Esse argumento também é usado para justificar o extrativismo
compulsório e a exploração do trabalho humano.
A política de patrimônio cultural e a educação patrimonial (IPHAN, 2016) também se
apresentam, nesse contexto, como alternativas para unir a valorização das identidades étnicas
diferenciais e a preservação ambiental dos aldeamentos, sob o prisma de favorecer a autonomia
dos sujeitos e melhorar qualidade de vida comunitária, garantindo a manutenção dos modos de
vida tradicionais e o benefício econômico através de práticas como o ecoturismo.
1317

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até aqui foi possível traçar um caminho de discussão teórica acerca da formação do
sentimento de pertencimento ao lugar, considerando que o mesmo se constitui a partir da
memória coletiva, uma representação do passado que é partilhada por uma comunidade afetiva.
E do laço social, que une emocionalmente os grupos através das pulsões de prazer e/ ou
agressividade, pois fazem parte da natureza humana. Essa energia psíquica é arranjada em um
contexto histórico, geográfico e político, no qual o desenvolvimento das relações de poder
acontece, sendo assimiladas pela sociedade de forma consciente ou não.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que o sofrimento psíquico e a própria ideia de saúde
mental consistem numa complexa dinâmica do convívio social. Sendo assim, a intervenção
psicológica estritamente individualizada e direcionada às camadas dominantes corrobora com
a manutenção da ordem social hegemônica, excluindo os grupos étnicos minoritários da
possibilidade de elaborar o bem-estar e autonomia comunitária. A articulação entre o
patrimônio cultural indígena e a saúde coletiva aparece então como um lugar propício para
promover atividades de valorização dos saberes tradicionais e desfazer antigos estereótipos
acerca das populações autóctones do semiárido potiguar.
Os resultados do presente trabalho são parciais, pois o projeto integral ainda se encontra
em fase de desenvolvimento. Os próximos passos se darão no sentido de construir uma
explanação mais consistente acerca do trauma colonial em Mossoró, e no sertão do Rio Grande
do Norte, como também abordar a perspectiva da saúde coletiva dos povos indígenas da
Caatinga, podendo contribuir para o devir étnico e a promoção do bem viver. Após a execução
da pesquisa bibliográfica, é pretendido realizar o inventário participativo de um patrimônio
cultural indígena na microrregião de Mossoró, na categoria dos bens culturais de natureza
imaterial, como uma possibilidade para compor o Livro de Registro dos Lugares, administrado
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Como avaliar o impacto socioambiental da política de patrimônio cultural direcionada
aos indígenas do sertão nordestino? Quais serão as estratégias empreendidas para articular o
campo e a cidade, como também o litoral e o interior, visando qualificar a salvaguarda da
memória dos índios no Rio Grande do Norte? E, quais são os principais desafios e possibilidades
1318

para a gestão do patrimônio imaterial no contexto norte-rio-grandense, considerando a projeção


da identidade potiguar à nível nacional e internacional?

REFERÊNCIAS

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em Comunicação Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto
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Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
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DALBEM, Juliana Xavier.; DELL’AGLIO, Débora Dalbosco. Teoria do apego: bases


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1319

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História) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2016a.

SILVA, Giuslane Francisca da. A memória coletiva. Revista Aedos, [S. I.], v. 8, n. 18, p.
247–253, 2016b.
1320

SINAIS PRECOCES NO AUTISMO: a importância da observação para um tratamento


eficaz.

Josilana Patricia Fernandes Abreu 1


Kallen Yasmine Silva Amaral 2
Alane Iasmin Carneiro da Silva3
Fábio Henrique Moreira Fernandes 4
Adriana Martins de Oliveira5

RESUMO

O autismo, também denominado Transtorno do Espectro Autista (TEA), é um transtorno do


neurodesenvolvimento. Isso significa que algumas funções neurológicas não se desenvolveram
como deveriam nas respectivas áreas cerebrais das pessoas acometidas por ele. Devido ao
elevado índice no diagnóstico de crianças com TEA os estudos estão cada vez mais minuciosos
e abundantes, onde já foi comprovado cientificamente que as principais causas do transtorno
estão relacionadas a fatores genéticos, hereditários e ambientais. Este estudo é uma revisão
bibliográfica que possibilitou a análise das informações através da leitura do material
encontrado, em uma abordagem qualitativa, e tem como objetivo esclarecer o que é o autismo,
suas características, causas e a importância das intervenções terapêuticas o mais precocemente
possível. Estudos e pesquisas apontam que o quanto antes as intervenções forem iniciadas,
melhor será a chance de prevenir ou minimizar atrasos no desenvolvimento de quem já tem o
diagnóstico do autismo ou está no grupo de risco, tornando assim esse período inicial da vida
da criança bastante importante e decisório, uma vez que é nesse tempo que ocorrem conexões
neurais mais velozes e intensas, levando o cérebro a ampliar e multiplicar suas capacidades e
habilidades, contribuindo assim para uma melhor resposta ao tratamento. Sendo assim, o
diagnóstico precoce do TEA é um diferencial para as crianças, já que por meio das intervenções
adequadas e ações eficazes, menores serão os danos e como consequência elas irão adquirir
maior autonomia e independência em suas vidas no futuro.

Palavras-chave: autismo infantil, sinais precoces, intervenção precoce, TEA.

ABSTRACT

Autism, also called Autism Spectrum Disorder (ASD), is a neurodevelopmental disorder. This
means that some neurological functions have not developed as they should in the respective
brain areas of people affected by it. Due to the high rate in the diagnosis of children with ASD,

1
Graduada em Nutrição pela Universidade Potiguar e Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do RN.
E-mail: josilanapatricia@hotmail.com
2
Graduada em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e Graduanda em Psicologia
pela Faculdade Católica do RN. E-mail: y.mineamaral@hotmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do RN. E-mail: alaneiasmin1909@gmail.com
4
Graduado em Gestão Empreendedora de Negócios pela Universidade Potiguar e Graduando em Psicologia pela
Faculdade Católica do RN. E-mail: fabiohenriquemf@gmail.com
5
Docente da Faculdade Católica do RN e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Doutora em
Administração pela PUCPR. E-mail: adriana.oliveira@professor.catolicadorn.com.br
1321

studies are increasingly detailed and abundant, where it has already been scientifically proven
that the main causes of the disorder are related to genetic, hereditary and environmental factors.
This study is a bibliographic review that made it possible to analyze the information through
the reading of the material found, in a qualitative approach, and aims to clarify what autism is,
its characteristics, causes and the importance of therapeutic interventions as early as possible.
Studies and research indicate that the sooner interventions are initiated, the better the chance of
preventing or minimizing developmental delays for those who already have the diagnosis of
autism or are in the risk group, thus making this initial period of the child's life very important.
and decision-making, since it is at this time that faster and more intense neural connections
occur, leading the brain to expand and multiply its capacities and abilities, thus contributing to
a better response to treatment. Therefore, the early diagnosis of ASD is a differential for
children, since through appropriate interventions and effective actions, the damage will be
smaller and, as a consequence, they will acquire greater autonomy and independence in their
lives in the future.
Key words: infantile autism, early signs, early intervention, TEA.

1 INTRODUÇÃO

O autismo, também denominado Transtorno do Espectro Autista (TEA), é um transtorno do


neurodesenvolvimento. Isso significa que algumas funções neurológicas não se desenvolveram
como deveriam nas respectivas áreas cerebrais das pessoas acometidas por ele (GAIATO,
2018). Esse transtorno afeta áreas do cérebro que são responsáveis pela interação social,
comunicação e comportamento (OLIVEIRA; SOUZA; 2022; STEFFEN et al., 2022;
TEIXEIRA, 2016). Os indivíduos com TEA podem apresentar interesse restritos, incapacidade
de compreender abstrações, comportamento estereotipado ou repetitivo e alterações no
processamento sensorial (EVANGELHO et al., 2022).
No Brasil não há evidências no sistema público de saúde que tenha avaliado a incidência de
crianças com TEA em todo o território nacional, mas de acordo com os estudos epidemiológicos
realizados nos Estados Unidos no ano de 2021 pelo Centers for Disease Control and Prevention
(CDC), o autismo afeta 1 a cada 44 nascimentos, sendo quatro vezes mais frequente no sexo
masculino (CDC, 2021).
Devido ao elevado índice no diagnóstico de crianças com TEA os estudos estão cada vez
mais minuciosos e abundantes, onde já foi comprovado cientificamente que as principais causas
do transtorno estão relacionadas a fatores genéticos, hereditários e ambientais, tais como: idade
avançada dos pais, prematuridade, baixo peso ao nascer, exposição a toxinas e medicamentos,
infecções da mãe durante a gravidez e complicações no parto ou no período neonatal (GAIATO,
2018; REIS; LENZA, 2022).
1322

Após o nascimento, é esperado que todas as crianças desenvolvam uma série de habilidades
físicas, cognitivas, sociais e emocionais que contribuirão em sua adaptação ao mundo. Estas
habilidades envolvem aspectos como a comunicação de suas necessidades, locomoção,
autonomia e independência, compreensão de rotinas, entre outras. É uma fase bastante
adaptativa, onde a plasticidade neural (capacidade do cérebro de se adaptar, construir e refazer
conexões) está em ascensão (MARTINS; PIRES, 2020). Os primeiros sinais de alerta a respeito
de algum marco de desenvolvimento não alcançado naturalmente pela criança e que esteja
dentro do quadro de características do TEA surgem na primeira infância.
Tais sinais e características podem ser observados em diversos ambientes: em casa, na
escola, nas atividades cotidianas, nas brincadeiras e momentos de lazer, nas rotinas familiares,
enfim, a observação do desenvolvimento neuropsicomotor de uma criança é fundamental para
levantar um alerta sobre possíveis transtornos de desenvolvimento. “Aprender a identificar cedo
o autismo e a trabalhar corretamente com a criança é a principal estratégia para promover os
avanços almejados” (BRITES, 2019. p. 30).
Estudos e pesquisas apontam que o quanto antes as intervenções forem iniciadas, melhor
será a chance de prevenir ou minimizar atrasos no desenvolvimento de quem está no grupo de
risco, tornando assim esse período inicial da vida da criança bastante importante e decisório,
uma vez que é nesse tempo que ocorrem conexões neurais mais velozes e intensas, levando o
cérebro a ampliar e multiplicar suas capacidades e habilidades, contribuindo assim para uma
melhor resposta ao tratamento (ARAUJO; ISRAEL, 2017).
Com o início do tratamento, é fato que grande parte das crianças com TEA apresentam
progressos nas interações sociais, na socialização com os ambientes, na comunicação,
linguagem e no autocuidado. Sendo assim, o diagnóstico precoce do TEA é um diferencial
para as crianças, já que por meio das intervenções adequadas e ações eficazes, menores serão
os danos e como consequência elas irão adquirir maior autonomia e independência em suas
vidas no futuro (STEFFEN et al., 2022).
Diante dos estudos bibliográficos feitos e analisados, o objetivo geral desta pesquisa é
ressaltar a importância do diagnóstico precoce do TEA, demonstrando a relevância da
percepção dos primeiros sinais de alerta, bem como a influência positiva que, após esse processo
de observação, as intervenções feitas pela equipe interdisciplinar terão para um adequado
desenvolvimento cognitivo e social da criança.
1323

2 MÉTODO

A Revisão Bibliográfica de Literatura foi o procedimento metodológico definido para


esta pesquisa. Este método consiste na localização e obtenção de documentos para fins
avaliativos e que servirá de subsidio para o desenvolvimento do objetivo geral da pesquisa
escolhida, buscando também a conexão e as relações entre os conceitos, características e ideias
acerca do tema (GONÇALVES, 2019).
Foram analisados publicações em periódicos, livros e banco de dados para informações
e orientações oficiais. Como fonte para a busca de pesquisas, utilizou-se os seguintes
descritores: autismo infantil, sinais precoces e intervenção precoce. A base de dados para coleta
do material foi o Google acadêmico e Scielo, durante o período de abril a junho de 2022.
Não foi feita nenhuma filtração ou recorte por ano de publicação, sendo explorado todo
o material que embasasse o tema proposto pela pesquisa e a análise das informações se deu
através da leitura do material encontrado, em uma abordagem qualitativa, onde houve a
possibilidade do estudo detalhado sobre os dados e informações selecionadas.

