Impressões e reflexões sobre o filme Si Puo Fare (Sim, dá pra fazer) articuladas com a
disciplina Saberes e Práticas em Saúde Mental
A impressão que a trama nos deixa é de estarmos – depois de décadas –
engatinhando no processo de luta antimanicomial, de luta contra os estigmas e preconceitos e na luta por formas possíveis, dentro da conjuntura de cada transtorno mental, de inclusão social. Entre o drama, os risos e as angústias, o longa consegue apontar que algumas práticas invasivas e agressivas, em nível físico e psíquico, ainda se repetem. Há uma cena em que Nello, tão desprovido de conhecimentos acerca da “loucura”, reúne o grupo e constrói um espaço de escuta atenta das vivências e de narrativas sobre o que cada sujeito desejava e sabia sobre si, percebendo suas singulares e potencialidades. Esse momento nos faz perceber o quanto nosso olhar, muitas vezes aprimorado por formações acadêmicas, tendem a se direcionar para o transtorno psicológico, e não para aquilo que existe além disso: uma pessoa com habilidades e capacidades de interação, produtividade e autonomia. Quanto vistos enquanto sujeitos trabalhadores, bem como outras pessoas não acometidas por transtornos mentais, passam a ser reconhecidos e inseridos na sociedade. Neste caso, foi através do trabalho que os “loucos” puderam mostrar sua humanidade, descontruindo os estigmas relacionados à incapacidade mental. Mas, há diretrizes para isso! Basta investimentos e cuidado com essas pessoas. Outro paralelo importante entre o filme e a realidade contemporânea é o olhar analítico de Nello sobre os efeitos das medicações enquanto uma forma de contenção da “doença mental”, quando mais parece uma “mortificação do eu”. Esse anulamento em massa influencia diretamente nas dificuldades de inserção social do paciente, já que este não pode e não consegue expressar sua estrutura de personalidade. Isto é, sem personalidade, não há pessoa. Este filme me fez refletir que o melhor tratamento para “doentes mentais”, é o tratamento humano. A partir do momento em que Nello os vê como seres humanos constituídos por sexualidade, afetos, experiências, habilidades e etc, há melhoras nos quadros clínicos de cada um. As intervenções multidisciplinares e medicamentosas seguem tendo suas relevâncias, mas não devem ser únicas e absolutas. Acredito na força das interdisciplinas, penso que nas próximos décadas seremos capazes de parar de repetir erros e ter uma continuidade de “inícios” de inserções sociais, tratamentos e condições dignas de vida para os acometidos por transtornos mentais, violências institucionais e preconceito social.