Você está na página 1de 5

ANÁLISES MOLECULARES Estudos preliminares na década de 80 descobriram

que a quantidade de variação no gene codificante


A idéia de usar dados moleculares na da enzima ribulose 1,5-bifosfato carboxilase
inferência de filogenias surgiu com Zuckerkandl (rbcL), que fixa o gás carbônico na fotossíntese,
& Paulin (1965). Eles sugeriram detectar era pequena entre monocotiledôneas e
mutações de nucleotídeos através das proteínas. dicotiledôneas e que, portanto, essa região poderia
Desde então, houve um crescimento progressivo ser útil na investigação das relações filogenéticas
nos estudos filogenéticos com dados moleculares. das angiospermas em um nível profundo
Em 79 revistas examinadas entre 1989-1991, (Zarawski & Clegg 1993).
foram relacionados 1140 artigos que incluíam Entre 1991 e 1992, Douglas Soltis e
árvores filogenéticas, sendo 77% desses estudos Mark Chase iniciaram um grande projeto na
baseados em dados filogenéticos, incluindo investigação das relações filogenética entre as
parcimônia ou distância, mas não UPGMA, e 53% angiospermas. Em pouco tempo, juntaram-se a
dos estudos já usavam evidências moleculares. eles mais 42 pesquisadores, e publicaram o
Morfologicamente, parecia consenso que as primeiro trabalho relevante e compreensível em
angiospermas eram monofiléticas e que seu grupo sistemática molecular de angiospermas (Chase et
irmão seria composto pelas Gnetales. Entretanto, al. 1993). O artigo foi acompanhado de mais 13
as topologias variavam conforme a análise dos artigos em subgrupos de angiospermas no Annals
dados morfológicos e dependendo dos dados of Missouri Botanical Garden. A análise incluiu
moleculares utilizados, assim como entre dados até 499 seqüências de rbcL cuja variação é
morfológicos e moleculares (Donoghue 1994). As adequada para relações até o nível de família ou
principais justificativas para explicar tantas ordem. Com o advento da PCR (polymerase chain
contradições eram o excesso de homoplasias, reaction), o seqüenciamento passou a ser muito
dificuldade na seleção do grupo externo, na mais eficiente. Hoje, com uma pequena
codificação dos estados de caracteres e na quantidade de DNA é simples e relativamente
pequena amostragem. barato amplificar e então seqüenciar a região
desejada. A PCR foi o impulso que a sistemática
molecular precisava. A partir daí, muitas regiões
foram exploradas filogeneticamente e muitos
Plantas Verdes grupos avaliados com mais detalhes. Essa
revolução laboratorial foi acompanhada de perto
por progressos computacionais que permitiriam
avaliar um grande número de seqüências de
maneira mais eficiente, assim como utilizar
algoritmos mais complexos tanto para busca de
árvores como para avaliação estatística dos
Angiospermas resultados.
Quatro anos mais tarde Douglas Soltis e
19 pesquisadores (Soltis et al. 1997) publicaram
resultados com 18S rDNA (nuclear) e logo depois
Pamela Soltis e Douglas Soltis e colaboradores
publicaram resultados usando regiões dos três
genomas (atpB e rbcL de plastídeo e 18S DNAr
nuclear; Soltis et al. 1999 e Soltis et al. 2000).
Esses resultados foram sendo incorporados na
classificação taxonômica por uma equipe
internacional composta de 29 taxonomistas
denominada The Angiosperm Phylogeny Group
Porcentagem de estudos filogenéticos, mostrando a parcela dos
artigos em plantas (à cima), angiospermas (centro) e seu (APG 1998, APG II 2003), encabeçada por Käre
principais grupos (abaixo) (Donoghue 1994). Bremer, Mark Chase e Peter Stevens,
caracterizando um dos maiores trabalhos
Os primeiros estudos moleculares com cooperativos em sistemática e pondo os estudos
plantas se concentraram no genoma de plastídeos, em plantas à frente daqueles realizados em
como o cloroplasto. Isso porque, esse genoma animais pela primeira vez na história.
circular é pequeno e, abundante na célula, ele Mais recentemente, foram publicados
representa uma porção significativa do DNA total. trabalhos com cinco, seis e dez regiões. Ainda