3 DESENVOLVIMENTO

3.1 VISÃO GERAL SOBRE O AUTISMO

Historicamente, a primeira identificação do autismo acontece no ano 1943, quando Leo


Kanner, médico psiquiatra observou e analisou 11 crianças que apresentavam padrões de
comportamento repetitivo e retraído, além da ausência de habilidades sociais desde cedo. As
características observadas por Kanner consideraram o autismo como uma síndrome de aspecto
orgânico e inato dos sujeitos analisados (RABELO; SMEHA, 2019). Os relatos de Kanner
fundamentaram e confirmaram que os sinais clínicos ocorrem já nos primeiros meses de vida e
que o déficit na interação social também já era visível precocemente, levando assim o médico
a assumir a origem patológica da síndrome (VIERA, 2019).
Os manuais de diagnósticos médicos na década de 1950 consideraram o autismo como
sendo uma psicose infantil, com reações esquizofrênicas. Somente no final da década de 1980,
o autismo passa a ser classificado como um transtorno da primeira infância e analisado de
1324

maneira psicodinâmica, baseando-se em abordagens psicanalíticas e comportamentais.


(SCHMIDT, 2017).
A partir de 1986, com a terceira edição do manual internacional de referência em
transtornos mentais, chamado de DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders) é que o autismo inicia seu movimento pela trajetória da própria identidade,
dissociando-se da perspectiva psicanalítica (RABELO; SMEHA, 2019).
O DSM-III trouxe a apresentação do termo “Transtornos Globais do Desenvolvimento”,
no qual o autismo enquadrava-se entre suas subcategorias. Os transtornos globais de
desenvolvimento surgem geralmente na primeira infância e afetam a interação social,
comunicação e comportamento (SCHMIDT, 2017).
A quinta e mais atual versão do DSM (DSM-V) publicada em 2013 propõe a mudança
na denominação e classifica a síndrome como um Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Essa mudança foi importante e necessária para que houvesse maior sensibilidade e qualidade
nos critérios diagnósticos do transtorno, além de dar mais ênfase as especificidades dos casos,
visto que as crianças com autismo podem ter um comprometimento do desenvolvimento,
havendo ou não prejuízos na obtenção de habilidades em certas áreas cerebrais (VIEIRA, 2019).

3.2 CAUSAS E ETIOLOGIA DO AUTISMO

Inúmeros estudos já demonstraram comprovadamente o papel do gene no transtorno do


espectro autista e essa é a principal causa relacionada ao surgimento de sintomas. A etiologia
do autismo em relação a hereditariedade variam de 40% a 90%, com os mais recentes que
estimam seu papel no aparecimento em crianças em até 50%. A contribuição genética para o
TEA ocorre através de um grupo diversificado de mecanismos mutacionais ao longo de várias
vias biológicas, porém um dos maiores desafios em sua etiologia é propriamente a ausência de
um marcador biológico. O risco adicional está associado a fatores ambientais como infecções,
síndromes, poluição entre outros (VIEIRA, 2020).
É importante ficar atento ao desenvolvimento de crianças que têm histórico de autismo na
família. Crianças com esse histórico familiar tem de 10% a 20% de chances de apresentar o
transtorno. Na população, a chance de se ter um filho com autismo é de, aproximadamente, 1%
a 2% (GAIATO, 2018).
Através dos estudos percebe-se que a distribuição por gênero é quatro vezes mais comum
nas crianças do sexo masculino, e embora existam muitos estudos, ainda não se sabe a causa
1325

dessa prevalência. Alguns estudos apontam que essas evidências estão relacionados a fatores
genéticos, associado aos cromossomos X e Y, a partir de presunções ligadas a teoria
autossômica de penetrância reduzida, ou seja, as meninas abrigam menos mutações
relacionadas com o autismo nos cromossomos autossômicos e que um provável mecanismo
biológico, como efeito masculinizante da testosterona fetal (FT) estaria relacionado com esses
índices (LEITE, 2015).
A incidência de casos de autismo tem aumentado nos últimos anos. Todavia, não está claro
o porquê desse aumento e suas causas ainda são desconhecidas. Acredita-se que se pode
identificar uma causa genética em cerca de 40% dos casos. Os 60% restantes estão associados
a fatores externos. Os fatores ambientais influenciam o organismo em períodos mais
vulneráveis do desenvolvimento, no período gestacional e podem funcionar como gatilhos para
desencadear o TEA. Os fatores que estão sendo pesquisados e estão relacionados com o TEA
são: o déficit de vitamina D materna, uso de antidepressivos durante a gestação, a idade
avançada dos pais na concepção do bebê, prematuridade do parto, gripe ou febre persistente,
tabagismo e poluição do ar (SANCHES, 2017).

3.3 PRINCIPAIS SINAIS DE ALERTA DO AUTISMO

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2019) o bebê pode apresentar
sinais do autismo desde os primeiros meses de vida, tais como: o atraso para obter e demonstrar
o sorriso social, o interesse em objetos determinados e sua interação com eles, seja sorrindo ou
não; os movimentos do corpo em relação a alguma situação ou contexto; pouco interesse pela
face humana, não conseguindo sustentar o olhar ou ficando ausente; irritabilidade e resistência
ao toque alheio; a ausência de emoções em determinados momentos; a indiferença quando os
pais se ausentam, entre outros. Estes sinais são indicadores de alerta em relação ao
desenvolvimento da criança e que necessita de atenção e avaliação caso observados.
Apesar do surgimento dos sintomas ser precoce em alguns casos, a família atenta-se mais a
essa demanda após os dois anos de vida da criança, pois nesta idade é esperado que ela exerça
um maior nível de interação social e desenvolva comportamentos que sejam compatíveis aos
pares da mesma faixa etária (MANSUR, 2017; MARTINS; PIRES, 2020).
Nesse aspecto, Brites (2019) complementa que há marcos no desenvolvimento que precisam
ser atingidos: com dois meses de vida o bebê já deve fixar o olhar nas pessoas, e responde aos
1326

estímulos delas. Aos 3-4 meses, direcionam os olhos e a cabeça e percebem os que estão ao seu
redor. Compartilham objetos, experiências e adquirem novas habilidades. Nessa idade, fazem
burburinhos e balbucios com a boca. Aos 8 meses devem pedir colo e aos 9 já apontar para
objetos. Com 1 ano já devem fazer e responder a gestos sociais (beijos, tchau, fazer gracinhas).
Podem ser vistos também como características precoce do transtorno o uso excessivo e
repetitivo de objetos, dificuldade com jogos de faz-de-conta, assim como a ausência ou
nenhuma capacidade de iniciar e manter interações sociais e compartilhar emoções
(ADURENS; MELO, 2017). Dentro desse contexto, Mansur (2017) também aponta que um dos
primeiros sinais de alerta identificado pelas famílias e que os levam a procurar uma avaliação
médica em crianças é o atraso na linguagem, fator que influencia diretamente na dificuldade da
socialização. É esperado que, dos 18 meses aos 2 anos de vida da criança ocorra o
desenvolvimento da fala e ela tenha um repertório de 180 a 250 palavras (BRITES, 2019).
Segundo Siqueira et al. (2020) os familiares identificam outros diversos sintomas precoces
do autismo em crianças, como comportamentos repetitivo, pouco contato visual, sensibilidade
a luz ou ao som, disfunções sensoriais, isolamento e falta de interação, ecolalias (repetição de
palavras sem funcionalidade), hiperatividade, choro excessivo, deambulação na ponta dos pés,
grafismo, hiperfocos e interesses restritos, como por exemplo a fixação em letras e números,
entre outros. É de tamanha importância que as queixas dos pais sejam sempre acolhidas,
explicando a eles sobre o transtorno, ensinando a fazer testes rápidos e sempre procurar um
profissional da área quando houver uma possível suspeita.

4 O DIAGNÓSTICO PRECOCE E AS INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS NO


AUTISMO

O primeiro passo para uma investigação e diagnóstico concreto e de qualidade são as


intervenções clínicas feitas por profissionais especializados na área neurológica e
comportamental e que tem como objetivo identificar mais a fundo os atrasos que comprometam
o desenvolvimento e funcionamento da criança, em aspectos tanto sociais, como a interação, a
socialização e a comunicação, até questões psicomotoras e cognitivas. Atualmente, não existem
exames laboratoriais específicos que possibilitem o diagnóstico do TEA, sendo a observação e
avaliação comportamental o método mais sugerido pelos profissionais para embasar o processo
de diagnóstico. Essa investigação deve ser realizada por uma equipe multidisciplinar, composta
1327

preferencialmente por psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos (SILVA, 2018;


CARLEIAL, 2020 apud HUERTA; LORD, 2012).
Desse ponto de vista, é importante a recolha de informações sobre tais aspectos e outras
formas de funcionamento comportamental, a fim de que possam influenciar diretamente no
diagnóstico e assegurar que as principais áreas do espectro sejam compreendidas e venham a
contribuir na qualidade do tratamento (CARLEIAL, 2020).
A importância e necessidade da atuação de uma equipe interdisciplinar na investigação e
avaliação clínica do autismo se dá principalmente devido à diversidade das características que
o englobam, pois a classificação do transtorno como um espectro é muito nova. Atualmente
observa-se quadros de diagnósticos tardios por desconhecimento dos profissionais que atuam
junto às crianças e suas famílias. O processo investigatório é complexo, lento, exige atenção e
estudos, levando em consideração as diferentes manifestações do TEA, dificultando assim a
realização do diagnóstico correto, onde é possível a distinção do TEA de outros distúrbios do
desenvolvimento existentes (SILVA, 2012).
Essa é uma realidade preocupante visto que o prognóstico certo nos casos de TEA está
diretamente relacionado à intervenção precoce e multidisciplinar. É de suma importância cessar
a ideia que o TEA tenha apenas uma maneira de apresentar-se. “Não se trata de tudo ou nada,
mas de uma variação infinita que vai desde traços leves, que não permitem fechar diagnóstico
até o quadro clínico complexo com todos os sintomas” (SILVA, 2012 p.63).
Em tempos onde as informações vem de forma rápida e gratuita os familiares estão cada
vez mais atentos e conscientes a respeito do TEA. Nesse cenário, é fundamental que os pediatras
acolham as preocupações dos pais e realizem uma busca ativa dos sinais precoces no TEA. Para
isso, foram desenvolvidos diversos instrumentos, como uma triagem, fornecendo métodos
rápidos e fáceis para identificar o autismo em crianças (SEIZE, BORSA, 2017).

4.1 INSTRUMENTOS SIMPLES DE TRIAGEM PARA DIAGNÓSTICO PRECOCE DO


AUTISMO

A avaliação de autismo é feita através de testes e observação clínica. O diagnóstico é


baseado na análise comportamental das crianças, dessa forma, os testes que visam determinar
se uma pessoa tem autismo ou não, são aqueles que tem como objetivo observar as
características do comportamento de cada criança.
1328

Existe uma gama de testes que são utilizados para auxiliar e basear as informação dos pais
e ou cuidadores, e são eles: The Autism Diagnostic Interview™ Revised (ADI- -R); Modified
Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT-R) para as crianças de 16 até 30 meses; Gilliam
Autism Rating Scale (GARS) e outros utilizados a partir da observação clínica em ambientes
terapêuticos; Observation Schedule (ADOS); Childhood Autism Rating Scale (CARS)
(MANUAL DE ORIENTAÇÃO, SBP, 2019).
Dentre esses instrumentos, o mais utilizado pelos pediatras e neuropediatras é o M-CHAT,
pois ele é de fácil acesso, além de ser recomendado pela SBP e pode ser aplicado em todas as
crianças, inclusive aquelas que não apresentam sintomas, mas possuem fatores de risco para o
TEA (MAIA; PRAZERES; SIQUEIRA, 2020).
O M-CHAT é uma entrevista estruturada realizada com os pais das crianças, não requer
treinamento para sua aplicação, e apesar de ser muito utilizado existe uma taxa bastante alta de
falso-positivo (90% não são diagnosticados subsequentemente como tendo TEA), sendo
necessária uma complementação da avaliação (MANUAL DE ORIENTAÇÃO, SBP, 2019).
A SBP recomenda atualmente que seja realizado o M-CHAT modificado, revisado e com
entrevista de seguimento, que é o M-CHAT-R/F, um questionário online, autoexplicativo de 20
questões, com resposta sim e não, ao final do teste é exibido um resultado indicando baixo risco:
pontuação total de 0-2, risco moderado: pontuação total 3-7 e alto risco: pontuação total 8-20.
Importante mencionar que mesmo com um M-CHAT-R/F positivo, ainda não se pode fechar
um diagnóstico de TEA, porém com um resultado positivo significa que a criança apresenta
risco elevado de outros transtornos de desenvolvimento ou atrasos (SBP, 2019).
A lei n. 13.438, sancionada no ano de 2017 exige a obrigatoriedade da aplicação de
instrumentos de avaliação formal do neurodesenvolvimento a todas as crianças nos seus
primeiros dezoito meses de vida. Alinhada com a Lei e para fins de instrumentalização das redes
locais, tem-se o uso da Caderneta de Saúde da Criança (CSC), como instrumento de maior
alcance para a vigilância do desenvolvimento na puericultura (SBP, 2019).
Dessa forma cabe aos profissionais de saúde a avaliação atenta e responsável acerca do
desenvolvimento da criança, bem como preencher corretamente a CSC e aplicar o M-CHAT-
R/F entre os 16 e 30 meses de vida, para que identificadas com resultado positivo, estas possam
iniciar rapidamente o tratamento adequado, melhorando seu prognóstico (SBP, 2019).
1329

