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Resumo
Wounds of the irrepresentável, the times of the trauma in the ICU: an experience report
Abstract
Traumas, ruptures and intolerable pain situations are part of the Intensive Care Unit (ICU)
scenario. The hospital psychologist performance is essential for the process of dealing with pain and
producing meaning for traumatic experiences. This study aims to describe, through reports of an
intern psychological assistance, scenes from the patient-intern-institution triad in the ICU. It is a
clinical-qualitative experience report that approaches the ICU therapeutic setting and analyzes the
plot clippings supported by the metapsychological theory of traumatogenesis, conceptualized by
Ferenczi and Freud. The results point out the possibility of expanding psychoanalytic clinics to the
hospital plot. Despite the institutional limits, the results showed that it was possible to establish the
essential psychoanalytical requirements in the UCI setting and to describe the academic report
based on psychoanalytical theories
Keywords: hospital psychology; intensive care unit; traumatic; psychoanalysis.
Heridas del irrepresentable, los tiempos del trauma en la UCI: un relato de experiência
Resumen
Traumas, rupturas y situaciones intolerables de dolor son parte del escenario de la Unidad de
Cuidados Intensivos (UCI). La actuación del psicólogo hospitalario es imprescindible para el
proceso de elaboración del dolor y la producción de significado para las experiencias traumáticas.
Este estudio tiene como objetivo describir, a través de informes de atención psicológica de un
aprendiz, escenas de la tríada paciente-aprendiz-institución en la UCI. Es un relato de experiencia
clínico-cualitativa que aborda este setting y analiza los recortes de la trama apoyado en la teoría
metapsicológica de la traumatogénesis, conceptualizada por Ferenczi y Freud. Los resultados
apuntan a la posibilidad de expandir las clínicas psicoanalíticas a la trama hospitalaria. A pesar de
los límites institucionales, se llegó a la conclusión que era posible establecer los requisitos
psicoanalíticos esenciales en este entorno y describir el relato académico basado en las teorías
psicoanalíticas.
Palabras clave: psicología hospitalaria; unidad de tratamientos intensivos; traumas; psicoanálisis.
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Introdução
sensível capaz de testemunhar seu sofrimento, o sujeito encontra a indiferença, ou seja, o abandono
traumático que desautoriza seu testemunho (Kupermann, 2016).
Segundo Kupermann (2016), no caso do adoecimento, encontramos os mesmos três tempos,
possibilitando a expansão da conjectura traumatogênica ferencziana na qual a ferida narcísica é
provocava pela iminência da morte. Ainda segundo o autor, o psicólogo no contexto hospitalar,
além de lidar com situações de grande sofrimento psíquico, tem também o estatuto de testemunhar a
dor do paciente, o que contribui ao sujeito em sofrimento a produção de sentido para experiências
que são, na maior parte das vezes, disruptivas e traumáticas.
No presente relato será abordado sobre a expansão da teorização ferencziana,
complementada por referências psicanalíticas contemporâneos, apresentando a possibilidade de
estabelecer os requisitos essenciais psicanalíticos no setting em questão e descrever o relato
acadêmico pautando-se teorias supracitadas. O estudo tem como objetivo descrever, por meio de
relatos de atendimentos psicológicos de uma estagiária, cenas da tríade paciente-estagiária-
instituição na UTI. Visa-se, dessa forma, oferecer dados e subsídios para a ampliação do campo
psicanalítico no cenário hospitalar, assim como suscitar os traumas que esse contexto desencadeia,
ressaltando a importância de cuidados singulares.
