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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE LETRAS
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem
Doutorado em Estudos da Linguagem
Área de concentração: Linguística Teórica e Descritiva

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU


BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O
mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de
asseclas”

Ananias Agostinho da Silva

NATAL
2015
ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU


BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O
mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de
asseclas”

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Estudos da Linguagem
(PPgEL), da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), sob a
orientação do Prof. Dr. Luís Passeggi,
como requisito para obtenção do grau de
Doutor.

NATAL
2015
ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE LAMPIÃO E SEU


BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927): “O
mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de
asseclas”

Tese apresentada como requisito para a obtenção do grau de Doutor em Estudos da


Linguagem ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL),
Departamento de Letras, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, tendo
sido defendida e aprovada em ____/____/2015, pela seguinte banca examinadora:

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi (UFRN)
Presidente
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria das Graças Soares Rodrigues (UFRN)
Examinador Interno
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Andrey Pereira de Oliveira (UFRN)
Examinador Interno
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Eliete de Queiroz (UERN)
Examinadora Externa
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Rosalice Botelho Wakim Souza Pinto (CLUNL-CEJEA-Portugal)
Examinadora Externa
______________________________________________________________
Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza (UERN)
Examinador Externo

NATAL
2015
UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede
Catalogação da Publicação na Fonte
Silva, Ananias Agostinho da.

Representações discursivas sobre lampião e seu bando em notícias de jornais mossoroenses


(1927): “O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas” / Ananias
Agostinho da Silva. - Natal, 2016.

212 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Luís Álvaro Sgadari Passeggi.

Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ciências Humanas, Letras e
Artes. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.

1. Representações discursivas - Tese. 2. Lampião - Tese. 3. Cangaceiros - Tese. 4. Notícias -


Tese. 5. Análise do discurso - Tese I. Passeggi, Luís Álvaro Sgadari. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 81‟42:070.3(813.2)


Já foi-se o tempo
Do fuzil papo amarelo
Prá se bater
Com poder lá do sertão
Mas lampião disse
Que contra o flagelo
Tem que lutar
Com parabelo na mão...

Lenine
À minha saudosa vó, Felicidade, eu dedico.
ABREVIATURAS

Análise Textual dos Discursos (ADT)

Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (ANPOLL)

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Grupo de Pesquisa em Análise Textual das Representações Discursivas (ATD-RD)

Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da Conversação (GT LTAC)

Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)


LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Esquema 03: Determinações textuais “ascendentes” e regulações


“descendentes”.......................................................................................................... 30
Figura 02: Esquema 04 – Níveis ou planos de discurso........................................... 36
Figura 03 – Esquema 05: Operações de segmentação e de ligação....................... 41
Figura 04 – Esquema 13: Operações de ligação que asseguram a continuidade
textual........................................................................................................................ 42
Figura 05 – Esquema 11: As três dimensões da proposição-enunciado.................. 47
Figura 06: Situação da comunicação........................................................................ 55
Figura 07: Cabeças decepadas de Lampião e de alguns cangaceiros de seu
bando......................................................................................................................... 87
Figura 08: Itinerário de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte................... 89
Figura 09: Formas de organização dos textos jornalísticos...................................... 95
Figura 10: Fac-símile de edição do jornal “O Mossoroense”................................... 104
Figura 11: Fac-símile de edição do jornal “Correio do Povo”.................................. 107
Figura 12: Fac-símile de edição do jornal “O Nordeste”.......................................... 110
LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Tipos de anáfora..................................................................................... 44


Quadro 02: Síntese das sequências textuais............................................................ 51
Quadro 03: Operações de tematização..................................................................... 61
Quadro 04: Operações de aspectualização.............................................................. 61
Quadro 05: Operações de relação............................................................................ 61
Quadro 06: Gêneros do domínio discursivo jornalístico............................................ 92
Quadro 07: Gêneros centrais e periféricos................................................................ 97
Quadro 08: Notícias do jornal “O Mossoroense”..................................................... 105
Quadro 09: Notícias do jornal “Correio do Povo”.................................................... 109
Quadro 10: Notícias do jornal “O Nordeste”............................................................ 111
Quadro 11: Síntese da catalogação dos enunciados.............................................. 113
Quadro 12: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como
chefe do cangaço na notícia do jornal O Mossoroense.......................................... 120
Quadro 13: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de
Lampião como chefe de cangaço em notícia do jornal O Mossoroense................. 123
Quadro 14: Predicados que constroem a representação discursiva de Lampião como
derrotado em notícia do jornal Correio do Povo...................................................... 126
Quadro 15: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de
Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo............................. 127
Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de
Lampião como derrotado em notícia do jornal Correio do Povo............................. 128
Quadro 17: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva
de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste.................................. 131
Quadro 18: Predicados e termos circunstanciais que constroem a representação
discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste................. 132
Quadro 19: Locativos temporais que favorecem a construção da representação
discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste................. 133
Quadro 20: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação
discursiva de Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste................. 134
Quadro 21: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de
Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste....................................... 135
Quadro 22: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como
capitão e senhor em notícia do jornal O Nordeste.................................................. 137
Quadro 23: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva
de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Mossoroense........................................................................................................... 143
Quadro 24: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Mossoroense........................................................................................................... 145
Quadro 25: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Mossoroense........................................................................................................... 147
Quadro 26: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião............................................................................ 148
Quadro 27: Conetivos que favorecem a construção da representação discursiva de
grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense....... 149
Quadro 28: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal O
Mossoroense........................................................................................................... 152
Quadro 29: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva
de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.. 156
Quadro 30: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do
Povo........................................................................................................................ 158
Quadro 31: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do
Povo........................................................................................................................ 159
Quadro 32: Locativos temporais que favorecem a construção da representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do
Povo........................................................................................................................ 160
Quadro 33: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva
de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal Correio do
Povo........................................................................................................................ 162
Quadro 34: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio
do Povo................................................................................................................... 163
Quadro 35: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio
do Povo................................................................................................................... 165
Quadro 36: Locativos temporais que favorecem a construção da representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio
do Povo................................................................................................................... 165
Quadro 37: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Nordeste.................................................................................................................. 170
Quadro 38: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Nordeste.................................................................................................................. 173
Quadro 39: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Nordeste.................................................................................................................. 174
Quadro 40: Locativos temporais que favorecem a construção da representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O
Nordeste.................................................................................................................. 175
Quadro 41: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva
de bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.... 177
Quadro 42: Síntese das operações semânticas de construção de representações
discursivas versus os recursos linguístico-textuais................................................. 181
SILVA, Ananias Agostinho da. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE
LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927):
“O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas”.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2015 (UFRN/PPgEL).

RESUMO
Nesta tese de doutoramento analisamos as representações discursivas do
cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando de cangaceiros em
notícias de jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado
(1927), de quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio
Grande do Norte, em treze de junho daquele ano. Para tanto, tomamos por
fundamentação os pressupostos teóricos da Linguística Textual, especialmente do
quadro mais restrito do que se designa hoje como Análise Textual dos Discursos
(ATD), abordagem teórica e descritiva de estudos linguísticos do texto proposta pelo
linguista francês Jean-Michel Adam. Desta abordagem, interessa-nos, de modo
específico, o nível semântico do texto, com destaque para a noção de representação
discursiva, estudada com base nas operações de referenciação, predicação,
modificação, localização espacial e temporal, conexão e analogia (ADAM, 2011;
CASTILHO, 2010; KOCH, 2002, 2006; MARCUSCHI, 1998, 2008; NEVES, 2007;
RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010). O corpus desta pesquisa é
composto por três notícias publicadas na década de vinte do século passado nos
jornais O Mossoroense, Correio do Povo e O Nordeste, e reconstituídas por meio de
coleta realizada nos arquivos do Museu Municipal Lauro da Escócia, do Memorial da
Resistência de Mossoró, ambos localizados em Mossoró, e na coletânea de notícias
de jornais Lampião em Mossoró, do historiador norte-rio-grandense Raimundo
Nonato. As representações discursivas são construídas a partir do emprego das
operações semânticas de análise. Para Lampião, são construídas as seguintes
representações: bandido, chefe de cangaceiros, subornador, derrotado, Capitão e
Senhor. Para os cangaceiros do bando de Lampião foram construídas as seguintes
representações discursivas: grupo, bando, bandidos, companheiros, matilha
sanguinária, bandoleiros, cangaceiros, facínoras, horda assaltante, feras e
selvagens. Essas representações revelam, principalmente, os pontos de vista dos
jornais daquela época, que representavam, essencialmente, os interesses de
comerciantes, de políticos, do próprio governo e da população mossoroense de
modo geral.

Palavras-chave: Representações discursivas. Lampião. Bando de cangaceiros.


Notícias.
SILVA, Ananias Agostinho da. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE
LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927):
“O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas”.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2015 (UFRN/PPgEL).

ABSTRACT

In this doctoral thesis analyzed the discursive representations of the bandit Lampião,
the Lantern and his bandits gang in news mossoroenses newspapers published in
the twenties of the last century (1927), when the gang invasion of the city of Mossoro
in the state of Rio Grande do Norte, on June 13 of that year. To this end, we take as
basis the theoretical assumptions of linguistics Textual, especially the narrower
context of what is known today as Textual Analysis of the Discourses (ADT),
theoretical and descriptive approach to linguistic studies of the text proposed by the
French linguist Jean-Michel Adam. In this approach, we are interested in, specifically,
the semantic level of the text, highlighting the notion of discursive representation,
studied based on benchmarking operations, predication, modification, spatial location
and temporal connection and analogy (ADAM, 2011; CASTILHO, 2010; KOCH,
2002, 2006; MARCUSCHI, 1998, 2008; NEVES, 2007; RODRIGUES, PASSEGGI &
SILVA NETO, 2010). The corpus of this research consists of three reports in the
twenties of the last century in newspapers The Mossoroense, Correio do Povo and
the Northeast, and reconstituted through the collection held in the Municipal Museum
Lauro Scotland files, Memorial Resistance Mossoro, both located in Natal, and in the
news collection of Lampião newspapers in Natal, north of Rio Grande Raimundo
Nonato historian. The discursive representations are built from the use of semantic
analysis operations. Lampião to, the following representations are built: bandit, head
of bandits, briber, defeated, Captain and Lord. To the outlaws of Lampião bunch of
the following discursive representations were built: group, gang, gangsters, mates,
bloodthirsty pack, brigands, bandits, criminals, burglar horde, and wild beasts. These
representations reveal mainly the views of the newspapers of that time, which
represented mainly the interests of traders, politicians, the government itself and
generally Mossoró population.

Keywords: Discursive representations. Lampião. Bunch of bandits. News.


SILVA, Ananias Agostinho da. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE
LAMPIÃO E SEU BANDO EM NOTÍCIAS DE JORNAIS MOSSOROENSES (1927):
“O mais audaz e miserável de todos os bandidos” e o seu “grupo de asseclas”.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2015 (UFRN/PPgEL).

RESUMEN

En esta tesis doctoral se analizan las representaciones discursivas del bandolero


Virgolino Ferreira da Silva, el Lampião, y su grupo de bandidos en noticias de
periódicos mossoroenses publicados en los años veinte del siglo pasado (1927),
cuando el grupo realizó la invasión de la ciudad de Mossoro en el estado de Rio
Grande do Norte, el 13 de junio de ese año. Para ello, toma para la base de analize
los supuestos teóricos de la Lingüística Textual, especialmente el contexto más
estrecho de lo que se conoce hoy en día como Análise Textual dos Discursos (ATD),
enfoque teórico y descriptivo de los estudios lingüísticos del texto propuesto por el
lingüista francés Jean-Michel Adam. En este enfoque, nos interesa, en concreto, el
nivel semántico del texto, poniendo de relieve la noción de representación
discursiva, estudió sobre la base de las operaciones de evaluación comparativa, la
predicación, la modificación, la ubicación espacial y temporal, la conexión y la
analogía (Adam, 2011 ; CASTILHO, 2010; Koch, 2002, 2006; Marcuschi, 1998,
2008; Neves, 2007; RODRIGUES, PASSEGGI, SILVA NETO, 2010). El corpus de
este estudio consiste en tres noticias publicadas en los años veinte del siglo pasado
en los periódicos O Mossoroense, Correio do Povo y O Nordeste, y reconstituidos
mediante la reunión que tuvo lugar en los archivos de lo Museo Municipal Lauro
Escocia e de lo Memorial da Resistência de Mossoro, ambos situados en Mossoró-
RN, y en la colección de noticias de lo libro Lampião em Mossoró, de lo historiador
Raimundo Nonato. Las representaciones discursivas se construyen a partir del uso
de las operaciones de análisis semántico. Para Lampião, las siguientes
representaciones se construyen: bandido, jefe de bandidos, sobornador, derrotado,
el capitán y Señor. Para los bandidos de Lampião manojo de las siguientes
representaciones discursivas se construyeron: grupo, cuadrilla, gángsteres,
compañeros, paquete sanguinaria, ladrones, bandidos, criminales, horda antirrobo,
bestias y salvajes. Estas representaciones muestran principalmente los puntos de
vista de los periódicos de la época, lo que representaba principalmente los intereses
de los comerciantes, los políticos, el propio gobierno y en general la población
Mossoró.

Palabras-clave: Representaciones discursivas. Lampião. El manojo de bandidos.


Noticias.
SUMÁRIO

CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS............................................. 17


1.1 Primeiras palavras............................................................................................. 17

CAPÍTULO II: A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS: UMA TEORIA DA


PRODUÇÃO (CON)TEXTUAL DE SENTIDOS........................................................ 24
2.1 Linguística Textual: perspectivas.................................................................... 24
2.2 Análise Textual dos Discursos: a proposta de Jean-Michel Adam.............. 29
2.2.1 Os níveis de análise......................................................................................... 36
2.3 O nível semântico da Análise Textual dos Discursos................................... 40
2.4 As unidades de análise..................................................................................... 45
2.4.1 A proposição..................................................................................................... 46
2.4.2 O período.......................................................................................................... 48
2.4.3 As sequências.................................................................................................. 49
2.4.4 O plano de texto............................................................................................... 51

CAPÍTULO III: SOBRE AS OPERAÇÕES DE CONSTRUÇÃO DE


REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS...................................................................... 53
3.1 Representações discursivas............................................................................ 53
3.2 Operações semânticas de construção de representações discursivas...... 58
3.2.1 Operações da sequência descritiva – Jean-Michel Adam............................... 59
3.3.3 Categorias semânticas – Ataliba T. de Castilho............................................... 62
3.2.4 Operações semânticas – Maria Helena de Moura Neves................................ 65
3.3 Redefinindo as operações de análise das representações discursivas...... 68
3.3.1 Referenciação.................................................................................................. 69
3.3.2 Predicação........................................................................................................ 71
3.3.3 Modificação...................................................................................................... 72
3.3.3.1 Modificação da referenciação ....................................................................... 73
3.3.1.2 Termos circunstantes.................................................................................... 74
3.3.4 Localização espacial e temporal...................................................................... 74
3.3.5 Conexão........................................................................................................... 75
3.3.6 Analogia............................................................................................................ 76
CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS METODOLÓGICOS
DA PESQUISA.......................................................................................................... 79
4.1 Caracterização geral da pesquisa.................................................................... 79
4.2 Procedimentos para a constituição do corpus da investigação.................. 81
4.3 Cangaço: Lampião e seu bando de cangaceiros........................................... 85
4.3.1 Sobre o assalto à cidade de Mossoró.............................................................. 88
4.4 O domínio discursivo jornalístico.................................................................... 90
4.4.1 Sobre o jornal e seus gêneros.......................................................................... 93
4.4.2 A notícia............................................................................................................ 98
4.5 O corpus: dos jornais às notícias selecionadas.......................................... 102
4.5.1 O Mossoroense.............................................................................................. 102
4.5.2 Correio do Povo.............................................................................................. 106
4.5.3 O Nordeste..................................................................................................... 109
4.6 Protocolo de análise dos dados.................................................................... 112

CAPÍTULO V: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE


LAMPIÃO................................................................................................................ 116
5.1 A construção de representações discursivas de Lampião em notícias de
jornal....................................................................................................................... 116
5.1.1 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O
Mossoroense.......................................................................................................... 116
5.1.1.1 Lampião – Bandido...................................................................................... 117
5.1.1.2 Lampião – Chefe do cangaço...................................................................... 119
5.1.2 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal Correio do
Povo........................................................................................................................ 124
5.1.2.1 Lampião – Chefe de cangaceiros................................................................ 124
5.1.2.2 Lampião – Derrotado................................................................................... 125
5.1.2.3 Lampião – Subornador................................................................................ 126
5.1.3 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O Nordeste... 127
5.1.3.1 Lampião – Bandido...................................................................................... 130
5.1.3.1 Lampião – Capitão e Senhor....................................................................... 136
5.1.4 Síntese........................................................................................................... 138
CAPÍTULO VI: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DO BANDO DE
CANGACEIROS DE LAMPIÃO.............................................................................. 140
6.1 A construção de representações discursivas do bando de cangaceiros de
Lampião em notícias de jornal............................................................................. 140
6.1.1 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia
do jornal O Mossoroense........................................................................................ 140
6.1.1.1 Grupo........................................................................................................... 141
6.1.1.2 Bando.......................................................................................................... 150
6.1.1.2 Bandidos...................................................................................................... 151
6.1.1.3 Companheiros ............................................................................................ 153
6.1.1.4 Matilha......................................................................................................... 153
6.1.2 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia
do jornal Correio do Povo........................................................................................ 154
6.1.2.1 Grupo........................................................................................................... 154
6.1.2.2 Bandidos...................................................................................................... 160
6.1.2.3 Bandoleiros.................................................................................................. 166
6.1.2.4 Facínoras..................................................................................................... 167
6.1.2.5 Horda assaltante......................................................................................... 168
6.1.3 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia
do jornal O Nordeste............................................................................................... 169
6.1.3.1 Grupo........................................................................................................... 169
6.1.3.2 Bandidos...................................................................................................... 171
6.1.3.3 Bando.......................................................................................................... 172
6.1.3.4 Feras e selvagens....................................................................................... 177
6.1.3.5 Companheiros............................................................................................. 178
6.1.4 Síntese........................................................................................................... 179

CAPÍTULO VII: SÍNTESE DOS RESULTADOS DAS ANÁLISES E


CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 180

REFERÊNCIAS....................................................................................................... 186

ANEXOS
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...16

CAPÍTULO I: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Corre gente! Corre tudo


Que Lampião vem chegando!!!
Com mais cinquenta cabras
Já vem se aproximando!
Foi enorme a correria
E a meninada chorando.

Arievaldo Vianna

1.1 Primeiras palavras

Esta tese de doutoramento trata sobre as representações discursivas do


cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e seu bando em notícias de
jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado (1927), de
quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do
Norte, em treze de junho daquele ano. A escolha por esse corpus se justifica em
razão da relevância histórica, social e cultural dessas notícias, assim como pelo
interesse pessoal do pesquisador em melhor conhecer a atuação do cangaço
lampeônico no estado do Rio Grande do Norte e sua influência na história do Brasil
sob o viés dos estudos linguísticos.
Para tanto, buscamos fundamentação em pressupostos teóricos da
Linguística Textual, especialmente no quadro mais restrito do que se designa hoje
como Análise Textual dos Discursos (ADT), abordagem teórica e descritiva de
estudos linguísticos do texto, que, “com o objetivo de pensar o texto e o discurso em
novas categorias, situa decididamente a linguística textual no quadro mais amplo da
análise do discurso” (ADAM, 2011, p. 24). Esta perspectiva visa “teorizar e descrever
os encadeamentos de enunciados elementares no âmbito da unidade de grande
complexidade que constitui um texto” (p. 63), recorrendo a elementos da Análise de
Discurso e da Linguística Textual.
Dentre os principais níveis de análise sugeridos por Adam (2011), situamos
nossa pesquisa no nível semântico do texto, focalizando, de modo especial, a noção
de representação discursiva. Conforme Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, p.
173), “todo texto constrói, com menor ou maior explicitação, uma representação
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...17

discursiva do seu enunciador, de seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos que
são tratados”. No caso desta tese de doutoramento, interessam-nos os temas
tratados nas notícias, especificamente a construção de representações discursivas
de Lampião e seu bando de cangaceiros.
No âmbito do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) e
do Grupo de Pesquisa em Análise Textual das Representações Discursivas (ATD-
RD): Conceptualizações, Narrativas, Emoções (registrados no Diretório dos Grupos
de Pesquisa, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
CNPq) ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), várias
pesquisas têm sido desenvolvidas focalizando o nível semântico de textos políticos,
jornalísticos, jurídicos, epistolares, dentre outros, de impacto social e relevância
histórica.
Entre os trabalhos que tratam especificamente da noção de representação
discursiva, merece destaque o artigo pioneiro publicado no Brasil dos professores
Maria das Graças Soares Rodrigues, Luís Passeggi e João Gomes da Silva Neto
(2010), sobre as representações discursivas que o ex-presidente da Câmara dos
Deputados, Severino Cavalcanti, faz de si próprio como sertanejo no discurso de
renúncia ao cargo, em setembro de dois mil e cinco. A este, seguem-se vários
outros trabalhos desenvolvidos no âmbito daqueles grupos de pesquisa e do
Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
A tese de doutoramento de Milton Guilherme Ramos (2011) observa como
vestibulandos e pré-vestibulandos constroem representações discursivas dos verbos
ficar e namorar em produções textuais escritas. Fundamentado na Análise Textual
dos Discursos (ADAM, 2011) e na Semântica de Frames (FILMORE, 2006), ele
analisou cento e sessenta e oito textos empíricos e constatou que a construção de
representações discursivas de ficar e namorar ocorre de forma diferenciada, por
meio da designação dos referentes, da predicação, da aspectualização, das
circunstâncias espaciotemporais e do uso de metáforas, ressaltando a influência do
conhecimento enciclopédico e da cultura, além da presença de componentes
cognitivos relativos à produção textual.
A dissertação de mestrado de Karla Geane Oliveira (2013) analisa como se
constroem as representações discursivas da figura feminina no jornal O Povir,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...18

periódico quinzenal que circulou na cidade de Currais Novos, no Estado do Rio


Grande do Norte, nos anos finais da década de vinte do século passado. Também
baseada na Análise Textual dos Discursos, Oliveira (2013) analisou duzentos e
noventa e dois textos que abordavam aspectos relativos à figura feminina de trinta,
em nove edições do jornal, e constatou que senhorinha, mãe, esposa e dona de
casa foram as representações mais presentes nos textos, sempre em consonância
com as questões de ordem de maternidade, do casamento e da dedicação ao lar.
Maria Eliete de Queiroz (2013), em sua tese de doutoramento, investiga como
as representações discursivas do locutor e dos alocutários são construídas no
discurso de renúncia ao mandato de senador, proferido por Antônio Carlos
Magalhães (ACM), em maio de dois mil e um. De posse do instrumental da Análise
Textual dos Discursos, Queiroz (2013) observa que a representação discursiva do
locutor (Antônio Carlos Magalhães) é constituída “pelo conjunto de representações
mais específicas, expressas nas referenciações e nas suas modificações: vítima;
político; sigla; nordestino; presidente do senado; senador confiante; condenado”.
Como protagonista, “ele assume sempre a sua voz no discurso, manifesta seus
pontos de vista e posiciona-se como sujeito ativo, consciente da importância do seu
papel político e social, que o torna alvo e vítima das ações dos adversários” (p. 11).
A dissertação de mestrado de Alba Valéria Saboia Teixeira Lopes (2014)
identifica e descreve o fenômeno da representação discursiva da vítima e do
agressor no gênero sentença judicial. A pesquisa de Lopes (2014) insere-se no
âmbito teórico da Análise Textual dos Discursos e analisa uma sentença judicial, de
natureza penal, coletada eletronicamente do sítio do Tribunal de Justiça de São
Paulo – Poder Judiciário, com a temática da violência contra a mulher. Como
resultados, a autora demonstra que a construção da representação discursiva dos
sujeitos (vítima e agressor) se dá a partir de pontos de vista de enunciadores
distintos, que podem aproximar-se ou distanciar-se de acordo com a orientação
argumentativa do texto.
Na tese de doutoramento de Benedita Vieira de Andrade (2014), são
analisadas as representações discursivas de Câmara Cascudo em vinte cartas
escritas por Mário de Andrade entre os anos de mil novecentos e vinte e quatro e mil
novecentos e quarenta e quatro. Também fundada na Análise Textual dos
Discursos, Andrade (2014) conclui que são várias as representações discursivas de
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...19

Câmara Cascudo construídas e reconstruídas nos textos de Mário de Andrade. Na


verdade, segundo ela, é possível observar a construção de um conjunto de
diferentes representações discursivas, com destaque para a representação de
escritor, intelectual e amigo.
Anahy Samara Zamblano de Oliveira (2014), em sua tese de doutoramento,
descreve as representações discursivas que a presidenta Dilma Rousseff faz de si
mesma no seu discurso de posse em primeiro de janeiro de dois mil e onze.
Orientada pelas proposições da Análise Textual dos Discursos, Zamblano de
Oliveira (2014) observa que a representação discursiva da presidenta é configurada
por meio de diferentes domínios conceituais, explicitados pelas referenciações e
predicações, com destaque para as designações e ações e para os estados de
mulher e de presidenta, que remetem, respectivamente, aos domínios de gênero e
ao papel político-institucional.
Finalmente, a tese de doutoramento de Lucélio Dantas de Aquino (2015)
analisa as representações discursivas de Lula nas capas das revistas Época e Veja,
atentando para os elementos verbovisuais que constituem o gênero de
discurso capa de revista. Tomando como fundamentação teórica a Análise Textual
dos Discursos, Aquino (2015) analisa quarenta e uma capas de revistas e verifica
que são construídas diversas representações de Lula, tais como: candidato,
candidato eleito, presidente, presidente eleito, presidente reeleito, governante e
membro de partido político, político, petista, aliado de governos internacionais,
cúmplice e participante em escândalos de corrupção, amigo, irmão, primo, sobrinho,
pai, parente e homem.
Nossa investigação se situa neste panorama de pesquisas com foco na
análise semântica de textos concretos e na noção de representação discursiva. Está
diretamente vinculada ao Grupo de Pesquisa em Análise Textual das
Representações Discursivas (ATD-RD): Conceptualizações, Narrativas, Emoções,
mais especificamente à linha de pesquisa “Análise textual do discurso jornalístico”. A
vinculação de nossa pesquisa a este grupo não se dá simplesmente pelo fato de
sermos membros e pesquisadores do mesmo, mas, principalmente, pela
aproximação entre os objetivos propostos nessa tese e os objetivos das
investigações desenvolvidas no âmbito do grupo, que, de modo geral, procuram
descrever e interpretar no discurso jornalístico, nos seus diferentes gêneros e
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...20

suportes, a construção das representações discursivas dos enunciadores, dos


coenunciadores e dos temas tratados.
Assim delimitada, esta pesquisa busca responder a seguinte indagação:

 Como se efetiva o processo de construção de representações discursivas


sobre Lampião e seu bando de cangaceiros em notícias de jornais
mossoroenses sobre o assalto do bando à cidade de Mossoró?

Na tentativa de encontrar respostas para o questionamento central desta


pesquisa, objetivamos, de modo geral, investigar a construção de representações
discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros em notícias publicadas em
jornais mossoroenses publicados na década de vinte do século passado, de quando
da invasão do bando à cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte.
Em decorrência deste objetivo geral, estabelecemos como objetivos
específicos:

 Identificar e mapear os mecanismos linguístico-textuais responsáveis pela


construção de representações discursivas de Lampião e seu bando de
cangaceiros, observando a recorrência desses mecanismos no corpus
analisado;
 Descrever, analisar e interpretar o processo de construção de
representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros e os
efeitos de sentido que elas produzem nas notícias analisadas,
considerando as especificidades do gênero.
 Apresentar contribuições teóricas e metodológicas para os estudos e as
pesquisas que tematizam questões relacionadas à construção de
representações discursivas dos temas ou assuntos tratados, especialmente
em gêneros jornalísticos, bem como para os estudos linguísticos e
discursivos dos textos.

Para dar conta dos objetivos apresentados, recorremos a procedimentos de


análise que supõem levantamentos detalhados das ocorrências de fenômenos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...21

linguísticos que assinalam representações discursivas, analisadas conforme as


operações semânticas descritas a seguir e detalhadas ao longo deste trabalho:

 Referenciação;
 Predicação;
 Modificação;
 Localização especial e temporal;
 Conexão;
 Analogia.

As discussões teóricas e metodológicas e o trabalho de análise dos dados


aqui construídos conferiram a esta tese que ora apresentamos uma organização que
se estrutura em sete capítulos, descritos abaixo:

 O primeiro capítulo é dedicado à introdução da tese. Nele, apresentamos


um desenho de nossa investigação, enfocando aspectos como: a temática
da pesquisa, a justificativa para escolha do corpus, o estado da arte, a
questão de pesquisa, os objetivos, as operações semânticas de análise e a
organização estrutural do texto.
 O segundo e o terceiro capítulo são dedicados à apresentação do quadro
teórico da investigação. O segundo capítulo encontra-se dividido,
basicamente, em duas partes: na primeira, apresentamos uma
retrospectiva da Linguística Textual, atentando para as principais
perspectivas de trabalho e análise desta corrente da Linguística; na
segunda parte, nos detemos à apresentação da Análise Textual dos
Discursos, perspectiva teórico-metodológica proposta pelo linguista francês
Jean-Michel Adam, focalizando o nível semântico de análise dos textos.
 O terceiro capítulo é destinado à noção de representação discursiva,
pautada em Adam (2011) e no princípio de esquematização discursiva de
Jean-Blaize Grize (1990, 1996). Além disso, são apresentadas, discutidas e
redefinidas as principais operações de construção de representações
discursivas adotadas na análise dos dados deste trabalho anteriormente
citadas.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...22

 No quarto capítulo, apresentamos os aspectos metodológicos da pesquisa,


enfatizando o percurso realizado para a escolha da metodologia
empregada na coleta e seleção do corpus e análise dos dados.
Destacamos neste capítulo, também, aspectos relativos ao gênero textual
notícia e realizamos uma síntese histórica sobre o cangaço no Nordeste do
Brasil, especialmente sobre a atuação de Lampião.
 O quinto e o sexto capítulos são dedicados à análise e interpretação dos
dados. No quinto, analisamos as representações discursivas de Lampião
construídas a partir das operações de análise nas notícias que compõem o
corpus deste trabalho. No sexto capítulo, analisamos as representações
discursivas do bando de cangaceiros de Lampião, também considerando
as operações semânticas de análise.
 O sétimo e último capítulo é dedicado à síntese dos resultados, às
principais contribuições da pesquisa para os estudos do texto e do discurso
e às considerações finais. Ao final, encontram-se as referências
bibliográficas e os anexos com a reprodução das notícias analisadas.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...23

CAPÍTULO II: A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS: UMA TEORIA DA


PRODUÇÃO (CON)TEXTUAL DE SENTIDO

Foi uma tarde chuvosa


De tempestade e trovão
Que Virgolino Ferreira
Chamado de Lampião
Comandou o grande ataque
Com o fim de fazer saque
Da capital do sertão

José Cordeiro

2.1 Linguística Textual: perspectivas

A Linguística Textual começou a se desenvolver na Europa a partir da década


de sessenta do século passado, com maior ênfase e destaque na região germânica.
Constituindo um campo específico da Linguística – enquanto ciência da linguagem –
a Linguística Textual, conforme sugerem Fávero e Koch (20121), assume como
principal proposta de trabalho tomar o texto, e não mais a palavra nem a frase, como
objeto particular de investigação. Diferentemente da palavra e da frase, unidades
básicas, mas não completas, porque, dentre outros aspectos, não consideram o
contexto de produção, o texto constitui uma forma específica de manifestação de
linguagem.
A sugestão de se ultrapassar os limites de análise da palavra e da frase
consiste em um projeto inovador e em um amplo esforço teórico de muitos
estudiosos da linguagem da época. Prova disso é que, a partir dessa década de
sessenta, conforme enumeram Fávero e Koch (2012) e Marcuschi (1998), surge
uma rica bibliografia sobre o assunto, principalmente na Europa e nos Estados
Unidos, com destaque para autores como Heidolph, Hartung, Isenberg, Thümmel,
Hartmann, Harweg, Petöfi, Dressler, Van Dijk, Schmidt, Kummer, Wunderlich, dentre
outros que passaram a questionar a frase como unidade de análise, tendo em vista
as lacunas e deficiências que o trabalho com a mesma apresentava no estudo de
vários fenômenos da língua.
1
Trata-se da obra Linguística Textual: Introdução, publicada na década de oitenta (1983). Entretanto,
neste trabalho, dado o esgotamento da primeira edição, recorremos à uma nova publicação da obra
pela editora Cortez.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...24

Ao final da década de setenta, Conte (1977) afirma ser possível falar em três
momentos tipológicos da Linguística Textual: i) análise transfrástica, ii) as gramáticas
de texto e iii) as teorias de textos. Apesar de organizados de forma sequenciada,
esses momentos não podem ser concebidos, na passagem de um para o outro, a
partir de uma ótica cronológica, porque o desenvolvimento da Linguística Textual
não se deu de forma homogênea e linear.
No momento denominado de análise transfrástica, o interesse dos estudiosos
começou a se voltar “para fenômenos que não conseguiam ser explicados pelas
teorias sintáticas e/ou pelas teorias semânticas que ficassem limitadas ao nível da
frase” (BENTES, 2006, p. 247), como a correferenciação. Para tentar explicar
fenômenos como este, os estudiosos partiam de enunciados ou sequência de
enunciados (frases) para o texto, compreendido por Isenberg (apud BENTES, 2006,
p. 247) como uma “sequência coerente de enunciados”. Portanto, neste momento, o
objetivo principal dos estudiosos era estudar os tipos de relações que se
estabeleciam entre os diversos enunciados que constituem uma sequência
significativa – o texto – (FÁVERO & KOCH, 1998).
Entretanto, muitos autores (LANG, 1971, 1972; DRESSLER, 1972, 1977;
DIJK, 1972, 1973; PETÖFI, 1972, 1976) perceberam que as análises realizadas em
torno dos enunciados ou das sequências de enunciados não consideravam fatores
como o conhecimento intuitivo do falante, o contexto de produção dos enunciados,
dentre outros fatores. Diante dessa constatação, esses e outros autores começaram
a elaborar gramáticas textuais, que refletissem “sobre os fenômenos lingüísticos
inexplicáveis por meio de uma gramática do enunciado” (FÁVERO & KOCH, 1998, p.
14). Neste momento, o texto passou a ser considerado não mais como uma simples
sequência de frases, mas a sua produção e compreensão derivam de uma
competência do falante, a competência textual. Esta competência, segundo Fávero e
Koch (1998), é o que permite ao falante de uma língua distinguir um texto coerente
de um aglomerado incoerente de frases. E já que os usuários de uma língua têm
esta capacidade, justifica-se a necessidade de elaboração de gramática textual,
cujas tarefas básicas deveriam ser as seguintes:

i) Verificar o que faz com que um texto seja um texto (determinação de seus
princípios de constituição, fatores de textualidade, etc.);
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...25

ii) Levantar critérios para delimitação dos textos (como se pode delimitar um
texto. Como se pode considerá-lo completo, já que a completude é uma
das características essenciais ao texto.);
iii) Diferenciar as várias espécies de textos (FÁVERO & KOCH, 1998).

Apesar do esforço de muitos linguistas para execução dessas tarefas, não se


conseguiu executá-las de modo satisfatório. Conforme Bentes (2006, p. 251), “o
projeto revelou-se demais ambicioso e pouco produtivo, já que muitas questões não
conseguiram ser contempladas [...] e já que não se conseguiu construir um modelo
teórico capaz de garantir um tratamento homogêneo dos fenômenos pesquisados”.
Por isso, em vez de procurarem descrever a competência textual do falante por meio
de uma gramática textual, os estudiosos passaram a analisar os textos com um
olhar mais pragmático, procurando verificar como funcionam os textos em uso, de
que modo eles se constituem e como se dá sua compreensão. Em outras palavras,
os linguistas começaram a elaborar teorias de construção do texto, que o
concebessem não mais como um produto acabado em si, mas como um processo
que envolve questões sociocognitivas, interacionais e comunicativas. Assim sendo,
dados seus objetivos, nosso trabalho se enquadra, pois, nesta terceira fase da
Linguística Textual.
Na década de oitenta, mais de vinte anos após o surgimento da Linguística
Textual na Europa, aqui no Brasil, Marcuschi (20122, p. 33) propôs que a
compreendêssemos como o “estudo das operações linguísticas e cognitivas
reguladoras e controladoras da produção, construção, funcionamento e recepção de
textos escritos ou orais”. Assim sendo, a Linguística Textual abrange tanto a coesão
no nível dos constituintes linguísticos dos textos, como a coerência conceitual no
nível semântico e cognitivo e o sistema de pressuposições e implicações no nível
pragmático da produção de sentido no plano das ações e intenções. Ou ainda,
voltando aos termos de Marcuschi (2012), por um lado, a Linguística Textual deve se
preocupar com a organização linear dos textos, ou seja, o tratamento estritamente

2
Assim como a obra de Fávero e Koch (2012), anteriormente citada, o trabalho que aqui fazemos
referência compreende um texto apresentado por Marcuschi em uma conferência no IV Congresso
Brasileiro de Língua Portuguesa do Instituto de Pesquisas Linguísticas da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUCSP), também na década de oitenta (especificamente em 1983), publicado
posteriormente em forma de livro. Por esgotamento da primeira versão publicada, utilizamos ao longo
de nossa tese a recente edição publicada pela Editora Parábola.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...26

linguístico abordado no aspecto da coesão, e, por outro, deve considerar a


organização reticulada e tentacular, não linear, portanto, dos níveis de sentido e
intenções que realizam a coerência no aspecto semântico e pragmático. Trata-se,
portanto, de um campo de investigação bastante amplo e multifacetado.
Atualmente, no Brasil, os estudos em Linguística Textual são desenvolvidos,
basicamente, no âmbito do Grupo de Trabalho Linguística de Texto e Análise da
Conversação (GT LTAC), da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e
Linguística (ANPOLL), e se organizam, de modo geral, em três linhas de
investigação, a seguir identificadas e descritas: estudos sobre conversação,
interação e língua falada, estudos do texto e do discurso e aplicações e
desenvolvimentos dos estudos sobre interação e texto3.
Na primeira linha destacam-se, principalmente, os estudos sobre interação
em diferentes contextos, tais como conversação face a face, conversação em chats
online, entrevista televisiva, dentre outros. Conforme Orecchioni (2006), os estudos
desenvolvidos nesta linha buscam observar os processos cooperativos na atividade
conversacional, como: as trocas de turnos, os silêncios e as lacunas, as falas
simultâneas, as regras conversacionais, a coerência conversacional. “O objetivo da
análise conversacional é, precisamente, explicitar essas regras que sustentam o
funcionamento das trocas comunicativas de todos os gêneros…”. (ORECCHIONI,
2006, p.15). Além disso, também investigam como um dado vocabulário pode
contribuir para inclusão ou exclusão de falantes em um determinado grupo social – é
o caso das gírias (PRETI, 2010; BENTES, 2010).
Os estudos sobre texto e discurso, da segunda linha de investigação, são
desenvolvidos a partir da proposição de teorias ou modelos teórico-metodológicos
de análise de textos. Dentre estes, destacam-se perspectivas enunciativas de
abordagem do texto, tais como a Teoria Semiolinguística do Discurso, do linguista
francês Patrick Charaudeau, e a Teoria da Argumentação na Língua, de Oswald
Ducrot. Além desses, cabe ressaltar também os diálogos entre a Linguística Textual

3
A descrição a seguir não pretende ser exaustiva, nem completa. Interessa-nos apenas sintetizar a
pauta de estudos da Linguística Textual no Brasil neste início do século vinte e um, tomando por base
os trabalhos desenvolvidos pelos membros do GT LTAC. Para tanto, tomamos por base os trabalhos
pulicados no manual Linguística de Texto e Análise da Conversação: Panorama das pesquisas no
Brasil, organizados pelas professoras Anna Christina Bentes e Marli Quadros Leite no ano de 2010,
em homenagem ao linguista do texto brasileiro Luís Antônio Marcuschi, principal responsável pela
difusão e disseminação das ideias da Linguística Textual no Brasil. Outrossim, os trabalhos em
Linguística Textual desenvolvidas no Brasil não se resumem aos trabalhos aqui apresentados. Nosso
interesse é apenas apresentar um panorama dos trabalhos mais reconhecidos.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...27

e as ciências sociocogntivistas, seja para compreenderem as relações de mútua


constitutividade entre os conceitos de texto-discurso e sociocognição ou mesmo
para se compreender categorias de análise específicas da Linguística Textual, tais
como a referenciação e o tópico discursivo4.
Nesta linha se enquadra também o modelo de análise de Jean-Michel Adam,
que propõe uma teoria da produção co(n)textual de sentido, denominada de Análise
Textual dos Discursos, difundida no Brasil, especialmente, por pesquisadores da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no âmbito do Grupo de Pesquisa em
Análise Textual dos Discursos (cadastrado no CNPq). Trata-se de uma abordagem
teórico-metodológica que se funda na análise de textos concretos, pertencentes aos
mais diversos gêneros dos discursos, a partir de categorias textuais e discursivas.
Como já elucidado na introdução desta tese, é esta a abordagem da Linguística
Textual que norteia as análises aqui empreendidas e, portanto, será detalhada em
tópico seguinte.
Finalmente, em uma terceira linha de pesquisa da Linguística Textual
desenvolvida no Brasil, encontram-se os estudos dedicados a aplicações das teorias
sobre texto e interação às práticas docentes de ensino de língua, principalmente no
que diz respeito às questões de leitura, escrita, oralidade e gramática. A centralidade
do ensino nos gêneros textuais e a concepção de texto como unidade do ensino de
língua materna são as principais proposições oriundas da Linguística Textual ao
campo didático-educacional. Estas proposições trouxeram implicações significativas
para o ensino de língua, porque redimensionaram as práticas docentes dos
professores, no sentido de priorizar a competência comunicativa dos alunos e não
mais a transmissão pura de um conjunto de regras gramaticais, tal qual se fazia aqui
no Brasil até aproximadamente a década de oitenta.
Considerando estas e outras perspectivas de trabalho, é preciso que
compreendamos a Linguística Textual como uma área interdisciplinar dentro da
Linguística (aqui entendida em âmbito geral como ciência da linguagem), tal como
sugerem Marcuschi (1998) e Koch (1997). Enquanto tal, exige métodos e categorias

4
Em Linguística Textual, trabalhos são desenvolvidos nesta perspectiva a partir da chamada “virada
sociocognitiva” (KOCH, 2007), quando se passa a compreender a cognição como “um fenômeno
situado” (BENTES; LEITE, 2010, p. 42), isto é, que deve ser compreendido a partir da incorporação
de “aspectos sociais, culturais e interacionais à compreensão do processamento cognitivo” (BENTES;
LEITE, 2010, p. 42).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...28

provenientes de lugares distintos, tomados, na maioria das vezes, por empréstimo,


de muitas áreas do conhecimento. Koch (2012), por exemplo, destacou o diálogo
que a Linguística Textual tem estabelecido com as demais ciências humanas, dentre
as quais se ressaltam a Filosofia da linguagem, a Psicologia cognitiva e social, a
Sociologia Interpretativa, a Etnometodologia, a Etnografia da Fala, a Análise do
Discurso, a Análise da Conversação e, de modo recente, com a ciência da Cognição
e a Neurologia, tornando-se, cada vez mais, um domínio interdisciplinar, em que se
busca explicar como se dá a interação social por meio desse objeto complexo e
multifacetado que é o texto.

2.2 Análise Textual dos Discursos: a proposta de Jean-Michel Adam

Também considerando a Linguística Textual como um campo interdisciplinar,


tal qual afirmado anteriormente, quando fizemos referência aos trabalhos de
Marcuschi (1998) e Koch (1997), o linguista francês Jean-Michel Adam (2011),
propôs recentemente que a concebamos a partir de uma aproximação com a Análise
de Discurso, tendo em vista ser o texto e o discurso objetos complementares da
atividade enunciativa. Para tanto, Adam (2011) elabora uma perspectiva teórico-
metodológica denominada de Análise Textual dos Discursos, cujo interesse se volta
para a análise co(n)textual5 dos sentido de textos concretos. É esta abordagem que
apresentaremos ao longo deste tópico e que fundamenta teoricamente nossa tese.
De modo geral, podemos dizer que a Análise Textual dos Discursos
compreende uma abordagem teórica e descritiva da Linguística Textual, elaborada
por Jean-Michel Adam (2011). Estabelece associação entre o texto e o discurso no
sentido de pensá-los a partir de novas categorias que permitam compreender a
Linguística Textual como perspectiva decididamente situada no “quadro mais amplo
da análise do discurso” (p. 24). Sugere, pois, um deslocamento teórico-metodológico
que pode provocar efeitos aparentemente contraditórios, porque ao passo que

5
Acreditamos ser conveniente esclarecermos o emprego do termo co(n)textual, dada a diversidade
de interpretações que este termo pode apresentar. Esta, inclusive, parece ser uma preocupação do
próprio Adam (2011, p. 53), e, por isso, recuperamos uma explicação de seu trabalho para o uso do
termo: “Escrevemos “co(n)texto” para dizer que a interpretação de enunciados isolados apoia-se tanto
na (re)construção de enunciados à esquerda e/ou à direita (cotexto) como na operação de
contextualização, que consiste em imaginar uma situação de enunciação que torne possível o
enunciado considerado.”. Desse modo, a expressão diz respeito tanto ao cotexto quanto ao contexto
propriamente dito.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...29

estabelece relações, também segmente as tarefas da Linguística Textual e da


Análise do Discurso. Entretanto, na verdade, a proposta do linguista francês
estabelece, “ao mesmo tempo, uma separação e uma complementariedade das
tarefas e dos objetos da linguística textual e da análise do discurso”, definindo a
primeira como “um subdomínio do campo mais vasto das práticas discursivas” (p.
43).
Para entendermos o procedimento metodológico adotado por Jean-Michel
Adam, é preciso que compreendamos a Linguística Textual como uma corrente
desvencilhada da tradicional Gramática do Texto, e a Análise de Discurso como
linha emancipada da análise do discurso de orientação francesa (aquela
desenvolvida por Michel Foucault, amplamente difundida aqui no Brasil,
especialmente pelos estudos de Eni Orlandi e Maria do Rosário Valencise Gregolin).
Assim delimitadas, a Linguística Textual teria como objetivo “descrever os princípios
ascendentes que regulam os encadeamentos complexos, mas não anárquicos, das
proposições no seio de um sistema da unidade texto que apresenta relações sempre
especiais”. A Análise de Discurso, compreendida, de modo amplo, como análise das
práticas discursivas, deverá se deter, prioritariamente, à “descrição das regulações
descendentes que as situações de interação, as línguas e os gêneros impõem aos
componentes da textualidade” (ADAM, 1999, p. 35), conforme se pode ver no
esquema a seguir.

