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Naturalismo

Durante o segundo período da Renascença (século XVI) começa a cristalizar-se,


apoiada nas grandes descobertas científicas e progressos técnicos, uma nova filosofia original.
A filosofia naturalista italiana (a filosofia da natureza), é sua corrente principal. Essa corrente
foi precisamente a predecessora direta das ciências naturais e do materialismo
contemporâneo. Considerando a natureza uma substância pecaminosa, a escolástica
desprezava-a e não a estudava. A Renascença, ao contrário, colocou o estudo da natureza à
frente da filosofia.

Na filosofia naturalista, os gérmens da ciência, durante muito tempo, entrelaçam-se


com as representações mais fantásticas da natureza, com a astrologia, com a magia e a
mística. São também características desse período as tentativas de penetrar nos "mistérios da
natureza" pelo simbolismo numérico, pelo estabelecimento de "relações" entre a vida
terrestre e os planetas, pelo "conhecimento" de toda espécie de "almas mundiais" e "espíritos
espontâneos". Pouco a pouco, porém, a filosofia naturalista foi-se livrando dessa escória
pseudocientífica e se aproximando do materialismo.

As concepções de Bernardino Telesio (1509-1588) representam a etapa mais notável


do desenvolvimento da filosofia naturalista italiana. Telesio é um materialista, para qual o
objeto da ciência é o estudo do que existe objetivamente. Telesio ressuscitou o materialismo
dos jônicos. O fundamento do mundo é a matéria única, dotada de contrastes internos, o calor
e o frio; o calor está incorporado no sol e o frio na terra. Da luta desses contrastes surgem
quatro elementos: o ar, o fogo, a água e a terra. Todas as coisas, múltiplas e variadas,
compõem-se da combinação desses elementos. A alma é uma matéria particularmente sutil e
móvel.

A base do conhecimento é a sensação. Telesio é empírico e sensualista. Estendeu seu


sensualismo até mesmo ao terreno da moral.

O instinto de conservação é a base das virtudes. Telesio exigia a liberdade de


investigação filosófica, manifestando-se com energia contra a autoridade de Aristóteles no
terreno da filosofia e da ciência. Telesio fundou uma das primeiras sociedades naturalistas
experimentais.

Os trabalhos de Telesio e de Copérnico serviram de preparação à doutrina do maior


filósofo da Renascença, Jordano Bruno (1548-1600), que deixou o hábito de monge e dedicou-
se à atividade literária e ao ensino. À perseguição de que a igreja e os escolásticos o fizeram
vítima converteu sua vida em incessante vagar pela Europa. Viveu na França, Inglaterra,
Alemanha e Suíça, e em toda parte se manifestou contra a igreja e contra os escolásticos,
pregando uma nova concepção do mundo. Por fim, ao voltar à Itália, sua pátria, caiu nas mãos
da inquisição e foi encarcerado. Nem os sete anos de reclusão, nem as torturas, conseguiram
fazer Bruno renegar sua doutrina. Condenado à morte, disse com orgulho ao verdugo:

"Tendes mais medo ao pronunciar minha sentença do que eu ao ouvi-la".

Em 1600, Bruno foi queimado vivo numa das praças de Roma.

"A filosofia, escrevia Bruno, nada tem a ver com problemas teológicos".
O objetivo da filosofia é conhecer a natureza em seu conjunto. Arremeteu acremente contra
todas as doutrinas da fé cristã; batalhou com grande energia pela liberdade da filosofia e da
ciência, ridicularizando mordazmente a corrupção escolástica. Bruno refutava os dogmas do
cristianismo, tais como "a santíssima trindade" e o "sacramento da comunhão". Proclamou
insistentemente a necessidade de confiscar os bens das ordens "mendicantes".

Bruno foi materialista, embora não inteiramente consequente. Falava muito de Deus e
reconhecia a animação geral da natureza. Todavia seu Deus não é outro senão o próprio
universo, que, ao mesmo tempo cria e é criado, sendo simultaneamente causa e efeito. Bruno
foi panteísta(37), porém sob base material. Não há Deus que esteja acima do mundo ditando-
lhe leis; Deus dilui-se na natureza.

