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Interdisciplinaridade no processo de ensino-aprendizagem

A abordagem por disciplinas foi implantada no sentido de preparar os jovens para


enfrentar o ensino superior. Porém, actualmente sabe-se que o ensino na escola não
deve ser apenas para preparar os jovens neste sentido, mas, para que desenvolvam
capacidades e habilidades para a vida.

Na perspectiva de Beane (2003) abordagem por disciplinas enfraquece o poder do


conhecimento na tomada de decisões do dia-a-dia, sendo deste modo, uma abordagem
limitada que reduz a aplicabilidade do conhecimento na vida do aluno.

Do ponto de vista de Aires (2011) o currículo organizado por disciplinas não tem em
conta, muitas vezes, as concepções prévias e os aspectos sociais e culturais dos alunos;
não permite que questões do quotidiano do aluno sejam trabalhadas no PEA; há pouca
construção de ligações entre os conteúdos e não tem em conta o interesse dos alunos.

Na mesma senda, Fernandes (2018, p.110) afirma que:

“as grelhas curriculares dispõem de uma série de temáticas que o aluno não
utilizará no decorrer de sua vida, o que causa prejuízo na formação do
aluno quanto aos aspectos que envolvam criatividade, autonomia e reflexão,
frente a realidade social. Isto ocorre porque o trabalho de disciplinas sem
correlação com a vida do educando dificulta que este realize uma conexão
do que é aprendido com o que é vivenciado, impedindo, assim, o
desenvolvimento completo do conhecimento”.

Assim, surge a necessidade de implementação de práticas pedagógicas nas escolas que


permitam fazer com que o aluno seja capaz de relacionar conteúdos científicos com o
seu dia-a-dia, dentre elas a integração de saberes e a interdisciplinaridade. A
interdisciplinaridade é um termo usado para caracterizar a interacção ou colaboração
entre duas disciplinas (Fazenda, 2011), ou ainda na perspectiva de Almeida (2009) é
uma relação entre duas ou mais disciplinas sem levar em conta o modo como ela ocorre.

A interdisciplinaridade consiste na integração real entre disciplinas (Japiassu, 1976), em


que para a resolução de determinado problema há um interacção entre as disciplinas
com enriquecimento de ambas disciplinas ou de todas elas no caso de mais de duas
disciplinas.

Neste sentido, Terradas (2011) vê a interdisciplinaridade como uma exigência não


apenas no que diz respeito a prática escolar, mas também a vivências diárias. Galindo
(2010) sustenta que, a interdisciplinaridade é fase mais avançada da interacção entre
duas ou mais disciplinas.

Deste modo, a interdisciplinaridade justifica-se pela necessidade de existência de um


conhecimento mais global e integrado, pela necessidade de integração entre disciplinas,
pela necessidade de existência de uma formação nos estudantes que os tornem mais
críticos, que compreendam a informação e com melhores atitudes, que percebam melhor
o seu papel na sociedade e a contextualização dos conteúdos de forma significativa. Ou
seja, uma forma de compreender melhor e modificar o mundo (Fazenda, 2011; Feistel,
2012).

A interdisciplinaridade justifica-se também pelo facto de esta ser um meio para atingir a
formação profissional no que diz respeito a eventual mudança de emprego, maior
abertura para novos campos de saber e possibilita que os estudantes continuem a
aprender após sua saída da escola (Fazenda, 2011). Desse modo, a interdisciplinaridade
é considerada uma estratégia de ensino em que professor busca conhecimentos de outras
disciplinas já abordados em situações passadas.

Segundo Almeida (2009), a interdisciplinaridade se reduz a uma estratégia de ensino


quando aplicada por um único docente. Trata-se, segundo Carneiro (2018), de um novo
caminho para a reorganização da aprendizagem. Para Moura et al., (2021), o
interdisciplinar significa a existência efectiva de interacção entre conhecimentos.
Assim, a interdisciplinaridade torna-se mais eficaz e proveitosa quando é encarada por
um grupo de professores e não unilateralmente, ou seja, por um único professor.

Fazenda et al., (2013) argumentam que a interdisciplinaridade não constitui em si o fim,


mas sim é a abrangência de objectos de estudo e técnicas. Outrossim, Araújo & Alves
(2014) afirmam que a interdisciplinaridade não anula, nem elimina as disciplinas e não
tem intenção de criar novas disciplinas, mas sim é um método integrador que faz com
que haja um diálogo e cooperação entre as disciplinas, entre saberes, sem que cada uma
perca a sua especificidade, de modo que haja inovação. Para Oliveira & Moreira, (2017)
a interdisciplinaridade estabelece relações de complementaridade, convergência,
interconexões e passagem entre os conhecimentos.

A interdisciplinaridade não significa junção de conteúdos de duas ou mais disciplinas,


implica por um lado mudança na prática de ensino e, por outro lado, mudança de atitude
e comportamento frente ao conhecimento (Lavaqui & Batista, 2007; Oliveira &
Moreira, 2017; Perez, 2018). Se a interdisciplinaridade for feita como junção automática
das disciplinas, pode enfraquecer os pressupostos teóricos e metodológicos de campos
de conhecimento distintos.