Figura 01: Esquema 03: Determinações textuais “ascendentes” e regulações “descendentes”


Fonte: Adam (2011, p. 43).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...30

Neste esquema, Adam (2011) mostra a articulação entre os dois campos: a


Linguística Textual como subdomínio da Análise de Discurso. É a primeira que
fornece os instrumentos necessários às leituras das práticas discursivas – uma
combinação dos dados do ambiente linguístico com os dados da situação
extralinguística. O esquema trata, pois, das determinações textuais ascendentes (da
direita para a esquerda) que regem os encadeamentos das proposições no sistema
que constitui o texto – objeto de estudo da Linguística Textual – e as relações
descendentes (da esquerda para a direita) que as situações de interação nos
lugares sociais, nas línguas e nos gêneros impõem aos enunciados – objeto da
análise do discurso (ADAM, 2011). Ou ainda, conforme Herrero Cecília (2006), o
esquema revela que, de um lado, a Análise de Discurso se interessa pelo
funcionamento comunicativo do texto, desde as regulações procedentes da língua,
do tipo de discurso e do gênero específico que impõe ao texto determinadas
convenções ou prescrições temáticas, composicionais, enunciativas ou estilísticas.
Por outro lado, a Linguística Textual se ocupa das regulações que dirigem as
operações e encadeamento e de segmentação das proposições, dos períodos e das
sequências que compõem o texto.
É pensando na possibilidade de articulação entre estas duas correntes que o
autor propõe ser a Análise Textual dos Discursos uma teoria de produção
co(n)textual dos sentidos, que toma como objeto de estudo textos empíricos
concretos. Assim delineada, a Análise Textual dos Discursos pretende responder à
demanda de propostas concretas para a análise de textos, “apresentando uma
reflexão epistemológica e uma teoria de conjunto” (ADAM, 2011, p. 25), que
contempla o texto na relação discursiva de produção e os efeitos de sentido
provenientes do co(n)texto – isto é, os dados do ambiente linguístico imediato
(cotextuais) e também os dados da situação extralinguística (contextuais).
Por tratar-se de uma teoria de conjunto, como disse o próprio Adam (2011)
em citação anterior, o recurso a empréstimos eventuais de conceitos de diferentes
áreas das ciências da linguagem compreende procedimento metodológico
constitutivo da Análise Textual dos Discursos. Para ele, a complexidade que envolve
a descrição de um objeto empírico como o texto justifica a necessidade de uma
teoria que, em diálogo com outras perspectivas, apresente um dispositivo teórico-
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...31

metodológico que dê conta daquele objeto e de suas relações com o domínio mais
vasto do discurso em geral. Esta teoria seria a Análise Textual dos Discursos.
O texto, seu objeto de análise, não pode ser compreendido como um simples
conjunto limitado de elementos léxico-lógico-gramaticais. Sendo o texto um objeto
complexo e multifacetado, plurissemiótico, constituído por nuances as mais diversas
(que envolvem aspectos linguísticos e discursivos múltiplos), uma definição como
esta anteriormente posta é limitada e restrita.
Entretanto, antes de nos determos a apresentação de um conceito ou mesmo
de uma compreensão de texto coerente à proposta teórico-metodológica proposta
por Adam (2011), é pertinente considerarmos as evoluções pelas quais perpassaram
a noção de texto, pois cada conceito é resultado de um longo processo de reflexões,
idas e vindas, de disputas entre sujeitos e campos do conhecimento sobre este
objeto, o texto. Assim, considerando basicamente os momentos históricos pelos
quais passaram a Linguística Textual, buscaremos, a seguir, situar o texto,
destacando os avanços alcançados em relação ao seu conceito. Por fim, ainda que
de modo não exaustivo, nos deteremos à explicitação de uma compreensão mais
coerente à Análise Textual dos Discursos.
Em um momento primeiro dos estudos do texto (entenda-se aqui as duas
primeiras fases da história da Linguística Textual: a análise transfrástica e a
elaboração de gramáticas textuais6), acreditava-se, conforme nos conta Bentes
(2006), que as propriedades definidoras de um texto estariam expressas
principalmente na forma de organização do material linguístico. Esta compreensão
direcionava estudiosos do texto para dois raciocínios que a especificam: i) existiriam
textos (compreendidos como sequências linguísticas coerentes entre si) e não textos
(sequências linguísticas incoerentes entre si); ii) todo texto deveria ser definido como
uma estrutura acabada e pronta, como um produto acabado. Ainda segundo Bentes
(2006), bem como também sugerem Fávero e Koch (2012), uma das definições que
melhor representa este período é a de Satmmerjohann (1975):

O termo texto abrange tanto textos orais, como textos escritos que
tenham como extensão mínima dois signos linguísticos, um dos

6
Para uma leitura mais exaustiva e completa das fases históricas da Linguística Textual, ver Bentes (2006),
Fávero e Koch (2012) e Marcuschi (2008).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...32

quais, porém, pode ser suprimido pela situação, no caso de textos de


uma só palavra, como “Socorro”, sendo sua extensão máxima
indeterminada (apud BENTES, 2012, p. 269).

Na definição apresentada pelo autor, enfatiza-se, sobretudo, o aspecto


material ou formal do texto, ou seja, a atenção recai sobre a extensão e sobre os
elementos constitutivos do texto. Em outros termos, o texto é entendido como uma
unidade que, mesmo possuindo extensão, ao menos teoricamente, indefinida, em
geral, é delimitada com um início, meio e fim. Seja um sermão, um diálogo, um conto
ou até mesmo um livro, todos esses textos serão delimitados por um início, um meio
e por um fim. O conceito de texto, aqui, está ligado, pois, à questão de sua extensão
e de sua organização formal.
Num próximo momento da história da Linguística Textual – a elaboração das
teorias de texto – outros aspectos começam a ser revistos na definição de um
conceito de texto. Como ressalta Bentes (2006), influenciados por teorias
enunciativas e sociointeracionistas que, a partir da década de oitenta, começam a
difundir-se na Europa e nos Estados Unidos, muitos estudiosos dos textos passam a
considerar aspectos que não dizem respeito somente à estrutura e à forma do texto,
mas que existem fora da produção e da recepção textual. Pensando assim, Fávero e
Koch (2012) postulam que, nas teorias de texto, um conceito coerente deveria levar
em conta alguns aspectos, tais como:

i) A produção textual é uma atividade verbal: quando os falantes produzem


um texto praticam atos de fala, produzem enunciados que poderão produzir
no interlocutor determinados efeitos de sentido, mesmo que não sejam
aqueles esperados pelo locutor;
ii) A produção textual é uma atividade verbal consciente: trata-se de uma
atividade verbal intencional, em que o falante procurará empreender seus
propósitos, considerando as condições em que tal atividade é produzida;
iii) A produção textual é uma atividade interacional: os interlocutores estão,
obrigatoriamente, envolvidos nos processos de produção e compreensão
de um texto.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...33

A partir de então, o texto passa a ser visto não apenas como conjunto de
enunciados léxico-linguísticos estruturados a partir de determinadas regras, mas
como uma ocorrência linguística, de qualquer extensão, que apresenta três
propriedades básicas constituintes: unidade sociocomunicativa, semântica e formal
(COSTA VAL, 1991). Em outras palavras, antes de qualquer coisa, o texto é uma
unidade de linguagem em uso, que cumpre uma função sociocomunicativa e só
pode ser concebido enquanto tal quando percebido pelo receptor como um todo
significativo, coerente e coeso. Nesses termos, podemos conceber o texto como um
fenômeno linguístico de caráter enunciativo que vai além da frase, constituindo uma
unidade de sentido, “cujas fronteiras são em geral definidas por seus vínculos com o
mundo no qual ele surge e funciona” (MARCUSCHI, 2008, p. 72).
Dado o caráter contextual de sua teoria, acreditamos que a compreensão de
Jean-Michel Adam sobre a noção de texto se insere nessa direção de olhar para o
texto não como um mero conjunto encadeado de frases ou como uma simples
unidade gramatical. Longe disso, ao defender que a Linguística Textual deve ser
vista como uma “linguística do sentido” – como propôs Cosériu (2007) – Adam
(2010) sugere que devemos olhar para o texto como uma unidade de sentido em
contexto, tal como propuseram Michael A. K. Halliday e Ruquaiya Hasan (1976).
Na verdade, conforme diz Herrero Cecília (2006, p. 151), na Análise Textual
dos Discursos, o texto deve ser compreendido como:

El texto es al mismo tiempo resultado de la actividad discursiva


(enunciación) de un sujeito que se dirige a un interlocutor en una
situación de comunicación determinada, y una unidad semántica de
comunicación organizada en torno a un tema (encadenamiento de
proposiciones integradas en secuencias dentro de un esquema
composicional que confiere unidad al conjunto)7.

Pensar o texto enquanto uma unidade semântica não significa descartar seus
aspectos formais e estruturais. Adam (2010, p. 09) critica justamente essa postura
adotada por alguns pesquisadores das ciências humanas e das ciências sociais: o

7
O texto é ao mesmo tempo resultado da atividade discursiva (enunciação) de um sujeito que se
dirige a um interlocutor em uma determinada situação de comunicação, e uma unidade semântica de
comunicação organizada em torno de um tema (encadeamento de proposições integradas em
sequências dentro de um esquema composional que confere unidade ao conjunto).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...34

fato de não se levar efetivamente a sério o materialmente observável dos textos, “os
detalhes semiolinguísticos das formas-sentido mediadoras dos discursos”. O autor,
em trabalhos anteriores, define o texto como um objeto de estudo complexo e de
difícil delimitação metodológica (ADAM, 1996) que apresenta uma “configuração
regulada por diversos módulos ou subsistemas em constante interação, uma
estrutura hierárquica complexa que comporta sequências do mesmo tipo ou de tipos
diferentes” (ADAM, 1992, p. 24). Em outro texto mais recente, Adam (2010) retoma a
proposta de Michel Foucault (1987) para uma análise arqueológica do discurso e
mostra que apesar de muitos analistas do discurso insistirem em não olhar para a
organização sequencial (e material) dos textos, para o materialmente observável, o
filósofo francês defendia justamente o oposto:

Mas não se trata, aqui, de neutralizar o discurso, transformá-lo em


signo de outra coisa e atravessar-lhe a espessura para encontrar o
que permanece silenciosamente aquém dele, e sim, pelo contrário,
mantê-lo em sua consistência, fazê-lo surgir na complexidade que
lhe é própria. (FOUCAULT, 1987, p. 65).

Ora, manter o discurso em sua consistência e fazê-lo surgir na complexidade


que lhe é própria são dois princípios relativos essencialmente à natureza do texto.
Apesar disso, dada a primazia conferida ao estudo das condições de produção dos
textos, “a análise do discurso [a corrente de orientação francesa] não fez uma
reflexão específica sobre o estatuto do texto, menos ainda uma teoria específica do
texto” (SARFATI, 2003, p.432). Prendeu-se estritamente às questões que dizem
respeito ao campo do discurso, como se se pudesse estabelecer uma separação
total entre texto e discurso.
Os textos são construtos históricos e linguísticos (ADAM, 2010). Enquanto
tais, só podem ser compreendidos e estudados nas relações com o domínio mais
vasto do discurso, pois como afirmam Charaudeau e Maingueneau (2008), texto e
discurso constituem duas faces complementares de um objeto comum tomado pela
Linguística Textual – que privilegia a organização do contexto e da coesão e da
coerência – e pela Análise do Discurso – mais atenta ao contexto da interação
verbal, às condições de produção. É por isso que acertadamente Adam (2011)
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...35

propõe e desenvolve uma análise textual dos discursos que, procurando articular
perspectivas teóricas as mais diversas, busca dar conta da complexidade que
envolve o texto.

2.2.1 Os níveis de análise

Ao sugerir uma Análise Textual dos Discursos, Jean-Michel Adam (2011)


apresenta níveis de análise textual (no âmbito da Linguística Textual) e níveis de
análise do discurso (pertencentes à Análise do Discurso), conforme esquema
abaixo:

Figura 02: Esquema 04 – Níveis ou planos de discurso


Fonte: Adam (2011, p. 61).

Como se pode perceber, o modelo teórico elaborado por Jean-Michel Adam


(2011) apresenta oito níveis de análise distintos que devem ser considerados na
análise de textos e discursos. A inter-relação entre estes níveis pode ser
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...36

compreendida a partir de articulação realizada pelo conceito de gênero do discurso


entre os elementos texto e discurso. Assim, uma ação discursiva (nível um) realiza-
se com base em objetivos (pré)determinados pelo locutor (finalidades) em uma
situação de interação social (nível dois) e numa formação discursiva dadas (aquilo
que pode ser dito naquela situação – nível três), utilizando o dialeto social desta
formação e no seio de um interdiscurso, com a mediação de um gênero do discurso.
Este se materializa em textos que se estruturam a partir de proposições ou
microunidades de sentido (nível quatro), sequências (descritiva, narrativa, dialogal,
argumentativa e expositiva) e planos textuais (nível cinco), manifestando uma
dimensão semântica (representação discursiva – nível seis), uma dimensão
enunciativa (responsabilidade enunciativa – nível sete) e uma dimensão
argumentativa (atos de discurso – nível oito).
Nesta concepção, os gêneros do discurso aparecem como eixo de articulação
entre os níveis de análise no âmbito do discurso e do texto. Por apresentar este
caráter integrador, pensando no esquema proposto por Adam (2011), os gêneros
poderiam estar situados nesta fronteiriça entre os limites do discurso e do texto.
Além disso, retomando o que apontam Passeggi et al (2010), a centralidade da
noção de gêneros pode corresponder à importância crescente do gênero como
categoria de análise da Linguística Textual (e de muitas outras correntes teóricas)
aqui no Brasil.
É claro que cada um dos níveis acima referidos apresentam certas
especificidades, as quais buscaremos destacar a seguir. Por exemplo, a
compreensão de que a linguagem ocorre em situações de interação social nas quais
se concretizam ações discursivas recobre os dois primeiros níveis (um e dois) do
modelo anteriormente apresentado. Como entende Jean-Paul Bronckart (2006), os
indivíduos se encontram em meios sociais diferentes que condicionam, pelo menos
parcialmente, os tipos de atividades que podem ser organizadas, os instrumentos
que são utilizados e os objetos ou as obras que são produzidas, inclusive as
atividades de linguagem. Na verdade, “toda a ação de linguagem inscreve-se (...) em
um dado setor do espaço social” (ADAM, 2011, p. 63), de modo que não é possível
agir pela linguagem senão através da interação social.
No nível três, a análise procura dar conta do que recobre a noção de
formação discursiva. Esta é retomada da Análise de Discurso de orientação francesa
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...37

de Michel Pêcheux e pode ser compreendida da seguinte forma: “São as formações


discursivas que, em uma formação ideológica específica e levando em conta uma
relação de classe, determinam o que pode e deve ser dito a partir de uma posição
dada em uma conjuntura dada” (BRANDÃO, 1998, p. 38). No interior das formações
discursivas, os sentidos estão sob a dependência do interdiscurso, ou seja, de um
conjunto de discursos pertencentes a um mesmo campo e que mantêm relações de
delimitação recíproca uns com os outros. Cada formação discursiva apresenta certos
dialetos próprios de uma dada comunidade de falantes, com características
linguísticas (lexicais, fraseológicas, retóricas, estilísticas), sociais e políticas
específicas que se manifestam em certas práticas discursivas institucionalizadas
(gêneros do discurso).
Os níveis quatro e cinco, das proposições, períodos, sequências e planos de
textos, conforme apontam Passeggi et al (2010), rementem diretamente à textura e à
composicionalidade do texto, ou seja, à sua sequencialidade ou linearidade. A
proposição – ou preposição-enunciado ou proposição-enunciada – constitui unidade
textual mínima da Análise Textual dos Discursos e corresponde a “uma unidade
textual de base, efetivamente realizada e produzida por um ato de enunciação,
portanto como um enunciado mínimo8” (ADAM, 2011, p. 106). A noção de período,
por sua vez, não compreende a conceituação da tradição gramatical de língua
portuguesa; na verdade, designa uma unidade de estruturação textual intermediária
e articuladora de proposições e sequências de enunciados. Estas últimas, as
sequências, “são unidades textuais complexas, compostas de um número limitado
de conjuntos de proposições-enunciados: as macroproposições” (ADAM, 2011, p.
204) e podem ser de cinco tipos: descritiva, narrativa, dialogal, argumentativa e
expositiva. Por fim, os planos de texto são responsáveis pela estrutura
composicional do texto.
O nível seis, que diz respeito à dimensão semântica dos textos e trata da
noção de representação discursiva, que será apresentado detalhadamente em
capítulo posterior, bem como do fenômeno da correferência e das anáforas e das
isotopias do discurso e colocações. No tópico seguinte, trataremos especificamente
do nível semântico do texto, por isso, passamos ao próximo nível de análise.

8
Por ser a proposição-enunciado unidade mínima de análise da Análise textual dos discursos, posteriormente,
lhe dedicaremos mais espaço para conceituação.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...38

Por sua vez, o nível sete, aquele referente à dimensão enunciativa dos textos,
apresenta como principal categoria a noção de responsabilidade enunciativa.
Conforme Adam (2011), a responsabilidade enunciativa ou ponto de vista
compreende a assunção por determinadas entidades ou instâncias do conteúdo do
que é enunciado ou na atribuição de alguns enunciados ou pontos de vista a certas
instâncias. Por seu caráter polifônico – segundo sugere o autor, a responsabilidade
enunciativa dá conta da polifonia dos enunciados – a responsabilidade enunciativa é
constitutiva da enunciação, já que todo enunciado pressupõe um enunciador que se
responsabilize pelo ponto de vista defendido ou enfatizado.
Finalmente, o nível oito corresponde aos atos ilocucionários. Adam (2011)
sugere que toda proposição-enunciado possui um valor ou uma forma ilocucionária.
Retomando a clássica teoria dos atos de fala de Jonh L. Austin (1962), a linguagem
é compreendida como forma de ação – sobre o interlocutor e sobre o mundo
circundante. Os atos de fala podem ser, segundo Austin (1962), de três tipos: ato
locutório (corresponde ao ato de pronunciar um enunciado), ato ilocutório
(corresponde ao ato que o locutor realiza quando pronuncia um enunciado em certas
condições comunicativas e com certas intenções, tais como ordenar, avisar, criticar,
perguntar, convidar, ameaçar, etc.), ato perlocutório (corresponde aos efeitos que
um dado ato ilocutório produz no alocutário. Verbos como convencer, persuadir ou
assustar ocorrem neste tipo de atos de fala, pois nos informam do efeito causado no
alocutário).
A organização do modelo de Adam (2011) nestes oito níveis de análise não é
circunstancial, mas justifica-se, conforme ele próprio defende em recente artigo
(2012), por razões teóricas e por razões didático-metodológicas. Ora, o texto é
entendido por ele como um objeto complexo, que para ser analisado carece de
conhecimento de teorias que tomem o objeto texto a partir de diferentes
perspectivas e abordagens, dado o seu caráter multifacetado. Por isso, em cada um
dos níveis propostos, o texto pode ser analisado a partir de pontos de vista de
vertentes teórico-metodológicas distintas. Por exemplo: a teoria dos atos de fala ou
atos ilocucionários (desenvolvida principalmente por Jonh L. Austin) pode ser
utilizada no nível oito. A teoria das sequências textuais e dos planos de texto
desenvolvida pelo próprio Jean-Michel Adam pode ser utilizada nos níveis quatro e
cinco. A teoria da enunciação de Émile Benveniste e as teorias sobre ponto de vista
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...39

e responsabilidade enunciativa de Alain Rabatel e Henning Nölke podem ser


utilizadas no nível sete. A teoria da argumentação na linguagem de Oswald Ducrot
pode ser utilizada nos níveis seis e oito. Os níveis um e dois são totalmente
teorizados por pesquisadores que posicionam no interacionismo sóciodiscursivo de
Jean Paul Bronckart e por teorias da interação e da conversação. O nível três é o
objeto clássico da Análise de Discurso francesa de Michel Pêcheux conhecida aqui
no Brasil.
Assim, dada a complexidade do objeto de estudo texto, é que, ao menos
metodologicamente, se faz necessário dividir e diferenciar momentos ou níveis de
análise e até mesmo teorizá-los. “Cada nível é a meu ver um momento de análise,
uma unidade de pesquisa e de ensino (esse é um aspecto didático que eu considero
como mais importante) ligado aos outros, mas suficientemente distintos para formar
um todo.” (ADAM, 2012, p. 193). De fato, podemos descrever um texto contentando-
se apenas com um nível e baseando-se em uma teoria consistente dentro deste
nível. É o que fazemos nesta tese, ao olharmos para o texto focalizando
prioritariamente seu aspecto semântico (o nível seis), isto é, as representações
discursivas que são construídas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros nas
notícias que constituem nosso corpus. Entretanto, mesmo assim, não podemos
descartar os demais níveis, porque eles estão intimamente articulados. Pode-se,
portanto, enfatizar as categorias de um dado nível na análise de textos, mas é
preciso considerar as implicações que os outros níveis apresentam na análise do
texto com um todo9.

2.3 O nível semântico da Análise Textual dos Discursos

Na Análise Textual dos Discursos de Jean Michel-Adam, a dimensão


semântica compreende um dos níveis de análise textual, uma vez que cabe à
Linguística Textual a descrição e a definição das diferentes operações, inclusive as
operações semânticas, que são realizadas sobre os enunciados em todos os níveis
de complexidade.

9
A operação de localização espacial e temporal e a operação de conexão, por exemplo, analisadas
aqui como categorias do nível semântico do texto, contribuem de forma determinante para a
progressão textual – aspecto observado no nível da textura.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...40

Deste nível de análise, a representação discursiva é a principal categoria


analítica, conforme salienta o próprio Adam (2011) no esquema quatro,
anteriormente apresentado. Entretanto, como o próximo capítulo desta tese é
dedicado com exclusividade às representações discursivas que se constroem nos
enunciados, nos deteremos aqui às demais operações que se estabelecem na
dimensão semântica.
Conforme Adam (2011), as unidades textuais são submetidas a dois tipos de
operações de textualização: operações de segmentação (descontinuidade) e
operações de ligação (continuidade), apresentadas no esquema a seguir:

Figura 03 – Esquema 5: Operações de segmentação e de ligação


Fonte: Adam (2011, p. 64).

De um lado, as operações de segmentação (tipográficas na escrita e gestuais


e fonéticas na oralidade) dividem o todo da unidade textual em segmentos
descontínuos, que se organizam de forma linear. Por outro lado, as operações de
ligação consistem na construção de unidades semânticas e de processos de
continuidade pelos quais se reconhece um segmento textual (ADAM, 2011).
Interessam-nos, aqui, de modo especial, estas últimas operações, porque estão
situadas no nível semântico dos textos. As operações de ligação dão coesão, textura
e união aos enunciados, às proposições10, constituindo o todo do texto, conforme se
verá a seguir:

10
A noção de proposição será desenvolvida com mais clareza no tópico seguinte, quando nos
deteremos a apresentar as unidades de análise da Análise Textual dos Discursos.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...41

Figura 04 – Esquema 13: Operações de ligação que asseguram a continuidade textual


Fonte: Adam (2011, p. 131).

Desses seis tipos de operações de ligação que asseguram a continuidade


textual, nossa atenção recai sobre as ligações do significado, ou as ligações de
ordem semântica. O interesse individual por um desses tipos de ligação não implica
dizer que isoladamente elas são suficientes para fazer de um texto uma unidade
coerente. Detemo-nos especialmente às ligações do significado porque queremos
delinear o nível semântico do texto, conforme a perspectiva de Adam (2011), mas
reconhecemos que estas operações não funcionam individualmente nos textos.
As ligações do significado podem ser de dois tipos: ligações semânticas 01:
anáforas e correferências e ligações semânticas 02: isotopias e colocações.
Segundo Adam (2011, p. 132), a correferência “é uma relação de identidade
referencial entre dois ou mais signos semanticamente interpretáveis,
independentemente um do outro (à diferença de um pronome, vazio de sentido, sem
o seu referente)”. Em outros termos, um dado objeto do texto é retomado
semanticamente por outro que o complementa numa ligação de identidade que não
modifica o seu sentido.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...42

O recuo dos bandidos – Depois de mais de uma hora de pesado bombardeio os


bandoleiros recuaram cessando fogo apesar de duramente hostilizados pelos
defensores da cidade (N02CP).

Como se pode perceber no fragmento acima retirado de uma das notícias de


nosso corpus, a retomada assinalada em negrito é ligada por relação de
correferência e, por isso, os dois termos (os bandidos e os bandoleiros) destacados
são semanticamente complementares. Os usos não mudam a identidade do
referente, mas a reafirma. Este exemplo confirma o que dizem Charaudeau e
Maingueneau (2008): correferência é a capacidade que duas palavras ou um
conjunto de palavras possuem ao se referirem a um mesmo objeto discursivo.
Entretanto, essas duas expressões não são necessariamente sinônimas: “elas
reformulam ou reinterpretam o mesmo discurso, complementando-o ou
esclarecendo-o ao ouvinte-leitor as retomadas contínuas que um texto possibilita
para construir a sua rede de significações” (p. 142).
Ainda segundo Adam (2011), as ligações semânticas correferenciais podem
ser chamadas de anafóricas, uma vez que a interpretação de um significante
depende de um outro, presente no cotexto esquerdo (o caso das anáforas
propriamente ditas – que chamamos de anáforas puras) ou no cotexto direito (o caso
da catáfora). Os tipos de anáforas apresentados pelo autor estão sintetizados no
quadro abaixo:

TIPO DE ANÁFORA EXEMPLO


Resumidora: “quando incide sobre um “Diante da gravidade da situação, por
segmento longo que ela sintetiza” (p. prudência, foram-se retirando tôdas as
134). famílias da cidade e arredores. Êsse
movimento aumentou na proporção da
aproximação dos bandoleiros.” (Correio
do Povo).
Associativa: incide sobre um segmento “Mais tarde, chegou um emissário de
a ser inferido. Lampião conduzindo um bilhete dirigido
ao Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes
exigindo 400 contos de réis.” (Correio do
Povo).
Pronominal: retoma um nome e lhe é, “O grupo de bandidos cometeu tôda a
por definição, fiel, porque “não indica sorte de misérias como sói fazê-lo por
nenhuma nova propriedade do objeto” onde passa.” (O Mossoroense).
(p. 137).
Definida: aparece nos “encadeamentos “Um grupo de bandidos invade o Rio
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...43

que contêm introdução de um referente Grande do Norte e comete depredações.


sob a forma indefinida e depois (...). Os bandidos primeiro inutilizaram os
retomada lexical idêntica” (p. 138). aparelhos telegráficos.” (O Nordeste).
Demonstrativa: “indica a identificação, a “(...) comerciantes, industriais,
relação com um segmento posto na autoridades, e elementos de destaque,
memória, anteriormente, mas ela o faz se entenderam e logo foram comprar
operando uma reclassificação do objeto” rifles e munições, em Fortaleza. (...)
(p. 142). êsse armamento está sob as vistas da
municipalidade (...).” (O Nordeste).
Quadro 01: Tipos de anáfora.
Fonte: Adam (2011).

Diante da exposição, percebemos que esse grupo de ligações semânticas


que envolvem as correferências e as anáforas assegura o processo de construção
de sentido do texto, fazendo uso dos elementos linguísticos que estão disponíveis
na memória do falante para a produção do seu dizer, seja ele falado, seja ele escrito.
O segundo tipo de ligações semânticas refere-se às isotopias e às
colocações. Para compreender a noção de isotopia, Adam (2011) recorre a Algirdas-
Julien Greimas (1976) e Humberto Eco (1985):

A existência do discurso – e não de uma sequência de frases


independentes – só pode ser afirmada se pode ser postulada para a
totalidade das frases que o constituem, uma isotopia comum,
reconhecível, graças a um leque de categorias linguísticas ao longo
do seu desenvolvimento. Assim, somos inclinados a pensar que um
discurso “lógico” deve ser sustentado por uma rede de anafóricos
que, remetendo-se de uma frase a outra, garantem sua permanência
tópica. (GREIMAS, 1976, p. 28 apud ADAM, 2011, p. 147).

Eco (1985, p. 131, apud ADAM, 2011, p. 147), por sua vez, define a isotopia
como “a constância de um percurso de sentido que um texto apresenta quando
submetido a regras de coerência interpretativa”. Em outros termos, a isotopia diz
respeito à permanência de um certo efeito de sentido no todo de um discurso,
corresponde, pois, de modo bastante geral, a coerência semântica de um discurso.
Para Queiroz (2013), a isotopia está voltada para a coerência semântica do texto,
proporcionando a busca pelo seu significado, o que ocorre através da mais simples
sequência de elementos linguísticos que organizam os textos, indo até a mais
complexa rede configuracional. Compreender as isotopias de um discurso é, pois,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...44

fundamental, para a realização de um trabalho interpretativo de um discurso a partir


do léxico empregado em sua construção.
O outro elemento que congrega o segundo grupo de ligações semânticas são
as colocações. De modo geral, podemos dizer que as colocações são de dois tipos:
as colocações em língua (associações codificadas de lexemas, repertoriada nos
dicionários) e as colocações próprias de um texto (estabelecidas pelas repetições de
sequências de lexemas associados num texto dado).
Aqui, como salienta Adam (2011, p. 156), diferentemente das isotopias,
blocos de sentido temáticos e figurativos que contribuem para facilitar a leitura e,
consequentemente, a compreensão de sentido do conteúdo expresso pelo discurso,
as colocações compreendem os “agrupamentos lexicais que um texto propõe e que
um programa de tratamento informático atento, não apenas à simples segmentação
das ocorrências, mas à das ocorrências de lexemas, permite evidenciar.”. De modo
geral, as colocações são fundamentais para a construção da coesão semântica dos
textos, porque todo o vocabulário empregado pelo autor de um texto é realizado a
partir de associações de lexemas.
Esses dois tipos de ligações semânticas ligam as proposições-enunciados e
formam a organização linear e reticular da estrutura composicional dos textos, os
quais se conectam para assegurar a progressão e a continuidade semântica deles
(ADAM, 2011). Esses fenômenos – as anáforas, as correferências, as isotopias e as
colocações – são elementos fundamentais para compreender a dimensão semântica
dos textos e auxiliam na construção de representações discursivas, principalmente
as correferências e as anáforas, que serão tratadas na categoria de referenciação
no capítulo seguinte.

2.4 As unidades de análise

Ao elaborar uma Análise Textual dos Discursos, Adam (2011) apresenta


unidades textuais de análise que se organizam em níveis crescentes de
complexidade (conforme foi visto no Esquema 03 anteriormente apresentado), nos
quais sua configuração permite unir as proposições em macroproposições ou ainda,
em outros termos, em feixes de proposições que formam níveis de análise mais
complexos, como, por exemplo, os períodos, as sequências e até mesmo as partes
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...45

que compõem um plano de texto. Na seção seguinte, especificaremos cada uma


dessas unidades aqui citadas, buscando compreender as articulações entre ambas
na composição de um todo semântico-composicional dos discursos, que passa a ser
corporificado em um gênero textual.

2.4.1 A proposição

A unidade textual mínima da Análise Textual dos Discursos marca a natureza


do produto de uma enunciação (enunciado) e acrescenta a isto a designação de
uma microunidade sintático-semântica (a qual o conceito de proposição atende
perfeitamente): a proposição-enunciado11. “Ao escolher falar de proposição-
enunciado, não definimos uma unidade tão virtual como a proposição dos lógicos ou
dos gramáticos, mas uma unidade textual de base, efetivamente realizada e
produzida por um ato de enunciação, portanto, como um enunciado mínimo” (ADAM,
2011, p 106).
Esquematicamente, a estrutura sintática da proposição-enunciado é expressa
pela articulação entre um sintagma nominal e um sintagma verbal, o que nos permite
compreendê-la como uma unidade de predicação. No texto, as proposições-
enunciados ligam-se entre si através de diversos processos, dentre os quais:
correferência e anáforas, isotopias, colocações, elipses e implícitos, cadeias de atos
de discursos, conectores – incluindo nestes os organizadores textuais e os
conectores argumentativos (ADAM, 2011). Todos esses elementos estabelecem
nexos entre as proposições, formando unidades maiores de texto.
Além disso, como se verifica no esquema acima, na proposta de Adam (2011,
p. 109), toda proposição-enunciado compreende três dimensões complementares,
às quais se acrescenta o fato de que não existe enunciado isolado, único: “mesmo
aparecendo isolado, um enunciado elementar liga-se a um ou a vários outros e
convoca um ou vários outros em resposta ou como simples continuação”. Essas três
dimensões, compreendem, de forma geral: a responsabilidade enunciativa, a
representação discursiva e o valor ilocucionário da proposição.

O termo proposição-enunciado pode ser substituído com valor equivalente pelos termos
11

proposição-enunciada, proposição ou mesmo apenas enunciado. Em todos esses casos, estaremos


nos referindo a esta unidade textual mínima de análise de que fala o linguista francês Jean-Michel
Adam.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...46

Figura 05 – Esquema 11: As três dimensões da proposição-enunciado


Fonte: Passeggi et al. (2010, p. 299).

A proposição-enunciado é, pois, o alicerce onde as três dimensões se


manifestam – daí sua posição central no esquema. Na dimensão [A] está colocado o
valor descritivo do enunciado. Através de atos de referenciação são construídas no e
pelo discurso representações discursivas de um locutor por um interlocutor
(interpretante). Nesta dimensão também está localizada a questão da avaliação do
valor de verdade dos enunciados, segundo dois regimes pragmáticos: o da condição
de verdade (a oposição do verdadeiro e do falso) e da ficcionalidade (nem
verdadeiro nem falso). Na dimensão [B], a combinação de uma representação
discursiva e de um ponto de vista superpõe-se à alternativa de condição de verdade
e ficcionalidade: “um enunciado (uma representação discursiva) é posto como válido
conforme o locutor, conforme seus interlocutores, conforme os outros delocutivos [...]
ou conforme a opinião comum” (ADAM, 2011, p. 111). O peso de validade de um
enunciado que liga, portanto, uma representação discursiva e um ponto de vista é
um aspecto essencial de seu valor argumentativo e de seu valor ilocucionário [C].
Esse esquema triangular é interessante porque não hierarquiza as três dimensões
componentes da proposição-enunciado, mas situa a [A] e a [C] na mesma linha e
põe a enunciação [B] em posição mediana entre as anteriores.
Essas dimensões estão interligadas na proposição-enunciado. Entretanto,
mesmo assim, podemos observá-las de forma especial, priorizando certos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...47

elementos constituintes das dimensões, como fizemos nesta investigação sobre as


representações discursivas. É claro que isso só é possível em termos teóricos, como
procedimento de análise de certos fenômenos. Até porque na proposição-enunciado
“toda representação discursiva é a expressão de um ponto de vista (relação [A] –
[B]) e o valor ilocucionário derivado da orientação argumentativa é inseparável do
vínculo entre o sentido de um enunciado e uma atividade significante (relação [C] –
[B])” (ADAM, 2011, p. 113).

2.4.2 O período

As proposições-enunciados estão sujeitas a dois tipos de agrupamentos


(ADAM, 2011) ou empacotamento (CHARAUDEAU & MAIGUENEAU, 2008) que as
mantêm juntas: unidades textuais frouxamente tipificadas – ou empacotamentos não
moldados ou relativamente moldados –, os períodos, e unidades mais complexas,
totalmente tipificadas – empacotamentos sob a forma de macroproposições –, as
sequências12.
Entre esses dois tipos de agrupamentos, segundo Adam (2011), a diferença
deve-se menos ao volume do que à complexidade do todo formado pela
organização das proposições-enunciados. Apresentando uma amplitude
potencialmente menor do que as sequências, os períodos são unidades que entram
diretamente na composição das partes de um plano de texto e que permitem levar
em conta as conexões lógico-gramaticais e rítmicas. As sequências, por sua vez,
são constituídas de unidades textuais complexas, compostas de um número limitado
de conjuntos de proposições-enunciados: as macroproposições.
É claro que esses dois tipos de agrupamentos não podem ser vistos como
dicotômicos. Adam (2011, p. 204) postula que deva existir um “continuum de
complexidade crescente entre o período e a sequência”, sendo uma questão de grau
estabelecer a diferença entre eles, uma vez que os períodos são menos tipificados e
as sequências são estruturas que têm uma organização interna que lhes é própria,
estabelecendo-se uma relação de dependência-independência das sequências com
o texto como um todo.

12
Não conceituamos aqui as sequências textuais propostas por Jean-Michel Adam porque elas serão
apresentadas e exemplificadas no tópico seguinte deste trabalho.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...48

2.4.3 As sequências

No Brasil, e em muitos lugares da Europa, Jean-Michel Adam é conhecido


especialmente pela difusão de sua teoria das sequências textuais, elaborada, a
partir da década de noventa, em virtude da grande generalidade das tipologias de
texto (WERLICH, 1975), surgidas com as gramáticas de texto.
Sem querer resumir a discussão exaustiva que Adam (2011) tece sobre as
sequências textuais, de modo geral, podemos entendê-las como conjuntos de
macroproposições que dependem de combinações pré-formatadas “memorizadas
por impregnação cultural (ou seja, pela leitura, escuta e produção de textos) e
transformadas em esquema de reconhecimento e de estruturação da informação
textual” (ADAM, 2011, p. 205). Essas combinações são denominadas pelo autor de
sequências narrativa, descritiva, argumentativa, dialogal e explicativa 13.
No quadro a seguir, sintetizamos os conceitos de cada uma destas
sequências e apresentamos exemplos ilustrativos retirados de nosso corpus:

TIPO DE SEQUÊNCIA CONCEITO ILUSTRAÇÃO


A sequência narrativa pode Nossa cidade foi abalada,
ser identificada com base na noite de terça-feira,
nos seguintes elementos pela terrível notícia de que
Narrativa (macroproposições): um numeroso grupo de
situação inicial, nó cangaceiros estava
(desencadeador), reação atacando a cidade de
ou avaliação, desenlace e Apodi, cometendo tôda
situação final. sorte de crimes. (Correio
do Povo)
A sequência descritiva não Rica, próspera, vivendo
possui uma organização pacificamente de seu labor
típica, consistindo cotidiano, entregue às
frequentemente na cogitações de seu
Descritiva aplicação de um conjunto progresso e da sua
de operações que se grandeza da União, esta
desenvolve conforme um cidade jamais presenciara
plano de texto. cenas de cangaceirismo,
parecia fácil prêsa,
ambicionada pelo

13
No Brasil, as sequências recebem outras nomenclaturas, como ocorre nos trabalhos de Marcuschi
(2003), que prefere falar em tipos narrativo, argumentativo, descritivo, expositivo e injuntivo. Além
disso, há também quem defenda a necessidade de proposição de outras sequências, como fazem
Fávero e Koch (2012), ao acrescentarem a sequência injuntiva, ou diretiva, e a preditiva, nomeando
também a explicativa como expositiva.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...49

famigerado salteador. (O
Nordeste).
A sequência argumentativa Mossoró, em todos os
compreende um modelo de momentos graves de sua
composição que se vida social, tem-nos dado
apresenta como raciocínio, sempre exemplo de união
cujo objeto é demonstrar e de solidariedade, de
ou refutar uma tese. maneira que nada nos
Argumentativa Partindo de premissas nem separa nas ocasiões
sempre explícitas e precisas. Formamos um só
supostamente bloco e um só corpo ao
incontestáveis, mostra-se impulso de nossa
que não se pode admitir consciência cívica e do
essas premissas sem nosso coração aberto em
admitir também certa detalhes de que poderiam
conclusão. resultar esquecimentos
não propositais, para ver
somente o conjunto nas
suas linhas harmoniosas.
(O Mossoroense)
O texto dialogal pode ser “Virgolino Lampião: Recebi
definido como uma seu bilhete e respondo-lhe
estrutura hierárquica de dizendo que não tenho a
dois tipos de sequências: importância que pede e
de um lado as sequências nem também o Comércio.
Dialogal fáticas de abertura e de O Banco está fechado,
fechamento do texto e de tendo os funcionários se
outro as sequências retirado daqui. Estamos
transacionais combináveis, dispostos acarretar com
que constituem o corpus de tudo o que o Sr. queira
interação. contra nós. A cidade acha-
se firmemente inabalável
na sua defesa confiando
na mesma. Rodolfo
Fernandes – Prefeito.” (O
Nordeste).
A sequência explicativa Lampião resolveu a vir a
apresenta uma estrutura Mossoró, por instâncias de
sequencial de base, na Massilon que lhe garantira
qual um primeiro operador tirar bom resultado, pois
[POR QUÊ?] introduz a êle Lampião nunca
primeira macroproposição tencionara penetrar nesse
obrigatória (P. explicativa Estado, porque não tinha
Explicativa 1) e o segundo operador aqui nenhum inimigo e se
[PORQUE] leva à segunda por acaso, para evitar
macroproposição tida como qualquer encontro com
obrigatória (P. explicativa fôrças de outros Estados
2). A esta se segue uma tivesse de passar por
terceira macroproposição, algum ponto do Rio
que é de ratificação (P. Grande do Norte, faria
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...50

explicativa 3)14. sem roubar ou ofender


qualquer pessoa desde
que não o perseguissem.
(Correio do Povo).
Quadro 02: Síntese das sequências textuais.
Fonte: Adam (2011) e Passeggi et al (2010).

Em casos muito particulares e pouco frequentes, certos textos podem ser


constituídos por apenas uma sequência ou mesmo por um conjunto de sequências
de um mesmo tipo. Porém, na maioria das vezes, os textos são constituídos por
encadeamentos de várias sequências, que podem acontecer de duas formas: entre
sequências homogêneas - do mesmo tipo – ou, mais habitualmente, sequências
heterogêneas – de tipos diferentes. Nesses encadeamentos, “um modo de
composição aparece como dominante, o que torna um texto predominantemente
narrativo, predominantemente descritivo, predominantemente argumentativo,
predominantemente explicativo ou predominantemente dialogal, apesar da presença
de sequências de outros tipos” (ADAM, 2011, p. 269).

2.4.4 O plano de texto

Mesmo considerando a relevância das sequências prototípicas (narrativa,


descritiva, argumentativa, dialogal e explicativa) na composição textual, para Adam
(2011), não é, necessariamente, o encadeamento de sequências de um tipo ou de
outro que faz com que saibamos quando estamos diante de um texto e não de um
amontoado de frases, mas, sim, os planos de texto. Eles “desempenham um papel
capital na composição macrotextual do sentido” (ADAM, 2004, p. 377), uma vez que
os planos de texto abarcam blocos de texto formados pelas sequências e
estabelecem a organização global prescrita por um gênero. Os planos de texto são,
dessa forma, “o principal fato unificador da estrutura composicional” (ADAM, 2011, p.
258), especialmente nos casos em que os encadeamentos de proposições ou
períodos não chegam a formar claramente sequências.
Os planos de texto estão, com os gêneros, disponíveis no sistema de
conhecimento dos grupos sociais. Eles fazem, portanto, parte dos conhecimentos

14
Os conceitos de cada uma das sequências apresentadas no quadro foram retirados literalmente do
trabalho de Passeggi et al (2010), fundamentado em Adam (2011). Considerando a organização
dentro do quadro, nos resguardamos de empregar as aspas ou outra marca gráfica.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...51

prévios do leitor, atuando na construção dos sentidos de um texto. Assim, ainda


conforme Adam (2011), ao explicitarem a estrutura global do texto, a forma como os
parágrafos se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto, os
planos de texto podem fornecer os elementos necessários à compreensão e à
produção, uma vez que, para a percepção-elaboração da estrutura global do texto, o
leitor lança mão de seus conhecimentos linguístico e textual.
Quanto à organização estrutural interna, os planos de textos podem ser
convencionais (fixos), ou seja, estabilizados pelo estado histórico de um gênero de
discurso, ou podem ser ocasionais, quando são deslocados em relação à história de
um gênero. A título de ilustração, dentre os textos que apresentam planos fixos,
podemos considerar a estrutura de um verbete de dicionário, de um artigo científico
ou de estruturas literárias cristalizadas, como o soneto, por exemplo. Os planos de
texto de gêneros como o editorial, a canção, a propaganda, a poesia livre são, com
frequência, ocasionais, mais abertos e flexíveis, porque estão propensos a mudarem
de acordo com a formação discursiva e o contexto no qual é usado.
Assim sendo, com base na conceituação acima, entendemos que os planos
de texto (fixo e ocasional) estão à disposição do falante-ouvinte ou produtor de
textos para a construção de seus enunciados, que sempre estarão dispostos em um
determinado gênero, seja de formar cristalizada ou não, até porque “o plano é
inventado e descoberto durante o evento” (ADAM, 2004, p. 378). Esses enunciados
acomodam as diferentes possibilidades que dispomos no uso da linguagem, para
construí-los de acordo com as nossas necessidades sociais e discursivas.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...52

CAPÍTULO III: SOBRE AS OPERAÇÕES DE CONSTRUÇÃO DE


REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS

Lampião como se sabe


É um tipo muito bandido
Sanguinolento e malvado
E um pouco destemido
Junto com seus capangas
De todo centro ele manga
Sendo sempre perseguido.