Bruno estendeu a doutrina de Copérnico a todo o universo. O universo é infinito no


espaço e no tempo. As estrelas imóveis são os sóis de outros mundos inumeráveis. Em torno
do sol giram os planetas, para nós invisíveis. A terra móvel é só uma pequena partícula de um
dos mundos do universo infinito. O mundo não tem centro. O universo é uno; os planetas e os
mundos distantes dos astros estão sujeitos às mesmas leis que a terra. A evolução jamais se
detêm; os mundos infinitos nascem e morrem, a vida nunca se detêm em parte alguma. No
mundo, tudo se liga reciprocamente.

Bruno oferece brilhantes modelos de dialética. No infinito unem-se os contrastes,


entre os quais existe uma ligação interna: a circunferência com raio infinito confunde-se com a
linha reta; há venenos que são remédios; o ódio une-se ao amor; o todo se manifesta no
particular e o particular apresenta as características do todo.

Ao contrário dos escolásticos, Bruno entoa verdadeiros hinos à matéria. A matéria é uma
substância viva e ativa.

"A terra produz criaturas vivas; a água produz seus habitantes".

Bruno, filósofo das forças sociais progressistas e cheio de otimismo. Em sua unidade
íntegra e seu aspecto infinito, o mundo não conhece o mal nem a morte; é perfeito e
harmonioso.

Bruno foi uma das numerosas vítimas do fanatismo. Na fogueira morreram muitos
outros sábios e filósofos: o filósofo italiano Vanini, o filósofo espanhol Servet e outros. Uma
série de sábios caiu nas mãos da camarilha reacionária (o fundador da anatomia, Vesálio e
outros).

A filosofia naturalista italiana começou com juízos fantásticos sobre a natureza, do tipo
dos neoplatônicos e dos pitagóricos; mais tarde, foram desenvolvendo-se nela as ciências
experimentais, particularmente a matemática e a mecânica.

Galileu Galilei (1564-1652), um dos maiores sábios mundiais, foi o fundador da


mecânica científica e da astrofísica (ciência da natureza física dos corpos celestes), o maior
astrônomo, físico e matemático, Stalin considera Galileu o cientista mais notável, que traçou
novas rotas à ciência, rompendo com ousadia as velhas tradições em descrédito.

Com a ajuda do telescópio de trinta aumentos que ele próprio construiu, Galileu fez
uma série de descobertas astronômicas importantíssimas, confirmando a justeza dos pontos
de vista de Copérnico. Quando Galileu expôs algumas de suas observações no livro
"Mensageiro dos Astros", seus contemporâneos diziam maravilhados: "Colombo descobriu um
novo continente; mas Galileu descobriu um novo universo". Aconteceu que a lua não era plana
como se supunha, de acordo com a teoria aristotélica; na lua havia montanhas e vales; a via
látea revelou-se um sistema composto de corpos celestes; à volta de Júpiter descobriram-se
quatro satélites; começaram-se a ver claramente as manchas do sol. Galileu visitou com seu
telescópio a Itália, "exibindo" em toda a parte o "novo" céu.

Por basear e defender o sistema de Copérnico, foi cruelmente perseguido pela


inquisição. Por fim, condenado por charlatanismo e recolhido ao cárcere (1633) o grande sábio
septuagenário viu-se obrigado, sob a ameaça de tortura, a renegar formalmente suas
convicções científicas.

Galileu convidava a repudiar todas as teorias fantásticas e a estudar a natureza por


meio da experimentação. Deus não intervinha nos assuntos do mundo; na natureza, tudo se
realiza conforme a lei natural. Galileu lutou contra a teoria da animação da natureza, contra os
que lhe atribuíam traços humanos, como fazia a filosofia naturalista escolástica .

Refutando o ponto de vista teológico (das causas finais), exige Galileu a explicação das
causas da natureza. A grandeza, a forma, o número dos corpos materiais e seu movimento,
que se realiza de acorda com as leis da mecânica; aí estão os elementos fundamentais do
mundo. Todos os fenômenos mundiais devem ser reduzidos a uma correlação e a uma relação
numérica calculada com exatidão. A ordem do universo, homogêneo por sua substância
material e por sua lei de movimento mecânico único, é expressada pela matemática. A
matemática e a mecânica são as bases de todas as ciências. O caminho da ciência é a análise,
que fixa os elementos simples do mundo corporal. A análise é substituída pela síntese que
estabelece a relação entre esses elementos.

"A natureza é um livro escrito em língua matemática, sob a forma de triângulos, círculos e
outras figuras geométricas".

