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CENTRO DE REFERÊNCIA
AO ATENDIMENTO INFANTOJUVENIL – CRAI:
como estruturar um centro de referência para avaliação
de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual
Denise Casanova Villela*
Resumo: Ao longo dos anos, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, para verem seus
direitos garantidos, tinham que percorrer diversas instituições de saúde e segurança. O Centro de
Referência ao Atendimento Infantojuvenil – CRAI, com 15 anos de atividade, surge para modificar
esta realidade localizando-se no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, em Porto Alegre-RS,
e atende cerca de 150 casos mensais de violência sexual contra crianças e adolescentes oriundos
da Capital e interior do Estado. O CRAI consiste em um Centro de Referência Integrado, que presta
atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, através de uma abordagem
qualificada, objetivando minimizar as consequências destas vivências. Neste local, as vítimas rece-
bem o atendimento integral biopsicossocial. Na acolhida, direcionam-se todos os encaminhamen-
tos necessários em saúde e proteção. Nesse centro são tomadas as providências na área da segu-
rança, com o registro do boletim de ocorrência, pela Polícia Civil, que requisita os exames periciais
(físicos e psíquicos), realizados pelo IGP (Instituto Geral de Perícias) e DML (Departamento Médico
Legal). As perícias psíquicas são gravadas em áudio e vídeo e acompanham a formação do corpo
probatório, buscando evitar a revitimização da criança e do adolescente com sua oitiva em diver-
sas instituições. Após completar a avaliação, a vítima e seu responsável são encaminhados para tra-
tamento e acompanhamento na rede de proteção. Finalizado o atendimento integrado, além das
perícias, é lavrado um documento chamado “Comunicação de Acolhida”, o qual é, imediatamente,
enviado ao Conselho Tutelar e ao Ministério Público da Infância e Juventude na área da proteção
para as providências legais. Toda a coleta da prova realizada no Centro de Referência é direcionada
para o Ministério Público, servindo como corpo probatório tanto em procedimentos administrati-
vos, como em processos judiciais, nas esferas criminais e cíveis.
*
Promotora de Justiça. Titular da 10ª Promotoria de Justiça de Porto Alegre, RS.
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1 Histórico
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Constituição Federal, artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à crian-
ça, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à edu-
cação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, ex-
ploração, violência, crueldade e opressão. (redação dada pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).”
Constituição Federal, artigo 227, § 4ª: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a explora-
ção sexual da criança e do adolescente”.
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069, artigo 4º: “É dever da família, da comunidade,
da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos di-
reitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionaliza-
ção, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
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d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e
à juventude.”
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8069, artigo 6º: “Na interpretação desta Lei levar-
-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deve-
res individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em de-
senvolvimento”.
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2000
1899
1800
1732 1693 1743
1600 1588
1510 1500
1400
1200 1215
1103
1000 993 949
800 789
600 610
400 373
200
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Total anual de acolhidas.
1200
1029 1053
1016 1003
1000
862
800
696 712 690 690
658
600
Porto Alegre
400 Grande Porto Alegre
interior
200
0
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Procedência das vítimas.
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1500 1408
1304 1268 Psicologia
1163 Serviço Social
973 1023 Ginecologia
1000 Pediatria
Perícia Física
665 Perícia Psíquica
500 458
0
2014 2015
Consultas por área técnica.
Além dos dados em saúde, também podem ser obtidos, junto ao Centro,
os dados referentes às perícias realizadas no serviço pelo Departamento Médi-
co Legal.
Esta informação é importante, pois nos dá a ideia dos casos que foram re-
portados à autoridade policial e geraram boletim de ocorrência e requisição de
perícias médico-legais.
O gráfico que segue retrata o número de perícias físicas realizadas por ano
no CRAI:
1409
1325 1331
1136 1164
1111 1106
1019 1053
866
769
188
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
Pacientes periciados no CRAI por ano.
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Decreto Presidencial nº 7.958, de 13 de março de 2013, que estabelece diretrizes para o atendi-
mento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendi-
mento do Sistema Único de Saúde.
Art. 2º O atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da
rede de atendimento do SUS observará as seguintes diretrizes:
I – acolhimento em serviços de referência;
II – atendimento humanizado, observados os princípios do respeito da dignidade da pessoa, da
não discriminação, do sigilo e da privacidade;
III – disponibilização de espaço de escuta qualificado e privacidade durante o atendimento, para
propiciar ambiente de confiança e respeito à vítima;
12
Portaria nº 528 do Ministério da Saúde, que define regras para a habilitação e funcionamento dos
serviços de atenção integral às pessoas em situação de violência sexual, no âmbito do Sistema Úni-
co de Saúde.
