Você está na página 1de 24

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

HISTÓRIA E TEORIA DA ARTE E ARQUITETURA 3 - 2021.2

2ª Avaliação – As Interpretações da Arquitetura

Alexandre José da Silva, Luiza Nicolla, Mariana Valente e Thaís de Araújo

Professor Arthur Tavares

HOTEL VAN EETVELDE

Petrópolis – RJ

2022
SUMÁRIO

1. Introdução 3
2. Interpretações relativas ao conteúdo 4

2.1 A interpretação política

2.2 A interpretação filosófico-religiosa 4

2.3 A interpretação econômico-social 6

3. Interpretações materialistas 7

3.1 A interpretação utilitarista 7

3.2 A interpretação técnica 11

3.3 A interpretação formalista 12

3.3.1 Unidade 12

3.3.2 Simetria 12

3.3.3 Equilíbrio dinâmico ou “balance” 14

3.3.4 Ênfase ou acentuação 16

3.3.5 Contraste 17

3.3.6 Proporção 19

3.3.7 Escala

3.3.8 Expressão 19

3.3.9 Ornamentação 21

4. Considerações finais 22
5. Referências bibliográficas 23
1. Introdução

O presente estudo teve seu embasamento na leitura da obra ‘Saber Ver a Arquitetura’
de Bruno Zevi, mais especificamente o capítulo V, o qual foi intitulado ‘As interpretações da
arquitetura’, neste se destaca os tópicos de análise e reflexão em relação a objetos
construtivos com o intuito de se obter uma leitura crítica da arquitetura e espacialidade de
determinado período.

No final do século XIX, a Europa se encontrava em estado de mudança social,


econômica e política por conta da instauração de uma revolução industrial. Apesar deste
acontecimento ter surgido na Inglaterra, foi no país mais ao oriente em que ocorreu um dos
primeiros atos de renovação na arquitetura. Bruxelas, capital da Bélgica, se tornava palco de
um arquiteto ressurgente, Victor Horta, o qual usava das novas metodologias e materiais
construtivos para se estabelecer e construir um legado no campo do originário e vanguardista
movimento, Art Nouveau. O Hôtel Van Eetvelde (objeto de estudo deste trabalho) não foi sua
primeira obra neste sentido, mas é um fiel representante de uma escola arquitetônica que foi
pioneira na utilização do ferro fundido, assim como nas novas formas arquitetônicas
ressurgentes e mais aprofundadas neste trabalho.

Figura 1: Fachada da Residência Van Eetvelde

Fonte: Hotel Van Eetvelde, arq Victor Horta, Bruxelas, 1885. [Adaptado a partir de:] Borsi e Portoghesi. 1990, p
199

O roteiro desta pesquisa conta com uma ordem metodológica de estruturação, seguindo
um estudo de aprofundamento com relação à contextualização da obra de Horta, tal roteiro
foi embasado nas interpretações relativas ao conteúdo, que são elas, as interpretações política,
a econômico-social e a filosófica. Ademais, é apresentado um conteúdo relativo às
interpretações materialistas, seguidas de um fechamento do trabalho com as considerações
finais.

2. Interpretações relativas ao conteúdo

2.1 A interpretação política

A Revolução Industrial é um marco na história da humanidade como um processo que


alavancou o desenvolvimento de novas tecnologias na sociedade a partir de meados do século
XVIII, entre 1760 e 1840. O processo de industrialização mecanizado, acelerou o processo
construtivo na arquitetura e engenharia e influenciou muitos movimentos artísticos, como o
Art Nouveau. O movimento Art Nouveau que quer dizer “Arte Nova” em francês, teve uma
curta duração, estendendo-se entre 1893 até cerca de 1910 e o início da I Guerra Mundial. O
estilo arquitetônico nasceu em Bruxelas, na Bélgica e aparece no contexto de industrialização
das cidades belgas e de grandes construções urbanas.

Este crescimento urbano foi promovido pelo então Rei da Bélgica, Leopoldo II, que
tinha como política pública uma higienização do centro urbano belga, atraindo a classe
burguesa para o centro da cidade com a construção de mansões, uma diferente da outra. A
burguesia belga, composta por industriais e engenheiros, via no movimento Art Nouveau uma
expressão de poder de uma sociedade elitista, principalmente com a utilização do ferro e aço
nas suas construções, pois ansiava por um estilo próprio na tentativa de se distanciar dos
estilos arquitetônicos da corte e da igreja do passado.