5 A IMPORTÂNCIA DA OBSERVAÇÃO DOS SINAIS PRECOCES NO AUTISMO


PARA UM TRATAMENTO EFICAZ

O tratamento mais indicado para os transtornos do neurodesenvolvimento, como o autismo,


é a intervenção precoce, que deve-se iniciar após a observação e suspeita dos sintomas ou
imediatamente após o diagnóstico feito pela multidisciplinar envolvida (SBP, 2019).
O prognóstico do autismo considera o grau de comprometimento na linguagem, cognição e
interação social. Sendo assim, o processo terapêutico objetiva aumentar o potencial social e
comunicativo da criança, visando reduzir os danos intelectuais e cerebrais, bem como
possibilitar qualidade de vida e autonomia para as crianças (VIEIRA, 2019).
Estudos comprovam que o planejamento das intervenções no tratamento do autismo deve
ser estruturado de acordo com as fases de vida do indivíduo, passando desde o trabalho com
crianças pequenas, observando, analisando e atuando com terapias da fala e linguagem, da
interação social, educação especial e também com o suporte familiar. Já com os adolescentes,
o foco deve ser os grupos de habilidade social, terapia ocupacional e sexualidade. Com adultos,
o alvo são questões como independência, moradia e tutela (ALBERTI; SPONCHIADO 2020).
As intervenções incluem um leque de opções terapêuticas, com o objetivo de alavancar o
desenvolvimento da criança, resguardando as funções intelectuais atingidas pelo espectro. As
necessidades de cada criança frente ao transtorno são muitas e vão surgindo conforme sua
organização familiar, recursos disponíveis e funcionalidade das habilidades. Deste modo, todas
as terapias indicadas partem primeiramente de uma avaliação individual de cada realidade,
gerando assim planos de intervenções únicos para cada indivíduo (RIBEIRO; PEREIRA 2021).
Dentre as intervenções precoces destaca-se as de cunho comportamental com ênfase
naturalista, com foco na generalização e antecipação das habilidades e comportamentos, sendo
estas muito eficientes no processo de socialização e comunicação do indivíduo, contribuindo
inclusive na redução dos comportamentos estereotipados. As intervenções são ecléticas e com
metodologias variadas, incluindo a atuação de profissionais da psicologia, fonoaudiologia,
terapia ocupacional, educação física, dentre outros (RIBEIRO; PEREIRA 2021).
O tempo de estimulação ideal e de qualidade para a eficácia do tratamento do autismo é de
15 a 40 horas semanais, sendo esse tempo mesclado entre estímulos em casa e intervenções
clínicas e escolares. Das intervenções e métodos existentes e que são recomentadas e
reconhecidas pela SBP tem-se: o ABA, Applied Behavior Analysis, ou Análise
1330

Comportamental Aplicada; o ESDM, Early Start Denver Model, que significa Método Denver
de Intervenção Precoce; o TEACCH, Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com
desvantagens na Comunicação (ALBERTI; SPONCHIADO 2020).
Todos as intervenções existentes são abordagens com comprovação científica e que
otimizam o desenvolvimento das crianças com autismo, especialmente na faixa etária entre 1 a
5 anos de idade. Priorizam a construção das interações sociais, o processo da espontaneidade e
socialização, o que possibilita a construção de vínculos afetivos de maneira positiva e natural.
Ajudam a criança a aprender em todas as situações do dia a dia, explorando de forma ativa as
oportunidades de aprendizagens (GAIATO, 2018).
O aprimoramento dessas diversas habilidades são trabalhados durante todo o processo
terapêutico e contribuem também como pré-requisito da escrita, leitura, interpretação e
matemática, além da redução de comportamentos estereotipados, autolesões e agressões.
(ALBERTI; SPONCHIADO 2020).
Segundo revisão da literatura pesquisada, os critérios de consolidação e eficácia das
intervenções variam de acordo com a natureza da atividade e o repertório comportamental da
criança. O critério da emissão do comportamento ensinado com frequência, constância e nas
ocasiões certas tem aproveitamento entre 90% ou em até 100% das vezes, considerando a
quantidade de tentativas com a criança. Após o alcance do critério de aprendizagem
consolidado, o comportamento-alvo é posto em manutenção, devendo ser monitorado e
reavaliado periodicamente, garantindo que a criança mantenha o seu desempenho adequado e
funcional ao longo do tempo, em diferentes contextos e com diferentes pessoas (ESTEVES et
al. 2021).
Portanto, a intervenção precoce exerce funções essenciais e primordiais na redução de
aspectos prejudiciais ao desenvolvimento da criança bem como agem diretamente na
otimização de oportunidades de crescimento. Para tanto, a precocidade é fundamental e a
qualidade da intervenção é o diferencial (VIEIRA, 2019).

6 CONCLUSÃO

O autismo é um transtorno que causa perturbações no desenvolvimento neurológico da


criança, afetando aspectos comunicativos, comportamentais e de socialização. Os sinais
precoces já podem ser observado desde os primeiros meses de vida do bebê e espera-se que por
1331

volta dos 3 anos a criança já tenha apresentado boa parte das características relacionadas ao
transtorno. Com os avanços nos estudos sobre autismo e a maior abrangência a respeito do
diagnóstico, torna-se imprescindível que as intervenções terapêuticas sejam feitas de forma
precoce, para que os resultados sejam mais expressivos e eficazes, visto que o maior
desenvolvimento cerebral se dá nos primeiros anos de vida da criança. Quando houver qualquer
suspeita a respeito dos sinais de autismo a criança deve ser encaminhada para especialistas da
área, a fim de maiores esclarecimentos e instruções aos pais e familiares sobre a intervenção
precoce e seus benefícios para um melhor convívio social da criança e consequentemente maior
qualidade de vida para a família envolvida, já que faz parte de um processo multidisciplinar
constante. É de suma importância para a detecção precoce do autismo analisar todas as
características abordadas no DSM-V, bem como utilizar as escalas de avaliação do
comportamento e da linguagem, os testes neurológicos, para assim obter um resultado eficaz
no tratamento tanto da criança com a equipe interdisciplinar, quanto da família, que tem um
papel valioso no seu desenvolvimento e monitoramento.
Existe ainda muita dificuldade na identificação desses sinais, tanto dos familiares como dos
profissionais da área da saúde, acarretando em um atraso nas intervenções.
Independente do diagnostico, após a identificação de alguma característica relacionada ao
autismo, as intervenções devem ser iniciadas, para que haja a possibilidade de um
desenvolvimento saudável e funcional da criança, levando em consideração a neuroplasticidade
que está em desenvolvimento até os 3 anos de idade.
Diante dos expostos, esta revisão bibliográfica tem a intenção de contribuir com a ampliação
dos conhecimentos a respeito do autismo, já que a ausência ou dificuldade em obter informações
locais dificultou a análise mais concreta sobre as incidências nos casos do transtorno a nível de
Brasil, tornando o estudo baseado em sua maioria por dados internacionais. Mais estudos são
necessários, para que a temática seja abordada com mais ênfase e relevância, bem como
observar a necessidade e a importância de intervenções precoces no processo terapêutico de
crianças com TEA, ampliando cada vez mais as possibilidades de estratégias de tratamento e
orientação aos familiares e profissionais, visto que o autismo não tem cura e o surgimento de
novas informações e propostas intervencionistas se mostram promissoras e necessárias.

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Manhuaçu, MG. 2020.
1334

SÍNDROME DE BURNOUT ENTRE POLICIAIS: causas e fatores

Marina Fiuza Bastos de Moraes Pinto1


Aiesly Thayane Ferreira dos Santos 2
Maria Vitória Moura dos Santos3
Erick Lauan Costa4
Adriana Martins de Oliveira5

RESUMO

Considerando o crescente caso de adoecimento mental e físico de policiais, este artigo tem como
objetivo compreender a relação de trabalho entre as causas e fatores da síndrome de burnout na
saúde de policiais, mostrando assim a relevância sobre o estudo onde o meio em que esses
profissionais da segurança pública estão inseridos afetam diretamente em seu comportamento
não somente laboral como pessoal. Trata-se de uma revisão bibliográfica em que foram
analisados 22 artigos, pesquisados nas bases de dados: Google Acadêmico, Scientific Eletronic
Library Online (SciElo) e no Periódicos Capes. Dentre os principais resultados destaca-se a
urgência de análise para compreender o momento em que os fatores estressores de trabalho
estão intervindo diretamente com a vida desses policiais, demonstrando o déficit na falta de
cuidado da saúde mental e valorização dessa profissão. O resultado evidencia que quando os
policiais estão sujeitos a longas horas de trabalho, circunstâncias de risco e estresse contínuo,
ocorre uma série de fatores que podem ser visualizados em baixo desempenho no trabalho,
despersonalização, perda de memória e entre outros fatores que são características da síndrome
de burnout, mas que podem ser confundidas com outras doenças tornando o diagnóstico mais
difícil. Isso favorece para que os policiais cheguem ao esgotamento mental, já que estão
inseridos em um ambiente de trabalho nocivo e que reduz cada vez mais o seu tempo de lazer
e familiar para que consigam alcançar um reconhecimento não retornável, tornando assim esses
profissionais da segurança pública totalmente vulneráveis a desenvolver a síndrome de burnout.
Palavras-chave: causas; síndrome de burnout; policiais; estresse.

ABSTRACT

Considering the growing case of mental and physical illness among police officers, this article
aims to understand the working relationship between the causes and factors of burnout
syndrome in the health of police officers, thus showing the relevance of the study where the
environment in which these professionals of public safety are inserted directly affect their
behavior not only at work but also personal. This is a literature review in which 22 articles were

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
marinafiuza1801@gmail.com
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: aieslyts@hotmail.com
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
vitoriamoura.live@gmail.com
4
Graduando em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: erick36uzl@gmail.com
5
Docente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Doutora em Administração pela PUCPR. E-mail: adriana.oliveira@professor.catolicadorn.com.br
1335

analyzed. The results were analyzed using these articles as a source of in-depth research. Among
the main results, we highlight the urgency of analysis to understand the moment when work
stressors are directly intervening in the lives of these police officers, demonstrating the deficit
in the lack of mental health care and appreciation of this profession. The result shows that when
police officers are subjected to long hours of work in circumstances of risk and continuous
stress, there are a number of factors that can be seen in low performance at work,
depersonalization, memory loss and among other factors that are characteristic of the syndrome
of burnout, but that can be confused with other diseases making the diagnosis more difficult,thus
causing the police to reach mental exhaustion since they are inserted in a harmful work
environment and that increasingly reduces their leisure and family time so that they can achieve
non-returnable recognition, thus making these public security professionals totally vulnerable
to developing the syndrome of burnout.
Keywords: causes; burnout syndrome; cops; stress.