José Otávio Pereira Lima

3.1 Representações discursivas

No programa da Análise Textual dos Discursos de Jean-Michel Adam, a


representação discursiva compreende principal categoria de análise do nível
semântico de texto. Para tratar desta categoria, Adam (2011) retoma o “postulado de
representação”, de Jean-Blaize Grize (1990, 1996), segundo o qual as atividades
discursivas dos interlocutores são orientadas por um conjunto complexo de
representações dos temas tratados, da situação de discurso e dos interlocutores
(RODRIGUES, PASSEGGI & SILVA NETO, 2012; ADAM, 1999). Por isso, dizemos,
acompanhando ainda Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), que todo texto
constrói, com maior ou menor riqueza de detalhes, representações discursivas de
seu enunciador, de seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos tratados.
Uma representação discursiva apresenta-se, minimamente, como um tema ou
um objeto de discurso e o desenvolvimento de uma predicação a seu respeito, cuja
forma linguística se estrutura a partir da associação de um sintagma nominal e de
um sintagma verbal, isto é, de um enunciado mínimo proposicional, ou ainda de um
nome e de um adjetivo. Esta extensão estrutural, mesmo sendo mínima, no caso
desta última forma mais reduzida, segundo Adam (2011), consegue preencher o
microuniverso semântico das representações discursivas, porque constrói um
“pequeno mundo” (ADAM, 2011) de forma coerente e estável, apresentado ao
interlocutor como uma imagem da realidade (PLATIN, 2008).
No entanto, mesmo sendo claramente colocada e reconhecida na economia
geral das categorias textuais do programa da Análise Textual dos Discursos, a
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...53

noção de representação discursiva é pouco desenvolvida e relativamente incompleta


na obra de Adam (RODRIGUES et al, 2012), o que pode ser confirmado ao
observarmos o curto número de páginas dedicado às representações discursivas em
A Linguística Textual: Introdução à análise textual dos discursos (pouco menos de
três páginas) a ausência de discussão sobre algumas operações de construção de
representações discursivas, como a predicação. Por isso, necessário se faz a
mobilização de estratégias teórico-metodológicas voltadas para a complementação
da proposta de Adam (2011), tendo em vista uma melhor compreensão de seu
funcionamento nos textos.
Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2012) sugerem, por exemplo, que as
operações de construção identificadas por Adam (2011) para as sequências
descritivas podem ser interpretadas como operações de construção de
representações discursivas, porque são comuns a todos os tipos de sequências
(entenda-se o conteúdo referencial-descritivo). “Trata-se de procedimentos de
textualização gerais e elementares que estão na base da construção de todo texto”
(p. 301). Ademais, estas operações devem ser complementadas com as
contribuições de Grize (1990, 1996) sobre suas operações lógico-discursivas, que
também são operações de textualização e de construção de esquematizações.
Pensando no postulado das representações de Grize (1990, 1996), Passeggi
(2001, p. 248) afirma que:

O postulado das representações remete às “representações mentais”


dos interlocutores. Embora a lógica natural não pretenda examinar a
realidade psicológica das representações mentais – pois, enquanto
lógica, foge das interpretações psicologizantes – ela assume que os
interlocutores têm representações e que estas são fundamentais na
comunicação discursiva.

Ora, por isso que Adam (2011) afirma que é o interpretante que constrói, a
partir dos enunciados, as representações discursivas em função de seus objetivos e
intenções (suas finalidades) e de suas representações psicossociais da situação
comunicativa, do enunciador “e do mundo do texto, assim como de seus
pressupostos culturais” (GRIZE, 2004; ADAM, 2011, p. 114). Assim, as
representações discursivas também são construídas em função dos aspectos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...54

socioculturais que envolvem o processo comunicativo ou, melhor dizendo, nos


termos de Passeggi (2001, p. 248), com base em pré-construídos culturais que são
compartilhados pelos interlocutores, que “mobilizam um conjunto de conhecimentos
pré-construídos, de natureza cultural e social, a começar pela própria língua
utilizada”.
Para interagir com o outro, qualquer locutor deve ter uma representação da
situação de comunicação da qual participará – isto significa que ele deve conhecer
não só o seu interlocutor e o tema tratado no seu discurso, mas também deve ter
uma ideia de si mesmo enquanto interveniente no processo comunicativo e
consciência das intervenções que poderá fazer. Isto porque “uma esquematização
tem por função fazer alguém ver alguma coisa, mas precisamente, é uma
representação discursiva orientada para um destinatário sobre como seu autor
concebe ou imagina uma determinada realidade” (GRIZE, 1996, p. 50). Ao
interlocutor, cabe interpretar, reconstruir a esquematização (ou a representação
discursiva) que lhe é apresentada. E disto resulta o princípio dialógico do modelo
proposto por Grize (1990), apresentado no esquema abaixo:

Figura 06: Situação da comunicação


Fonte: Grize (1990)

Do esquema acima, elaborado pelo próprio Grize (1990), depreendemos: os


elementos “A” e “B” designam dois lugares ou papéis que podem ser ocupados,
claro que alternadamente, por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos,
resguardando suas especificidades psicológicas e sociais. “Trata-se de sujeitos que
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...55

desempenham cada um uma atividade: atividade de construção por parte de A e


atividade de reconstrução por parte de B” (GRIZE, 1996, p. 68). O locutor “A”
constrói uma representação discursiva do assunto em função da finalidade, dos pré-
construídos culturais e das representações que possui sobre ele mesmo, sobre o
tema e sobre o interlocutor. O locutor “B”, por sua vez, reconstrói essa
esquematização que lhe é proposta em função da esquematização, da finalidade,
das representações e dos pré-construídos culturais.
Entretanto, segundo adverte Adam (2013), deve-se considerar que a
reconstrução que “B” faz da esquematização proposta por “A” pode não ter a mesma
forma, porque os interlocutores são seres distintos, reais e únicos e a comunicação
não é um processo simétrico, há uma série de fatores que tomam parte desse
processo e que o determinam. A assimetria entre “A” e “B” se deve ao fato de que a
finalidade de “A” é diferente da finalidade de “B”, visto que “A”, no esquema
apresentado anteriormente, é aquele que toma a iniciativa do ato de comunicação,
de modo que “B” está restrito ao que “A” lhe propôs.
Convém ainda esclarecer que as representações devem ser distinguidas das
imagens dos diferentes componentes propostos na esquematização acima. O
próprio Grize (1990, p. 33) sublinha esta distinção nos seguintes termos: “(…) je
réservele terme d‟image pour ce que propose la schématisation elle-même. Dans ma
terminologie, orateur et auditeur ont des représentations et le discours propose des
images15". Assim, de um ponto de vista discursivo, toda esquematização –
entendamos toda representação – sugere a construção de três tipos de imagens: do
locutor (Im(A)), do tema tratado em seu discurso (Im(T)) e do interlocutor ao qual o
locutor se dirige (Im(B)).
Estas três imagens são retomadas por Rodrigues, Passeggi e Silva Neto
(2010) como representações de três instâncias do discurso: o enunciador, o ouvinte
ou o leitor e o tema ou assunto tratado. Em Queiroz (2013), esses conceitos são
adaptados da seguinte forma: imagem do locutor para a noção de representação
discursiva de si, imagem do interlocutor para a noção de representação discursiva
do alocutário e imagem do tema tratado para a representação discursiva do tema ou
do assunto tratado.

15
“(...) reservo o termo imagem para o que propõe o próprio esquema. Na minha terminologia, orador
e auditor têm representações e o discurso propõe imagens”.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...56

A representação discursiva de si compreende a imagem que o locutor (ou o


enunciador) faz de si mesmo em seu discurso. Trata-se do conceito retórico de
ethos, segundo o qual todo ato de tomar a palavra implica a construção discursiva,
deliberada ou não, de uma imagem de si, no intuito de garantir e assegurar o
sucesso do empreendimento oratório. Segundo Amossy (2013), a construção dessa
imagem não se faz por meio de um autorretrato feito pelo locutor, pelo detalhamento
de suas qualidades e características físicas ou porque ele fale explicitamente de si,
mas que seu estilo, suas crenças implícitas são suficientes para construir a
representação da pessoa do locutor. Como diz Barthes (1975, p. 203), é como se o
orador enunciasse uma informação e, ao mesmo tempo, ele dissesse: “eu sou isto
aqui e não sou aquilo lá”.
De acordo com Grize (1996), para que o locutor construa as suas
esquematizações (isto é, as representações discursivas de si), ele precisa também
pensar no seu possível alocutário. Por isso, dizemos que os discursos constroem
representações discursivas que o locutor faz de seu interlocutor (ou do ouvinte-
leitor). Por sua vez, o alocutário interpreta a esquematização que é construída pelo
locutor, tendo em vista as suas competências linguístico-discursivas e culturais, de
acordo com os seus objetivos (PASSEGGI, 2001). Ora, assim, locutor e alocutário
(ou enunciador e ouvinte-leitor) compreendem instâncias fundamentais no processo
de construção dos textos e no funcionamento dos discursos.
Finalmente, dizemos que o locutor também constrói representações
discursivas do tema ou do assunto tratado em seu texto-discurso. Como salienta
Passeggi (2001, p. 249-250), “as imagens do tema tratado constituem o conteúdo
manifesto da esquematização e remetem diretamente às operações lógico-
discursivas de sua construção”. Os recursos linguístico-discursivos mobilizados pelo
locutor para construir e estruturar o texto de seu discurso (no plano sintático e no
plano semântico) não possibilitam apenas o repasse de informações, mas também a
construção de representações discursivas do assunto tratado, de objetos de
discursos que são tematizados.
Dos três tipos expostos acima, interessa-nos, em nossa pesquisa, de modo
particular, este último tipo de construção de representações discursivas, porque,
como dito na introdução desta tese, na análise do corpus de nossa investigação nos
detemos especificamente à construção de representações discursivas sobre
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...57

Lampião e seu bando, que se configuram como assuntos, como tema tratado nas
notícias analisadas. Como já dito, nos interessa observar como são textualmente
construídas as representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros
em notícias do século vinte, tomando como plano de fundo o acontecimento da
incursão do bando à cidade Mossoró, em junto de 1927.

3.2 Operações semânticas de construção de representações discursivas

As representações discursivas são textualmente construídas a partir de certas


operações ou categorias semânticas: referenciação, predicação, modificação,
localização, conexão e analogia. Estas operações, segundo Rodrigues et al (2014,
p. 251), “são semânticas, nocionais, interpretadas numa perspectiva textual. Elas
não correspondem, biunivocamente, a uma única categoria gramatical, lexical ou
mesmo discursiva, antes, incorporam-nas”. A partir da identificação e interpretação
de cada uma delas, conseguimos analisar as representações discursivas que são
construídas sobre Lampião e seu bando nas notícias que compõem o corpus de
nossa pesquisa.
Como definir ou mesmo conceituar essas operações não é uma tarefa
simples, porque além da complexidade que envolve a compreensão de cada uma
delas, existem definições oriundas de perspectivas diferentes dos estudos da
linguagem, é necessário traçar o percurso que realizamos para descrevê-las, bem
como o embasamento teórico-metodológico adotado. Inicialmente, partimos das
operações identificadas por Adam (2011) para análise da sequência descritiva.
Estas operações, apresentadas a seguir, podem ser utilizadas para a análise de
quaisquer tipos de sequências, porque todas elas – narrativa, descritiva,
argumentativa, dialogal e explicativa – apresentam um conteúdo referencial-
descritivo, ou seja, em todas elas é possível a observar a construção de
representações discursivas por meio das operações da sequência descritiva.
Além de Adam (2011), buscamos também respaldo em Castilho (2010) e
Neves (2006). Mesmo não situando seus trabalhos no âmbito da Linguística Textual,
estes dois gramáticos e linguistas brasileiros trazem importantes contribuições para
a definição das operações que utilizamos para identificar e analisar as
representações discursivas no corpus estudado, porque apresentam alguns tipos de
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...58

operações semânticas de construção dos textos, dentre os quais destacamos a


referenciação, a predicação e a conexão. A seguir, portanto, nos empenhamos em
apresentar as definições de cada um desses autores para, posteriormente,
sistematizarmos como compreendemos cada uma das operações que foram
utilizadas para a análise das representações discursivas.

3.2.1 Operações da sequência descritiva – Jean-Michel Adam

Como dito anteriormente, acompanhamos e concordamos com a sugestão de


Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2012) de que as operações linguísticas da
sequência descritiva podem ser compreendidas como operações de construção de
representações discursivas, porque se aplicam aos demais tipos de sequências
textuais, como a narrativa e a argumentativa, por exemplo. Assim, é pertinente aqui
recuperar a definição de Adam (2011) para este tipo de sequência, bem como cada
um dos tipos de operações apresentados pelo autor.
Conforme Adam (2011), a descrição difere dos demais tipos de sequências
textuais porque não possui uma ordem de agrupamento das proposições-
enunciados em macroproposições ligadas entre si, apresentando, portanto, uma
frágil caracterização sequencial. Em razão disso, dizemos que a sequência
descritiva não apresenta uma composicional típica, mas, como veremos, é formada
por operações de base descritiva. Assim, no nível dos enunciados mínimos, isto é,
da proposição, “a teoria ilocucional localiza a parte descritiva dos enunciados no
conteúdo proposicional (p), sobre o qual se aplica um marcador de força
ilocucionária F(p).” (ADAM, 2011, p. 217). Ou seja, no nível da proposição, a
descrição se estrutura a partir da atribuição de uma predicação a um sujeito, o que
constitui a base de um conteúdo proposicional.
Pensando assim, Adam (2011) sugere que as sequências descritivas
possuem força ilocucionária, considerando que é um sujeito que realiza a descrição,
ação que não é realizada independente de um ponto de vista, de uma tomada de
posição. “Do caráter indissociável de um conteúdo descritivo e de uma posição
enunciativa que orienta, argumentativamente, todo enunciado, decorre o fato de que
um procedimento descritivo é inseparável da expressão de um ponto de vista, de
uma visada do discurso” (ADAM, 2011, p. 217). Isto significa dizer que os conteúdos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...59

descritivos não são expressos objetivamente pelos enunciados, mas apresentam


uma atitude subjetiva.
No nível da composição textual, a extensão da estrutura da descrição é
variável, independentemente dos objetos de discurso, sendo definida por um grupo
de operações descritivas de base, ordenadas segundo determinação de cada plano
de texto. Estas operações, acompanhando Adam (2011, p. 218), na verdade,
constituem quatro “macrooperações que agrupam nove operações descritivas que
geram uma dezena de tipos de operações descritivas de base”. As quatro
macrooperações de construção da sequência descritiva apresentadas pelo autor
são: tematização, aspectualização, relação e expansão por subtematização, as
quais descreveremos a seguir.
A tematização, a principal macrooperação, “dá unidade a um segmento e faz
dele um período tão fortemente característico que aparece como uma espécie de
sequência.” (ADAM, 2011, p. 23). Trata-se de procedimento que consiste, pois, em
expandir as propriedades do objeto do discurso, suas partes, a situação por meio da
aspectualização ou da colocação em relação (estas duas últimas operações serão
explicadas a seguir). Esta operação pode aplicar-se de três maneiras bastante
diferentes e importantes para a construção do sentido: pré-tematização, pós-
tematização e retematização:

OPERAÇÕES POR TEMATIZAÇÃO CONCEITO


“É uma denominação imediata do objeto que
Pré-tematização (ancoragem) abre (escopo à direita) um período descritivo
e anuncia um todo.” (ADAM, 2011, p. 217).
Trata-se de uma espécie de revelação do
objeto descrito.
“É uma denominação adiada do objeto, que
Pós-tematização (ancoragem diferida) somente nomeia o quadro da descrição no
curso ou no final da sequência.” (ADAM,
2011, p. 217).
É a “nova denominação do objeto, que
reenquadra o todo, fechando o período
descritivo. Diferentemente da pré-
tematização, a retematização implica a
Retematização (reformulação) existência de uma primeira nomeação [N] do
objeto do discurso e vem, portanto,
interromper seu escopo.” (ADAM, 2011, p.
218). Linguisticamente, esta operação pode
ser representada por elementos como em
suma, em resumo, em uma palavra, em
outras palavras, dentre outros que sugerem
a retematização de um objeto de discurso
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...60

anteriormente citado.
Quadro 03: Operações de tematização.
Fonte: Adam (2011).

A aspectualização se apoia na tematização e consiste em um conjunto de


operações, nas quais o enunciador descreve o objeto a partir de suas propriedades
ou de suas partes, mas por meio de duas formas específicas: a fragmentação
(partição) e a qualificação.

OPERAÇÕES DE ASPECTUALIZAÇÃO CONCEITO


“seleção de partes do objeto da descrição.
Fragmentação (partição) Operação de análise de um todo, em partes
e subpartes de partes, tende a fragmentar o
objeto do discurso.” (ADAM, 2011, p. 223).
“evidencia propriedades do todo e/ou das
partes selecionadas pela operação de
Qualificação fragmentação. (...) é realizada, na maioria
das vezes, pela estrutura do grupo nominal
nome + adjetivo e pelo recurso predicativo
ao verbo ser.” (p. 223).
Quadro 04: Operações de aspectualização.
Fonte: Adam (2011).

A operação de relação compreende procedimento no qual o enunciador


informa ao seu interlocutor (leitor-ouvinte) como o objeto descrito se encontra em um
dado lugar e momento (isto é, a situação do objeto). Esta macrooperação pode
ocorrer de duas maneiras:

OPERAÇÕES DE RELAÇÃO CONCEITO


“situação temporal (situação do objeto
de discurso em um tempo histórico ou
individual) ou espacial (relações de
Relação de contiguidade contiguidade entre o objeto do discurso e
outros objetos suscetíveis de tornar-se o
centro [tematização] de um
procedimento descritivo, ou, ainda,
contiguidade entre as diferentes partes
consideradas).” (ADAM, 2011, p. 223).
“essa forma de assimilação comparativa
Relação de analogia ou metafórica permite descrever o todo
em partes, colocando-as em relação
com outros objetos indivíduos.” (p. 223).
Quadro 05: Operações de relação.
Fonte: Adam (2011).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...61

Finalmente, a operação de subtematização consiste na extensão da descrição


pelo acréscimo de qualquer outra operação a uma operação anteriormente
estabelecida. Estas operações, “identificáveis e repetíveis”, segundo Adam (2011),
são fundamentais para descrição de qualquer objeto, em todo gênero de discurso,
de forma potencialmente infinita.
Agora, ainda retomando o autor, “na medida em que um segmento descritivo
não comporta nenhuma linearidade intrínseca, a passagem do repertório de
operações à textualização, implica a adoção de um plano” (224). Por isso, muitas
vezes, conhecer os planos de textos e suas marcas características específicas se
impõe como elemento de importância decisiva para a interpretação de qualquer
descrição ou descrições em um texto.
Além disso, essas operações, ao tempo em que constroem descrição de um
objeto, também constroem representações discursivas do próprio objeto, do
enunciador do texto ou mesmo do interlocutor. Por isso, acreditamos que elas
podem ser aplicadas a quaisquer outros tipos de sequências textuais como
operações de textualização que estão na base da construção de todo texto.
Associadas aos trabalhos de outros autores, elas serão, pois, fundamentais para o
estabelecimento das operações de base de construção de representações
discursivas que estão sendo adotadas em nossa pesquisa, conforme veremos em
tópico seguinte.

3.3.3 Categorias semânticas – Ataliba T. de Castilho

Compreendendo a semântica como o sistema por meio do qual criamos os


significados, o linguista e gramático brasileiro Ataliba T. de Castilho (2010) propõe,
em sua Nova Gramática do Português Brasileiro, sete categorias semânticas de
análise de enunciados: i) Dêixis e foricidade, ii) Referenciação, no sentido de
denominação, iii) Predicação, iv) Verificação, v) Conectividade, vi) Inferência e
pressuposição e vii) Metáfora e metonímia. Estas categorias, segundo o autor,
permitem-nos analisar como funciona o nível semântico dos textos. Vejamos, a
seguir, mesmo que sumariamente, cada uma delas.
A dêixis é uma categoria que “depende crucialmente da situação discursiva e
não das propriedades intencionais necessárias à configuração das categorias de
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...62

referência e predicação” (CASTILHO, 2010, p. 123), como veremos a seguir. A


compreensão de expressões temporais do discurso como aqui e agora ou mesmo
de expressões identificadores dos enunciadores, como eu e você, são exemplos de
termos dêiticos, porque só podem ser compreendidos considerando a situação em
que foram veiculados. Por isso, Castilho (2010) afirma que as expressões dêiticas
selecionam obrigatoriamente a significação pragmática e são essenciais para a
organização do discurso, a ponto de se dizer que sem a dêixis não há discurso.
A foricidade, segundo aponta o próprio autor, deve ser compreendida como
uma espécie de remissão. Representa, portanto, “um segundo conhecimento da
coisa, sendo que o primeiro conhecimento é dado pelos processos de referência ou
designação, e dêixis ou localização” (p. 126). Esta categoria pode ocorrer através da
anáfora, por exemplo, quando um tópico discursivo é retomado, trazendo de novo à
consciência os participantes do discurso anteriormente mencionados, ou presentes
no cotexto.
A referenciação, entendida por Castilho (2010) como denominação,
corresponde à “função pela qual um signo linguístico representa quaisquer entidades
dos mundos extralinguísticos, reais ou imaginários” (p. 126). Inspirado
principalmente nos trabalhos da filosofia contemporânea de Frege, Castilho (2010)
observa que nas expressões referenciais é preciso distinguir o sentido e a
referência: o primeiro compreende o modo de apresentação do objeto e a segunda é
a designatum, ou seja, o sentido é uma representação mental da coisa e a
referência é a própria coisa.
A predicação é definida na relação do predicado com seu escopo. Em outros
termos, ocorre predicação quando um operador toma um termo por seu escopo,
transferindo-lhes propriedades de que o escopo não dispunha antes. “A predicação
é uma operação de transferência de traços semânticos que se movimentam pela
sentença e pelo texto” (p. 128). Segundo o autor, a observação deste traço
predicativo permite identificar pelo menos três grandes mecanismos de predicação:
(i) quando a transferência afeta a intenção da classe-escopo: ocorre uma predicação
por qualificação, como em livro divertido; (ii) quando a transferência afeta a extensão
da classe-escopo: ocorre uma predicação por quantificação, como em tanta risada;
(iii) quando a transferência afeta a modalidade classe-escopo, como em de fato,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...63

aquele velhinho está lendo atentamente um livro divertido16, em que o predicador de


fato tomou por escopo toda a sentença, tornando-a assertiva.
A verificação funciona por meio de operadores que, ao invés de transferirem
propriedades, tal qual ocorre na predicação, promovem uma comparação implícita
entre seu escopo e o protótipo correspondente. Conforme Castilho (2010, p. 129),
“os conceitos de afirmação, negação, focalização, inclusão, exclusão e delimitação
explicitam o que se entende por verificação, termo técnico que significa avaliar o
conteúdo de verdade, tornar verdadeiro”.
A inferência e a pressuposição, apesar de estarem integradas em uma
mesma categoria, compreendem dois processos sociocognitivos distintos. Fazer
inferência significa criar realidades semânticas a partir de outras realidades
previamente existentes. Isto pode ser feito de duas formas: inferência dedutiva e
inferência argumentativa. No primeiro caso, o fundamento da inferência está no
raciocínio lógico e corresponde à premissa de um silogismo, levando-nos a uma
conclusão. No segundo, a inferência é baseada no conhecimento do senso comum.
Por outro lado, fazer pressuposição é entender alguma coisa que não foi dita, que
não foi posta explicitamente em um dado discurso.
Em Castilho (2010), a metáfora é compreendida especialmente a partir dos
trabalhos de Lakoff e Johnson (2002), que a entende como elemento inerente à
própria linguagem. Para estes autores, de modo bastante didático, a metáfora pode
ser definida da seguinte forma: (i) um fenômeno conceitual, não necessariamente
ligado a expressões linguísticas, (ii) um mecanismo cognitivo básico e muito definido
que a semântica não deve ignorar, (iii) o entendimento de um domínio de
experiência em termos de outro, (iv) a projeção de um conjunto de correspondências
entre um domínio-fonte e um domínio-alvo.
A metonímia, por sua vez, compreende processo no qual alteramos os
sentidos de uma palavra a partir da migração de traços contidos na expressão
linguística. Para Lakoff e Johnson (2002), no caso das metáforas, o que ocorre
principalmente é uma forma de conceber uma coisa em termos de outra, tendo por
função principal a compreensão. Já as metonímias têm eminentemente função
referencial, ou seja, de usar uma entidade para representar outra, apresentando
também a função de favorecer o entendimento.
16
Todos esses exemplos foram utilizados pelo próprio autor em sua Nova Gramática do Português
Brasileiro, publicada em 2010 pela Editora Contexto, e foram aqui reproduzidos de forma literal.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...64

Finalmente, a conectividade é uma categoria semântica gramaticalizada como


preposições e conjunções. Segundo Castilho (2010), essas classes servem
essencialmente para ligar e unir palavras e mesmo sentenças, com a diferença de
que a preposição, como classe igualmente predicadora, atribui ao seu escopo,
traços de lugar, tempo, entre outras propriedades que não exercidas pela classe das
conjunções.

3.2.4 Operações semânticas – Maria Helena de Moura Neves

A professora e linguista brasileira Maria Helena de Moura de Neves (2006),


em seu livro Texto e gramática, apresenta as noções de predicação, referenciação e
conexão como operações que possibilitam o estudo “dos processos de constituição
dos enunciados” (p. 11). Mesmo que considere estas operações a partir de uma
visão funcionalista da linguagem, inspirada, principalmente, nos trabalhos de
linguistas como Michael Halliday, Talmy Gívon e Simon Dik, acreditamos ser
pertinente considerar suas proposições e definições, tendo em vista o
estabelecimento posterior de cada uma dessas operações para fins de nossa
pesquisa, uma vez que a própria autora aponta a existência de uma “confluência de
atenção entre a gramática funcional e a linguística do texto” (p. 26).
De acordo com Neves (2006), a predicação é um processo básico de
constituição do enunciado, o que significa dizer que todo enunciado se constitui a
partir do acionamento de um conjunto de estruturas predicativas. As predicações
são construídas a partir de predicados. Os predicados devem ser compreendidos
como designadores de propriedades ou relações que se aplicam a certo número de
termos que se referem a entidades, produzindo predicações que designam estados
de coisas. Em outras palavras, “os predicados designam as propriedades ou
relações que estão na base das predicações que se formam quando eles se
constroem com os seus argumentos e com os demais elementos do enunciado”
(NEVES, 2011, p. 25).
Como os verbos, na maioria das vezes, constituem os predicados das
orações, Neves (2006) sugere, assim como grande parte dos funcionalistas, que
eles sejam compreendidos como elementos centrais da oração. A centralidade do
verbo sugere que todos os demais termos (argumentos) que preenchem sua
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...65

valência são complementos, cada um deles preenchendo um lugar vazio e diferente


exigido pelo próprio verbo, inclusive o próprio sujeito, mesmo que este possua um
estatuto diferente dos demais argumentos, uma vez que ele é o escopo da
predicação que se opera na oração, ou seja, a predicação se estabelece em
referência ao sujeito.
Ora, considerando a centralidade do verbo e o acionamento de uma estrutura
argumental na construção dos predicados, “o que acontece com os verbos se
relaciona intimamente com a natureza dos predicados” (NEVES, 2006, p. 49). Isto
significa dizer que os verbos devem ser classificados conforme a natureza dos
papéis semânticos desempenhados pelos argumentos que contraem relação com o
predicado e que, na oração, se apresentam como funções do verbo, tal como fez
Chafe (1979). De acordo com este autor, segundo esse critério, os verbos podem
indicar:

i) ação, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for agente;


ii) processo, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for afetado
ou experienciado;
iii) ação-processo, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) for
agente-causativo e houver um A² afetado-efetuado;
iv) estado, se o A¹ (estruturalmente na função de sujeito) não for nem
agente nem causativo nem afetado (será „neutro‟ inativo). (NEVES,
2006, p. 49-50).

O valor do verbo, como se pode observar, é determinado pela combinação do


argumento que assume função de sujeito com os demais complementos, “já que é a
relação do predicado com os argumentos que condiciona o valor significativo dos
verbos, valor determinado em cada combinação específica” (NEVES, 2006, p. 50).
Portanto, segundo a autora, deve-se levar em conta a identificação dos traços
semânticos do nome (que é o núcleo do complemento), os quais são exigidos pela
matriz construcional do verbo.
É claro que existem outros verbos, como aponta a própria Neves (2006), que
não acionam uma estrutura argumental, no sentido de que não são por si
predicados, ou seja, não constituem o núcleo, a matriz, para o reconhecimento da
estrutura argumental. É o caso dos verbos de ligação e dos verbos-suporte.
Segundo a autora, eles “entram na construção de predicações em condições
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...66

particulares, as quais os retiram do estatuto de centro da matriz predicativa” (p. 59).


Além desses dois tipos de verbos, ainda é preciso considerar os verbos auxiliares e
os modalizadores, que se caracterizam por constituírem operadores sobre outro
verbo com o qual se constroem – o verbo principal ou determinador da estrutura
argumental.
Em Neves (2006), a referenciação pode ser compreendida a partir de três
maneiras: (i) como construção de referentes (ou construtiva, em que “o falante usa
um termo para que o ouvinte construa um referente para esse termo e introduza
esse referente em seu modelo mental”); (ii) como identificação de referentes (ou
identificador, em que “o falante usa um termo para que o ouvinte identifique um
referente que já de algum modo esteja disponível, o que ocorre quando há uma
fonte disponível para a identificação”); e (iii) como a montagem da própria rede
referencial do texto, na medida em que ele se constrói e se processa (NEVES, 2006,
p 75-76). Nesta terceira concepção, que a autora atribui ao funcionalismo linguístico,
o processo de referenciação “diz respeito à própria constituição do texto como uma
rede em que referentes são introduzidos como objetos-de-discurso” (NEVES, 2006,
p. 76), isto é, entidades que constituem termos das predicações, oriundas de uma
construção mental e não de um mundo real.
Nesta última concepção, o processo de referenciação tem a ver com a
progressão ou a manutenção tópica, servindo de base à sustentação da organização
informativa e à orientação do fluxo informacional, mantida por diversas estratégias
de formulação textual, tais como:

i. Preservação de referentes introduzidos no texto;


ii. Introdução de novos referentes;
iii. Retomada e reintrodução de uns e outros; e,
iv. Projeções referenciais.

Assim, na perspectiva defendida por Neves (2006), os estados, eventos,


indivíduos e situações são referenciados no discurso e, como tais, são construtos do
mundo do próprio discurso, independente de sua existência no mundo real. Por isso,
a autora afirma que há dois tipos de referenciais básicos: o genérico e o individual.
No primeiro caso, entende-se que uma referência implicada por um sintagma
nominal pode sempre identificar o referente de forma genérica, compreendendo a
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...67

totalidade das entidades pertencentes a um gênero ou classe. Já no segundo caso,


a referência permite identificar todos ou apenas alguns indivíduos (existentes ou
hipotéticos) incluídos no gênero ou classe.
Finalmente, a autora entende a conexão como uma relação semântica difícil
de definir em termos claros, pela qual se explica os nexos existentes entre o que
vem antes e o que vem depois em um enunciado. De modo geral, ela afirma tratar-
se de um conjunto de relações semânticas entre orações, complexos oracionais,
trechos de textos, explicitados não só pelos elementos ditos conjuntivos, as
conjunções, mas por um diversificado número de expedientes, dentre os quais
podem ser incluídos alguns advérbios – como em: “E os dois meteram-se pelo
atalho juncado florando. Pouco depois, deixavam de ouvir os gritos lancinantes de
Sinhá Andressa” – e mesmo alguns verbos – como em: “Houve um acordo entre o
estado – que dizia que os consumidores foram enganados – e a fábrica de flocos de
aveia. Seguiu-se um megaestudo financia pela Quaker, analisando todas as
pesquisas pró e contra o uso de aveia17.”.

3.3 Redefinindo as operações de análise das representações discursivas

Considerando a exposição anteriormente realizada sobre as operações


semânticas de construção das representações discursivas na perspectiva de cada
um dos autores apresentados, pretendemos, agora, retomá-las e propor uma
redefinição dessas operações. Isto não significa romper com as conceituações aqui
suscitadas, mas sim retomá-las ou mesmo, quando necessário, reformulá-las em
conformidade com os nossos objetivos de pesquisa. Convém ressaltar que estas
operações estão totalmente imbrincadas, de modo que a separação realizada é tão
somente por uma questão didática de maior clareza na apresentação e
sistematização dos dados.
Além disso, algumas operações citadas por alguns dos autores na seção
anterior não serão aqui retomadas, como é o caso, por exemplo, da verificação, de
Castilho (2010), porque não atendem ou não estão relacionadas aos objetivos
propostos. Outras, apesar de serem tratadas separadamente, serão incorporadas a

17
Estes exemplos retirados da própria obra da autora, Texto e gramática, publicada em 2006 aqui no
Brasil pela Editora Contexto.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...68

uma categoria, tal como ocorre com a metáfora e a metonímia, que são
incorporadas na operação de analogia.

3.3.1 Referenciação

A referenciação foi citada e trabalhada pelos três autores aqui apresentados.


Em Adam (2011), ela é retomada a partir da operação de tematização e é entendida
como denominação de objetos de discurso. Em Castilho (2010), ela também é
compreendida como denominação ou como função exercida por um signo linguístico
para representar entidades do mundo extralinguístico, real ou imaginário. Por último,
em Neves (2006), a referenciação é tomada como construção e identificação de
referentes e como montagem de uma rede referencial do texto.
Não pretendemos seguir uma ou outra definição isoladamente, mas
recortamos aspectos pertinentes de cada uma delas para compreendermos a
referenciação como o processo que possibilita a designação de objetos de discurso,
sendo estes objetos construtos de uma realidade criada no e pelo próprio discurso.
Esta visão se aproxima bastante do que tem defendido Ingedore Koch (2002, p. 80)
no âmbito da Linguística Textual brasileira. Para ela, a referenciação compreende
uma operação que realizamos para designar seres, coisas, sentimentos, situações,
isto é, para designar objetos de discurso:

[...] a referência passa a ser considerada como resultado da operação que


realizamos quando, para designar, representar ou sugerir algo, usamos um
termo ou criamos uma situação discursiva referencial com essa finalidade:
as entidades designadas são vistas como objetos de discurso e não como
objetos do mundo.

Os objetos de discurso não existem em uma realidade dada a priori, como se


fossem entidades correspondentes às coisas existentes no mundo físico.
Representados gramaticalmente por pronomes, substantivos e expressões
nominais, eles constroem a realidade e são construídos no processo de interação no
e pelo discurso. Por isso, eles são dinâmicos, isto é, “uma vez introduzidos no
discurso, podem ser modificados, desativados, reativados, transformados,
recategorizados, construindo-se, assim, o sentido, no curso da progressão textual”
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...69

(KOCH, 2002, p. 81). Ou, nos termos aqui por nós adotados, depois de designados,
os objetos de discurso podem ser redesignados diversas vezes, fator essencial para
evitar a redundância e ambiguidade, bem como para promover a progressão
referencial e textual. A este respeito, convém ainda retomar o que diz Lorenza
Mondada (1994, p. 64), como forma de complementar o que já foi aqui exposto:

O objeto de discurso caracteriza-se pelo fato de construir progressivamente


uma configuração, enriquecendo-se com novos aspectos e propriedades,
suprimindo aspectos anteriores ou ignorando outros possíveis, que ele pode
associar com outros objetos ao integrar-se em novas configurações, bem
como pelo fato de articular-se em partes suscetíveis de se autonomizarem
por sua vez em novos objetos. O objeto se completa discursivamente.

Por apresentarem um aspecto dinâmico, os objetos de discurso permitem e


favorecem a progressão referencial e textual. Conforme foi visto em Neves (2006), a
referenciação pode ser entendida como a montagem de uma rede referencial própria
do texto, em que os referentes são introduzidos como objetos de discurso,
favorecendo a progressão ou a manutenção tópica. De modo semelhante, Koch
(2002) afirma que a progressão referencial é assegurada no texto a partir da
construção de cadeias referenciais por meio das quais se procede à categorização
ou recategorização discursiva dos referentes, ou seja, dos objetos de discurso.
Dentre as principais estratégias linguísticas que favorecem a progressão referencial,
a autora cita o uso de pronomes ou elipses, o uso de expressões nominais definidas
e o uso de expressões nominais indefinidas.
Também nesse ponto, Adam (2011) parece concordar com Neves (2006) e
Koch (2002). Segundo o autor, a continuidade referencial dos textos é assegurada
por meio da retomada de elementos, isto é, de objetos de discurso, já introduzidos.
Estas retomadas são possibilitadas por certas propriedades da língua:
pronominalização (anáforas pronominais), definitização (anáforas definidas),
referenciação dêitica cotextual (anáfora demonstrativa) e correferência lexical, às
quais se podem acrescentar a recuperação pressuposicional e a retomada por
inferência.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...70

Todas as formas de anáforas e de cadeias de correferências visam,


certamente, manter um continuum homogêneo de significação, uma isotopia
mínima do discurso por retomadas-repetições, mas asseguram, ao mesmo
tempo, a progressão por novas especificações e mobilizações das
referências virtuais dos lexemas utilizados (ADAM, 2011, p. 145).

Ora, portanto, os processos referenciais são fundamentais à tessitura textual.


Eles não apenas servem para referir, mas, como expressões multifuncionais,
contribuem para “[...] elaborar o sentido, indicando pontos de vistas, assinalando
direções argumentativas, sinalizando dificuldades de acesso ao referente e
recategorizando os objetos presentes na memória discursiva” (KOCH, 2006, p. 106).
Sendo assim, entendemos que quando as expressões referenciais designam
(categorizam) ou redesignam (ou recategorizam) um dado objeto durante um evento
de comunicação, manifestam também as representações que são construídas no
discurso sobre este objeto (tema tratado) ou mesmo sobre o enunciador e o
interlocutor.

3.3.2 Predicação

Como na Análise Textual dos Discursos de Adam (2011) não há uma


definição sistemática a respeito da operação de predicação, preferimos por
acompanhar de perto em nossa pesquisa a definição proposta por Rodrigues,
Passeggi e Silva Neto (2010, p. 175), porque é fundamentada na proposta daquele
autor: “a predicação remete tanto à operação de seleção dos predicados, isto é, à
designação dos processos, no sentido amplo (ações, estados, mudanças de estado
etc.), como ao estabelecimento da relação predicativa no enunciado”.
Conforme Queiroz (2013), em Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), a
predicação corresponde ao que gramaticalmente chamamos de predicados – que se
encarregam de estabelecer as relações entre o referente e os processos
desenvolvidos por ele. Linguisticamente, a predicação é construída por meio de
verbos e locuções verbais, os quais são denominados de processos, terminologia
que também adotamos em nosso trabalho.
Como vimos em Neves (2006), os verbos, quanto ao seu aspecto semântico,
podem ser classificados em: verbos de ação, verbos de processo, verbos de ação-
processo e verbos de estado. Adotamos em nosso trabalho esta classificação
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...71

porque acreditamos que ela dá conta de toda a complexidade que envolve os


processos verbais. Logo, concordamos também que o valor do verbo está
relacionado à combinação do argumento que assume a função de sujeito com os
demais complementos, ou seja, a predicação se estabelece em referência ao sujeito.
Entretanto, não entramos na defesa do princípio da centralidade do verbo na
análise do enunciado, porque, em nossas análises, selecionamos os enunciados a
partir da referenciação, isto é, entendemos a referenciação como o elemento que
nos permite selecionar um enunciado e analisar ali, considerando as demais
operações semânticas adotadas, uma representação discursiva. Ademais, pensar o
verbo como o elemento que se coloca no centro da oração compreende um
fenômeno de ordem sintática e, portanto, não nos interessa considerá-lo neste
trabalho. Preferimos entender a predicação e a referenciação como operações que
formam a base de constituição dos enunciados em que à predicação se associam os
termos ligados pelo processo de referenciação, de modo que esta última se constitui
em uma entidade fundamental para se construir um determinado texto.

3.3.3 Modificação

A noção de modificação não foi citada por nenhum dos autores anteriormente
apresentados, mas podemos relacioná-la à operação de aspectualização de Adam
(2011). Como visto, este autor compreende a aspectualização como imputação de
propriedades ou qualificação de um objeto tematizado. Para nós, semelhantemente
à definição de Adam (2011), a modificação compreende justamente a operação
semântica responsável pela atribuição de propriedades ou de qualidades aos
referentes e aos predicados de uma proposição. Está, portanto, ligada não apenas à
referenciação (ou tematização, nos termos de Adam (2011, p. 220), como ele próprio
sugeriu: “essa macrooperação [a aspectualização] se apoia na tematização”), mas
também à predicação.
Por isso, é necessário, pois, dividir a operação de modificação em dois tipos,
porque apresentam comportamento gramatical e semântico diferentes: modificação
da referenciação e modificação da predicação. Portanto, a modificação “está ligada
tanto ao sujeito, por meio de adjetivos e/ou expressões adjetivas, quanto às ações
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...72

verbais dos predicados, por meio das circunstâncias adverbiais” (QUEIROZ, 2013, p.
67).

3.3.3.1 Modificação da referenciação

Se os modificadores dos referentes, como dito anteriormente, são, pelo


menos na maioria das vezes, representados gramaticalmente por adjetivos ou
expressões de valor adjetivo, é imperativo retomar a noção de adjetivo.
Acompanhamos o gramático Evanildo Bechara (2009, p. 143) para definirmos o
adjetivo como “a classe do lexema que se caracteriza por constituir a delimitação,
isto é, por caracterizar as possibilidades designativas do substantivo, orientando
delimitativamente a referência a uma parte ou a um aspecto do denotado”. Ora, a
função do adjetivo é, pois, delimitar o substantivo e isto pode ser feito por meio de
explicação, especialização e especificação. Os termos explicadores destacam e
acentuam uma característica inerente do ser designado. Os especializadores
marcam os limites extensivos ou intensivos pelos quais se considera o determinado,
sem isolá-lo nem opô-lo a outros determináveis capazes de caber na mesma
denominação. Os especificadores restringem as possibilidades de referência de um
signo, ajuntando-lhes notas que não são inerentes ao seu significado (BECHARA,
2009).
Desse modo, ainda acompanhando Bechara (2009), podemos pensar em três
tipos de modificadores dos referentes:

a) Modificadores explicadores: o vasto oceano, as líquidas lágrimas.


b) Modificadores especializadores: a vinda inteira, o sol matutino, o dia no
ocaso, o céu astral, o homem como sujeitos pensantes, Camões como poeta.
c) Modificadores especificadores (especificação distintiva): castelo medieval,
menino louro, aves aquáticas, o presidente da República, o médico de
família18.

18
Os termos destacados em itálico compreendem justamente exemplos dos modificadores indicados
em cada item. Convém, também, esclarece, que todos estes exemplos apresentados foram retirados
da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, publicada aqui no Brasil em 2011 pela
Editora Contexto.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...73

3.3.1.2 Termos circunstantes

Os modificadores da predicação são, em sua maioria, representados


gramaticalmente por advérbios e expressões adverbiais. O advérbio, como
sabemos, é o elemento responsável por denotar uma circunstância do verbo da
oração. Por isso, chamaremos de termo circunstante aquele que modifica a
predicação.
O termo circunstante, portanto, é o elemento que modifica a predicação, isto
é, que apresenta circunstâncias para o verbo – claro que estas circunstâncias se
estendem para todo o enunciado, porque constitui uma unidade – e é
gramaticalmente representado pelo advérbio, pela locução adverbial ou expressão
de valor adverbial.
As circunstâncias expressas pelo termo circunstante podem ser de diversos
tipos, tais como: assunto, causa, companhia, concessão, condição, conformidade,
dúvida, finalidade, instrumento, intensidade, modo e negação. Convém fazer a
ressalva de que as circunstâncias de tempo e lugar poderiam, caso seguíssemos a
classificação dos advérbios realizada pela maioria das gramáticas normativas
brasileiras, também ser aqui incluídas, porque atuam modificando a predicação.
Entretanto, como veremos a seguir, elas são contempladas pela operação
semântica de localização espacial e temporal.

3.3.4 Localização espacial e temporal

A localização espacial e temporal, como o próprio nome parece sugerir, deve


ser entendida como a operação que localiza os objetos de discurso no tempo e no
espaço, indicando, conforme salientam Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), as
circunstâncias espaciais e temporais nas quais se desenvolvem os processos e os
participantes. Esta operação compreende, pois, os elementos linguístico-gramaticais
que localizam no texto os espaços físicos e os tempos, através de expressões de
lugar e de tempo, que, gramaticalmente, são representadas pelos advérbios e
equivalentes.
Retomamos esta operação de Adam (2011), mas há controvérsias sobre que
ponto do seu texto pode ser a ela relacionado. Lopes (2014), por exemplo, afirma
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...74

que não há no texto deste autor um tópico específico para tratar da “categoria de
localização”. Para Andrade (2014), a localização corresponde à relação de
contiguidade apresentada por Adam (2011), que permite colocar o objeto de
discurso em relação a determinado tempo (histórico ou individual) ou em relação
com outros objetos. No entanto, preferimos acompanhar a decisão de Queiroz
(2013), para nós, muito mais acertada, de que os elementos que marcam a
localização temporal e espacial são denominados por Adam (2011) de
organizadores textuais. Para este autor, “os organizadores exercem um papel capital
no balizamento dos planos textuais” (ADAM, 2011, p. 181) e, no campo da
representação discursiva, eles podem ser distinguidos em temporais e espaciais.

Organizadores espaciais: à esquerda/à direita, antes/depois, em


cima/embaixo, mais longe, de um lado/de outro etc.). Organizadores
temporais: então, antes, em seguida, [e] então, depois, após, na véspera,
no dia seguinte, três dias depois. Os organizadores temporais possuem
uma propriedade interessante: a de poder combinar conforme uma ordem
de informatividade crescente: E + então + depois + após/em seguida/mais
tarde/logo em seguida (ADAM, 2011, p. 181, grifo do autor).

Assim, considerando o nosso corpus, as expressões que designam os


espaços geográficos (Mossoró, Apodi, Itaú, São Sebastião, dentre outras –
identificadas, especialmente, no capítulo quatro desta tese) e as que situam os
acontecimentos no espaço (desceu para a cidade, por exemplo) são estabelecidas
nos textos por meio de organizadores especiais. Por outro lado, as expressões que
indicam o tempo cronológico (datas e horas, por exemplo) e as que indicam a ordem
dos acontecimentos (antes e depois, por exemplo) funcionam como organizadores
temporais. Portanto, por situar no tempo e no espaço os participantes e os
processos por eles desenvolvidos, a localização espacial e temporal compreende
operação fundamental à análise de representações discursivas.