O Hôtel Van Eetvelde, em Bruxelas, foi desenvolvido por um dos expoentes do Art
Nouveau, Victor Horta, é a representação da habitação burguesa que foi desenvolvida no final
do século XIX. A casa foi desenvolvida para o secretário geral do Estado Independente do
Congo, Van Eetvelde, que exigiu grandes espaços de recepção e um interior para seduzir e
vislumbrar futuros clientes dos seus negócios. O movimento arquitetônico Art Nouveau, na
Bélgica, é constituído principalmente para habitações privadas, atendendo para a vida social e
estilo de vida da elite burguesa belga. O Art Nouveau atualmente é visto como um elemento
da identidade cultural da Bélgica, particularmente de Bruxelas.

2.2 A interpretação filosófico-religiosa


A interpretação filosófico-religiosa do Hôtel Van Eetvelde, obra em questão, visa
entender as relações entre as características arquitetônicas da obra e as correntes de
pensamento vigentes, ligando certos elementos espaciais com os conceitos de transcendência
seguidos no final do século XIX.

Enquanto a Igreja Católica Romana identificava-se com o estilo gótico renascentista,


com uma imagem de elevação espiritual com jogo de luzes nos vitrais das catedrais góticas, o
Art Nouveau tinha pensadores livres, liberais que influenciados com obras de pensadores,
como Charles Darwin, desde o final do século XVIII, identificaram-se com esse estilo
arquitetônico. As publicações no campo da biologia e da botânica e ciências naturais,
contribuíram largamente para alimentar a imaginação dos artistas do movimento.

A utilização da vegetação nas ornamentações que eram desenvolvidas em ferro, era


uma forma de expressar a comunhão entre o homem industrial e a natureza. O uso de vitrais
de grandes na arquitetura Art Nouveau, vai de encontro com às teorias higienistas
perpetuadas pelo Rei belga naquele período. A penetração da luz nas sombrias e estreitas
casas privadas da burguesia, em Bruxelas, convidam à entrada de mais ar, luz e espaço nos
edifícios. A procura de luz torna-se uma missão para os arquitetos do movimento, como
Victor Horta, que tirou partido da iluminação natural com a janelas e iluminação zenital no
projeto do Hôtel Van Eetvelde, assim como da vegetação para toda a ornamentação do Hôtel.

2.3 A interpretação econômico-social

A interpretação econômico-social na arquitetura trata-se do reflexo do sistema


econômico e das instituições mais influentes do período nas edificações. Ela se mostra no
paralelismo entre as formas arquitetônicas e a organização estatal vigente.

A Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII surge a partir das


indústrias e da criação de produtos em escala de massas, consolidando assim, o processo de
formação do sistema econômico e social capitalista por toda a Europa. Esse processo
apareceu com maior potência na Bélgica por volta de 1900, quando a indústria siderúrgica em
ferro forjado estava em alta.

Graças a isso, foi possível desenvolver a arte decorativa em ferro presente no Hôtel
Van Eetvelde e em outras obras arquitetônicas, contribuindo para o movimento Art Nouveau.
A burguesia belga formada por industriais, engenheiros, comerciantes e profissionais liberais
financiava o novo estilo com a intenção de demonstrar poder aquisitivo e a identidade de uma
nova classe que enriqueceu a partir deste processo de industrialização.

O Rei da Bélgica, o Rei Leopoldo II, desenvolveu um plano de urbanização para a


cidade de Bruxelas, com o propósito de aproximar essa burguesia industrial com o centro
urbano da cidade. Para tal feito, Leopoldo II que era “dono” do Estado Livre do Congo
durante 1877 e 1908, usufruía da exploração de marfim e borracha para financiar-se. Após
muitas críticas da sociedade europeia, o Rei dá o então Estado Livre do Congo para o
governo da Bélgica em 1908, porém agora era o governo belga com o benefício de se auto
financiar, explorando o povo congolês e seus recursos naturais até 1960, quando tornou-se
independente da Bélgica.

3. Interpretações materialistas

3.1 A interpretação utilitarista

A interpretação utilitarista diz respeito à possível comunicação ou apreensão dos usos


e funções do objeto de estudo em questão a partir de suas formas arquitetônicas. Nesse
sentido, será analisada a forma que os espaços arquitetônicos se manifestam com seus
propósitos na casa.