1 INTRODUÇÃO

No atual mundo globalizado, a rapidez tem se tornado figura principal em meio ao


mercado de trabalho, visando cada vez mais a facilidade de adaptação ao novo. Em
consequência disso surge uma atmosfera de pressão, cobrança e soluções imediatas. Esse
pressionamento pode ser encontrado em qualquer tipo de situação relativa a trabalho, desde as
mais complexas às mais simples, de acordo com Ascari et al. (2016).
Dessa maneira, Lima et al. (2018) afirmam que fatores estressantes como a constante
pressão e a grande cobrança podem ocasionar resultados preocupantes. Dessa forma, problemas
psicológicos e físicos advêm do esgotamento dessas pessoas frente a essas complicações. Os
autores também pontuam dores de cabeça, problemas nos órgãos digestores, mudanças no sono,
tontura e excesso de cansaço como formas de manifestações desses problemas físicos. Já os de
ordem psicológica, pode-se destacar a ansiedade, variação de humor, dificuldade de
concentração, propensão a ficar distante dos colegas de trabalho, bem como perda de motivação.
A partir desse contexto, Marzzoni et al. (2021) afirmam que a síndrome de burnout é
determinada como uma resposta psíquica ao estresse crônico. Ela pode surgir em profissionais
que tenham o constante contato com seus clientes no ambiente de trabalho. Os autores ainda
descrevem que a síndrome resulta de um processo gradativo e pessoal, que pode estar
relacionado tanto com o ambiente em que esses profissionais atuam, quanto a natureza desse
trabalho. Dessa forma, devido esses fatores estressores, a síndrome pode causar a exaustão
emocional, despersonalização e a baixa realização pessoal, que correspondem aos estágios da
síndrome.
1336

Para Carvalho et al. (2020) a primeira fase tem ocorrência quando o sujeito se encontra
tomado pelos fatores estressores em que é submetido no seu ambiente de labor, desempenhando
assim, o desânimo para exercer suas funções, juntamente atrelado ao sentimento de esgotamento
físico e mental desse indivíduo. A despersonalização está relacionada com a insensibilidade
emocional do trabalhador, que passa a ter um forte sentimento de apatia pelos seus colegas de
trabalho e passa a distorcer o seu próprio eu. Já a última fase a ‘‘baixa realização pessoal no
trabalho’’, está estritamente relacionada com as anteriores, uma vez que, o indivíduo passa a ter
uma visão amplamente criteriosa e analisa os muitos pontos negativos que encontra em sua
situação atual.
Ascari et al. (2016) chamam a atenção ainda para as doenças que permeiam o campo
relacionado ao trabalho, visto que essas, tendem a ser percebidas tardiamente, e expressam
sintomas e sinais muito próximos aos de outras doenças. De certa forma, isso acaba repercutindo
negativamente na saúde dos trabalhadores, uma vez que cria uma ‘‘máscara’’ e dificulta a
identificação e diagnóstico.
Conforme Carneiro (2021) algumas profissões têm um nível de estresse elevado por
parte de seus trabalhadores, sendo os policiais uma das mais estressoras. O autor pontua que
isso ocorre pelo fato do objetivo principal ser garantir a segurança da sociedade, obrigando-os
a constantemente estarem inseridos em longas jornadas de trabalho, estado de alerta, violência
e perigo e vivências em situações de morte. Sendo esses alguns fatores que acarretam no
desenvolvimento da síndrome de burnout em policiais.
No estudo desenvolvido por Chaves e Shimizu (2018), foi utilizado os questionários do
Maslach Burnout Inventory (MBI) e Índice da qualidade do sono de Pittsburgh (PSQI), sendo
composto por 32 policiais militares do sexo masculino. Foram encontrados resultados
preocupantes, em que 43,75% dos policiais militares apresentaram um alto grau de exaustão
emocional, 56,25% apresentaram despersonalização e a pontuação para baixa realização
profissional correspondeu a 75%. Nesse sentido, o estudo demonstra que essas dimensões
apresentam fatores significativos na vida desses profissionais.
Diante do cenário exposto, o presente estudo, teve como objetivo geral compreender as
relações de trabalho e as causas e fatores da síndrome de burnout em policiais. Essa proposta,
torna-se propícia por representar de maneira especial, a necessidade de um acompanhamento e
avaliação biopsicossocial dos policiais, que constantemente obtém abalos na saúde mental. Tal
estudo, torna-se importante, visto que vai oferecer uma ampla visão sobre os fatores que a
1337

síndrome de burnout causa nos policiais, permitindo uma análise mais cuidadosa da saúde
mental desses indivíduos, além de gerar contribuição para o meio científico

2 MÉTODO

Para o presente estudo, optou-se por realizar uma revisão de literatura, de caráter
integrativa. A pesquisa desenvolvida por Botelho, Cunha e Macedo (2011) aponta que esse
método de pesquisa permite analisar conteúdos já publicados e construir novos conhecimentos
embasados nos resultados de pesquisas anteriores.
Os dados foram coletados em artigos disponíveis no Google Acadêmico, Scientific
Eletronic Library Online (SciElo) e no Periódicos Capes. A tática utilizada na coleta de dados
foi a leitura e a análise dos artigos que estavam correlacionados ao tema e se enquadravam nos
critérios de inclusão.
Foram utilizadas como palavras chaves: Burnout, ‘‘Síndrome de Burnout’’, Policiais,
Segurança Pública. Com a busca ‘‘Síndrome de Burnout’’ AND Policiais, encontrou-se 2.720
artigos no Google Acadêmico, 49 no Periódicos Capes e 5 no SciElo. No intuito de delimitar a
pesquisa no Google Acadêmico foram utilizados os outros descritores na busca: Estresse,
Traumas, Exaustão, Fatores e verificou-se 329 artigos. Após isso, foram lidos os títulos e
resumos, a fim de obter apenas os que se encaixam na temática dessa pesquisa. Com um total
de 383 artigos, dos quais 132 foram vistos e foram selecionados um total de 22 artigos que
possuíam uma aderência maior a temática.
Os critérios de inclusão e exclusão foram: artigos gratuitos, com o recorte cronológico
de 2015 a 2022 e restrição linguística para o português. Também foram incluídos artigos com
dados relevantes, bem como definições, fatores e consequências da Síndrome de Burnout em
policiais.

3 REFERENCIAL TÉORICO

A seguir serão apresentadas pesquisas científicas sobre a temática que mais se adequa
ao objetivo desse estudo. Esta seção contempla discussões sobre o estresse, em seguida foi
argumentado sobre os fatores estressores em policiais, e logo após foi exposto os estudos
1338

relacionados a síndrome de burnout na literatura, e por fim, discutido a questão da síndrome de


burnout entre policiais.

3.1 ESTRESSE

De acordo com Margis et al. (2003), a termologia ‘‘estresse’’ advém do estado


concebido e percebido pelos estímulos que causam exaltação emocional ao desequilibrar a
homeostasia, que indica a capacidade do organismo em permanecer em equilíbrio, mesmo
quando ocorrem completas mudanças em seu meio externo. Os autores ainda afirmam que a
resposta ao estresse é produto das particularidades do indivíduo e as questões do meio, isto é,
as diferenças entre o meio interno e externo, além da capacidade de cada indivíduo em sua
resposta.
Consoante ao exposto, o estresse produz atos de defesa e ajustamento perante ao agente
estressor. Segundo Prado (2016), esses atos se dividem em três: alarme, resistência e exaustão.
A primeira fase, começa com estímulos de estresse recebidos que provocam uma acelerada
resposta do corpo, já na fase de resistência, o sujeito apresenta maior desgaste, dificuldade de
memória, e também se encontra mais indefeso a doenças, precisando assim, se adaptar à atual
conjuntura, buscando o equilíbrio interno. No fim, tem-se a última etapa, que consiste na
exaustão, resultado da falha nos processos de adaptação, podendo ser considerada a mais crítica
em relação ao estresse, isso tem relação com as vastas possibilidades de problemas e doenças
que pode vir a causar.
Não distante, no estudo produzido por Paschoal e Tamayo (2004), que teve como
objetivo principal a construção e validação de um instrumento de estresse ocupacional com fácil
aplicação e acesso, trazem resultados preocupantes, que demonstram de forma cristalina a
problemática na relação entre esses profissionais, seus superiores e seu ambiente de trabalho
como um todo. Nesse sentido, o estudo desses pesquisadores se mostra relevante, uma vez que
foram citados a falta de valorização, falta de autonomia, a competição ocorrente, a longa carga
horária, as baixas perspectivas de crescimento na carreira e a problemática falta de capacitação
desses profissionais para execução de tarefas como as mais relatadas.

3.2 FATORES ESTRESSORES EM POLICIAIS


1339

Segundo Carvalho et al. (2020) os agravantes da saúde mental estão relacionados às


longas horas de trabalho, ambiente de ofício nocivo, sentimentos de cansaço, desaponto, e
tempo reduzido para lazer e família. Os autores ainda afirmam que os policiais estão em
constante exposição a elevados índices de sofrimento psíquico, uma vez que a esgotante carga
horária de trabalho, irregularidade de horários, a pressão e falta de reconhecimento por parte da
sociedade a que estes indivíduos são sujeitos, pedem que esses trabalhadores tomem atitudes
que estão além das possibilidades de suportar em um longo período de tempo.
Consoante a isso, Nunes (2019) e Carneiro (2021) destacam que as questões emocionais
e profissionais estão estritamente relacionadas, contribuindo para a constituição do fenômeno
‘‘estresse’’ nos indivíduos. Eles ainda expõem que o estresse ocupacional é causado pelo
conflito entre o indivíduo e a sua profissão, também podendo ter ligação com as questões
relacionadas ao trabalho, as de cunho familiar, ou até mesmo a junção delas. O estresse é, na
verdade, uma reação de adaptação do nosso corpo, frente a situações de mudanças,
constrangimento.
O estresse ocupacional é causado pelo desgaste do trabalhador, proveniente da
desarmonia entre sua relação com o ambiente laboral, segundo Marzzoni et al. (2021). Entre as
causas desse estresse, se encontram a sobrecarga de funções e um ambiente de trabalho
desarmônico, que comprometem a eficácia desses profissionais em seus empregos, tais
condições impedem que esse indivíduo se sinta realizado tanto em sua vida pessoal, quanto
profissional, resultando no desenvolvimento de patologias relacionadas ao esgotamento mental,
conforme afirmam Santos et al. (2021).
Desse modo, de acordo com Souza e Barroso (2021) deve-se ter atenção para os
profissionais que cuidam da segurança dos indivíduos, uma vez que eles também apresentam a
carência de cuidados com relação a saúde física e mental, visto que sua disposição como
indivíduo reflete não apenas na vida costumeira do profissional de segurança, mas também na
vida da sociedade como uma totalidade. De acordo com Carneiro (2021), os fatores estressores
possuem um alto índice de impacto na vida dos policiais, nos casos não reconhecidos
previamente e tendo a falta de um acompanhamento psicológico, podem vir a desencadear a
síndrome de burnout.

3.3 SÍNDROME DE BURNOUT


1340

Segundo Silva, Lima e Caixeta (2010), o conceito de síndrome de burnout que tem sua
origem inglesa, traduz-se como a ação de queimar-se, pegar fogo, algo que tem ocorrência
gradual e lenta. Eles ainda expõem que o desenvolvimento da síndrome ocorre devido algumas
causas e fatores como: tempo de instituição, relação entre colegas de trabalho, sobrecarga, alta
responsabilidade, progressão no trabalho, horários de ofício incertos, baixa capacitação, baixo
índice de valorização, conflitos e percepção de inequidade.
Consoante a isso, Ascari et al. (2016) e Carneiro (2021) afirmam que a síndrome de
burnout tem grande incidência em profissionais da saúde, como enfermeiros, médicos,
fisioterapeutas, farmacêuticos, contudo também se encontram casos em outras profissões, entre
elas: professores, bombeiros e policiais. Os pesquisadores ainda expõem que as doenças
relacionadas ao trabalho são as mais difíceis de serem identificadas, uma vez que já fazem parte
do cotidiano dessas pessoas, dificultando o diagnóstico e principalmente a prevenção.
Não obstante, segundo Bianchi (2001), não é todo estresse que pode ser considerado
prejudicial. De acordo com o autor, existem aqueles que adotam sentidos favoráveis, como
casos em que a pessoa tem um outro olhar sob aquele momento ou fator estressante e passa a
vê-lo como algo inspirador ou um desafio a ser resolvido. Tal estudo se liga a pesquisa feita por
Margis et al. (2003), que defendem que o estresse é resultado das individualidades do sujeito,
que podem trazer em suas respostas, a prova de que cada um possui suas particularidades,
relacionadas ao meio externo e interno de cada um.
De acordo com Guimarães et al. (2014), o exercício desses profissionais da segurança
abarca duas variáveis: o perigo e a autoridade, estas, causam uma enorme onda constante de
pressão por eficiência e resultados rápidos. Além disso, os autores colocam a incessante
presença de perigo no ambiente laboral como um alerta, visto que, os isola das demais parcelas
da sociedade, sendo dessa forma, um forte causador de desconfiança, gerando sentimentos de
medo, ansiedade, e posteriormente, podendo vir a causar a síndrome de burnout.
Segundo Corrêa et al. (2018), a síndrome de burnout está sustentada na qualidade do
trabalho, entretanto, a constatação dos sintomas da síndrome em um profissional de determinada
organização, não implica na conclusão que as demais pessoas também tenham, uma vez que o
desenvolvimento do burnout efetua-se de maneira singular e individual em cada ser humano,
sendo necessário também, muito tempo para que se perceba os efeitos da síndrome.
Conforme o estudo desenvolvido por Maslach (1999) os métodos de resolução não
devem ter foco nos indivíduos, mas sim para o espaço de trabalho das organizações, de forma
1341

a tentar prevenir esses problemas, e não apenas tratá-los quando a situação já está agravada,
dessa forma, pretende-se evitar que mais pessoas possam vir a adquirir essa síndrome, visto que
ela está relacionada ao trabalho, que se encontra no cotidiano de todos, deixando uma vasta
gama de profissionais suscetível a ela.
Dessa forma, para Souza e Bezerra (2019), a psicoeducação expressa-se em identificar
os sintomas, compreendendo a situação e reconhecendo os fatores causadores que os
conceberam, fazendo um monitoramento dos pensamentos que surgem automaticamente, e uma
diferenciação entre as associações já existentes entre a emoção, pensamento e comportamento.
Eles também descrevem que ao examinar esses pensamentos automáticos, e desprendendo
desses pensamentos que se distorcem do real, a psicoeducação pode ser uma ótima auxiliadora
para o acompanhamento de pessoas com a síndrome.