Método
Resultados e discussão
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De acordo com o prontuário da paciente: Maraisa (nome fictício), 21 anos de idade, sexo
feminino, solteira, deu entrada na unidade com quadro de rebaixamento do nível de
consciência, intensa dor abdominal e lombar, início de insuficiência respiratória e hipotonia
muscular generalizada. Em consequência da gravidade, foi submetida a intubação orotraqueal e
acesso venoso central, sendo sedada por períodos indeterminados de tempo. Antes de sua admissão
na UTI, passou onze dias internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde foi
diagnosticada com suspeita de cálculo renal devido aos sintomas que apresentava (dor na região
abdominal e lombar, náuseas e vômito). No décimo primeiro dia de internação sofreu uma queda no
banheiro, foi encontrada inconsciente e transferida para o hospital em questão. Seu caso foi
direcionado para equipe de psicologia no dia seguinte quando já se iniciaram os atendimentos.
No primeiro contato com a estagiária de psicologia, encontrava-se com um nível de
consciência rebaixado, apresentando sinais de sonolência e respondendo a estímulos verbais e
toques leves. Seguindo o protocolo de acolhimento psicológico da unidade, foram fornecidas
informações pontuais: o nome da estagiária, sua função, o dia da semana e do mês, o local onde a
paciente estava internada e algumas informações sobre como ela havia chegado ali. Foram
realizadas perguntas sobre dor e desconfortos que ela poderia estar sentindo. Todas os
questionamentos foram passíveis de respostas “sim ou não” gestuais com a cabeça. Não houve
verbalização. O contato durou aproximadamente 15 minutos. Além das informações do
prontuário, a estagiária suspeitou que a paciente estava com dificuldades ou até mesmo,
impossibilitada, de verbalizar.
Na semana seguinte, o prontuário de Maraisa foi retomado, registrando-se sobre as
ocorrências médicas. A paciente estava sob dieta enteral através de gastrotomia, consequente
de disfagia, e apresentava intensa fraqueza muscular. Constava ainda que foram mantidas a
administração de analgésicos e sedativos buscando o alívio da dor e redução de estresse.
Durante a supervisão tais informações foram discutidas e concluiu-se sobre a necessidade do
estrito acompanhamento das evoluções médicas para que as estratégias de intervenções
psicológicas pudessem ser planejadas. Foi indicado que os próximos contatos seriam breves
devido ao grau de sedação da paciente e orientado o contato com os familiares para o
levantamento de mais informações. Segundo a assistente social, na casa moravam a mãe (50
anos), Maraisa (21 anos), as irmãs (uma de 19 anos e a outra de 16 anos) e a sobrinha de 3 anos
(filha da irmã mais nova).
Num segundo contato, a paciente não respondeu aos estímulos verbais e, aparentemente,
estava sedada. Durante o horário de visita houve o primeiro contato com a irmã mais velha e
uma amiga da paciente. Ambas já haviam visitado Maraisa nos dias anteriores e, no relato,
preocupadas, disseram “ela está muito pálida e magra, só come pela sonda e não acorda”.
Sobre as visitas, contaram que a família se revezava devido a “problemas com a casa”, mas
afirmaram veemente que não “abandonariam ela”.
No terceiro contato, a paciente novamente não respondeu aos estímulos verbais. Foi
então aguardado o horário de visita. Próximo as onze da manhã, o pai de Maraisa chegou
sozinho. A estagiária se apresentou e questionado se era sua primeira visita, relatou que já
havia a visitado outras vezes. Contou que não entendia o motivo pelo qual estava “daquele
jeito tão ruim” já que era tão nova. Disse ainda que os médicos não sabiam o que ela tinha, mas
que confiava neles e que estava ali “esperando mais notícias”. Lamentou não poder visitá-la
com mais frequência, pois era “servente de obra” e só conseguia comparecer durante seu
horário de almoço. Ao longo da conversa, citou que era “separado” da esposa (mãe de
Maraisa), mas que mantinha contato com as filhas sempre que possível.