Nossa obra arquitetônica foi construída em 1898, sendo inaugurada em 1900, pelo
arquiteto Victor Horta, conhecido como pai do movimento do Art Nouveau. Como as outras
casas, o espaço era limitado pelo formato das típicas residências de Bruxelas: profundas e
estreitas, com vários pavimentos e altamente individuais em sua ornamentação. Os requisitos
de seu cliente, o secretário belga Edmond Van Eetvelde do Estado Livre do Congo, eram
como o de todos os outros; ele precisaria de uma casa que possuísse um grande salão e sala
de jantar, por exemplo.

Portanto, Victor Horta encontrou uma forma inusitada de potencializar ao máximo a


entrada de luz na casa, de modo que criasse um jardim de inverno interno no centro da casa,
onde possibilitava a entrada de luz por um grande teto de vidro e separava os dois ambientes
da casa. Além disso, essa proeminência espacial do átrio, que também serviu como um poço
de luz e escada, possibilitou também a iluminação do porão da casa, uma estratégia muito
inovadora e inteligente para a época.
Figura 2 - A área em roxo mostra o local onde foi instaurado o jardim interno ou “de inverno”, que seria a
maior fonte de iluminação natural da casa.

Fonte: Great Buildings

Muito parecido com a cidade que se situa, o Hôtel van Eetvelde era uma mistura de
pitorescas e sinuosas vias de circulação e vistas para os espaços importantes da casa. Da
entrada ao nível do térreo à área de recepção no andar superior, os visitantes devem mudar de
direção seis vezes, seguindo o perímetro do átrio à medida que sobem.

Por meio de estudos feitos na planta-baixa da casa, é notável que Horta regeu a
origem do Art Nouveau, pois não se importava das colunas de ferro serem expostas. Aquilo
representava a essência estrutural da casa e lhe dava personalidade, porém, não era algo bem
visto pela sociedade na época, que achavam extremamente provocativo, já que essa era a
primeira vez que o ferro fundido era usado na estrutura de uma edificação residencial
privada.

Figura 3 - Em roxo, jardim de inverno e escadarias no pavimento térreo e principal, respectivamente


Fonte: Great Buildings

Para o observador contemporâneo, as linhas fluidas e a ornamentação naturalista do


Art Nouveau não parecem particularmente radicais. O Hôtel van Eetvelde sugere uma
história diferente. Com a sua inovadora estratégia espacial e a utilização expressiva de novos
materiais industriais, o Hôtel van Eetvelde é um testemunho da novidade da "Nova Arte".

Mais de um século se passou desde que Horta finalizou o Hôtel van Eetvelde em
1900, e ainda assim, apesar da passagem do tempo e sua conversão para um edifício de
escritórios, a casa foi deixada quase completamente intacta. Em 2000, o edifício foi nomeado
Patrimônio Mundial da UNESCO, juntamente com três dos mais notáveis projetos de Horta:
o Hotel Tassel, o Hôtel Solvay, e a sua própria casa. Com este reconhecimento e a proteção
que oferece, este Hotel será preservado para o benefício das gerações futuras que, em vez de
se maravilhar com a novidade que seus interiores possuíam, irão admirar a elegância
duradoura de seu gracioso e único desenho.

3.2 A interpretação técnica

A interpretação técnica abrange as técnicas construtivas utilizadas para conceber o


que hoje é o Hôtel Van Eetvelde.
Primeiramente, é importante destacar a importância do ferro fundido na construção
dessa casa. Como dito anteriormente, a casa foi construída num contexto de popularização de
peças pré-moldadas e estruturas metálicas. Porém, a casa de Van Eetvelde foi pioneira em
trazer essa estrutura para uma residência particular. O uso dessa materialidade não foi bem
visto pela vizinhança, pois o ferro fundido estava relacionado com o proletariado, fábricas e
demais contextos construtivos que requeriam baixo custo. No entanto, Victor Horta fez
questão de deixar o ferro bem aparente, tanto o estrutural quanto na fachada, que é inteira
desse metal. O material é utilizado para as colunas e as vigas. As vigas dessa estrutura
sustentam o segundo e o terceiro pavimento, além dos dois sótãos.

Figura 4 e 5 - Estrutura de ferro fundido da residência.