3.4 SÍNDROME DE BURNOUT EM POLICIAIS

Segundo Pinheiro e Farikoski (2016), as atividades laborais exercidas em situações


estressantes contém um abundante impacto desfavorável na saúde do indivíduo, podendo
desenvolver a síndrome de burnout (SB), circunstância ligada a fatores ocupacionais. De acordo
com os autores, a prática das funções trabalhistas da classe policial é, constantemente afetada
por essa síndrome, uma vez que por motivo dos fatores estressores encontrados por eles, a
angustia, aflição e ansiedade se fazem constantemente presente.
Na pesquisa feita por Lima et al. (2018), é exposto que as condições de trabalho
estressantes ampliam a possibilidade de efeitos contrários à saúde, colaborando para o início de
mudanças comportamentais, como o consumo de álcool e tabagismo. Dessa forma, o estresse
ocupacional, também causador da síndrome de burnout em policiais provoca uma alteração da
homeostasia, sendo o conjunto de uma exaustão física e emocional, composto por várias razões:
sofrimento, cansaço, pressão e dor, que afetam de forma negativa a maneira como o profissional
reage, inclinando-o a gerar tristeza, improdutividade.
De acordo com Pinto et al. (2021), decorrente da falta de capacitação, estrutura e
profissionais, os policiais muitas vezes têm que lidar com a sobrecarga de trabalho, uma vez
que eles carecem de atenção governamental e apoio populacional, sendo diariamente obrigados
a exercer funções não estabelecidas legalmente como suas, aumentam a intensidade laboral. Os
autores ainda pontuam o ligamento da síndrome de burnout em policiais com a questão salarial,
1342

visto que como exposto, eles muitas vezes exercem mais do que suas funções previamente
estipuladas e ainda assim não ganham nada a mais por isso, gerando sentimento de indignação
e insatisfação.
Consoante ao estudo de Prado (2016), a qualidade de vida no trabalho (QVT) recebe
diversos títulos, no entanto, já se tem a ideia de que existem relações diretas com a qualidade
de vida, entre elas: o aumento da saúde e bem-estar do trabalhador, maior humanização, bem
como uma maior participação desses profissionais em solução de problemas relacionados a
empresa. A QVT engloba tanto os fatores extrínsecos como os intrínsecos da função, que afetam
ações comportamentais e pessoais. Não distante do exposto pela autora, ela ainda pontua que o
entendimento e avaliação dessa qualidade de vida, está intrinsicamente relacionada com a
síndrome de burnout, podendo a partir desse ponto traçar caminhos para o entendimento e
tratamento do profissional.
Segundo Fonseca et al. (2020), ao criar uma relação entre qualidade de vida e estresse
em policiais, foi constatado uma ligação negativa e considerável entre a qualidade de vida com
a ausência de controle sobre o labor e a presença de estresse, evidenciando que quanto maior o
nível de estresse, menor a qualidade de vida, sendo uma ponte para a síndrome de burnout, caso
os policiais não estejam em observação de suas rotinas e as situações que os circundam.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo central compreender a partir de uma revisão de
literatura, a relação de trabalho entre as causas e fatores que permeiam a síndrome de burnout
em policiais. Concluiu-se que os policiais, comparados ao restante da população, encontram-se
em uma posição de maior vulnerabilidade a apresentação de transtornos relacionados ao
sofrimento psíquico.
Os dados encontrados ressaltam o desgaste do profissional da polícia relacionado ao seu
ambiente laboral, os deixando ainda mais suscetíveis a desenvolver síndrome de Burnout.
Levando em consideração que a sua atuação está em constante exposição a fatores de riscos, a
altos níveis de tensão, pressão, e cobranças advindas não somente do meio institucional, como
também por parte da sociedade. Além de outros fatores como: longas horas de trabalho,
exaustão emocional, redução de tempo para lazer e família, e o sentimento de impotência frente
as atividades a serem realizadas.
1343

Observou-se que o estado ainda não fornece o apoio necessário a estes profissionais,
tendo em vista a inexistência de métodos de enfretamento voltado ao cuidado com a saúde
mental destes indivíduos, deixando essa condição mais fragilizada. No entanto, a falta de apoio
do estado contribui cada vez mais no desenvolvimento de outros agravantes, podendo favorecer
o aumento na incidência de transtornos mentais nesses indivíduos.
Dessa forma, esse estudo vem contribuir para futuras pesquisas acerca da saúde mental
dos policiais. Percebe-se a extrema necessidade em abordar temáticas que desmistifiquem a
imagem social que se construiu do policial ao longo dos anos, a fim de conscientizar a população
a ter um olhar mais empático para essa classe trabalhadora. Além da urgência na elaboração de
programas preventivos voltados ao cuidado da saúde mental desses profissionais, com o intuito
de minimizar o índice da síndrome de burnout, proporcionando-lhes qualidade de vida, saúde
física e mental.
Portanto, é necessário ressaltar as limitações encontradas na literatura, pois pouco se
encontra referente a medidas para amenizar esse empasse, acarretando em uma estaticidade nas
temáticas referentes aos fatores e as causas da síndrome de burnout entre policiais. Ademais, é
sugerido para futuras pesquisas, adentrarem na temática de como a visão social deturpada desses
profissionais, influência no desânimo dos agentes de segurança pública em realizar suas
funções.

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1347

SÍNDROME DE LA TOURETTE: tratamento, diferenciação de outras síndromes e


convivência no meio escolar e familiar

Ana Júlia Andrade Braz1


Camille Stefane Martins de Souza2
Manuella Marques Cabral de Oliveira3
Luiz Henrique Gadelha Fernandes4
Adriana Martins de Oliveira5

RESUMO

Essa revisão de literatura procura abordar a Síndrome de La Tourette, que é um transtorno


neuropsicológico caracterizado por tiques motores e vocais, que se inicia durante a infância e
se desenvolve durante o crescimento dos indivíduos, atingindo mais pessoas do sexo masculino.
Existem alternativas farmacológicas e psicológicas para o tratamento da síndrome, dentre elas,
a terapia cognitiva comportamental (TCC) e terapia ocupacional (TO), além disso foi abordado
a respeito de como distinguir a síndrome de outros transtornos com sintomas semelhantes. O
objetivo dessa revisão de literatura é aumentar o número de pesquisas sobre a síndrome e
mostrar as dificuldades de diagnóstico e de inclusão nas instituições de ensino e no ambiente
familiar, abordar sobre as formas de tratamento e mostrar as dificuldades para o diagnóstico.
Para essa pesquisa foram utilizados artigos pesquisados nas plataformas Google Acadêmico e
SciELO a partir dos anos de 1999 até 2021, com um total de 28 artigos, os quais consistem em
abordar assuntos relacionados a Síndrome La Tourette e como ela afeta o paciente
psicossocialmente e outras formas para tratar o transtorno. A partir da literatura visitada foram
reunidas informações acerca da síndrome em crianças e adolescentes e como isso afeta seu
convívio no ambiente escolar e familiar. Foi observado nos artigos lidos que existe uma grande
dificuldade de adaptação psicossocial no meio escolar e familiar e que as escolas não têm
preparação para receber os alunos com a síndrome. Também foi comentado a respeito das
soluções para amenizar as condições do paciente.
Palavras-chave: Síndrome de Gilles de La Tourette; tiques; transtornos; interação escolar;
inclusão.

ABSTRACT

1
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
ana.braz@aluno.catolicadorn.com.br
2
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
camille.sousa@aluno.catolicadorn.com.br
3
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
manuella.oliveira@aluno.catolicadorn.com.br
4
Graduanda em Psicologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail:
luiz.fernandes@aluno.catolicadorn.com.br
5
Docente da Faculdade Católica do Rio Grande do Norte e Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Doutora em Administração pela PUCPR. E-mail: adriana.olveira@professor.catolicadorn.com.br
1348

This literature review seeks to address La Tourette Syndrome, which is a neuropsychological


disorder characterized by motor and vocal tics, which begins during childhood and develops
during the growth of individuals, affecting more males. There are pharmacological and
psychological alternatives for the treatment of the syndrome, among them, cognitive behavioral
therapy (CBT) and occupational therapy (OT), in addition to how to distinguish the syndrome
from other disorders with similar symptoms.The objective of this literature review is to increase
the number of studies on the syndrome and show the difficulties of diagnosis and inclusion in
educational institutions and in the family environment, address the forms of treatment and show
the difficulties for the diagnosis. For this research, articles searched on Google Scholar and
SciELO platforms were used from 1999 to 2021, with a total of 28 articles, which consist of
addressing issues related to La Tourette Syndrome and how it affects the patient psychosocially
and in other ways. to treat the disorder. From the literature visited, information was gathered
about Tourette's syndrome in children and adolescents and how it affects their coexistence in
the school and family environment. It was observed in the articles read that there is a great
difficulty in psychosocial adaptation in the school and family environment and that schools are
not prepared to receive students with the syndrome. It was also commented on the solutions to
alleviate the conditions of the patient.
Keywords: Gilles de La Tourette syndrome; tics; disorders; school interaction; inclusion;
treatment.

1 INTRODUÇÃO

Segundo a Constituição Federal da República (BRASIL,1988), é assegurado o acesso à


educação de qualidade à todos de acordo com o artigo 205, a qual promove independentemente
da cor, raça, sexo, idade e qualquer outra forma de disseminação de preconceito. No contexto
atual, as instituições de ensino são responsáveis por proporcionar a inclusão educacional
(FARIA; CAMARGO, 2018). No entanto, na prática a falta de recursos, investimentos e
capacitações geram um déficit na efetivação do processo educacional inclusivo (GOMES;
SOUZA, 2012).
O índice de crianças e adolescentes com transtornos psicológicos no ambiente escolar é
de 20%. Isso se mostra preocupante devido à ausência de estrutura e preparação dos
profissionais e das instituições para receberem os alunos (TEIXEIRA, 2013). Nesse contexto,
a falta de assistência afeta diretamente à aprendizagem dos estudantes, ocasionando em evasão
escolar, aumentando os níveis de irritabilidade e vulnerabilidade (PEREIRA, 2013). Diante
disso, é essencial que os professores compreendam e desenvolvam práticas visando às
necessidades de cada aluno, para que eles tenham um desempenho cognitivo e social adequado
(PEREIRA; TEIXEIRA, 2020).
1349