55
assim, dificuldades para se detectar a raiz das filogenéticas. Nesses casos, a probabilidade de
angiospermas estimularam a elaboração de uma similaridades por convergência em ramos longos é
análise com 17 regiões do cloroplasto (plastídeos; maior do que a probabilidade de similaridades por
Graham 2000). Estudos moleculares estão sendo ancestralidade em ramos curtos.
também altamente relevantes na datação de Ceratophyllum à parte, as angiospermas
eventos evolutivos e no desenvolvimento se dividiriam em dois grupos reconhecidos pelo
ontogenético de características evolutivamente pólen monossulcado e trissulcado, exceção feita a
relevantes como as estruturas florais. Illiciaceae e Schisandraceae que possuem pólen
tricolpado, mas que teria evoluído
independentemente das eudicotledôneas. As
Magnoliidae aparecem divididas em cinco clados:
Magnoliales, Laurales, Piperales (incluindo
Aristolochiaceae e Lactodoriaceae), Nymphaeales
(excluindo Nelumbonaceae, mas incluindo
Amborelaceae, Austrobaileyaceae,
Chloranthaceae e Illiciaceae) e Ranunculales. Esta
última em eudicotilêdoneas, como grupo irmão do
restante. As Piperales apareceram como grupo
irmão dos demais clados do grupo com pólen
monossulcado, que incluem as monocotiledôneas
como grupo monofilético bem sustentado.

Mark W. Chase (acima) liderou a primeira grande associação


de pesquisadores para desvendar as relações filogenéticas entre
as angiospermas.

O cladograma de Chase et al. (1993),


com 375 e 499 táxons, não teve a pretensão de
estabelecer relação para todos os grupos de
angiospermas, mas sim de fornecer um panorama
preliminar para investigações futuras mais
detalhadas e rigorosas. O tamanho da matriz foi a
maior dificuldade do estudo, e alguns anos mais
tarde métodos de busca mais eficientes foram
capazes de encontrar árvores mais parcimoniosas
(Rice 1997), ainda que não alterando as
conclusões gerais. A árvore foi enraizada em
Cycadales e assim não pode ser usada para
estabelecer relações entre os grupos de
espermatófitas de maneira abrangente. Os grupos
de Magnoliidae, que incluiriam supostamente os Cladograma obtido por Chase et al. (1993). O retângulo
vermelho corresponde ao clado com pólen monossulcado e o
grupos basais de angiospermas foram discutidos preto com pólen triaperturado. Note os ramos desigualmente
num artigo no mesmo volume (Qiu et al. 1993). longos, elipses azuis.
Esses dados de rbcL apresentaram Gnetales como
grupo-irmão das angiospermas e Ceratophyllum Procurando verificar com mais detalhes o
como ramo que teria divergido inicialmente (raiz padrão de diversificação inicial das angiospermas,
das angiospermas), sendo grupo-irmão das demais Qiu et al. (1993) realizaram análises com apenas
angiospermas. Essa região do cladograma, no 82 terminais, mantendo a representatividade de
entanto, possui ramos muito longos em relação Magnoliidae, mas apenas amostras dos demais
aos demais ramos da árvore, de modo que esse grupos. Essas análises foram realizadas com e sem
padrão pode ser um artefato resultante da atração grupo externo para verificar a influência de ramos
de ramos longos e não uma evidência de relações longos; nesse último caso, a árvore foi enraizada

