Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NATAL
2015
ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA
NATAL
2015
ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi (UFRN)
Presidente
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues (UFRN)
Examinador Interno
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira (UFRN)
Examinador Interno
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz (UERN)
Examinadora Externa
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Rosalice Botelho Wakim Souza Pinto (CLUNL-CEJEA-Portugal)
Examinadora Externa
______________________________________________________________
Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza (UERN)
Examinador Externo
NATAL
2015
UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Catalogação da Publicação na Fonte
Silva, Ananias Agostinho da.
212 f. : il.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ciências Humanas, Letras e
Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.
Lenine
À minha saudosa vó, Felicidade, eu dedico.
ABREVIATURAS
RESUMO
Nesta tese de doutoramento analisamos as representações discursivas do
cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando de cangaceiros em
notícias de jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado
(1927), de quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio
Grande do Norte, em treze de junho daquele ano. Para tanto, tomamos por
fundamentação os pressupostos teóricos da Linguística Textual, especialmente do
quadro mais restrito do que se designa hoje como Análise Textual dos Discursos
(ATD), abordagem teórica e descritiva de estudos linguísticos do texto proposta pelo
linguista francês Jean-Michel Adam. Desta abordagem, interessa-nos, de modo
específico, o nível semântico do texto, com destaque para a noção de representação
discursiva, estudada com base nas operações de referenciação, predicação,
modificação, localização espacial e temporal, conexão e analogia (ADAM, 2011;
CASTILHO, 2010; KOCH, 2002, 2006; MARCUSCHI, 1998, 2008; NEVES, 2007;
RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010). O corpus desta pesquisa é
composto por três notícias publicadas na década de vinte do século passado nos
jornais O Mossoroense, Correio do Povo e O Nordeste, e reconstituídas por meio de
coleta realizada nos arquivos do Museu Municipal Lauro da Escócia, do Memorial da
Resistência de Mossoró, ambos localizados em Mossoró, e na coletânea de notícias
de jornais Lampião em Mossoró, do historiador norte-rio-grandense Raimundo
Nonato. As representações discursivas são construídas a partir do emprego das
operações semânticas de análise. Para Lampião, são construídas as seguintes
representações: bandido, chefe de cangaceiros, subornador, derrotado, Capitão e
Senhor. Para os cangaceiros do bando de Lampião foram construídas as seguintes
representações discursivas: grupo, bando, bandidos, companheiros, matilha
sanguinária, bandoleiros, cangaceiros, facínoras, horda assaltante, feras e
selvagens. Essas representações revelam, principalmente, os pontos de vista dos
jornais daquela época, que representavam, essencialmente, os interesses de
comerciantes, de políticos, do próprio governo e da população mossoroense de
modo geral.
ABSTRACT
In this doctoral thesis analyzed the discursive representations of the bandit Lampião,
the Lantern and his bandits gang in news mossoroenses newspapers published in
the twenties of the last century (1927), when the gang invasion of the city of Mossoro
in the state of Rio Grande do Norte, on June 13 of that year. To this end, we take as
basis the theoretical assumptions of linguistics Textual, especially the narrower
context of what is known today as Textual Analysis of the Discourses (ADT),
theoretical and descriptive approach to linguistic studies of the text proposed by the
French linguist Jean-Michel Adam. In this approach, we are interested in, specifically,
the semantic level of the text, highlighting the notion of discursive representation,
studied based on benchmarking operations, predication, modification, spatial location
and temporal connection and analogy (ADAM, 2011; CASTILHO, 2010; KOCH,
2002, 2006; MARCUSCHI, 1998, 2008; NEVES, 2007; RODRIGUES, PASSEGGI &
SILVA NETO, 2010). The corpus of this research consists of three reports in the
twenties of the last century in newspapers The Mossoroense, Correio do Povo and
the Northeast, and reconstituted through the collection held in the Municipal Museum
Lauro Scotland files, Memorial Resistance Mossoro, both located in Natal, and in the
news collection of Lampião newspapers in Natal, north of Rio Grande Raimundo
Nonato historian. The discursive representations are built from the use of semantic
analysis operations. Lampião to, the following representations are built: bandit, head
of bandits, briber, defeated, Captain and Lord. To the outlaws of Lampião bunch of
the following discursive representations were built: group, gang, gangsters, mates,
bloodthirsty pack, brigands, bandits, criminals, burglar horde, and wild beasts. These
representations reveal mainly the views of the newspapers of that time, which
represented mainly the interests of traders, politicians, the government itself and
generally Mossoró population.
RESUMEN
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 186
ANEXOS
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...16
Arievaldo Vianna
discursiva do seu enunciador, de seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos que
são tratados”. No caso desta tese de doutoramento, interessam-nos os temas
tratados nas notícias, especificamente a construção de representações discursivas
de Lampião e seu bando de cangaceiros.
No âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) e
do Grupo de Pesquisa em Análise Textual das Representações Discursivas (ATD-
RD): Conceptualizações, Narrativas, Emoções (registrados no Diretório dos Grupos
de Pesquisa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
CNPq) ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), várias
pesquisas têm sido desenvolvidas focalizando o nível semântico de textos políticos,
jornalísticos, jurídicos, epistolares, dentre outros, de impacto social e relevância
histórica.
Entre os trabalhos que tratam especificamente da noção de representação
discursiva, merece destaque o artigo pioneiro publicado no Brasil dos professores
Maria das Graças Soares Rodrigues, Luís Passeggi e João Gomes da Silva Neto
(2010), sobre as representações discursivas que o ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Severino Cavalcanti, faz de si próprio como sertanejo no discurso de
renúncia ao cargo, em setembro de dois mil e cinco. A este, seguem-se vários
outros trabalhos desenvolvidos no âmbito daqueles grupos de pesquisa e do
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A tese de doutoramento de Milton Guilherme Ramos (2011) observa como
vestibulandos e pré-vestibulandos constroem representações discursivas dos verbos
ficar e namorar em produções textuais escritas. Fundamentado na Análise Textual
dos Discursos (ADAM, 2011) e na Semântica de Frames (FILMORE, 2006), ele
analisou cento e sessenta e oito textos empíricos e constatou que a construção de
representações discursivas de ficar e namorar ocorre de forma diferenciada, por
meio da designação dos referentes, da predicação, da aspectualização, das
circunstâncias espaciotemporais e do uso de metáforas, ressaltando a influência do
conhecimento enciclopédico e da cultura, além da presença de componentes
cognitivos relativos à produção textual.
A dissertação de mestrado de Karla Geane Oliveira (2013) analisa como se
constroem as representações discursivas da figura feminina no jornal O Povir,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...18
Referenciação;
Predicação;
Modificação;
Localização especial e temporal;
Conexão;
Analogia.
José Cordeiro
Ao final da década de setenta, Conte (1977) afirma ser possível falar em três
momentos tipológicos da Linguística Textual: i) análise transfrástica, ii) as gramáticas
de texto e iii) as teorias de textos. Apesar de organizados de forma sequenciada,
esses momentos não podem ser concebidos, na passagem de um para o outro, a
partir de uma ótica cronológica, porque o desenvolvimento da Linguística Textual
não se deu de forma homogênea e linear.
No momento denominado de análise transfrástica, o interesse dos estudiosos
começou a se voltar “para fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas
teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficassem limitadas ao nível da
frase” (BENTES, 2006, p. 247), como a correferenciação. Para tentar explicar
fenômenos como este, os estudiosos partiam de enunciados ou sequência de
enunciados (frases) para o texto, compreendido por Isenberg (apud BENTES, 2006,
p. 247) como uma “sequência coerente de enunciados”. Portanto, neste momento, o
objetivo principal dos estudiosos era estudar os tipos de relações que se
estabeleciam entre os diversos enunciados que constituem uma sequência
significativa – o texto – (FÁVERO & KOCH, 1998).
Entretanto, muitos autores (LANG, 1971, 1972; DRESSLER, 1972, 1977;
DIJK, 1972, 1973; PETÖFI, 1972, 1976) perceberam que as análises realizadas em
torno dos enunciados ou das sequências de enunciados não consideravam fatores
como o conhecimento intuitivo do falante, o contexto de produção dos enunciados,
dentre outros fatores. Diante dessa constatação, esses e outros autores começaram
a elaborar gramáticas textuais, que refletissem “sobre os fenômenos lingüísticos
inexplicáveis por meio de uma gramática do enunciado” (FÁVERO & KOCH, 1998, p.