3.3.5 Conexão

Como o próprio nome sugere, a conexão é a operação que permite o


encadeamento dos enunciados que compõem o texto, assegurando-lhes a coesão
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...75

necessária à construção de sentidos. Gramaticalmente, a conexão é representada


por conjunções, preposições ou expressões equivalentes, que estabelecem ligações
entre um conjunto de enunciados, atribuindo-lhes uma unidade, de modo que
possamos identificá-lo como texto. Trata-se, assim, de operação fundamental para
que um conjunto de enunciados possa receber o estatuto de texto, isto é, possa
apresentar textualidade.
Os autores anteriormente citados, os quais têm fundamentado as redefinições
aqui realizadas, fazem discussões consideráveis sobre a conexão. Em Adam (2011,
p. 179), por exemplo, os conectores dizem respeito a expressões linguísticas “que
reagrupam, além de certas conjunções de coordenação (mas, portanto, ora, então),
certas conjunções e locuções conjuntivas de subordinação (porque, como, com
efeito, em consequência, o que quer que seja, então etc.) e grupos nominais ou
preposicionais (apesar disso etc.). Assim como os organizadores espaciais e
organizadores temporais, os conectores são fundamentais para o estabelecimento
dos planos de texto e para assegurarem a progressão textual.
De modo mais específico, segundo este autor, os conectores podem ser
reclassificados em: i) organizadores enumerativos, que segmentam e ordenam o
material textual combinando valor de ordem com um valor temporal – é o caso dos
aditivos (e, assim, ou, também, ainda) e dos marcadores de integração linear, que
abrem uma série (de um lado, inicialmente) e indicam sua continuidade (em seguida,
depois) ou fechamento (por outro lado, enfim); ii) marcadores de mudança de
topicalização, que indicam a passagem de um objeto de discurso a outro (quanto a
ou no que concerne a); iii) marcadores de ilustração e de exemplificação, que
introduzem exemplos que dão ao enunciado um status de uma ilustração de uma
asserção principal (por exemplo, entre outros, em particular); iv) e conectores
argumentativos, que permitem uma reutilização de um conteúdo proposicional, seja
como um argumento, seja como uma conclusão, seja ainda como um argumento
encarregado de sustentar ou de reforçar uma inferência ou mesmo ainda como um
contra-argumento (ADAM, 2011).
Neves (2006) faz uma ressalva interessante que será aqui por nós tomada
como complementar as colocações de Adam (2011), porque vai ao encontro do
pensamento deste autor: a conexão não pode ser reduzida aos elementos ditos
conjuntivos, os quais não são, por si mesmos, elementos coesivos. Deve ser
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...76

entendida, na verdade, como “um conjunto de relações semânticas entre orações,


entre complexos oracionais, entre trechos de textos, explicitados por um sem
número de expedientes”. Em outros termos, a conexão acontece pelo uso das
conjunções, mas também, e talvez em mesmo grau, pelo uso de advérbios,
complexos verbais, dentre outros elementos.

3.3.6 Analogia

Finalmente, a última operação considerada por nós na análise das


representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros foi a analogia.
Entendemos a analogia como operação que corresponde à noção de relação
advinda de Adam (2011); não à relação de contiguidade, mas sim, como
propuseram Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), à relação analógica, aquela
que descreve o objeto do discurso comparando-o a um outro objeto.
Em Queiroz (2013), esta operação é metodologicamente tratada como
comparação, porque estabelece relações de sentido por meio de processos
comparativos. No entanto, preferimos empregar o termo analogia por acreditarmos
que ela compreende, além da comparação, as relações estabelecidas por meio da
metáfora e da metonímia – aqui entendidas a partir de Castilho (2010) – bem como
de outras figuras de linguagem. Em todos os casos, trata-se de processos cognitivos
de transferência de informação ou de significado de um objeto de discurso para
outro objeto de discurso, por meio da relação fonte-alvo. Neste caso, a analogia está
bastante relacionada à referenciação, porque, de certa forma, constitui uma
redesignação – ou, nos termos de Adam (2011), uma retematização – do objeto.
No caso da analogia por comparação, ela pode ser reconhecida no texto por
meio de elementos linguístico-discursivos que demarcam a comparação entre
objetos, tais como conjunções subordinativas comparativas formadas pelos pares:
mais-menos, maior-menor, melhor-pior do que, (tal) qual, (tanto) quanto, como,
assim como, bem como, como se, que nem. No caso da metáfora e da metonímia, a
analogia pode ser identificada a partir da análise dos aspectos semânticos dos
enunciados, considerando que a primeira trabalha com os traços semânticos
comuns entre duas ideias e a segunda funciona com a relação de contiguidade entre
eles.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...77

Com base nesse percurso teórico, definimos seis operações semânticas de


análise das representações discursivas: a referenciação, a predicação, a
modificação, a localização, a conexão e a analogia. A descrição conceitual e teórica
aqui realizada de cada uma delas não pretendeu ser exaustiva, mas vislumbramos
apenas retomar e redefinir cada uma delas, tornando-as coerentes aos objetivos
propostos para este trabalho, de modo que pudéssemos descrever, interpretar e
analisar as representações discursivas construídas sobre Lampião e seu bando de
cangaceiros nas notícias que compõem nosso corpus.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...78

CAPÍTULO IV: CONSIDERAÇÕES SOBRE OS ASPECTOS METODOLÓGICOS


DA PESQUISA

Lampião disse contente


O Nordeste é meu xodó
Eu vou rever o sertão
E dá lá naquele pó
E um abraço em Candeeiro
E um susto em Mossoró

Antônio Francisco

4.1 Caracterização geral da pesquisa

A investigação de que trata esta tese de doutorado sobre as representações


discursivas de Lampião e de seu bando em notícias de jornais potiguares publicados
na década de vinte do século passado (1927), de quando da invasão do bando à
cidade de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, foi desenvolvida no âmbito
do Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD), cadastrado no
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também
está vinculada à linha de pesquisa “Estudos linguísticos do texto”, do Programa de
Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), que focaliza o texto como nível e unidade de teorização e
descrição linguísticas.
Dado o seu objeto de estudo (notícias de jornais), podemos caracterizá-la
como uma pesquisa documental (ANDRADE, 2011), porque é realizada a partir de
documentos históricos (ou retrospectivos), considerados academicamente
autênticos, que ainda não receberam tratamento analítico de caráter e rigor
científico, ou que, mesmo já tendo sido processados, ainda podem ser objetos de
interpretação e análises outras. Nosso corpus, mesmo já tendo sido fonte de
estudos históricos, com a finalidade de se construir biografias ou mesmo de se
construir a história do cangaço no estado do Rio Grande do Norte, ainda não foi
objeto de análise textual, tal como aqui empreendemos.
Neste sentido, compreendemos os jornais como documentos, porque datam,
registram, narram e comentam acontecimentos da vida cotidiana, acontecimentos
políticos, históricos, econômicos, dentre outros. As notícias dos jornais aqui
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...79

analisados contam e descrevem a incursão dos cangaceiros de Lampião pelo


interior do estado do Rio Grande do Norte, com a finalidade de alcançarem a cidade
de Mossoró. Trata-se, pois, de um acontecimento histórico que foi registrado, ou
melhor, documentado na maioria dos jornais do estado que circulavam com
periodização regular naquela época (1927).
Em consonância com essa definição, e, considerando os procedimentos
metodológicos utilizados, descritos em tópico posterior, esta pesquisa adota um
enfoque descritivo-interpretativista, uma vez que a análise perpassou,
primeiramente, pela identificação, descrição e classificação das operações
semânticas de análise – referenciação, predicação, modificação, conexão,
localização e analogia – utilizadas para analisar a construção das representações
discursivas de Lampião e seu bando, para, em seguida, procedermos à
interpretação dos enunciados que evidenciam as representações discursivas, tendo
em vista a compreensão co(n)textual dos sentidos dos textos analisados. Adotamos
esta postura porque acreditamos, conforme Triviños (1987, p. 129), que “os
significados, a interpretação, surgem da percepção de um fenômeno visto num
contexto”.
Além disso, a investigação também se orienta por uma abordagem qualitativa-
quantitativa, pois interessa-nos compreender as especificidades da realidade
pesquisada, por meio da identificação, descrição e interpretação de determinadas
variáveis recorrentes em um dado corpus. Conforme Huff (2008), estudos
qualitativos completados por estudos quantitativos podem fornecer maior potencial
de interpretação dos fenômenos, principalmente ao agregar a percepção dos
indivíduos no desenho de pesquisa. Desse modo, a pesquisa quantitativa, portanto,
ajuda a identificação de momentos e locais que podem vir a ser o foco de análises
qualitativas complementares, aumentando a validade do estudo, e não
necessariamente, é importante frisar, sua generalização. Assim, a abordagem
qualitativa-quantitativa encontra-se baseada na convicção de que “o número ajuda a
explicitar a dimensão qualitativa” (ANDRÉ, 1995, p. 24), ou seja, a abordagem
quantitativa pode servir de complemento à abordagem qualitativa.
Finalmente, como toda investigação de caráter científico, para consecução
dos objetivos propostos, se sustenta em um método de análise – definido, dentre
outros aspectos, pela orientação dos objetivos, pela escolha de uma perspectiva
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...80

teórica e, principalmente, pela natureza do corpus – em nossa pesquisa, adotamos o


método dialético-hermenêutico. Isto porque, segundo acredita Minayo (1994), a
união da hermenêutica com a dialética permite ao pesquisador a realização de dois
procedimentos importantes à realização de uma pesquisa: primeiro, a seleção e
descrição das partes (dos enunciados) que compõem o objeto estudado (no caso
desta tese, as notícias dos jornais), tendo em vista a compreensão detalhada deste
objeto por parte do pesquisador. Em seguida, em função da hermenêutica, o
pesquisador, a partir das partes selecionadas e, considerando a necessária
compreensão do objeto de pesquisa como um todo, determina os critérios de análise
e de interpretação do corpus de sua investigação.
Foi assim, portanto, que procedemos quanto ao tratamento do corpus,
conforme detalharemos de forma específica em seção seguinte, de quando da
apresentação de protocolo de análise dos dados da pesquisa. Desse modo, a
análise, primeiro, perpassa a materialidade linguístico-estrutural dos textos, no
sentido de identificar e descrever os enunciados que apresentam representações
discursivas sobre o cangaceiro Lampião e sobre seu bando, bem como para
realização de levantamento das operações de análise. Posteriormente, nos detemos
à análise e interpretação dos enunciados selecionados, tendo em vista compreender
como ocorre linguisticamente a construção das representações discursivas
identificadas nos enunciados. Assim, foi possível compreender co(n)textualmente a
dimensão semântica das notícias dos jornais que constituíram o corpus desta
investigação.

4.2 Procedimentos para a constituição do corpus da investigação

Esta tese analisa as representações discursivas de Lampião e seu bando em


notícias publicadas em jornais potiguares do século vinte, de quando da incursão do
cangaceiro e de seu bando à cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte, em treze de
junho de 1927. Considerando nosso intento, os textos que constituem o corpus de
análise desta investigação foram coletados e selecionados a partir de critérios
previamente estabelecidos, conforme serão descritos a seguir.
Inicialmente, estabelecemos um marco espaço-temporal para seleção dos
textos a serem coletados. Os textos foram publicados em jornais potiguares de
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...81

Mossoró, nos meses de maio, junho e julho de 1927 – período que compreende o
início da trajetória realizada pelo bando, a incursão à cidade de Mossoró e a saída
para o estado vizinho do Ceará. Desse modo, dado o curto espaço de tempo do
acontecimento, os jornais publicados nesse período apresentam notícias que
descrevem com riqueza de detalhes a empreitada realizada por Lampião, sob a ótica
dos próprios mossoroenses, tendo em vista que os jornais eram publicados na
cidade de Mossoró, o que facilitou o trabalho de identificação dos elementos
linguístico-textuais que evidenciam as representações discursivas do cangaceiro e
do bando.
Neste período, a presença da imprensa em Mossoró era marcante. Nas
primeiras décadas do século vinte, a cidade contava com vários veículos de
comunicação, principalmente a estação telegráfica e os jornais impressos: Comércio
de Mossoró, Correio do Povo, O Mossoroense e O Nordeste, todos na época com
publicação regular diária, semanal ou quinzenal. Esses meios de comunicação
contribuíram significativamente para o desenvolvimento econômico e social da
cidade, que, àquela época, ocupava o posto de segunda cidade mais desenvolvida
do Estado, perdendo apenas para a capital, Natal.
A incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró foi acontecimento
amplamente noticiado pela maioria desses jornais, especialmente Correio do Povo,
O Mossoroense e O Nordeste, que publicaram edições inteiras dedicadas
exclusivamente ao acontecimento histórico já citado. Em função disso, selecionamos
as notícias publicadas nestes três jornais para composição do corpus de nossa
investigação, uma vez que publicaram edições sobre a temática elencada neste
trabalho, durante o marco espaço-temporal anteriormente estabelecido. Não
encontramos nada a respeito da temática no jornal Correio de Mossoró.
Outros jornais publicados no Estado do Rio Grande do Norte, como A
República, de Natal, também publicaram edições sobre a atividade do cangaceiro
Lampião no interior do Estado (NONATO, 2012). Porém, especialmente no caso de
edição deste jornal, trata-se de publicação realizada no mês seguinte, agosto e,
portanto, não condiz com o marco temporal por nós estabelecido. Além disso, os
demais jornais, tal como A República, não conseguem contar o acontecimento com
riqueza de detalhes, confundindo-se na descrição de certos fatos, de quando
comparados à descrição realizada pelos jornais de Mossoró.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...82

Delimitados os jornais, nos empenhamos em selecionar as edições que


contemplavam manchetes sobre a incursão do bando à cidade de Mossoró. Esta
tarefa foi desempenhada com um tanto de dificuldade, uma vez que as fontes
documentais de que dispúnhamos eram bastante escassas. Os locais onde
encontramos cópias das edições dos jornais da época foram o Museu Municipal
Lauro da Escócia e o Memorial da Resistência de Mossoró, ambos localizados em
Mossoró. Entretanto, as edições dos jornais encontravam-se em estado precário de
conservação: vários trechos apagados, muitas páginas rasgadas, incompletas ou
mesmo amareladas em função da ação do tempo ou do próprio descuido daqueles
que já fizeram uso do material.
Por isso, decidimos buscar outras fontes, que apresentassem informações
documentais mais completas. Encontramos vários trechos das edições dos jornais
disponíveis em sítios eletrônicos na internet, mas em sua maioria não se
configuravam em fontes seguras de informação, além de não estarem completas.
Finalmente, encontramos a coletânea Lampião em Mossoró, do historiador norte-rio-
grandense Raimundo Nonato, que nos foi de muita serventia para constituição de
nosso corpus. Esta coletânea apresenta a cópia das edições dos jornais por nós
selecionados, e de muitos outros que fogem aos critérios aqui estabelecidos, que
noticiaram a incursão do bando de Lampião à cidade de Mossoró. Conforme dito no
prefácio da coletânea,

O propósito real desta publicação, outro não é senão, o de levantar do


esquecimento, do pó dos arquivos e das páginas dos velhos jornais da
época, o noticiário exato e a descrição minuciosa das cenas de vandalismo,
praticadas pelo grupo de Virgulino Ferreira, na sua passagem pela zona
oeste do Rio Grande do Norte (NONATO, 2012, p. 13).

A coletânea do historiador Raimundo Nonato nos permitiu o contato com os


textos publicados nos jornais, bem como que fizéssemos um cruzamento com os
outros dados, os fragmentos de jornais encontrados no Museu Municipal Lauro da
Escócia e no Memorial da Resistência de Mossoró, tendo em vista a reconstituição
das edições dos jornais selecionados.
As edições dos jornais apresentavam textos pertencentes a vários gêneros
textuais, tais como notícias, entrevistas, diários, depoimentos, poemas em forma de
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...83

cordel, dentre outros. Esse material compreende um compêndio de


aproximadamente cinquenta textos, de gêneros diferentes. Com vistas à otimização
de nossa pesquisa, bem como considerando que uma investigação em análise
textual requer que os dados sejam tratados com minuciosidade, pois todas as
especificidades dos fenômenos linguístico-textuais precisam ser consideradas,
optamos por selecionar para constituição do corpus apenas os textos pertencentes
ao gênero notícia.
A notícia compreende um dos mais importantes gêneros do domínio
discursivo jornalístico, pois descreve um acontecimento, um fenômeno social, de
forma comprometida com a realidade. As notícias dos jornais que compõem nosso
corpus procuram descrever de forma detalhada os acontecimentos realizados no dia
treze de junho de 1927, na cidade de Mossoró, focalizando todo o percurso de
Lampião e seu bando, bem como dos resistentes mossoroenses que se organizaram
em trincheiras para lutar contra os cangaceiros. Trata-se, pois, do gênero que
melhor descreve os acontecimentos, diferentemente, por exemplo, dos poemas de
cordéis, nos quais os poetas acrescentam fatos e omitem realidades em função das
especificidades do próprio gênero – tais como rima, métrica, dentre outras.
Assim sendo, procedemos ao levantamento das notícias publicadas nos três
jornais selecionados sobre a incursão do bando de Lampião a cidade de Mossoró,
em treze de junho de 1927, conforme os critérios aqui estabelecidos. Foram
identificadas nove notícias: quatro delas descrevem a trajetória do bando antes da
incursão a Mossoró; três delas descrevem o ataque realizado por Lampião e seu
bando de cangaceiros à cidade; as outras duas contam para onde foram os
cangaceiros depois da resistência mossoroense. Para o nosso corpus análise,
selecionamos as três notícias que descrevem o ataque do bando, as quais serão
descritas em seção posterior deste capítulo, de quando da apresentação dos jornais
a que pertencem. As demais notícias constituem um corpus secundário, com a
função de eventuais verificações, comparações, contextualizações e observações
complementares.
A seguir, considerando que o objeto de análise de nosso trabalho são notícias
de jornais, faremos algumas considerações a respeito do domínio discursivo
jornalístico, bem como sobre o jornal enquanto suporte e sobre o próprio gênero
notícia, fundamentais ao trabalho com esse gênero.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...84

4.3 Cangaço: Lampião e seu bando de cangaceiros

O termo “cangaço” surgiu como designação do conjunto de vários objetos


usados pelos escravos e camponeses pobres que habitavam o nordeste do Brasil –
o que equivaleria a bagulhos ou troços. Posteriormente, o termo passou a ser
utilizado para designar o conjunto de armas que os bandoleiros carregavam. Em
razão dessa extensão de sentido, surgiram expressões como viver no cangaço ou
tomar o cangaço, significando um estilo de vida relacionado às armas, seja por
causa de desforra ou vingança pessoal, assaltos, serviços contratados de armas,
dentre outros (CASCUDO, 1954). A partir de então, o termo cangaço passou a
designar um movimento social e revolucionário, organizado por homens armados
que vagavam pelas cidades em busca de justiça e vingança.
De modo geral, as origens do movimento estão nas próprias questões sociais
e fundiárias do nordeste. Entretanto, conforme Alves Viana (2012), certos fatores
foram determinantes para o surgimento do cangaço. Uma das principais razões é o
fator latifundiário, ou seja, a relação do homem do campo com a terra. Para Cardoso
(2003), o cangaço surgiu no nordeste brasileiro em razão da fragilidade
agropecuária e do monopólio da terra por parte de alguns latifundiários – em sua
maioria, coronéis. Na verdade, o cangaço no nordeste nasce no contexto do
coronelismo, a princípio, com os capangas e cabras, homens de arma que eram
usados para a segurança ou para atacar os inimigos, e, depois, com os bandos
independentes, que prestavam serviço aos coronéis mediante pagamento.
Outro fator que contribui para o surgimento do cangaço foi a questão
ambiental. O nordeste sofria com as questões em torno do latifúndio, da escassez
de trabalho, da exploração de mão de obra, mas, principalmente, com o surgimento
de períodos prolongados de seca.

O cangaço surgiu numa região pobre, o nordeste semiárido, cuja principal


característica do quadro natural é a existência de períodos secos, que
desestruturam a economia local, onde a concentração de terras nas mãos
de poucos ainda se mantém rigidamente inflexível. Não encontrando
soluções para a sobrevivência, ao homem nordestino restava a pouca
espera, crescia a apatia de sentimentos ao observar a miséria à sua volta.
Muitos levados ao desespero tendiam a enveredar pelos caminhos da
violência para escapar da realidade em que o latifundiário – o patrão – lhe
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...85

tirara todo o suor, restando apenas revolta e por motivos inconscientes


tornando-se muitas vezes cangaceiros (CARDOSO, 2003, p. 21).

Ao aspecto social e ambiental, acrescenta-se o isolamento da região em


relação ao restante do país. De acordo com Mello (1985), o cangaço era uma
espécie de banditismo do nordeste, desenvolvido e maturado em um contexto de
isolamento nacional e de uma região de duras secas, na qual o desenvolvimento e
seus recursos tardaram a chegar. O sertão nordestino, diferentemente das demais
áreas desenvolvidas do país, era carente de investimentos e possuía uma economia
debilitada, com base numa resistente e frágil pecuária. Tratava-se, pois, de um
sertão favorável à marginalidade.
Fatores de outras ordens também favoreceram o surgimento do cangaço,
como o ideal de vingança.

O fato é que os cangaceiros pareciam sentir necessidade de alinhar-se a


uma moral nordestina que esperava e até exigia „olho por olho‟, e que
valoriza a valentia. Assim todos os bandidos que falaram alguma coisa
sobre sua entrada no cangaço fizeram um esforço para justifica-la em
termos de injustiça contra eles ou contra seu povo (NARBER, 2003, p. 162).

Foi o que aconteceu com o mais famoso de todos os cangaceiros, Virgulino


Ferreira da Silva, Lampião. Filho de José Ferreira da Silva e Maria Sulena da
Purificação, Virgulino entrou para o cangaço no início da década de vinte do século
passado para vingar a morte do pai, morto em confronto com a volante em mil
novecentos e dezenove. A família de Lampião vivia pacificamente em região rural do
município de Serra Talhada, estado de Pernambuco. No entanto, por motivos não
claramente conhecidos, envolveu-se em disputas com vizinhos e o patriarca, José
Ferreira da Silva, foi morto pela volante em uma dessas disputas. Desde então,
Lampião decidiu vingá-lo. Tornou-se bandido e entrou para o cangaço.
De início, Lampião formou seu bando com seus dois irmãos, alguns primos e
uns poucos amigos, que somavam, aproximadamente, trinta homens. Juntos,
passaram a atacar fazendas e pequenas cidades em cinco estados do Brasil
(Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Sergipe), quase sempre a pé
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...86

e às vezes montados a cavalo. A partir de então, muitos outros revoltosos decidiram


ingressar no cangaço e fazer parte do bando de Lampião (CARDOSO, 2003), de
modo que, em pouco tempo, o bando passou a contar com mais de cinquenta
homens.
Em pouco tempo, Lampião tornou-se conhecido e temido em todo nordeste
brasileiro, recebendo, inclusive, a alcunha de Rei do cangaço. Seu grupo de
cangaceiros promovia saques a fazendas, ataques a comboios e sequestravam,
principalmente, fazendeiros, a fim de obter resgastes. Entretanto, aqueles que
respeitavam e acatavam as ordens dos cangaceiros não sofriam, mas, pelo
contrário, eram muitas vezes ajudados. Esta atitude, fez com que os cangaceiros
fossem respeitados e até mesmo admirados por parte da população da época,
especialmente a população mais carente. Por causa disso, Lampião foi comparado
ao herói inglês Robin Hood, que roubava comerciantes e fazendeiros para distribuir
parte do dinheiro com os mais pobres.

Figura 07: Cabeças decepadas de Lampião e de alguns cangaceiros de seu bando


Fonte: Nonato 2012.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...87

Por causa dos crimes cometidos, que infligiam as leis estabelecidas pelo
governo, o grupo era constantemente perseguido pelos policiais. Na verdade, àquela
época, foram criadas volantes19 para tentar combater e capturar os cangaceiros, que
os apelidaram de “macacos” pelo jeito como fugiam da represália dos cangaceiros,
como que pulando de forma apressada e se escondendo na mata (ALVES VIANA,
2012). Foi, inclusive, em uma emboscada organizada por uma volante que Lampião
e parte de seu bando foram assassinados, em julho de mil novecentos e trinta e oito.
As cabeças dos cangaceiros foram de decepadas e expostas em locais públicos,
pois o governo queria assustar e desestimular esta prática na região.

4.3.1 Sobre o assalto à cidade de Mossoró

Não era do interesse de Lampião, ao menos inicialmente, assaltar Mossoró 20:


era uma cidade grande, já bastante desenvolvida, com ares de capital, uma das
cidades mais próspera do estado do Rio Grande do Norte. Assaltá-la não seria
tarefa fácil e, portanto, Lampião não atribuía nenhuma fidelidade a esta missão.
Mas, instigado, principalmente, pelos cangaceiros Antônio Massilon Leite (Massilon
ou Benevides) e José Leite de Santana (Jararaca), dois importantes membros do
seu grupo, Lampião reuniu mais de cinquenta homens, todos bem armados e
municiados, e se embrenhou no interior do estado e percorreu quase quatrocentos
quilômetros, visando alcançar Mossoró e tomá-la de assalto.
Lampião chegou aos arredores da cidade na madrugada do dia treze de junho
de mil novecentos e vinte e sete. Foram quase cinco dias de peregrinação.
Entretanto, ao contrário do que esperavam, Lampião e seu bando de cangaceiros
encontraram em Mossoró resistência: a cidade estava armada e preparada para
enfrentar o bando. O prefeito, Coronel Rodolfo Fernandes, organizou trincheiras em
diversos pontos estratégicos e municiou policiais e civis para defender a cidade do
ataque. Pouco tempo depois da invasão do bando, alguns cangaceiros já se

19
Grupos de soldados ou contratados que percorriam as caatingas em busca de grupos cangaceiros.
Alguns ficaram famosos por sua perversidade contra civis.
20
Município brasileiro no interior do estado do Rio Grande do Norte, situado na mesorregião do Oeste
Potiguar e microrregião homônima, Região Nordeste do país. Ocupa uma área de 2 099,333 km²,
sendo o maior município do estado em área, estando distante 281 quilômetros da capital do
estado, Natal (IBGE, 2012).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...88

encontravam mortos e outros feridos. Diante deste cenário, Lampião e seu bando
saíram em retirada e Mossoró locupletou vitoriosa.

Figura 08: Itinerário de Lampião e seu bando no Rio Grande do Norte


Fonte: Nonato (2012).

Este episódio compreende um dos principais acontecimentos da história de


Mossoró e do estado do Rio Grande do Norte. Desde então, Mossoró ficou
conhecida como a única cidade do Nordeste a expulsar Lampião e seu bando de
cangaceiros sem a ajuda das forças militares e unicamente com a participação do
povo da cidade e, por isso, recebeu o título de terra da resistência. Um dos
principais museus da cidade, o Memorial da Resistência, apresenta várias
exposições que destacam o tema do cangaço e a resistência da cidade de
Mossoró ao bando de Lampião. Além disso, durante o mês de junho, é montado um
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...89

cenário em frente à Igreja de São Vicente, ao lado da antiga casa do Coronel


Rodolfo Fernandes, onde se apresenta o espetáculo teatral “Chuva de balas no país
de Mossoró”, apresentação artística referente à tentativa de assalto do bando à
cidade.
Àquela época, vários jornais do estado do Rio Grande do Norte e de outros
estados vizinhos fizeram a cobertura do ousado acontecimento. Em Mossoró, muitos
números dos jornais O Nordeste, Correio do Povo e O Mossoroense foram
dedicados com exclusividade à tentativa de assalto do bando de Lampião à cidade
de Mossoró – conforme mostramos no terceiro capítulo desta tese. Os números
destes jornais tornaram-se documentos de valor histórico imensurável, porque
descrevem com riqueza de detalhes o acontecimento de treze de junho na cidade de
Mossoró.
Convém esclarecer que as posições ideológicas, sociais e políticas
assumidas naqueles jornais não representavam, necessariamente, os interesses dos
governos estaduais e municipais, mas, por tratar-se de jornais ditos liberais, eram
voltados aos interesses do povo. Claro que autoridades ou indivíduos de maior
prestígio social, tais como industriais, comerciantes, empresários, grandes
fazendeiros, dentre outros, também exerciam certas influências sob estes jornais,
especialmente pelo fato de muitos deles serem parcialmente financiados por esses
sujeitos. Desse modo, mesmo que indiretamente, os discursos veiculados pela
imprensa daquela época eram controlados pelas figuras mais expoentes da cidade
de Mossoró, o que justifica, em razão do contexto histórico em que as notícias foram
escritas, a construção de certas representações discursivas para Lampião e seu
bando de cangaceiros.

4.4 O domínio discursivo jornalístico

O jornalismo constitui um domínio discursivo. “Usamos a expressão domínio


discursivo para designar uma esfera ou instância de produção discursiva ou de
atividade humana. Esses domínios não são textos nem discursos, mas propiciam o
surgimento de discursos bastante específicos” (MARCUSCHI, 2002, p. 23, grifo do
autor). Também não compreende um gênero específico, mas dá origem a vários
gêneros, já que estes são institucionalmente marcados. Por isso, dizemos que os
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...90

domínios são práticas discursivas, dentro das quais se pode identificar um conjunto
de gêneros textuais que lhes são próprios ou específicos como “rotinas
comunicativas institucionalizadas e instauradas por relações de poder”
(MARCUSCHI, 2008, p. 155).
Ora, pensar em domínio discursivo implica considerar a noção de esfera do
Círculo de Bakhtin. O próprio Marcuschi (2008) diz que compreende o domínio
discursivo como esfera no sentido bakhtiniano do termo. No ensaio sobre Os
gêneros do discurso, ao apresentar o conceito de gêneros – tipos relativamente
estáveis de enunciado – e seu modo de funcionamento e circulação em sociedade,
Bakhtin (2003) retoma a noção de esfera:

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são


inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em
cada esfera dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso,
que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica
uma determinada esfera. ([1979]2003: 262).

Cada esfera de atividade humana, isto é, cada domínio discursivo congrega


um conjunto institucionalizado de práticas discursivas que organizam certas formas
de comunicação e de compreensão, que são compartilhadas pelos sujeitos que
trabalham no âmbito de cada domínio. Dizendo de outro modo, cada domínio
discurso elabora um repertório de gêneros textuais que apresentam características
próprias, singulares, muitas vezes inerentes ao próprio domínio discursivo,
conhecidas, principalmente, pelos sujeitos que fazem uso desses gêneros.
Partindo desta concepção, Marcuschi (2008, p. 194) sugere que os domínios
discursivos “produzem modelos de ação comunicativa que se estabilizam e se
transmitem de geração para geração com propósitos e efeitos definidos e claros.
Além disso, acarretam formas de ação, reflexão e avaliação social que determinam
formatos textuais que em última instância desembocam na estabilização dos
gêneros textuais.”. Os domínios discursivos operam, portanto, como enquadres
globais de macroordenção comunicativa, subordinando práticas sociodiscursivas
orais e escritas que resultam nos gêneros textuais. Por isso, sabemos que nosso
comportamento discursivo num circo não pode ser o mesmo que numa igreja e que
a produção textual acadêmica e a de uma revista de variedades não será a mesma.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...91

Com finalidade didático-pedagógica, Marcuschi (2008) realizou uma tentativa


de distribuição dos gêneros da oralidade e escrita no enquadre de doze domínios
discursivos: instrucional (científico, acadêmico e educacional), jornalístico, religioso,
saúde, comercial, industrial, jurídico, publicitário, lazer, interpessoal, militar e
ficcional. Nesta classificação, o linguista ressalta que há domínios que são mais
produtivos do que outros em diversidade de formas textuais e que muitos gêneros
são comuns a vários domínios. Os gêneros do domínio discursivo jornalístico,
segundo o autor, são os seguintes:

Domínio discursivo Gêneros escritos Gêneros orais


Editoriais, notícias, Entrevistas jornalísticas,
reportagens, notas entrevistas televisivas,
sociais, artigos de entrevistas radiofônicas,
opinião, comentários, entrevistas coletivas, notícias
jogos, histórias em de rádio, notícias de tevê,
quadrinhos, palavras reportagens ao vivo,
cruzadas, crônicas comentários, discussões,
policiais, crônicas debates, apresentações,
esportivas, entrevistas programas radiofônicos,
Jornalístico jornalísticas, anúncios boletins de tempo.
classificados, anúncios
fúnebres, cartas do
leitor, cartas ao leitor,
resumo de novelas,
reclamações, capas de
revista, expediente,
boletins de tempo,
sinopses de novelas,
resumos de filme,
cartoons, caricaturas,
enquetes, roteiros,
erratas, charges,
programações
semanais, agendas de
viagens.
Quadro 06: Gêneros do domínio discursivo jornalístico.
Fonte: Marcuschi (2008)

Compreendemos, pois, o jornalismo como uma esfera de atividade humana,


isto é, como um domínio discursivo, dentro do qual são produzidos e circulam muitos
gêneros textuais, por nós aqui denominados de gêneros do jornal, porque, na
maioria das vezes, os gêneros produzidos no âmbito deste domínio possuem o
jornal como o suporte material onde são apresentados.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...92

4.4.1 Sobre o jornal e seus gêneros

“Um jornal se for de papel serve para cobrir o


chão quando pinamos a casa e embrulhar peixe
no mercado”.
Allan Novaes

Cotidianamente, todos nós recebemos jornais impressos em nossas casas ou


assistimos telejornais na televisão ou mesmo acessamos jornais digitais em nossos
computadores ou aparelhos móveis. Independentemente do meio (impresso,
televisivo ou digital), o jornal constitui material relevante, porque nos mantem
informados sobre os acontecimentos de muitos lugares, até mesmo dos mais
distantes geograficamente, abrangendo diversos interesses e questões sociais.
A linguagem empregada nos jornais é essencialmente formal e, em tese,
objetiva – sim, em tese, porque não podemos esquecer que o jornal também é um
produto de consumo e de que, por trás de cada notícia, está um jornalista com
opiniões próprias – nem sempre compartilhadas por toda equipe do jornal. Assim,
por mais objetiva que tente ser a linguagem jornalística, ela é permeada por
intenções e conteúdos ideológicos, de modo que um leitor atento sempre conseguirá
perceber o posicionamento do jornalista por meio de alguns detalhes linguísticos,
tais como: estruturação do texto, ordem sintática utilizada, ênfase dada à seção, ao
agente, ao objeto, ao local, à data, dentre outros aspectos. Na verdade, os textos
jornalísticos são intersubjetivos, clivados histórica e socialmente e, por isso, nunca
imparciais. Como sugere Souza (2003), eles surgem de um sujeito histórico, social,
múltiplo, dialógico - que é constitutivamente influenciado pelo público alvo – e
ideológico, porque revela a sua historicidade ideológica. A notícia, por exemplo, “é
uma versão de um fenômeno social, não a tradução objetiva, imparcial e
descomprometida de um fato. Qualquer redator ou relator de um fato é parcial
inclusive ao escolher o melhor ângulo para descrevê-lo, como se recomenda nas
redações” (LUSTOSA, 1996, p. 21). Entretanto, este não é o foco de nossa
investigação e, por isso, não nos alongamos nesta discussão.
Dada sua relevância social, o jornal tem sido objeto de muitas investigações,
oriundas de variados campos ou áreas do conhecimento. Muitos ramos da
Linguística têm tomado o jornal como corpus de investigação, tendo em vista o
estudo de aspectos diversos relativos ao funcionamento da língua e da linguagem.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...93

Na Linguística História, por exemplo, os textos publicados em jornais em períodos


históricos passados constituem material relevante à compreensão de fenômenos
linguísticos que entraram em desuso na língua. Especialmente na Linguística
Textual, os textos publicados nos jornais têm sido utilizados por muitos
pesquisadores da área para ilustrar fenômenos linguísticos dos mais diversos, tais
como a referenciação, a relação tópico-comentário, a intertextualidade, para apenas
citar alguns.
Metodologicamente, a Linguística Textual concebe o jornal como um suporte
textual de textos pertencentes a gêneros variados. É assim que pensa, por exemplo,
Luiz Antônio Marcuschi (2003, p. 08), ao afirmar que “o jornal diário, e mesmo o
jornal semanal, é nitidamente um suporte com muitos gêneros”. Para ele, o suporte
de um gênero (ou de muitos gêneros) compreende “um lócus físico ou virtual com
formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero
materializado como texto”. Trata-se, pois, de elemento fundamental, senão sine qua
non, para que o gênero circule na sociedade. De modo sumário, pode-se dizer, a
partir da definição deste autor, que o suporte de um gênero é uma superfície física
(e acrescentaríamos que, muitas vezes, também virtual, como no caso dos gêneros
que são veiculados pela internet) em formato específico que suporta, fixa e mostra
um texto ou discurso que se materializa sob a forma de um gênero. Depreendem-se,
desta definição, três aspectos característicos do suporte:

a) suporte é um lugar físico ou virtual


b) suporte tem formato específico
c) suporte serve para fixar e mostrar o texto.

Segundo Marcuschi (2008), a primeira característica supõe que o suporte


deve ser algo real (sendo a realidade virtual no caso dos gêneros veiculados pela
internet) e sua materialidade é incontornável, não podendo, portanto, ser preenchida
ou delineada. Da segunda característica, entende-se que o suporte não é informe ou
uniforme, mas todo suporte apresenta um formato específico, como acontece com o
livro, a revista, o jornal ou o outdoor. Finalmente, a terceira característica sugere que
a função básica do suporte é justamente fixar o texto e torná-lo acessível para fins
comunicativos.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...94

Por preencher todas essas características (no caso do jornal impresso, o


lugar físico é o papel de imprensa, o formato é standard – entre sessenta por trinta e
oito centímetros e setenta e cinco por sessenta centímetros – e permite ao leitor
visualizar os textos) compreende-se o jornal como suporte textual. A figura abaixo
elabora por Marcuschi (2008) ilustra as formas de organização dos textos, nas quais
o jornal se apresenta como suporte:

Figura 09: Formas de organização dos textos jornalísticos


Fonte: Marcuschi (2008)

Da figura acima, depreende-se a seguinte interpretação: todo texto se realiza


em algum gênero (o texto da notícia, por exemplo, se realiza no gênero notícia) e
todo gênero, como sugere Adam (2011), comporta uma ou mais sequências textuais
(a notícia, por exemplo, apresenta, principalmente, sequências textuais narrativas,
descritivas e argumentativas) e é produzido no âmbito de um domínio discursivo
(“práticas discursivas nas quais podemos identificar um conjunto de gêneros textuais
que às vezes lhes são próprios ou específicos como rotinas comunicativas
institucionalizadas e instauradoras de relações de poder” (MARCUSCHI, 2008, p.
155)). Este, por sua vez, se inscreve dentro de uma formação discursiva (um
conjunto de enunciados submetidos a uma mesma regularidade e dispersão na
forma de uma ideologia) e os textos produzidos no âmbito de um domínio discursivo
são fixados em um dado suporte pelo qual atingem a sociedade.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...95

Ora, sendo assim, o jornal compreende um suporte que comporta um


conjunto de textos específicos que compreendem certos gêneros textuais.
Acompanhando Parrat (2001), dizemos que a classificação dos textos dos jornais
em gêneros cumpre, entre outras, uma função pedagógica que se desdobra em dois
aspectos de suma relevância. Em primeiro lugar, a classificação permite que os
escritores dos jornais tenham modelos de referência e possam compreender melhor
o próprio trabalho que fazem; dessa forma, eles podem refletir sobre o trabalho, no
sentido de aperfeiçoá-lo cada vez mais. Por outro lado, e em segundo lugar, a
classificação dos textos em gêneros possibilita ao leitor a aquisição de esquema
mínimo de leitura, o que lhe permite reconhecer formas diferentes de produção
jornalística e seu significado enquanto resultado de uma complexa relação forma-
conteúdo.
Na verdade, quando observamos os demais gêneros, além dos jornalísticos,
podemos dizer que estas parecem ser características peculiares dos próprios
gêneros, conforme explica Todorov (1980, p. 49):

É porque os gêneros existem como instituição, que funcionam como


“horizontes de expectativa” para os leitores, como “modelos de escritura”
para os autores. Estão aí, com efeito, as duas vertentes da existência
histórica dos gêneros (ou, se preferirmos, do discurso metadiscursivo que
toma os gêneros como objeto). Por um lado, os autores escrevem em
função do (o que não quer dizer: de acordo com o) sistema genérico
existente, aquilo que podem testemunhar no texto e fora dele, ou, até
mesmo, de certo forma, entre os dois: na capa do livro; esse testemunho
não é evidentemente o único meio de provar a existência dos modelos de
escritura. Por outro lado, os leitores lêem em função do sistema genérico
que conhecem pela crítica, pela escola, pelo sistema de difusão do livro ou
simplesmente por ouvir dizer; no entanto, não é necessário que sejam
conscientes desse sistema.

Os gêneros do jornal são, em boa medida, típicos e, em certos casos, tal


como o da notícia, recebem, em função do suporte, algumas características
singulares – conforme veremos mais a frente. Pensando nisso, Adair Bonini (2005)
dedicou-se a um estudo aprofundado sobre os gêneros do jornal. Ele os organizou
em um quadro, que os divide em dois grandes grupos de gêneros: gêneros centrais
e gêneros periféricos, conforme podemos observar a seguir:
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...96

CENTRAIS PERIFÉRICOS
PRESOS LIVRES
Cabeçalho Reportagem Anúncio publicitário
Chamada Notícia Anúncio de evento
Editorial Nota Aviso de promoção
Expediente Entrevista Aviso de tomada de preços
Carta do leitor Comentário Aviso de licitação
Artigo de opinião Edital de convocação
Análise Edital de concorrência
Crítica Formulário de inscrição
Perfil Informe
Fotolegenda Palavra-cruzada
Charge Charada
Crônica
Gravura
Programação
Grade de programação
(de cinema, de
exposições, musical)
Previsão de tempo
Cotação
Indicadores
Horoscopo
Resultado da loteria
Resumo de novela
Tira
Obituário
Ficha técnica de jogo
de futebol
Avaliação de
desempenho
Tabela de campeonato
Quadro 07: Gêneros centrais e periféricos.
Fonte: Bonini (2005)

Este quadro foi construído a partir do critério de centralidade da função do


gênero no suporte jornal. As tonalidades diferentes não são aleatórias ou mesmo
estilísticas, mas constituem uma gradação, do cinza escuro ao branco, e demarcam
a importância dos gêneros na caracterização do jornal. Os conceitos mobilizados no
quadro podem ser interpretados da seguinte maneira, conforme Bonini (2005): todos
eles são gêneros do jornal, porque ocorrem no suporte jornal. Os gêneros centrais
são aqueles que estão diretamente relacionados à organização e aos principais
objetivos sociais e comunicacionais do jornal (relatar, prever e analisar
acontecimentos). São gêneros centrais presos aqueles que estruturam o jornal, tais
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...97

como o editorial. São gêneros centrais livres aqueles que fazem o jornal funcionar,
como a notícia. Por sua vez, os gêneros centrais livres podem ser autônomos –
porque comumente se apresentam como unidades textuais independentes ou
predominantes em um bloco de textos – ou gêneros centrais livres conjugados –
quando ocorrem, em geral, como apêndice dos gêneros autônomos, principalmente
da reportagem. Finalmente, os gêneros periféricos estão relacionados a propósitos
sociais e comunicacionais que incidem sobre o jornal, como os de promover
produtos e pessoas, divertir, educar, cumprir normas legais, contratar pessoal,
dentre outros, como o anúncio publicitário, por exemplo.
Ainda de acordo com o autor, estas divisões não são entendidas como
categorias que explicam o gênero diretamente, mas o processo social e de
linguagem em que ele está envolvido. Trata-se, desse modo, de descrever o gênero
pelo modo como ele funciona no seu suporte, no caso, o jornal. Aqui, de modo
especial, interessa-nos considerar o funcionamento do gênero notícia, considerando
que o corpus deste trabalho é composto essencialmente por textos pertencentes a
este gênero.

