Você está na página 1de 5

IKevÍStÕ USp , S'ãn /3n...h, n zJzJJ /, 3zo .33zl/ dez /JfCe«.

iqqq-2000

RESINA LÚCIA PONTIERI

a experiência de consta'uçàoda
identidade âti'av'ésdo confronto
com a alted.dado não é apenas re-
coire1lte na acção de Clarice Lis-

da...
pectol'. É, taltlbém. o õ.o temático condutor

Visões
visões que pentütc x.insular ergue si os rotnances,
contos e crónicas que compõem o conjunto
relativamente vasto de esct'idosda autora
Neles, de fato, desfila uma legião de seres

alteridallt
ltefidade: que nossacultura costuma designei' Gamo
outros": tanto aquelescom quem cada
indivíduo tece sua vida de relações afeti\ as.
sobretudo no cüculo fallüliu mais estrei-
to; como aquelessobíe quem pesa a mu'ca
social de Subalternidade, marginalidade ou
exclusão: mulheres. aniluais, adolescentes .
\ euros, loucos, .p?'íltz.fri\'os e pobres.
Pf)-70 do Co?'açâo Scl'bege 1?.tolllalce
com que Clarice estrêlaem 19:i.4,l-eflete
sot)í'e o pi'acesso de constituição da identi-
dade feminina. através do aprendizado de
vida da lleroínaJoana.Suasvivências de
menina e mulher' sefazeíu pela convivia

LisDector
cía, muitas \'fazespenosa, cota aqueles que
lhe seiven] de espelho onde se conhecer.
poí' semelhança ou altagotiismo. Na infân-
cia. o pai, a mãc, a tia, o pt'ofessor. Como
adulta, o nlal$do, a ainaite do marido. seu
própmo amante

eMaurice. No fiut da carreira eda vida de C:luice .


ein 1977, Q tema letonla numa peculiat-
constelaç ãode sentidos. A .flui-a da Esr/'e-
ra, obra de denúncia fí.anca do caráter ex
cludente da sociedade brasileira, põe eln
primeiro plano nào !Dais unia !zlulher de
inteligência aguda e situação económica
confoi'sável, como Jorna. O destaque vai
agora pala Xlacabéa, uma nordestina ab-
solutamente despossuída: sem dinheiro.
setafamília, sem atlativos femininos, sem
cultura, quase sem fala. Rias essa },}ão-
p'escoa tem sua des-fdeiztfcíadedefinida.
de novo, pelo confronto com os seus':oti-
ttos": o namorado, a colega de traballlo, o
patrão e, sobretudo, o narrador de sua
história, intelectual de classe média. que
v'ênela uma espéciede avesso de si-ínes-
ino. Entre essasduas obras, inicial e final
outras meí'ecemdestaqueno que serefere
à constituição do tenta da alteridade. Li-
!Dito-me às mais conhecidas

330 ?!:V15'1AUS?. Sõõ Pat;lo. n.44. 33Cj 3 34 de.remar.l/ füverei


É
.laços c/e.F'a»?i7fa,de 1960. reú,..
F'i

tos pa't um dos outros co,ta


R[GINALÚCIA
PONTlIRIé professora
doDepatomontode
Teorio Uteràría da FFLCH.
USPe autorade(lerá(e
lispeaor-- utlla Poétta
do O/Bor (Atelíê Editoíiel).

:m. ;bidui, F 37.

Rl:VISTAUSP
3]0.33a. da/ombro/fm-areíro
i 9Í>9-20{)f 33]
Nlw.e.lg'
d

5 ;.bU'iÇÜÂÓUa=...Pr.Õ, 'r'.
b

t.-CmDim}. O0Pf

7
i AM$;o nnarâ
lepanx' c C)in
9-

)TFgnhb
claleia.
P

'me

bue o:
a pca a olhem ilc
çin l bs:; \lSX}

m4)JtJ3QI
)brPda queJew aorj

"' 5? f'Ífw dueto a l$si

D e IW'tÚm a vls&
lbsthitt&.os. =m{ome

A %«8Lli;=1=1

332
?Í'V'laTA USP. São Palito, n 44, P 33aJ.334. Je/embnv'l6veretro l QC}9.2(1)00
e'Stl'Cita

em vómito. Como o corPOdc G. lrJI.


, expul-
saDoo Oe si QGolFO da bal'ata, depois de pâ.-
lona boca

iluaginário imaterial, produto do trabalho

P
subjacente ao COgílo cartesiano. ' v, .d

=::===:=:=== 'K:jo .blu.7i

'Z.,o. 41

a.
N! h

Üs Co iba
(X' skb, Bra;ii .b$

bkMJ%ny c) blgda

idçn. 0(}h

dado pictórica corporal.


De modo semelhante, Clau=cc explora o como, reverso\elmente, do uln rebrotam
ub. J. = coi©
todas asdiferenças, já que a mesma boca }Ü.

