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RETOMANDO A HISTORIA DA

ORIENTAÇÃO ESCOLHA PROFISSIONAL

PROFISSIONAL A questão da escolha de uma profissão ou

constitui como um problema universal da espécie humana. Isto é,


ocupação não se

só recentemente, levando-se em conta a história da humanidade,


A abordagem sociO-Nistonica os homens se colocam a questão "do que fazer para alcançar sua

sobrevivência". Os ancestrais da humanidade viviam para sobre-


viver ou sobreviviam para viver, isto é, seu trabalho organizava-se
como atividade de coleta e mais tarde de caça, e não havia muita
2 edição
diferenciação de funções, a não ser aquelas determinadas pelo sexo
e, conseqüentemente, causadas pela especificidade orgânica na re-
produção da espécie.
A vida tribal, como pode ser verificada até hoje nos descen-
dentes destes primeiros humanos que mantiveram e preservaram
suas culturas, não prevê e nem pressupõe atividades e ocupações
distintas entre seus membros, havendo apenas uma hierarquia no
que se refere aos assuntos de guerra e aos cuidados com a saúde,
funções que são exercidas por questão de bravura e/ ou idade avan-
çada e que alcançam grande respeitabilidade entre os indivíduos
da comunidade. De fato, a caça é atribuiço dos homens, pelo vigor
físico e possibilidade de deslocamentos ágeis que possuem, uma

cORTEZ
GEDITORA
rENTKAO PMIENGNpIR

vez que as mulheres estäo encarregadas do cuidado dos filhos também a faziam, mas. I por dependerem de outrem. por
sistirem senäo servindo outrem. Nesse tempo, não era o trabalho que
nãosub-
Logicamente, deve existir entre eles os mais hábeis, mas que coms
estava desarreditad; era a dependéncia. a obrigação de servir- de
truíram tal habilidade pelo cxercicioe pela prática e que acabam
tendo a função de ensinar aos outros a melhor forma do desempe re o eriafianism fará um dever de honra- que era considerada
indigna ds homem E por iss que o cuitivador pobre, penando so-
nho daquclc trabalho. As mulheres, dependendo do estágio "civili eom custo, mas indepen-
zatório" de seu
gTupo, cabe a função da agricultura, atividade s
brre o
s
árido campn. 'slimentando-e
denfe. erá ginrificado prr muito termp, Tmais do que o artesão, o
dentária quc trabalho para sohrevivên
permitc a composição do a
preta rns artista, eja stubsistáncia depende de um mestre ou de um
cia de euidar dos filhos.
com a
neressidadc Deprecnde-se daí que,
nesta situação, no há possibilidade c nem necessidade de grandes
lienfe generne
"

(Jaccari. 17 55
escolhas no que se refere ao desempenho de funçies, tanto para a independentemente de o trabaiho ser ou não vaiorizado. per-
sobrevivéncia material ou nao. cete.ce disrtussão nao dizia raspeito a stividade em si. A for
a
e
Na Grécia antiga. a atividade humana valorizada cTa o ógo, a dara a ituta pela sobrarrivënca não dependia de esco
ma crne se

contemplação, que era cxercida pelos idadáos livres; o trabalho Ihas Ao contrário. as condgöes estavam estabelecidas
era aatividade dos homens não-livres que tinham função de pro- icamente pela
duzir a existéncia material
a
apr estrutura da sieiate r a torma como ela

Fara os grandes filósofos gregos, e especiticamente para Plat


Avancardo na hustória, emes, na idade Media, especticamente
no feudalzsmo, a ceDerénCia do mesmo
Aristoteles o trabalho era uma atividade exusivamente fisica, que tenimeno. A soCtedade
estratifica-se em camadas sociars nobrers,
se reduzia ao esforço que deviam fazer as pessoas para assegurar clerrgos, nnores e
seu sustento, satisfazer suas necessidades vitais e reproduzir sua força Vassios- devem cbrigaçies
rs
parz os outros
Os primeiros
de trabalho (circunscrita a sua dimensão meramente fisica). Era uma ten o
compromsso de proteção sZuranç, alerrn de arrendaren a
e

atividade considerada pelos demais não somente como penosa, terta, os outros, a provsá do suustento matertai
nao também como degradante, que não era valorizada socialmente e
se (proução de al-
nentos, bens e uternsilios). A condição de class dada
cunst nca do nascimento, caso a
peia cr-
que se justificzva em última instáncia pela dependéncia que os seres pessca a de uma tamilia de
humanos tinham com respeito às suas necessidades." (Neffa, 1999: nobres ou de plebeus. A pocsição
na scedadee mesma
ocupação
130, tradução nossa, do espanhol) são transmitidas de pai para ilko, come s tosse uma
determina-
ção divina O trabalhe, neste medo de produção. vIsa o sustento
Por conseqüéncia, ser idadão, escravo, artesão, pequeno cam-
das pess0as, ou meihor, náo tem em mra a
mercado, que nesse
ponés trabalhador manual não dependia de qualquer tipo de
ou