Fonte: Great Buildings

A fachada do edifício é um elemento notável, pois é feita de ferro fundido quase


exclusivamente. A estrutura de ferro da fachada foi encaixada na estrutura de ferro da casa, e
desde então é possível notar uma série de indícios de que o Hotel pertence a escola de Art
Nouveau.

Algumas características emblemáticas possíveis de observar desde a fachada são a


assimetria, a natureza como fonte de inspiração no ornamento, a preferência por formas
orgânicas e o próprio material: ferro e vidro. Todas essas características também são
encontradas em seu interior.

Figura 6 e 7 - Fachada do Hôtel Van Eetvelde e seus ornamentos.


(Fonte: Archdaily)

Para fazermos uma interpretação modular da construção, é necessário entender as


dimensões do terreno e da edificação previamente. Não só o Hôtel Van Eetvelde como todas
as demais casas da avenida sofrem com a questão do espaço. Embora os terrenos sejam
avantajados na profundidade, suas larguras são bem reduzidas, indo de 7 a 9 m. o hotel possui
20x9m, além de um pequeno quintal triangular de 10 m² nos fundos.

É muito importante que as residências nessa avenida possuam quintal nos fundos, pois
as casas são coladas uma na outra e caso não haja um quintal, a luz nessas residências seria
insuficiente. Porém Victor Horta pensou em uma solução criativa para esse problema. O
arquiteto fez uma grande claraboia numa estrutura que independe da área estrutural de ferro.
O que o Horta fez foi, inicialmente, erguer dois módulos distintos entre si: um frontal, e um
nos fundos, deixando um grande vão entre os blocos, que permite luz natural em quase todos
os cômodos da casa. E então, no vão citado, foi construída, de forma independente, a Bella
Taj.

A Bella Taj é uma área octogonal no edifício que funciona como um hall de
entrada/recepção. Possui uma abóbada de ferro e vidro muito bem ornamentada que permite
que a luz da clarabóia adentre a recepção.

Figura 8 - Recepção octogonal da Casa.


3.3 A interpretação formalista

3.3.1 Unidade

A unidade é o fundamento que exprime a relação de conexão e coerência entre todos


os elementos da construção, mostrando o caráter central da composição.

Nesse sentido, a fachada do Hôtel Van Eetvelde apresenta uma qualidade harmoniosa
entre os componentes presentes na sua composição. Todas as outras casas na avenida são de
tijolo ou pedra, já o objeto de estudo deste trabalho, possui uma fachada com uma estrutura
de ferro fundido, material que marca o período do Art Nouveau pelo seu desenvolvimento
industrial e experimentação desse material. Seus elementos arquitetônicos, como os desenhos
que as linhas assimétricas curvas formam na fachada e adornam as janelas de vidro
arqueadas, são outra característica marcante do movimento, que configura o destaque de Van
Eetvelde se comparado com as outras casas da avenida (questão melhor discorrida no tópico
de contraste)

Figuras 9 e 10 - Casas vizinhas à Van Eetvelde e o foco que a estrutura metálica da fachada gera em sua
conjuntura
Por uma entrada relativamente modesta, os visitantes acessam um pequeno corredor e
ascendem a um átrio octogonal de pé-direito duplo. Este átrio, além de funcionar como um
ponto de entrada e conter a escada principal da casa, também serve como um local ideal para
receber os hóspedes, desde apenas alguns visitantes casuais ou até uma multidão reunida para
uma ocasião importante. Um anel de esbeltas colunas de ferro sobe em torno da periferia da
sala, culminando em uma cúpula de vitral brilhantes. Consequentemente, todas essas
estruturas presentes formam a unidade do hôtel.

A revolução estilística representada por estas obras é caracterizada pelo seu plano
aberto, pela difusão e transformação da luz em toda a construção, com a criação de uma
decoração que ilustra brilhantemente as linhas curvas da decoração que abraçam a estrutura
do edifício, tudo isso com a utilização de novos materiais (aço e vidro) e a introdução de
utilidades técnicas modernas. Através da utilização racional das estruturas metálicas, muitas
vezes visíveis ou subtilmente dissimuladas, Victor Horta concebeu espaços de convívio
flexíveis, luminosos e arejados, diretamente adaptados à personalidade dos seus habitantes.