56
entre táxons com pólen mono e tricolpados Utilizando dados de RNAr, eles
(padrão detectado nas demais análises de rbcL). encontraram uma árvores que também sugere as
Foram encontradas duas ilhas, grupos de árvores paleoervas na raiz das angiospermas (como em
com mesmo número de passos, mas encontradas a Hamby & Zimmer 1992), sendo a hipótese das
partir de inícios de buscas independentes. A paleoárvores 13 passos mais longas. A
posição de Ceratophyllum ficou então sustentação para os clados é melhor, mas ainda
controversa, aparecendo como grupo-irmão das baixa para maiores inferências. A análise
demais angiospermas na maior ilha (89 árvores) e combinada entre dados moleculares e
inserido em Magnoliales na menor ilha (3 morfológicos não ofereceu grandes mudanças.
árvores). Uma árvore com Nymphaeales na raiz
das angiospermas seria apenas 11 passos mais
longa que a mais parcimoniosa, com 3414 passos.
O Annals of Missouri Botanical Garden
continuaram publicando uma série de artigos
relacionados à filogenia das angiospermas nos
anos subsequentes. Doyle et al. (1994) fizeram um
exercício para verificar a origem das
angiospermas. Eles incluíram grupos fósseis e
utilizaram apenas um representante de
angiosperma por análise. A posição das
angiospermas se mostrou instável, variando
conforme o grupo de angiosperma utilizado, o que
influencia a interpretação para a evolução dos
caracteres. Isso poderia sugerir que as
angiospermas teriam se originado mais de uma Cladograma resultante da análise combinada de dados
moleculares e morfológicos (Doyle et al. 2004). A sustentação
vez a partir de grupos fósseis distintos. Quando dos ramos é indicada através de boostrap e índice de
utilizado apenas táxons vivos, incluindo nove decaimento (d, ou índice de Bremer). Note que, com exceção
táxons de angiospermas, as Gnetales apareceram de Piperales (seta vermelha), os clados internos de
como grupo-irmão das plantas com flores. Os angiospermas são pouco sustentados (>75%).
únicos clados bem sustentados são as antófitas, as
Gnetales e as angiospermas. Apesar das Nixon et al. (1994), incluindo ou não
paleoervas aparecerem na raiz das angiospermas, fósseis, exploraram dados morfológicos e
apenas um passo a mais poderia modificar a moleculares. A análise completa incluiu 46 táxons
topologia do cladograma de modo que as e 103 caracteres. Na análise II, não foram
paleoárvores estivessem na raiz das angiospermas. incluídos os fósseis, diminuindo os táxons para 31
e os caracteres para 97. Na análise III, as
angiospermas foram condensadas em um único
terminal, na IV, as angiospermas foram
consideradas em um terminal e os fósseis não
foram incluídos e na V, também sem fósseis, as
angiospermas e as coníferas foram condensadas
como um único terminal cada.
A análise completa (recentes e fósseis)
foi feita também combinada com rbcL. Nesse
caso, os dados moleculares dos fósseis foram
codificados como informação perdida. O resultado
foi um grande número de politomias. As Gnetales
aparecem como grupo parafilético, incluindo as
angiospermas, em todas as análises. A análise sem
fósseis, no entanto, foi mais informativa,
revelando Chloranthaceae como grupo que
primeiro divergiu entre as angiospermas.
Os dados de Nixon et al. (1994) foram
Cladogramas obtidos com a seleção de diferentes
representantes de angiospermas (Piperaceae, acima;
reanalisados por Doyle (1996) que voltou a
Mangnoliaceae, abaixo à esquerda; Nymphaeales, abaixo à defender uma origem exclusiva para as Gnetales,
direita). Note que a posição das angiospermas varia entre os
grupos fósseis conforme seu representante.

57
cloroplasto, o 18S é uma região do genoma
nuclear. Os ribossomos são formados por pedaços
de RNAr associados a proteínas. Esses pedaços,
18S, 5.8S e 26S, estão separados no DNA por
espaçadores, formando uma unidade. Várias
repetições dessas unidades estão organizadas em
seqüência no genoma nuclear. Antes de 1990, era
comum seqüenciar o RNAr, mas com o advento
do PCR, passaram a seqüenciar o DNA
diretamente.

Esquema mostrando a evolução do ovário das angiospermas a


partir de Caytoniales, partindo de um ancestral comum com as
Gnetales em Glossopteridales (Doyle 1996).