4.4.2 A notícia

Os jornais modernos, por disputarem espaço no mercado de trabalho, tentam


satisfazer às necessidades de seus consumidores desenvolvendo um trabalho que
busca associar, entre outros elementos, conteúdo e forma (isto é, focalizando
principalmente a apresentação gráfica). No entanto, o elemento essencial do jornal
ainda continua sendo a notícia. Ela é o eixo estruturante do jornal. Em razão disso,
raramente a notícia é assinada pelo redator que a escreve. A notícia representa o
próprio jornal, que responde, inclusive, pela veracidade de seu conteúdo.
De acordo com Laje (2000, p. 16), “a notícia se define como o relato de uma
série de fatos a partir do fato mais importante ou interessante; e de cada fato, a
partir do aspecto mais importante ou interessante". Sob esta perspectiva, podemos
compreender que a notícia não apenas narra os acontecimentos, mas, além disso,
também os expõe e comenta os fatos. É por isso que a partir de um fato (entenda-
se, um acontecimento) outros se desenvolvem (comentários do autor da notícia,
ativados por sua memória, por exemplo, ou fatos outros que estão diretamente
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...98

ligados – por meio da temática, principalmente – ao fato primeiro), construindo assim


uma cadeia de relações semântico-textuais.
Ademais, é preciso que se compreenda que a notícia não é constituída por
apenas uma única narrativa. Preferimos compreender a notícia como um conjunto
de narrativas (ou micronarrativas) estruturadas, como dito, a partir de um
acontecimento principal. As notícias que constituem nosso corpus, por exemplo,
noticiam, de forma bastante geral, a incursão do bando de Lampião à cidade de
Mossoró. Trata-se, pois, de um acontecimento (na época, um acontecimento
político-social). Porém, enquanto tal desencadeia muitos outros fatos: a passagem
do bando por Apodi, a retirada das famílias, o banditismo no sertão, citando apenas
alguns. Esses fatos, por sua vez, também são noticiados, isto é, narrados e
comentados, e, cada um constitui uma narrativa específica, relacionada
semanticamente à narrativa principal.
Dado este caráter, a notícia pode compreender outros vários gêneros em sua
composição textual. Em uma notícia, é comum encontrarmos gêneros outros, como
bilhetes e telegramas (tal qual ocorrem nas notícias analisadas neste trabalho),
trechos de entrevistas, dentre outros. Esse processo de incorporação de outros
gêneros na composição da notícia nos faz lembrar a distinção realizada pelo filósofo
russo Mikhail Bakhtin entre gêneros primários e gêneros secundários. Segundo ele,

Os gêneros discursivos secundários (complexos – romances, dramas,


pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos,
etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e
relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o
escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc. No processo de sua
formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários
(simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva
imediata. Esses gêneros primários, que integram os complexos, aí se
transformam e adquirem um caráter especial: perdem o vínculo imediato
com a realidade concreta e os enunciados alheios: por exemplo, a réplica
do diálogo cotidiano ou da carta no romance, ao manterem a sua forma e o
significado cotidiano apenas no plano do conteúdo romanesco, integram a
realidade concreta apenas através do conjunto do romance, ou seja, como
acontecimento artístico-literário e não da vida cotidiana. No seu conjunto o
romance é um enunciado, como a réplica do diálogo cotidiano ou uma carta
privada (ele tem a mesma natureza dessas duas), mas à diferença deles é
um enunciado secundário (complexo). (BAKHTIN, 2003[1952-1953], p.263-
124).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...99

Ora, assim ocorre com a notícia: os gêneros que são incorporados em sua
estrutura composicional perdem seu vínculo com a realidade, isto é, eles não
funcionam de forma independente enquanto gênero específico. Eles só funcionam
dentro da notícia, como parte constitutiva dela.
Por exemplo, em várias notícias analisadas neste trabalho, o gênero carta (ou
bilhete – há uma indefinição nos próprios jornais da época quanto ao texto escrito
pelo cangaceiro Lampião) aparece como parte da notícia. Trata-se de ultimato do
cangaceiro Lampião ao prefeito da cidade de Mossoró, exigindo a quantia de
quatrocentos contos de réis para que não entrasse com seu bando na cidade. O
texto, inclusive, é transcrito no corpo da notícia e foi publicado no jornal como
elemento constitutivo da notícia. Portanto, ao menos no domínio jornalístico, a
referida carta só tem existência em função do gênero notícia, onde foi publicada.
De quando são publicadas, as notícias só possuem valor jornalístico quando
narram acontecimentos que acabaram de acontecer ou quando aconteceram
recentemente ou quando contam coisas que irão acontecer ainda, diferentemente da
reportagem, por exemplo, que discorre sobre um tema, apresentando uma
interpretação sobre situações ou fatos relacionados a este (LAGES, 2005). A notícia
instaura o novo, o inesperado, o pontual, aquilo que é desconhecido para o leitor –
neste último caso, pode-se tratar de um acontecimento não recente, mas que não foi
ainda noticiado por nenhum outro veículo de comunicação ou, mesmo tendo sido
noticiado, a repercussão foi insuficiente, de modo que o caráter de novidade ainda
impera.
A depender do período de circulação do jornal, em apenas um dia a notícia
pode perder seu caráter de novidade. Assim, ela deixa de ter valor jornalístico e, na
maioria das vezes, passa a ter valor histórico. Foi o que aconteceu com as notícias
dos jornais analisados em nosso trabalho: elas não mais possuem valor jornalístico,
porque não instauram mais o novo, uma vez que os acontecimentos narrados estão
no passado. Entretanto, as notícias aqui analisadas apresentam um imenso valor
histórico, porque elas contam a história do Nordeste do Brasil, especialmente da
cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte, durante idos dos anos vinte do século
passado.
Quanto ao aspecto estrutural, geralmente, a notícia apresenta três partes
constitutivas: o título, o lide e o corpo. O título da notícia, via de regra, encontra-se
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...100

disposto no início do texto, com destaque gráfico (na maioria das vezes, em letras
maiúsculas ou em negrito), devendo ser curto, atrativo e sintetizador do assunto
tratado na notícia. Logo em seguida, encontra-se o lide, um enunciado que fica
localizado, quase sempre, abaixo do título e possui a função de transmitir ao leitor as
informações básicas necessárias à compreensão do texto. Conforme Laje (2005), o
lide deve informar qual é o fato jornalístico noticiado e as principais circunstâncias
em que ele ocorre, ou seja, deve informar quem fez o que, a quem, quando, onde,
como, por que e para que, para, depois, continuar os fatos. Finalmente, o corpo da
notícia diz respeito ao restante do texto. Trata-se da parte mais desenvolvida da
notícia, que explica e justifica a razão do acontecimento noticiado e descreve com
detalhes como ocorreram os fatos.
No domínio do jornalismo, este é o modelo mais convencional de estruturação
da notícia, mas existem outros vários tantos modelos de organização. Por exemplo,
no modelo retórico elaborado por Van Dijk (1985), os componentes da notícia são:
título, lide, fato central, contexto, eventos prévios, consequências-reações,
expectativas e avaliação. Segundo o autor, geralmente, um texto que atenda
satisfatoriamente as necessidades do gênero notícia deve apresentar todos esses
elementos; não obstante, não são raros os casos de notícias que apresentam
apenas alguns desses elementos, e, mesmo assim, podem ser consideradas como
tais. Por isso, preferimos nos orientar pela estrutura canônica da notícia, tal qual
apresentada anteriormente, com base nos trabalhos de Laje (2005).
Ademais, apesar de apresentarem uma estrutura prototípica, cada notícia, a
depender do tema tratado, do estilo do redator, do estilo ou da ideologia do jornal,
apresenta um plano de texto específico. O plano de texto é responsável pela
estrutura composicional do texto. Conhecê-lo é fundamental à compreensão do
próprio texto, como sugere Adam (2011, p. 263): “a (re)construção de partes ou
segmentos que correspondem ou ultrapassam os níveis do período e da sequência
é uma atividade cognitiva fundamental que permite a compreensão de um texto [...]”.
Ora, mesmo conservando os elementos prototípicos do gênero (título, lide e corpo),
a estrutura da notícia, não raras as vezes, se organiza em função de escolhas do
redator do texto ou mesmo do próprio jornal no momento da escrita. Por isso,
diremos que o plano de texto da notícia é convencional, porque é muito mais aberto
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...101

e flexível do que uma estrutura cristalizada, pelo menos considerando a análise


preliminar que realizamos das notícias que constituem o corpus desta investigação.

4.5 O corpus: dos jornais às notícias selecionadas

Os jornais que apresentam as notícias que constituem o corpus desta


investigação circularam no estado do Rio Grande do Norte e em cidades de estados
vizinhos durante a década de vinte do século passado, especialmente no ano de
1927, de quando da invasão do bando de Lampião à cidade de Mossoró,
acontecimento principal narrado e comentado nas notícias analisadas. A seguir,
apresentamos um breve histórico dos três jornais potiguares que publicaram àquela
época notícias sobre o acontecimento acima citado e que, portanto, constituíram o
suporte material dos textos analisados nesta pesquisa: O Mossoroense, Correio do
povo e O Nordeste. Além disso, também apresentamos, ao final de cada tópico, as
notícias selecionadas de cada jornal para a constituição do corpus da investigação,
conforme os critérios aqui já estabelecidos.

4.5.1 O Mossoroense

O jornal O Mossoroense foi fundado no dia dezessete de outubro de mil


oitocentos e setenta e dois, pelo senhor Jeremias da Rocha Nogueira, na cidade de
Mossoró, interior do estado do Rio Grande do Norte. De início, o jornal compreendia
um pequeno semanário político, comercial, noticioso e literário de apenas quatro
páginas, que estampava, principalmente, notícias que marcavam a cidade de
Mossoró e de cidades circunvizinhas, como Apodi, Felipe Guerra, Açu e outras
cidades do interior do estado.
Depois da morte do senhor Jeremias da Rocha Nogueira, em mil novecentos
e um, um de seus filhos, o senhor João da Escóssia, que então trabalhava como
xilógrafo, deu continuidade à publicação do jornal. Neste momento, tem início a
segunda fase do O Mossoroense, quando o jornal ressurge como periódico
humorístico e ilustrado. Conforme o historiador Vingt-un Rosado, o jornal traz agora
o intuito de prestar serviços às letras, às artes, às ciências, às indústrias e ao
desenvolvimento de ramos da atividade humana.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...102

Por motivos de doença, João da Escóssia foi obrigado a afastar-se do jornal


em mil novecentos e dezessete e, após sua morte, dois anos depois, Francisco
Pinheiro de Almeida Castro tornou-se seu sucessor, permanecendo no comando do
até mil novecentos e vinte e um. Logo após, assumiram o jornal Rafael Fernandes
Gurjão, como diretor político e redator-chefe, de mil novecentos e vinte e dois a mil
novecentos e trinta, e Augusto da Escóssia, filho de João da Escóssia, como
gerente, de deste último ano até mil novecentos e trinta e quatro. Neste período, o
jornal perdeu muito de suas características culturais. Na verdade, em função da
Primeira Guerra Mundial, muitos jornais do país começaram a perder suas
características literárias e a ser influenciados pelas novas relações estabelecidas
entre a sociedade e a comunicação de massa. Os jornais deixaram de ser literários
e passaram a ser mais noticiosos.
Durante o período da ditadura do governo de Getúlio Vargas, o jornal deixou
de circular, porque não se submetia à censura imposta pelo governo. Em uma
publicação de dezessete de julho de 1932, o jornal declarou: “Impulsionados por um
sentimento de brio (...) resolvemos cerrar as portas do orgam, cuja vida tem sido um
exemplo de trabalho e esforços em prol de todos os nobres cometimentos que se
relacionam com o progresso e com o bem estar do município e do estado”. E ainda:
“Esperamos que um dia os clarões dos raios sublimes da liberdade, do amor e da
justiça illuminem a nossa trajectoria, e que então, se concretisem em verdade
inconcussa as palavras santas do Evangelho: „OS HUMILHADOS SERÃO
EXALTADOS‟.” (O MOSSOROENSE, 17. 07. 1932).
Com a queda de Getúlio e o fim do Estado Novo, O Mossoroense ressurge
em 1946 e volta a circular, desta vez a com direção de Lauro da Escóssia, outro filho
de João da Escóssia. Lauro, juntamente com seus dois filhos, dirigiu O Mossoroense
por aproximadamente trinta anos e foi quem mais escreveu sobre o jornal e sobre a
família Escóssia. Um dos marcos de sua atuação profissional foi a entrevista com o
cangaceiro José Leite Santana, mais conhecido popularmente por Jararaca.
Considerando a idade avançado de Lauro da Escóssia, seu filho mais velho, Lauro
Filho, decide transferir o poder acionário do jornal ao médico Jerônimo Rosado
Cantídio. A partir de então, O Mossoroense manteve sua linha noticiosa, mas
ampliou significativamente a militância política e o espaço para opinião.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...103

A seguir, reproduzimos o fac-símile da primeira página de uma notícia do


jornal O Mossoroense.

Figura 10: Fac-símile de edição do jornal “O Mossoroense”.


Fonte: Nonato (2012).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...104

Nos dias atuais, ainda em funcionamento, o jornal é dirigido pelo senhor Laíre
Rosado e tem como editor principal o jornalista e advogado Cid Augusto da Escóssia
Rosado, descendente do fundador do jornal e do ex-diretor Jerônimo Rosado
Cantídio. Assim sendo, mesmo passados mais de cento e quarenta anos, o jornal
ainda continua sendo administrado pela mesma família, sendo um dos principais
jornais da região oeste do estado do Rio Grande do Norte.
Desse jornal, apenas uma notícia atendia aos critérios aqui estabelecidos
para constituição do corpus de nossa pesquisa. Os demais textos publicados no
jornal sobre a incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró, e
encontrados nas fontes pesquisadas, pertenciam a outros gêneros textuais, como
entrevista e depoimentos, por exemplo. A notícia selecionada é intitulada de “Hunos
da nova espécie” e foi publicada na edição de dezenove de junho de mil novecentos
e vinte e sete, ou seja, seis dias depois do citado acontecimento. O texto da notícia
traz a cobertura completa e detalhada das atividades desenvolvidas pelo bando de
Lampião na cidade, bem como descrição da “heroica defesa” dos mossoroenses,
coordenada pelo prefeito Rodolfo Fernandes.
O quadro a seguir apresenta informações gerais sobre a notícia selecionada
do jornal O Mossoroense para constituição do corpus de nossa pesquisa:

JORNAL TÍTULO DA LIDE DATA


NOTÍCIA
O Hunos da nova O famigerado Edição publicada em
Mossoroense espécie Lampião e seu 19 de junho de 1927
grupo de
asseclas atacam
Mossoró
Quadro 08: Notícias do jornal “O Mossoroense”.
Fonte: Autor.

Como já enfatizado anteriormente, deste jornal selecionamos apenas uma


notícia, porque não tivemos contato com outras edições que abordassem o
acontecimento da incursão de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró. Ademais,
outros textos desta edição do jornal pertenciam a outros gêneros textuais, os quais
não correspondem aos critérios estabelecidos nesta pesquisa para a seleção do
corpus de análise.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...105

4.5.2 Correio do Povo

O Correio do Povo compreende um jornal impresso diário que circulou pela


primeira vez na cidade de Mossoró e em cidades circunvizinhas no dia treze de maio
de mil novecentos e vinte e cinco, de quando foi lançado seu primeiro número.
Àquela época, era proprietário e diretor do jornal o senhor José Octávio, escritor e
jornalista de renome da cidade. Como redatores, assinavam as matérias do jornal os
senhores Jeremias Limeira e Manoel Rodrigues, e como gerente, o senhor Cícero A.
de Oliveira, conhecido artista tipográfico de Mossoró.
Conforme informou José Octávio logo no primeiro número do Correio do
Povo, os organizadores pretendiam a criação de um jornal independente, dedicado à
causa do município de Mossoró e das demais cidades da região Oeste potiguar.
Desse modo, a escolha do nome do jornal já indicava a sua própria ideologia:
tratava-se eminentemente de um jornal voltado exclusivamente para o povo, que
tinha como objetivo dar-lhe oportunidade a voz, priorizando, portanto, suas
necessidades básicas, seus desejos, suas intenções. Por isso, o slogan apresentado
pelo jornal era: “Mossoró acima de tudo”.
Durante seu período de circulação, o Correio do Povo abordou vários temas,
em sua maioria, bastante polêmicos para a época, tais como saneamento básico,
saúde (hospital), funcionamento da diocese, calçamento, arborização, segurança,
costumes, estrada de ferro e, principalmente, o problema da energia elétrica de
Mossoró. Sim, porque àquela época não havia em Mossoró iluminação pública,
mesmo esta sendo uma das cidades do estado mais desenvolvidas
economicamente. Segundo conta o próprio José Otávio, em uma das edições do
jornal de data não identificada, “não havia iluminação pública, e sim um simulacro,
com cento e vinte lâmpadas de trinta watts, um motor a óleo cru, fornecendo energia
e claridade igual à luz dos pirilampos".
Graças principalmente a “pena flamejante” do redator Jeremias Limeira, a
campanha empreitada pelo Correio do Povo foi fundamental para que se oferecesse
à população de Mossoró um serviço de energia elétrica de qualidade, o que
aconteceu em mil novecentos e vinte se seis, de quando assume a Prefeitura de
Mossoró o Coronel Rodolfo Fernandes – um dos personagens principais na história
do combate travado pela cidade com Lampião e seu bando. Segundo consta da
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...106

edição comemorativa do jornal O Mossoroense, “dessa forma, o município se livrou


das cláusulas de um contrato que o escravizaria por noventa e nove anos, se não
fosse essa campanha encabeçada pelo jornal Correio do Povo”.

Figura 11: Fac-símile de edição do jornal “Correio do Povo”.


Fonte: Nonato (2012).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...107

O jornal Correio do Povo também cobriu com detalhes um dos mais


importantes acontecimentos da história da cidade de Mossoró, o ataque “do maior
grupo de cangaceiros do Nordeste”, aos treze de junho de mil novecentos e vinte e
sete, àquela cidade – temática central dos textos coletados no corpus de nossa
pesquisa e, portanto, objeto desta investigação. Especialmente em duas de suas
edições, conforme veremos a seguir, o Correio do Povo comentou detalhadamente a
empreitada realizada pelo bando, desde sua passagem pela cidade de Apodi (Rio
Grande do Norte), até a invasão à cidade de Mossoró e a resistência nas “trincheiras
heroicas” dos que ali residiam.
Depois de mais de três anos de efetiva atuação, em meados do ano de mil
novecentos e vinte e oito, o jornal Correio do Povo deixou temporariamente de
circular, de acordo com seu proprietário, em função de “acontecimentos deploráveis
de arbítrio do poder", não especificados pelo próprio jornal. Trata-se de momento de
adormecimento, mas também de amadurecimento para o jornal, que volta a ser
produzido e a circular na cidade de Mossoró dois anos depois, em mil novecentos e
trinta, mas agora com uma proposta ideológica bastante diferente daquela inicial. O
Correio do Povo volta a circular como órgão de apoio à Aliança Liberal, partido
apoiado pelo jovem advogado e político potiguar Café Filho. Desde então, as
edições publicadas pelo jornal focalizaram aspectos de interesse exclusivo do
partido político da Aliança Liberal. Diante esta postura, pouco tempo depois, o
Correio do Povo perde bastante sua credibilidade em relação ao povo mossoroense,
sendo obrigado a parar definitivamente de circular no dia dois de dezembro de mil
novecentos e trinta e quatro por falta de leitores interessados nas matérias
publicadas.
Deste jornal, considerando os critérios aqui estabelecidos para coletado do
corpus, foram selecionadas três notícias. A primeira delas foi publicada entre os dias
dez e treze de maio de mil novecentos e vinte sete (data específica não identificada),
um mês antes da incursão do bando a Mossoró, quando os primeiros cangaceiros
começaram a adentrar o estado do Rio Grande do Norte. Conta do incêndio, dos
roubos e assassinato de que foram vítimas as cidades de Apodi, Itaú e Gavião. Esta
notícia faz parte de nosso corpus secundário. A segunda notícia, a qual pertence ao
corpus de análise, foi publicada em dezenove de junho e descreve o assalto do
bando a Mossoró, conforme se pode ver no quadro seguinte. Finalmente, a terceira
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...108

notícia, publicada ao final do mês de junho de mil novecentos e vinte e sete, de dia
não identificado, comenta a fuga do bando de Lampião para o estado do Ceará e
possíveis ameaças futuras. Esta última notícia também foi anexada ao corpus
secundário da pesquisa.

JORNAL TÍTULO DA LIDE DATA


NOTÍCIA
Correio do Avé, Mossoró! O maior grupo de Edição publicada em
Povo cangaceiros do 19 de junho de 1927.
Nordeste assalta
nossa cidade, sendo
destroçado após 4
horas de renhida luta!
A bravura dos nossos
civis! Os bandidos são
chefiados por
Lampião, Sabino,
Massilon e Jararaca.
Como morreu o
bandido Colchête e
como foi ferido e
aprisionado Jararaca,
o maior sicário do
Nordeste – Notícias e
notas diversas.
Quadro 09: Notícias do jornal “Correio do Povo”.
Fonte: Autor.

4.5.3 O Nordeste

O jornal O Nordeste circulou pela primeira na cidade de Mossoró no dia


quinze de outubro de mil novecentos e dezesseis, tendo como proprietário o
jornalista, poeta, músico, político, historiador, autodidata e animador cultural José
Martins de Vasconcelos. De acordo com os historiadores Walter Wanderley e
Raimundo Nonato (2002, p. 25), no jornal, José Martins de Vasconcelos fazia de
tudo: “Dirigia, supervisionava, escolhia os títulos, os tipos da composição. Escrevia,
fazia revisão, mexia na tipografia toda para encontrar os objetos, brigava, dava
ordens e contraordens.”. E assim, “a seu jeito, criava as notícias, arranjava os
„casos‟, os furos e os seus notáveis sensacionalismos. Por cima, atendia ainda à
pasta comercial." (p. 28). A seguir, apresentamos o fac-símile de uma das edições
de O Nordeste.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...109

Figura 12: Fac-símile de edição do jornal “O Nordeste”.


Fonte: Nonato (2012).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...110

O jornalista José Martins de Vasconcelos primava pela ética profissional e


pela independência de seu jornal. Com esta ideologia, dispensou atenção especial
às dificuldades enfrentadas pelo município, com notável atuação, dentre outros
aspectos, pela defesa do meio ambiente, pelo estímulo à atividade cultural e pelo
carinho que dedicava às figuras que davam relevo à cultura mossoroense. Para
Raimundo Nonato (2002), "a redação do jornal era sua (de José Martins de
Vasconcelos) tenda de trabalho, sua cachaça, o vício de sua vida". No entanto, no
ano de mil novecentos e trinta e quatro, por motivos não divulgados na imprensa da
época e ainda oficialmente desconhecidos, O Nordeste parou definitivamente de
circular.
Deste jornal, foram selecionadas cinco notícias, publicadas nos meses de
maio a julho de mil novecentos e vinte e sete. A primeira e a segunda notícia
apresentam descrição dos primeiros ataques de cangaceiros ao estado do Rio
Grande do Norte, especialmente aos municípios de Apodi, Itaú e à comunidade de
São Sebastião, no mês de maio. Por isso, estas duas constituem parte do corpus
secundário. A terceira notícia, publicada no dia vinte e quatro de junho, narra os
“terríveis contingentes” do “assalto de Lampião à cidade de Mossoró”, na noite de
treze de junho. Trata-se, portanto, da terceira e última notícia que compõe nosso
corpus de análise. Finalmente, as duas últimas notícias, de títulos homônimos, “O
bando de Lampião e seu grupo”, publicadas respectivamente no mês de julho de
1927, contam o itinerário de Lampião e seu bando de cangaceiros após a expulsa na
cidade de Mossoró. Estas também fazem parte do corpus secundário.

JORNAL TÍTULO DA NOTÍCIA LIDE DATA


O Nordeste O bandido Lampião Terríveis Edição publicada em
e seu grupo. contingentes – 24 de junho de 1927.
Assalto a esta
cidade – A nossa
vitória –
continuamos em
pé de guerra –
Lampião
derrotado.
Quadro 10: Notícias do jornal “O Nordeste”.
Fonte: Autor.

O corpus de análise de nossa pesquisa, portanto, é constituído por três


notícias pertencentes, respectivamente, aos jornais anteriormente apresentados. As
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...111

outras seis notícias citadas, como já apontado anteriormente, compreendem um


corpus secundário da pesquisa, eventualmente mobilizado para contextualizar o
acontecimento, bem como para verificar e comparar informações apresentadas nas
notícias que compõe o corpus de análise.
Em tempo, convém dizer, que preferimos compreender estes textos como um
conjunto de enunciados que narram e reconstroem a história do cangaço
lampeônico em Mossoró. Sobre eles, interessa-nos os elementos linguísticos em
seus contextos de uso, isto é, a composição e organização das proposições, das
sequências e dos parágrafos que formam a materialidade textual das notícias e
revelam representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros.
De como identificar, interpretar e analisar tais representações, trataremos na
seção seguinte, quando apresentamos o protocolo de análise dos dados utilizado
para o desenvolvimento de nossa investigação.

4.6 Protocolo de análise dos dados

Quanto ao tratamento dos dados selecionados para a composição do corpus,


considerando que o método científico aqui adotado foi o dialético-hermenêutico,
elaboramos um protocolo de análise (um conjunto de procedimentos metodológicos)
pautado essencialmente na análise textual, tendo em vista, principalmente, os
objetivos desta investigação.
Retomando o esquema dos níveis de análise de discurso e de análise textual
de Jean Michel Adam (2011), observamos que a representação discursiva, principal
categoria da dimensão semântica do texto, deve ser analisada no nível de uma
análise textual, porque todo enunciado do texto expressa um conteúdo semântico.
Ora, assim sendo, nossa atenção foi direcionada à dimensão semântica do aspecto
textual das notícias analisadas. É claro que, com isso, não estamos querendo dizer
que abdicamos do nível discursivo dos textos analisados. Na verdade, nosso
trabalho compreende, como já foi dito, uma análise textual de discursos e é por meio
do gênero (notícia) que articulamos o texto ao discurso – conferir esquema quatro de
Adam (2011). Entretanto, considerando os objetivos desta investigação e as
escolhas metodológicas aqui realizadas, categorias teórico-analíticas como
formação discursiva, interdiscurso, socioletos, dentre outras, não serão
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...112

consideradas, ao menos não a priori, porque partimos da instanciação textual, da


materialidade linguística dos textos.
Feitas essas ponderações, convém agora apresentar o protocolo de análise
que orientou o tratamento dos dados que compõem o corpus de nossa pesquisa. De
modo geral, ele está organizado em quatro momentos. Estes momentos se
organizam e correspondem, respectivamente, aos procedimentos e ações
desenvolvidos para realização de nossa pesquisa.
Em um primeiro momento, procedemos ao levantamento exaustivo e à
catalogação do conjunto de enunciados que evidenciam representações discursivas
de Lampião e representações discursivas de seu bando de cangaceiros nas notícias
em análise. Procedemos assim, porque, entendemos, como apontam Passeggi et al
(2010), uma dada representação discursiva pode ser construída em vários pontos do
texto, inclusive em pontos não necessariamente sucessivos ou lineares. Por isso, a
dimensão semântica do texto deve ser abordada com base na proposição-
enunciado, ou seja, no enunciado mínimo, a unidade textual elementar, tal como
propõe Adam (2011).
Orientando-se por uma metodologia de análise tabular, os enunciados
identificados foram organizados em quadros demonstrativos e facilitadores,
considerando, para fins metodológicos, as notícias e os jornais a que pertencem,
conforme constam nos anexos desta tese de doutorado. O quadro a seguir
apresenta a síntese da catalogação dos enunciados identificados em cada notícia:

JORNAL NOTÍCIA ENUNCIADOS


O Mossoroense Hunos da nova espécie 69
Correio do Povo Avé, Mossoró! 73
O Nordeste O bandido lampião e seu 47
grupo
Quadro 11: Síntese da catalogação dos enunciados.
Fonte: Autor.

Mesmo o corpus sendo composto por notícias pertencentes a três jornais


diferentes, a análise preliminar dos dados permitiu-nos perceber que os mesmos
compartilham pontos de vista ideológicos acerca de Lampião e seu bando de
cangaceiros. Apresentam-se como jornais apáticos ao bando de cangaceiros – como
poderá ser visto no capítulo em que analisamos a construção de representações
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...113

discursivas para com o bando. Não representam, propriamente, a ideologia do


governo, porque são jornais liberais, mas buscavam dar voz ao povo, publicando
matérias e notícias que iam ao encontro de seus interesses. Mesmo os jornais
sendo metodologicamente considerados como suportes textuais, como vimos
anteriormente, ou, num outro sentido, como instituições empresariais, eles estão
sendo aqui entendidos como instâncias discursivas, porque assumem a
responsabilidade dos pontos de vistas marcados nas notícias. As notícias são,
inclusive, assinadas pelos próprios jornais.
Isto posto, em um segundo momento, considerando os enunciados
catalogados, procedemos ao levantamento das operações semânticas de análise
das representações discursivas de Lampião e de seu bando, quais sejam:
referenciação, predicação, modificação, localização, conexão e analogia.
Em relação à categoria de referenciação, buscamos identificar nos
enunciados selecionados os referentes (objetos de discurso) que designam
(categorizam) e redesignam (recategorizam) Lampião e seu bando de cangaceiros,
bem como os modificadores destes referentes, que desempenham funções de
explicadores, especializadores e especificadores (categoria da modificação). Na
maioria das vezes, como veremos nas análises aqui realizadas, os referentes são
gramaticalmente representados por substantivos ou por temos e expressões
equivalentes de valor nominal. Por sua vez, os modificadores dos referentes
identificados nos enunciados são representados gramaticalmente pela classe dos
adjetivos ou por locuções adjetivas.
No que diz respeito à categoria da predicação, atentamos, especialmente,
para os diversos processos verbais que designam as ações e processos
desempenhados pelos referentes ou mesmo os estados em que aqueles se
encontram nos discursos. Gramaticalmente, esta categoria semântica é
representada nos enunciados analisados pelo verbo e por locuções verbais.
Também nos ocupamos de identificar os modificadores das predicações, a que
denominamos de termos circunstantes (modificação das predicações), que, de modo
geral, são representados gramaticalmente por advérbios, locuções adverbiais ou por
expressões equivalentes que denotam circunstâncias adverbiais e modificam os
verbos.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...114

Feito isto, considerando a categoria de localização, e sua relevância para


situar no tempo e no espaço e os referentes e suas predicações, nos concentramos
em identificar as palavras e expressões que indicam as circunstâncias de lugar e de
tempo em que se desenvolvem os processos verbais desempenhados pelos
referentes. Nos enunciados selecionados, essa categoria se apresenta
gramaticalmente sob a forma de advérbio de tempo e de advérbio de lugar ou de
expressões com valor temporal e espacial.
Além destes elementos, buscamos também observar certas conexões ou
encadeamentos estabelecidos entre os enunciados na construção de
representações discursivas de Lampião e de seu bando. Estas conexões se dão a
partir do emprego de conjunções, de locuções conjuntivas, locuções prepositivas ou
mesmo por meio do uso de certas locuções adverbiais que têm por finalidade a
interconexão de enunciados ou de palavras ou termos que compõem um enunciado.
Finalmente, ainda observamos as relações semânticas de analogias que são
estabelecidas entre termos distintos dos enunciados e evidenciam a construção de
representações discursivas de Lampião e de seu bando. As analogias são
construídas em função do uso de conjunções comparativas (comparação) ou por
meio do emprego de expressões metafóricas ou, em casos mais raros, expressões
metonímicas.
Após identificação das operações semânticas de análise das representações
discursivas, em um terceiro momento, organizamos quadros sintetizadores com as
ocorrências dos elementos linguístico-discursivos que representam cada operação
de análise. Estes quadros, além de facilitarem a análise dos dados, permitem-nos
também conhecer o levantamento realizado, bem como apresentam um quantitativo
das ocorrências de cada fenômeno nos enunciados selecionados.
Considerando todos esses procedimentos metodológicos, por último, em um
quarto momento, nos dedicamos à análise e interpretação dos dados, isto é, à
análise das representações discursivas de Lampião e de seu bando de cangaceiros,
tomando por base as operações semânticas de análise anteriormente apresentadas
e tendo em vista sua importância para a construção da dimensão semântica dos
textos. Para tal, recorremos aos enunciados selecionados, que serão retomadas ao
longo da análise como forma de fundamentá-la.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...115

CAPÍTULO V: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DE LAMPIÃO

Olê muié rendera


Olê muié rendá
Tu me ensina a fazê renda
Que eu te ensino a namorá
Lampião desceu a serra
Deu um baile em Cajazeira
Botou as moças donzelas
Pra cantá muié rendera

Zé do Norte

5.1 A construção de representações discursivas de Lampião em notícias de


jornal

Este capítulo é dedicado à análise e à interpretação dos dados. Noutros


termos, analisamos como se constroem representações discursivas de Lampião nas
notícias que compõem o corpus desta tese de doutoramento. Como anunciado ao
longo do trabalho, orientamo-nos a partir das operações semânticas de construção
de representações discursivas apresentadas no segundo capítulo: a referenciação, a
predicação, a modificação, a localização espacial e temporal, a analogia e a
conexão. Metodologicamente, mesmo correndo o risco de sermos suportadamente
repetitivos em alguns pontos do texto, preferimos analisar separadamente cada
notícia, tendo em vista compreender, a partir do ponto de vista de cada jornal, as
representações discursivas construídas sobre Lampião. Ao final, construímos uma
síntese dos resultados.

5.1.1 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense

O referente Lampião – ou mesmo Virgulino Lampião – aparece (re)designado


em doze enunciados da notícia do jornal O Mossoroense. Nestes enunciados, as
nominalizações constroem representações discursivas do cangaceiro Lampião como
bandido e chefe de cangaceiros. A seguir, analisamos cada uma dessas
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...116

representações discursivas a partir das operações semânticas de análise antes


apresentadas.

5.1.1.1 Lampião – Bandido

Os enunciados abaixo evidenciam a construção da representação discursiva


de Lampião como bandido:

Vivemos sobre a iminência de graves perigos ante as ameaças dos


bandidos Lampião, Sabino e Massilon, sendo este o mesmo que
atacou Apodi, ali matando, roubando e incendiando (E19M).
O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso
território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde
seria combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes
somas de dinheiro, rouba, saqueia e lança miséria e terror (E23M).
(Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado
por diversas vezes (E69M).

a) Referenciação

Nos enunciados acima apresentados, Lampião é designado como bandido.


Em E19M, o termo bandido é empregado com valor genérico, para designar os
indivíduos Lampião, Sabino e Massilon. Enquanto bandido, Lampião aparece ainda
como ameaça à população mossoroense, que vive “sobre a iminência de graves
perigos”. Nos outros enunciados, o termo bandido designa especificamente o
cangaceiro Lampião, que aparece, inclusive, como agente do processo verbal em
E23M e paciente em E69M.

b) Predicação

Em relação à predicação, verificamos nos enunciados acima vários processos


verbais que compreendem, especialmente, ações desempenhadas por Lampião
enquanto agente e contribuem para a construção da representação discursiva do
cangaceiro como bandido.

O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso


território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...117

seria combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes


somas de dinheiro, rouba, saqueia e lança miséria e terror (E23M).

Como o enunciado acima compreende parte de uma narrativa que descreve


ações já executadas, os verbos empregados estão no tempo pretérito imperfeito do
modo indicativo. É como se as ações descritas fossem transpostas mentalmente
pelo locutor para o momento da ocorrência. De um modo geral, esses processos
verbais destacados acima desenham uma cadeia semântica de ações criminosas
praticadas por Lampião que trazem para o cenário da situação comunicativa a
imagem de um bandido. Nesse sentido, a seleção lexical de verbos de ação como
ataca, rouba, saqueia, lança, dentre outros, reforça a construção da representação
discursiva de bandido para o cangaceiro Lampião.
Em E69M, há apenas um processo verbal de estado, formado por uma
locução verbal (foi baleado) – ocorrência de processo no tempo pretérito perfeito do
indicativo. Trata-se de ocorrência que indica um estado de Virgolino Lampião: estar
baleado – um fato consolidado.

(Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado


por diversas vezes (E69M).

Esse estado reforça a construção da representação discursiva de Lampião


como bandido. Na verdade, os cangaceiros – representados nas notícias aqui
analisadas como bandidos – eram comumente feridos por disparos realizados pela
polícia – a volante – ou mesmo por coronéis revoltados. O cangaceiro Lampião foi,
por frequentes vezes, atingido por disparos realizados por emboscadas da volante,
mas, em razão de sua rapidez e agilidade, conseguiu, quase sempre, se sobressair
de todas as investidas.

c) Localização espacial e temporal21

O espaço onde se desenvolvem as ações anteriormente apresentadas


(predicações) é descrito nos enunciados abaixo a partir de vários locativos
espaciais:

21
Não há nos enunciados termos locativos indicadores de tempo. Há apenas o tempo verbal,
comentado quando falamos sobre as predicações.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...118

O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso


território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde
seria combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes
somas de dinheiro, rouba, saqueia e lança miséria e terror (E23M).

De modo geral, os locativos constroem o percurso espaço-geográfico


realizado por Lampião até sua chegada à cidade de Mossoró: do Estado da Paraíba
ao Estado do Rio Grande do Norte. De forma especial, as expressões nosso
território e a cidade referem-se, por meio de processo anafórico indireto, justamente
a cidade de Mossoró – cidade onde foram escritas as notícias analisadas neste
trabalho (o que justifica o valor dêitico das expressões) e onde Lampião e seu grupo
realizou um ataque frustrado (episódio que compreende o pano de fundo das
notícias analisadas neste trabalho). O adverbio temporal onde também aparece em
duas ocorrências, com função de pronome relativo, para retomar locativos espaciais.
Todos esses locativos situam espacialmente o universo de ações desenvolvidas por
Lampião como bandido e reforçam, portanto, a construção dessa representação
discursiva para o cangaceiro.

5.1.1.2 Lampião – Chefe do cangaço

Nos enunciados seguintes, são construídas representações discursivas para


Lampião como chefe do cangaço ou mesmo chefe do banditismo:

O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró


(E02M).
A incursão do famigerado grupo sinistro capitaneado pelo mais audaz e
miserável de todos os bandidos que tem infestado o Nordeste
brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte (E06M).
Virgulino Lampião, esta majestade do crime e do terror, alma
diabólica de pervertido tarado cujo rastilho de misérias vem
desassombradamente espalhando em todos os recantos onde
passa com o seu cortejo macabro e facinoroso (E07M).
Desesperado por este fracasso, rumara o mesmo (o grupo famanaz
desses hunos da nova espécie) para a povoação de São Sebastião,
deste município, e dali viria a Mossoró com o intento de locupletar as
algibeiras do sinistro chefe – Lampião (E10M).
O celerado e seus adeptos entram em contato conosco, pouco antes
das 16 horas (E30M).
(Jararaca) Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por
Lampião, sendo seu grupo chefiado por Massilon Leite (E47M).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...119

O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por
Lampião (E48M).

a) Referenciação e modificadores

Várias nominalizações são utilizadas na notícia do jornal O Mossoroense para


construir representações discursivas de Lampião como chefe do cangaço. Na
verdade, depois que entrou para o cangaço, Lampião ficou conhecido por liderar os
demais cangaceiros que lhe acompanhavam e, por isso, recebeu diversas alcunhas:
chefe do cangaço, rei do cangaço, chefe de bandidos, dentre outros. Na notícia do
jornal O Mossoroense, a alcunha rei do cangaço não aparece como designação do
referente Lampião, possivelmente em razão da ideologia liberal do jornal, mas outras
nominalizações (categorizações) e termos modificadores permitem a construção de
uma representação de Lampião como chefe do cangaço, conforme se pode
perceber no quadro abaixo.

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
O famigerado Lampião 01 O mais audaz e miserável E02M
de todos os bandidos que
tem infestado o Nordeste
brasileiro e o pacato
território do Rio Grande do
Norte
Virgulino Lampião 01 Majestade do crime e do E07M
terror, alma diabólica de
pervertido tarado cujo
rastilho de misérias vem
desassombradamente
espalhando em todos os
recantos onde passa com o
seu cortejo macabro e
facinoroso
O sinistro chefe – 01 - E10M
Lampião
O celerado 01 - E30M
Lampião 02 - E47M
E48M
Quadro 12: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como chefe do
cangaço na notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...120

As designações e os modificadores empregados nos enunciados acima


apresentados constroem representações discursivas para Lampião como chefe de
cangaceiros. O adjetivo famigerado, que funciona linguisticamente como qualificador
no sintagma nominal O famigerado Lampião, exaspera a fama de Lampião como
grande cangaceiro e, por isso, respeitado pelos demais. Neste contexto, o adjetivo é
utilizado em um sentido pejorativo, aplicando-se justamente a um sujeito
considerado como malfeitor, que adquiriu fama e conhecimento em razão de crimes
praticados. A expressão modificadora O mais audaz e miserável de todos os
bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande
do Norte corrobora para a construção dessa representação discursiva. Aqui,
Lampião não é descrito apenas como um bandido do cangaço, mas como o pior de
todos eles e, por isso, carece de ser reconhecido como chefe dos demais, conforme
comprova ainda o referente O celerado, em E30M, indicador de pessoa de má
índole, capaz de cometer atos violentos e que se destaca pela intensidade dos seus
atos.
Os adjetivos audaz e miserável, intensificados pelo advérbio mais, descrevem
traços característicos do cangaceiro Lampião. Funcionam, pois, como modificadores
explicativos do referente, porque acentuam particularidades distintivas do cangaceiro
– o próprio ataque à cidade de Mossoró, por exemplo, compreende uma atitude
audaciosa do cangaceiro, tendo em vista tratar-se de uma cidade relativamente
grande, que podia estar– e estava – preparada para se defender de um ataque de
cangaceiros. Além disso, essas características reforçam a construção de uma
representação discursiva de chefe do cangaço para Lampião, porque são,
convencionalmente, entendidas como elementos necessários ao exercício da chefia,
da liderança, principalmente audácia.
Em E07M, o referente Virgulino Lampião é modificado pela sequência
descritiva Majestade do crime e do terror, alma diabólica de pervertido tarado cujo
rastilho de misérias vem desassombradamente espalhando em todos os recantos
onde passa com o seu cortejo macabro e facinoroso. A descrição reforça a
construção de uma imagem perversa para o cangaceiro Lampião. O uso do pronome
de tratamento Majestade, mesmo que empregado com valor pejorativo, permite a
construção da representação discursiva de rei do cangaço – ou, por assimilação,
chefe do cangaço – tendo em vista que seu uso restringe-se a autoridades de alta
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...121

classificação de uma monarquia. Por analogia, pode-se, pois, dizer que na


organização monárquica do cangaço, Lampião está no topo da hierarquia, como rei
dos demais cangaceiros.
Toda majestade possui um cortejo. O cortejo de Lampião era macabro e
facinoroso. Trata-se do grupo de cangaceiros que acompanhava Lampião em sua
empreitada pelos estados do Nordeste. Interessante destacar a relação de
pertencimento estabelecida na proposição o seu cortejo macabro e facinoroso. O
emprego do pronome possessivo substantivo seu estabelece uma relação de posse,
de pertencimento entre Lampião e o grupo de cangaceiros que lhe seguia. Mais uma
vez, essa construção linguística sugere, pois, para o cangaceiro Lampião, a
representação discursiva de chefe ou rei do cangaço, porque tinha um bando de
cangaceiros por ele dominado.

b) Predicação e termos circunstantes

Nos enunciados acima expostos são poucas as ocorrências de predicações


que sugerem ações ou estados relacionados à imagem de Lampião como chefe do
cangaço. Convém destacar o processo verbal atacam, em E02M, e vem
desassombradamente espalhando, em E07M. A primeira ocorrência refere-se aos
ataques realizados por Lampião e seu bando de cangaceiros à cidade de Mossoró,
episódio que compreende o tema tratado nas notícias analisadas nesse trabalho.
Lampião e o bando são, portanto, os referentes que assumem o papel semântico de
agente do verbo atacam. Interessante reparar que, apesar da forma verbal está
conjugada no tempo presente do modo indicativo, diz respeito a uma ação pontual já
realizada e não a uma ação durativa, tendo em vista que a data de publicação da
notícia – dezenove de junho de mil novecentos e vinte sete, seis dias depois do
assalto do grupo à cidade de Mossoró.
A locução verbal vem espalhando aciona Lampião como agente do processo
verbal indicado. Por estar no presente do indicativo, sugere uma ação durativa – o
rastilho de misérias espalhadas por Lampião e seu bando de cangaceiros em todos
os lugares por onde passam. A locução é modificada pelo advérbio
desassombradamente, que funciona aqui como termo circunstante intensificador da
ação verbal. Especialmente o termo circunstante contribui para a construção de um
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...122

efeito de exagero e de monstruosidade em relação aos feitos de Lampião e de seu


bando de cangaceiros. Dessa forma, colabora para a construção da representação
discursiva de Lampião como um grande cangaceiro ou mesmo o chefe dos demais,
porque suas ações ou ações por ele coordenadas são assombrosas ao ponto de
serem noticiadas em todos os lugares do país.

c) Localização espacial e temporal

O espaço onde se desenvolvem as ações praticadas por Lampião é descrito a


partir dos locativos espaciais abaixo indicados:

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
Mossoró 03 E02M
E10M
E47M
O Nordeste brasileiro e o pacato 01 E06M
território do Rio Grande do Norte
Todos os recantos 01 E07M
Onde 01 E07M
A povoação de São Sebastião 01 E10M
O lado do cemitério 01 E48M
Quadro 13: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de Lampião como chefe
de cangaço em notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.

O locativo espacial Mossoró, mais uma vez, apresenta maior recorrência (três
vezes), o que se explica em razão de ser palco do episódio principal narrado nas
notícias aqui analisadas. Há ainda espaços mais gerais, como o Nordeste brasileiro,
o pacato território do Rio Grande do Norte e todos os recantos e espaços mais
específicos, como a povoação de São Sebastião – atual município de Governador
Dix-Sept Rosado, estado do Rio Grande do Norte. Outros locativos não descrevem
regiões nem cidades, mas situam espacialmente lugares ou pontos específicos,
como o lado do cemitério. O locativo onde aparece no enunciado E07M para
recuperar o locativo todos os recantos. Funciona como elemento coesivo – evita a
substituição de um termo anteriormente citado. Esses locativos descrevem os
espaços percorridos por Lampião para locupletar sua tentativa de assalto à cidade
de Mossoró. A referência a locativos como o Nordeste brasileiro ou mesmo todos os
recantos denunciam a fama de Lampião e, portanto, reforçam a representação
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...123

discursiva do cangaceiro como líder do cangaço, porque ousava adentrar os lugares


mais inusitados possíveis.

5.1.2 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo

Na notícia do jornal Correio do Povo, o referente Lampião aparece vinte e oito


vezes. Em boa parte dessas ocorrências, observamos que o referente aparece
semanticamente associado ao bando de homens que acompanhava o cangaceiro
Lampião, construindo, conforme se verá nas análises a seguir, a representação
discursiva de chefe de cangaceiros para Lampião. Por outro lado, verificamos
também que o jornal constrói para Lampião a representação discursiva de derrotado,
tendo em vista o episódio de fuga da cidade de Mossoró quando foi recebido em
emboscada nas trincheiras organizadas pelos policiais e homens da cidade. Além
disso, outra representação saliente é de Lampião como subornador, porque
comprava os policiais e coronéis da época com o dinheiro que roubava em suas
aventuras.

5.1.2.1 Lampião – Chefe de cangaceiros

Os enunciados abaixo apresentados constroem para Lampião a


representação discursiva de chefe de cangaceiros.

Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca


(E03CP).
A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e
assediada pelo maior número de bandidos do Nordeste, sob a chefia de
Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca, chefes de cangaceiros que se
coligaram para levar a efeito a empreitada terrível e sinistra de saquear
Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte
(E05CP).
Domingo, 12 do corrente, muito cedo, soube-se que um numeroso grupo
de cangaceiros, chefiado por Lampião estava atacando Apodi, que
resistia (E10CP).
É natural de Buíque (Pernambuco) foi soldado do exército de 920 a 926,
dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de
cangaceiros chefiados por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de
um ano, tendo tomado parte nos ataques de vilas, povoados e fazendas
de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas (E52CP).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...124

a) Referenciação e modificadores

A representação discursiva de Lampião como chefe de cangaceiros é


construída a partir da relação estabelecida entre ele e os demais cangaceiros de seu
grupo. Assim, nos enunciados acima expostos, o nominal Lampião aparece na
função de modificador dos referentes bandidos ou grupo de cangaceiros e a
representação discursiva de chefe de cangaceiros se constrói na associação que se
estabelece entre Lampião e seu grupo.

5.1.2.2 Lampião – Derrotado

Por causa da resistência da cidade de Mossoró, Lampião é descrito pelo


jornal Correio do Povo como derrotado.