14). Neste momento, o texto passou a ser considerado não mais como uma simples
sequência de frases, mas a sua produção e compreensão derivam de uma
competência do falante, a competência textual. Esta competência, segundo Fávero e
Koch (1998), é o que permite ao falante de uma língua distinguir um texto coerente
de um aglomerado incoerente de frases. E já que os usuários de uma língua têm
esta capacidade, justifica-se a necessidade de elaboração de gramática textual,
cujas tarefas básicas deveriam ser as seguintes:
i) Verificar o que faz com que um texto seja um texto (determinação de seus
princípios de constituição, fatores de textualidade, etc.);
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...25
ii) Levantar critérios para delimitação dos textos (como se pode delimitar um
texto. Como se pode considerá-lo completo, já que a completude é uma
das características essenciais ao texto.);
iii) Diferenciar as várias espécies de textos (FÁVERO & KOCH, 1998).
2
Assim como a obra de Fávero e Koch (2012), anteriormente citada, o trabalho que aqui fazemos
referência compreende um texto apresentado por Marcuschi em uma conferência no IV Congresso
Brasileiro de Língua Portuguesa do Instituto de Pesquisas Linguísticas da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUCSP), também na década de oitenta (especificamente em 1983), publicado
posteriormente em forma de livro. Por esgotamento da primeira versão publicada, utilizamos ao longo
de nossa tese a recente edição publicada pela Editora Parábola.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...26
3
A descrição a seguir não pretende ser exaustiva, nem completa. Interessa-nos apenas sintetizar a
pauta de estudos da Linguística Textual no Brasil neste início do século vinte e um, tomando por base
os trabalhos desenvolvidos pelos membros do GT LTAC. Para tanto, tomamos por base os trabalhos
pulicados no manual Linguística de Texto e Análise da Conversação: Panorama das pesquisas no
Brasil, organizados pelas professoras Anna Christina Bentes e Marli Quadros Leite no ano de 2010,
em homenagem ao linguista do texto brasileiro Luís Antônio Marcuschi, principal responsável pela
difusão e disseminação das ideias da Linguística Textual no Brasil. Outrossim, os trabalhos em
Linguística Textual desenvolvidas no Brasil não se resumem aos trabalhos aqui apresentados. Nosso
interesse é apenas apresentar um panorama dos trabalhos mais reconhecidos.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...27
4
Em Linguística Textual, trabalhos são desenvolvidos nesta perspectiva a partir da chamada “virada
sociocognitiva” (KOCH, 2007), quando se passa a compreender a cognição como “um fenômeno
situado” (BENTES; LEITE, 2010, p. 42), isto é, que deve ser compreendido a partir da incorporação
de “aspectos sociais, culturais e interacionais à compreensão do processamento cognitivo” (BENTES;
LEITE, 2010, p. 42).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...28
5
Acreditamos ser conveniente esclarecermos o emprego do termo co(n)textual, dada a diversidade
de interpretações que este termo pode apresentar. Esta, inclusive, parece ser uma preocupação do
próprio Adam (2011, p. 53), e, por isso, recuperamos uma explicação de seu trabalho para o uso do
termo: “Escrevemos “co(n)texto” para dizer que a interpretação de enunciados isolados apoia-se tanto
na (re)construção de enunciados à esquerda e/ou à direita (cotexto) como na operação de
contextualização, que consiste em imaginar uma situação de enunciação que torne possível o
enunciado considerado.”. Desse modo, a expressão diz respeito tanto ao cotexto quanto ao contexto
propriamente dito.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...29
metodológico que dê conta daquele objeto e de suas relações com o domínio mais
vasto do discurso em geral. Esta teoria seria a Análise Textual dos Discursos.
O texto, seu objeto de análise, não pode ser compreendido como um simples
conjunto limitado de elementos léxico-lógico-gramaticais. Sendo o texto um objeto
complexo e multifacetado, plurissemiótico, constituído por nuances as mais diversas
(que envolvem aspectos linguísticos e discursivos múltiplos), uma definição como
esta anteriormente posta é limitada e restrita.
Entretanto, antes de nos determos a apresentação de um conceito ou mesmo
de uma compreensão de texto coerente à proposta teórico-metodológica proposta
por Adam (2011), é pertinente considerarmos as evoluções pelas quais perpassaram
a noção de texto, pois cada conceito é resultado de um longo processo de reflexões,
idas e vindas, de disputas entre sujeitos e campos do conhecimento sobre este
objeto, o texto. Assim, considerando basicamente os momentos históricos pelos
quais passaram a Linguística Textual, buscaremos, a seguir, situar o texto,
destacando os avanços alcançados em relação ao seu conceito. Por fim, ainda que
de modo não exaustivo, nos deteremos à explicitação de uma compreensão mais
coerente à Análise Textual dos Discursos.
Em um momento primeiro dos estudos do texto (entenda-se aqui as duas
primeiras fases da história da Linguística Textual: a análise transfrástica e a
elaboração de gramáticas textuais6), acreditava-se, conforme nos conta Bentes
(2006), que as propriedades definidoras de um texto estariam expressas
principalmente na forma de organização do material linguístico. Esta compreensão
direcionava estudiosos do texto para dois raciocínios que a especificam: i) existiriam
textos (compreendidos como sequências linguísticas coerentes entre si) e não textos
(sequências linguísticas incoerentes entre si); ii) todo texto deveria ser definido como
uma estrutura acabada e pronta, como um produto acabado. Ainda segundo Bentes
(2006), bem como também sugerem Fávero e Koch (2012), uma das definições que
melhor representa este período é a de Satmmerjohann (1975):
O termo texto abrange tanto textos orais, como textos escritos que
tenham como extensão mínima dois signos linguísticos, um dos
6
Para uma leitura mais exaustiva e completa das fases históricas da Linguística Textual, ver Bentes (2006),
Fávero e Koch (2012) e Marcuschi (2008).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...32
A partir de então, o texto passa a ser visto não apenas como conjunto de
enunciados léxico-linguísticos estruturados a partir de determinadas regras, mas
como uma ocorrência linguística, de qualquer extensão, que apresenta três
propriedades básicas constituintes: unidade sociocomunicativa, semântica e formal
(COSTA VAL, 1991). Em outras palavras, antes de qualquer coisa, o texto é uma
unidade de linguagem em uso, que cumpre uma função sociocomunicativa e só
pode ser concebido enquanto tal quando percebido pelo receptor como um todo
significativo, coerente e coeso. Nesses termos, podemos conceber o texto como um
fenômeno linguístico de caráter enunciativo que vai além da frase, constituindo uma
unidade de sentido, “cujas fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o
mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2008, p. 72).
Dado o caráter contextual de sua teoria, acreditamos que a compreensão de
Jean-Michel Adam sobre a noção de texto se insere nessa direção de olhar para o
texto não como um mero conjunto encadeado de frases ou como uma simples
unidade gramatical. Longe disso, ao defender que a Linguística Textual deve ser
vista como uma “linguística do sentido” – como propôs Cosériu (2007) – Adam
(2010) sugere que devemos olhar para o texto como uma unidade de sentido em
contexto, tal como propuseram Michael A. K. Halliday e Ruquaiya Hasan (1976).