Sendo assim, a devoção que Horta possuía em quebrar padrões estigmatizados da


época resultava em ideias arquitetônicas coesas, criando uma arquitetura inédita que ainda
corrobora com os requisitos de seu cliente. Dessa forma, a arquitetura que compõe a unidade
espacial da casa possui diversos elementos do Art Nouveau, trazendo elementos com
desenhos A unidade espacial e conceitual de Van Eetvelde consegue ser uniforme e
homogênea, permitindo a proposta inovadora que Horta propôs, mesmo não sendo bem aceita
à época, porém, possuindo sua importância reconhecida até os dias de hoje.

3.3.2 Simetria
À medida que nossos olhos começam a perceber um padrão na casa de Eetvelde, ele
logo é quebrado. O terreno, a fachada, a construção, a disposição dos cômodos: nada é
completamente simétrico.

O único item na construção que é completamente simétrico bilateralmente é a


estrutura metálica na fachada. Porém, nem a própria pode ser considerada simétrica, pois sua
porta de entrada se localiza na lateral.

Na vista superior, o terreno também não possui simetria devido ao seu quintal
triangular nos fundos, e a disposição dos cômodos no Hotel possuem todos os tipos de
formato e tamanho, impedindo uma padronização.

Figura 11 - Simetria bilateral na fachada da Casa.

Fonte: Great Buildings

3.3.3 Equilíbrio dinâmico ou “balance”

O equilíbrio dinâmico, ou "balance'', é a característica da harmonia entre as massas


estruturais presentes numa edificação sem um eixo simétrico.

Ao observarmos o balance da obra em análise, foi verificado as distribuições das


massas e as linhas de força longitudinais, verticais e oblíquas. Nesse sentido, não há muitas
assimetrias ao observarmos a casa, visto que esta deveria ser profunda e estreita para “caber”
ao lado das casas vizinhas da avenida, como mostra a figura x, indicadas a fim de verificar as
distribuições de suas massas verticalmente.
Figura 12 - As áreas retangulares em roxo mostram o jogo de intercalação entre as janelas da fachada, que
brincam com a ordem de seus formatos, gerando uma fachada harmoniosa e bem equilibrada.

Fonte: Great Buildings

Dessa forma, a estrutura é coesa entre seus elementos, de modo que seja de um
formato bem simples exteriormente, configurado por retângulos compridos que seriam as
janelas da fachada, equilibrando sua distribuição na fachada com janelas menores entre
janelas maiores ao passo que subimos a visão pela verticalidade do edifício, possuindo um
caráter bem homogêneo e uniforme.

O mais distante de equilíbrio dinâmico seria percebido ao analisarmos o corte da


edificação, no seu interior, que possui diversos formatos distribuídos de formas diferentes,
quase como se Horta estivesse querendo fazer um jogo de encaixe entre os cômodos. Na
figura x, as áreas em roxo representam ambientes com a mesma altura de pé direito, o que já
não é observado nas áreas azuis, que é onde fica o jardim interno. Essa falta de balance no pé
direito da construção é preposital, de modo que estenda a altura deste cômodo para
potencializar ao máximo a entrada de luz e sua distribuição por todo o edifício, com uma
cúpula de vidro temperado como “teto” do jardim de inverno. Já os triângulos, estão
destacados na figura de modo que se observe a diferença de tamanhos entre eles, visto que a
largura da porção que o telhado vermelho abriga é menor se comparada com a largura do
telhado laranja.

Figura 13 - “Jogo de encaixe” do formato dos cômodos, cuja legenda de suas manchas coloridas já foram
detalhadas no texto acima.
Fonte: Great Buildings

Portanto, a presença vários cômodos com formatos diferentes entre si, visto que cada
cômodo possui um requisito de tamanho dependendo de sua função, quebra um pouco a
simetria, porém, não deixa de serem elementos que, com a distribuição certa, se equilibram
na paisagem total que a arquitetura desta casa gera. Ainda assim, a contraposição do vertical
com o horizontal faz a edificação obter um senso de equilíbrio, como se o peso desses dois
elementos se igualassem e estabilizassem a unidade estrutural de Van Eetvelde.

3.3.4 Ênfase ou acentuação

O princípio da ênfase, ou acentuação, caracteriza-se como o elemento de centro de


interesse visual, ou seja, aquele que se destaca na unidade arquitetônica. No Hôtel de Van
Eetvelde, nota-se esse destaque em, principalmente, dois elementos do conjunto
arquitetônico: o elemento em metal fundido na fachada principal e o jardim de inverno no
centro da casa.

