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Propriedades Mecânicas da Madeira

Aula 2

Macroestrutura das madeiras

A madeira é um produto natural com uma estrutura complexa e, por isso, não podemos esperar que
com ela se possa obter um produto homogêneo, como é, por exemplo, uma barra de aço ou uma peça
de termoplástico moldado por injeção. A resistência da madeira é altamente anisotrópica, sendo a sua
resistência à tração muito maior segundo a direção paralela ao tronco da árvore.

Camadas na seção transversal de uma árvore

O tronco de uma árvore produtora de madeira pode ser descrito, de forma simplificada, como uma
pilha de cones superpostos. O corte transversal de um tronco apresenta um desenho de círculos
concêntricos, chamados anéis de crescimento ou anéis anuais. Em clima temperado, um anel “anual”
típico apresenta duas faixas:

 Lenho inicial (primaveril): mais largo e mais brando, do início do calor, das chuvas e dos
ventos, que vergam a árvore, bombeando água tronco acima;

 Lenho tardio (estival ou outonal): mais compacto e mais rijo, produzido no tempo calmo,
quando caem as chuvas e pouco chove.

O termo anel anual não é adequado, pois podem surgir falsos anéis devido a estímulos ao crescimento
recebidos fora da época, por volta de veranicos, de um outono chuvoso, ou de outros fatores. Também
não é adequado, no Brasil, de múltiplos climas, chamá-los de primaveris e outonais, o que é correto
em clima frio.

O tronco apenas amplia seu diâmetro a cada ano, ganhando mais dois anéis, mas não “cresce” no
sentido vertical, o que só ocorre com as pontas dos galhos. Os anéis de crescimento são
especialmente visíveis nas coníferas, o seu lenho inicial tem uma cor mais clara e o tamanho das
células é maior.

As árvores de clima temperado e subtropical apresentam anéis mais distintos (mais contrastados) do
que os das árvores de clima tropical, nas quais o contraste é pequeno. Entretanto, sempre há uma
diferença, pois nos trópicos, inverno não significa frio, mas seca, e verão quer dizer chuva. No clima
frio, a árvore entra em dormência total logo após o outono, parando de crescer. Os anéis apresentarão
um contraste abrupto com as da próxima primavera.

Examinando o corte transversal feito numa árvore, como o da Figura 1, podemos identificar as regiões
importantes da estrutura em camadas. Na mesma, indica-se o nome e a função de cada uma dessas
regiões.

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Figura 1: Corte transversal do tronco de uma árvore: anéis de crescimento e camadas. Fonte:
GONZAGA, A. L.

a) Casca exterior (ritidoma): seca, morta e totalmente inerte, tem apenas a função protetora
para o tronco. Ela se racha ou se solta.

b) Floema (casca interior): é úmida, macia e tem como função principal o transporte da seiva
elaborada a ser distribuída ao câmbio e ao alburno. Transporta o alimento desde as folhas até
todas as partes em crescimento da árvore.

c) Câmbio: é uma película de espessura microscópica, o tecido que produz o crescimento


diametral do tronco, que gera um anel exterior para o floema, e um interior para o xilema. É
chamado de lenho inicial, o tecido de células maiores, menos densas e de lenho tardio, o lenho
de células menores, com tecido fibroso mais denso, em geral mais escuro. Esses anéis,
alternados revelam, além da idade da árvore, as condições climáticas que prevaleceram na
época de seu desenvolvimento.

d) Xilema: é a madeira, propriamente dita. Divide-se em:

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(I) alburno (lenho ativo ou sapwood), que é a camada mais externa, adjacente ao câmbio,
de tecido mais brando, mais claro, mais fraco e menos resistente a fungos e insetos
(menos em algumas madeiras das folhosas e nas coníferas em geral), por onde sobe a
seiva vinda das raízes e que contém algumas células vivas, que armazenam alimentos
e que transportam a seiva bruta desde as raízes até as folhas da árvore.

(II) cerne (durame ou heartwood), formado pela deposição de resinas, óleo e cera na
camada mais interna do alburno. Essa camada é anexada anualmente ao cerne. É a
região interior, mais antiga do tronco da árvore, formada por células mortas. Geralmente
as suas camadas são mais escuras do que as do alburno e dão resistência à árvore.
Pode-se dizer que, quanto mais contrastado do cerne, mais fraco e vulnerável será o
alburno. A cor mais escura é devida a deposição de extrativos por processos
fisiológicos das células do xilema. Esses extrativos podem influenciar substancialmente
algumas das propriedades físicas da madeira. É freqüentemente menos permeável e
mais resistente a degradação do que o alburno, com coloração mais clara.

e) Medula: tecido macio, no centro do tronco da árvore, em volta do qual se realiza o primeiro
crescimento da árvore.