A partir de diversos transtornos que podem acometer crianças e jovens tem-se a


Síndrome De La Tourette (ST). Que consiste em uma patologia neuropsicológica, a qual
acomete o circuito córtico-estriato-tálamo-cortical, comumente manifestada antes dos 18 anos,
com foco principal entre 10 a 12 anos. A síndrome se apresenta com os tiques nervosos (motores
e vocais), e é mais acometida em pessoas do sexo masculino, cerca de três a quatro vezes mais
em homens do que mulheres (GONÇALVE; SILVA; ESTEVAN, 2019, RODRIGUES;
WAGNER, 2021, SANTOS; ALVES, 2015, TERRA; RONDINA, 2014,).
Os tiques causados pela ST são divididos em motores e vocais e subdivididos em
simples e complexos, o primeiro é a contração de músculos interligados, geralmente sendo
involuntários, os tiques vocais são sons ou palavras, que na maioria das vezes são verbalizadas
por meio de frases obscenas ou fora de contexto. Os tiques simples ocorrem de forma rápida e
sem propósito, já os tiques complexos são mais lentos, envolvendo uma contração muscular
não relacionada entre si, que muitas vezes é visto como proposital (HOUNIE; PETRIBÚ, 1999,
TERRA; RONDINA,2014).
Devido ao comportamento ser visto como uma prática intencional, o indivíduo com ST
desenvolve dificuldades de socialização e problemas psicológicos, o que acarreta déficit de
rendimento escolar e adversidades no meio social. Portanto, o apoio e compreensão da família
juntamente com a escola são fundamentais para o melhor desenvolvimento psicossocial do
indivíduo, contribuindo para a mudança do quadro clínico (TEIXEIRA, et al., 2011).
No entanto, a realidade existente nas escolas é totalmente diferente do esperado, sendo
extremamente difícil encontrar profissionais que estejam aptos para lidar com as adversidades
dos alunos acometidos com essa síndrome. Isso se dá por causa da falta de investimento do
Governo nas escolas públicas e a falta de interesse e conhecimento das escolas particulares em
preparar adequadamente os seus profissionais, ocasionando a falta de apoio e suporte
necessários para esses alunos (MAMEDE. 2017, OLIVEIRA, et al., 2015).
Além disso, a falta de informação do corpo escolar sobre a ST, dificulta o diagnóstico
da síndrome, que muitas vezes é confundida com o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC)
e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que pode alterar o tratamento
psicofarmacológico e psicossocial, pois já que o indivíduo é diagnosticado erroneamente o
tratamento não é eficaz (GOMES, 2008).
A partir deste contexto, este estudo tem como objetivo aumentar o número de pesquisas
sobre a síndrome e mostrar as dificuldades de diagnóstico e de inclusão nas instituições de
1350

ensino e no ambiente familiar, abordar sobre as formas de tratamento e mostrar as dificuldades


para o diagnóstico. O critério utilizado para a escolha do tema foi ampliar o debate e o
conhecimento sobre a ST, tornando a síndrome mais conhecida e visando facilitar o diagnóstico,
já que a ST é muitas vezes confundida com o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e o
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, por possuírem sintomas um pouco
semelhantes. O estudo pretende contribuir com a disseminação de informações e com o
aumento de pesquisas literárias sobre a Síndrome de La Tourette, visto que, foi observado a
escassez de publicações científicas acerca da temática.
A pesquisa consiste em uma revisão de literatura que busca explorar a Síndrome de La
Tourette, especificamente nas crianças no ambiente escolar. Os artigos utilizados no estudo
foram selecionados a partir de 1999 até 2021, foram utilizados 28 artigos os quais foram
coletados nas plataformas do Google Acadêmico e do Scielo. As palavras-chave utilizadas
foram: Síndrome de La Tourette, crianças e adolescentes, inclusão e ambiente escolar, além do
uso do operador booleano “AND” dentro da plataforma do Scielo.

2 RESULTADOS

2.1 A SÍNDROME DE LA TOURETTE E SEUS TIQUES

A Síndrome de Tourette ou Síndrome de Gilles De La Tourette (ST) é um transtorno de


ordem neurológica que é conhecida por se manifestar através dos tiques (OLIVEIRA;
BARROS; BARRETO, 2015, TERRA; RONDINA,2014). Os sinais da ST aparecem cedo,
ainda na infância e vão evoluindo no decorrer dos anos; esses sinais são os tiques, que tem por
definição serem movimentos ou sons repetitivos e rápidos que vem com recorrência, e são
divididos em vocais e motores, sendo ainda subdivididos em simples e complexos (TERRA;
RONDINA,2014).
O primeiro caso que se tem conhecimento foi descoberto em 1825, pelo médico francês
Jean Marie Itard que descreveu o caso da Marquesa de Dampièrre que portava tiques corporais,
mas foi só em 1884 que o aluno Georges Albert Edouard Brutus Gilles De La Tourette nomeou
a doença de um distúrbio de falta de coordenação motora e uso involuntários de sons.
(HOUINE; PETRIBÚ, 1999).
1351

Os tiques simples são caracterizados pela contração dos músculos e ocorrem de forma
repetitiva, rápida e sem propósito como por exemplo tossir, contrair pescoço, gritar, piscar os
olhos, levantar os braços, fazer careta e outros. Os tiques complexos são mais lentos que os
tiques simples e são caracterizados pela contração de grupos musculares que não estão
relacionados entre si, como por exemplo a gesticulação das mãos, bater no próprio corpo ou em
outras pessoas, a ecolalia (repetição de sons), coprolalia (verbalização de palavras obscenas) e
outros (LOUREIRO, et al., 2005, TERRA; RONDINA, 2014,).
A ST é uma síndrome que acomete pouca parcela da população, até 1984 apenas 0,5%
de 1000 pessoas tinham ST, porém tem se notado o crescimento de pessoas acometidas pela ST
nos últimos anos, tendo uma variação de 1% a 2,9%, e estudos também apontam que a síndrome
de Tourette é encontrada de três a quatro vezes mais no sexo masculino do que no feminino
(LOUREIRO, et al., 2005).

2.2 DIFERENCIANDO A SÍNDROME DE LA TOURETTE DE OUTRAS PATOLOGIAS

É perceptível que existem outros distúrbios e transtornos que tem alguns sintomas
parecidos, como o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o transtorno de déficit de atenção
e hiperatividade (TDAH) e por esse motivo o índice de erro no diagnóstico de ST é
consideravelmente alto (SANTOS; MOREIRA,2015).
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é caracterizado primeiramente por
obsessões, compulsões, pensamentos impulsivos, imagens mentais aversivas e tiques, por esse
motivo, muitos acabam confundindo com ST. A diferença entre esses transtornos é que na ST
o paciente apresenta tiques motores e pelo menos um tique vocal em um período de um ano, já
no TOC o paciente apresenta os tiques com mais frequência expressando obsessões de
agressividade e sexuais (LOUREIRO, et al., 2005, ROSARIO-CAMPOS; MERCADANTE;
2000).
É importante lembrar que a simples ocorrência de sintomas do TOC ou de ST não
significa um diagnóstico de algum desses transtornos, pois pode indicar o início de outras
comorbidades como esquizofrenia, demência e depressão. Embora o TOC possa ser relacionado
a outras comorbidades, outras patologias podem ocorrer independente disso, então é possível
encontrar pacientes com duas ou mais patologias (PETRIBU; 2001, TORRES; SMAIRA,
2001,).
1352

O Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) é uma condição


neurobiológica que atinge em média 7% da população, se caracterizando por impulsividade,
hiperatividade, dificuldade para priorizar tarefas, perda de foco com facilidade e diminuição da
capacidade de atenção, podendo afetar crianças, que segundo pesquisas continuam com os
sintomas até a fase adulta, adolescentes e adultos (LOPES, et al., 2005).
O problema da definição e confusão do diagnóstico do TDAH aumentou quando outras
patologias descritas no Manual Estatístico e Diagnóstico de Doenças Mentais tiveram
problemas relacionados com a concentração, impulsividade e um defeito na inibição, o que
explica a confusão dos profissionais no diagnóstico de TDAH, muitas vezes confundido com a
ST (CALIMAN; 2008). Por isso é essencial que a família compreenda o que é a Síndrome de
La Tourette e como ela se comporta e busque o tratamento adequado para que o paciente possa
viver da melhor forma possível.

2.3 ASPECTOS SOCIAIS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE


TOURRET

É necessária uma análise nos meios de convivência da criança com ST, pois eles são de
extrema importância para o desenvolvimento infantil. Quando se nota que que há uma
dificuldade para os indivíduos na socialização por falta de políticas inclusivas e sociais,
percebe-se o surgimento de outros distúrbios como o de reclusão social, assim gerando diversos
problemas no período da adolescência e infância, que por ser uma fase muto importante para o
desenvolvimento social, e a ausência da socialização da criança pode acarretar diversos
problemas no futuro. (VINOCUR; PEREIRA, 2011)
No caso dos adolescentes, a evasão escolar e a entrada deles no mundo das drogas
devido aos problemas enfrentados é outro fator a ser resolvido. E como há atualmente um índice
elevado de crianças e adolescentes com distúrbios comportamentais e mentais como o da ST,
juntamente a falta de investimentos nesse meio de inclusão social e educacional gera um grande
déficit na socialização e educação dos indivíduos afetados pela síndrome. (GOMES; SOUZA,
2012).
1353

2.4 A CONVIVÊNCIA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE LA


TOURETTE NO MEIO ESCOLAR

Dessa forma, se faz necessário uma análise nos meios de convivência da criança com
ST, pois eles são de extrema importância para o desenvolvimento do mesmo. Inicialmente
temos o meio escolar que atualmente é responsável pela educação inclusiva de qualquer aluno
(FARIA; CAMARGO, 2018). Porém, atualmente, há um alto número de crianças e
adolescentes que possuem algum tipo de distúrbio e necessitam de algum auxílio no âmbito
escolar. E devido a esses números elevados de alunos nessas situações e sua grande diversidade
de necessidades diferentes acaba gerando uma sobrecarga no sistema escolar (TEIXEIRA,
2013).
E juntamente a uma sobrecarga do sistema escolar, temos a falta de grandes
investimentos nas escolas, por meios de estruturas adequadas e capacitação para os funcionários
(GOMES; SOUZA, 2012). E especificamente na ST existe um baixo índice de debates e
divulgações acerca do assunto, assim gerando ainda mais desinformação. Atualmente a
Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtornos Obsessivos Compulsivos
disponibiliza um “Guia para professores sobre a Síndrome de Tourette”, que possuem maneiras
de se lidar com as inúmeras situações que a ST pode acarretar. Porém esse guia não é
amplamente divulgado nas grandes mídias, dificultando ainda mais a disseminação do
conhecimento sobre a síndrome. A associação Também criou diversos núcleos voltados para
dialogar sobre a síndrome e abriu espaço para os órgãos da educação procurarem entender o
assunto, porém é algo que não foi explorado adequadamente.
Então essa junção de fatores determinantes deixa muito claro um grande déficit sobre
as informações acerca ST e por não ser uma síndrome mais conhecida e assim vindo até a
dificultar o diagnóstico e seu tratamento pois é comumente confundida com outros distúrbios
(GOMES, 2008). E como já foi dito anteriormente tudo isso corrobora para um elevado nível
de problemas na efetivação do processo educacional, assim dificultando ainda mais a
convivência social no meio escolar. (GOMES; SOUZA, 2012).

2.5 A CONVIVÊNCIA DA CRIANÇA E ADOLESCENTE COM SÍNDROME DE LA


TOURETTE NO MEIO FAMILIAR
1354

Outro ponto de grande apoio para os indivíduos portadores da ST, é a família, pois é por
meio do ambiente familiar que eles acabam se tornando uma grande base que serve de apoio
emocional e psicológico. Por outro lado, essa presença parental é mais comum atualmente,
distanciando-se de antigamente onde a maioria das pessoas acometidas por qualquer tipo de
doenças mentais passavam a maior parte do dia em clínicas para o seu tratamento. Já hoje em
dia a família se faz presente no dia a dia da criança portadora da ST e torna-se um dos pilares
mais fortes pois é por ela onde se começa a vivência social do cotidiano (NAVARINI; HIRDES,
2005).
Apesar do meio familiar ser de suma importância para um bom desenvolvimento da
criança, na prática eles acabam ficando extremamente perdidos pela falta de conhecimento e
informações sobre a ST, tanto pelo lado da família como no meio medico, assim gerando não
só um tratamento ineficiente como tendo a possibilidade de piorar o quadro do paciente
(CALIMAN; 2008). E tudo isso leva também a um baixo rendimento escolar e diversos
problemas no meio social, no quais essas pessoas são taxadas de incomodas pois é pensado
devido à falta de informação que os tiques, gritos, gestos são intencionais (TEIXEIRA, et al.,
2010).

