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A PRÁTICA PSICOPEDAGÓGICA E O EJA NO CONTEXTO DA DROGADIÇÃO

Marcia Aparecida Nadotti LOPES

RESUMO

O presente artigo pretende mostrar a realidade de um adicto de substâncias psicoativas, adulto frente às suas
dificuldades de aprendizagem no contexto da Educação para Jovens e Adultos (EJA). A carência socioeconômica,
o emocional, a cognição e o comprometimento que as substâncias psicoativas provocaram no sistema nervoso
central, bem como outros fatores, são fontes de impedimento para que a assimilação ocorra em pessoas que
apresentam vícios. Diante deste quadro, procuramos evidenciar algumas atividades voltadas à aprendizagem.
Partimos do princípio de observação de um caso em particular, no qual a psicopedagogia atuou de forma
diferenciada, a saber: remediativa, terapêutica e acadêmica. Recorrendo a estratégias pedagógicas para possíveis
ocorrências de transmissão de conhecimentos e para problemas que poderiam surgir no transcorrer das ações;,
procuramos resgatar valores relacionados ao afeto e à autoestima. Sendo assim, promovemos possíveis novas
oportunidades de socialização, de construção de valores humanos, considerando tais como essenciais para o
desenvolvimento do indivíduo. A educação não-formal significou muito, pois com o vínculo já fortalecido entre o
psicopedagogo e o adicto foi fator preponderante para o sucesso das atividades e, como consequência, houve
para a assimilação e consequente aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE
Psicopedagogia. Aprendizagem. Adicto. EJA.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo iniciou-se em um trabalho que já é desenvolvido em uma Comunidade Terapêutica 1. Nesse
contexto, procuramos apresentar um breve contexto do processo de alfabetização de um adulto de 43 anos,
denominado, em nossa investigação, como R.S.
Tencionamos observar as dificuldades de assimilação de conteúdos, partindo de um reconhecimento de
sua história de vida, por meio de uma anamnese adaptada 2. Com isso, notamos alguns reveses em sua educação
e procuramos, então, associar as teorizações do Ensino para Jovens e Adultos (doravante EJA) e um olhar da
psicopedagogia, promovendo fundamentais arranjos para o processo de ensino e aprendizagem.
Notabilizamos o papel do psicopedagogo como um profissional que se adequa a esse tipo de abordagem
por conseguir sondar possíveis transtornos ou dificuldades provenientes, também, do uso de drogas.

2. O INDIVÍDUO ANALISADO

R.S. é casado e tem seis filhos. Na ânsia de dar-lhes uma vida melhor, veio para o interior de São Paulo,
cortar cana. Nesse contexto, conheceu as drogas. Depois de um ano de uso, internou-se na Comunidade
Terapêutica em busca da cura do vício. Ali germinou o desejo de aprender a ler e letrar-se. No entanto, o
processo foi árduo, uma vez que os educadores não compreenderam, de imediato, as dificuldades de R.S.

1
Para a preservação da instituição não mencionaremos nomes.
2
Anamnese Adaptada é uma entrevista realizada pelo profissional, que tem a intenção de um diagnóstico. Com técnicas específicas
ao caso.
Com auxílio da psicopedagogia, foi detectada sua história de vida, iniciou-se um diagnóstico mais
profundo, sempre desvelando as dificuldades de aprendizagem.

3. CONCEITOS E PRINCÍPIOS PEDAGÓGICOS DO EJA

A Constituição Brasileira de 1988 estabelece o direito à Educação de Jovens e Adultos, expressa no