escolha, mas da condição de dasse da familia do individuo, ou de


tenpo apenas começava a * desemveiver. A produçao, tanto de
alinentos como de outros berns, tem come abietivo manter a comu-
acordo com as vitórias ou derrotas nas guerras. Mas, segundo Pierre
Jaccard (1974), não era o trabalho que era desvalorizado nesse tem-
nudade, e o aumento do
pedero des rupes e da por meto de guer-
ras de
po, mas a condição de dependéncia: expansäo, pois a medida de iqueza é à extensão da terra, e
nào o volune de mercadoria aumulada ou a
quantidade de
dinheiro entesourado
"- a condição do assalariado livre não valia mais do que a do ser-
Com reago a este estàgo de desenveivimento da s tdiade,
anbos desprezados
vo, eram e
quase sempre miseráveis. Por traba-
lharem por suas mãos? Não, porque os deuses, os reis e os senhores também tào se
pode talar em escoiha de
protiasau por parte dos
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ORIENTAÇAO PROFISSION RETOMANDOAHISTÓRIA DA ESCOLHA PROFISSIONAL

sujeitos. A estrutura social está cristalizada e


um vai
fazer, seu determina o
que cada A escolha profissional só assume relativa importância quan-
prestígio social e poder. A
força da Igreja, princi-
palmente a católica, é enormee dá do, de forma definitiva, instala-se o modo de produção capitalista.
ordem social, reafirmando respaldo, assim como legitima a A passagem do feudalismo para o capitalismo marca mudanças
Os que tudo acontece por vontade divina.
laços de sangue, portanto, são importantes e profundas no modo de produzir e reproduzir a exis
trutura da sociedade; não há explicações que justificam a es- tência humana. Segundo Braverman (1981: 55), a nova ordem so-
mobilidade social, e as ocupações e
tarefas são transmitidas cial, engendrada pelo capitalismo, só aparece quando algumas ca-
familiarmente. Filhos de nobres serão no-
bres, filhos de servos serão racterísticas fundamentais dominam o processo de produção: em
O
igualmente vassalos. primeiro lugar, o trabalhador étotalmente alijado da propriedade
conceito de vocação
que impera é o religioso- seria um de todos os meios de produção que poderiam garantir sua subsis-
chamado divino que
impõe
dem social é determinada
uma missão
para os indivíduos. A or- tência. Neste sentido, só poderá alcançar sua sobrevivência se ven-
pela "vontade de Deus" e por isso não der sua força de trabalho para os proprietários dos meios de produ-
pode nem deve ser questionada. O trabalho ainda é concebido como ção, e isto ocorrerá apenas se ele perder todas as possibilidades de
atividade para a manutenção e
reprodução da espécie; produz-se sobreviver de forma autônoma.
para sobreviver, mesmo que a ordem social
e violenta. A divisão
seja injusta, autoritária Em segundo lugar, passa a ser fundamental que o trabalhador
do trabalho ainda é de
os trabalhadores devem
pequenas dimensões, e seja livre de todo tipo de relação juridica que o prenda a qualquer
ter conhecimentos e habilidades
para cum- modo de servidão, ou seja, não existem mais servos e senhores e,
prir com quase todas as tarefas necessárias parao desenvolvimen- juridicamente, todos agora podem dispor de sua força de trabalho
to do trabalho
que, em última instância, significa sobrevivência. como quiserem. O trabalhador agora é livre e tem direitos
iguais
para vender sua capacidade de trabalhar.
"Praticamente toda a alimentação e o vestuário de que o povo preci-
sava eram obtidos no feudo. Nos primórdios da sociedade feudal, a E, em terceiro lugar, agora o principal objetivo do trabalho (pro-
vida econômica decorria sem muita dução) não se constitui mais na satisfação das necessidades huma-
utilização do capital. Havia uma
economia de consumo, em que cada aldeia feudal era nas; conseqüentemente, passa-se a produzir para o mercado, vi-
...
praticamente
auto-suficiente. O servo e sua família cultivavam seu alimento e sando o incremento da unidade de capital empregado (lucro), ca
com as
próprias mãos fabricavam qualquer mobiliário de que neces- racterística fundamental desse modo de produção.
sitavam. O senhor do feudo logo atraía à sua casa os servos
que se
demonstravam bons artífices, a fim de fazer os "Indivíduoe sociedade só se diferenciam claramente no capitalís