Lampião depois de batido em Mossoró tomou rumo do Ceará, pela


estrada que liga nossa cidade a Limoeiro (E43CP).
O portador relatou que Lampião estava envergonhado porque não
pode entrar em Mossoró (E44CP).
Chegando perto daqui, na fazenda Oiticica, Lampião mandou um bilhete
ao Sr. Rodolfo Fernandes dizendo que não entrava na cidade mediante
uma indenização de 400 contos de réis (E59CP).
Lampião mesmo assim, resolveu fazer o ataque por ser vergonhoso vir
tão perto e voltar sem tentar a entrada (E60CP).
Deu ordem de avançar e como estivesse do outro lado do rio vieram até
a ponte da Estrada de Ferro a cavalo e aí deixaram as montarias
amarradas e os prisioneiros em uma casa guardados por dois homens
do grupo (E61CP).
Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e
haver saído com 43 como constaram os despachos recebidos de
Limoeiro (E71CP).

a) Referenciação e modificadores

Os modificadores batido em Mossoró e envergonhado constroem para o


referente Lampião uma representação discursiva de derrotado. Ocorre que, no
ataque realizado a cidade de Mossoró, Lampião e seu bando de cangaceiros foram
recebidos por policiais e civis bem municiados e organizados em trincheiras em
lugares estratégicos da cidade. Lampião, que estava em desvantagem, porque tinha
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...125

um número bem menor de homens, viu-se obrigado a fugir, tendo seu ataque
fracassado.

b) Predicação e termos circunstantes

Os processos verbais que contribuem para a construção da representação


discursiva de Lampião como derrotado estão apresentados no quadro seguinte:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
Tomou 01 - E43CP
Pode entrar 01 Não E44CP
Mandou 01 - E59CP
Entrava 01 Não E59CP
Resolveu fazer 01 - E60CP
Deu 01 - E61CP
Ter penetrado 01 - E71CP
Haver saído 01 - E71CP
Quadro 14: Predicados que constroem a representação discursiva de Lampião como derrotado em
notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

O conjunto de predicações é composto por verbos de ação no pretérito


perfeito do indicativo: tomou, mandou, resolveu fazer, deu. Esses verbos descrevem
a sequência de ações realizadas por Lampião antes de invadir a cidade de Mossoró.
Compreendem, pois, uma espécie de planejamento feito pelo chefe dos bandoleiros,
conforme comprovam os complementos verbais. Os verbos pode entrar e entrava
(modificados pelo termo circunstante de negação), respectivamente no pretérito
perfeito e no pretérito imperfeito do indicativo, reforçam a construção da
representação discursiva de Lampião como derrotado, porque sugerem a precaução
e recusa inicial do cangaceiro Lampião em entrar na cidade de Mossoró. Finalmente,
as locuções verbais ter penetrado e havia saído assinalam dois momentos
primordiais do assalto de Lampião e seu bando à cidade de Mossoró: a entrada
frustrada e a saída vergonhosa do grupo de cangaceiros à cidade.

c) Localização espacial e temporal

A localização espacial se constrói a partir dos seguintes locativos:


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...126

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
Mossoró 02 E43CP
E44CP
Ceará 01 E43CP
Pela estrada que liga nossa cidade a 01 E43CP
Limoeiro
Perto daqui 01 E59CP
Na fazenda Oiticica 01 E59CP
O outro lado do rio 01 E61CP
A ponte da Estrada de Ferro 01 E61CP
Aí 01 E61CP
Uma casa 01 E61CP
Aqui 01 E71CP
Limoeiro 01 E71CP
Quadro 15: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de Lampião como
derrotado em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

Além dos locativos espaciais também citados nas outras notícias, como
Mossoró (cenário do principal acontecido narrado nas notícias analisadas), Ceará e
Limoeiro (regiões de refúgio de Lampião – quando saiu fugido de Mossoró),
interessante reparar em expressões como pela estrada que liga nossa cidade a
Limoeiro, o outro lado do rio, a ponte da Estrada de Ferro e a fazenda Oiticica –
locativos espaciais que funcionam como marcadores de pontos estratégicos pelos
quais Lampião passou antes, durante e depois do ataque à cidade de Mossoró. Os
marcadores dêiticos aí e aqui articulam o processo de retomada de outros locativos
espaciais já citados e dão progressão ao texto da notícia.
As circunstâncias de tempo são marcadas, principalmente, pelo locativo
temporal depois de e pelo tempo dos verbos, que se refere, basicamente, a dois
momentos específicos: antes e depois do assalto à cidade de Mossoró.

d) Conexão

A operação de conexão estabelece ligações entre as partes que compõem as


proposições analisadas:

Conectivos Número de Código


ocorrência
Que 03 E43CP
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...127

E44CP
E59CP
E 05 E60CP
E61CP
E71CP
Mesmo assim 01 E60CP
Porque 01 E44CP
Como 02 E61CP
E71CP
Até 01 E61CP
Quadro 16: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como
derrotado em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

Do conjunto de conectivos apresentados no quadro acima, as conjunções que


e e foram as mais recorrentes nas proposições que constroem a representação
discursiva de derrotado para Lampião. A primeira deles estabelece nexos entre as
orações que formam os enunciados, estabelecendo entre eles, na maioria das
vezes, relações de subordinação. O e funciona como conjunção coordenativa,
estabelecendo relações de adição e de inclusão entre os enunciados. A preposição
até correlaciona duas estruturas sintáticas estabelecendo entre elas uma relação de
movimento: “como estivesse do outro lado do rio vieram até a ponte da Estrada de
Ferro”. O conectivo mesmo assim apresenta valor adversativo e indica a decisão de
Lampião de atacar Mossoró, mesmo conjecturando a possibilidade de ser derrotado.
A conjunção porque apresenta valor explicativo, e sugere uma relação de causa e
consequência entre os dois enunciados: “Lampião estava envergonhado porque
não pode entrar em Mossoró”. A conjunção como aparece em dois enunciados: em
E61CP sugere suposição, apesar da ausência da partícula se; em E71CP indica
conformidade, acordo ou concordância.

5.1.2.3 Lampião – Subornador

No enunciado abaixo, é construída para Lampião a representação discursiva


de subornador:

Lampião declara sempre em palestra que o dinheiro que arruma é para


comprar os oficiais da Polícia de Pernambuco, especialmente o Major
Theófanes, oficial que prendeu Antonio Silvino (E65CP).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...128

a) Referenciação

Na proposição acima apresentada, a operação de referenciação compreende


apenas o nominal Lampião. A representação discursiva de subornador é construída,
principalmente, em razão das predicações selecionadas para o referente Lampião,
conforme se pode verificar a seguir.

b) Predicação e modificadores

Os seguintes verbos atribuem a Lampião significações que nos permitem


perceber a construção de representação discursiva de subornador: declara
(modificado pelo termo circunstante sempre), arruma e comprar. Especialmente o
verbo comprar, utilizado no modo infinitivo, sugere a ação de suborno, tendo em
vista que Lampião oferecia dinheiro em troca de armas e da negligência ou omissão
de policiais pernambucanos em relação aos crimes por ele praticados. O termo
circunstante sempre, modificador da forma verbal declara, expressa continuidade ou
mesmo permanência, o que indica ser a ação de suborno prática constante no
cangaço lampeônico. Também o enunciado E59CP, anteriormente apresentado,
permite essa compreensão, uma vez que Lampião tentou subornar o prefeito
Rodolfo Fernandes, da cidade de Mossoró, para evitar o assalto à cidade.

c) Localização espacial e temporal

O enunciado acima apresenta um único locativo espacial, Pernambuco,


estado onde Lampião subornava os policiais e onde planejava a maioria de suas
empreitadas. Não há locativos indicadores de tempo.

5.1.3 Representações discursivas de Lampião em notícia do jornal O Nordeste

A notícia do jornal O Nordeste apresenta quinze ocorrências do referente


Lampião. Os enunciados que apresentam essas ocorrências constroem, de forma
mais evidente, duas representações para Lampião: Bandido e Capitão.
Aparentemente duas representações contraditórias, mas que se justificam em razão
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...129

dos contextos onde foram produzidas, dos gêneros textuais (notícia e bilhete) e
ainda dos pontos de vista dos enunciadores que produziram os enunciados donde
se constroem essas representações.

5.1.3.1 Lampião – Bandido

Os enunciados seguintes foram retirados da notícia do jornal O Nordeste e


revelam o ponto de vista do jornal acerca do cangaceiro Lampião. Favorecem a
construção da representação discursiva de bandido para Lampião, conforme se
pode verificar pelo emprego dos referentes e dos modificadores.

O bandido Lampião e seu grupo (E01N).


Há mais de mês, vinha esta cidade sendo avisada de que Lampião, o
terrível bandido que tem desafiado a ação das forças policiais do
Nordeste, preparava um assalto a esta cidade, conjuntamente com
outros, contando aqui fazer sua independência e de seus aliados
(E03N).
Rica, próspera, vivendo pacificamente de seu labor cotidiano, entregue
às cogitações de seu progresso e da sua grandeza da União, esta
cidade jamais presenciara cenas de cangaceirismo, parecia fácil prêsa,
ambicionada pelo famigerado salteador (E04N).
Lampião, que as notícias oficiais do Ceará davam como perseguido
pelas polícias dêsse Estado e de Pernambuco, em Aurora, e se
internando cada vez mais em busca dos altos sertões, refazia-se,
entretanto, no mesmo município de Aurora, daquele mesmo Estado do
Ceará, punha-se em contacto com Massilon, que há pouco, vindo do
Ceará, tinha salteado Apodi e outros municípios do Rio Grande do Norte,
concertava com o seu êmulo Sabino, no Sítio Cipó, em Cajazeiras, na
Paraíba, e ajustava o ataque tremendo e sinistro (E05N).
Atravessava o Ceará, a Paraíba, entra no Rio Grande do Norte, saqueia
fazendas, aprisiona fazendeiros e pessoas gradas, dos quais exige
consideráveis quantias em troca da liberdade, evitando sempre as
cidades, que sabe guarnecidas (E06N).
[Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta
cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos
tranquilizar quanto à aproximação dos canibais (E07N).

a) Referenciação e modificadores

Do conjunto de enunciados acima apresentados, destacamos os seguintes


referentes (nominalizações) que constroem a representação discursiva de bandido
para o cangaceiro Lampião:
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...130

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
O bandido Lampião 01 - E01N
Lampião 02 O terrível bandido que tem E03N
desafiado a ação das forças E05N
policiais do Nordeste.

Perseguido pelas polícias


desse Estado e de
Pernambuco
O famigerado 01 - E04N
salteador
Quadro 17: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de Lampião como
bandido em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Em E01N, a expressão nominal o bandido Lampião categoriza, de forma


direta, o cangaceiro Lampião como bandido. De modo mais específico, dizemos que
o adjetivo bandido funciona semanticamente como um elemento especificador,
porque atribui uma característica definidora do referente Lampião. A construção
dessa representação discursiva é reforçada ainda mais pelos modificadores do
referente Lampião nos enunciados E03N e E05N: o terrível bandido que tem
desafiado a ação das forças policiais do Nordeste e perseguido pelas polícias desse
Estado e de Pernambuco. Esses modificadores são construções sintáticas de valor
adjetivo que funcionam, respectivamente, como aposto e complemento da
predicação, e recategorizam Lampião como bandido, porque acrescentam a
informação de que o cangaceiro era perseguido por forças policiais da região
Nordeste.
Ainda é interessante destacar que Lampião não era considerado como um
bandido simples ou comum. O modificador de E03M caracteriza Lampião como o
terrível bandido, diferenciando-o dos demais cangaceiros, inclusive, pela utilização
do artigo determinante o e do adjetivo terrível, que funciona como um intensificador
da representação de bandido. Essa compreensão se acentua ainda mais quando
consideramos a nominalização o famigerado salteador, em E04N, uma
recategorização de Lampião que reforça a representação discursiva de bandido para
o cangaceiro e lhe atribui ainda o adjetivo de famigerado, para indicar o excesso de
fama e reconhecimento do cangaceiro – mesmo que seja uma fama invertida, uma
má fama.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...131

b) Predicação e termos circunstantes

Os verbos do quadro a seguir apresentam os processos verbais e os


modificadores que auxiliam na construção da representação discursiva de bandido
para Lampião:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
Preparava 01 Conjuntamente com os E03N
outros
Fazer 01 - E03N
Internando 01 Cada vez mais E05N
Punha-se 01 - E05N
Concertava 01 - E05N
Atravessava 01 - E06N
Entra 01 - E06N
Saqueia 01 - E06N
Aprisiona 01 - E06N
Exige 01 - E06N
Evitando 01 Sempre E06N
Divide-se 01 - E07N
Força 01 - E07N
Quadro 18: Predicados e termos circunstanciais que constroem a representação discursiva de
Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Os verbos destacados acima, no pretérito e no presente do indicativo,


correspondem, em sua maioria, às ações criminosas praticadas por Lampião,
especificamente: preparava, concertava, atravessava, entra, saqueia, aprisiona,
exige e força. Esses verbos e seus respectivos complementos evidenciam
justamente fortes ações realizadas por Lampião ou mesmo por ele coordenadas
como cangaceiro – bandido. São verbos que dizem respeito a atos socialmente
considerados como criminosos ou perversos e que, portanto, podem ser associados
à figura de um bandido – no caso, Lampião é o agente desses atos.
Em razão dos tempos verbais, dizemos que os verbos que aparecem nos
enunciados apresentam traços perfectivos porque dizem respeito a ações
concluídas, já realizadas pelo agente. Trata-se de ações que foram desempenhadas
por Lampião antes do assalto à cidade de Mossoró. Algumas delas, inclusive, como
o assalto realizado à cidade de Apodi e todos os atos de vandalismo e bandidagem
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...132

ali praticados, eram, na verdade, formas de prenúncio, de anunciação, como se


fossem um aviso ou mesmo uma intimidação ou advertência à população de
Mossoró. Os processos verbais internando e evitando, ambos no gerúndio,
modificados pelos termos circunstantes cada vez mais e sempre apresentam traços
de duratividade, porque a atitudes comumente praticadas pelo cangaceiro Lampião.

c) Localização espacial e temporal

O tempo das predicações diz respeito ao tempo verbal. Há dois locativos


indicadores de tempo, no enunciado E04N:

Locativo temporal Número de Código


ocorrência
Há mais de mês 01 E04N
Há pouco 01 E05N
Quadro 19: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de
Lampião como bandido em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

O primeiro locativo compreende o período de tempo em que Lampião vinha


mandando avisos ou mesmo prenunciando através de ataques a cidades vizinhas o
assalto à cidade de Mossoró. O locativo há pouco se refere ao curto espaço de
tempo percorrido em que o cangaceiro Massilon tinha realizado com Lampião e
outros cangaceiros o assalto à cidade de Apodi.
No que diz respeito à operação de localização espacial, vários locativos
constroem o espaço onde Lampião desenvolveu ações enquanto bandido ou mesmo
cangaceiro. Os locativos, o número de ocorrências e os enunciados onde se
encontram estão apresentados no quadro abaixo:

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
Esta cidade 04 E04N
E04N
E07N
Ceará 02 E05N
E06N
Esse Estado e de Pernambuco 01 E05N
Aurora 01 E05N
O mesmo município de Aurora, 01 E05N
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...133

daquele mesmo Estado do Ceará


Os altos sertões 01 E05N
Apodi e outros municípios do Rio 01 E05N
Grande do Norte
O Sítio Cipó, em Cajazeiras, na 01 E05N
Paraíba
Paraíba 01 E06N
Rio Grande do Norte 01 E06N
As cidades guarnecidas 01 E06N
As alturas de Apodi 01 E07N
Aqui 01 E07N
Apodi 01 E07N
Quadro 20: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião
como bandido em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Esses localizadores espaciais vinculam-se a atuação de Lampião na região


Nordeste do Brasil, conforme mostram, por exemplo, os nomes de estados dessa
região: Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba. Eles constroem um
desenho dos percursos feitos por Lampião para assaltar Mossoró: o cangaceiro
parte do estado de Pernambuco, passa pelos estados do Ceará e da Paraíba e entra
no estado do Rio Grande do Norte. O percurso ocorre de forma inversa quando
Lampião e seu bando de cangaceiros são abordados e expulsos da cidade de
Mossoró.
Outros locativos situam pontos geográficos específicos que compreendem ou
fazem parte do percurso macro realizado por Lampião. É o caso dos locativos que
nomeiam municípios dos referidos estados, como Aurora ou o mesmo município de
Aurora, daquele mesmo Estado do Ceará, Apodi e outros municípios do Rio Grande
do Norte, o Sítio Cipó, em Cajazeiras, na Paraíba e Apodi. Esses municípios ou
fizeram parte da rota do cangaceiro até chegar a Mossoró ou serviram de pontos de
encontro entre Lampião e seu grupo de cangaceiros para planejamento de suas
investidas.
Há ainda locativos espaciais mais genéricos que não compreendem uma
cidade especificamente, nem mesmo são tão amplos a ponto de serem
considerados como uma região. Trata-se dos locativos: os altos sertões e as alturas
de Apodi. O primeiro locativo diz respeito aos lugares mais recônditos do sertão
nordestino – um movimento de interiorização da passagem de Lampião. O segundo
locativo, mesmo fazendo referência à cidade de Apodi, não compreende o espaço
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...134

geográfico da cidade de forma propriamente dito, mas sim as suas proximidades ou


mesmo suas adjacências – lugares indeterminados.
Finalmente, entendemos que os locativos esta cidade, as cidades
guarnecidas e o dêitico aqui retomam anaforicamente outros locativos já citados
anteriormente nos enunciados e contribuem, portanto, para a progressão textual da
notícia. De modo geral, todos esses locativos espaciais e temporais aqui citados
colaboram para a construção da representação discursiva de bandido para o
cangaceiro Lampião, porque o situa como agente de processos verbais em espaços
e tempo definidos, considerando o contexto histórico em que as ações se
desenvolveram.

d) Conexão

Os conectivos ligam enunciados ou mesmo estruturas oracionais para


estabelecer entre eles relações semânticas de diversos tipos e contribuir para a
continuidade e progressão do texto (ADAM, 2011). Especialmente os conectivos
abaixo indicados estabelecem nexo entre as proposições – ou no âmbito das
proposições – para a construção da representação discursiva do cangaceiro
Lampião como bandido.

Conectivos Número de Código


ocorrência
Que 05 E03N
E05N
E06N
E 06 E01N
E03N
E05N
E07N
Quanto a 01 E07N
Como 01 E07N
Entretanto 01 E07N
Para 01 E07N
Quadro 21: Conectivos que favorecem a construção da representação discursiva de Lampião como
bandido em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

As conjunções que e e apresentam maior recorrência nos enunciados – em


muitos casos o elemento que aparece também com função de pronome relativo,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...135

substituindo o agente dos processos verbais. Entretanto, mesmo assim, entendemos


que o pronome serve para estabelecer conexão entre os enunciados e, portanto,
pode ser analisado nesta operação de análise. O e estabelece relações de adição e
acréscimo entre os enunciados, especialmente entre as ações que são
desempenhadas por Lampião.
O elemento adversativo entretanto marca uma relação de contrariedade entre
o fato de Lampião está sendo perseguido pelos policiais do estado de Pernambuco,
e, mesmo assim, conseguir se reestabelecer nesse mesmo estado para fazer novas
investidas. Reflete, pois, a fragilidade do sistema policial daquela época que, por
vezes, se corrompia, seja pela influência de autoridades superiores ou mesmo
quando subordinados pelos próprios cangaceiros.
Os demais conectivos reforçam as ligações sintáticas e semânticas entre as
partes do texto para que certos efeitos de sentido lhe possam ser atribuídos – o que
nos permite reconhecer a construção de representações discursivas para os agentes
de proposições.

5.1.3.1 Lampião – Capitão e Senhor

A construção da representação discursiva de Capitão e Senhor para o


cangaceiro Lampião ocorre nos enunciados abaixo a partir das operações de
referenciação (e modificadores), de predicação (e termos circunstantes) e de
localização temporal e espacial.

O ultimatum de Lampião ao cel. Rodolfo Fernandes (E43N).


“Cap. Virgolino Ferreira Lmapião – Cel. Rodolfo: Estando Eu até aqui
pretendo é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo
resolver mi mandar a importância que nós pode Eu evito de entrada ahi,
porem não vindo, esta importância eu entrarei até ahi penso que adeus
querer eu entro e vai aver muito estrago, por isto se vir o dinheiro eu não
entro ahi mais mande resposta logo. Cap. Lampião” (E44N).
“Virgolino Lampião: Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não
tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está
fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos
acarretar com tudo o que o Sr. queira contra nós. A cidade acha-se
firmemente inabalável na sua defesa confiando na mesma. Rodolfo
Fernandes – Prefeito.” (E45N).

a) Referenciação
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...136

O referente Lampião é redesignado várias vezes nos enunciados:

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
Lampião 01 - E43N
Cap. Virgolino Ferreira 01 - E44N
Lampião
Eu 05 - E44N
Cap. Lampião 01 - E44N
Virgolino Lampião 01 - E45N
O Sr. 01 - E45N
Quadro 22: Referentes que constroem a representação discursiva de Lampião como capitão e senhor
em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Diferentemente do que ocorre em outros enunciados (na maioria daqueles


analisados nesse trabalho), aqui Lampião é tratado como Capitão e Senhor. Esses
referentes favorecem a construção de uma imagem política de autoridade que deve
ser respeitada: a primeira expressão foi empregada pelo próprio Lampião, em bilhete
encaminhado ao coronel Rodolfo Fernandes, prefeito da cidade Mossoró. Trata-se,
pois, de uma autodenominação. O bilhete, que na verdade era uma ameaça ou
aviso ao prefeito, foi publicado no corpo da notícia do jornal O Nordeste22.
A segunda expressão foi utilizada pelo Coronel Rodolfo Fernandes em bilhete
de resposta ao cangaceiro Lampião. Esta face política remete ao exercício do poder
político: seja em um nível mais geral – “O Sr.”, “a majestade do crime e do terror”;
seja em um nível mais local – “o chefe dos cangaceiros – chefiados por Lampião”;
ou ao exercício do poder militar - “Cap. Lampião”. Em todos esses casos, Lampião é
tratado de forma respeitosa, possivelmente pelo medo imposto às pessoas daquela
região, por causa das ações praticadas por ele e seu bando de cangaceiros.
A referência ao nome próprio do cangaceiro Lampião, Virgolino Ferreira,
também contribui para a construção de uma representação discursiva respeitosa em
relação ao cangaceiro. Interessante também destacar a referência do pronome
pessoal eu, utilizado várias vezes por Lampião em seu bilhete escrito ao coronel
Rodolfo Fernandes – algumas vezes, inclusive, de forma elíptica. Esse referente é

22
Trata-se de um caso de heterogeneidade tipológica, em que o gênero textual bilhete encontra-se
publicado dentro do gênero textual notícia, mas sem perder suas características e o propósito
comunicativo próprio do gênero – nos termos de Marcuschi (2008), um gênero com a presença de
outros. .
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...137

empregado para marcar a voz do cangaceiro no bilhete (assunção da


responsabilidade enunciativa pelo dizer) e também para enfatizar, principalmente, as
ações futuras que ele, enquanto agente, poderia praticar, caso sua proposta não
fosse aceita pelo prefeito.

b) Predicação e termos circunstantes

Os verbos empregados estão todos em primeira pessoa e no presente


(pretendo, pede, evito, penso, entro) ou futuro (entrarei) do indicativo, tendo em vista
o contexto onde foram empregados e o ponto de vista do enunciador. Esses verbos
especificam o conjunto de ações que Lampião pretende realizar na cidade de
Mossoró, caso o prefeito Rodolfo Fernandes não atendesse sua solicitação.
Instaura-se um jogo entre fazer e não fazer – marcado pelo emprego do termo
circunstante de negação não, que modifica o verbo entrar em sua última ocorrência
no enunciado E44N. Isso intensifica o efeito de ameaça que o bilhete apresenta.

c) Localização espacial e temporal

A espacialidade das proposições acima apresentadas se constrói,


principalmente, em razão de expressões dêiticas de valor adverbial, que situam no
espaço o enunciador (aqui) e o destinatário da mensagem (ahi). A localização
temporal se constrói a partir dos tempos verbais.

5.1.4 Síntese

Os enunciados analisados permitiram-nos observar a construção de diversas


representações discursivas para o cangaceiro Lampião, tendo em vista as
operações de referenciação, predicação, modificação, localização espacial e
temporal e conexão. Essas representações se alteram conforme o ponto de vista do
enunciador. Do ponto de vista dos jornais (entidades que representam o governo e a
sociedade de modo geral), são construídas representações discursivas que
desfavorecem a imagem Lampião: bandido, chefe de cangaceiros, subornador,
derrotado. Quando é Lampião o enunciador, o referente empregado reforça a
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...138

imagem que ele buscava construir de sua pessoa: líder, autoridade (Cap. Virgolino).
E ainda, quando é o Coronel Rodolfo Fernandes o enunciador, o referente
empregado, o pronome de tratamento “O Sr.”, reforça a necessidade de respeito à
imagem de Lampião, mesmo que seja um respeito disfarçado.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...139

CAPÍTULO VI: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS DO BANDO DE


CANGACEIROS DE LAMPIÃO

O bando em suas andanças


Nunca demonstrava medo
Pretendia ir bem longe
Por isso saíra sedo
Queriam logo chegar
Na fazenda de seu Pedro.

Valentin Martins Neto

6.1 A construção de representações discursivas do bando de cangaceiros de


Lampião em notícias de jornal

Dando continuidade às análises empreendidas no capítulo anterior, neste,


analisamos a construção de representações discursivas do bando de cangaceiros de
Lampião em notícias de jornais mossoroenses publicados no século passado, de
quando da invasão do bando à cidade de Mossoró. Na análise, tomamos por base
as operações semânticas de construção de representação discursiva já
apresentadas nesse trabalho: a referenciação, a predicação, a modificação, a
localização espacial e temporal, a analogia e a conexão. Tal como fizemos no
capítulo antecedente, analisamos separadamente cada notícia para, posteriormente,
realizarmos uma síntese das representações construídas.

6.1.1 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia


do jornal O Mossoroense

O referente bando de Lampião é (re)designado de diversas formas na notícia


do jornal O Mossoroense, tendo em vista o emprego de várias nominalizações.
Essas (re)designações constroem e reconstroem representações discursivas
também variadas para os cangaceiros de Lampião: grupo, bando, bandidos,
companheiros, matilha sanguinária, mas que mantêm uma unidade semântica que
gira em torno da ideia de coletivo. As representações discursivas construídas para o
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...140

bando de cangaceiros serão apresentadas e analisadas nos tópicos seguintes, a


partir das operações semânticas de análise antes apresentadas.

6.1.1.1 Grupo

A representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião é


construída nos enunciados abaixo apresentados:

O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró


(E02M).
A incursão do famigerado grupo sinistro capitaneado pelo mais
audaz e miserável de todos os bandidos que tem infestado o
Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte
(E06M).
O grupo famanaz desses hunos da nova espécie tentara atacar e
saquear a vizinha cidade do Apodi (E08M).
[O grupo famanaz desses hunos da nova espécie] tendo sido
obrigado a recuar em vista da resistência heroica que encontrara por
parte dos habitantes da pequena cidade (E09M).
Desesperado por este fracasso, [O grupo famanaz desses hunos da
nova espécie], rumara o mesmo para a povoação de São Sebastião,
deste município, e dali viria a Mossoró com o intento de locupletar as
algibeiras do sinistro chefe – Lampião (E10M).
[O grupo famanaz desses hunos da nova espécie], em seguida,
incendiando a cidade, prosseguindo, então, vitorioso, a trajetória infame
do seu traçado hediondo de toda a sorte de crimes (E11M).
Teve lugar de 23 para 24 horas o assalto do grupo de bandidos ao
pequeno povoado de São Sebastião, onde encontrou sem nenhuma
resistência (E12M).
É, entretanto, digna de admiração a atitude heroica do distinto moço
Aristides de Freitas que (...) ficou no aparelho telegráfico dando
informações para esta cidade, até a última hora de aproximação do
grupo (E13M).
No pequeno povoado, o grupo de bandidos cometeu toda a sorte de
misérias como sói fazê-lo por onde passa (E14M).
[O grupo de bandidos] queimou várias casas comerciais, (...), um auto
caminhão e o automóvel de linha da E. de Ferro de Mossoró (E15M).
[O grupo de bandidos] arrebentou várias moveis na estação da
Estrada, violou lares, quebrando moveis e roubando objetos de outro e
de outros objetos de fácil condução (E16M).
Nas proximidades deste povoado, o grupo matou um rapaz (E17M).
O famigerado grupo não nos encontrou desprevenidos (E21M).
Aproximando-se a Apodi destaca-se um grupo que ataca esta cidade
(E24M).
[O grupo] ruma a Mossoró com seu séquito criminoso (E25M).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...141

[O grupo] corta as comunicações telegráficas com Caraúbas e avança


sobre São Sebastião onde chega de 23 para 24 horas do dia 12 (E26M).
Ai [São Sebastião] [O grupo] saqueia, rouba, depreda, incendeia, mata,
violenta, pratica defloramentos e sacia instintos de selvagens (E27M).
[O grupo] desce vagarosamente e ao meio dia de 13 começa a ser
avistado (E28M).
[O grupo] manda uma intimativa ao Cel. Rodolfo Fernandes (E29M).
Pela manhã de terça-feira o grupo sinistro rumava o Jaguaribe, em
demanda de Limoeiro, no Estado Ceará (E34M).
O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por
Lampião (E48M).
[Jararaca disse] que grupo de Lampião tem muita munição e que o
povo mais orientado do mesmo conduz sempre 400 ou 500 cartuchos
(E56M).

a) Referenciação e modificadores

A representação discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião é


construída a partir do emprego de várias nominalizações, conforme se pode
perceber no quadro abaixo.

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
Grupo de asseclas 01 - E02M
Famigerado grupo 01 Capitaneado pelo mais E06M
sinistro audaz e miserável de todos
os bandidos que tem
infestado o Nordeste
brasileiro e o pacato
território do Rio Grande do
Norte
O grupo famanaz 01 - E08M
desses hunos da nova
espécie23
O grupo de bandidos24 02 - E12M
E14M
O grupo25 02 - E13M
E17M
O famigerado grupo 01 - E21M

23
Existem três ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E09M, E10M e E11M,
colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.
24
Existem duas ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E15M e E16M, colocadas
entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.
25
Existem cinco ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E25M, E26M, E27M,
E28M e E29M, colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...142

Um grupo 01 - E24M
O grupo que havia 01 - E48M
entrado pelo lado do
cemitério
Grupo de Lampião 01 - E56M
Quadro 23: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de grupo para os
cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense
Fonte: Autor.

O nominal grupo aparece nos enunciados acima complementado ou mesmo


modificado por adjetivos que constroem representações discursivas para os
cangaceiros do bando de Lampião – com exceção de o grupo e um grupo,
referentes compostos apenas de um nominal e de um elemento (in)determinante. As
designações empregadas constroem uma cadeia semântica que nos permite
visualizar características que exaltam a grandeza do grupo e a sua perversidade. Os
referentes famigerado grupo e famigerado grupo sinistro intensificam a fama do
grupo de cangaceiros de Lampião, conhecido especialmente em todo o Nordeste
brasileiro por causa dos crimes praticados. O adjetivo sinistro corrobora para a
interpretação de que boa parte das atitudes praticadas pelo grupo causava
estranheza nas pessoas em geral, seja pela perversidade ou mesmo pela
dificuldade de realização de certas empreitadas.
Essa interpretação é complementada pelo emprego do referente o grupo
famanaz desses hunos da nova espécie. O adjetivo famanaz reforça o fato de o
grupo ser afamado e, portanto, reconhecido no sertão nordestino por causa das
suas proezas e valentias. O referente hunos da nova espécie nos remete por uma
relação intertextual às tribos nômades europeias que migravam frequentemente de
um lugar para outro devido a mudanças climáticas em busca de melhor se
estabelecerem. Por serem bastante habilidosos, apresentando proeza militar e
disciplinar, especialmente na produção de armas e na domesticação de equinos, os
membros das tribos mostravam-se imbatíveis, expulsando todos de seus caminhos.
Dada à semelhança de práticas (os cangaceiros também eram nômades,
apresentavam destreza bélica e utilizam cavalos para se movimentarem, seja nos
ataques ou no trânsito de um lugar para outro) os cangaceiros são comparados com
estas tribos, sendo nomeados de “hunos da nova espécie”.
Os referentes grupo de asseclas e grupo de Lampião, bem como o
modificador capitaneado pelo mais audaz e miserável de todos os bandidos que tem
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...143

infestado o Nordeste brasileiro e o pacato território do Rio Grande do Norte


associam a imagem do grupo à imagem do cangaceiro Lampião. O adjetivo asseclas
refere-se a um grupo de guarda-costas, de pessoas que tomam partido por alguém e
tornam-se seus seguidores. É justamente o que acontece com os cangaceiros de
Lampião: ao ingressarem no grupo, tornam-se obedientes ao chefe do cangaço,
seus seguidores. Portanto, os referentes anteriormente citados reforçam a ideia de
pertencimento do grupo a Lampião – chefe do cangaço.
Interessante ainda atentar para o referente o grupo que havia entrado pelo
lado do cemitério, no enunciado E48M. Trata-se de uma expressão de valor nominal
que distingue parte do grupo de Lampião que invadiu a cidade de Mossoró pelo lado
do cemitério. É o localizador espacial que distingue o grupo e, portanto, contribui,
neste caso, para a construção da representação discursiva.

b) Predicação e termos circunstantes

Em relação à operação de predicação, os verbos do quadro a seguir


apresentam os processos verbais e os modificadores que auxiliam na construção da
representação discursiva de grupo dos cangaceiros de Lampião:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
Atacam 01 - E02M
Tentara 01 - E08M
Atacar 01 - E08M
Saquear 01 - E08M
Tendo sido 01 - E09M
Recuar 01 Em vista da resistência E09M
heroica que encontrara por
parte dos habitantes da
pequena cidade
Rumara 01 - E10M
Viria 01 - E10M
Locupletar 01 - E10M
Incendiando 01 - E11M
Prosseguindo 01 - E11M
Encontrou 02 Sem nenhuma resistência. E12M
Não E21M
Cometeu 01 Como sói fazê-lo por onde E14M
passa
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...144

Queimou 01 - E15M
Arrebentou 01 - E16M
Violou 01 - E16M
Quebrando 01 - E16M
Roubando 01 - E16M
Matou 01 - E17M
Aproximando 01 - E24M
Destaca 01 - E24M
Ataca 01 - E24M
Ruma 01 - E25M
Corta 01 - E26M
Avança 01 - E26M
Chega 01 - E26M
Saqueia 01 - E27M
Rouba 01 - E27M
Depreda 01 - E27M
Incendeia 01 - E27M
Mata 01 - E27M
Violenta 01 - E27M
Pratica 01 - E27M
Sacia 01 - E27M
Desce 01 Vagarosamente E28M
Começa 01 - E28M
Manda 01 - E29M
Rumava 01 - E34M
Havia entrado 01 - E48M
Era 01 - E48M
Tem 01 - E56M
Conduz 01 - E56M
Quadro 24: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.

Esse conjunto de processos verbais compreende, principalmente, ações


praticadas pelo grupo de cangaceiros de Lampião, acionado como agente dessas
ações verbais. Os verbos encontram-se, principalmente, no tempo presente do
modo indicativo e no pretérito mais-que-perfeito do indicativo, o que revela a
concretude das ações. O número de plural no verbo atacam justifica-se pelo fato
deste verbo acionar como argumento na função de agente tanto o grupo de
cangaceiros quanto o próprio Lampião – sujeito composto. As formas verbais que se
encontram no gerúndio indicam ações contínuas, processos verbais não finalizados,
descritos nas narrativas presentes na notícia como ações que estavam em
andamento.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...145

O fato de quase todos os verbos estarem no singular assinala a unidade da


noção de grupo. As ações sugeridas pelos verbos, mesmo estando no singular,
dizem respeito a atitudes praticadas pelo grupo de cangaceiros como um todo. Não
se configura, nesse caso, um sujeito sintático composto, mas semanticamente é
possível verificar a pluralidade da palavra grupo. Trata-se de vários agentes (vários
cangaceiros) que mantêm entre si uma unidade, fundada, principalmente, nos
objetivos a que se propõem. Isso constrói uma identidade para o grupo e, portanto,
reforça a própria representação discursiva de grupo.
As ações expressas nos verbos corroboram as designações atribuídas ao
grupo de cangaceiros nos referentes anteriormente apresentados. Os verbos
atacam, atacar, atacar, saquear, incendiando, queimou, violou, roubando, matou,
depreda, incendeia, violenta, sacia, dentre muitos outros, correspondem aos atos
criminosos praticados pelo grupo de cangaceiros de Lampião. São práticas vistas
pela sociedade como desviantes, porque infringem os direitos de outrem e colocam
sua integridade em risco. Favorecem, pois, a construção de representações
discursivas negativas para o grupo de cangaceiros de Lampião, conforme
verificamos anteriormente: grupo sinistro, grupo famanaz, famigerado grupo.
Os termos circunstantes, que atribuem circunstâncias de causa e modo,
modificam alguns desses verbos – recuar, encontrou e cometeu – apontam para a
construção de representações discursivas positivas (resistência heroica) para os
habitantes da cidade de Mossoró e reforçam a descrição de atitudes aparentemente
covardes por parte do grupo: a invasão ao povoado de São Sebastião, mesmo que
este não tenha esboçado nenhuma resistência. Além disso, demonstram serem as
atitudes do grupo práticas constantes nos diversos lugares por onde passam: como
sói fazê-lo por onde passa.

c) Localização espacial e temporal

No quadro a seguir, apresentamos os locativos que situam espacialmente os


lugares onde se desenvolveram os processos verbais praticados pelo grupo de
cangaceiros de Lampião:

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...146

Mossoró 03 E02M
E10M
E25M
O Nordeste brasileiro e o pacato 01 E06M
território do Rio Grande do Norte
A vizinha cidade do Apodi 01 E08M
A pequena cidade 01 E09M
A povoação de São Sebastião 01 E09M
Deste município 01 E10M
Dali 01 E10M
O pequeno povoado de São 01 E12M
Sebastião
Onde 02 E12M
E26M
No aparelho telegráfico 01 E13M
Esta cidade 01 E13M
E24M
O pequeno povoado 01 E14M
A Estrada de Ferro de Mossoró 01 E15M
A estação da Estrada 01 E16M
Nas proximidades deste povoado 01 E17M
Apodi 01 E24M
Caraúbas 01 E26M
São Sebastião 01 E26M
Aí 01 E26M
O Jaguaribe 01 E34M
Limoeiro, no Estado do Ceará 01 E34M
O lado do cemitério 01 E48M
Quadro 25: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.

Os locativos espaciais, além de situar geograficamente as ações realizadas


pelo grupo de cangaceiros, constroem também a cenografia dos espaços por eles
percorridos. É possível verificar a ocorrência de nomes de cidades ou regiões
(Mossoró, Apodi, Nordeste), bem como locais específicos, que só podem ser
efetivamente compreendidos quando se considera o co(n)texto da narrativa, como
ocorre em o lado do cemitério ou nas proximidades deste povoado. Os dêiticos dali e
aí e os locativos a pequena cidade, deste município, esta cidade, nas proximidades
deste povoado também só podem ser compreendidos quando se leva em conta o
co(n)texto da notícia, porque são retomadas de outros locativos.
A seguir, apresentamos os locativos que situam no tempo cronológico os
processos verbais desenvolvidos pelo grupo de cangaceiros:
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...147

Locativo temporal Número de Código


ocorrência
Teve lugar de 23 para 24 horas 01 E12M
A última hora 01 E13M
23 para 24 horas do dia 12 01 E26M
Ao meio dia de 13 01 E28M
Pela manhã de terça-feira 01 E34M
Quadro 26: Locativos espaciais que constroem a representação discursiva de grupo para os
cangaceiros de Lampião.
Fonte: Autor.

São locativos que situam com exatidão o tempo em que as ações se


desenvolveram. Permitem-nos compreender a ordem cronológica e sequencial de
concretização das ações verbais. Os locativos teve lugar de 23 para 24 horas e 23
para 24 horas do dia 12 dizem respeito ao momento exato do assalto do grupo de
Lampião ao povoado de São Sebastião – àquela época, pertencente ao município
de Apodi – atividade que antecedeu o assalto à cidade de Mossoró, quase uma
espécie de prenúncio da empreitada futura. O locativo ao meio dia de treze situa o
momento em que o grupo começa a ser avistado nas localidades próximas a
Mossoró, quando Lampião decide enviar um bilhete ao coronel Rodolfo Fernandes,
como forma de ameaça ou mesmo de aviso prévio do assalto à cidade. O locativo a
última hora refere-se aos últimos momentos antes da invasão do grupo a cidade,
anunciados pelo aparelho telegráfico da cidade. Finalmente, o locativo pela manhã
de terça-feira compreende o momento em que grupo foge de Mossoró, devido à
resistência encontrada, com destino a Limoeiro, no estado do Ceará.
Como se pode perceber, os locativos espaciais e temporais contribuem de
forma significativa para a construção da representação discursiva de grupo para os
cangaceiros de Lampião, porque situam as ações por eles desenvolvidas em espaço
e tempo definidos. São fundamentais, portanto, para a compreensão do discurso –
e, consequentemente, do acontecimento – materializado no texto da notícia.

d) Conexão

A operação semântica de conexão é evidenciada nos conectivos


apresentados no quadro a seguir. Esses conectivos estabelecem relações entre
enunciados ou partes de enunciados em que se evidenciam a representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião. Nesse sentido, podemos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...148

afirmar que contribuem para a construção da representação discursiva de grupo,


porque acionam os elos entre os enunciados que evidenciam essa representação.

Conectivos Número de Código


ocorrência
E02M
E06M
E08M
E10M
E 12 E15M
E16M
E26M
E27M
E28M
E56M
Que 07 E06M
E09M
E13M
E24M
E48M
E56M
Em vista de 01 E09M
Em seguida 01 E11M
Então 01 E11M
Entretanto 01 E13M
Quadro 27: Conetivos que favorecem a construção da representação discursiva de grupo para os
cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.

As relações estabelecidas a partir dos conectores acima apresentados são de


diversos tipos: adição (e), adversidade (entretanto), conclusão (então),
consequência (em vista de), dentre outros. Além dessas conjunções, convém
considerar também o organizador sequencial em seguida, o pronome relativo que e
a conjunção coordenativa que. Todos esses conectores estabelecem ligações entre
os enunciados e permitem a progressão do texto, conferindo-lhe sentido. São,
portanto, essenciais à construção de representações discursivas.

e) Analogia

No que se refere à operação semântica de construção de representação


discursiva de analogia, é interessante apontar a metáfora estabelecida com o
referente hunos da nova espécie em E08M, já comentada em tópico anterior,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...149

quando tratamos sobre as nominalizações que designam o referente grupo. Esse


referente estabelece uma analogia entre os cangaceiros de Lampião e os antigos
hunos, povos bárbaros caracterizados pela agilidade em guerra.

6.1.1.2 Bando

No conjunto de enunciados exibidos abaixo é possível examinar a construção


da representação discursiva de bando para os cangaceiros de Lampião,
considerando, principalmente, as operações semânticas de referenciação e de
predicação:

O itinerário do bando (E18M).


[Jararaca] Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por
Lampião (E47M).
[Jararaca] Disse ainda que quando havia entrado para o bando de
Lampião, chefiava um grupo de oito bandidos (E59M).
[Jararaca disse] que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre
procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e
era muito respeitado, no bando (E67M).
[Jararaca] Disse ainda que em S. Sebastião havia o bando ateado fogo
em 2 carros da Estrada de Ferro (E68M).

a) Referenciação e modificadores

Considerando a operação semântica de referenciação, a representação


discursiva de bando é construída a partir do emprego do referente o bando nos
enunciados E18M, E47M, E67M e E68M e do referente o bando de Lampião em
E59M. Em geral, o substantivo bando descreve um grupo de pessoas que andam
acompanhadas e possuem pensamentos muito parecidos, tendo em vista um fim
comum ou mesmo similar. Esse conceito aplica-se adequadamente aos cangaceiros
que andavam com Lampião: além de andarem em grupo (como visto no tópico
anterior), compartilhavam interesses e intensões – mesmo que fossem os interesses
do chefe do cangaço. Ora, por isso o emprego do substantivo bando para designar
os cangaceiros.
O referente bando é modificado por locuções adjetivas (de Lampião) ou
proposições de valor adjetivo (que atacou Mossoró vinha dirigido por Lampião) que
estabelecem relação de pertencimento ao cangaceiro Lampião. Assim, a identidade
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...150

do bando se constrói a partir da associação que é estabelecida entre este e


Lampião.
Interessante apontar que os enunciados E47M, E59M, E67M e E68M
representam o ponto de vista do cangaceiro Jararaca, porque compreendem, na
verdade, a reprodução literal de trechos de uma entrevista concedida por este
cangaceiro logo depois de ser preso quando foi atingido no ataque à cidade de
Mossoró.

b) Predicação

A predicação que contribui para a construção da representação discursiva de


bando para os cangaceiros de Lampião compreende os seguintes verbos: atacou
(E47M), vinha dirigido (E47M) e ateado (E68M). Os verbos atacou e ateado
apresentam traços perfectivos (o que indica a concretude da execução das ações) e
acionam o bando como agente das ações expressas. A locução verbal vinha dirigido
aciona Lampião como agente da passiva e corrobora a relação de pertencimento do
bando aquele cangaceiro. Reforça a construção da representação discursiva de
bando porque sugere que todos estavam juntos, sendo guiados pelos interesses de
Lampião.

6.1.1.2 Bandidos

A representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião se


constrói nos enunciados abaixo apresentados, tendo em vista, principalmente, as
operações de referenciação e predicação:

Investem os bandidos as primeiras trincheiras, ladeiam, cortam


caminho, surgem ao lado da estação da Estrada de Ferro (E31M).
[Os bandidos] entram no prédio da União de Artistas e se
entrincheiram, aparecem a margem do rio, defendida pela trincheira da
barragem (E32M).
Os bandidos recuam e voltam a carga e repelidos novamente se retiram
para o seu acampamento, deixando morto o bandido Colchete e vários
feridos (E33M).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...151

a) Referenciação

Os cangaceiros de Lampião são designados de bandidos a partir do emprego


do referente os bandidos em E31M, E32M (referente elíptico) e E33M. Apesar dos
cangaceiros não se identificarem com a nomeação de bandidos, preferindo a
nomenclatura cangaceiros, a designação acontece, principalmente, em função da
semelhança entre as práticas dos cangaceiros de Lampião e dos demais bandidos
que assolavam a região àquela época, conforme se percebe no tópico a seguir,
quando analisamos as predicações dos enunciados acima.

b) Predicação

Considerando o conjunto de enunciados antes apresentados, a operação de


predicação compreende os seguintes processos verbais:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
Investem 01 - E31M
Ladeiam 01 - E31M
Cortam 01 - E31M
Surgem 01 - E31M
Entram 01 - E32M
Estrincheiram 01 - E32M
Aparecem 01 - E32M
Recuam 01 - E33M
Voltam 01 - E33M
Retiram 01 - E33M
Quadro 28: Predicados e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal O Mossoroense.
Fonte: Autor.