Art.208. De acordo com esse documento, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de
ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que não tiverem acesso na idade própria.
A partir desta data vislumbrou-se o conceito de Educação de Jovens e Adultos, em um sentido mais
amplo, abarcando os diversos processos de formação, que outrora se chamava supletivo.
No Brasil, a Educação de Jovens e Adultos, sofreu um processo de transformação na década de 80, de
supletivo para a alfabetização de jovens e adultos. E não se trata meramente de uma nova expressão. A
mudança foi de ensino supletivo para educação de jovens e adultos. Este novo conceito foi ampliado, pois o termo
ensino é delimitado como instrução, e o termo educação, é mais abrangente, e alcança diversos processos da
formação.
Grupos populares e organizações não-governamentais sempre atuaram no campo da EJA, principalmente
onde o Estado não chega. Dessa forma, a proposta é melhor compreendida quando posicionada como Educação
Popular.
Este conceito vai se modificando quando educadores são submetidos a ter um novo olhar quanto à
sensibilidade e à competência acadêmica. Impossível aos educadores concentrar-se apenas em conteúdo.
A Educação Popular, por conseguinte, parece-nos muito mais envolvente. Considerando que o educando
tem acesso a tirar dúvidas, com menos medos, frustrações e mais sonhos. É a partir daí que educador e
aprendente, juntos, constroem o saber.
Contudo, é sabido que em nosso modelo de ensino, lamentavelmente o Estado prioriza a escolarização,
abandonando possibilidades de educação não-formal, especialmente na Educação Básica e de jovens e adultos.
Sendo assim, em uma conjuntura em que o educador deve lidar com adultos, ele precisa respeitar a
cultura do analfabetismo entre os membros dessa “classe” ou “segmento”.
É preciso, pois, mensurar toda a carga histórica do aprendente; e mediar o saber técnico e o saber
popular, ancorando valores humanos, proporciona novos saberes, promovendo o autoconhecimento
(JANEIROFONTE, 2.010 ANO).
A educação baseada em valores humanos trabalha com uma reflexão sobre si e sobre o mundo, reflexão
essa, que não recai apenas ao aluno, mas também sobre os educadores. Saberes que devem ser incorporados
aos saberes já construídos pelos alunos e que ultrapassam o saber pedagógico: mundo, trabalho, política e outros
assuntos (JANEIRO, 2010FONTE, ANO).

Educadores de modo geral, estudantes de graduação, pesquisadores, coordenadores de


programas e demais interessados construíram com suas práticas, um novo fazer e pensar sobre a
EJA, superando a legislação existente até então, que aos poucos foi se tornando obsoleta.
(SOARES,2.000GOMES, ANO, PÁGINA)., PAG.9)

O aprendizado de jovens e adultos é diferenciado no que se refere a conteúdos, métodos e avaliação,


oportunizando aprendizagem e uma possível aplicação na vida prática, e vai além de técnicas de educação, seguir
à risca a legislação. Isto se os envolvidos em disseminar conhecimentos, vão além do que está pronto, porque o
saber também necessita ser atualizado e não estagnado.

4. ESPECIFICIDADES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Dentro do ensejo do EJA, a escola não pode esquecer que o jovem adulto analfabeto é um trabalhador e
que circunstâncias ocorrerão: desemprego, mobilidade, cansaço.
È imprescindível considerar-se o perfil socioeconômico, gênero, etnia, localização espacial. Promovendo a
solidariedade, a tolerância e espaços para novos recursos.
Este público vem com um saber próprio, construído por meio de sua vivência de mundo, relações sociais.
Como relata Moacir Gadotti,

O EJA não deve ser uma reposição de escolaridade perdida, como normalmente se configuram os
cursos acelerados nos moldes do que tem sido o ensino supletivo. Deve sim, construir uma
identidade própria, sem concessões à qualidade de ensino e proporcionando uma terminalidade e
acessos a certificados equivalentes ao ensino regular. (GADOTTI, 1.995ANO, p. 121)

Assim sendo, o EJA, se aberto à comunidade, a entidades organizadas, ou projetos populares, permitirá
trocas, experiências e avanços mútuos.
Há necessidade de não apenas escolarizarem-se jovens e adultos, mas, sobretudo, auxiliá-los em seu
desenvolvimento pessoal e em uma reinserção social.
A educação não-formal é importante, neste caso, pois estabelece o vínculo entre os princípios brevemente
trabalhados neste tópico com as premissas da psicopedagogia, permitindo que trabalhos com adultos, e, no caso
de nossa investigação, adultos adictos, possam ser englobados em um sistema de ensino e aprendizado que
priorize atividades voltadas à assimilação de conceitos e inserção em sociedade.