objetos de que preci-
sava." (Huberman, 1986: 17) mo. Tal diferenciação, é lógico, defende determinados interesses, no
sentido de reafirmar a nova ordem constituída. A burguesia, enquanto
Os meios de produção, nesse período, são de propriedade indi- classe revolucionária na época, lutando contra a velha ordem, de-
vidual de cada
trabalhador, que é dono de seus instrumentos de tra- senvolvia de que todos os indivíduos são iguaise que, por
a tese
balho, dos objetos extraídos da natureza que sofrerão transformação isso, deveria existir liberdade (de escolha). Lutava, assim, contra o
e, por fim, dos produtos de sua ação, clero e a aristocracia que defendiam a perpetuação do regime feu-
portanto de seu trabalho, que dal, do qual eram beneficiários." (Bock, S., 1989: 15)
logicamente será dividido com seu senhor. A terra, segundo
Huberman (1986: 11), era de propriedade da nobrezae do clero,
que Deste modo, só vemos avançar as teorias e as práticas na área
a arrendava aos senhores, que, por sua vez, a arrendav aos servos.
da no modo capitalista de produção que,
orientação profissional,
RETOANOOAMSTÓRU OA ESKCAAAPRCESICNL
ORENTAÇÃOPROFISSIONAL
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escolha profissional não pode ser c o n -
Portanto, questão da
a
dos seres humanos. A
Industrial, introduzirá divi- e universal
mais tarde, na chamada Revolução
a
siderada um problema natural dada base
constitui-se em
momento que questão da seleção escolha profissional
são técnica do trabalho. E nesse idéia da liberdade de
a
do trabalho para
a escolha protissional, passam a ter importân-
recoloca a temática
por conseqüencia, material, o capitalismo, que falar em
e,
homem certo no
só se
pessoal. A rigor, pode
cia, uma vez que passa a prevalecer a idéia do além da mera
sobrevivência
sobreviver de for-
certo, visando maior produtividade. ideologia que dá su-
A que a pessoa não mais pode
lugar opção n u m c a s o em
de trabalho. A
é a liberal, que alcança sua vender sua força
porte a este novo modo de produço ma autónoma e por isso precisa das condições
Francesa- liberdade, igualdade e escolhe seu caminho a partir
maior expressão na Revoluço idéia de que a pessoa
aptidões só ocorre
suas vontades
e
fraternidade. em que vive e em função de
nesse momento.
desen-
"A posição do indivíduo no capitalismo não é mais determinada, orientação profissional será
A análise das teorias em
- pelos laços de sangue. Agora, esta posição é conquistada pelo a escolha pro-
volvida dentro desse prisma, isto é, entendendo que
indivíduo segundoo esforço que despende para alcançar esta posi- determinado, que ocorre a partir de dado
fissional é um fenômeno
ção. Se antes esta posição era entendida em função das leis
naturais
história da humanidade.
referendadas pela vontade divina, agora, contrário, o indivíduo
ao momento na

tudo, desde lute, estude, trabalhe, se esforce, e também


pode que
por que não?) seja um pouco aquinhoado pela sorte." (Bock, S.,
1989: 15)

O conceito de vocaçãoAfinal, no se pode mais utilizar


muda.
a idéia de que "Deus quer que sociedade seja assim", como se
a

fazia no modo de produção feudal. A revolução burguesa pregava


a idéia da igualdade entre os homens; como, então, passa-se
a en-
tender desigualdades entre os seres humanos numa sociedade
as
Para justificar es-
que questiona a visão da determinação religiosa?
sasdiferenças encontradas.no seio da sociedade desenvolve-se o
conceito de vocação biológica. Agora o orgânico explica as diferen-
ser humano nasce com atributos especí-
ças individuais e sociais. O
ficos que, se encontrarem expressão na realidade, localizam o indi-
víduo na estrutura da sociedade e da mesma forma, que servem

para justificar o fracasso.

Se um indivíduo 'não se deu bem na vida' (no obteve, segundo os


parámetros da sociedade, riqueza, prestígio, poder, etc.), a justifica-
tiva para tal gira em torno da má escolha de sua profissão, portanto,
da não identificação de sua 'verdadeira vocação', ao invés de se pro-
ceder a uma análise da realidade socioeconômica para entender a
situação.." (Bock, S, 1986a: 173)

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