Ademais, Azevedo & Andrade (2007, p.210) destacam que a concretização da


interdisciplinaridade tanto em trabalhos de pesquisa assim como em salas de aulas
ultrapassa a integração de várias áreas, uma vez que esta prevê a criação contínua de
união entre professores que vai além da junção de saberes. Assim, estes autores
defendem que,

“a interdisciplinaridade não trabalha o conhecimento de maneira globalizante, a fim de


unificar os saberes, mas busca promover interconexões entre os saberes, tanto entre
professores e seus pares quanto entre professores e alunos, trabalhando o
conhecimento de forma problematizada e estabelecendo relações entre as diferentes
ciências, o quotidiano escolar e a realidade social e histórica em que os sujeitos estão
envolvidos”.

No entanto, é importante debruçarmos também sobre o uso dos termos


interdisciplinaridade e integração. A integração e a interdisciplinaridade não são
sinónimos, existe uma diferença entre estes termos, embora para Aires (2011) e Fazenda
(2011) sejam conceitos indissociáveis. Veja-se que Almeida (2009) conceitua a
interdisciplinaridade como um processo de integração progressiva entre disciplinas,
enquanto Lenoir (1998) salienta que a interdisciplinaridade trata de saberes escolares e a
integração está relacionada as finalidades da aprendizagem. Na perspectiva deste autor a
interdisciplinaridade e a integração de aprendizagens são complementares.

Esta ideia é também defendida por Fazenda (2011) que considera a integração como um
aspecto formal da interdisciplinaridade, e diz respeito a organização de disciplinas
dentro do programa de estudos. Assim, para esta autora a integração é uma etapa
anterior necessária à interdisciplinaridade, podendo-se, deste modo, dizer que a
interdisciplinaridade serve-se da integração para a sua efectivação. Na integração a
preocupação está relacionada somente com a justaposição de conteúdos de disciplinas,
semelhante a multidisciplinaridade, sem necessariamente haver interacção entre estas.

Para Nicoletti (2017) a interdisciplinaridade não consiste apenas na integração de


disciplinas, mas uma mobilização dos saberes oriundos do currículo escolar e também
do quotidiano. A interdisciplinaridade pressupõe a existência de pelo menos duas
disciplinas, dai que ela não existe sem as disciplinas (Lenoir, 1998; Araújo & Alves,
2014), enquanto a integração curricular não pressupõe a existência de disciplinas, mas
sim a existência de centros de interesse e de busca de conhecimentos necessários a
resolução de um determinado problema nas disciplinas (Aires, 2011).

Mozena & Ostermann (2014) defendem que integração é a união de disciplinas de uma
mesma área. Os mesmos teóricos Outros teóricos vêm a integração como uma
concepção do currículo e outros ainda chamam atenção para alguns factos que
constituiriam constrangimentos para a implementação da integração como a falta de
preparação dos professores por possuírem maioritariamente uma formação claramente
disciplinar, a falta de tempo para a preparação, acompanhamento e monitoria das
actividades programadas.

A integração curricular envolve os seguintes aspectos: a integração de experiências de


alunos em novos esquemas de significação fazendo-os evoluir; a integração social que
diz respeito a uma formação do aluno que valorize o bem comum e as vivências em uma
sociedade democrática, a integração de conhecimentos relevantes a vida do aluno
retirados da sociedade em que o mesmo vive, (Aires, 2011).

b) Conceito de multidisciplinaridade

Para além da interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e


transdisciplinaridade também foram considerados por Jean Piaget como níveis de
integração, associação e cooperação entre disciplinas (Lavaqui & Batista, 2007;
Japiassu, 1976).

A multidisciplinaridade é considerada o nível mais baixo de interacção entre disciplinas.


Esta acontece em casos em que para a resolução de determinado problema recorre-se a
várias disciplinas, sem haver algum ganho de uma das partes, sem interacção,
cooperação, colaboração ou qualquer tipo de trabalho em equipa e sem alguma relação
entre as disciplinas.

A este propósito, Fernandes (2018) destaca que, nesta relação não há comunicação entre
disciplinas, sendo que cada disciplina trabalha isoladamente. Para Japiassu (1976) a
multidisciplinaridade consiste em estudar um objecto sob diferentes ângulos, mas sem
que tenha havido um acordo prévio sobre os métodos a seguir ou sobre os conceitos a
serem utilizados.

A multidisciplinaridade é na visão de Lavaqui & Batista (2007) a justaposição de


disciplinas diversas, desprovidas de relação aparente entre elas. Na perspectiva de
Almeida (2009) a multidisciplinaridade consiste numa superposição entre disciplinas
sem relação entre elas.

Para Correa (2019) a multidisciplinaridade é a união de uma ou mais disciplinas para a


solução de um problema comum, contudo ocorre sem articulação entre si, mantendo as
metodologias e teorias de cada uma inalterada.

c) Conceito de transdisciplinaridade

A transdisciplinaridade é considerada o nível mais alto de interacção ou associação,


entre disciplinas para a resolução de um determinado problema. A transdisciplinaridade
é na óptica de Almeida (2009), o nível mais alto da interdisciplinaridade onde se forma
um novo sistema com características próprias. Nesta interacção em que praticamente as
disciplinas perdem a sua identidade formam-se novas disciplinas a partir de disciplinas
já existentes.
Referências
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