Na verdade, conforme diz Herrero Cecília (2006, p. 151), na Análise Textual
dos Discursos, o texto deve ser compreendido como:
Pensar o texto enquanto uma unidade semântica não significa descartar seus
aspectos formais e estruturais. Adam (2010, p. 09) critica justamente essa postura
adotada por alguns pesquisadores das ciências humanas e das ciências sociais: o
7
O texto é ao mesmo tempo resultado da atividade discursiva (enunciação) de um sujeito que se
dirige a um interlocutor em uma determinada situação de comunicação, e uma unidade semântica de
comunicação organizada em torno de um tema (encadeamento de proposições integradas em
sequências dentro de um esquema composional que confere unidade ao conjunto).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...34
fato de não se levar efetivamente a sério o materialmente observável dos textos, “os
detalhes semiolinguísticos das formas-sentido mediadoras dos discursos”. O autor,
em trabalhos anteriores, define o texto como um objeto de estudo complexo e de
difícil delimitação metodológica (ADAM, 1996) que apresenta uma “configuração
regulada por diversos módulos ou subsistemas em constante interação, uma
estrutura hierárquica complexa que comporta sequências do mesmo tipo ou de tipos
diferentes” (ADAM, 1992, p. 24). Em outro texto mais recente, Adam (2010) retoma a
proposta de Michel Foucault (1987) para uma análise arqueológica do discurso e
mostra que apesar de muitos analistas do discurso insistirem em não olhar para a
organização sequencial (e material) dos textos, para o materialmente observável, o
filósofo francês defendia justamente o oposto:
propõe e desenvolve uma análise textual dos discursos que, procurando articular
perspectivas teóricas as mais diversas, busca dar conta da complexidade que
envolve o texto.
8
Por ser a proposição-enunciado unidade mínima de análise da Análise textual dos discursos, posteriormente,
lhe dedicaremos mais espaço para conceituação.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...38
Por sua vez, o nível sete, aquele referente à dimensão enunciativa dos textos,
apresenta como principal categoria a noção de responsabilidade enunciativa.
Conforme Adam (2011), a responsabilidade enunciativa ou ponto de vista
compreende a assunção por determinadas entidades ou instâncias do conteúdo do
que é enunciado ou na atribuição de alguns enunciados ou pontos de vista a certas
instâncias. Por seu caráter polifônico – segundo sugere o autor, a responsabilidade
enunciativa dá conta da polifonia dos enunciados – a responsabilidade enunciativa é
constitutiva da enunciação, já que todo enunciado pressupõe um enunciador que se
responsabilize pelo ponto de vista defendido ou enfatizado.
Finalmente, o nível oito corresponde aos atos ilocucionários. Adam (2011)
sugere que toda proposição-enunciado possui um valor ou uma forma ilocucionária.
Retomando a clássica teoria dos atos de fala de Jonh L. Austin (1962), a linguagem
é compreendida como forma de ação – sobre o interlocutor e sobre o mundo
circundante. Os atos de fala podem ser, segundo Austin (1962), de três tipos: ato
locutório (corresponde ao ato de pronunciar um enunciado), ato ilocutório
(corresponde ao ato que o locutor realiza quando pronuncia um enunciado em certas
condições comunicativas e com certas intenções, tais como ordenar, avisar, criticar,
perguntar, convidar, ameaçar, etc.), ato perlocutório (corresponde aos efeitos que
um dado ato ilocutório produz no alocutário. Verbos como convencer, persuadir ou
assustar ocorrem neste tipo de atos de fala, pois nos informam do efeito causado no
alocutário).
A organização do modelo de Adam (2011) nestes oito níveis de análise não é
circunstancial, mas justifica-se, conforme ele próprio defende em recente artigo
(2012), por razões teóricas e por razões didático-metodológicas. Ora, o texto é
entendido por ele como um objeto complexo, que para ser analisado carece de
conhecimento de teorias que tomem o objeto texto a partir de diferentes
perspectivas e abordagens, dado o seu caráter multifacetado. Por isso, em cada um
dos níveis propostos, o texto pode ser analisado a partir de pontos de vista de
vertentes teórico-metodológicas distintas. Por exemplo: a teoria dos atos de fala ou
atos ilocucionários (desenvolvida principalmente por Jonh L. Austin) pode ser
utilizada no nível oito. A teoria das sequências textuais e dos planos de texto
desenvolvida pelo próprio Jean-Michel Adam pode ser utilizada nos níveis quatro e
cinco. A teoria da enunciação de Émile Benveniste e as teorias sobre ponto de vista
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...39
9
A operação de localização espacial e temporal e a operação de conexão, por exemplo, analisadas
aqui como categorias do nível semântico do texto, contribuem de forma determinante para a
progressão textual – aspecto observado no nível da textura.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...40
10
A noção de proposição será desenvolvida com mais clareza no tópico seguinte, quando nos
deteremos a apresentar as unidades de análise da Análise Textual dos Discursos.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...41
Eco (1985, p. 131, apud ADAM, 2011, p. 147), por sua vez, define a isotopia
como “a constância de um percurso de sentido que um texto apresenta quando
submetido a regras de coerência interpretativa”. Em outros termos, a isotopia diz
respeito à permanência de um certo efeito de sentido no todo de um discurso,
corresponde, pois, de modo bastante geral, a coerência semântica de um discurso.
Para Queiroz (2013), a isotopia está voltada para a coerência semântica do texto,
proporcionando a busca pelo seu significado, o que ocorre através da mais simples
sequência de elementos linguísticos que organizam os textos, indo até a mais
complexa rede configuracional. Compreender as isotopias de um discurso é, pois,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...44
2.4.1 A proposição
O termo proposição-enunciado pode ser substituído com valor equivalente pelos termos
11
2.4.2 O período
12
Não conceituamos aqui as sequências textuais propostas por Jean-Michel Adam porque elas serão
apresentadas e exemplificadas no tópico seguinte deste trabalho.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...48
2.4.3 As sequências
13
No Brasil, as sequências recebem outras nomenclaturas, como ocorre nos trabalhos de Marcuschi
(2003), que prefere falar em tipos narrativo, argumentativo, descritivo, expositivo e injuntivo. Além
disso, há também quem defenda a necessidade de proposição de outras sequências, como fazem
Fávero e Koch (2012), ao acrescentarem a sequência injuntiva, ou diretiva, e a preditiva, nomeando
também a explicativa como expositiva.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...49
famigerado salteador. (O
Nordeste).
A sequência argumentativa Mossoró, em todos os
compreende um modelo de momentos graves de sua
composição que se vida social, tem-nos dado
apresenta como raciocínio, sempre exemplo de união
cujo objeto é demonstrar e de solidariedade, de
ou refutar uma tese. maneira que nada nos
Argumentativa Partindo de premissas nem separa nas ocasiões
sempre explícitas e precisas. Formamos um só
supostamente bloco e um só corpo ao
incontestáveis, mostra-se impulso de nossa
que não se pode admitir consciência cívica e do
essas premissas sem nosso coração aberto em
admitir também certa detalhes de que poderiam
conclusão. resultar esquecimentos
não propositais, para ver
somente o conjunto nas
suas linhas harmoniosas.
(O Mossoroense)
O texto dialogal pode ser “Virgolino Lampião: Recebi
definido como uma seu bilhete e respondo-lhe
estrutura hierárquica de dizendo que não tenho a
dois tipos de sequências: importância que pede e
de um lado as sequências nem também o Comércio.
Dialogal fáticas de abertura e de O Banco está fechado,
fechamento do texto e de tendo os funcionários se
outro as sequências retirado daqui. Estamos
transacionais combináveis, dispostos acarretar com
que constituem o corpus de tudo o que o Sr. queira
interação. contra nós. A cidade acha-
se firmemente inabalável
na sua defesa confiando
na mesma. Rodolfo
Fernandes – Prefeito.” (O
Nordeste).
A sequência explicativa Lampião resolveu a vir a
apresenta uma estrutura Mossoró, por instâncias de
sequencial de base, na Massilon que lhe garantira
qual um primeiro operador tirar bom resultado, pois
[POR QUÊ?] introduz a êle Lampião nunca
primeira macroproposição tencionara penetrar nesse
obrigatória (P. explicativa Estado, porque não tinha
Explicativa 1) e o segundo operador aqui nenhum inimigo e se
[PORQUE] leva à segunda por acaso, para evitar
macroproposição tida como qualquer encontro com
obrigatória (P. explicativa fôrças de outros Estados
2). A esta se segue uma tivesse de passar por
terceira macroproposição, algum ponto do Rio
que é de ratificação (P. Grande do Norte, faria
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...50
14
Os conceitos de cada uma das sequências apresentadas no quadro foram retirados literalmente do
trabalho de Passeggi et al (2010), fundamentado em Adam (2011). Considerando a organização
dentro do quadro, nos resguardamos de empregar as aspas ou outra marca gráfica.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...51
Ora, por isso que Adam (2011) afirma que é o interpretante que constrói, a
partir dos enunciados, as representações discursivas em função de seus objetivos e
intenções (suas finalidades) e de suas representações psicossociais da situação
comunicativa, do enunciador “e do mundo do texto, assim como de seus
pressupostos culturais” (GRIZE, 2004; ADAM, 2011, p. 114). Assim, as
representações discursivas também são construídas em função dos aspectos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...54
15
“(...) reservo o termo imagem para o que propõe o próprio esquema. Na minha terminologia, orador
e auditor têm representações e o discurso propõe imagens”.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...56
Lampião e seu bando, que se configuram como assuntos, como tema tratado nas
notícias analisadas. Como já dito, nos interessa observar como são textualmente
construídas as representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros
em notícias do século vinte, tomando como plano de fundo o acontecimento da
incursão do bando à cidade Mossoró, em junto de 1927.
anteriormente citado.