Ao cortar o tronco longitudinalmente como mostra a Figura 2, tangenciando e também seccionando os


anéis para se obter tábuas, esses cones produzirão desenhos na face da madeira. Chama-se esse
corte de tangencial. Se o corte é feito da periferia para o centro (medula) é chamado de radial, pois
acompanha o sentido dos raios.

Figura 2: Corte tangencial do tronco de uma árvore. Fonte: GONZAGA, A. L.

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A resolução é tal que a estrutura celular não pode ser vista, mas os anéis de crescimento são
evidentes. Pode ser comparado a sistema homogêneo com anisotropia circular devido a estrutura de
anéis de crescimento em camadas.

Eixos de simetria da madeira

É importante saber relacionar a microestrutura da madeira com as direções no tronco da árvore. Para
esse efeito, escolheu-se o conjunto de eixos (ou direções), como mostra a Figura 3. Ao eixo paralelo
ao tronco da árvore dá-se o nome de eixo longitudinal (L) ou axial, enquanto que o eixo perpendicular
aos anéis de crescimento anual é designado por eixo radial (R). O terceiro eixo, o eixo tangencial (T), é
paralelo aos anéis de crescimento anual e perpendicular aos outros dois eixos.

(a) (b)

Figura 3: Eixos de simetria da madeira. Fontes: (a) SMITH, W. F. e (b) BALLARIN, A. W.

As células do lenho se encolhem (retração) e se dilatam (inchamento), absorvendo ou perdendo


umidade (inicialmente na seiva) na “cintura”, ou largura, mas não no comprimento. Assim, a retração
ou inchamento da madeira ocorre transversalmente à grã, não no sentido da grã, em relação às fibras
da madeira. No sentido longitudinal (axial), as células apresentam-se pelo comprimento, exceto os
raios. Nesse sentido a contração é desprezível.

No sentido tangencial, ao diminuir a largura, inclusive os raios, todos os tecidos terão retração (ou
inchamento) máximo. No sentido radial, os raios estão alinhados pelo comprimento das suas células e
funcionam como barras inibidoras da retração (inchamento) dos tecidos, será menor.

Diferenças anatômicas entre coníferas (Gimnospermas) e folhosas (angiospermas


dicotiledôneas)

1. Coníferas

Sua anatomia é mais simples. O principal elemento (cerca de 90%) do xilema são os traqueídeos
fibrosos, tecidos constituídos por pequenos tubos de dois a seis milímetros de comprimento. Têm

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dupla função: conduzem a seiva ascendente e garantem a estrutura do tronco. O grande espaço
aberto no centro das células é chamado de lúmen, usado para o transporte de água. As células do
lenho inicial têm diâmetro relativamente grande, paredes finas e um lúmen de grandes dimensões. AS
células do lenho tardio têm um diâmetro menor e paredes espessas, com um lúmen menor do que as
células do lenho inicial. As pontuações, pequenas válvulas de passagem, fazem a seiva passar de um
elemento tubular para outro, e também distribuir-se por todos os tecidos. Num corte transversal da
tora, examinando com lente (aumento de dez vezes), o conjunto dos traqueídeos lembra, de forma
simplificada, um aglomerado de canudinhos de refrigerante (Figura 4).

Figura 4: Desenho esquemático da anatomia de uma conífera. Fonte: GONZAGA, A. L.

Nas araucárias, os traqueídeos alcançam até seis milímetros de comprimento (árvores de fibra longa).
São utilizadas, por esse motivo, para a fabricação de papéis mais finos e possuem alta resistência a
tração.

Os raios, tecidos semi-permeáveis destinados a levar a seiva elaborada aos tecidos do interior da
planta, correm horizontalmente do floema para o centro da tora.

As pináceas apresentam um outro tipo de tecido não encontrado nas demais coníferas, os canais
resiníferos, que correm no sentido longitudinal do tronco.

2. Folhosas

As angiospermas dicotiledôneas apresentam tecidos com algumas diferenças em relação às coníferas.


Possuem uma maior especialização de funções dos tecidos. Possuem as seguintes estruturas,
mostradas na Figura 5:
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 Vasos / poros (elementos vasculares): São células tubulares alongadas, possuem grande
diâmetro e parede fina, ligadas transversalmente, cuja função é levar a seiva bruta. No corte
transversal se apresentam como orifícios, chamados poros. No cerne de algumas espécies
ocorre a formação de tilos, que obstruem os vasos, tornando a madeira mais compacta e mais
resistente à ação dos fungos apodrecedores.