Art. 10. Os estabelecimentos de saúde que compõem o Serviço de Atenção Integral à Saúde de
Pessoas em Situação de Violência Sexual constituem portas de entrada do SUS e funcionarão em
regime integral, 24 (vinte e quatro) horas por dia e nos 7 (sete) dias da semana, e sem interrupção
da continuidade entre os turnos, sendo de competência do gestor local de saúde a regulação do
acesso aos leitos em casos de internação.
§ 1º A composição das equipes no âmbito do Serviço de Atenção Integral à Saúde de Pessoas em
Situação de Violência Sexual encontra-se descrita no Anexo a esta Portaria.
§ 2º Em caso de disponibilidade na rede de atenção à saúde ou na rede intersetorial local, as Se-
cretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e os hospitais federais inte-
grarão profissionais Psicólogos e Médicos Psiquiatras às equipes que atuam no Serviço de Atenção
Integral à Saúde de Pessoas em Situação de Violência Sexual, acrescentando-os no cadastro do ser-
viço junto ao Ministério da Saúde.
§ 3º Os equipamentos ginecológicos e outros materiais para anamnese, focos de luz, exames dia-
gnósticos e laboratoriais, medicamentos e fichas de registro dos casos deverão estar sempre organi-
zados e disponíveis para os profissionais em escala de atendimento.
§ 4º Os medicamentos necessários para cada fase do atendimento às vítimas de violência sexual e
agravos decorrentes, tais como anticoncepção de emergência, antiretrovirais, vacinas e outros insu-
mos, deverão estar organizados em dosagens de acordo com as prescrições médicas para cada faixa
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etária para dispensação aos usuários do SUS de acordo com as normas, regras e diretrizes técnicas e os
Consensos Clínicos para Doenças Sexualmente Transmissíveis e HIV/AIDS atualizados e em vigor.
§ 5º Os estabelecimentos de saúde que compõem o Serviço de Atenção Integral à Saúde de Pessoas
em Situação de Violência Sexual assegurarão a continuidade do cuidado e do acompanhamento,
incluindo-se a realização dos exames regulares de acordo com os protocolos clínicos em vigor.
§ 6º Os estabelecimentos de saúde que compõem o Serviço de Atenção Integral à Saúde de Pessoas
em Situação de Violência
Sexual disporão de:
I – Módulo de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva); e
II – Ficha de Notificação/Investigação Individual de Violências Doméstica, Sexual e/ou outras
Violências, disponível no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN-Net).
§ 7º Os estabelecimentos de saúde que compõem o Serviço de Atenção Integral à Saúde de Pessoas
em Situação de Violência Sexual deverão preencher e informar o procedimento específico de aten-
dimento às vítimas de violência sexual em sistema de informação do SUS, nos termos de ato espe-
cífico do Ministério da Saúde.
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Conselho Estadual da Criança e do Adolescente.
14
Conselho Municipal da Criança e do Adolescente.
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Coordenação dos Conselhos Tutelares.
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6 Dificuldades encontradas
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10 Outros recursos
Atualmente o CRAI não recebe nem possui verbas próprias, sendo uma par-
ceria entre o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, por intermédio da Secre-
taria da Segurança Pública, com a interveniência da Polícia Civil e do Instituto-
-Geral de Perícias, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRAN-
DE DO SUL, e o MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE, por intermédio da Secre-
taria Municipal de Saúde, com a interveniência do Hospital Materno-Infantil
Presidente Vargas visando ao atendimento integrado às crianças e aos adolescen-
tes vítimas de violência sexual, estabelecendo roteiros de condutas, junto ao
Centro de Referência ao Atendimento Infantojuvenil, denominado CRAI, do
qual passam a integrar.
Todavia, esforços estão sendo empregados para captação de recursos com
a finalidade de realizar uma reforma de ampliação do Centro de Referência ao
Atendimento Infantojuvenil, através de uma parceria, entre Ministério Público,
Poder Judiciário, Governo do Estado do Rio Grande do Sul e Prefeitura de Porto
Alegre, para obtenção de verba, com a arrecadação de recursos financeiros, atra-
vés das transações penais, obtidas como forma de suspensão do processo e de
penas pecuniárias, objetivando a reforma e ampliação do serviço, nos moldes
do Centro Integrado, para as mulheres vítimas de violência sexual.
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11 Considerações finais
Referências
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