Os verbos acima expostos acionam o referente os bandidos como agente das


proposições – como mostra, inclusive, a concordância de número. Os processos
verbais descrevem o trânsito dos bandidos durante o assalto à cidade de Mossoró
(ladeiam, cortam, surgem, entram, entrincheiram, aparecem, recuam, voltam,
retiram), enfatizando, principalmente, os momentos de entrada e de saída da cidade.
São, pois, verbos que indicam ou sugerem os movimentos realizados pelos
bandidos, descritos quase que cronologicamente conforme as ações iam
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...152

acontecendo. Além disso, sugerem, também, práticas comumente realizadas por


sujeitos considerados como bandidos, pelo fato de serem desenvolvidas de forma
mascarada, como se estivessem à espreita, se escondendo de alguém (ladeiam,
estrincheiram).

6.1.1.3 Companheiros

Ainda encontramos na notícia do jornal O Mossoroense a representação


discursiva de companheiros, construída nos dois enunciados abaixo:

Traiçoeiro, insidioso, talvez se refazendo porque, tendo chegado aqui


com 53 companheiros, saiu com 48 (E36M).
[Jararaca disse] que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre
procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e
era muito respeitado, no bando (E67M).

a) Referenciação

O referente companheiros é utilizado nos enunciados E36M e E67M para


designar os cangaceiros que acompanhavam e seguiam Lampião. Os cangaceiros
eram fieis ao chefe do cangaço e o seguiam por todos os lugares por onde andava,
cumprindo suas ordens e seus mandos. Por isso, são aqui designados como
companheiros de Lampião. Apesar de companheiro sugerir uma qualidade positiva,
porque diz respeito àquele que é fiel a alguém, parece adquirir outra conotação no
texto da notícia, porque é associado a Lampião. Para este, como já foi visto, são
construídas representações negativas, designado em E36M como traiçoeiro e
insidioso.

6.1.1.4 Matilha

No enunciado apresentado a seguir, verificamos ainda a construção da


representação discursiva de matilha para os cangaceiros de Lampião:

A fuga precipitada da matilha sanguinária em demanda do Ceará


(E05M).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...153

a) Analogia

A representação discursiva de matilha se constrói a partir da operação


semântica de analogia, instaurada com base no emprego do referente matilha
sanguinária. O substantivo matilha é comumente empregado para descrever o
coletivo de cães. No enunciado acima, o termo é utilizado metaforicamente para
estabelecer uma comparação entre os cangaceiros de Lampião e esses animais:
andar em grupo, fazer barulho (os cangaceiros invadiram a cidade de Mossoró
cantando a música Mulher Rendeira e gritando impropérios) e praticar atos violentos.
A comparação é intensificada no enunciado E27M, quando afirma que o grupo de
cangaceiros de Lampião havia praticado atos que saciavam seus instintos de
selvagens. Os cangaceiros são, pois, aqui, comparados com animais violentos e
selvagens.

6.1.2 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia


do jornal Correio do Povo

Na notícia do jornal Correio do Povo, são construídas várias representações


discursivas para os cangaceiros de Lampião: grupo, bandidos, bandoleiros,
cangaceiros, facínoras e horda assaltante. Algumas delas, conforme se pode
perceber, compreendem as mesmas representações anteriormente apresentadas,
de quando analisamos a notícia do jornal O Mossoroense. No entanto, os elementos
linguísticos que assinalam essas representações são diferentes, de maneira que
convém analisá-las e considerar as formas como são construídas, tendo em vista as
operações de análise já apresentadas.

6.1.2.1 Grupo

A representação discursiva de grupo na notícia do jornal Correio do Povo se


constrói nos enunciados abaixo apresentados:

O maior grupo de cangaceiros do Nordeste assalta nossa cidade,


sendo destroçado após 4 horas de renhida luta! (E02CP).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...154

Domingo, 12 do corrente, muito cedo, soube-se que um numeroso


grupo de cangaceiros, chefiado por Lampião estava atacando Apodi,
que resistia (E10CP).
De dez para onze horas da noite, já o grupo se apoderava de São
Sebastião (E52CP).
É natural de Buíque (Pernambuco) foi soldado do exército de 920 a 926,
dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de
cangaceiros chefiados por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de
um ano, tendo tomado parte nos ataques de vilas, povoados e fazendas
de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas (E11CP).
No comêço de maio p. findo, Lampião reuniu o seu grupo em Pajeú
(Pernambuco), para vir atacar e saquear a cidade de Mossoró,
influenciado por Benevides Massilon Leite, cangaceiro de confiança do
grupo (E53CP).
No itinerário que fizera até aqui, atacaram um lugar chamado Belém, na
Paraíba, onde foram repelidos, não tendo continuado a atacar para não
desfalcar a munição, no dia seguinte saquearam duas fazendas no
município de Luis Gomes, onde, sem resistência, prenderam dois velhos
que traziam como reféns, distante daquele sete léguas, roubando,
depredando e incendiando (E54CP).
Daí continuaram rumando a Mossoró e ao passarem na fazenda
Jurema, fizeram roubos e queimaram tudo (E56CP).
Deram fogo em Apodi, mas desistiram do ataque para não estragarem
munições e chegando no lugar Brejo do Apodi encontraram um
automóvel conduzindo um senhor de nome Antonio Gurgel que vinha de
Mossoró, cujo senhor trazem prêso e, segundo a firma Lampião, só será
sôlto mediante um resgate de 21 contos de réis (E57CP).
Ao passarem, domingo, no povoado São Sebastião, não encontrando
resistência, queimaram um caminhão e um automóvel saqueando
algumas bodegas (E58CP).
Atravessaram a ponte e avançaram ficando êle Jararaca em companhia
de Sabino Leite, imediato de Lampião. Avançaram pelo lado de baixo
para atacar a Estação da Estrada de Ferro (E62CP).
O grupo que veio atacar esta cidade é composto de 53 homens, e não
recebem nenhuma remuneração de Lampião, fazendo cada qual o que
pode nas ocasiões de saques (E64CP).
O grupo vinha armado por 44 fuzis mauser, 9 rifles e 15.000 cartuchos,
distribuídos até o numero de 400 cada um, sendo êste número pelos
mais ALENTADOS (valentes) (E66CP).
Declarou que o indivíduo Massilon Leite é o mesmo que assaltou Apodi,
em 10 de maio, e que juntou-se ao grupo de Lampião depois dêsse
assalto, acompanhado de dois homens José Roque e José Côco,
levando 6 fuzis e pequena quantidade de munição que adquiriu nesse
assalto (E67CP).
Lampião e seu grupo, em Limoeiro (Ceará) foi recebido com festas,
havendo banquetes, bailes, etc (E72CP).

a) Referenciação e modificadores
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...155

Os referentes e modificadores que categorizam os cangaceiros de Lampião


como grupo estão apresentados no quadro seguinte:

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
O maior grupo de 01 - E02CP
cangaceiros do
Nordeste
Um numeroso grupo 01 Chefiado por Lampião E10CP
de cangaceiros
O grupo 03 - E52CP
E64CP
E66CP
O grupo de 01 Chefiados por Virgolino E11CP
cangaceiros Ferreira (Lampião)
Grupo 02 - E53CP
E72CP
O grupo de Lampião 01 - E67CP
Quadro 29: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de grupo para os
cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

A representação discursiva se constrói, principalmente, em função do


emprego do referente grupo, modificado por expressões de valor adjetivo que
especificam, caracterizam ou delimitam o referente. O referente o maior grupo de
cangaceiros do Nordeste destaca a grandeza e o reconhecimento que tinham o
grupo de cangaceiros de Lampião. Além de ser conhecido pela sua atuação em
diversas localidades do Nordeste do Brasil, o grupo também se destaca pelo grande
número de cangaceiros que tinha como componentes, conforme se percebe no
referente um numeroso número de cangaceiros ou ainda no enunciado E71CP, que
indica ter o grupo mais de cinquenta cangaceiros.
Os modificadores especificadores chefiado por Lampião e chefiados por
Virgolino Ferreira (Lampião), identificados em E10CP e E11CP, corroboram e
intensificam a relação de pertencimento existente entre o grupo de cangaceiros e o
chefe Lampião. Funcionam como modificadores especificadores porque restringem
ou especificam os referentes, contribuindo para a construção dos significados
(BECHARA, 2009). Desse modo, a representação discursiva de grupo se constrói
nessa relação estabelecida entre os cangaceiros e Lampião como chefe do
cangaço.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...156

b) Predicação e termos circunstantes

Os processos verbais e os termos circunstantes abaixo indicados


compreendem os verbos (e os modificadores desses verbos, respectivamente) das
proposições-enunciados em que se constroem representações discursivas para os
cangaceiros de Lampião como grupo:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
Assalta 01 - E02CP
Estava atacando 01 - E10CP
Apoderava 01 - E52CP
Vir atacar 01 - E53CP
Saquear 01 - E53CP
Atacaram 01 - E54CP
Foram 01 - E54CP
Tendo continuado 01 Não E54CP
Atacar 02 Não E54CP
E62CP
Desfalcar 01 Não E54CP
Saquearam 01 - E54CP
Prenderam 01 - E54CP
Roubando 01 - E54CP
Depredando 01 - E54CP
Incendiando 01 - E54CP
Continuaram rumando 01 - E56CP
Passarem 01 - E56CP
Fizeram 01 - E56CP
Queimaram 02 - E56CP
E58CP
Deram 01 - E57CP
Desistiram 01 - E57CP
Estragarem 01 Não E57CP
Chegando 01 - E57CP
Encontraram 01 - E57CP
Passarem 01 - E58CP
Encontrando 01 Não E58CP
Saqueando 01 - E58CP
Atravessaram 01 - E62CP
Avançaram 01 - E62CP
Veio atacar 01 - E64CP
É 01 - E64CP
Recebem 01 Não E64CP
Vinha 01 - E66CP
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...157

Foi recebido 01 - E72CP


Quadro 30: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

O conjunto dos verbos que operam junto ao referente grupo constrói uma
cadeia semântica de ações praticadas que se associam à representação discursiva
de grupo de cangaceiros: assalta, apoderava, saquear, atacar, desfalcar, roubando,
depredando, incendiando, queimaram, dentre outros. Esses e outros verbos
compreendem ações de vandalismo que eram praticadas pelos cangaceiros nas
empreitadas pelo sertão nordestino. Alguns dos verbos aparecem no plural porque
acionam o grupo de cangaceiros e o chefe Lampião como agentes da ação verbal
ou porque estabelecem concordância semântica com o referente grupo de
cangaceiros. A maioria dos verbos encontra-se no tempo pretérito, o que indica a
concretude das ações.
O termo circunstante não indica circunstância de negação e é empregado,
principalmente, para descrever decisões tomadas pelos cangaceiros para evitar
perda de munição em uso desnecessário (E54CP e E57CP), para indicar a falta de
resistência ao ataque empreendido no município de Luis Gomes (E58CP) e para
afirmar que os cangaceiros não recebem propina ou qualquer outra espécie de
pagamento do chefe Lampião (E64CP) – o que revela a fidelidade dos cangaceiros.

c) Localização espacial e temporal

Os locativos espaciais compreendem os espaços onde se desenvolveram os


processos verbais praticados que acionam o grupo dos cangaceiros de Lampião
como agente:

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
Nossa cidade 01 E02CP
Apodi 03 E10CP
E57CP
E67CP
São Sebastião 01 E52CP
Vilas, povoados e fazendas de 01 E11CP
Pernambuco, Paraíba, Ceará e
Alagoas
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...158

Pajeú (Pernambuco) 01 E53CP


A cidade de Mossoró 01 E43CP
Belém, na Paraíba 01 E54CP
Onde 02 E54CP
Duas fazendas do município de Luís 01 E54CP
Gomes
Mossoró 02 E56CP
E57CP
A fazenda Jurema 01 E56CP
O lugar de Brejo do Apodi 01 E57CP
O povoado de São Sebastião 01 E58CP
Algumas bodegas 01 E58CP
A ponte 01 E62CP
O lado de baixo 01 E62CP
A Estação da Estrada de Ferro 01 E62CP
Esta cidade 01 E64CP
Limoeiro (Ceará) 01 E72CP
Quadro 31: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

São locativos que descrevem os lugares por onde passou o grupo de


cangaceiros de Lampião antes, durante e depois do assalto à cidade de Mossoró.
Os locativos Apodi e Mossoró são os mais recorrentes, porque compreendem
localidades de interesse dos cangaceiros. O ataque a Apodi foi estratégico: serviu
tanto de prenúncio para o ataque posterior (a Mossoró), como também foi uma
maneira do grupo de cangaceiros avaliarem sua força e agilidade diante de uma
cidade de população relativamente grande.
Os locativos temporais que auxiliam na construção da representação
discursiva de grupo para os cangaceiros de Lampião, na notícia do jornal Correio do
Povo, estão apresentados a seguir:

Locativo temporal Número de Código


ocorrência
Após 4 horas 01 E02CP
Domingo, 12 do corrente, muito cedo 01 E10CP
De dez para onze horas da noite 01 E52CP
No começo de maio p. findo 01 E53CP
No dia seguinte 01 E54CP
Domingo 01 E58CP
Em 10 de maio 01 E67CP
Quadro 32: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...159

Esses locativos situam no tempo as ações praticadas pelo grupo de


cangaceiros de Lampião. Compreendem unidades de medida de tempo: horas, dias
e mês. Essas unidades correspondem aos momentos exatos em que o grupo de
cangaceiros planeja o ataque a Mossoró (no começo de maio p. findo), chega a
Apodi (domingo, 12, do corrente, muito cedo), a invasão ao povoado de São
Sebastião (de dez para onze horas da noite, domingo) e o assalto a Mossoró (após
4 horas). Esse conjunto de informações sugere que o grupo tinha um itinerário
organizado, suas ações eram planejadas e calculadas, tendo em vista o objetivo
maior e audaz, o ataque à cidade de Mossoró. Como se percebe, várias outras
empreitadas foram realizadas pelo grupo anteriormente ao ataque principal, como
forma de incitar temor e medo a população de Mossoró – conforme comprova o
bilhete escrito por Lampião e enviado ao coronel Rodolfo Fernandes, prefeito da
cidade.

6.1.2.2 Bandidos

A representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião é


construída nos enunciados abaixo:

Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca


(E03CP).
A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e
assediada pelo maior número de bandidos do Nordeste, sob a chefia
de Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca, chefes de cangaceiros que se
coligaram para levar a efeito a empreitada terrível e sinistra de saquear
Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte
(E05CP).
A imensa fama de riqueza aqui acumulada e o seu amor ao trabalho, à
paz e a ordem despertaram, no espírito de feras daqueles bandidos
apetites vorazes de saque e de sangue (E06CP).
A aproximação dos bandidos (E13CP).
Segunda-feira, 13 do corrente, sabe-se, com certeza, que os bandidos
se aproximavam daqui, estando a poucos quilômetros (E15CP).
Os bandidos penetraram na cidade pelo Alto da Conceição, de pé,
tendo deixado os cavalos em cercado do outro lado do rio (E22CP).
[Os bandidos] Dividiram-se em dois grupos que atacaram
simultaneamente a Estação da Estrada de Ferro, o Palacete do Prefeito
e a Igreja de São Vicente (E23CP).
[Os bandidos] Avançaram afoitamente agachados pelo chão atirando e
cantando MULHER RENDEIRA, versos elogiosos a Lampião (E24CP).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...160

Mas ou menos depois de meia hora de fogo, puderam alguns bandidos


aproximar-se do palacete do Prfeito, tentando tomar de assalto (E25CP).
[Alguns bandidos] Corriam encostados ao muro da casa Alfredo
Fernandes ao lado da Praça São Vicente, expondo-se ao cerrado tiroteio
das trincheiras da tôrre da Igreja São Vicente, do palacete do Prfeito e
do calçamento da Praça 6 de Janeiro (E26CP).
O portão da garage do Cel. Rodolfo Fernandes quase que é arrombado,
tendo sido o Prédio da União de Artistas violado, permanecendo muitos
bandidos entrincheirados, hostilizando a trincheira da Estação da
Estrada de Ferro Mossoró (E27CP).
Em meio da porfiada peleja, os rapazes que tiroteiavam os bandidos da
tôrre de São Vicente, deram sinal de que um cangaceiro fora atingido,
caindo na travessa São Vicente ao pé do muro Alfredo Fernandes
(E29CP).
Ao amanhecer de terça-feira começaram a circular notícias positivas do
rumo que tomaram os bandidos (E42CP).
Os bandidos ainda conduziam o Major Antonio Gurgel, do Brejo do
Apodi, e outras pessoas do interior do nosso Estado (E48CP).
Diversos bandidos feridos (E69CP).
A última hora as autoridades daqui souberam positivamente que no
combate de segunda-feira saíram oito bandidos feridos (E70CP).
Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e
haver saído com 43 como constaram os despachos recebidos de
Limoeiro (E71CP).

a) Referenciação e modificadores

Os referentes que categorizam os cangaceiros de Lampião como bandidos


estão identificados no quadro seguinte:

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
E03CP
E13CP
Os bandidos26 06 - E15CP
E22CP
E42CP
E48CP
O maior número de 01 - E05CP
bandidos do Nordeste
Aqueles bandidos 01 Apetites vorazes de saque e E06CP
de sangue
Alguns bandidos 01 E25CP

Existem mais duas ocorrências elípticas dessa categorização nos enunciados E23CP e E24CP,
26

colocadas entre colchetes e destacadas em negrito e sublinhado.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...161

Muitos bandidos 01 - E27CP


Os bandidos da tôrre 01 - E29CP
de São Vicente
Diversos bandidos 01 Feridos E69CP
Oito bandidos 01 Feridos E70CP
53 bandidos 01 - E71CP
Quadro 33: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de bandidos para
os cangaceiros de Lampião em notícia de jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

O referente os bandidos é modificado por expressões adjetivas que indicam a


quantidade dos cangaceiros: o maior número, muitos, diversos, 53. Essas
expressões indicam que os bandidos do bando de Lampião andavam em um grupo
relativamente grande, sendo, por isso, considerados como ameaça a qualquer
cidade ou povoado ordeiro – mesmo uma cidade de grande porte, como Mossoró. O
modificador apetites vorazes de saque e de sangue atribui uma característica aos
cangaceiros e contribui para a construção da representação discursiva de bandidos,
porque sugere serem os cangaceiros sujeitos que realizavam saques (assaltos) de
diversos tipos e maltratavam suas vítimas, por vezes até a morte (sangue).
O modificador feridos corresponde aos bandidos que se machucaram de
quando do ataque à cidade de Mossoró, como o cangaceiro Jararaca, por exemplo,
capturado depois de ter sofrido tiros em uma emboscada. A construção da
representação de bandidos feridos exalta a resistência da cidade de Mossoró, que
soube se organizar em trincheiras para lutar vitoriosamente contra os bandidos de
Lampião. Interessante apontar que não há na notícia referência a civis ou populares
feridos da cidade, o que demonstra ter sido o ataque frustrado apenas para os
cangaceiros.

b) Predicação e termos circunstantes

Os seguintes processos verbais acionam o referente os bandidos como


agentes da proposição:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
São 01 - E03CP
Aproximavam 01 - E15CP
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...162

Estando 01 - E15CP
Penetraram 01 - E22CP
Tendo deixado 01 - E22CP
Dividiram 01 - E23CP
Atacaram 01 - E23CP
Avançaram 01 Afoitamente agachados pelo E24CP
chão
Atirando 01 - E24CP
Cantando 01 - E24CP
Puderam 01 - E25CP
Aproximar 01 - E25CP
Tentando tomar 01 - E25CP
Corriam 01 Encostados ao muro da E26CP
casa Alfredo Fernandes ao
lado da Praça São Vicente
Expondo 01 - E26CP
Permanecendo 01 - E27CP
Hostilizando 01 - E27CP
Tomaram 01 - E42CP
Conduziam 01 - E48CP
Saíram 01 - E70CP
Quadro 34: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

Os verbos indicam ações praticadas pelos bandidos e que favorecem a


construção dessa representação discursiva: aproximavam, penetram, dividiram,
atacaram, avançaram, atirando, aproximar, tentando tomar, corriam, hostilizando,
tomaram, conduziam e saíram. Esses são verbos de ação que acionam os bandidos
de Lampião como agentes das proposições verbais e sugerem práticas condizentes
com a representação de bandidos. Os termos circunstantes afoitamente agachados
pelo chão e encostados ao muro da casa Alfredo Fernandes ao lado da Praça São
Vicente atribuem, respectivamente, circunstância de modo e modo-tempo aos
verbos avançavam e corriam. Contribuem para a construção da representação
discursiva de bandidos, porque sugerem as maneiras esdrúxulas pelas quais os
bandidos invadiam as cidades a serem assaltadas.
O verbo de estado são associa o sintagma os bandidos ao predicativo
chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca. O predicativo caracteriza o
sujeito os bandidos e estabelece uma relação de pertencimento em relação aos
chefes do cangaço Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca. O verbo cantando sugere
prática costumeira por parte dos bandidos que acompanhavam Lampião: sempre
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...163

assaltavam as cidades cantando a música Mulher Rendeira, como forma de elogiar


o chefe Lampião. Tratava-se, também, de uma forma de identificação dos bandidos
ao bando lampeônico: logo se conheciam os cangaceiros pertencentes a Lampião
porque invadiam as cidades cantando a toada Mulher Rendeira.

c) Localização espacial e temporal

Em relação à operação de localização espacial e temporal, os locativos que


constroem a representação dos cangaceiros de Lampião como bandidos estão
apresentados nos quadros seguintes:

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
A nossa ordeira, pacata, laboriosa e 01 E05CP
nobre cidade
Mossoró, a mais opulenta e rica 01 E05CP
cidade do Rio Grande do Norte
Aqui 02 E06CP
E71CP
Daqui 02 E15CP
E70CP
A cidade 01 E22CP
O Alto da Conceição 01 E22CP
O cercado do outro lado do rio 01 E22CP
A Estação da Estrada de Ferro, o 01 E23CP
Palacete do Prefeito e a Igreja de
São Vicente
O Palacete do Prefeito 01 E25CP
O muro da casa Alfredo Fernandes 01 E26CP
ao lado da Praça São Vicente
As trincheiras da tôrre da Igreja São 01 E26CP
Vicente, do palacete do Prefeito e do
calçamento da Praça 6 de Janeiro
O portão da garage do Cel. Rodolfo 01 E27CP
Fernandes
O Prédio da União de Artistas 01 E27CP
A trincheira da Estação da Estrada 01 E27CP
de Ferro Mossoró
A torre São Vicente 01 E29CP
A travessa São Vicente 01 E29CP
O pé do muro Alfredo Fernandes 01 E29CP
O Brejo do Apodi, o interior do nosso 01 E48CP
Estado
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...164

Limoeiro 01 E71CP
Quadro 35: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

Os locativos espaciais mobilizados situam, principalmente, a cidade de


Mossoró como cenário principal do acontecimento narrado, retomada pelos locativos
dêiticos aqui e daqui e, por uma relação metonímica, por outros locativos que situam
pontos específicos estratégicos da cidade. O uso dos dêiticos, por exemplo, revela
os pontos de vista dos enunciadores do texto, porque situam espacialmente o lugar
de onde falam: o jornal ficava situado na cidade de Mossoró e revela, portanto, os
interesses das pessoas daquela cidade e os seus pontos de vista em relação aos
cangaceiros de Lampião. Isso fica evidente quando consideramos o uso dos termos
a nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade (E05CP) e Mossoró, a mais
opulenta e rica cidade do Rio Grande do Norte (E05CP): tanto o uso do pronome
possessivo nossa quanto o emprego de vários termos modificadores que qualificam
a cidade de forma positiva reforçam a interpretação de que os locativos espaciais
revelam os pontos de vista dos enunciadores.
Os locativos temporais presentes nos enunciados que constroem a
representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião estão
apresentados a seguir:

Locativo temporal Número de Código


ocorrência
Segunda-feira, 13 do corrente 01 E15CP
Mais ou menos depois de meia hora 01 E25CP
de fogo
Ao amanhecer de terça-feira 01 E42CP
A última hora 01 E70CP
Segunda-feira 01 E70CP
Quadro 36: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal Correio do Povo.
Fonte: Autor.

Esse conjunto de locativos temporais compreende momentos específicos e


centrais do assalto dos cangaceiros de Lampião à cidade de Mossoró: indicam o
início do ataque (segunda-feira, 13 do corrente, segunda-feira), situam ações que se
desenvolvem durante o ataque (mais ou menos depois de meia hora de fogo) e
depois do ataque (ao amanhecer de terça-feira e a última hora). Assim, entendemos
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...165

que esses locativos situam no tempo as ações praticadas pelos cangaceiros de


Lampião – representados aqui como bandidos – considerando, principalmente, o
episódio do assalto realizado a Mossoró.

6.1.2.3 Bandoleiros

A representação discursiva de bandoleiros se constrói, principalmente, nos


enunciados abaixo identificados:

Êsse movimento aumentou na proporção da aproximação dos


bandoleiros (E12CP).
Depois de mais de uma hora de pesado bombardeio os bandoleiros
recuaram cessando fogo apesar de duramente hostilizados pelos
defensores da cidade (E38CP).

a) Referenciação

Os cangaceiros são designados nos enunciados acima a partir do emprego


do referente os bandoleiros. Esse referente é mobilizado em razão dos cangaceiros
não fixarem moradia em nenhum lugar específico, mas, assim como faziam as tribos
nômades, dirigiam-se de um lugar para outro, em busca de cidades ou regiões
fáceis de serem assaltadas. O referente também se associa com a nominalização o
bando, para designar os componentes do bando de cangaceiros chefiados por
Lampião: bandoleiros, designa, portanto, os sujeitos que andavam em bando, como
ocorria com os cangaceiros.

b) Predicação

No que diz respeito à operação semântica de predicação, observamos que,


nos dois enunciados apresentados, o referente os bandoleiros aparece como agente
da passiva (E12CP) e como agente do processo verbal recuaram (E38CP). Esses
processos verbais indicam, no primeiro caso, a aproximação dos bandoleiros à
cidade de Mossoró, de quando do início do assalto, e, no segundo, o instante em
que os bandoleiros tiveram de recuar, em razão da resistência dos defensores da
cidade. Os verbos sugerem, pois, dois movimentos importantes: aproximação e
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...166

afastamento dos bandoleiros. Esses dois movimentos expressos pelos processos


verbais caracterizam a própria designação de bandoleiros, porque sempre estavam
indo de um lugar para outro, sem a pretensão de consolidar residência em nenhum
local.

6.1.2.4 Facínoras

Os enunciados seguintes evidenciam a construção da representação


discursiva de facínoras para os cangaceiros do bando de Lampião.

As 12 horas da noite, os facínoras voltaram a atividade a atacar


novamente as nossas fortificações em grande descargas de fuzilaria
(E39CP).
Mas não se afoitaram a tentar escalar as trincheiras como pretenderam
no primeiro combate. Atiravam de longe com intermitências (E40CP).
Pelas 3 horas da madrugada de terça-feira 14 do corrente, deram os
facínoras os últimos disparos contra Mossoró (E41CP).
Na Estação da Estrada de Ferro de Mossoró – Essa trincheira salvou
grandemente a situação impedindo o avanço dos facínoras (E49CP).

a) Referenciação

Considerando a operação semântica de referenciação, dizemos que a


representação discursiva de facínoras se constrói a partir do emprego do referente
os facínoras, nos enunciados acima apresentados. Esse referente constrói
representação discursiva negativa para os cangaceiros de Lampião, porque designa
sujeitos conhecidos pela perversidade ou crueldade dos crimes cometidos.

b) Predicação

Os verbos voltaram, atacar, afoitaram, tentar escalar e atiravam


compreendem os processos verbais que acionam o referente os facínoras como
agente das proposições. Esses verbos apontam ações praticadas (ou não, a
depender do termo circunstante, conforme veremos a seguir) pelos cangaceiros de
quando do ataque a Mossoró. Os verbos voltaram e atacar, modificados pelo termo
circunstante novamente (que indica circunstância de modo), e o verbo deram
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...167

descrevem uma nova tentativa de ataque dos cangaceiros à cidade de Mossoró,


depois de terem sido inicialmente recebidos por civis e militares armados. No
entanto, a segunda tentativa foi realizada com cautela, conforme demonstram os
verbos afoitaram e tentar escalar, modificados pelo termo circunstante não
(indicador de circunstância de negação), e o verno atiravam, modificado pelo termo
circunstante de longe com intermitências (indicador de modo).

6.1.2.5 Horda assaltante

A representação discursiva de horda assaltante é evidenciada no enunciado


seguinte:

Ao seu lado, vimos os Majores Julio Maia, José de Oliveira Costa, José
Martins Fernandes e grande número de cavalheiros de representação a
despejar a fuzilaria contra a horda assaltante (E49CP).

a) Analogia

No enunciado acima é estabelecida uma analogia entre o referente horda


assaltante, que designa os cangaceiros de Lampião, e tribos nômades francesas
identificadas como hordas. Essas tribos eram, na verdade, grupos de aventureiros
conhecidos por praticarem atos indisciplinados e por invadirem cidades em busca de
dinheiro, alimento e outros bens de valor. Os cangaceiros de Lampião são, pois,
comparados aos membros dessas tribos, tendo em vista a semelhança entre as
atividades praticadas por ambos.

6.1.3 Representações discursivas do bando de cangaceiros de Lampião em notícia


do jornal O Nordeste

Na notícia publicada pelo jornal O Nordeste são construídas as seguintes


representações discursivas para o bando de cangaceiros de Lampião: grupo,
bandidos, bando, feras e selvagens. Essas representações são evidenciadas,
principalmente, nos conjuntos de enunciados abaixo identificados. Como se pode
perceber, mais uma vez, algumas delas se repetem, considerando as
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...168

representações analisadas, o que revela uma simetria entre os pontos de vista dos
enunciadores das três notícias. No entanto, os elementos linguísticos responsáveis
por assinalar essas representações são marcados por especificidades distintas na
notícia do jornal O Nordeste e, por isso, devem ser considerados nesta análise.

6.1.3.1 Grupo

A representação discursiva de grupo é construída nos seguintes enunciados


da notícia do jornal O Nordeste:

O bandido lampião e seu grupo (E01N).


[Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta
cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos
tranquilizar quanto à aproximação dos canibais (E07N).
Sabino Gomes – 1º Tenente. “13 de junho de 1927 – Meu caro Rodolfo
Fernandes. Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião o
qual está aqui aquartelado aqui bem perto da cidade, manda porem um
acôrdo para não atacar mediante a soma de quatrocentos contos de réis
- ... 400.000$000. Posso adiantar sem receio que o grupo é numeroso,
cerca de 150 homens bem equipados e munidos a farta. Creio que seria
de bom alvitre você mandar um parlamentar até aqui que me disse o
próprio Lampião seria bem recebido. Para evitar o pânico e o
derramamento de sangue, penso que o sacrifico compensa, tanto que
êle promete não voltar mais a Mossoró. Diga sem falta ao Jaime que os
21 contos que pedi ôntem para o meu resgate não chegaram até aqui e
se vieram o portador se desencontrou, assim peço por vida de Iolanda
para mandar o cobre por uma pessoa de confiança para salvar a vida do
pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo me tem tratado com muita
deferência, mas eu bem avalio o risco que estou correndo. Creia no meu
respeito. Antonio Gurgel do Amaral” (E46N).

a) Referenciação e modificadores

Os referentes e os modificadores que categorizam o bando de Lampião como


grupo estão destacados em negrito nos enunciados acima apresentados, além da
retomada anafórica realizada pelo referente o outro. O referente o grupo designa os
cangaceiros e é modificado pelos adjuntos adnominais pequeno, numeroso e pela
locução de Lampião, que funcionam como modificadores do referente.
Cabe ressaltar que o modificador pequeno não sugere necessariamente a
quantidade dos cangaceiros do grupo de Lampião, identificados no enunciado E46N
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...169

e noutros enunciados desta notícia como numeroso, mas diz respeito a uma divisão
estratégica do grupo realizada pelo próprio Lampião (uma parte do grupo investiu no
ataque em Apodi e a outra se dirigiu para Mossoró), tendo em vista distrair a
atenção dos mossoroenses em relação ao provável ataque.

b) Predicação

A maioria dos processos verbais identificados nos enunciados acima


apresentados não aciona o próprio Lampião como agente das ações verbais:
manda, atacar (modificado pelo termo circunstante não) e tem tratado (modificado
pelo termo circunstante com muita deferência). Apenas o verbo dirige aciona o
referente grupo como agente: indica o rumo seguido por parte do grupo depois de
ordem do chefe Lampião. O verbo de estado está é empregado para descrever a
posição geográfica do grupo, conforme depoimento do senhor Antonio Gurgel do
Amaral em bilhete escrito ao coronel Rodolfo Fernandes.

c) Localização espacial e temporal

Os elementos linguísticos que assinalam a operação semântica de


localização espacial e que favorecem a construção da representação discursiva de
grupo para os cangaceiros de Lampião estão apresentados no quadro abaixo:

Locativo espacial Número de Código


ocorrência
As alturas do Apodi 01 E07N
Esta cidade 01 E07N
Aqui [Mossoró] 01 E07N
Apodi 01 E07N
Aqui [Cativeiro] 03 E46N
Aqui bem perto da cidade [Cativeiro] 01 E46N
Mossoró 01 E46N
Quadro 37: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de grupo
para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Além dos locativos espaciais frequentemente mobilizados no texto das


notícias, como, por exemplo, Mossoró e Apodi (este último retomado também pelo
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...170

locativo esta cidade), cidades onde o grupo de cangaceiros de Lampião realizaram


assaltos, convém considerar nestes enunciados o recurso frequente ao dêitico aqui.
Em E07N, o dêitico retoma anaforicamente o locativo Mossoró, que corresponde ao
lugar de onde fala o enunciador – o jornal O Nordeste. Em E046, o enunciador não é
mais o jornal, mas sim o senhor Antonio Gurgel do Amaral, que estava mantido em
cativeiro pelo grupo de cangaceiros. Neste caso, o locativo aqui se refere justamente
ao lugar do cativeiro onde era mantido Antonio Gurgel.
Há apenas três locativos temporais presentes nos enunciados: 13 de junho de
1927, desde ôntem e ôntem (E46N). O primeiro locativo funciona como marcador
temporal da data de escrita do bilhete de Antonio Gurgel. Os outros dois locativos
sugerem o dia em que Antonio Gurgel foi levado para o cativeiro pelo grupo dos
cangaceiros de Lampião, ou seja, dia dose de junho daquele mesmo ano – um dia
antes do assalto a Mossoró. Portanto, os locativos temporais demarcam situações
bastante específicas, relativas, especialmente, ao sequestro do senhor Antonio
Gurgel pelo grupo de cangaceiros.

6.1.3.2 Bandidos

Assim como ocorre nas notícias dos jornais O Mossoroense e Correio do


Povo, na notícia do jornal O Nordeste também é construída a representação
discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião, especialmente nos
enunciados abaixo apresentados:

Os bandidos, entretanto, o tinham preparado com sagacidade (E08N).


Cada um trazia dois fuzis para armar possivelmente aquêles que se
quisessem acompanhar visando principalmente os trabalhadores da
estrada de ferro Mossoró, conforme declararam ao Coronel Moreira,
dêles prisioneiro (E09N).
Os bandidos surgem em São Sebastião (E10N).
No domingo, 13, de 23 para 24 horas, eis que nos surgem
inopinadamente os bandidos em S. Sebastião, a sete léguas distante
de nós (E11N).
Em São Sebastião, os bandidos se entregam ao saque, ao roubo, ao
incêndio e a depredações (E12N).
Na manhã de segunda-feira, 13, vem descendo, saqueando,
aprisionando, exigindo dinheiro, tomando algodão a freteiros e
incendiando, trocando montadas, arrebanhando animais (E14N).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...171

A uma légua desta cidade, cêrca de meio dia, mandam um portador com
a intimativa ao Coronel Rodolfo Fernandes, infatigável chefe do
executivo municipal, para lhes enviar quatrocentos contos de réis, sob
pena de se assenhorarem, imediatamente, da cidade (E15N).
O céu havia-se toldado. Nevoeiros pesados se formavam e a chuva se
avizinhou debaixo de trovoadas! Sombrias pareciam as horas, mas era a
saudação que Deus nos mandavam das alturas! Seriam
aproximadamente dezesseis horas, quando tivemos o primeiro contacto
com os bandidos (E19N).
Os bandidos recuam, voltam ousadamente à carga e são novamente
repelidos. E24N. Deixam mortos e feridos e organizam a fuga (E23N).
Cessado o forte tiroteio, irrompe pelas ruas, o povo, em delirantes
brados de vivas a Mossoró, ao Prefeito, ao Presidente do Estado, ao
Chefe de Polícia, aos nossos soldados, desafiando Lampião e os seus
sequazes: Sabino, Massilon e tôda caterva de bandidos que fugiam
diante de nossas armas vitoriosas, sem o derrame de uma só gota de
sangue do povo citadino (E25N).
Êste número, entretanto, está em desacôrdo com o que se verificou em
Limoeiro, no Estado do Ceará, de 41, conforme a fotografia que ali
tiraram os bandidos! (E27N).

a) Referenciação e modificadores

Considerando a operação de referenciação, a representação discursiva de


bandidos se constrói a partir da ocorrência (sete vezes) do referente os bandidos.
Esse referente é acionado como agente das proposições e designa os cangaceiros
de Lampião, considerando, conforme se verá na operação de predicação,
principalmente, as ações por eles realizadas. Em E25N, o referente é modificado
pela expressão tôda caterva, que sugere um grupo de indivíduos desordeiros,
caracterizados por praticarem atos de vadiagem e de mau comportamento.

b) Predicação e termos circunstantes

A operação de predicação compreende os processos verbais que acionam o


referente os bandidos como agentes da proposição, expressos no quadro seguinte:

Predicação Número Termo Circunstante Código


de
ocorrência
Tinham preparado 01 Com sagacidade E08N
Trazia 01 - E09N
Armar 01 Possivelmente E09N
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...172

Surgem 02 Inopinadamente E10N


E11N
Entregam 01 - E12N
Vem descendo 01 - E14N
Saqueando 01 - E14N
Aprisionando 01 - E14N
Exigindo 01 - E14N
Tomando 01 - E14N
Incendiando 01 - E14N
Trocando 01 - E14N
Arrebanhando 01 - E14N
Mandam 01 - E15N
Assenhorarem 01 Imediatamente E15N
Recuam 01 - E24N
Voltam 01 Ousadamente E24N
São 01 Novamente repelidos E24N
Deixam 01 - E23N
Organizam 01 - E23N
Fugiam 01 Diante de nossas armas E25N
vitoriosas
Quadro 38: Predicação e termos circunstantes que constroem a representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

A cadeia semântica construída pelo conjunto de verbos acima apresentados


permite a construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros
de Lampião. Especialmente verbos como armar, saqueando, aprisionando, exigindo,
incendiando, arrebanhando, assenhorarem, dentre outros, sugere ser os
cangaceiros sujeitos que praticam atividades socialmente consideradas como
desordeiras ou díscolas. A maioria desses verbos está no gerúndio e sugere que as
ações expressas estavam sendo descritas conforme iam ocorrendo.
Os verbos surgem, vem descendo, recuam, voltam, deixam e fugiam
descrevem os movimentos de entrada e de saída à cidade de Mossoró pelos
cangaceiros de Lampião. Nesse ponto, convém considerar os efeitos provocados
pelos termos circunstantes, que modificam esses verbos, atribuindo-os
circunstâncias, especialmente, de modo. Os termos inopinadamente e ousadamente
modificam os verbos que sugerem a entrada dos cangaceiros à cidade de Mossoró:
como fossem bandidos, eles entram na cidade de forma discreta, para depois
iniciarem o ataque ousado. Por sua vez, os termos novamente repelidos e diante de
nossas armas vitoriosas correspondem ao modo como os cangaceiros, como fossem
bandidos, foram expulsos e deixaram a cidade.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...173

c) Localização espacial e temporal

Os seguintes locativos situam os processos verbais que acionam o referente


os bandidos como agente das proposições e, portanto, contribuem para a
construção da representação discursiva de bandidos para os cangaceiros do bando
de Lampião:

Locativo espacial Número de


ocorrência Código
A estrada de ferro Mossoró 01 E09N
São Sebastião 01 E10N
Em São Sebastião, a sete léguas 01 E11N
distante de nós
A uma légua desta cidade 01 E15N
A cidade 01 E15N
As ruas 01 E25N
Mossoró 01 E25N
Limoeiro, no Estado do Ceará 01 E27N
Quadro 39: Locativos espaciais que favorecem a construção da representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Os locativos descrevem espaços já comentados anteriormente e que fazem


parte do cenário do acontecimento principal narrado na notícia: o assalto dos
cangaceiros de Lampião a Mossoró. É possível construir uma cadeia semântica que
se organiza em torno das regiões inicialmente percorridas pelos cangaceiros antes
de entrarem em Mossoró (São Sebastião, Em São Sebastião, A sete léguas distante
de nós, A uma légua desta cidade), da própria cidade de Mossoró (A cidade, As
ruas, A estrada de ferro Mossoró, Mossoró) e da cidade para onde fugiram os
cangaceiros após encontrarem resistência em Mossoró (Limoeiro, no Estado do
Ceará).
Os locativos temporais são apresentados a seguir:

Locativo temporal Número de Código


ocorrência
No domingo, 13, de 23 para 24 01 E11N
horas
Na manhã de segunda, 13 01 E14N
Cêrca de meio dia 01 E15N
Seriam aproximadamente dezesseis 01 E19N
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...174

horas
Quadro 40: Locativos temporais que favorecem a construção da representação discursiva de
bandidos para os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Esses locativos situam no tempo os processos verbais que constroem a


representação discursiva de bandidos para os cangaceiros de Lampião. Eles
referem-se exatamente ao dia (domingo, treze de junho) e à hora (manhã de
segunda-feira) de início do assalto dos cangaceiros à cidade de Mossoró.

d) Conexão

Além dos conectores e (que estabelece relações de adição entre partes dos
enunciados) e que (que estabelece relações de coordenação entre os enunciados
ou mesmo retoma, na função de pronome relativo, o agente da ação verbal),
interessante considerar o conectivo entretanto, em E08N. Esse conectivo indica
contrariedade, adversidade. No enunciado, sugere que os bandidos de Lampião
realizaram o ataque à cidade do Apodi como forma de ludibriar os mossoroenses,
fazendo-os acreditar não ser mais do interesse do grupo atacar Mossoró. No
entanto, estavam, na verdade, fazendo um prenúncio do assalto que seria realizado
em Mossoró.

6.1.3.3 Bando

A representação discursiva de bando é construída nas porções de texto


abaixo apresentadas:

O bando se aproxima (E17N).


Já então se vinha aproximando o bando, o que era distinguido
perfeitamente pelas vedetas das tôrres da Matriz e de São Vicente e
outros pontos altos (E18N).
O bando se tinha dividido (E21N).
O bando sinistro conforme depoimento de Jararaca compunha-se dos
facínoras seguintes e outros de quem não se recordava o Jararaca
(E40N).
Como se vê de um retrato tirado em Limoeiro, logo que ali chegou o
bando de Lampião, há mais os nomes seguintes: NAVIEIRO,
VALATÃO, FELIX, MIUDO, MOURÃO, BENEVITO, JATOBÁ,
ALAGOANO, PINHÃO e MIGUEL (E41N).
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...175

a) Referenciação e modificadores

O referente o bando, mobilizado nos enunciados acima, designa os


cangaceiros que acompanhavam Lampião em suas empreitadas pelo sertão
nordestino. Como já visto anteriormente, recebem essa nominalização pelo fato de
andarem todos reunidos, vestidos de forma semelhante e guiados pelo chefe do
cangaço, Lampião. O referente é modificado pelo emprego dos especificadores
sinistro (E40N) e de Lampião (E41N). O primeiro apresenta uma característica do
bando, conhecido por seus atos obscuros e nefastos. O segundo associa o bando
ao cangaceiro Lampião, estabelecendo entre eles uma relação de posse,
pertencimento, ao mesmo tempo em que funciona como um identificador do bando
dos cangaceiros, considerando que, àquela época, existiam cangaceiros que se
organizavam em outros bandos no Nordeste brasileiro – como, por exemplo, o
bando do cangaceiro Jesuíno Brilhante.

b) Predicação

Os verbos que aparecem nas proposições que constroem a representação de


bando para os cangaceiros de Lampião são os seguintes: aproxima (E17N), vinha se
aproximando (E18N), tinha dividido (E21N), compunha-se (E40N) e chegou (E41N).
Esses verbos acionam o referente o bando como agente dos processos por eles
indicados. Referem-se ao momento em que o bando se aproxima da cidade de
Mossoró (aproxima, vinha se aproximando, chegou), como se organizou para entrar
na cidade (tinha dividido) e à composição do bando (compunha-se).

c) Conexão

Além das conjunções aditivas, que estabelecem nexos entre os enunciados


antes apresentados, convém considerar o emprego da conjunção conformativa
conforme, em E40N. Esse conectivo é mobilizado para atribuir a assunção da
responsabilidade enunciativa de E40N ao cangaceiro Jararaca, capturado em
Mossoró. O enunciado trata sobre a composição do bando de Lampião e recorre à
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...176

fala de Jararaca como um argumento de autoridade, para sustentar a informação


transmitida.

6.1.3.4 Feras e selvagens

Também é construída para os cangaceiros de Lampião a representação


discursiva de feras ou selvagens:

[Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta


cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos
tranquilizar quanto à aproximação dos canibais (E07N).
As feras investem e procuravam abrir passagem (E20N).
Após essa fuga, na tarde do dia seguinte, 14, chegam-nos tropas da
Paraíba e destacamentos de Porta Alegre, dêste Estado, que
estivessem aqui mais cedo, teriam conosco exterminado os selvagens
(E29N).

a) Referenciação

A representação discursiva se constrói a partir do emprego dos referentes


abaixo indicados:

Referente Número Modificador Código


(Categorização) de
ocorrência
Os canibais 01 - E07N
As feras 01 - E20N
Os selvagens 01 - E29N
Quadro 41: Referentes e modificadores que constroem a representação discursiva de bandidos para
os cangaceiros de Lampião em notícia do jornal O Nordeste.
Fonte: Autor.

Os três referentes designam os cangaceiros como canibais, feras e


selvagens. Não há registros na literatura sobre o cangaço de que os cangaceiros do
bando de Lampião praticavam canibalismo, por isso, acreditamos tratar-se aqui de
uma analogia entre os cangaceiros e certas tribos de canibais, tendo em vista a
semelhança da violência das atitudes praticadas por ambos. Em E20N, os
cangaceiros são designados de feras e em E29N de selvagens. Esses dois
referentes constroem uma representação discursiva animalesca para os
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...177

cangaceiros, como se esses vivenciassem um processo de animalização, quando


entram para o cangaço.

b) Analogia

Ao passo em que designam os cangaceiros, os referentes também


estabelecem comparações entre os cangaceiros e animais selvagens ou tribos
canibais. A analogia estabelecida favorece de forma determinante a construção da
representação discursiva de feras e selvagens para os cangaceiros de Lampião.

