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Resumo: Este trabalho apresenta alguns dados obtidos em pesquisa realizada entre
2011 e 2012. Neste estudo procuramos investigar o processo de construção e
deterioração da identidade profissional relacionando-o ao sofrimento e processos de
saúde-doença de diretores de escolas públicas do Estado de São Paulo. Consideramos o
contexto de reformas educacionais que contam, na atualidade, com a participação dos
reformadores oriundos e compromissados com a lógica empresarial. Analisamos os
efeitos negativos do gerencialismo e da racionalidade instrumental “quantofrênica”,
pautados em índices e metas de avaliação heterônomas, bem como, dos esquemas de
promoção meritocráticos para a construção da identidade e saúde dos trabalhadores.
Concluímos que o individualismo, a competitividade e o não reconhecimento no
trabalho podem ser apontados como aspectos predominantes do sofrimento e
adoecimento dos diretores de escolas.
Introdução
A partir de meados dos anos 1990, muitos projetos de caráter gerencialista foram
implementados pelo governo paulista para “melhoria da qualidade” da educação. Esses
programas se fixaram, basicamente, na formação, na avaliação externa, na
responsabilização das equipes escolares, na bonificação pela produtividade e no mérito
individual, submetidos a um forte controle centralizado. Trata-se de um processo que se
inicia no governo Mário Covas (1995 -1998), responsável pelo estabelecimento das
primeiras diretrizes educacionais de caráter neoliberal e culmina na atual gestão do
Governador Geraldo Alkimim.
O discurso da formação surge incorporado como solução adaptativa às novas
exigências de qualidade expressas na política educacional. Na direção do que estamos
apontando, muitas mudanças foram introduzidas na formação do magistério e no
exercício profissional. Contudo, podemos antecipar que tais alterações aparecem sob a
forma de novas exigências mesmo com a permanência dos problemas e dificuldades
históricas, no exercício profissional. O enfoque teórico da formação recai na “falta de
preparo técnico” do docente sobre a ideologia do profissionalismo e das competências.
Esse último fator revela o caráter prescritivo dos programas de formação. Parece
predominar um tipo de concepção formativa sem uma sintonia com as reais
necessidades das escolas e dos trabalhadores que nela atuam.
Para demonstrar o que estamos dizendo, a título de exemplo, destacamos o
programa de formação de gestores chamado “Circuito Gestão” 1, no início dos anos
2000 e o curso de especialização “Gestão para o sucesso escolar” 2, mais recente, que
vem sendo realizado em parceria com a Fundação Lemann, desde 2011. Todos esses
programas possuem em comum a incorporação, não só o discurso da qualidade, mas
também, outros temas recorrentes no mundo corporativo como a motivação, liderança,
trabalho por projetos e metas, empreendedorismo e avaliação.
O que Gaulejac (2007) denominou de gerencialismo e a performatividade (Ball,
2005) vem se fixando no âmbito da política educacional e dos demais serviços públicos,
como instrumento á serviço da “melhoria da qualidade”. O caráter instrumental e
heterônomo desse modelo foi denominado por Gaulejac (2007) de quantofrenia ou
“doença da medida” que está relacionado ao vazio ontológico, a insensatez, e a um
processo violento de “não - reconhecimento” como aponta Honneth (2003), um
processo que produz efeitos significativos à subjetividade, à saúde e a qualidade de vida
dos docentes.
No sistema educacional paulista esse modelo fica evidenciado na política de
avaliação institucional, cujos resultados estão amparando decisões de governo e projetos
de reforma. São projetos que vem estabelecendo novas regulações no âmbito do sistema
de ensino e nas escolas. Elas se desdobram em novos esquemas de controle do trabalho
com acompanhamento supervisionado do desempenho docente. Destacamos aqui o já
citado Programa de Qualidade nas Escolas – PQE que integra a prova do SARESP, o
IDESP3 e a Bonificação (Bônus), 4
assim como também a Prova do Mérito5 e o
Programa Escolas Prioritárias6. Além dos programas e ações destacados relacionamos
também os Cadernos do aluno e do professor que foram desenvolvidos a partir da matriz
do SARESP, dentro do programa São Paulo faz escola à época do secretário de Paulo
Renato de Souza durante o governo Serra no ano de 2007. Entre 2007 e 2008, a
1
Os Circuitos Gestão foram cinco encontros modulares oferecidos pela Secretaria da Educação do Estado de São
Paulo.