Quadro 03: Operações de tematização.
Fonte: Adam (2011).
17
Estes exemplos retirados da própria obra da autora, Texto e gramática, publicada em 2006 aqui no
Brasil pela Editora Contexto.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...68
uma categoria, tal como ocorre com a metáfora e a metonímia, que são
incorporadas na operação de analogia.
3.3.1 Referenciação
(KOCH, 2002, p. 81). Ou, nos termos aqui por nós adotados, depois de designados,
os objetos de discurso podem ser redesignados diversas vezes, fator essencial para
evitar a redundância e ambiguidade, bem como para promover a progressão
referencial e textual. A este respeito, convém ainda retomar o que diz Lorenza
Mondada (1994, p. 64), como forma de complementar o que já foi aqui exposto:
3.3.2 Predicação
3.3.3 Modificação
A noção de modificação não foi citada por nenhum dos autores anteriormente
apresentados, mas podemos relacioná-la à operação de aspectualização de Adam
(2011). Como visto, este autor compreende a aspectualização como imputação de
propriedades ou qualificação de um objeto tematizado. Para nós, semelhantemente
à definição de Adam (2011), a modificação compreende justamente a operação
semântica responsável pela atribuição de propriedades ou de qualidades aos
referentes e aos predicados de uma proposição. Está, portanto, ligada não apenas à
referenciação (ou tematização, nos termos de Adam (2011, p. 220), como ele próprio
sugeriu: “essa macrooperação [a aspectualização] se apoia na tematização”), mas
também à predicação.
Por isso, é necessário, pois, dividir a operação de modificação em dois tipos,
porque apresentam comportamento gramatical e semântico diferentes: modificação
da referenciação e modificação da predicação. Portanto, a modificação “está ligada
tanto ao sujeito, por meio de adjetivos e/ou expressões adjetivas, quanto às ações
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...72
verbais dos predicados, por meio das circunstâncias adverbiais” (QUEIROZ, 2013, p.
67).
18
Os termos destacados em itálico compreendem justamente exemplos dos modificadores indicados
em cada item. Convém, também, esclarece, que todos estes exemplos apresentados foram retirados
da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, publicada aqui no Brasil em 2011 pela
Editora Contexto.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...73
que não há no texto deste autor um tópico específico para tratar da “categoria de
localização”. Para Andrade (2014), a localização corresponde à relação de
contiguidade apresentada por Adam (2011), que permite colocar o objeto de
discurso em relação a determinado tempo (histórico ou individual) ou em relação
com outros objetos. No entanto, preferimos acompanhar a decisão de Queiroz
(2013), para nós, muito mais acertada, de que os elementos que marcam a
localização temporal e espacial são denominados por Adam (2011) de
organizadores textuais. Para este autor, “os organizadores exercem um papel capital
no balizamento dos planos textuais” (ADAM, 2011, p. 181) e, no campo da
representação discursiva, eles podem ser distinguidos em temporais e espaciais.
3.3.5 Conexão
3.3.6 Analogia
Antônio Francisco
Mossoró, nos meses de maio, junho e julho de 1927 – período que compreende o
início da trajetória realizada pelo bando, a incursão à cidade de Mossoró e a saída
para o estado vizinho do Ceará. Desse modo, dado o curto espaço de tempo do
acontecimento, os jornais publicados nesse período apresentam notícias que
descrevem com riqueza de detalhes a empreitada realizada por Lampião, sob a ótica
dos próprios mossoroenses, tendo em vista que os jornais eram publicados na
cidade de Mossoró, o que facilitou o trabalho de identificação dos elementos
linguístico-textuais que evidenciam as representações discursivas do cangaceiro e
do bando.
Neste período, a presença da imprensa em Mossoró era marcante. Nas
primeiras décadas do século vinte, a cidade contava com vários veículos de
comunicação, principalmente a estação telegráfica e os jornais impressos: Comércio
de Mossoró, Correio do Povo, O Mossoroense e O Nordeste, todos na época com
publicação regular diária, semanal ou quinzenal. Esses meios de comunicação
contribuíram significativamente para o desenvolvimento econômico e social da
cidade, que, àquela época, ocupava o posto de segunda cidade mais desenvolvida
do Estado, perdendo apenas para a capital, Natal.
A incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró foi acontecimento
amplamente noticiado pela maioria desses jornais, especialmente Correio do Povo,
O Mossoroense e O Nordeste, que publicaram edições inteiras dedicadas
exclusivamente ao acontecimento histórico já citado. Em função disso, selecionamos
as notícias publicadas nestes três jornais para composição do corpus de nossa
investigação, uma vez que publicaram edições sobre a temática elencada neste
trabalho, durante o marco espaço-temporal anteriormente estabelecido. Não
encontramos nada a respeito da temática no jornal Correio de Mossoró.
Outros jornais publicados no Estado do Rio Grande do Norte, como A
República, de Natal, também publicaram edições sobre a atividade do cangaceiro
Lampião no interior do Estado (NONATO, 2012). Porém, especialmente no caso de
edição deste jornal, trata-se de publicação realizada no mês seguinte, agosto e,
portanto, não condiz com o marco temporal por nós estabelecido. Além disso, os
demais jornais, tal como A República, não conseguem contar o acontecimento com
riqueza de detalhes, confundindo-se na descrição de certos fatos, de quando
comparados à descrição realizada pelos jornais de Mossoró.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...82
Por causa dos crimes cometidos, que infligiam as leis estabelecidas pelo
governo, o grupo era constantemente perseguido pelos policiais. Na verdade, àquela
época, foram criadas volantes19 para tentar combater e capturar os cangaceiros, que
os apelidaram de “macacos” pelo jeito como fugiam da represália dos cangaceiros,
como que pulando de forma apressada e se escondendo na mata (ALVES VIANA,
2012). Foi, inclusive, em uma emboscada organizada por uma volante que Lampião
e parte de seu bando foram assassinados, em julho de mil novecentos e trinta e oito.
As cabeças dos cangaceiros foram de decepadas e expostas em locais públicos,
pois o governo queria assustar e desestimular esta prática na região.
19
Grupos de soldados ou contratados que percorriam as caatingas em busca de grupos cangaceiros.
Alguns ficaram famosos por sua perversidade contra civis.
20
Município brasileiro no interior do estado do Rio Grande do Norte, situado na mesorregião do Oeste
Potiguar e microrregião homônima, Região Nordeste do país. Ocupa uma área de 2 099,333 km²,
sendo o maior município do estado em área, estando distante 281 quilômetros da capital do
estado, Natal (IBGE, 2012).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...88
encontravam mortos e outros feridos. Diante deste cenário, Lampião e seu bando
saíram em retirada e Mossoró locupletou vitoriosa.
domínios são práticas discursivas, dentro das quais se pode identificar um conjunto
de gêneros textuais que lhes são próprios ou específicos como “rotinas
comunicativas institucionalizadas e instauradas por relações de poder”
(MARCUSCHI, 2008, p. 155).