2.6 ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO FARMACOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS

A Síndrome de La Tourette é um transtorno multicausal e, por isso, não é possível


produzir uma cura, entretanto, existem estratégias de intervenção que amenizam a condição
vivenciada pelo paciente, dentre elas: as farmacológicas e as psicológicas. Primeiramente,
deve-se realizar uma avaliação com o indivíduo para analisar o nível dos tiques, a complexidade
deles e as possíveis interferências no cotidiano, além de também observar o ambiente escolar e
familiar para assim poder escolher o melhor método de intervenção com o maior benefício
possível para o paciente (HOUNIE; PETRIBÚ, 1999).
O tratamento com medicamentos é chamado de farmacoterapia e é apenas indicado em
casos graves, assim como a intervenção cirúrgica, quando o paciente apresenta altos índices de
dores, além de também ser utilizado quando está afetando muito a vida social do paciente com
o transtorno, como em casos de isolamento social, bullying e o surgimento de possíveis
problemas emocionais ligados à raiva e agressividade. Outrossim, o medicamento apenas deve
1355

ser aplicado inicialmente em pequenas doses, variando entre 0,5 a 40 mg por dia e
gradativamente serem aumentadas visando chegar no melhor resultado possível
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SÍNDROME DE TOURETTE, TIQUES E
TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO, 2004, SANDOR, 2003, TERRA; RONDINA,
2014).
Além disso, os remédios mais indicados nas situações de crises intensas dos tiques são:
o Haloperidol, Tofranil e Orap, no entanto, eles apenas servem para reduzir os sintomas da ST,
podendo gerar consequências, dentre elas, sonolência, depressão, falta de atenção e em casos
mais graves a cinesia tardia a qual consiste em um transtorno de movimento irreversível.
Ademais, com o uso em excesso pode gerar dependência medicamentosa e até mesmo danificar
o quadro clínico, por isso, exige muito cuidado ao indicar esse tipo de intervenção
(LOUREIRO, et al., 2005, TERRA; RONDINA, 2014).
Já o tratamento psicológico é chamado de psicoterápico, o qual trabalha com dois tipos
de abordagem voltada para a ST, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a Terapia
Ocupacional (TO). A TCC estuda como os fenômenos diários afetam o cognitivo de cada
indivíduo e como as visões de mundo e pensamentos interferem no comportamento e crenças
deles. A abordagem citada foi uma das primeiras na área da psicologia a provar, por meio de
pesquisas científicas de alto rigor, a influência que o pensamento pode proporcionar na vida das
pessoas, como o comportamento, a biologia, o ambiente e os laços afetivos (FERNANDES;
CARVALHO, 2016, GONÇALVES; SILVA; ESTEVAM, 2019, SHAW; SEGAL, 1999)
Diferentemente da TCC que trabalha com técnicas de diminuição de tensão e
biofeedback, método para definir o nível de ansiedade do indivíduo, por meio da produção de
suor e pressão arterial (TERRA; RONDINA, 2014), a Terapia Ocupacional utiliza técnicas de
relaxamento e distinção do que é o corpo tensionado e o que é o corpo descontraído,
possibilitando a redução da frequência e intensidade dos tiques. Além disso, a TO também é
conhecida por trabalhar com momentos de recreação, uma vez que faz o uso de diversas
atividades dinâmicas para estimular o comportamento do paciente (GALHEIGO, 2003, REIS;
PALHARES, 2006, TERRA; RONDINA, 2014).
Por ser uma Síndrome de difícil intervenção e conhecimento, os profissionais da
educação encontram adversidades nos momentos de aplicar assistência estudantil, assim como
os pais que acreditam muitas vezes ser um método para chamar a atenção e não compreendem
o real caso do filho (HOUNIE; PETRIBÚ, 1999, TERRA; RONDINA, 2014,).
1356

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa revisão de literatura teve como objetivo ampliar os artigos sobre a ST e disseminar
informações para facilitar a convivência das pessoas com essa síndrome. Foram utilizados para
a produção dessa revisão 28 artigos coletados nas plataformas Google acadêmico e Scielo,
sendo selecionados de 1999 até 2021. Tem-se observado um crescimento de diagnósticos da
doença, mas ainda assim afeta pouca parcela da população. A síndrome ainda é confundida com
outros transtornos como o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e o Transtorno de Déficit
de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Diante das circunstâncias, a semelhança com os
transtornos citados dificulta o diagnóstico da ST apresentando empecilhos para o tratamento.
Socialmente a ST não é bem aceita, impedindo a socialização do paciente, o que
consequentemente dificulta a sua vida escolar, tendo em vista o despreparo das escolas para
receber alunos diagnosticados com a ST.
Após análise de artigos, constatou-se a dificuldade da vivência em sala de aula e de
interação social das pessoas com a ST, e da falta de apoio do corpo escolar e familiar, o que
prejudica o tratamento. Diante disso é importante que o Estado financie por meio de verbas
governamentais, capacitações para as escolas poderem preparar professores e psicólogos e todo
o corpo escolar para receber os alunos diagnosticados com ST e com outros transtornos.
Essa pesquisa contribui para aumentar a literatura a respeito da Síndrome de Tourette
devido termos percebido a falta de pesquisas acerca dessa temática, e para assim disseminar as
informações corretas e desmitificar os paradigmas da sociedade.

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1360

TEOLOGIA
1361

UTILIZAÇÃO DE DESENHOS ANIMADOS, ANIMES E FILMES NA CATEQUESE


DE CRIANÇAS E JOVENS

Isaack Hilário Monte Silva 2


Maria Aurineide da Costa3
Sandonaity Monteiro Amorim Júnior4
Karidja Kalliany Carlos de Freitas Moura5

RESUMO

O amor por Cristo leva o cristão a anunciar a Boa Nova em todos os lugares e de diversas
formas. Isto acontece como consequência da experiência do encontro com o Ressuscitado, que
faz nascer uma alegria dentro dele, alegria essa que instiga e entusiasma o catequista a se
disponibilizar para preparar uma catequese que dialoga com a realidade de cada catequizando
ou catecúmeno. Deste modo, a pesquisa deste artigo tem como objetivo demonstrar que dentro
da formação catequética com as crianças e os jovens é possível e interessante a utilização dos
desenhos animados, animes e filmes, como ferramenta formativa, já que tais expressões
artísticas fazem parte da realidade deles. Trazer para a catequese o dia-a-dia dos jovens e das
crianças leva o catecúmeno a desenvolver um verdadeiro interesse de participação na vivência
do processo de iniciação à vida cristã. Isto só é possível, também, porque a catequese deixou
de ser apenas uma formação doutrinal e passou a ser vivência humanizadora dentro da realidade
dos catecúmenos, para tanto é apresentado que o catequista deve ajudar os jovens catequizados
a identificar dentro do seu mundo as possibilidades de sua própria formação, deve mostrar que
a vida, em todos os seus momentos, inclusive no momento do assistir alguma coisa, é
possibilidade formativa. Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizado o método da
revisão bibliográfica.
Palavras-Chaves: Animações. Filmes. Catequese. Humanização. Experiência.

ABSTRACT

Love for Christ leads the Christian to proclaim the Good News everywhere and in different
ways. This happens as a consequence of the experience of the encounter with the Risen One,
which gives birth to a joy within him, a joy that instigates and excites the catechist to make
himself available to prepare a catechesis which dialogues with the reality of each catechist or
catechumen. In this way, the research of this article aims to demonstrate that within the

2
Possui graduação em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza (2021) e é graduando em Teologia pela
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: isaackmontes@gmail.com
3
Graduanda em Teologia pela Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: costam.leda@gmail.com
4
Possui graduação em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza (2021) e é graduando em Teologia pela
Faculdade Católica do Rio Grande do Norte. E-mail: sandonaity@gmail.com.
5
Orientadora. Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido
(2003), Mestrado em Ciências pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (2006) e Doutorado em Ciências
pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido (2009). Possui Pós-doutorado em Desenvolvimento Sustentável.
E-mail: extensao@catolicadorn.com.br.
1362

catechetical training with children and young people it is possible and interesting to use
cartoons, anime and films as a training tool, since such artistic expressions are part of their
reality. Bringing the daily life of young people and children into catechesis leads the
catechumen to develop a real interest in participating in the experience of the process of
initiation into the Christian life. This is only possible, too, because catechesis is no longer just
a doctrinal formation and has become a humanizing experience within the reality of
catechumens, for this it is presented that the catechist must help the young catechized to identify
within their world the possibilities of their own formation, they must show that life, in all its
moments, including the moment of watching something, is a formative possibility. For the
development of this work, the method of literature review was used.
Keywords: Animations. Films. Catechism. Humanization. Experience.

1 INTRODUÇÃO

Este artigo busca refletir sobe a utilização de desenhos animados, filmes e animes
inseridos na formação catequética direcionado para crianças e jovens. Com o objetivo de
apresentar tais expressões artísticas como uma ferramenta pedagógica de grande valia para o
processo da formação humano-espiritual do catequizando. Para tanto, será demonstrado como
relacionar as animações e os filmes no processo catequético de educação da fé.
Um dos pontos importantes desses tipos de produções artísticas para a catequese se
encontra nas possibilidades pedagógicas que elas carregam consigo, pois, muitas vezes,
possibilita com que haja um diálogo muito mais fecundo entre a catequese e o catequizando, já
que os animes, filmes e desenhos animados fazem parte do dia-a-dia dos jovens e das crianças.
Abrindo assim um caminho entre o catequista e o catequizando, onde a catequese não se
apresenta mais apenas em sua antiga estrutura constituída de formações doutrinárias, mas indo
além, e tentando se fazer presente dentro das próprias vivências cotidianas dos catequizados.
O texto é metodologicamente uma revisão bibliográfica que se divide em duas partes.
Na primeira é trabalhada a compreensão do que são animes, desenhos animados e filmes, e
como estes podem ser utilizados como ferramenta formativa na catequese. Já a segunda parte
pretende, primeiro, demonstrar a evolução da compreensão do objetivo da catequese após o
Concílio Vaticano II (1964), evolução essa que trouxe novas perspectivas, novos modos de ver
a relação entre catequese e catequizando. Por fim, o texto termina apresentado os filmes e as
animações como uma ponte segura entre a catequese e a vida dos jovens e das crianças. Ponte
esta que pode ser usada para trabalhar temas socioculturais, políticos e teológicos.
1363

2 ANIMAÇÕES E FILMES COMO FERRAMENTA DE AJUDA FORMATIVA NA


CATEQUESE

Desde a mais tenra idade as crianças são postas de frente a uma tela de televisão ou de
celular, segundo Abreu (2019, p.108) há estudos recentes que “constataram que de 64 a 100%
de todos os bebês e crianças que estão começando a andar assistem à televisão antes dos 2 anos
de idade.” Isto se dá pelo fato de que as crianças enquanto estão sendo ludibriadas pelo brilho
e pelo movimento das telas, deixam seus educadores realizarem outras tarefas.
Este contato com as mídias não tende a diminuir quando as crianças vão ficando mais
velhas, na verdade os desenhos animados, os animes e os diversos filmes que essas crianças
assistem, com o passar do tempo, vão se tornando parte da cultura delas, ou seja, vão se tornando
parte fundamental na construção de seu mundo simbólico. Deste modo, é possível perceber que
é através da interação com as animações e os filmes, na contemporaneidade, que as crianças
constroem “sua personalidade, seus valores, [...] seu repertório lúdico e seu caráter de Homo
ludens” (BARBOSA; GOMES, 2013, p. 327). Sendo assim, não há como falar nas crianças e
não trazer para o debate o papel formativo desses filmes e animações.
É certo que nem todas essas formas de entretenimento auxiliam verdadeiramente na
educação desses pequeninos. Mesmo dentre os desenhos animados e animes há uma gama de
produções que não são destinadas ao público infantil. Além disso, Abreu (2019) lembra,
também, que até os programas que são apresentados como educativos para as crianças podem
não o serem, pois, cerca de três quartos desses programas nunca foram realmente avaliados
quanto a suas potencialidades educativas. Sendo assim, se faz necessária a presença constante
dos educadores na vida das crianças, seja na hora de escolher quando e quais animações ou
filmes elas irão assistir, mas acima de tudo, a presença dos educadores é fundamental para
auxiliar esses pequeninos a desenvolverem uma reflexão crítica sobre aquilo que estão
assistindo, ao ponto de poderem, juntos com seus educadores, extraírem reais valores
educativos daquilo que, a princípio, era só entretenimento (PLATT, 2018).
Entender a distinção entre animes e desenhos animados é fundamental para ajudar a
desenvolver qualquer reflexão crítica acerca das obras de animação. A distinção principal, e
mais evidente, é que os animes são oriundos da cultura oriental enquanto os desenhos animados
são produtos da cultura ocidental (FARIA, 2008). Outro ponto que merece destaque é o fato de
que os heróis apresentados nos animes são “desenhados a partir do mundo real. Neste aspecto
1364

incide a diferença fundamental em relação aos personagens ocidentais – são pessoas comuns
na aparência e de conduta modesta” (p. 154).
É comum ver os heróis sendo retratados nos animes mais como anti-heróis, ou seja, são
heróis que, por vezes, têm dúvidas, sofrem e erram. Diferentemente dos super-heróis das
animações ocidentais, que quase nunca têm sua conduta ética questionada, nos desenhos
animados a distinção entre o bem e o mal é bem acentuada, é possível perceber claramente
quem é o “mocinho” e quem é o inimigo. Já nas animações orientais a cultura do yin-yang é
muito forte, o conflito entre o bem e o mal ocorre dentro do próprio herói. Por conter essa
característica, os animes conseguem com mais facilidade do que os desenhos animados,
trabalhar profundos temas filosóficos e existenciais. É importante ainda ressaltar um traço
visual característico dessas animações: os olhos grandes, que têm relação direta com essa
dimensão reflexiva dos animes, pois colocar olhos grandes nos personagens facilita a
transmissão de “emoções sinceras e psicologicamente profundas” (FARIA, 2008, p. 151).
Um dos animes mais conhecidos e que traz esse substancial traço oriental do herói que
possui conflitos internos é Naruto do autor Kishimoto. Sobre este anime Vieira (2016, p. 847)
relata o seguinte:

Naruto é uma obra recheada por conflitos emocionais e pela discriminação sofrida
pelo protagonista e por diversos outros personagens que compõem a trama. O autor
leva os leitores/espectadores a aproximarem-se desses sofrimentos do jovem ninja e,
em muitos casos, a enfrentar seus próprios conflitos diante do que a história narra.