2
A parceria com a SEE se dá da seguinte maneira: a Fundação Lemann oferece o curso e a Universidade Anhembí-
Morumbi certifica. O curso tem uma carga horária de 390 horas com módulos presenciais e à distância. O curso
“Gestão para o Sucesso Escolar tem como foco a transformação da figura do diretor em um líder pedagógico.
Contribui para isso o fato de o curso ser bastante prático, ensinando os diretores a motivar e gerir sua equipe e
recursos, sempre tendo como meta alcançar um impacto positivo no resultado dos alunos”.
3
Estado de São Paulo - Resolução SE -74, de 6-11-2008. estabelece metas de longo prazo para melhoria da qualidade
da educação e institui o índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de SP.
4
Lei complementar nº 1078, de 17 de dezembro de 2008 que institui bonificação por resultados , no âmbito da
secretaria da educação, e dá providências correlatas.
5
. Lei complementar nº 1097, de 27 de outubro de 2009 que Institui o sistema de promoção para os integrantes do
Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências.
6
Programa de Escolas Prioritárias. In. http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/escolas-prioritarias.
Secretaria de Estado da Educação estabeleceu 10 metas 7 para a melhoria do ensino
Paulista que englobava várias dessas ações e programas, excluindo apenas as escolas
prioritárias que foi implantado na Gestão Alckimin.
Conforme pudemos apurar na pesquisa, a implantação desses programas
resultou na intensificação dos meios de controle, na elevação da responsabilidade e
visibilidade dos profissionais que atuam nas escolas. O levantamento documental e as
entrevistas revelaram que, em verdade, a aparência modernizadora desses programas, na
prática, preservam as formas tradicionais de gerenciamento tipicamente tayloristas no
âmbito da organização do trabalho dentro do sistema de ensino. Afirmamos isso em
razão da crescente sofisticação dos meios de controle que contemplam a utilização do
aparato tecnológico acompanhado do reforço ao papel de liderança e controle de
resultados pelos órgãos superiores. Nesse aspecto, destacamos a reconfiguração do
trabalho das equipes de supervisores e do papel das diretorias de ensino.
A centralização dos meios de controle vem acompanhada de um processo
indutor da responsabilização e culpabilização do trabalhador dentro de um modelo
organizacional esquizofrênico orientado por metas e resultados (Piolli, 2013, p. 10). Tal
é o caso das reformas curriculares e do esquema de apostilamento implantado rede de
ensino pela SEE–SP em 2007 cujos conteúdos estão orientados para a matriz do
SARESP.
Todos esses programas foram inspirados na lógica do setor empresarial. Essa
relação do governo estadual veio sendo afirmada ao longo do tempo e hoje está
consolidada no Programa “Educação: Compromisso São Paulo” do atual governo 8.
Todas essas práticas surgem vinculadas ao discurso da “qualidade da educação”
fundado em princípios típicos da empresa privada. O foco se fixa na gestão para
resultados.
O setor empresarial decidiu disputar a agenda educacional brasileira, a exemplo
de outros países, e assumir a liderança das reformas educacionais que garantidoras de
seus interesses. Esses reformadores empresariais entendem que a qualidade em
educação, ou que a escola é boa, quando os alunos tem níveis elevados de proficiência
7
Para visualizar as 10 metas acesse: http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=87027
8
O Decreto nº 57.571/2011 de dezembro de 2011 estabelece a composição para o Conselho Consultivo do Programa
Educação Compromisso de São Paulo. Segundo o Observatório da Educação na composição do conselho
predominam representantes do setor privado. A quase totalidade desses representantes integram os Parceiros da
Educação que é uma associação sem fins lucrativos, ou melhor, uma OSCIP ( Organização da Sociedade Civil
Pública) criada em 2006 que tem por propósito o estabelecimento de parcerias entre empresas/empresários e as
escolas da rede pública. Muitas dessas entidades empresariais também compõe a Organização “Todos pela Educação”
que atua em nível nacional.