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inesperado, para o qual não dispõe de repertório simbólico capaz de ajudá-lo a promover sentido
para essa experiência de vulnerabilidade – o campo da psicossomática é pródigo ao mostrar como o
corpo se oferece como destino para o padecimento sem nome. É o tempo nomeado como tempo do
indizível. A conjuntura da paciente, naquele momento, era extraordinária e não havia aportes
simbólicos ou de significantes para descrevê-la. O choque manifestava-se através dos gestos e
sintomas.
compartilhamento afetivo capaz de promover sentido às experiências vividas pelo sujeito em estado
de sofrimento.
Ao completar sete semanas de tratamentos intensivos, a equipe médica concluiu que não
havia procedimentos médicos e farmacológicos (além dos já administrados) a serem inclusos no
tratamento de Maraisa. Sugeriu-se cuidados paliativos. A partir dessa notícia, foram nítidas as
expressões da equipe de decepção e angústia causadas pela impotência. Afinal, como lidar com a
morte quando essa já se avista no horizonte? Eis o trauma, o choque, a descarga do irreconhecível –
daquilo que ninguém conhecia no corpo – o chegar da morte. As esquipes foram tomadas pelo
enternecimento, corroborando com o que Moreno e Júnior (2012) afirmam: frente ao desamparo
psíquico, o psiquismo se inunda em comoção, interrompendo assim o processo de introjeção.
No atendimento em que os próximos passos do tratamento foram apresentados, a paciente,
num ato de compaixão, relatou que notou no tom de voz e nas expressões dos profissionais “a
tristeza por não terem conseguido lhe fazer ficar melhor”, disse: “Os médicos já não se reúnem com
animo em volta de mim”. Frases como: “Não tem mais o que fazer”; “Eu estou pronta para ir”;
“Não quero viver assim”; “Ninguém tem culpa”; “Eu sei que quero ir”; revelavam o cansaço da
paciente frente à luta diária contra os sintomas e traumas incisivos do seu adoecimento.
Nesse mesmo dia, a equipe se reuniu com os familiares e explicaram o funcionamento dos
cuidados paliativos, denotando que naquele estágio do adoecimento, os objetivos eram minimizar
qualquer tipo de sofrimento, proporcionar o alívio da dor e garantir a potencialização das
habilidades funcionais remanescentes, buscando dignidade, para que ela pudesse, no seu tempo, se
preparar para o fim da vida. O diálogo foi respaldado na definição da Organização Mundial de
Saúde – OMS, revista em 2002, em que define o cuidado Paliativo como uma abordagem que
promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a
continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce,
avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.
Durante a reunião, familiares e amigos da paciente, através de frases como: “Ela é forte, com
certeza vai se recuperar”; “Ela é nova, vai sair disso sim”; “Entregamos para Deus, ele sabe o que
fazer”; “Temos fé que ela vai conseguir”, demonstraram a recusa dos fatos e os vestígios de
esperança. Tais recusas, junto ao contexto descrito, remetem-nos aos postulados ferenczianos nos
quais o trauma se constitui, efetivamente, em um terceiro tempo no qual, ao invés de encontrar uma
presença sensível capaz de testemunhar seu sofrimento, o sujeito encontra a indiferença
(Kuppermann, 2016).
A paciente, já bastante debilitada, fazia seus últimos relatos. Em um deles, a paciente disse
que percebia “os olhares tristes” e que gostaria de tranquilizar a todos, pois considerava que esteve
entre “amigos que tentaram ajudar”. Maraisa ainda agradeceu com as seguintes palavras: “Obrigada
por tudo”. Expandindo esse recorte para a clínica ferencziana, encontramos a seguinte afirmação do
autor (2011/1993): “é fato que os pacientes percebem as vontades, as tendências, os humores, as
simpatias e antipatias do analista, mesmo quando ele próprio está inconsciente deles. E, dessa
forma, ao invés de contradizê-lo, os pacientes se identificam com ele. ” Era fato que as dores da
paciente foram compartilhadas e vivenciadas também pela equipe, sendo por meio dessa relação de
trocas que o vínculo de testemunho foi estabelecido.