6.1.3.5 Companheiros

Ainda encontramos nos enunciados da notícia do jornal O Nordeste a


construção da representação discursiva de companheiros, para os cangaceiros de
Lampião, conforme se verifica no enunciado a seguir:

Na manhã de terça-feira soube-se que Lampião que trazia 52


companheiros, seguira apenas, ao fechar da noite do tiroteio, com 48,
rumo do Jaguaribe, em demanda de Limoeiro, Estado do Ceará (E26N).

a) Referenciação e modificadores

O referente companheiros, modificado pelo numeral indicador de quantidade,


designa os cangaceiros de Lampião como aqueles que acompanhavam o chefe do
cangaço. O termo companheiros sugere o fato dos cangaceiros seguirem Lampião
por todos os lugares por onde andava, obedecendo as suas ordens e cumprindo os
seus mandos. Portanto, estabelece uma relação de fidelidade e servidão entre os
cangaceiros e o chefe Lampião.

6.1.4 Síntese

Os referentes empregados para designar os cangaceiros de Lampião


compreendem vários substantivos e expressões lexicais que constroem imagens
pejorativas para o bando. Considerando os referentes e as demais operações
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...178

semânticas, de modo mais recorrente, são construídas, nas notícias analisadas, as


seguintes representações discursivas para os cangaceiros de Lampião: grupo,
bando, bandidos, companheiros, matilha sanguinária, bandoleiros, cangaceiros,
facínoras, horda assaltante, feras e selvagens. Os modificadores da referenciação
dos cangaceiros, com função prioritariamente especificadora, atrelam a imagem do
bando à Lampião: chefiados por Lampião, de Lampião, chefiado por Virgolino
Ferreira, um dos elementos de confiança de Lampião. Este procedimento reforça
ainda mais a construção da representação discursiva de Lampião como chefe ou
líder do grupo de cangaceiros que invadiu a cidade de Mossoró. Na verdade, parece
que a identidade do grupo se sustenta na figura de Lampião: bando de Lampião.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...179

CAPÍTULO VII: SÍNTESE DOS RESULTADOS DAS ANÁLISES E


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lá na Gruta do Angico
fez seu pouso derradeiro
No sertão alagoano
morre o rei dos cangaceiros
Fez a justiça no punho,
a lei era o seu aço
Conhecido Lampião,
o grande Rei do Cangaço

João Carreiro

Nesta tese de doutoramento, analisamos, descrevemos e interpretamos as


representações discursivas de Lampião e seu bando de cangaceiros em notícias de
jornais mossoroenses publicados na década de vinte (1927) do século passado, de
quando da invasão do bando à cidade de Mossoró, em treze de junho daquele
mesmo ano. Essas representações foram analisadas tendo por base um conjunto de
operações semânticas de construção de representações discursivas, conceituadas a
partir dos trabalhos de Adam (2011), Grize (1990), Neves (2006), Castilho (2010) e
Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010): referenciação, predicação, modificação,
localização espacial e temporal, conexão e analogia.
Para Lampião, foram construídas as seguintes representações discursivas:
bandido, chefe de cangaceiros, subornador e derrotado. Essas representações
revelam os pontos de vista jornais e desfavorecem a imagem do cangaceiro
Lampião, porque lhe atribuem características negativas ou pejorativas. Em certos
enunciados das notícias, que compreendem fragmentos de outros textos que estão
inseridos dentro das notícias, como, por exemplo, os bilhetes escritos por Lampião e
pelo coronel Rodolfo Fernandes, alteram-se os pontos de vista do enunciador e,
portanto, as representações discursivas construídas para o cangaceiro. Nesses
enunciados, são construídas representações de líder e autoridade para o cangaceiro
Lampião (Cap. Virgolino), ou seja, representações que favorecem sua imagem.
Por sua vez, para os cangaceiros do bando de Lampião foram construídas as
seguintes representações discursivas: grupo, bando, bandidos, companheiros,
matilha sanguinária, bandoleiros, cangaceiros, facínoras, horda assaltante, feras e
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...180

selvagens. Essas representações são associadas à imagem de Lampião,


especialmente a partir dos modificadores empregados, que estabelecem entre eles
uma relação de dependência: chefiados por Lampião, de Lampião, chefiado por
Virgolino Ferreira. Neste ponto, entendemos que as representações são construídas
para os cangaceiros em razão da própria imagem de Lampião, de modo que a
identidade de um está intimamente atrelada a do outro.
Essas representações foram analisadas tendo em vista certos fenômenos
linguísticos utilizados na produção dos textos das notícias que assinalam a
construção de imagens sobre os objetos de discurso – no caso, Lampião e os
cangaceiros de seu bando. Esses fenômenos, por sua vez, foram interpretados com
base em operações semânticas de construção de representações discursivas
anteriormente expressas, conforme apresentamos no quadro seguinte:

Operações semânticas de análise Recursos linguístico-textuais


Referenciação Substantivos, pronomes, nomes
próprios e expressões de valor nominal
(sintagmas nominais).
Modificadores Adjetivos, locuções adjetivas ou
expressões de valor adjetivo.
Predicação Verbos de ação e de estado no
pretérito, presente, infinitivo e gerúndio.
Termos circunstantes Adjuntos adverbiais de modo, de
negação e de causa.
Localização espacial Advérbios, adjuntos adverbiais de lugar
e expressões indicadoras de espaço.
Localização temporal Advérbio de tempo, adjuntos adverbiais
de tempo, tempo dos processos verbais
e outras expressões indicadoras de
tempo.
Conexão Conjunções, preposições e pronomes
relativos.
Quadro 42: Síntese das operações semânticas de construção de representações discursivas versus
os recursos linguístico-textuais.
Fonte: Autor.

A operação semântica de referenciação compreendeu o emprego de


substantivos, pronomes ou expressões de valor nominal que (re)designam Lampião
e os cangaceiros de seu bando. Na sua maioria, os nomes possuem uma carga
semântica pejorativa, favorecendo a construção de representações discursivas
negativas para Lampião e os cangaceiros. Essas representações são ainda mais
acentuadas a partir do emprego de adjetivos modificadores que caracterizam,
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...181

descrevem ou especificam os referentes, atribuindo-lhes traços depreciativos ou


desfavoráveis à imagem de Lampião e dos cangaceiros.
Gramaticalmente, grande parte dos referentes que designam Lampião e os
cangaceiros de seu bando assume função sintática de sujeito, agente da passiva ou
complemento do processo verbal. Eles são colocados na posição de sujeito agente
dos processos verbais, os quais praticam, na maioria das vezes, ações violentas em
detrimento de suas vítimas. Estas ações dizem respeito justamente à operação
semântica de predicação.
Na predicação, observamos a recorrência frequente de verbos de ação,
empregados na terceira pessoa do singular e do plural, no pretérito do indicativo,
que indicam ações pontuais, concretizadas. Esses verbos, de modo geral,
constroem uma cadeia semântica de ações violentas e criminosas, que favorecem a
construção das representações discursivas sugeridas pelos referentes das
proposições para Lampião e seu bando de cangaceiros.
Alguns deles são modificados por termos circunstantes, que compreendem
expressões de valor adverbial que modificam os processos verbais e indicando as
circunstâncias em que se desenvolve a ação verbal (a predicação). Nas notícias
analisadas, encontramos termos circunstantes que atribuem, principalmente,
circunstâncias de modo, causa e negação. Neste último caso, o advérbio de
negação é empregado, principalmente, para negar uma possível atitude heroica de
Lampião e seu bando, buscando desqualificá-los como indivíduos sem coragem e
audácia.
No que diz respeito à localização espacial e temporal, constatamos que esta
operação compreende os termos que expressam as circunstâncias de espaço e
tempo em que se desenvolvem os participantes e as ações dos processos verbais.
Apesar de teoricamente compreenderem uma mesma operação semântica de
análise, dada a semelhança de comportamento sintático e semântico, por questões
didático-metodológicas, tratamos a localização espacial e a localização temporal em
itens separados, mas correlacionando-as sempre que necessário.
Foram diversos os espaços descritos nas notícias. O locativo espacial mais
recorrente foi Mossoró, espaço geográfico principal onde se desenvolveram as
ações descritas nas narrativas, incluindo o acontecimento principal narrado nas
notícias – a invasão do bando à cidade Mossoró. Em seguida, apresentam
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...182

expressiva recorrência os locativos esta cidade (dêitico que recategoriza o locativo


Mossoró) e as trincheiras (espaço onde efetivamente ocorreram as lutas entre os
bandoleiros de Lampião e soldados e civis mossoroenses). Cabe ainda considerar a
ocorrência de locativos como Apodi (cidade onde primeiramente os cangaceiros
atacaram antes de Mossoró) e Limoeiro (cidade do Ceará para onde fugiram os
cangaceiros após resistência em Mossoró).
De um modo geral, os locativos espaciais mobilizados nas notícias podem ser
organizados em subcategorias, descritas com exemplos na listagem a seguir:

i) Região: Nordeste, Nordeste Brasileiro.


ii) Estado: Ceará, Pernambuco, Paraíba, Alagoas.
iii) Cidade: Mossoró, Apodi, Limoeiro.
iv) Povoado: São Sebastião, O sítio Sipó, Cajazeiras.
v) Ruas: O Alto da Conceição, Praça 6 de Janeiro.
vi) Locais físicos específicos: Estação da Estrada de Ferro de Mossoró, O
prédio da União dos Artistas, A ponte da Estação da Estrada de Ferro de
Mossoró, O Grande Hotel, A Casa Colombo.
vii) Locais físicos genéricos: As trincheiras, As ruas, Vilas, Povoados e
Fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas, Uma casa.
viii) Expressões locativas de distância: Distante daquele sete léguas, Poucos
quilômetros, Daqui a meia légua.
ix) Expressões locativas de espaço: Dentro da rua, O lado de baixo, Por trás
da Igreja de São Vicente, Ao seu lado, O outro lado do rio.
x) Expressões dêiticas: Esta cidade [Mossoró], Ali [Mossoró], Aqui [Mossoró],
Daqui [Mossoró], Perto daqui [Fazenda Oiticica], Dêsse Estado [Ceará], Aqui
[Cativeiro].

A observação e análise dos locativos espaciais nos permite reconstruir a


cenografia onde se desenvolveram os processos verbais desempenhados pelos
participantes dos enunciados. Como defende Queiroz (2013), podem ser
considerados como importantes operadores de textualidade, porque além de
organizarem a topografia dos textos, organizam também, no caso das notícias
analisadas, os percursos de Lampião e seu bando antes, durante e depois da
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...183

invasão à cidade Mossoró. Trataram-se, pois, como visto, de elementos essenciais à


compreensão dos textos analisados nesta tese.
Por sua vez, observamos que a localização temporal diz respeito às
expressões adverbiais que indicam o tempo em que se desenvolve a ação do
processo verbal. Nas notícias analisadas, verificamos a ocorrência de expressões
indicadoras de tempo, gramaticalmente representadas por advérbios ou locuções
adverbiais de tempo. Cabe ressaltar o destaque que apresentaram expressões de
valor numérico que indicam tempo (locuções adverbiais de tempo de valor
numérico), especialmente hora, dia mês e ano, com a finalidade de situar
cronologicamente os acontecimentos narrados nas notícias, especialmente o assalto
dos cangaceiros a Mossoró.
Os conectores, como vimos, são elementos que permitem a conexão entre as
partes que compõem os enunciados (ou as proposições) e entre o conjunto de
proposições que formam o todo semântico na construção das representações
discursivas em um texto. Os conectores empregados nos textos das notícias são
gramaticalmente representados por conjunções e expressões de valor adverbial e
pronominal essenciais à construção de representações discursivas dos temas
tratados nas notícias analisadas, especialmente de Lampião e de seu bando de
cangaceiros. De acordo com Queiroz (2013), além de ligar os enunciados entre si
para construir as redes semânticas que constituem a progressão temática do
discurso, os conectores articulam o conjunto de sequências para formar a unidade
de sentido, constituindo a cadeia isotópica que cria efeitos de sentidos temáticos:
ora Lampião é tratado como sujeito importante, porque é chefe de grupo de
bandidos, ora como um salteador, que merece todo descrédito; ora o bando é
tratado como grupo de bandidos, ora como companheiros.
As relações de analogias (e comparações) ocorrem, principalmente, por meio
do emprego de metáforas que constroem representações discursivas dos
cangaceiros lampeônicos como feras ou grupo de indivíduos que praticam atos
selvagens. Para Lampião, sugerem a construção de representações discursivas
como homem de instintos diabólicos, de caráter pervertido. Em ambos os casos, as
anáforas são utilizadas para reforçar a construção de uma imagem negativa de
Lampião e de seu grupo, conforme pregava a imprensa da época em nome do
governo e das classes sociais majoritárias.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...184

Essas operações contribuíram de forma significativa para que pudéssemos


compreender as formas pelas quais são construídas as representações discursivas
identificadas nas notícias que compõem nosso corpus para Lampião e seu bando de
cangaceiros. Observamos que as notícias revelam os pontos de vista dos próprios
jornais, que representavam, essencialmente, os interesses de comerciantes, de
políticos, do próprio governo e da população mossoroense de modo geral – mesmo
sendo a notícia um gênero que preza pela imparcialidade. Lampião e seus
cangaceiros eram enxergados por esse público como ameaça à tranquilidade e à
ordem da cidade de Mossoró. Nesse ponto, nosso trabalho apresenta contribuição
para compreensão de aspectos históricos relativos ao cangaço, tendo em vista que,
por meio do texto, buscamos compreender os efeitos de sentido que são construídos
sobre Lampião e seus cangaceiros no gênero notícia da década de vinte do século
passado.
Portanto, acreditamos ter o nosso trabalho cumprindo os seus objetivos
pretendidos. Além disso, acreditamos também ter contribuído de forma significativa
para os estudos linguísticos do texto, especialmente para aqueles que tematizam
questões relacionadas à construção de representações discursivas dos temas ou
assuntos tratados, especialmente em gêneros jornalísticos, no caso o gênero
notícia. A proposição da operação semântica de análise de termos circunstantes, ao
invés de modificador da preposição, revela também uma contribuição teórica para os
estudos em Análise Textual dos Discursos, tendo tratar-se de uma mudança
terminológica e conceitual relevante às análises dos termos que atribuem
circunstâncias às predicações.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...185

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Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...191

ANEXOS
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...192

O MOSSOROENSE

ENUNCIADOS

E01M. Hunos da nova espécie.

E02M. O famigerado Lampião e seu grupo de asseclas atacam Mossoró.

E03M. É morto o bandido Colchete e preso o lombrosiano Jararaca.

E04M. Os reféns do bando sinistro.

E05M. A fuga precipitada da matilha sanguinária em demanda do Ceará.

E06M. A incursão do famigerado grupo sinistro capitaneado pelo mais audaz e

miserável de todos os bandidos que tem infestado o Nordeste brasileiro e o pacato

território do Rio Grande do Norte.

E07M. Virgulino Lampião, esta majestade do crime e do terror, alma diabólica de

pervertido tarado cujo rastilho de misérias vem desassombradamente espalhando

em todos os recantos onde passa com o seu cortejo macabro e facinoroso.

E08M. O grupo famanaz desses hunos da nova espécie tentara atacar e saquear a

vizinha cidade do Apodi.

E09M. (O grupo famanaz desses hunos da nova espécie) tendo sido obrigado a

recuar em vista da resistência heroica que encontrara por parte dos habitantes da

pequena cidade.

E10M. Desesperado por este fracasso, (O grupo famanaz desses hunos da nova

espécie), rumara o mesmo para a povoação de São Sebastião, deste município, e

dali viria a Mossoró com o intento de locupletar as algibeiras do sinistro chefe –

Lampião.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...193

E11M. (O grupo famanaz desses hunos da nova espécie), em seguida, incendiando

a cidade, prosseguindo, então, vitorioso, a trajetória infame do seu traçado hediondo

de toda a sorte de crimes.

E12M. Teve lugar de 23 para 24 horas o assalto do grupo de bandidos ao pequeno

povoado de São Sebastião, onde encontrou sem nenhuma resistência.

E13M. É, entretanto, digna de admiração a atitude heroica do distinto moço

Aristides de Freitas que (...) ficou no aparelho telegráfico dando informações para

esta cidade, até a última hora de aproximação do grupo.

E14M. No pequeno povoado, o grupo de bandidos cometeu toda a sorte de misérias

como sói fazê-lo por onde passa.

E15M. (O grupo de bandidos) queimou várias casas comerciais, (...), um auto

caminhão e o automóvel de linha da E. de Ferro de Mossoró.

E16M. (O grupo de bandidos) arrebentou várias moveis na estação da Estrada,

violou lares, quebrando moveis e roubando objetos de outro e de outros objetos de

fácil condução.

E17M. Nas proximidades deste povoado, o grupo matou um rapaz.

E18M. O itinerário do bando.

E19M. Vivemos sobre a iminência de graves perigos ante as ameaças dos bandidos

Lampião, Sabino e Massilon, sendo este o mesmo que atacou Apodi, ali matando,

roubando e incendiando.

E20M. Lampião se concertava com esses no intuito de fazerem a sua independência

com o fruto do nosso trabalho.

E21M. O famigerado grupo não nos encontrou desprevenidos.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...194

E22M. Pacata, ordeira, vivendo do labor cotidiano, estranha às cenas de

cangaceirismo, a população desta cidade não se tomou pânico, não se retirou

desorganizadamente.

E23M. O bandido Lampião atravessava o Estado da Paraíba, penetra o nosso

território, onde ataca fazendas, evitando avizinhar-se da cidade, onde seria

combatido, faz prisioneiros, por cuja liberdade exige grandes somas de dinheiro,

rouba, saqueia e lança miséria e terror.

E24M. Aproximando-se a Apodi destaca-se um grupo que ataca esta cidade.

E25M. (O grupo) ruma a Mossoró com seu séquito criminoso.

E26M. (O grupo) corta as comunicações telegráficas com Caraúbas e avança sobre

São Sebastião onde chega de 23 para 24 horas do dia 12.

E27M. Ai (São Sebastião) saqueia, rouba, depreda, incendeia, mata, violenta,

pratica defloramentos e sacia instintos de selvagens.

E28M. (O grupo) desce vagarosamente e ao meio dia de 13 começa a ser avistado.

E29M. (O grupo) manda uma intimativa ao Cel. Rodolfo Fernandes.

E30M. O celerado e seus adeptos entram em contato conosco, pouco antes das 16

horas.

E31M. Se o céu nos mandava lágrimas, também saudava, abafando o som dos

disparos.

E31M. Investem os bandidos as primeiras trincheiras, ladeiam, cortam caminho,

surgem ao lado da estação da Estrada de Ferro.

E32M. (Os bandidos) entram no prédio da União de Artistas e se entrincheiram,

aparecem a margem do rio, defendida pela trincheira da barragem.

E33M. Os bandidos recuam e voltam a carga e repelidos novamente se retiram para

o seu acampamento, deixando morto o bandido Colchete e vários feridos.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...195

E34M. Pela manhã de terça-feira o grupo sinistro rumava o Jaguaribe, em demanda

de Limoeiro, no Estado Ceará.

E35M. Não sabemos ainda a posição exata de Lampião.

E36M. Traiçoeiro, insidioso, talvez se refazendo porque, tendo chegado aqui com 53

companheiros, saiu com 48.

E37M. A relação das trincheiras que enfrentaram os cangaceiros e outras

minudências.

E38M. A força paraibana (...) vinha no encalço de Lampião e aqui chegaram terça-

feira.

E39M. A polícia da paraibana seguiu rumo Lampião na quarta-feira pela manhã.

E40M. O bandido José Leite, vulgo Jararaca preso, gravemente ferido, e recolhido à

cadeia pública de Mossoró.

E41M. Jararaca nasceu no dia 5 de maio de 1901, em Buique, zona de Pajeú de

Flores, Estado de Pernambuco.

E42M. (Jararaca) É solteiro e há um ano e alguns meses anda com Lampião.

E43M. (Jararaca) Tomou parte no ataque de São Sebastião, Belém e outros pontos

do Nordeste.

E44M. (Jararaca) Conduzia um fuzil mauzer e cartucheiras de duas camadas.

E45M. (Jararaca) Trajava dólman cáqui, camisa encarnada, lenço azul entrelaçado

pro aliança, calçando alpercata de verniz.

E46M. (Jararaca) recebeu o primeiro ferimento no pulmão direito e o segundo na

côxa.

E47M. (Jararaca) Disse que o bando que atacou Mossoró vinha dirigido por

Lampião, sendo seu grupo chefiado por Massilon Leite.

E48M. O grupo que havia entrado pelo lado do cemitério era chefiado por Lampião.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...196

E49M. (Jararaca) Disse mais que o ataque foi alvitrado por Massilon, não sendo isto

desejo de Lampião.

E50M. (Jararaca) Disse ainda que o bandido Júlio Porto não fazia parte do grupo.

E51M. (Jararaca) Disse que ele (Jararaca) foi um cangaceiro temível em toda a zona

pernambucana, onde sempre teve costume de dar carreira em polícias.

E52M. (Jararaca) Disse que sempre encontraram proteção no território cearense.

E53M. (Jararaca) Disse que era vontade do mesmo (Lampião) se conduzir a Pajeú

de Flores, no Estado de Pernambuco.

E54M. (Jararaca) Disse que o mesmo (bandido morto) se chamava Colchete, era

natural de Serra do Monte, Pernambuco.

E55M. (Jararaca) Disse mais que o último ataque a Apodi foi chefiado por Massilon

Leite.

E56M. (Jararaca Disse) que grupo de Lampião tem muita munição e que o povo

mais orientado do mesmo conduz sempre 400 ou 500 cartuchos.

E57M. (Jararaca) disse que era Oliveira (o pequeno bandido que andava com

Lampião), é alvo baixo, tem 16 anos e que Lampião tinha bastante confiança no

mesmo para serviço de espionagem.

E58M. (Jararaca) disse que esse pequeno entrou para o cangaço no intuito de

vingar a morte de seu pai.

E59M. (Jararaca) Disse ainda que quando havia entrado para o bando de Lampião,

chefiava um grupo de oito bandidos.

E60M. (Jararaca) Informou que no mesmo (combate travado em Vitória) morreu o

cangaceiro Patrício, da Serra do Monte.

E61M. (Jararaca) disse saber que o Quincas Gondim, de Navio, Estado de

Pernambuco, mandou matar o pai de Oliveira.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...197

E62M. Lampião entrou em Navio, matando 360 bois.

E63M. Perguntado qual o fim de Lampião em fazer aquisição de muito dinheiro,

disse por ouvir de Lampião queria para comprar a oficialidade de Pernambuco.

E64M. (Jararaca) disse que o mesmo (Massilon) havia confessado ao bando que

tinha sido o autor das mortes em Brejo do Cruz, da Paraíba.

E65M. (Jararaca) Disse mais que foi ordenança do Cel. Antonio Francisco de

Carvalho, na junta de Alistamento Militar do Rio de Janeiro.

E66M. (Jararaca) sentou praça em Maceió em 1921.

E67M. (Jararaca) (disse) que a vida de bandido era muito ruim, mas que sempre

procurou evitar atos mais de seus companheiros, pois teve educação e era muito

respeitado, no bando.

E68M. (Jararaca) Disse ainda que em S. Sebastião havia o bando ateado fogo em 2

carros da Estrada de Ferro.

E69M. (Jararaca) Disse mais que o bandido Virgolino Lampião já foi baleado por

diversas vezes.
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...198

CORREIO DO POVO

ENUNCIADOS

E01CP. Avé, Mossoró!

E02CP. O maior grupo de cangaceiros do Nordeste assalta nossa cidade, sendo

destroçado após 4 horas de renhida luta!

E03CP. Os bandidos são chefiados por Lampião, Sabino, Massilon e Jararaca.

E04CP. Como morreu o bandido Colchête e como foi ferido e aprisionado Jararaca,

o maior sicário do Nordeste.

E05CP. A nossa ordeira, pacata, laboriosa e nobre cidade foi atacada e assediada

pelo maior número de bandidos do Nordeste, sob a chefia de Lampião, Sabino,

Massilon e Jararaca, chefes de cangaceiros que se coligaram para levar a efeito a

empreitada terrível e sinistra de saquear Mossoró, a mais opulenta e rica cidade do

Rio Grande do Norte.

E06CP. A imensa fama de riqueza aqui acumulada e o seu amor ao trabalho, à paz

e a ordem despertaram, no espírito de feras daqueles bandidos apetites vorazes de

saque e de sangue.

E07CP. A população civil em cooperação com a polícia, mostrou e afirmou a

pujança de um Mossoró também aguerrido e marcializado, indômito e formidável de

armas na mão, nas trincheiras e nas ruas.

E08CP. Foram 4 horas de luta heroica onde se cimentou com galhardia maravilhosa

o tempo sacrossanto do novo poder que se levantou com um fanal de glórias e

louros a atestar, pelos tempos em fora, a pujança do povo de Mossoró.

E09CP. Ave, Mossoró!


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...199

E10CP. Domingo, 12 do corrente, muito cedo, soube-se que um numeroso grupo de

cangaceiros, chefiado por Lampião estava atacando Apodi, que resistia.

E11CP. De dez para onze horas da noite, já o grupo de apoderava de São

Sebastião, distante daquele sete léguas, roubando, depredando e incendiando.

E12CP. Êsse movimento aumentou na proporção da aproximação dos bandoleiros.

E13CP. A aproximação dos bandidos

E14CP. O ultimatum de Lampião

E15CP. Segunda-feira, 13 do corrente, sabe-se, com certeza, que os bandidos se

aproximavam daqui, estando a poucos quilômetros.

E16CP. Mais tarde, chegou um emissário de Lampião conduzindo um bilhete dirigido

ao Prefeito Cel. Rodolfo Fernandes exigindo 400 contos de réis, ao contrário entraria

na cidade, incendiando-a.

E16CP. As principais trincheiras que foram organizadas foram as seguintes: No

Palacete do Cel. Rodolfo Fernandes que foi transformado em praça de guerra; na

estação da Estrada de Ferro Mossoró; na tôrre da Igreja de São Vicente de Paulo,

tôdas na cidade nova; nas tôrres da Igreja da Matriz, no Telégrafo, no Colégio

Diocesano e nas residências dos Srs. Pedro Leite e Afonso Freire, situadas na

Praça da Matriz. Na Praça da Independência havia fortificações no Grande Hotel e

Casa Colombo.

E17CP. Na rua Cel. Gurgel e Praça 6 de Janeiro foram feitas trincheiras no

estabelecimento dos Srs. Francisco Marcelino & C., no esgôto do calçamento; no

estabelecimento dos Srs. Alfredo Fernandes & C. na Praça Cel. Bento Praxedes; a

trincheira do Major Julio Maia, outras em diversas ruas e na barragem.

E18CP. As treze horas, começou a chover em meio de grandes trovões.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...200

E19CP. Os bandidos já se achavam no subúrbio do Saco, em casa do Sr. Luis

Firmino, e aproveitaram-se do momento para atacarem a cidade.

E20CP. As quatro horas da tarde, foram disparados, pelos cangaceiros, os primeiros

tiros contra nossa cidade.

E21CP. As nossas fortificações responderam, em cerrada descarga, ao desafio do

inimigo.

E22CP. Os bandidos penetraram na cidade pelo Alto da Conceição, de pé, tendo

deixado os cavalos em cercado do outro lado do rio.

E23CP. [Os bandidos] Dividiram-se em dois grupos que atacaram simultaneamente

a Estação da Estrada de Ferro, o Palacete do Prefeito e a Igreja de São Vicente.

E24CP. [Os bandidos] Avançaram afoitamente agachados pelo chão atirando e

cantando MULHER RENDEIRA, versos elogiosos a Lampião.

E25CP. Mas ou menos depois de meia hora de fogo, puderam alguns bandidos

aproximar-se do palacete do Prfeito, tentando tomar de assalto.

E26CP. [Alguns bandidos] Corriam encostados ao muro da casa Alfredo Fernandes

ao lado da Praça São Vicente, expondo-se ao cerrado tiroteio das trincheiras da

tôrre da Igreja São Vicente, do palacete do Prfeito e do calçamento da Praça 6 de

Janeiro.

E27CP. O portão da garage do Cel. Rodolfo Fernandes quase que é arrombado,

tendo sido o Prédio da União de Artistas violado, permanecendo muitos bandidos

entrincheirados, hostilizando a trincheira da Estação da Estrada de Ferro Mossoró.

E28CP. Como foi morto o bandido Colchête

E29CP. Em meio da porfiada peleja, os rapazes que tiroteiavam os bandidos da

tôrre de São Vicente, deram sinal de que um cangaceiro fora atingido, caindo na

travessa São Vicente ao pé do muro Alfredo Fernandes.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...201

E30CP. [Um cangaceiro] Tinha em seu poder, muita munição, um fuzil mauser,

muitos objetos de ouro e prata.

E31CP. [Um cangaceiro] Era um dos elementos de confiança de Lampião, por ser

afoito e terrível.

E32CP. Como foi ferido e prêso Jararaca – O terrível salteador e sicário de

Pernambuco

E33CP. Após ser prostrado Colchête, o seu companheiro Jararaca aproximou-se

rápido para tomar-lhe as suas armas e munições.

E34CP. Terça-feira de manhã, foi aprisionado nas imediações da Ponte da nossa

Estrada de Ferro, daqui a meia légua, por diversas pessoas dali.

E35CP. [Jararaca] fêz declarações sensacionais que estampamos adiante.

E36CP. É negro, alto, magro, de aspecto repelente.

E37CP. É cangaceiro por índole, chefiando grupos pelo interior de Pernambuco e

Alagoas, onde tem perpetrado os crimes mais monstruosos.

E38CP. Depois de mais de uma hora de pesado bombardeio os bandoleiros

recuaram cessando fogo apesar de duramente hostilizados pelos defensores da

cidade.

E39CP. As 12 horas da noite, os facínoras voltaram a atividade a atacar novamente

as nossas fortificações em grande descargas de fuzilaria.

E40CP. Mas não se afoitaram a tentar escalar as trincheiras como pretenderam no

primeiro combate. Atiravam de longe com intermitências.

E40CP. Os últimos tiros dos cangaceiros

E41CP. Pelas 3 horas da madrugada de terça-feira 14 do corrente, deram os

facínoras os últimos disparos contra Mossoró.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...202

E42CP. Ao amanhecer de terça-feira começaram a circular notícias positivas do

rumo que tomaram os bandidos.

E43CP. Lampião depois de batido em Mossoró tomou rumo do Ceará, pela estrada

que liga nossa cidade a Limoeiro.

E44CP. O portador relatou que Lampião estava envergonhado porque não pode

entrar em Mossoró.

E45CP. [Lampião] Levava seis cavalos sem os respectivos cavalheiros, além de um

doente que soube ser As de Ouro, - um pequeno bandido – ferido por bala no nariz.

E46CP. Os reféns que Lampião conduz

E47CP. Lampião conduziu, prêso, até Lagoa do Rocha – Ceará, o Sr. Manoel Freire.

E48CP. Os bandidos ainda conduziam o Major Antonio Gurgel, do Brejo do Apodi, e

outras pessoas do interior do nosso Estado.

E49CP. Ao seu lado, vimos os Majores Julio Maia, José de Oliveira Costa, José

Martins Fernandes e grande número de cavalheiros de representação a despejar a

fuzilaria contra a horda assaltante.

E49CP. Na Estação da Estrada de Ferro de Mossoró – Essa trincheira salvou

grandemente a situação impedindo o avanço dos facínoras.

E50CP. O que disse ao “Correio do Povo” o bandido e sicário Jararaca

E51CP. Nossa reportagem colheu do bandoleiro José Leite de Santana (Jararaca)

as seguintes informações:

E52CP. É natural de Buíque (Pernambuco) foi soldado do exército de 920 a 926,

dando baixa voltou ao seu Estado onde se aliou ao grupo de cangaceiros chefiados

por Virgolino Ferreira (Lampião) há mais de um ano, tendo tomado parte nos

ataques de vilas, povoados e fazendas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Alagoas.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...203

E53CP. No comêço de maio p. findo, Lampião reuniu o seu grupo em Pajeú

(Pernambuco), para vir atacar e saquear a cidade de Mossoró, influenciado por

Benevides Massilon Leite, cangaceiro de confiança do grupo.

E54CP. No itinerário que fizera até aqui, atacaram um lugar chamado Belém, na

Paraíba, onde foram repelidos, não tendo continuado a atacar para não desfalcar a

munição, no dia seguinte saquearam duas fazendas no município de Luis Gomes,

onde, sem resistência, prenderam dois velhos que traziam como reféns.

E55CP. Perto de Vitória, neste Estado, encontraram diversos soldados viajando em

automóvel a quem atacaram, tendo êstes repelido, matando um bandido.

E01CP. Depois de cerrado fogo os soldados abandonaram os automóveis que

Lampião mandou queimar.

E56CP. Daí continuaram rumando a Mossoró e ao passarem na fazenda Jurema,

fizeram roubos e queimaram tudo.

E57CP. Deram fogo em Apodi, mas desistiram do ataque para não estragarem

munições e chegando no lugar Brejo do Apodi encontraram um automóvel

conduzindo um senhor de nome Antonio Gurgel que vinha de Mossoró, cujo senhor

trazem prêso e, segundoa firma Lampião, só será sôlto mediante um resgate de 21

contos de réis.

E58CP. Ao passarem, domingo, no povoado São Sebastião, não encontrando

resistência, queimaram um caminhão e um automóvel saqueando algumas bodegas.

E59CP. Chegando perto daqui, na fazenda Oiticica, Lampião mandou um bilhete ao

Sr. Rodolfo Fernandes dizendo que não entrava na cidade mediante uma

indenização de 400 contos de réis.

E60CP. Lampião mesmo assim, resolveu fazer o ataque por ser vergonhoso vir tão

perto e voltar sem tentar a entrada.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...204

E61CP. Deu ordem de avançar e como estivesse do outro lado do rio vieram até a

ponte da Estrada de Ferro a cavalo e aí deixaram as montarias amarradas e os

prisioneiros em uma casa guardados por dois homens do grupo.

E62CP. Atravessaram a ponte e avançaram ficando êle Jararaca em companhia de

Sabino Leite, imediato de Lampião. Êste, Moreno e Massilon Leite, conhecido no

bando por Benevides, avançaram pelo lado de baixo para atacar a Estação da

Estrada de Ferro.

E63CP. Já dentro da rua romperam fogo, tendo a vanguarda comandada por Sabino

e onde êle Jararaca se encontrava, penetrado por trás da Igreja de São Vicente,

mas sem resultado por causa da reação que encontraram; um de seus

companheiros de nome Colchête recebeu um ferimento e caiu agonizante.

E64CP. O grupo que veio atacar esta cidade é composto de 53 homens, e não

recebem nenhuma remuneração de Lampião, fazendo cada qual o que pode nas

ocasiões de saques.

E65CP. Lampião declara sempre em palestra que o dinheiro que arruma é para

comprar os oficiais da Polícia de Pernambuco, especialmente o Major Theófanes,

oficial que prendeu Antonio Silvino.

E66CP. O grupo vinha armado por 44 fuzis mauser, 9 rifles e 15.000 cartuchos,

distribuídos até o numero de 400 cada um, sendo êste número pelos mais

ALENTADOS (valentes). O armamento foi dado a Lampião pelo Dr. Floro

Bartolomeu quando Lampião tomou parte contra os revoltosos tendo o Cel. José

Otávio, de Vila Bela (Pernambuco) atualmente prêso, fornecido também muita

munição. Lampião tem ainda mais armamento cuja quantidade não sabe, guardado

na fazenda Serra do Mato, de propriedade do Cel. Sant‟Ana, no Estado do Ceará.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...205

E67CP. Declarou que o indivíduo Massilon Leite é o mesmo que assaltou Apodi, em

10 de maio, e que juntou-se ao grupo de Lampião depois dêsse assalto,

acompanhado de dois homens José Roque e José Côco, levando 6 fuzis e pequena

quantidade de munição que adquiriu nesse assalto.

E68CP. Sabe com certeza que Lampião nunca atacou uma cidade do tamanho de

Mossoró.

E69CP. Diversos bandidos feridos

E70CP. A última hora as autoridades daqui souberam positivamente que no

combate de segunda-feira saíram oito bandidos feridos.

E71CP. Prova essa asserção ter Lampião penetrado aqui com 53 bandidos e haver

saído com 43 como constaram os despachos recebidos de Limoeiro.

E72CP. Lampião e seu grupo, em Limoeiro (Ceará) foi recebido com festas,

havendo banquetes, bailes, etc.

E73CP. Posou ali para a objetiva de um fotógrafo e de lá só se retirou quando a

fôrça paraibana se aproximou.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...206

O NORDESTE

ENUNCIADOS

E01N. O bandido lampião e seu grupo.

E02N. Lampião derrotado.

E03N. Há mais de mês, vinha esta cidade sendo avisada de que Lampião, o terrível

bandido que tem desafiado a ação das forças policiais do Nordeste, preparava um

assalto a esta cidade, conjuntamente com outros, contando aqui fazer sua

independência e de seus aliados.

E04N. Rica, próspera, vivendo pacificamente de seu labor cotidiano, entregue às

cogitações de seu progresso e da sua grandeza da União, esta cidade jamais

presenciara cenas de cangaceirismo, parecia fácil prêsa, ambicionada pelo

famigerado salteador.

E05N. Lampião, que as notícias oficiais do Ceará davam como perseguido pelas

polícias dêsse Estado e de Pernambuco, em Aurora, e se internando cada vez mais

em busca dos altos sertões, refazia-se, entretanto, no mesmo município de Aurora,

daquele mesmo Estado do Ceará, punha-se em contacto com Massilon, que há

pouco, vindo do Ceará, tinha salteado Apodi e outros municípios do Rio Grande do

Norte, concertava com o seu êmulo Sabino, no Sítio Cipó, em Cajazeiras, na

Paraíba, e ajustava o ataque tremendo e sinistro.

E06N. Atravessava o Ceará, a Paraíba, entra no Rio Grande do Norte, saqueia

fazendas, aprisiona fazendeiros e pessoas gradas, dos quais exige consideráveis

quantias em troca da liberdade, evitando sempre as cidades, que sabe guarnecidas,


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...207

E07N. [Lampião] divide-se nas alturas do Apodi, força um pequeno grupo esta

cidade e o outro se dirige para aqui, visando aquele ataque a Apodi nos tranquilizar

quanto à aproximação dos canibais.

E08N. Os bandidos, entretanto, o tinham preparado com sagacidade.

E09N. Cada um trazia dois fuzis para armar possivelmente aquêles que se

quisessem acompanhar visando principalmente os trabalhadores da estrada de ferro

Mossoró, conforme declararam ao Coronel Moreira, dêles prisioneiro.

E10N. Os bandidos surgem em São Sebastião

E11N. No domingo, 13, de 23 para 24 horas, eis que nos surgem inopinadamente os

bandidos em S. Sebastião, a sete léguas distante de nós.

E12N. Em São Sebastião, os bandidos se entregam ao saque, ao roubo, ao incêndio

e a depredações.

E13N. Nada escapa à sanha destruidora, até roupas, potes, panelas e outros

objetos de uso de pobres moradores são destruídos, havendo notícias exatas de

defloramentos e de violências inomináveis!

E14N. Na manhã de segunda-feira, 13, vem descendo, saqueando, aprisionando,

exigindo dinheiro, tomando algodão a freteiros e incendiando, trocando montadas,

arrebanhando animais.

E15N. A uma légua desta cidade, cêrca de meio dia, mandam um portador com a

intimativa ao Coronel Rodolfo Fernandes, infatigável chefe do executivo municipal,

para lhes enviar quatrocentos contos de réis, sob pena de se assenhorarem,

imediatamente, da cidade.

E16N. Respondido negativamente o ultimatum de Lampião êste não se conformou e

mandou segundo, já de Bom Jesus, a meia légua, que não teve menor sorte.

E17N. O bando se aproxima


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...208

E18N. Já então se vinha aproximando o bando, o que era distinguido perfeitamente

pelas vedetas das tôrres da Matriz e de São Vicente e outros pontos altos.

E19N. O céu havia-se toldado. Nevoeiros pesados se formavam e a chuva se

avizinhou debaixo de trovoadas! Sombrias pareciam as horas, mas era a saudação

que Deus nos mandavam das alturas! Seriam aproximadamente dezesseis horas,

quando tivemos o primeiro contacto com os bandidos.

E20N. As feras investem e procuravam abrir passagem.

E21N. O bando se tinha dividido.

E22N. Cangaceiros surgem ao lado da Matriz, nas imediações do Telegrafo

Nacional e somem-se!

E23N. Os bandidos recuam, voltam ousadamente à carga e são novamente

repelidos. E24N. Deixam mortos e feridos e organizam a fuga.

E25N. Cessado o forte tiroteio, irrompe pelas ruas, o povo, em delirantes brados de

vivas a Mossoró, ao Prefeito, ao Presidente do Estado, ao Chefe de Polícia, aos

nossos soldados, desafiando Lampião e os seus sequazes: Sabino, Massilon e tôda

caterva de bandidos que fugiam diante de nossas armas vitoriosas, sem o derrame

de uma só gota de sangue do povo citadino.

E26N. Na manhã de terça-feira soube-se que Lampião que trazia 52 companheiros,

seguira apenas, ao fechar da noite do tiroteio, com 48, rumo do Jaguaribe, em

demanda de Limoeiro, Estado do Ceará.

E27N. Êste número, entretanto, está em desacôrdo com o que se verificou em

Limoeiro, no Estado do Ceará, de 41, conforme a fotografia que ali tiraram os

bandidos!

E28N. Entretanto, Mossoró se preparou para repelir 150 celerados, pelas armas,

conforme se verificou na carta do refém Cel. Antonio Gurgel.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...209

E29N. Após essa fuga, na tarde do dia seguinte, 14, chegam-nos tropas da Paraíba

e destacamentos de Porta Alegre, dêste Estado, que estivessem aqui mais cedo,

teriam conosco exterminado os selvagens.

E30N. A fôrça paraibana, sob o comando do Tenente Costa, seguiu no encalço dos

bandoleiros.

E31N. Lampião por onde vai passando nos manda ameaças.

E32N. Morte e prisão de dois bandidos

E33N. Quando o fogo mais se intensificava o bandido Colchete relevou uma audácia

formidável, procurando atacar a trincheira do Cel. Rodolfo.

E34N. E, cantando a toada Mulher Rendeira, ao mesmo tempo que dirigia

impropérios, como os demais bandidos que lhe auxiliavam na terrível empreitada,

uma bala prosta-o na esquina próxima, varando-lhe o peito.

E35N. Jararca tenta desarreá-lo (saqueá-lo na jíria deles) como é de costume entre

bandidos.

E36N. Nesse tempo, chovem balas sobre o facínora,

E37N. Jararaca cai ferido e logo se levanta aos tombos em fuga, recebendo adiante

outro balaço na perna direita que o obriga novamente a cair, foge, entretanto, para o

mato, indo pairar à ponte da Estrada de Ferro, onde foi capturado no dia seguinte,

14, morrendo a 19, quando era transferido para Natal.

E38N. Jararaca fez sensacionais revelações que diremos depois.

E39N. O nêgro Colchete naquela mesma tarde foi arrastado, já morto, amarrado

pelas pernas, até a Praça da Matriz, pelo povo, que saudava a vitória com gritos

ensurdecedores!

E40N. O bando sinistro conforme depoimento de Jararaca compunha-se dos

facínoras seguintes e outros de quem não se recordava o Jararaca.


Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...210

E41N. Como se vê de um retrato tirado em Limoeiro, logo que ali chegou o bando de

Lampião, há mais os nomes seguintes: NAVIEIRO, VALATÃO, FELIX, MIUDO,

MOURÃO, BENEVITO, JATOBÁ, ALAGOANO, PINHÃO e MIGUEL.

E42N. Se ali só havia 41 bandidos, é fato que 12, inclusivo 2 aqui enterrados,

desapareceram.

E43N. O ultimatum de Lampião ao cel. Rodolfo Fernandes

E44N. Cap. Virgolino Ferreira Lmapião – Cel. Rodolfo: Estando Eu até aqui pretendo

é dinheiro. Já foi um aviso ahi para o senhor, se por acauzo resolver mi mandar a

importância que nós pode Eu evito de entrada ahi, porem não vindo, esta

importância eu entrarei até ahi penso que adeus querer eu entro e vai aver muito

estrago, por isto se vir o dinheiro eu não entro ahi mais mande resposta logo. Cap.

Lampião”.

E45N. “Virgolino Lampião: Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não

tenho a importância que pede e nem também o Comércio. O Banco está fechado,

tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos acarretar com tudo o que

o Sr. queira contra nós. A cidade acha-se firmemente inabalável na sua defesa

confiando na mesma. Rodolfo Fernandes – Prefeito.”

E46N. Sabino Gomes – 1º Tenente. “13 de junho de 1927 – Meu caro Rodolfo

Fernandes. Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião o qual está aqui

aquartelado aqui bem perto da cidade, manda porem um acôrdo para não atacar

mediante a soma de quatrocentos contos de réis - ...... 400.000$000. Posso adiantar

sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens bem equipados e

munidos a farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até

aqui que me disse o próprio Lampião seria bem recebido. Para evitar o pânico e o

derramamento de sangue, penso que o sacrifico compensa, tanto que êle promete
Representações discursivas sobre Lampião e seu bando de cangaceiros...211

não voltar mais a Mossoró. Diga sem falta ao Jaime que os 21 contos que pedi

ôntem para o meu resgate não chegaram até aqui e se vieram o portador se

desencontrou, assim peço por vida de Iolanda para mandar o cobre por uma pessoa

de confiança para salvar a vida do pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo me

tem tratado com muita deferência, mas eu bem avalio o risco que estou correndo.

Creia no meu respeito. Antonio Gurgel do Amaral”.

E47N. “Antonio Gurgel: Não é possível satisfazer-lhe a remessa dos quatrocentos

contos (400.000$000) pois não tenho e mesmo no comércio é impossível se arranjar

tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, Sr. Jaime Guedes.

Estamos dispostos a recebe-los na altura em que êles desejarem. Nossa situação

oferece absoluta confiança e inteira segurança. Rodolfo Fernandes”.

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