em português e matemática e, quando muito em ciências. Trata-se de uma corrida
impulsionada pela OCDE. Além disso, o “Compromisso São Paulo” vem orientando
toda uma política de reorganização da Secretaria para o qual obteve a colaboração e a
consultoria das entidades acima relacionadas. Essas mesmas entidades colaboraram com
o financiamento para a contratação da consultoria empresarial Mckinsey não apenas
para essa tarefa, mas para formular a política educacional do Governo do Estado.
Conforme destaca o autor, este movimento não é exclusivo do Estado de São Paulo, mas
também de outras unidades da federação. (FREITAS, 2012)
Esse movimento, em nosso país, ocorre de forma muito semelhante ao que
culminou no conjunto de reformas implantadas no sistema escolar americano nos anos
1990 e início dos anos 2000, empreendidos por lideranças políticas e econômicas
defensores do livre-mercado apoiados por grandes fundações empresariais. Esses atores
foram denominados de “Reformadores Empresariais” por Ravitch (2011). Nesse
período foi instituída a política “No Child Left Behind”, NCLB (Nenhuma criança fica
para trás). Essa reforma, considerada pela autora como o “Cavalo de Tróia” do sistema
escolar dos EUA, baseava-se na possibilidade de as famílias escolherem a “melhor
escola” (Escolha escolar) para seus filhos. Com isso levavam as subvenções oferecidas
pelo Estado. Isso estimulou a competição entre as escolas na captação de alunos e mais
recursos. O sistema funciona baseado em testes padronizados e rankeamento das
instituições de ensino. Os níveis de proficiência (a ascensão e queda dos escores) em
leitura ou matemática tornou-se a variável crítica para julgar os estudantes, professores
e diretores de escola. Os testes assumiram o poder de responsabilizar as escolas e seus
profissionais adotando esse critério como o único possível de avaliar o trabalho
realizado para educar os estudantes.
Mais adiante,
“O que fora um esforço para melhorar a qualidade da educação se transformou em uma
estratégia de contabilidade: mensure, depois puna ou recompense. Nenhuma experiência
em educação era necessária para administrar um programa assim. Qualquer amante de
dados podia fazê-lo. A estratégia produziu medo e obediência entre os educadores;
muitas vezes gerava escores de testes mais elevados. Mas não tinha mais nada a ver
com educação”. (RAVITCH, 2011,p.32)
Em seguida Ravich (2011, p.37) afirma que,
“nessa nova era, a reforma escolar era caracterizado pela responsabilização, testes que
definem tudo, tomada de decisão baseada em dados estatísticos, escolha escolar, escolas
autônomas, privatização, desregulamentação, pagamento por mérito e competição entre
escolas. O que quer que não pudesse ser mensurado não contava”.
Acreditamos existir um bloqueio, por parte dos gestores públicos à frente dos
sistemas educacionais e, dos próprios trabalhadores, em reconhecer o estresse como
uma doença profissional. Podemos relacionar esta dificuldade ao fato de suas
subjetividades serem muitas vezes manipuladas em torno do fetiche das bonificações e
dos discursos sedutores que prometem qualidade educacional, mas que ensejam faltas e
licenças motivadas pelas novas patologias da cultura da performance. E é desse modo
que o estresse, conforme destaca Gaulejac (2007), vai sendo naturalizado e, em certa
medida, banalizado. O estresse emerge nos ambientes de trabalho como uma fragilidade
pessoal do trabalhador. (HELOANI, SILVA E PIOLLI, 2012b)
3. Considerações finais
4. Referências Bibliográficas