 Fibras: células longas de parede grossa. Apresentam um vazio interior chamado lúmen.
Medem de 0,5 a 2,5 mm e constituem a maior parte do lenho, sendo responsáveis pelo suporte
e estrutura do tronco. São células alongadas com extremidades aguçadas e com paredes
geralmente espessas. Os seus comprimentos variam de 0,7 e 3 mm. O volume de lenho
constituído por fibras varia muito. Por exemplo, o volume de fibras numa sweetgum (árvore da
América do Norte, cuja madeira é usada para o fabrico de mobiliário) é 26%, enquanto que
numa nogueira é de 67%.

 Parênquima axial: tecido de células de paredes finas não lignificadas, com pontuações
(perfurações) simples. Tem como principal função o armazenamento da seiva. É uma elemento
chave na identificação das espécies. Assume basicamente duas formas de distribuição,
observadas na seção transversal: parênquima paratraqueal (para = próximo, do grego) ou seja,
associado aos vasos/poros (traquéias) e parênquima apotraqueal (apo = longe, do grego) ou
seja, afastado dos vasos.

 Raios ou parênquima radial: constituídos por tecido idêntico ao do parênquima axial, com
células curtas e paredes finas, têm como funções primordiais armazenar, transformar e
conduzir transversalmente a seiva elaborada. Levados pelos raios, óleos e resinas vão se
depositar nos dois anéis de crescimento mais profundos, um inicial e outro tardio,
transformando-os em anéis do cerne. Em tamanho, os raios variam de dimensões
microscópicas, sendo visíveis, no mínimo sob lupa (com ampliação de dez vezes), o que é
comum nas coníferas, até grandes dimensões, o que só raramente ocorre em algumas
folhosas. Os raios das madeiras de folhosas dicotiledôneas são normalmente muito maiores do
que os das madeiras de coníferas.

A madeira de folhosas (dicotiledôneas) pode ser classificada como de:

 Porosidade em anel: os vasos que se formam no lenho inicial são maiores do que os que se
formam no lenho tardio.

 Porosidade difusa: os diâmetros dos vasos são praticamente iguais ao longo de todo o anel de
crescimento.

Além dos elementos ou tecidos anatômicos normais, algumas folhosas apresentam características
anatômicas especiais:

 Canais resiníferos: contendo óleos, gomas, ceras, bálsamos, taninos e outras resinas,
podendo ocupar posições axiais ou transversais. Podem ainda ser celulares ou
intercelulares.

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 Estrutura estratificada: em algumas espécies, os elementos anatômicos, mais
comumente os raios, podem estar organizados em camadas, o que confere um importante
elemento de identificação.

 Cristais e sílica: Interferem no comportamento e uso de algumas espécies. Os cristais são


formados, em geral, por oxalato de cálcio, encontrados depositados em células do
parênquima. A sílica, sob a forma de silicato de sódio, ou de cálcio, deposita-se no tecido
parenquimatoso, axial ou radial. Há alguma correlação entre a presença de cristais e sílica
– que é excepcionalmente dura (cristal de rocha) e a durabilidade natural de algumas
madeiras. O excesso de cristais de sílica pode diminuir a trabalhabilidade de algumas
espécies (tirar o fio de corte das ferramentas).

 Densidade (massa específica aparente): é um indicativo de quanto o cerne da madeira


foi impregnado com resinas, óleos, cristais e outros extrativos, em sua defesa contra os
xilófagos da floresta. Densidade alta deveria significar também resistência e, portanto, alta
qualidade da madeira. Embora isso quase sempre seja verdade em relação à resistência,
não é bem assim quanto a qualidade da madeira em seu usos mais nobres. As madeiras de
mais alta densidade em geral são bem adequadas ao uso no solo, como estacas, mourões,
dormentes e na construção de pontes, pois enfrentam bem a umidade.

Figura 5: Desenho esquemático da anatomia de uma folhosa. Fonte: GONZAGA, A. L.

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Bibliografia:

BALLARIN, A. W. Estrutura da madeira. Tradução livre de apresentação da SWST – Society of Wood


Science and Technology – USA, com inserções e comentários. Faculdade de Ciências Agronômicas,
UNESP – Câmpus de Botucatu. Slides de apresentação de aula.

BODIG, J.; JAYNE, B. A. Mechanics of ood and wood composities. 2. ed. Malabar: Krieger
Publishing Company, 1993. 712p.

GONZAGA, A. L. Madeira: Uso e Conservação. Programa Monumenta – Cadernos Técnicos.


Brasília: IPHAN, Monumenta, 2006. 247p.

SMITH, W. F. Princípios de ciência e engenharia dos materiais. 3. ed. Portugal: McGraw – Hill Ltda,
1998. 892p.

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