5. O PAPEL DA PSICOPEDAGOGIA NO EJA

A psicopedagogia vem somar a esta educação, atuando de forma diferenciada: remediativa, terapêutica e
acadêmica, como mencionamos anteriormente. Recorrendo a estratégias pedagógicas e psicopedagógicas para
possíveis ocorrências de transmissão de conhecimentos e para a solução de problemas que possam surgir no
transcorrer de ações. (FONTE, ANO).
O psicopedagogo é um profissional que se adequa a essa vertente, consegue sondar um possível
transtorno ou dificuldade, proveniente do uso de drogas ou não. Deve estar atento a todos obstáculos que possam
surgir. Seu trabalho vai além de transmitir o conhecimento, podendo resgatar valores, promover o amor, elevar a
autoestima, viabilizar novas oportunidades de socialização, criar valores humanos. Esses são aspectos também
essenciais que devem ser desenvolvidos com este indivíduo.
O psicopedagogo trabalha princípios sobre si e sobre o mundo, de forma que o aprendizado ocorra por
meio de ações que excedam a teoria, principalmente porque esse público (EJA) foi privado de acesso à cultura
letrada. (FONTE, ANO).
O professor, auxiliando e favorecendo o letramento, permite ao aluno ampliar seus conhecimentos e se
sentir pertencente ao mundo que o rodeia. Também é responsável por criar intervenções pedagógicas que
amparem o aluno em suas próprias construções (JANEIRO, 2010FONTE, ANO)).
Durante muito tempo, acreditou-se que sinônimo de aprendizagem fosse a memorização, contudo,
pesquisas mostram que este conceito está errado e que alfabetização não é memorização e sim reflexão sobre a
escrita (JANEIRO, 2010).FONTE, ANO).
A mediação entre alfabetizador e alfabetizando consiste em atividades que permitam, ao alfabetizando,
agir e pensar sobre a escrita. Como dizia Piaget (1974ANO),), é o sujeito que constrói o seu próprio conhecimento
para se apropriar do conhecimento dos outros.

6. A PSICOPEDAGOGIA E AS DROGAS

O problema das drogas transcende a proporção clínica. Os adictos necessitam de uma abordagem de
ensino multidisciplinar; além de médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
dentre outros profissionais.
Uma das maiores dificuldades está no diagnóstico diferencial, pois ocorre uma superposição de sintomas.
Um transtorno pode aumentar ou mascarar o outro, intoxicação por abuso de álcool ou estimulantes, por exemplo,
pode produzir sintomas de mania ou hipomania (alteração de humor), enquanto abstinência de substâncias, com
frequência, manifesta-se com sintomas de disforia (DESCREVERindisposição, mal estar) e depressão (tristeza,
stressDESCREVER) (FONTE, ANO).).
Não é fácil estabelecer diferenças entre presença de comorbidade psiquiátriaca e abuso de substância
psicoativas
(FONTE, ANO). As drogas psicotrópicas atuam diretamente no SNC (Sistema Nervoso Central), alterando
nossa maneira de pensar, agir e sentir; dividindo-se em três grupos: depressoras, estimulantes e perturbadoras
(SUPERA,2014FONTE, ANO).).
Dessa forma, as Comunidades Terapêuticas têm por objetivo tratar o transtorno do indivíduo como um
todo, planejando em sua recuperação, modificando positivamente o seu estilo de vida e identidade e oferecendo
programas e metas aos pacientes em recuperação.
Essas instituições dão oportunas condições para o desenvolvimento pleno dos seus internos, visto que o
aprendizado de jovens e adultos é diferenciado no que se refere a conteúdos, métodos e avaliação, permitindo
aprendizagem e uma possível aplicação na vida prática (SOARES, 2.000FONTE, ANO)).
Os psicopedagogos desses Centros utilizam-se das técnicas da anamnese adaptada para promover a
identificação de deficiências de aprendizagem entre os adultos usuários de drogas. Pois as técnicas
psicopedagógicas não são suficientes para atender as especificidades apresentadas, usando de alternativas;
como o resgate do histórico de vida social, emocional,
Sequencialmente, após o diagnóstico, conteúdos de alfabetização são aplicados em forma de atividades,
alterando-se conforme se observa o conteúdo já assimilado. Priorizam-se atividades prazerosas, a fim de que o
interesse permaneça e aguce a dedicação.
Nesse sentido, notamos que a prática de leitura, muitas vezes de textos escolhidos pelos próprios
internos, facilitam a compreensão e o entusiasmo pelo aprender.
Além disso, verificamos que exercícios de formação mais elaborados com pontuação e acentuação,
favorecem sempre a alfabetização, colocando a sintaxe e a morfologia para posterior aprendizagens (FONTE,
ANO)..