Como a grande maioria das casas eram profundas e estreitas, era impossível tirar
proveito da iluminação natural em outras partes senão as paredes frontais e traseiras. Sendo
assim, Horta encontrou uma forma de romper com o modus operandi da época, com a
invasão central de um jardim de inverno na casa.

Figuras 14 e 15 - Jardim de inverno, o coração da socialização da casa, que separa a sala de jantar, com as
portas de vidro Tiffany nos fundos da casa, do grande salão, que dá pra avenida na frente da casa, além de
apontar essa “hall” criado para receber os visitantes.
No interior do monumento, podemos notar inúmeros pontos de destaque, como seu
uso abundante de curvatura, – encontrado em escadas, maçanetas, grades de ferro e muito
mais –, que ficou conhecido como estilo “chicote” e foi parcialmente popularizado através de
jornais e revistas de arte em toda a Europa. Com sua profusão de folhagens, forjadas de ferro
e capturada em vitrais, o Hôtel van Eetvelde possui uma ornamentação luxuosa e curvilínea,
dependente dos materiais industriais, que eram altamente individualistas e não facilmente
adaptáveis para uso difundido.

A luz fluindo através do teto envidraçado sobre os pilares de ferro é uma


reminiscência de uma estufa, um efeito que Horta reforçou com a ornamentação de inspiração
botânica. Os padrões no vitral dão a impressão que o alto de cada coluna ramifica-se como
uma copa de uma palmeira; as curvas sinuosas da ferragem nos corrimões inspiram-se nas
vinhas.

Figura 16 e 17 - Vitrais com desenhos curvilíneos e fitomórficos, portas de vidro Tiffany em uma parede com
padrões extravagantes, típicos do Art Nouveau.
Como a Bélgica era uma nação industrializada na década de 1890, o ferro e aço que
produzia já eram vistos em muitas casas locais, como um meio de alargar as vergas das
janelas, mas não da forma apresentada na fachada principal do Hôtel Van Eetvelde, que foi
muito mal visto pela sociedade como já discorrido neste trabalho.

Portanto, há unidade de linguagem entre a composição da fachada da edificação e seu


tratamento arquitetônico dado a seus principais espaços internos em geral, com o uso do
metal fundido para fazer adereços e ornamentações na fachada e internamente, também usado
na estrutura da obra arquitetônica, e na cúpula arqueada que configura o teto do jardim de
inverno, com adornos que lembram figuras botânicas tanto nesse elemento, quanto na própria
fachada, por exemplo.

3.3.5 Contraste

A análise do contraste contempla elementos presentes na obra arquitetônica que


possuem uma diferença marcante entre si, como a relação ferro fundido x vidro, fachada x
interior, e o próprio Hôtel Van Eetvelde x vizinhança.

Em primeira análise é interessante como na escola do Art Nouveau o metal e o vidro,


materiais tão antagônicos, são usados para conceber um espaço tão harmonioso quanto no
Hotel. Desde a fachada até os cômodos em seu interior, a relação do ferro fundido (um
material de aparência pesada e industrial) com vidro (um material delicado, frágil e
translúcido) gera um certo contraste.

Figura 18 - Relação ferro x vidro.


Ademais, é interessante ressaltar o contraste dos materiais da residência Van Eetvelde
com os materiais das casas vizinhas na mesma avenida. Tipicamente, casas em Bruxelas
tendem a ser de pedras e tijolos, fachadas com alguns elementos protuberantes como
varandas, janelas, entre outros. Victor Horta se diverge desse tipo de materialidade e adota
uma grande estrutura de ferro fundido e, mesmo sem necessidade estrutural, encaixa uma
grande parede relativamente “chapada” de ferro ornamentada com elementos inspirados na
natureza. A adoção desse material nessa residência foi duramente criticada.

Figura 19 e 20 - Contraste entre as fachadas vizinhas e a Casa Van Eetvelde.

Fonte: Google Maps e Archdaily, respectivamente


3.3.6 Proporção

A proporção é o recurso pelo qual constatamos a harmonia e a relação dimensional


dos ambientes na composição de uma obra arquitetônica.