Galileu foi um experimentador notável. Suas experiências no estudo da gravidade dos


corpos, são conhecidíssimas. Acreditou especialmente no domínio da mecânica.
Se Arquimedes, na antiguidade, criou a estatística, a mecânica dos corpos em repouso, em
equilíbrio, Galileu é o fundador da dinâmica, a mecânica dos corpos em movimento.

Galileu ultima a filosofia naturalista da Renascença e fundamenta as ciências naturais


mecânico-materialistas, progressistas para sua época.

Na época da Renascença nasceram também as primeiras ideias comunistas


contemporâneas. As massas populares empobrecidas pelo processo da acumulação primitiva
do capital, experimentavam sofrimentos inauditos. O jugo feudal foi substituído por uma
opressão ainda mais cruel: a opressão capitalista. Já nos séculos XVI-XVII uma série de
pensadores geniais condenava acerbamente, não só o regime feudal, como também o regime
burguês nascente, negando a propriedade privada e propagando o ideal da sociedade
comunista.

O primeiro utopista comunista da nova época foi Thomas Morus (1478-1535). Publicou


em 1516 o "Libreto de Ouro Sobre a Melhor Construção do Estado e Sobre a Nova Ilha de
Utopia" do qual procede o próprio termo "Utopia" (em grego, "lugar que não existe").
Criticando o processo da acumulação primitiva começada na Inglaterra, e analisando a ruína e
a pobreza dos camponeses provocadas pelo sistema latifundiário, Morus propaga o ideal de
uma sociedade que liquide as bases do regime de classes e que estabeleça uma ordem
comum. Rejeitando toda espécie de compromisso, exige

"a destruição completa da propriedade privada". "Pois se ela subsistir, subsistirá sempre sobre
a maior parte da humanidade o peso amargo do sofrimento"(38).

Tudo que se produzir dentro do Estado ficará sujeito a controle; o Estado organiza a
produção, distribui a força operária pelos diferentes ramos da mesma, etc. A célula econômica
fundamental é a família. A família entrega toda a produção ao Estado. As autoridades são
eleitas. A instrução é accessível a todos os membros da sociedade.

O italiano Tomás Campanella (1568-1639) é outro utopista proeminente. Acusado de


participar numa sublevação nacional-emancipadora, caiu nas garras da inquisição e passou 27
anos encarcerado.

"Nasci, dizia Campanella, para lutar contra três grandes mazelas: a tirania, a sofistica e a
hipocrisia".

Na filosofia, Campanella uniu caprichosamente o misticismo e elementos de


materialismo. Em muitos aspectos acompanhou Telesio. O homem deve reinar sobre o mundo
e dominar a natureza. A base de tal reino é a ciência que se apoia na matemática e nas ciências
naturais. A fonte do conhecimento são as sensações.

Campanella, contudo, não é tão conhecido pelas suas concepções filosóficas quanto
por sua utopia social "A Cidade do Sol" (1623). Nesse livro representa uma sociedade em que
foram abolidas a propriedade privada, a família e a religião do Estado. À frente do Estado,
criado para a felicidade humana, estão os sábios. Os homens não trabalham mais de quatro
horas diárias, não passam necessidades nem privações. O desenvolvimento da ciência e do
progresso técnico é a base para concretizar tal sociedade.

Morus e Campanella levantam o problema dos perigos militares que ameaçam o


Estado comunista por parte de seus rivais. Acham necessário um grande desenvolvimento
militar nos seus Estados ideais. Sobre isto é característica a afirmação de Morus de que

"os utopistas não começam jamais uma guerra em vão e só a fazem quando obrigados a
defender suas fronteiras ou expulsar inimigos que invadam um país amigo, ou quando,
compadecidos de qualquer outro povo oprimido pela tirania, usem sua força para emancipá-lo
do jugo do tirano e da escravidão(39).

Representando o regime social dos "soleanos", os cidadãos da Cidade do


Sol, Campanella escreve:

"Ali não há escravos que corrompam os costumes; eles próprios servem-se


plenamente e até em excesso. Entre nós, porém, ali não é assim. Em Nápoles há uma
população de 70.000 almas das quais só umas 10 ou 15.000 trabalham, estafando-se e
morrendo diariamente num trabalho insuportável e ininterrupto.

A completa ausência da propriedade privada, a organização social da produção, o


trabalho como obrigação geral, e ao mesmo tempo como necessidade geral, a educação
profissional: tais são os princípios básicos da organização da vida social na "Cidade do Sol".

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