Concomitante ao tempo de hospitalização da paciente, também findava-se o ciclo de estágio
da psicologia. Na oitava semana de hospitalização iniciou-se a transição do caso de Maraisa para a
psicóloga-chefe do setor, que acompanhou o caso desde o início. Em tom de despedida, foi dada a
notícia da transição e seus motivos. A paciente, visivelmente emocionada, relatou: “Você me
ajudou muito”; “Vou sentir falta”; “Pode vim me ver”; “Fica tranquila”. Na última semana de
atendimentos, a paciente se encontrava sedada, respondendo apenas a estímulos verbais repetidos,
abrindo e fechando os olhos. De acordo com informações do prontuário, houve agravos em seu
quadro clínico e foi necessário a administração de analgésicos e sedativos.
O recorte, dos últimos atendimentos, remete ao que Kluber-Ross (1969) relata sobre uma de
suas pacientes moribundas: foi preciso permanecer fechada em copas, protegida dos afetos
perturbadores decorrentes da constatação da terminalidade, como os olhos que se fecham,
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defensivamente, ao se voltarem diretamente para a luz do sol. A última supervisão, após a transição
do caso, foi norteada pelo termo incompletude. A equipe de psicologia refletiu, dialogou e concluiu
que, apesar de todas as tecnologias e equipes estarem preparadas para salvar vidas, o que
transbordou (em linguagem psicanalítica) durante os atendimentos psicológicos e supervisões, foi o
incômodo da insuficiência, simbolizado pela finitude dos métodos e da vida. Após quatro semanas,
depois de encerrado o estágio, a equipe recebeu a notícia que Maraisa havia sofrido uma parada
cardiorrespiratória que ocasionou seu falecimento.
Considerações finais
Este caso foi selecionado como rol de recortes para a construção do presente relato devido a
sua singularidade. O cenário é constituído por traumas decorrentes de um grave adoecimento que
culminou na morte prematura de uma jovem. Nas cenas descritas transitam profissionais e
estagiárias de psicologia que se encontram e desencontram quanto aos preceitos teórico-práticos.
No presente estudo, encontra-se um depoimento dos desafios de um estágio em psicologia
hospitalar e o vislumbre teórico-prático freudiano e ferencziano sobre o conceito do trauma. A
experiência relatada e suas reflexões evidenciam a possibilidade de expansão e compreensão das
clínicas psicanalíticas a outras tramas, nesse caso, a trama hospitalar.
Destacam-se a seguir aspectos desafiadores e distintos do caso: em decorrência do
adoecimento, nenhuma palavra foi efetivamente verbalizada pela paciente, desvelando assim a
autenticidade das inúmeras possibilidades de comunicação (e do fazer psicanalítico) quando há o
reconhecimento de singularidades. Para que o paciente se sinta amparado é preciso articulações e
comunicação entre as equipes. Cada núcleo profissional apresenta potencialidades práticas e
teóricas sobre as mais diversas consequências de adoecimentos. Em consonância a esta ideologia, a
equipe de psicologia atuou preparada para lidar com as formas de resistências hierárquicas e
limitantes que a estrutura institucional hospitalar apresenta.
A experiência foi permeada por trocas entre a equipe de psicologia, que culminaram em
sentimentos, sensações e emoções compartilhadas durante as supervisões de estágio. Diante deste
fato, ressalta-se a importância das leituras orientadas, do treinamento e do espaço de confiança
assegurado pelas supervisoras. Foi através de palavras e de observações que o funcionamento
psíquico individual e coletivo, sob as pressões traumáticas, puderam ser vislumbrados.
Apesar de todos os estigmas contextuais, as dificuldades de comunicação e a escolha de
métodos psicanalíticos para além das paredes do consultório, foi possível interpretar e transcrever
alguns sintomas e processos da traumatogênese. Espera-se que relatos como este continue
encorajando o desbravamento de novos contextos junto às teorias e práticas psicanalíticas.
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