Cladograma de Nixon et al. (1994), mostrando as Gnetales


Nickrent & Soltis (1995) utilizaram 62
como grupo parafilético e as angiospermas formando uma táxons que possuíam seqüências para rbcL e 18S.
grande politomia basal. No consenso estrito a partir de rbcL, as paleoervas
apareceram na base da árvore e as
e reafirmar a origem única das angiospermas, monocotiledôneas na raiz das angiospermas. Com
assim como Nymphaeales na raiz das plantas com 18S DNAr, a árvore é muito pouco informativa, e
flores. As Caytonia seriam o grupo irmão das o consenso estrito gera uma enorme politomia. A
angiospermas, mas entre os grupos atuais o grupo comparação entre as duas regiões indicou que o
irmão seria as Gnetales. Ele explorou a evolução 18S tem uma taxa de evolução três vezes menor
de vários caracteres baseado na topologia obtida e que o rbcL, o que apesar de ser em parte
sugeriu que a origem das Gnetales e angiospermas compensado pelo maior número de caracteres, não
teria ocorrido a partir de Glossopteridales, grupo é suficiente para adicionar informações relevantes
que desapareceu durante a grande extinção do ao padrão filogenético nesse nível de análise,
Permiano. A relação com Bennettitales e sendo provavelmente mais útil em problemas
Caytoniales indica que os dois grupos teriam hierarquicamente mais antigos. Ambas as análises
surgido por volta do Triássico, e caso eles tenham revelaram as Gnetales como grupo-irmão das
derivado diretamente das Glossopterídes essa data angiospermas.
pode ser extendida para o Permiano ou até mesmo Dois anos mais tarde, Soltis et al. (1997)
o Carbonífero. reavaliaram a importância do DNAr 18S na
Como rbcL não era capaz de resolver reconstrução da filogenia das angiospermas.
padrões na base das angiospermas, uma forma de Dessa vez, foram usadas 223 seqüências,
tentar solucionar o problema foi acrescentar mais incluindo ou não os indels, e retirando parte dos
caracteres, o que em sistemática molecular terminais que possuíam seqüência parcial ou
significa adicionar outras regiões na tentativa de ramos longos. Como eles seqüenciaram
aumentar a resolução do cladograma e a novamente alguns terminais, alguns com a mesma
sustentação dos clados. Assim, Nickrent & Soltis amostra, notaram que existiam vários equívocos
(1995) utilizaram as angiospermas como estudo que poderiam ter prejudicado as análises
de caso para avaliar a utilidade do gene anteriores. Curiosamente, diversos grupos com
ribossomal 18S DNAr na reconstrução de pólen monossulcado apareceram inseridos nas
filogenias. Diferente do rbcL, que é uma região do

58
eudicotiledôneas. Na análise com 194 terminais, tanto em angiospermas como em Gnetum e
Amborellaceae aparece como grupo irmão das Welwitschia; 4) dupla fecundação e; 5) ausência
outras angiospermas, seguidas por um clado de fase cenocítica no desenvolvimento do embrião
composto de Illiciaceae, Austrobaileyaceae e de Gnetum, Welwitschia e angiospermas.
Schisandraceae, e Nymphaeaceae. Apesar de
Leitura:
resultados espúrios no restante da árvore, os Carlquist, S. 1996. Wood, bark, and seed anatomy of Gnetales:
grupos mais próximos a raiz das angiospermas a sumary. Int. J. Plant Sci. 157(6 Suppl.): S58-S76. Ler
foram confirmados em estudos posteriores, apesar apenas phylogenetic conclusions S67-S74!
da ordem dos clados ter variado de acordo com a Friedman, W.E. & Carmichel, J.S. 1996. Double fertilization
in Gnetales: implications for understand reproductive
análise. diversification among seed plants. Int. J. Plant Sci. 157(6
Suppl.): S77-S94.

Textos complementares:
Friedman, W.E. 1990. Sexual reproduction in Ephedra
nevadensis (Ephedraceae): further evidence of double
fertilization in a non flowering seed plant. Am. J. Bot. 77:
1582-1598.
Endress, P.K. 1994. Floral structures and evolution of
primitive angiosperms: recent advances. Pl. Syst. Evol.
192: 79-97.

Cladograma resultante da análise de 18S DNAr (Soltis et al.


1997), incluindo 223 e dois indels. Note a falta de sustentação
para a maioria dos clados de angiospermas. As setas pretas
apontam clados que não aparecem no consenso estrito, o
retângulo e a seta vermelha apontam os clados que a partir de
então serão consolidados no grado basal das angiospermas, não
nessa ordem.

No começo do século passado, Arber &


Parkin (1908), os criadores da teoria antostrobilar,
já tinham concluído que: 1) as Gnetales formavam
um grupo monofilético; 2) as Gnetales estavam
mais relacionadas com as angiospermas do que
qualquer outro grupo vivente. Essas duas
conclusões parecem ter sido amplamente
corroborada por análises filogenéticas utilizando
técnicas cladísticas (Crane 1996). Dessa maneira,
as gimnospermas, definidas pela ausência do
carpelo, formam um grupo parafilético na
ausência das angiospermas. Dentre as tendências e
semelhanças que corroboram essa relação entre
Gnetales e as angiospermas estão: 1) a presença
de vasos; 2) a redução do número de células do
microgametófito em Gnetum, Welwitschia e
angiospermas (ainda mais reduzido, pela ausência
da célula protalial); 3) a ausência de arquegônios

59

Você também pode gostar