A Casa Van Eetvelde possui todos os tipos de formatos: trapezoidal, octogonal,


quadrados, retângulos e triangulares. É curioso pensar que uma fachada tão quadrada e
“simples” pode levar a ambientes tão variados. A concepção de cômodos tão abundantes e
variados numa área edificável de apenas 20x9m, de forma que a sensação no interior seja de
harmonia, conforto e aconchego é, no mínimo, admirável.

Figura 21 - Disposição dos cômodos.

Fonte: Great Buildings

Sem dúvidas o coração do Hôtel Van Eetvelde é o átrio onde se encontra a estrutura
octogonal de ferro e vidro. Nesta é possível analisar com mais precisão a forma que os
cômodos se relacionam entre si.

3.3.7 Escala

A escala, por sua vez, é responsável pela comparação das dimensões espaciais do
elemento arquitetônico com a escala humana, relacionando a relevância do homem, as
dimensões apresentadas e o pensamento da era.

Como visto anteriormente, a arquitetura Art Nouveau presente no Hôtel Van Eetvelde
tem o caráter de impressionar o transeunte com seus elementos ornamentais na fachada e no
interior com ornamento em vegetação e iluminação zenital. Quem visita a casa acesa por um
corredor pequeno e ascendente a um átrio octogonal de pé-direito duplo. Este átrio, uma série
de espaços organizados de forma que ecoava os ideais do urbanismo do século 19, funciona
como um ponto de entrada da casa, local pensado para receber visitantes ou reuniões em
ocasiões importantes, atendendo o objetivo do comendador Van Eetvelde a Victor Horta.
Figura 22 - Relação de escala entre o átrio de pé direito duplo e uma multidão de pessoas.

3.3.8 Expressão

A expressão diz respeito ao simbolismo presente nas construções, o Hôtel Van


Eetvelde, possui uma mensagem simbólica que segue alguns ideais difundidos no período de
sua projeção.

Como a capital da Bélgica se desenvolvia e se expandia economicamente, algumas


famílias de classe média alta, da época, optaram por ter suas casas construídas no novo estilo
que advinha, o Art Nouveau, assim como a então residência do diplomata, Edmond Van
Eetvelde. Além de tais edificações deste movimento exteriorizarem um requinte, elas também
buscavam a qualidade em seu material e a originalidade durante sua construção. Como
discutido anteriormente, o Hotel Van Eetvelde foi um dos projetos precursores do Art
Nouveau em Bruxelas, sendo assim, um edifício que buscava a inovação na sua construção,
aos modos da sociedade industrial que também mudou durante este período.

Através de curvas sinuosas e riqueza em detalhes, a Residência Van Eetvelde busca


criar uma ambientação inovadora, inspirada na natureza e em sua mais pura forma. Fator
evidenciado logo na fachada principal, onde todos os formatos levam a uma comparação com
caules de flores e folhagens (figura 1). Tal fator, no entanto, moldou o conceito de todo o
projeto, pois as janelas abauladas e onduladas não ficaram somente na parte exterior, mas
também foram transportadas para o interior do edifício, assim como o formato das escadas,
dos vitrais coloridos e dos móveis, também desenhados por Horta (figura X).
Figura 23 - Vista do hall octogonal no 1º piso

Fonte: [Adaptada a partir de:] Goslar, 2012, p. 244).

De tal modo, pode-se dizer que, no que diz respeito ao conceito simbólico, a
expressão permaneceu contínua, pois apesar de todas as formas elegantes e originais do
projeto, o desejo principal de Horta era que este se opusesse ao historicismo e as formas
rígidas do passado, a fim de buscar refletir em suas construções, toda a inovação e
aperfeiçoamento de uma homem vivente na nova sociedade industrial.

3.3.9 Ornamentação

Para finalizar os itens do tópico 3.3, a análise das ornamentações e das principais
características encontradas na obra busca entender sua história e sua expressão simbólica
através da estética da época.

A Residência Van Eetvelde, por ser um edifício que pertenceu ao movimento Art
Nouveau, apresenta sua estrutura inteiramente relacionada ao período, como o uso expansivo
do ferro fundido, do aço e do vidro temperado, a fim de compor um ambiente sinuosamente
planejado. Tais materiais estão presentes por toda a estrutura da casa, desde os guarda-corpos
das escadas até os pilares instalados no ambiente, além das vigas no teto, feitas de aço e
posteriormente sendo utilizadas como parte da decoração. Ademais, o aço em pó foi uma
tática desenvolvida na produção dos vitrais, com o intuito de neutralizar a luz que é
extremamente presente em todo o recinto.
Como dito anteriormente, Horta foi pioneiro na utilização do ferro e do aço enquanto
fazia destes, peças decorativas análogas à natureza. O guarda corpo das escadas foi, segundo
o próprio arquiteto, inspirado não nas flores, mas nos seus caules e raízes. Desta forma ele o
projetou com linhas espiraladas dando movimento a um objeto estático (figura 23).

