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do Cotil/Unicamp – Colégio Técnico de vel tirar 1000 pontos na redação, não é?”,
Limeira/SP; professora mediadora dos “Olha, eu prestei o Enem no ano passado e
cursos da Olimpíada da Língua Portuguesa;
não fui bem. Preciso melhorar muito!”.
e avaliadora de redação do Enem.
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Percebi que se tratava, na verdade, de que, por isso, eles precisavam saber como
instrumentalizá-los para se apropriarem de organizar o texto, como não fugir do tema,
competências na escrita de um texto cujos como explorar melhor os argumentos e os
resultados teriam enorme impacto social recursos coesivos, como enxergar as pró-
para eles. Para a quase totalidade, é a única prias falhas ainda a tempo de corrigi-las.
forma de realizarem um sonho, de garanti- Cada sala escolheu um dos temas ante-
rem o acesso à universidade pública, gra- riormente utilizados no Enem e, a partir da
tuita, de qualidade. discussão da proposta, passamos ao traba-
Assim, é preciso considerar: o que pode lho de escrita da dissertação. Aliando teoria
dar errado se há motivação mais que neces- e prática, estudamos tipos de introdução –
sária para aprender? Se as ferramentas tec- diversas possibilidades de apresentar o
nológicas estão disponíveis, não se trata de tema –, delimitando a tese e já pensando
usá-las, adaptá-las e explorar seus melhores no projeto de texto a ser executado. Estu-
recursos? damos a organização dos parágrafos para o
Em vídeos gravados, disponibilizados desenvolvimento do texto, os argumentos
pela plataforma Classroom, e em aulas sín- e sua relação com a introdução na defesa
cronas pelo Google Meet, projetando mate- de uma tese; e a conclusão no formato da
rial e dialogando com eles, que respondiam proposta de intervenção.
por áudio e chat, comecei a apresentar a pro- Fizemos leitura de redações exemplares
va de redação e os critérios de correção, publicadas na internet e utilizamos vários
explicando a pontuação de cada compe- fragmentos da Cartilha do Participante,
tência e o que diferencia um nível de avalia-
ção do outro. Defendi a ideia de que o pri-
meiro avaliador do texto é o próprio autor e
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publicada pela Diretoria de Avaliação da olhar então este exemplo aqui de um cole-
Educação Básica (Daeb), e de textos dos ga da outra classe, mas que não está identi-
participantes do Enem 2019 que constam ficado”. Dessa forma, fazíamos a análise, a
do Manual para Avaliadores, que o Instituto reescrita de trechos inadequados, as ade-
Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) tor- quações necessárias.
nou público no intuito de ajudar alunos e Aos poucos, essa dinâmica foi sendo
professores em um ano tão atípico. Nessas percebida como um exercício importante,
ocasiões, observava os alunos se aproprian- respeitando o texto de cada um, com par-
do de termos, como: “texto motivador”, ceria e a contribuição de muitas vozes em
“adequação temática”, “repertório sociocul- um processo de construção e apropriação
tural”, “proposta de intervenção” etc., um daquilo que todos precisavam contemplar
sinal de que nosso trabalho tomava corpo. em seus próprios escritos. Mas, individual-
No entanto, durante esse percurso, mente, incomodava ainda o silêncio de
quando havia uma etapa ou aspecto do tex- uma parcela a quem eu tinha que ouvir,
to a ser avaliado, eu solicitava: “Quem com quem eu precisava falar, como quando
pode projetar a introdução que escreveu a gente se aproxima da carteira e puxa para
pra que a gente possa analisar?”, “Quais uma conversa.
operadores argumentativos vocês usaram?, Produzir longos e detalhados recados
Alguém compartilha o texto aqui para to- escritos, com orientações específicas, tor-
dos verem?”. Como resposta, havia o silên- nou-se extremamente improdutivo diante
cio, a resistência. Mas, escolhendo então do grande número de alunos. E foi a partir
fragmentos do que haviam encaminhado desse desafio que passamos a explorar um
nas tarefas solicitadas, eu dizia: “Vamos recurso absolutamente disponível a todos:
Sim, melhorou.
Só troca essa ponte feita com “Isso tudo pois”
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o WhatsApp. Assim, formamos — Oi, Guilherme! Ela tá correta, sim, tá bom? Eu só fico preocupada
grupos de cada sala e, um a um, assim... se você já sabe o que vai fazer nos dois próximos parágrafos. É...
os alunos foram se identificando, porque você traz aqui, ó, aquelas... “as religiões de origem africana con-
de forma que pudessem ser cha- tinuam sendo alvo de imposições de dogmas e agressões provenientes
do preconceito que se evidencia pelos constantes ataques reais ou até
mados para uma conversa priva-
mesmo virtuais.” Daí, o que você vai fazer? Você vai fazer um parágrafo
da por meio de trocas de áudios, de... preconceito relacionado a ataques reais e depois um de preconcei-
o que acabou por agilizar e trans- to relacionado a ataques virtuais? Por que você só tem um fator, né? Que
formar nossa comunicação. À é o preconceito. Como é que você pretende dividir os dois parágrafos do
medida que lia as dissertações desenvolvimento... Só isso. Se estiver claro na sua cabeça como fazer,
manda bala!
enviadas, gravava áudios comen-
tando e sugerindo, questionando,
— Oi, Flavi. Eu pensei em fazer um parágrafo sobre o preconceito rela-
ouvindo-os e retornando, em uma G
cionado aos ataques reais e um outro parágrafo relacionado aos ataques
infinidade de mensagens e fala- virtuais, como você disse. Muito obrigado por ter me respondido e um
tórios tão ricos quanto promisso- ótimo final de semana para você, abraços.
res. A cada áudio ou sequência de
— Professora, mas aí os fatores que é o porquê eu posso falar... tipo...
áudios, eles respondiam: “Beleza,
professora!”.
G
nos argumentos, não é? Tipo... por esse motivo e por esse motivo. Ou
tem que ser obrigatório colocar na introdução?
Com o tempo, isso refletiu
também nas aulas, e o que era ver- — Pode, sim. Eu só tô lembrando que tem que tá claro na sua cabeça.
gonha, timidez, transformou-se Pode! Então... tem introdução aí, dessas observações que eu fiz, que
em confiança, autonomia, segu- são mais fáceis de serem adequadas; outras dão um pouquinho mais de
rança, em um diálogo franco e trabalho. Escolhe uma.
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