Ora, pensar em domínio discursivo implica considerar a noção de esfera do
Círculo de Bakhtin. O próprio Marcuschi (2008) diz que compreende o domínio
discursivo como esfera no sentido bakhtiniano do termo. No ensaio sobre Os
gêneros do discurso, ao apresentar o conceito de gêneros – tipos relativamente
estáveis de enunciado – e seu modo de funcionamento e circulação em sociedade,
Bakhtin (2003) retoma a noção de esfera:
CENTRAIS PERIFÉRICOS
PRESOS LIVRES
Cabeçalho Reportagem Anúncio publicitário
Chamada Notícia Anúncio de evento
Editorial Nota Aviso de promoção
Expediente Entrevista Aviso de tomada de preços
Carta do leitor Comentário Aviso de licitação
Artigo de opinião Edital de convocação
Análise Edital de concorrência
Crítica Formulário de inscrição
Perfil Informe
Fotolegenda Palavra-cruzada
Charge Charada
Crônica
Gravura
Programação
Grade de programação
(de cinema, de
exposições, musical)
Previsão de tempo
Cotação
Indicadores
Horoscopo
Resultado da loteria
Resumo de novela
Tira
Obituário
Ficha técnica de jogo
de futebol
Avaliação de
desempenho
Tabela de campeonato
Quadro 07: Gêneros centrais e periféricos.
Fonte: Bonini (2005)
como o editorial. São gêneros centrais livres aqueles que fazem o jornal funcionar,
como a notícia. Por sua vez, os gêneros centrais livres podem ser autônomos –
porque comumente se apresentam como unidades textuais independentes ou
predominantes em um bloco de textos – ou gêneros centrais livres conjugados –
quando ocorrem, em geral, como apêndice dos gêneros autônomos, principalmente
da reportagem. Finalmente, os gêneros periféricos estão relacionados a propósitos
sociais e comunicacionais que incidem sobre o jornal, como os de promover
produtos e pessoas, divertir, educar, cumprir normas legais, contratar pessoal,
dentre outros, como o anúncio publicitário, por exemplo.
Ainda de acordo com o autor, estas divisões não são entendidas como
categorias que explicam o gênero diretamente, mas o processo social e de
linguagem em que ele está envolvido. Trata-se, desse modo, de descrever o gênero
pelo modo como ele funciona no seu suporte, no caso, o jornal. Aqui, de modo
especial, interessa-nos considerar o funcionamento do gênero notícia, considerando
que o corpus deste trabalho é composto essencialmente por textos pertencentes a
este gênero.
4.4.2 A notícia
Ora, assim ocorre com a notícia: os gêneros que são incorporados em sua
estrutura composicional perdem seu vínculo com a realidade, isto é, eles não
funcionam de forma independente enquanto gênero específico. Eles só funcionam
dentro da notícia, como parte constitutiva dela.
Por exemplo, em várias notícias analisadas neste trabalho, o gênero carta (ou
bilhete – há uma indefinição nos próprios jornais da época quanto ao texto escrito
pelo cangaceiro Lampião) aparece como parte da notícia. Trata-se de ultimato do
cangaceiro Lampião ao prefeito da cidade de Mossoró, exigindo a quantia de
quatrocentos contos de réis para que não entrasse com seu bando na cidade. O
texto, inclusive, é transcrito no corpo da notícia e foi publicado no jornal como
elemento constitutivo da notícia. Portanto, ao menos no domínio jornalístico, a
referida carta só tem existência em função do gênero notícia, onde foi publicada.
De quando são publicadas, as notícias só possuem valor jornalístico quando
narram acontecimentos que acabaram de acontecer ou quando aconteceram
recentemente ou quando contam coisas que irão acontecer ainda, diferentemente da
reportagem, por exemplo, que discorre sobre um tema, apresentando uma
interpretação sobre situações ou fatos relacionados a este (LAGES, 2005). A notícia
instaura o novo, o inesperado, o pontual, aquilo que é desconhecido para o leitor –
neste último caso, pode-se tratar de um acontecimento não recente, mas que não foi
ainda noticiado por nenhum outro veículo de comunicação ou, mesmo tendo sido
noticiado, a repercussão foi insuficiente, de modo que o caráter de novidade ainda
impera.
A depender do período de circulação do jornal, em apenas um dia a notícia
pode perder seu caráter de novidade. Assim, ela deixa de ter valor jornalístico e, na
maioria das vezes, passa a ter valor histórico. Foi o que aconteceu com as notícias
dos jornais analisados em nosso trabalho: elas não mais possuem valor jornalístico,
porque não instauram mais o novo, uma vez que os acontecimentos narrados estão
no passado. Entretanto, as notícias aqui analisadas apresentam um imenso valor
histórico, porque elas contam a história do Nordeste do Brasil, especialmente da
cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, durante idos dos anos vinte do século
passado.
Quanto ao aspecto estrutural, geralmente, a notícia apresenta três partes
constitutivas: o título, o lide e o corpo. O título da notícia, via de regra, encontra-se
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...100
disposto no início do texto, com destaque gráfico (na maioria das vezes, em letras
maiúsculas ou em negrito), devendo ser curto, atrativo e sintetizador do assunto
tratado na notícia. Logo em seguida, encontra-se o lide, um enunciado que fica
localizado, quase sempre, abaixo do título e possui a função de transmitir ao leitor as
informações básicas necessárias à compreensão do texto. Conforme Laje (2005), o
lide deve informar qual é o fato jornalístico noticiado e as principais circunstâncias
em que ele ocorre, ou seja, deve informar quem fez o que, a quem, quando, onde,
como, por que e para que, para, depois, continuar os fatos. Finalmente, o corpo da
notícia diz respeito ao restante do texto. Trata-se da parte mais desenvolvida da
notícia, que explica e justifica a razão do acontecimento noticiado e descreve com
detalhes como ocorreram os fatos.
No domínio do jornalismo, este é o modelo mais convencional de estruturação
da notícia, mas existem outros vários tantos modelos de organização. Por exemplo,
no modelo retórico elaborado por Van Dijk (1985), os componentes da notícia são:
título, lide, fato central, contexto, eventos prévios, consequências-reações,
expectativas e avaliação. Segundo o autor, geralmente, um texto que atenda
satisfatoriamente as necessidades do gênero notícia deve apresentar todos esses
elementos; não obstante, não são raros os casos de notícias que apresentam
apenas alguns desses elementos, e, mesmo assim, podem ser consideradas como
tais. Por isso, preferimos nos orientar pela estrutura canônica da notícia, tal qual
apresentada anteriormente, com base nos trabalhos de Laje (2005).
Ademais, apesar de apresentarem uma estrutura prototípica, cada notícia, a
depender do tema tratado, do estilo do redator, do estilo ou da ideologia do jornal,
apresenta um plano de texto específico. O plano de texto é responsável pela
estrutura composicional do texto. Conhecê-lo é fundamental à compreensão do
próprio texto, como sugere Adam (2011, p. 263): “a (re)construção de partes ou
segmentos que correspondem ou ultrapassam os níveis do período e da sequência
é uma atividade cognitiva fundamental que permite a compreensão de um texto [...]”.
Ora, mesmo conservando os elementos prototípicos do gênero (título, lide e corpo),
a estrutura da notícia, não raras as vezes, se organiza em função de escolhas do
redator do texto ou mesmo do próprio jornal no momento da escrita. Por isso,
diremos que o plano de texto da notícia é convencional, porque é muito mais aberto
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...101
4.5.1 O Mossoroense
Nos dias atuais, ainda em funcionamento, o jornal é dirigido pelo senhor Laíre
Rosado e tem como editor principal o jornalista e advogado Cid Augusto da Escóssia
Rosado, descendente do fundador do jornal e do ex-diretor Jerônimo Rosado
Cantídio. Assim sendo, mesmo passados mais de cento e quarenta anos, o jornal
ainda continua sendo administrado pela mesma família, sendo um dos principais
jornais da região oeste do estado do Rio Grande do Norte.
Desse jornal, apenas uma notícia atendia aos critérios aqui estabelecidos
para constituição do corpus de nossa pesquisa. Os demais textos publicados no
jornal sobre a incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró, e
encontrados nas fontes pesquisadas, pertenciam a outros gêneros textuais, como
entrevista e depoimentos, por exemplo. A notícia selecionada é intitulada de “Hunos
da nova espécie” e foi publicada na edição de dezenove de junho de mil novecentos
e vinte e sete, ou seja, seis dias depois do citado acontecimento. O texto da notícia
traz a cobertura completa e detalhada das atividades desenvolvidas pelo bando de
Lampião na cidade, bem como descrição da “heroica defesa” dos mossoroenses,
coordenada pelo prefeito Rodolfo Fernandes.