Por se ter um conhecimento maior sobre o aproveitamento do espaço, foi utilizado na


residência o plano aberto em que a entrada da luminosidade era sem dúvida mais uniforme, a
título de exemplificação tem-se a porta de entrada, a qual ocupa uma posição central, coberta
com uma cúpula de vidro temperado, além da luz proveniente do teto envidraçado sobre
pilares de ferro que se assemelham à uma estufa, nos levando de volta à estética floral.

Ainda é necessário evidenciar o ferro aparente, uma tática decorativa utilizada por
toda parte da residência (figura 24). Outro adereço muito utilizado em detalhes foram os
arabescos, que se fizeram presentes tanto no interior como no exterior residencial. Por fim, é
interessante destacar a forma reproduzida na mobília da casa, todas possuindo linhas
exageradas e espiraladas remetendo a plantas, como é o caso das luminárias presentes, ou
então o mobiliária da chamada ‘Music room’, em que todos os seus objetos foram
construídos para se assemelhar à uma grande e magnífica orquestra, tal qual as majestosas
linhas alongadas e entrelaçadas que moldaram um estilo arquitetônico durante o curto apogeu
da Art Nouveau (figura 25).

Figuras 24 e 25 - detalhe do arabesco e do metal da fachada a sala de música, “music room”)

Fonte: Ilustração nossa, 2019


4. Considerações finais

Bruno Zevi, em seu livro publicado em 1948, ‘Saber Ver a Arquitetura’, ressalta o
simbolismo por detrás de um monumento arquitetônico e as causas que ele representa ou já
representou algum dia. Através de suas interpretações, são feitas análises minuciosas nas
obras, a fim de entender as diversas influências que resultaram em sua construção.

A partir do estudo realizado sobre a Residência Van Eetvelde, foi possível notar que
esta edificação corresponde com êxito a todas as interpretações realizadas em seu entorno.
Seja como uma resposta política ou econômico-social no meio em que foi projetada, partindo
desta forma, de uma determinada materialidade, ornamentação e disposição dos ambientes
residenciais.

A título de exemplificação, pode-se dizer que o movimento Art Nouveau surgiu como
uma resposta à uma nova sociedade que emergia, juntamente com uma classe social
ascendente, a burguesia. As influências no campo econômico foram tamanhas que as
construções, incluindo a deste trabalho, foram reproduzidas com nova materialidade,
utilizando em suas composições ferro, aço e vidro temperado. Outrossim, no campo cultural e
artístico a resposta veio com o rompimento de uma estética já consagrada e proveniente do
campo das belas artes, com o intuito de gerar algo inovador e original. Na Residência Van
Eetvelde, por exemplo, toda a ornamentação e objetos decorativos partem de um novo
princípio e influência, gerando formas atípicas em sua fachada, em seus objetos de
sustentação, em seus adereços e também nos móveis que compõem o espaço.

Portanto, é de se concluir que desde a concepção de um espaço até sua edificação, há


uma amarração na forma de se construir, juntamente com a filosofia vivida e expandida na
sociedade em determinada época ou período histórico. Sendo assim, de grande importância
tal estudo das interpretações, a fim de gerar conhecimento e o entendimento de que
arquitetura e política são dois conceitos inseparáveis e que moldam o mundo em que
vivemos.

5. Referências bibliográficas

Greenhalgh, Paul. Art Nouveau: 1890-1914. London: Victoria and Albert Museum, 2000.
p275.
Aubry, Françoise, and Jos Vandenbreeden. Horta: art nouveau to modernism. Ghent: Ludion
Press, 1996. p46.

Banham, Joanna, and Leanda Shrimpton. Encyclopedia of interior design. London: Fitzroy
Dearborn Publishers, 1997.

"Major Town Houses of the Architect Victor Horta (Brussels)." UNESCO World Heritage
Centre.

Você também pode gostar