RF'ytSTÁ
USP.São Pa!;lo.n 4d. n. 33(}33a. de. antro./ 9{)?-7001)
que engole tatnbénlivo!)lira. E é assim que, do de natureza e ainda capazde rir de pura
em Clarice, o eu perde seu privilégio de alegria deesta! viva. Assim. ao escolher
ponto de partida. perdendo-se pox um ins- os ligues originais e originários, aqueles
tante no !mundodas outridades cotllo mais onde localizam'as raízes da espécie huma-
um ouu'o, aliás ''o atino do ouu'o' na e as do indivíduo, Clarice aponta pri-
meiro para a África, berço da humanida-
de. Daí pt'ovêm tanta Pequena Flor' como
a beata, que G. 1{. acha parecida com uma
Re sta i'egistrar ulua hipóte se sobre o que rainha africana. Depois para Alagoas, o
teria possibilitado à ficcionista o gestode quase-beiço da própria escritora e fuga:
t'adicalidade cola o qual, a seu modo. ela de nascintento de 34acabéa, aquela quc,
par'ece cumprir anaiscabalmente a tarefa sendo o aç'essade Rodrigo. é também aZlel'
proposta por Hussei'l, de volta às próprias ego de Clarice Lispector, que se assume
c pisas . com.o Q vel'padeiro autor de .A .flora da
Diversamente dos filósofos menciona- Estrela
dos , os lugares ideológicos de onde Clarice Discos'ando sobreas í'ilações etxtrea
fala sào aqueles onde ttadicionairuente se pitttura de Cézannee sua biografia,
têm confinado os ai+tros. isto,é, os subal- Nlerleau-Ponq' afirma que os acidentes da
tenlos e excluídos. A começar do fato de vida do artista sào ''o texto qtle, de sua parte,
pertencer a uma família de judeus pobt'es a natureza e a histól'ia Ute doaram para de-
(17). Ucraniana por nascimento,ela vem ci&ar. Pioporcionuam apenaso sentido
ao mundo portanto autua iegião pei:ibéri- literal da obra. As criações do a-tinta, como
ca a outra periferia, a da Rússia com x'ila- aliás as decisõe s vivi'es do homem, impõem
ção à Europa Ocidelltal. Emigrando com a este dado um sentido &gurado que antes
os pais aos dois meses de idade, chega a delas ttào existia''. AiJida assim. diz ele,
Alagoas, un] dos estados n)ais pobres do essaliberdade não deveserentendida como
Nordeste bzasileiro. Otl seja, euconu&-se força absuata pais. sea vida não explica a
agora na periferia da periferia de um país obra, unhas se comunicam. De tal modo
periférico. Sua infância, confarrtie ela que ' 'esta orla a fazei exigia esta üda'' ( 19).
tnesnla lelata ein ctód.cas. é marcada poí' No que se tefete a Cluice, as relações
experiências de carência de vários tipos, entrevida e obra sãomuito dai'as para não
inclusive pela morte precoce da màe. Ca- chanlaem a atenção. Sua experiência de
sada !nuitojo\-em, sua vida e o trabalho de mulher que franqueou 'várias fronteiras fí-
escritora são submetidos ao destino de sicas e sociais det3-lhe a matéria com que
esposa e mãe . As naaípchas e contrama'chás collstínir aimaaeiu da alteridade como re-
da carreira diplomática do mat'ido a obri- trato da exclusão:Nuasde modo a nào limi-
gnn a inúmet'as viagens, quando e!\tão tar tal retx&to ao excluído tido caído pró-
conhece algt3nspaíses centrais, onde es- pi'io de utn país pcril'éljco como o Brasil
creve vários de setaslivt'os: reside p!'imei- Pois se }.dacabéa é um dos erancles einble-
[-o na Itália, depois na Suíça, em seguida 11iasda obt'a de Cla!'icc, é-o tanto qumlto
na Inglaterra, e finallx\ente nos Estados baratas, galinhas, donas-de-casa, velhas e
Unidos. loucas que, graças a ela, ganharam desta-
7 ?aa ssd aú b3 ahd
Alguns anos de'pois. já separada do que ficcional. Se suano't'elíptica está entre
&kei.isÍ)ed)!.
d.:)''!adia
B marido :uma nova v-vagemaleva à Libéria, asmais impoltailtes da literatura brasileira
(lbql5. (%Me (jm VÜuüqw
!e (:m». São iioulo Anca na .Âfrica, ande alava cantata cam mu!he- e ganha I'ecclahecimento cada vez maior
I'es, que Ule lcmbratn ''corças negl'as"( 18). fora do país. isso sedeve ao !nodo como ela
í 8Chke iix>:cU. [bsrobn. É difícil não ver nessasnegras-- no seu
ta {h .M..fMoRiode.inCiTa. soube tirar. da peculiar'idade de sua expetü-
No.c-Flcaki©.1?94.P.7rU. riso espontâneo, na suafala cantante que ência vivida, a nlatéda com que dar voz
QM.Me1leauPtn:f,
Aíbvi\heü mais parece saiu natural de águacaindo ficcioílal e ulti't'ersalidade à paniculat'ida-
L'éz:nne.ko faraó. AE.i
Cܻd. Os Peru.dores.lol em bilha -- o modelo da pequena afHcana, de onde nossas ideologias segregacionistas
K;.19/Sop.3}! ?. ela tuzabéln xdvendo pi'óxima de tlln esta têm confinado os aria"o.s.

334 ?fV151A US?. Sãa ?ot;lo. F .44. p 330334. da/ombro./'fc.vereirn l Qa/g.2{)OO

Você também pode gostar