O quadro a seguir apresenta informações gerais sobre a notícia selecionada
do jornal O Mossoroense para constituição do corpus de nossa pesquisa:
notícia, publicada ao final do mês de junho de mil novecentos e vinte e sete, de dia
não identificado, comenta a fuga do bando de Lampião para o estado do Ceará e
possíveis ameaças futuras. Esta última notícia também foi anexada ao corpus
secundário da pesquisa.
4.5.3 O Nordeste
Zé do Norte
a) Referenciação
b) Predicação
21
Não há nos enunciados termos locativos indicadores de tempo. Há apenas o tempo verbal,
comentado quando falamos sobre as predicações.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...118
O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por
Lampião (E48M).
a) Referenciação e modificadores
O locativo espacial Mossoró, mais uma vez, apresenta maior recorrência (três
vezes), o que se explica em razão de ser palco do episódio principal narrado nas
notícias aqui analisadas. Há ainda espaços mais gerais, como o Nordeste brasileiro,
o pacato território do Rio Grande do Norte e todos os recantos e espaços mais
específicos, como a povoação de São Sebastião – atual município de Governador
Dix-Sept Rosado, estado do Rio Grande do Norte. Outros locativos não descrevem
regiões nem cidades, mas situam espacialmente lugares ou pontos específicos,
como o lado do cemitério. O locativo onde aparece no enunciado E07M para
recuperar o locativo todos os recantos. Funciona como elemento coesivo – evita a
substituição de um termo anteriormente citado. Esses locativos descrevem os
espaços percorridos por Lampião para locupletar sua tentativa de assalto à cidade
de Mossoró. A referência a locativos como o Nordeste brasileiro ou mesmo todos os
recantos denunciam a fama de Lampião e, portanto, reforçam a representação
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...123
a) Referenciação e modificadores
a) Referenciação e modificadores
um número bem menor de homens, viu-se obrigado a fugir, tendo seu ataque
fracassado.
Além dos locativos espaciais também citados nas outras notícias, como
Mossoró (cenário do principal acontecido narrado nas notícias analisadas), Ceará e
Limoeiro (regiões de refúgio de Lampião – quando saiu fugido de Mossoró),
interessante reparar em expressões como pela estrada que liga nossa cidade a
Limoeiro, o outro lado do rio, a ponte da Estrada de Ferro e a fazenda Oiticica –
locativos espaciais que funcionam como marcadores de pontos estratégicos pelos
quais Lampião passou antes, durante e depois do ataque à cidade de Mossoró. Os
marcadores dêiticos aí e aqui articulam o processo de retomada de outros locativos
espaciais já citados e dão progressão ao texto da notícia.
As circunstâncias de tempo são marcadas, principalmente, pelo locativo
temporal depois de e pelo tempo dos verbos, que se refere, basicamente, a dois
momentos específicos: antes e depois do assalto à cidade de Mossoró.
d) Conexão
E44CP
E59CP
E 05 E60CP
E61CP
E71CP
Mesmo assim 01 E60CP
Porque 01 E44CP
Como 02 E61CP
E71CP
Até 01 E61CP
Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como
derrotado em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.
a) Referenciação
b) Predicação e modificadores
dos contextos onde foram produzidas, dos gêneros textuais (notícia e bilhete) e
ainda dos pontos de vista dos enunciadores que produziram os enunciados donde
se constroem essas representações.
a) Referenciação e modificadores
d) Conexão
a) Referenciação
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...136
22
Trata-se de um caso de heterogeneidade tipológica, em que o gênero textual bilhete encontra-se
publicado dentro do gênero textual notícia, mas sem perder suas características e o propósito
comunicativo próprio do gênero – nos termos de Marcuschi (2008), um gênero com a presença de
outros. .
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...137
5.1.4 Síntese
imagem que ele buscava construir de sua pessoa: líder, autoridade (Cap. Virgolino).
E ainda, quando é o Coronel Rodolfo Fernandes o enunciador, o referente
empregado, o pronome de tratamento “O Sr.”, reforça a necessidade de respeito à
imagem de Lampião, mesmo que seja um respeito disfarçado.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...139
6.1.1.1 Grupo
a) Referenciação e modificadores
23
Existem três ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E09M, E10M e E11M,
colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.
24
Existem duas ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E15M e E16M, colocadas
entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.
25
Existem cinco ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E25M, E26M, E27M,
E28M e E29M, colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...142
Um grupo 01 - E24M
O grupo que havia 01 - E48M
entrado pelo lado do
cemitério
Grupo de Lampião 01 - E56M
Quadro 23: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de grupo para os
cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense
Fonte: Autor.
Queimou 01 - E15M
Arrebentou 01 - E16M
Violou 01 - E16M
Quebrando 01 - E16M
Roubando 01 - E16M
Matou 01 - E17M
Aproximando 01 - E24M
Destaca 01 - E24M
Ataca 01 - E24M
Ruma 01 - E25M
Corta 01 - E26M
Avança 01 - E26M
Chega 01 - E26M
Saqueia 01 - E27M
Rouba 01 - E27M
Depreda 01 - E27M
Incendeia 01 - E27M
Mata 01 - E27M
Violenta 01 - E27M
Pratica 01 - E27M
Sacia 01 - E27M
Desce 01 Vagarosamente E28M
Começa 01 - E28M
Manda 01 - E29M
Rumava 01 - E34M
Havia entrado 01 - E48M
Era 01 - E48M
Tem 01 - E56M
Conduz 01 - E56M
Quadro 24: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.
Mossoró 03 E02M
E10M
E25M
O Nordeste brasileiro e o pacato 01 E06M
território do Rio Grande do Norte
A vizinha cidade do Apodi 01 E08M
A pequena cidade 01 E09M
A povoação de São Sebastião 01 E09M
Deste município 01 E10M
Dali 01 E10M
O pequeno povoado de São 01 E12M
Sebastião
Onde 02 E12M
E26M
No aparelho telegráfico 01 E13M
Esta cidade 01 E13M
E24M
O pequeno povoado 01 E14M
A Estrada de Ferro de Mossoró 01 E15M
A estação da Estrada 01 E16M
Nas proximidades deste povoado 01 E17M
Apodi 01 E24M
Caraúbas 01 E26M
São Sebastião 01 E26M
Aí 01 E26M
O Jaguaribe 01 E34M
Limoeiro, no Estado do Ceará 01 E34M
O lado do cemitério 01 E48M
Quadro 25: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.
d) Conexão
e) Analogia
6.1.1.2 Bando
a) Referenciação e modificadores
b) Predicação
6.1.1.2 Bandidos
a) Referenciação
b) Predicação
6.1.1.3 Companheiros
a) Referenciação
6.1.1.4 Matilha
a) Analogia
6.1.2.1 Grupo
a) Referenciação e modificadores
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...155
O conjunto dos verbos que operam junto ao referente grupo constrói uma
cadeia semântica de ações praticadas que se associam à representação discursiva
de grupo de cangaceiros: assalta, apoderava, saquear, atacar, desfalcar, roubando,
depredando, incendiando, queimaram, dentre outros. Esses e outros verbos
compreendem ações de vandalismo que eram praticadas pelos cangaceiros nas
empreitadas pelo sertão nordestino. Alguns dos verbos aparecem no plural porque
acionam o grupo de cangaceiros e o chefe Lampião como agentes da ação verbal
ou porque estabelecem concordância semântica com o referente grupo de
cangaceiros. A maioria dos verbos encontra-se no tempo pretérito, o que indica a
concretude das ações.
O termo circunstante não indica circunstância de negação e é empregado,
principalmente, para descrever decisões tomadas pelos cangaceiros para evitar
perda de munição em uso desnecessário (E54CP e E57CP), para indicar a falta de
resistência ao ataque empreendido no município de Luis Gomes (E58CP) e para
afirmar que os cangaceiros não recebem propina ou qualquer outra espécie de
pagamento do chefe Lampião (E64CP) – o que revela a fidelidade dos cangaceiros.