7. O CASO DE R.S.

Diante das informações obtidas através da anamnese, trabalhamos atividades que identificaria uma
deficiência de aprendizagem ou não: Atividade de Discriminação Visual, Orientação Espacial, Ordenação
Temporal, Coordenação Viso-motora, Coordenação Motora-Fina, Síntese, Análise, Análise e Síntese,
Discriminação Auditiva e Percepção Figura-Fundo. Sempre com três atividades para cada requisito.
Posteriormente, aplicamos conteúdos de alfabetização, reforçando e observando o conteúdo já
assimilado. Partindo do alfabeto, depois fragmentando-o em vogais e consoantes. A seguir, famílias silábicas, já
que o aprendente conhecia dessa forma e a assimilação ocorreu. Atividades de palavras-cruzadas, Caça-palavras,
carta-enigmática. Priorizando atividades prazerosas, para que o interesse permaneça e aguce a dedicação.
Prática de leitura, por vezes, textos escolhidos pelo envolvido, facilitando o entusiasmo pela prática.
Atividades diferenciados, como jogos, diferentes tipos de linguagens e gêneros textuais, análise e reflexão.
Aumentando a complexidade e permitindo um aprofundamento de tema, favorecendo a construção do
conhecimento.
A aprendizagem quando atingida entre os conhecimentos pré-existentes e os novos adquiridos, são
somados, remodelando o conceito de conhecimento e tornando-o mais complexo.
Exercícios de formação mais elaborados com pontuação e acentuação. Priorizando sempre a alfabetização,

colocando a sintaxe e a morfologia para posterior aprendizagens .

CONSIDERAÇÕES

A Educação de Jovens e Adultos por si só já é um desafio para a educação brasileira, havendo uma
problemátcaproblemática ainda maior quando se pensa em acrescer esse sistema com indivíduos adictos.
Contudo, verificamos que conteúdos e metodologias já consagradas se misturaram à prática, à vivência,
ao vínculo de amizade; para que um novo saber possa fluir e seja instrumento de superação para a alfabetização
e consequentemente para a resolução de problemas de vida entre esses indivíduos.
A relação professor-aluno, neste contexto de Escolarização de Jovens e Adultos, requer, portanto, do
professor, constante vigilância.
Além disso, somente com o auxílio da psicopedagogia é possível que se desvendem métodos para que o
adulto sob a influencia de um vício possa verificar que sua bagagem é de vital importância para seu aprendizado e
que todos os conhecimentos a ele oferecidos podem ser utilizados em seu contexto de vida para melhorar a forma
como interage com o mundo, facilitando, também, o acesso a melhores condições de vida.
Acreditamos, assim, que com estes elementos chaves, o sucesso desta ação será fato, porque o
envolvido será resgatado por completo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, M.;CASTRO M. G. Drogas nas Escolas. Brasília:UNESCO,2002.

GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta.11 ed. São Paulo:
Editora Cortez,1995.

JANEIRO, C. -Educação em Valores Humanos e EJA. Curitiba: Editora IBPEX,2010.

LEVINE, M. ,Educação Individualizada. Tradução de Vânia Maria da Cunha. São Paulo: Editora Campos, 2003.

OCANA, A. M. L.; JIMÉNEZ, M. Z.Atenção à Diversidade na Educação de Jovens. Porto Alegre: Editora
Artmed., ,2006.

PIAGET, J. Aprendizagem e Conhecimento. São Paulo: Freitas Bastos, 1974

SCHWARTZ S. Alfabetização de Jovens e Adultos: teoria e prática. 2013.

SOARES, L. J. G. Diretrizes Curriculares Nacionais: Educação de Jovens e Adultos. Rio de Janeiro.2002.

UNESCO, Alfabetização de jovens e adultos no Brasil: lições da prática. Brasília : 2008.

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