Em contrapartida, os desenhos animados também trabalham significativos temas, pois,


por serem influenciados diretamente pela cultura ocidental, eles trazem consigo alguns traços
característicos da cultura greco-romana e da cultura judaico-cristã, já que estas são a base do
pensamento ocidental. Um exemplo muito claro dessa interação aparece na história do
Superman de Mark Waid e Alex Ross: Reino do Amanhã (GOMES; BARBOSA, 2019), tal
história apresenta o personagem principal, em alguns momentos, vivenciando e tomando
atitudes semelhantes ao messias da fé cristã: Jesus Cristo.
Além dos animes e dos desenhos animados se tem também os filmes, estes possuem um
enredo muito mais curto, isto é, suas histórias são contadas em um curto espaço de tempo.
Todavia, os filmes não deixam de serem importantes veículos de informação e podem
1365

apresentar um enredo recheado de mensagens reflexivas e simbólicas. Duas grandes obras


literárias e cinematográficas desenvolvida no ocidente, mas que também marcaram muito o
oriente (FARIA, 2008, p. 154-155), são: O Senhor dos Anéis e O Hobbit. Em O Hobbit, por
exemplo, a história narra não só uma aventura, mas também uma trama de amadurecimento
pessoal dos personagens; o protagonista, Bilbo, é o personagem onde este amadurecimento se
dá de forma mais acentuada. Ao longo do enredo, Bilbo não só transforma suas “fraquezas” em
qualidade, como também vai se autoconhecendo, isto é, vai gerindo um conflito interno sobre
sua própria identidade (OLSEN, 2012).
Sendo assim, são muitas as colaborações que as animações e os filmes podem trazer
para ajudar os educadores na formação das crianças. A utilização dessa ferramenta no processo
formativo contribui para que esses pequeninos percebam que aquilo que eles assistem com tanto
entusiasmo pode ser reflexo do mundo que está ao seu redor. Ademais, os filmes e animações
conseguem trabalhar com mais leveza aquilo que muitas vezes os adultos só conseguem
expressar com um linguajar rígido e de difícil assimilação pelas crianças. Neste sentido, a
catequese, por possuir essa dimensão educativa, pode se utilizar dos animes, filmes e desenhos
animados. Ao fazer isso, a catequese traz a vida cotidiana das crianças e adolescentes para junto
de si e cria um laço formativo mais intenso.

3 ENTENDENDO A CATEQUESE E O MODO DE SE FAZER PRESENTE NA VIDA


COTIDIANA

A catequese sempre se manteve como uma das principais tarefas da Igreja Católica
Apostólica Romana. Isso porque Cristo ressuscitado, antes de subir para o Pai, deu aos seus
apóstolos a missão: “ide e anunciar o evangelho entre todas as nações” (Mt 28,19). Observando
seus ensinamentos, suas palavras, atos e mandamentos, sinais, fazendo novos discípulos. Com
isso a catequese abrange toda a vida do ser humano, ela é vista desde os primórdios da Igreja,
onde Cristo confia a seus discípulos homens e mulheres a missão de anunciar a Boa Nova a
todos, tudo o que viram e ouviram, e tocaram com suas próprias mãos.
A Igreja no Brasil, especificamente a partir do Concilio Vaticano II, compreendendo
sua caminhada de missão evangelizadora foi fazendo algumas “[...] adaptações necessárias, que
refletiam a caminhada da Igreja e o movimento catequético brasileiro.” (DNC, 2002), o
1366

encontro da Assembleia Geral dos Bispos, no ano de 2002, foi um momento muito rico de
debate sobre a caminhada da catequese no território brasileiro. A partir desse encontro foi
realizada a elaboração do documento Diretório Nacional de Catequese (DNC). Mais tarde,
depois de adaptações e revisões, o texto foi aprovado na quadragésima terceira (43°)
Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em agosto de 2005.
O diretório tem como objetivo apresentar a natureza e a intenção da catequese, proporcionando
os critérios de ação catequética, em orientar, organizar e encorajar para atividade da ação
catequética nas devesas regiões do Brasil.
Desta forma, proporcionou uma grande inspiração, impulsionando novos passos na ação
catequética em suas diversas abordagens: bíblica, litúrgica, tentando fortalecer a fraternidade e
comunhão. O diretório abordou também a participação de adultos na catequese somando como
grande carga de transformação da sociedade, segundo a Doutrina Social da Igreja.
A especificidade da catequese, distinta do primeiro anúncio do Evangelho que suscita
conversão, visa o duplo objetivo de fazer amadurecer a fé inicial e de educar o verdadeiro
discípulo de Cristo, mediante um conhecimento mais aprofundado e sistemático da Pessoa e da
mensagem de Nosso Senhor Jesus Cristo (CT 19).
Em suma, a catequese abrange toda a vida humana, buscando sempre o amadurecimento
espiritual na fé, proporcionando uma verdadeira vida crista. Nisto a catequese se torna
responsável e essencial na preparação das pessoas que buscam receber os sacramentos da
iniciação da Igreja católica, que são o Batismo, a Confirmação (Crisma) e Eucaristia. Assim
essa preparação tem o nome de Iniciação à Vida Crista (IVC), que parte desde o seio familiar
até a própria confirmação pessoal de quem busca seguir a Cristo. Sendo que essa formação não
tem o objetivo de finalizar, mas de se expandir por toda vida cristã.
É fundamental olhar para alguns destaques fortes da catequese. Em primeiro lugar,
como fala o Padre Luiz Alves de Lima em uma entrevista para o site da Comissão Episcopal
para Animação Biblico-Catequetica da CNBB: é importante observar como a catequese era
entendida nos primeiros séculos da Igreja: o nome catequese que já surgiu com a contexto
catecumenato marcado por uma ritualidade e mistagogia, que proporcionava um ensino da
doutrina cristã ( LIMA, 2022).
Diante dessas últimas décadas no caminhar da catequese pode-se dizer que se formou
um novo modo de entender a catequese e sua metodologia. Se antes era direcionada apenas ao
catecismo com fórmulas de memorização. O Concílio vaticano II, dá uma nova orientação
1367

reconstruindo a formação catequética dando prioridade à Palavra de Deus, ou seja, a Bíblia,


com foco na educação da fé, levando a catequese a se encontrar com a vida do catequizando e
dialogar com ela. Demostrando assim que o atual processo catequético volta seu olhar para a
formação humana do catequisando (ALBERICH, 2004).
Sendo assim, é necessário observar temáticas que englobam o interesse geral, trazendo
materiais que desenvolvam a criatividade, os saberes e as percepções acerca da própria vida do
catequizando, ajudando na compreensão e no desenvolvimento sociocultural dele, agregando
conexões e percepções do espaço em que ele vive.
Essa conexão das crianças e jovens com os desenhos animados e filmes encontra-se na
vivência diária deles, por isso que a utilização dessas ferramentas na catequese oferece-lhes
uma forma de aproximá-las desse espaço formativo. As narrativas das histórias mostram
experiências vividas dentro e fora da realidade de cada criança ou jovem, aguçando sua
percepção de mundo ao ajudá-la a refletir, criticar, adaptar e aceitar as diferentes formas
didáticas.
O modo como se apreende o conteúdo na catequese tem sua importante para que aquilo
que é ensinado seja maturado ao longo da vida do catequizando, pois, a metodologia utilizada
auxilia no desenvolvimento de experiências que dão significado, isto é, cria vínculos e laços
com o que lhe é exposto. Eis o porquê utilizar filmes ou animes no processo catequético. Muitas
crianças encontram uma afinidade com sua realidade nessas animações e filmes, ou seja, tais
ferramentas podem ser vistas como possibilidades pedagógicas que além de trazerem o mundo
do catequizando para dentro da catequese também trazem o incrível universo da fantasia, que
por si só enriquece os encontros da catequese, principalmente com as crianças, mas podendo se
tornar uma narrativa que atrai, também, os jovens abordando temas interessantes que se
vinculam, muitas vezes, com o que é vivido por muitos deles.
Nesta perspectiva, o escritor Lucas Vieira (2016, p. 845) relata que é possível e preciso
trazer para o ambiente educativo os filmes e as animações, pois tal ambiente “[...] passa a ser
extremamente conectado com as experiências pessoais de cada um [...]”, experiências essas que
englobam também o assistir e o ler.
Neste sentido, a catequese deve ser pensada para desenvolver o interesse de crianças e
jovens de forma responsável tentando fazer essa conexão entre aquilo que é ensinado nesse
processo inicial de formação cristã e toda a vida do catequizando, trazendo propostas e materiais
diversos de forma prática e objetiva que desperte o interesse de todos. Esforçando-se, assim,
1368

para ajudar a desenvolverem uma forma de pensar mais humana, ajudando-os, neste sentido, a
agirem e se posicionar com facilidade e clareza perante aos diversos dilemas que surgem nos
dias atuais, agregando em si a responsabilidade de decidir pelo que é certo e errado (VIEIRA,
2016).
A utilização de filmes e animações como possibilidade pedagógica no processo
formativo da catequese também auxilia o próprio catequizando a transmitir de forma mais
dinâmica e prática aquilo que ele apreendeu na catequese para as pessoas que estão a sua volta:
amigos, familiares e etc., ou seja, as crianças e os jovens conseguem exercer sua função de
evangelizadores com mais facilidade no seu dia-a-dia, já que elas terão apreendido com muito
mais profundidade aquilo que lhes foi ensinado. O catequisando se torna, assim, ao mesmo
tempo um ser discípulo-missionário. Mas isso só é possível se o catequista praticar sua docência
de forma dócil e responsável utilizando sempre como base para o diálogo a própria vida do
catequizando. Sobre este ponto Viera (2016, p.849) diz o seguinte: “a prática docente só pode
ser realizada com responsabilidade quando se reflete sobre o contexto em que ela se
materializa.”
Os filmes e as animações auxiliam o catequista principalmente quando este realiza
debates sobre temas complexos e que estão carregados de tabus e preconceitos, tais como:
bulling, homofobia, empoderamento feminino, violência doméstica e etc. (FARIA, 2008).
Assuntos estes que muitas vezes são trabalhados de forma superficial ou simplesmente não é
trabalhado nem na escola, nem no ambiente familiar.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre as reflexões nessa pesquisa, conclui-se que a catequese vai além do que qualquer
tarefa e possui um objetivo central: ajudar com que as pessoas desenvolvam em si mesmas a
experiência de uma vida em Cristo. Para tanto, tem a necessidade de utilizações de expressão
artísticas pedagógicas, que enriquece o processo formativo humano-espiritual do catequizando
ou catecúmeno.
Encontra-se a necessidade na formação do catequista. Não apenas em um conteúdo
doutrinal, mas um olhar no mundo que a própria criança ou jovem vivem. Nisso coloca o
catequista a conhecer mais essa realidade, e despertar em cada criança e jovens um verdadeiro
interesse na vida crista. Deste modo, utilizando os desenhos animados, filmes e animes, como
1369

ferramentais formativos. Pois já se encontra presente na vivencia comum entre crianças e


jovens.
Não só o catequista deve perceber as possibilidades formativas dessas produções
artísticas, mas o próprio catequizando deve ser capaz de apreender isso, para que as crianças e
os jovens também tenham a habilidade de transformar suas próprias vidas em uma catequese
permanente, para que possam, mesmo quando estiverem em seus momentos de lazer, assistindo
filmes ou animes, sentirem-se provocados ao ponto de se perguntarem: O que isto, ou em que
isto, pode ajudar na minha formação cristã? Como este filme ou animação colaborou para que
em mim se desenvolvessem os sentimentos de Cristo?
Sendo assim, a arte pode ser vista como tendo o poder de ser provocadora, de ser um
ambiente formativo e, por isso, a catequese, por ser um processo formativo continuo, deveria
ter uma especial atenção para com ela. Um outro quesito, que precisa ser observado como
relevante, é a possibilidade de torna essas expressões artísticas em uma ferramenta queconsegue
facilitar a comunicação no ambiente catequético, muitos outros temas socioculturais e
teológicos.

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