6.1.2.2 Bandidos
a) Referenciação e modificadores
Existem mais duas ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E23CP e E24CP,
26
Estando 01 - E15CP
Penetraram 01 - E22CP
Tendo deixado 01 - E22CP
Dividiram 01 - E23CP
Atacaram 01 - E23CP
Avançaram 01 Afoitamente agachados pelo E24CP
chão
Atirando 01 - E24CP
Cantando 01 - E24CP
Puderam 01 - E25CP
Aproximar 01 - E25CP
Tentando tomar 01 - E25CP
Corriam 01 Encostados ao muro da E26CP
casa Alfredo Fernandes ao
lado da Praça São Vicente
Expondo 01 - E26CP
Permanecendo 01 - E27CP
Hostilizando 01 - E27CP
Tomaram 01 - E42CP
Conduziam 01 - E48CP
Saíram 01 - E70CP
Quadro 34: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.
Limoeiro 01 E71CP
Quadro 35: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.
6.1.2.3 Bandoleiros
a) Referenciação
b) Predicação
6.1.2.4 Facínoras
a) Referenciação
b) Predicação
Ao seu lado, vimos os Majores Julio Maia, José de Oliveira Costa, José
Martins Fernandes e grande número de cavalheiros de representação a
despejar a fuzilaria contra a horda assaltante (E49CP).
a) Analogia
representações analisadas, o que revela uma simetria entre os pontos de vista dos
enunciadores das três notícias. No entanto, os elementos linguísticos responsáveis
por assinalar essas representações são marcados por especificidades distintas na
notícia do jornal O Nordeste e, por isso, devem ser considerados nesta análise.
6.1.3.1 Grupo
a) Referenciação e modificadores
e noutros enunciados desta notícia como numeroso, mas diz respeito a uma divisão
estratégica do grupo realizada pelo próprio Lampião (uma parte do grupo investiu no
ataque em Apodi e a outra se dirigiu para Mossoró), tendo em vista distrair a
atenção dos mossoroenses em relação ao provável ataque.
b) Predicação
6.1.3.2 Bandidos
A uma légua desta cidade, cêrca de meio dia, mandam um portador com
a intimativa ao Coronel Rodolfo Fernandes, infatigável chefe do
executivo municipal, para lhes enviar quatrocentos contos de réis, sob
pena de se assenhorarem, imediatamente, da cidade (E15N).
O céu havia-se toldado. Nevoeiros pesados se formavam e a chuva se
avizinhou debaixo de trovoadas! Sombrias pareciam as horas, mas era a
saudação que Deus nos mandavam das alturas! Seriam
aproximadamente dezesseis horas, quando tivemos o primeiro contacto
com os bandidos (E19N).
Os bandidos recuam, voltam ousadamente à carga e são novamente
repelidos. E24N. Deixam mortos e feridos e organizam a fuga (E23N).
Cessado o forte tiroteio, irrompe pelas ruas, o povo, em delirantes
brados de vivas a Mossoró, ao Prefeito, ao Presidente do Estado, ao
Chefe de Polícia, aos nossos soldados, desafiando Lampião e os seus
sequazes: Sabino, Massilon e tôda caterva de bandidos que fugiam
diante de nossas armas vitoriosas, sem o derrame de uma só gota de
sangue do povo citadino (E25N).
Êste número, entretanto, está em desacôrdo com o que se verificou em
Limoeiro, no Estado do Ceará, de 41, conforme a fotografia que ali
tiraram os bandidos! (E27N).
a) Referenciação e modificadores
horas
Quadro 40: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.
d) Conexão
Além dos conectores e (que estabelece relações de adição entre partes dos
enunciados) e que (que estabelece relações de coordenação entre os enunciados
ou mesmo retoma, na função de pronome relativo, o agente da ação verbal),
interessante considerar o conectivo entretanto, em E08N. Esse conectivo indica
contrariedade, adversidade. No enunciado, sugere que os bandidos de Lampião
realizaram o ataque à cidade do Apodi como forma de ludibriar os mossoroenses,
fazendo-os acreditar não ser mais do interesse do grupo atacar Mossoró. No
entanto, estavam, na verdade, fazendo um prenúncio do assalto que seria realizado
em Mossoró.
6.1.3.3 Bando
a) Referenciação e modificadores
b) Predicação
c) Conexão
a) Referenciação
b) Analogia
6.1.3.5 Companheiros
a) Referenciação e modificadores
6.1.4 Síntese
Lá na Gruta do Angico
fez seu pouso derradeiro
No sertão alagoano
morre o rei dos cangaceiros
Fez a justiça no punho,
a lei era o seu aço
Conhecido Lampião,
o grande Rei do Cangaço
João Carreiro
REFERÊNCIAS
______. Linguistique textuelle: des genres de discours aux textes. Paris: Nathan,
1999.
DIJK, T.A. Some Aspects of Text Grammar. Paris, The Hague, Mouton, 1972.
________. O texto e a construção dos sentidos. 10ª ed. São Paulo: Contexto,
2012.
PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção
co(n)textual de sentido. In: LEITE, M. Q.; BENTES, A. C. (Org.). Linguística de
Texto e Análise de Conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo:
Cortez, 2010.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...189
PRETI, D. Inclusão e exclusão social pela linguagem: a gíria de grupo. In: BENTES,
A. C.; LEITE, M. Q. (Orgs.). Linguística de Texto e Análise da Conversação:
panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
ANEXOS
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...192
O MOSSOROENSE
ENUNCIADOS
E08M. O grupo famanaz desses hunos da nova espécie tentara atacar e saquear a
E09M. (O grupo famanaz desses hunos da nova espécie) tendo sido obrigado a
recuar em vista da resistência heroica que encontrara por parte dos habitantes da
pequena cidade.
E10M. Desesperado por este fracasso, (O grupo famanaz desses hunos da nova
Lampião.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...193
Aristides de Freitas que (...) ficou no aparelho telegráfico dando informações para
fácil condução.
E19M. Vivemos sobre a iminência de graves perigos ante as ameaças dos bandidos
Lampião, Sabino e Massilon, sendo este o mesmo que atacou Apodi, ali matando,
roubando e incendiando.
desorganizadamente.
combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes somas de dinheiro,
E30M. O celerado e seus adeptos entram em contato conosco, pouco antes das 16
horas.
E31M. Se o céu nos mandava lágrimas, também saudava, abafando o som dos
disparos.
E36M. Traiçoeiro, insidioso, talvez se refazendo porque, tendo chegado aqui com 53
minudências.
E38M. A força paraibana (...) vinha no encalço de Lampião e aqui chegaram terça-
feira.
E40M. O bandido José Leite, vulgo Jararaca preso, gravemente ferido, e recolhido à
E43M. (Jararaca) Tomou parte no ataque de São Sebastião, Belém e outros pontos
do Nordeste.
E45M. (Jararaca) Trajava dólman cáqui, camisa encarnada, lenço azul entrelaçado
côxa.
E47M. (Jararaca) Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por
E48M. O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por Lampião.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...196
E49M. (Jararaca) Disse mais que o ataque foi alvitrado por Massilon, não sendo isto
desejo de Lampião.
E50M. (Jararaca) Disse ainda que o bandido Júlio Porto não fazia parte do grupo.
E51M. (Jararaca) Disse que ele (Jararaca) foi um cangaceiro temível em toda a zona
E53M. (Jararaca) Disse que era vontade do mesmo (Lampião) se conduzir a Pajeú
E54M. (Jararaca) Disse que o mesmo (bandido morto) se chamava Colchete, era
E55M. (Jararaca) Disse mais que o último ataque a Apodi foi chefiado por Massilon
Leite.
E56M. (Jararaca Disse) que grupo de Lampião tem muita munição e que o povo
E57M. (Jararaca) disse que era Oliveira (o pequeno bandido que andava com
Lampião), é alvo baixo, tem 16 anos e que Lampião tinha bastante confiança no
E58M. (Jararaca) disse que esse pequeno entrou para o cangaço no intuito de
E59M. (Jararaca) Disse ainda que quando havia entrado para o bando de Lampião,
E64M. (Jararaca) disse que o mesmo (Massilon) havia confessado ao bando que
E65M. (Jararaca) Disse mais que foi ordenança do Cel. Antonio Francisco de
E67M. (Jararaca) (disse) que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre
procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e era muito
respeitado, no bando.
E68M. (Jararaca) Disse ainda que em S. Sebastião havia o bando ateado fogo em 2
E69M. (Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado por
diversas vezes.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...198
CORREIO DO POVO
ENUNCIADOS
E04CP. Como morreu o bandido Colchête e como foi ferido e aprisionado Jararaca,
E05CP. A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e assediada
E06CP. A imensa fama de riqueza aqui acumulada e o seu amor ao trabalho, à paz
saque e de sangue.
E08CP. Foram 4 horas de luta heroica onde se cimentou com galhardia maravilhosa
ao Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes exigindo 400 contos de réis, ao contrário entraria
na cidade, incendiando-a.
Diocesano e nas residências dos Srs. Pedro Leite e Afonso Freire, situadas na
Casa Colombo.
estabelecimento dos Srs. Alfredo Fernandes & C. na Praça Cel. Bento Praxedes; a
inimigo.
E25CP. Mas ou menos depois de meia hora de fogo, puderam alguns bandidos
Janeiro.
tôrre de São Vicente, deram sinal de que um cangaceiro fora atingido, caindo na
E30CP. [Um cangaceiro] Tinha em seu poder, muita munição, um fuzil mauser,
E31CP. [Um cangaceiro] Era um dos elementos de confiança de Lampião, por ser
afoito e terrível.
Pernambuco
cidade.
E43CP. Lampião depois de batido em Mossoró tomou rumo do Ceará, pela estrada
E44CP. O portador relatou que Lampião estava envergonhado porque não pode
entrar em Mossoró.
doente que soube ser As de Ouro, - um pequeno bandido – ferido por bala no nariz.
E47CP. Lampião conduziu, prêso, até Lagoa do Rocha – Ceará, o Sr. Manoel Freire.
E49CP. Ao seu lado, vimos os Majores Julio Maia, José de Oliveira Costa, José
as seguintes informações:
dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de cangaceiros chefiados
por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de um ano, tendo tomado parte nos
E54CP. No itinerário que fizera até aqui, atacaram um lugar chamado Belém, na
Paraíba, onde foram repelidos, não tendo continuado a atacar para não desfalcar a
onde, sem resistência, prenderam dois velhos que traziam como reféns.
E57CP. Deram fogo em Apodi, mas desistiram do ataque para não estragarem
conduzindo um senhor de nome Antonio Gurgel que vinha de Mossoró, cujo senhor
contos de réis.
Sr. Rodolfo Fernandes dizendo que não entrava na cidade mediante uma
E60CP. Lampião mesmo assim, resolveu fazer o ataque por ser vergonhoso vir tão
E61CP. Deu ordem de avançar e como estivesse do outro lado do rio vieram até a
bando por Benevides, avançaram pelo lado de baixo para atacar a Estação da
Estrada de Ferro.
E63CP. Já dentro da rua romperam fogo, tendo a vanguarda comandada por Sabino
e onde êle Jararaca se encontrava, penetrado por trás da Igreja de São Vicente,
E64CP. O grupo que veio atacar esta cidade é composto de 53 homens, e não
recebem nenhuma remuneração de Lampião, fazendo cada qual o que pode nas
ocasiões de saques.
E65CP. Lampião declara sempre em palestra que o dinheiro que arruma é para
E66CP. O grupo vinha armado por 44 fuzis mauser, 9 rifles e 15.000 cartuchos,
distribuídos até o numero de 400 cada um, sendo êste número pelos mais
Bartolomeu quando Lampião tomou parte contra os revoltosos tendo o Cel. José
munição. Lampião tem ainda mais armamento cuja quantidade não sabe, guardado
E67CP. Declarou que o indivíduo Massilon Leite é o mesmo que assaltou Apodi, em
acompanhado de dois homens José Roque e José Côco, levando 6 fuzis e pequena
E68CP. Sabe com certeza que Lampião nunca atacou uma cidade do tamanho de
Mossoró.
E71CP. Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e haver
E72CP. Lampião e seu grupo, em Limoeiro (Ceará) foi recebido com festas,
O NORDESTE
ENUNCIADOS
E03N. Há mais de mês, vinha esta cidade sendo avisada de que Lampião, o terrível
bandido que tem desafiado a ação das forças policiais do Nordeste, preparava um
assalto a esta cidade, conjuntamente com outros, contando aqui fazer sua
famigerado salteador.
E05N. Lampião, que as notícias oficiais do Ceará davam como perseguido pelas
pouco, vindo do Ceará, tinha salteado Apodi e outros municípios do Rio Grande do
E07N. [Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta
cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos tranquilizar
E09N. Cada um trazia dois fuzis para armar possivelmente aquêles que se
E11N. No domingo, 13, de 23 para 24 horas, eis que nos surgem inopinadamente os
e a depredações.
E13N. Nada escapa à sanha destruidora, até roupas, potes, panelas e outros
arrebanhando animais.
E15N. A uma légua desta cidade, cêrca de meio dia, mandam um portador com a
imediatamente, da cidade.
mandou segundo, já de Bom Jesus, a meia légua, que não teve menor sorte.
pelas vedetas das tôrres da Matriz e de São Vicente e outros pontos altos.
que Deus nos mandavam das alturas! Seriam aproximadamente dezesseis horas,
Nacional e somem-se!
E25N. Cessado o forte tiroteio, irrompe pelas ruas, o povo, em delirantes brados de
caterva de bandidos que fugiam diante de nossas armas vitoriosas, sem o derrame
bandidos!
E28N. Entretanto, Mossoró se preparou para repelir 150 celerados, pelas armas,
E29N. Após essa fuga, na tarde do dia seguinte, 14, chegam-nos tropas da Paraíba
e destacamentos de Porta Alegre, dêste Estado, que estivessem aqui mais cedo,
E30N. A fôrça paraibana, sob o comando do Tenente Costa, seguiu no encalço dos
bandoleiros.
E33N. Quando o fogo mais se intensificava o bandido Colchete relevou uma audácia
E35N. Jararca tenta desarreá-lo (saqueá-lo na jíria deles) como é de costume entre
bandidos.
E37N. Jararaca cai ferido e logo se levanta aos tombos em fuga, recebendo adiante
outro balaço na perna direita que o obriga novamente a cair, foge, entretanto, para o
mato, indo pairar à ponte da Estrada de Ferro, onde foi capturado no dia seguinte,
E39N. O nêgro Colchete naquela mesma tarde foi arrastado, já morto, amarrado
pelas pernas, até a Praça da Matriz, pelo povo, que saudava a vitória com gritos
ensurdecedores!
E41N. Como se vê de um retrato tirado em Limoeiro, logo que ali chegou o bando de
E42N. Se ali só havia 41 bandidos, é fato que 12, inclusivo 2 aqui enterrados,
desapareceram.
E44N. Cap. Virgolino Ferreira Lmapião – Cel. Rodolfo: Estando Eu até aqui pretendo
é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo resolver mi mandar a
importância que nós pode Eu evito de entrada ahi, porem não vindo, esta
importância eu entrarei até ahi penso que adeus querer eu entro e vai aver muito
estrago, por isto se vir o dinheiro eu não entro ahi mais mande resposta logo. Cap.
Lampião”.
E45N. “Virgolino Lampião: Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não
tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado,
tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que
o Sr. queira contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa
E46N. Sabino Gomes – 1º Tenente. “13 de junho de 1927 – Meu caro Rodolfo
Fernandes. Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião o qual está aqui
aquartelado aqui bem perto da cidade, manda porem um acôrdo para não atacar
sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens bem equipados e
munidos a farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até
aqui que me disse o próprio Lampião seria bem recebido. Para evitar o pânico e o
derramamento de sangue, penso que o sacrifico compensa, tanto que êle promete
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...211
não voltar mais a Mossoró. Diga sem falta ao Jaime que os 21 contos que pedi
ôntem para o meu resgate não chegaram até aqui e se vieram o portador se
desencontrou, assim peço por vida de Iolanda para mandar o cobre por uma pessoa
de confiança para salvar a vida do pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo me
tem tratado com muita deferência, mas eu bem avalio o risco que estou correndo.
tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes.