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Resumo
tese de endida no artigo é de que o neoliberalismo de von
Mises undamenta-se em uma iloso ia de inspiração religiosa
A e aristo ráti a. De ende-se que a teoria de von Mises ontém
um omprometimento om uma ontologia de dois mundos, inspirada
pela iloso ia de Tomás de Aquino. Tal ontologia de natureza religiosa
ganha aráter se ular om o argumento aristo ráti o, presente em sua
teoria da história, sua visão da demo ra ia e do un ionamento dos
mer ados. Con lui-se que o neoliberalismo de von Mises baseia-se em
argumentos da reação eudal à as ensão do apitalismo, om o im de
preservar e justi i ar este último.
Abstract
This paper de ends that von Mises’ neoliberalism is grounded on a
ANDRÉ GUIMARÃES religious and aristo rati philosophy. It is maintained that von Mises’
AUGUSTO theory in ludes a ommitment with an ontology o two worlds,
Pro essor do Departamento
de E onomia da Universidade inspired by Thomas Aquinas. This religious ontology be ame se ular
Federal Fluminense e pesqui- through the aristo rati argument omprised in von Mises theory
sador do Nú leo Interdis i-
plinar de Estudos e Pesquisas o history, politi al theory and his on eption o markets. In the
sobre Marx e o Marxismo
(NIEP-Marx/UFF). on lusion it is indi ated that von Mises’ neoliberalism is based on the
allegations made by the eudal rea tion to the en ontrada de orma mais a abada nos ir uitos
raise o apitalism, but to support and justi y dos autodenominados libertários ameri anos,
the last. organizados em torno do von Mises Institute.
Keywords: von Mises, neoliberalism, religion, A sagrada aliança do neoliberalismo ganhou
aristo ra y. visibilidade re entemente no Brasil em mani-
estações de rua, mas é en ontrada nos últimos
tempos, de orma otidiana, na imprensa, em
pregações religiosas e no dis urso de vários
O neoliberalismo muitas vezes é identi i ado políti os. A questão que move o artigo é se tal
om o onjunto de políti as estabele idas a par- aliança, aparentemente in oerente, en ontra
tir dos anos 1980 nos governos Reagan e Tha- sentido e undamentação na ideologia neolibe-
t her e di undidas nas dé adas seguintes. Ou- ral em sua orrente austría a.
tras vezes, o neoliberalismo, omo orrente de É na obra de Ludwig von Mises que a expressão
pensamento, é identi i ado omo tendo origem mais pura dos undamentos da argumentação
na undação da So iedade de Mont Pèlerin, em neoliberal pode ser en ontrada.1 O lançamento
1947. Reunindo nomes omo Hayek, von Mises, do Liberalismo de von Mises em alemão em 1927
Karl Popper e Milton Friedman, a So iedade de e em inglês em 1962 assinala o nas imento da
Mont Pèlerin era o think tank do qual sairiam ideologia – termo que o próprio von Mises usa
os prin ípios que undamentariam as políti as para de inir o liberalismo (von Mises, 1985, p.
e onômi as nos anos 1980. 192) – neoliberal. No livro, von Mises propõe
O ponto de partida deste artigo é a onstatação uma renovação do liberalismo, unhando o
de um alinhamento ideológi o e políti o entre termo “neoliberalismo” em distinção ao “antigo
o undamentalismo religioso, a apologia neoli- liberalismo” (ibidem, p. 27).
beral da so iedade de mer ado e as de esas de O artigo não tratará dos argumentos de nature-
ormas aristo ráti as de governo – da monar- za estritamente e onômi a do neoliberalismo,
quia à ditadura as ista das elites. Essa “sagrada mas de seus pressupostos. A tese de endida no
aliança”, visível no apoio de Hayek e Friedman artigo é de que o neoliberalismo de von Mises
à ditadura de Pino het e na en í li a Cente- undamenta-se em uma argumentação anti-ilu-
simus Annus (1991) de João Paulo II, pode ser minista de natureza religiosa e aristo ráti a.
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não dependem dos ins dos agentes, in luindo igual apa idade de utilizar os meios. Além dis-
a ação dos outros agentes (Kotarbinsky, 1983, so, a irma que os homens têm um im último
p. 6). Para se hegar à on lusão neoliberal de em omum em todas as suas ações. Mas esse
von Mises é ne essária uma hipótese adi ional im omum é a eli idade, entendida tauto-
sobre a interação de agentes, e pressupor que as logi amente omo a satis ação de um desejo.
ações não são on litantes. Tais hipóteses não Ou seja, é meramente ormal, sem onteúdo
estão ontidas na premissa do on eito ormal de inido.
de ação.
Sendo os ins substantivamente desiguais e
Uma orma de se hegar à oordenação dos ins livremente determinados pelas vontades dos
de di erentes indivíduos, partindo do mesmo indivíduos, nada impede que a realização dos
on eito de ação, é pressupor um im último ins de alguns seja obstá ulo para a realização
que seja omum a todos os indivíduos. Mas isso dos ins de outros. Isso pode o orrer quando
não impede que di erentes indivíduos bus- os trabalhadores bus am aumento de salários
quem esse mesmo im om meios on litantes. e os apitalistas bus am diminuir os salários
Portanto, é pre iso o pressuposto adi ional de omo meio de aumentar ou manter os lu ros,
que só há uma úni a maneira de bus ar o im ou quando vários indivíduos desejam o mesmo
último omum a todos e que todos podem azer bem que não está disponível para todos.
igual uso desses meios. Isso signi i aria a irmar
Nesses asos, von Mises tem que in luir a pre-
que os homens são igualmente dotados das mes-
missa de uma ordem espontânea que tornaria
mas apa idades. A esse pressuposto pode ser
ompatíveis, no longo prazo, as ações movidas
dado onteúdo substantivo om a igual apa i-
pelas vontades autodeterminadas. A ordem
dade de maximização e per eito onhe imento,
espontânea não está ontida no on eito ormal
embora isso não seja ne essário.
de ação e só é possível a realização de todos os
Esses pressupostos adi ionais ao on eito ins após uma longa travessia em que é ne es-
ormal de ação não estão presentes no argumen- sário azer “sa ri í ios”. Nessa travessia, alguns,
to neoliberal de von Mises. O autor nega que de facto, nun a terão seus desejos realizados.
os homens sejam maximizadores apazes de Adi ionalmente, é ne essário in luir premissas
onhe er ante ipadamente o resultado de suas substantivas sobre a e onomia para se on luir
ações. Assim, os homens não teriam a ra iona- que a divisão do trabalho e a propriedade priva-
lidade per eita que levaria ao melhor uso dos da dos meios de produção levam a essa ordem
meios e à onse ução dos ins. De orma geral, espontânea.
von Mises pressupõe que os homens não têm
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i os. Em termos kantianos, uma teoria ien- Como distinguir a lógi a da ação em relação
tí i a explanatória não pode ser deduzida de à lógi a do omportamento automáti o ou da
on eitos a priori, mas deve in luir elementos natureza, se não por meio da experiên ia? Von
a posteriori retirados da experiên ia. Assim, as Mises a irma que essas ategorias são ruto da
mesmas ategorias a priori podem resultar em “re lexão sobre a essên ia da ação” (ibidem, p.
teorias ientí i as di erentes (ibidem, p. 59). Do 58). Se por tal re lexão az-se re erên ia à in-
ponto de vista kantiano, von Mises on lagra as trospe ção, esta se onstitui a partir de uma
ondições para a iên ia om a própria iên ia experiên ia subjetiva. Sendo subjetiva, sua
ao dar a ação o status de ategoria a priori. realidade deve ser validada intersubjetivamente.
A validade intersubjetiva de experiên ias sub-
O aráter a priori do on eito de ação em von
jetivas, por sua vez, impli a uma experiên ia
Mises também não é de ensável om base na
objetiva omum. Como von Mises nega atego-
lógi a pura em termos kantianos. As ategorias
ri amente que a realidade dos a priori se unde
lógi as kantianas – quantidade, qualidade,
em qualquer experiên ia, é plausível supor que
relação, modalidade – seriam puramente inte-
a ategoria da ação de von Mises seja in erida a
le tuais, sem qualquer re erên ia à experiên ia
partir de ompromissos ontológi os implí itos
(Young, 1992, p. 101-103). Essas ategorias dizem
que são expli itados na seção seguinte.
respeito à orma do pensamento sobre qualquer
oisa e não ao seu onteúdo (ibidem, p. 105-106),
sendo válidos para qualquer iên ia indepen- 2. Ontologia finalista e de dois mundos
dente de seu objeto. Von Mises de ende que os A prin ípio pode-se negar a existên ia de om-
on eitos a priori da praxeologia – inalidade, prometimentos ontológi os na praxeologia de
meios, vontade, razão – não se re erem ao “ on- von Mises, alegando que este apresenta apenas
teúdo material” das ações, mas apenas à sua argumentos sobre omo onhe emos o mundo,
orma. Contudo, ao ontrário das ategorias ló- argumentos de natureza epistemológi a. Von
gi as kantianas, eles não se re erem à orma do Mises adota um argumento éti o, apontando
pensamento sobre qualquer oisa, mas à orma para a limitação de nosso onhe imento sobre a
da ação enquanto distinta de outras oisas. Von origem das ideias (ibidem, p. 29-30).
Mises é laro ao distinguir a ação, por exemplo,
O argumento éti o sobre a origem das ideias,
de um omportamento automáti o (von Mises,
no entanto, não impede von Mises de a irmar
1990, p. 33).
que estas “são geradas por algum pro esso des-
onhe ido no orpo humano” (von Mises, 2007,
92
Deste modo, a ausalidade é um produto da Mises de ende, ainda, que toda mudança se
estrutura lógi a da mente humana. origina de uma ausa e, onsequentemente, que
a onduta humana é dirigida pela ausalidade
Von Mises ompromete-se om uma ontologia
(ibidem, p. 177). No aso da ação humana, no
de “dois mundos di erentes” e na qual “nenhu-
entanto, essa ausa é a vontade, algo subjetivo
ma ponte liga esses dois mundos” (von Mises,
que não possui ausas. Admitindo que tudo se
1990, p. 29). Para esse e onomista, a ação hu-
origina de uma ausa, a vontade só pode ser
mana é homogênea om a razão e é um pro-
ausa de si mesma. A vontade é a ausa primei-
duto desta (ibidem, p. 58). A razão, por sua vez,
ra, o motor não movido da ação humana.
pare e se identi i ar om a estrutura lógi a da
mente humana. Como a ação é tomada omo Deste modo, von Mises reduz toda ausalidade
sendo idênti a à razão, a praxeologia unda-se no que se re ere ao mundo humano às inalida-
na razão pensando a razão. O aráter a priori des dos agentes. Nos termos das quatro ausas
das premissas da praxeologia é ontologi amen- aristotéli as, a ausa material da ação, aquilo
te justi i ado por sua origem em um “mundo de que ela é eita, é a estrutura lógi a da mente,
di erente” do mundo material dos sentidos, o uma substân ia imaterial. O que dá a orma
mundo da mente imaterial. espe í i a de uma ação sua ausa ormal, nos
termos de Aristóteles, é o im determinado que
Para von Mises, não é possível estabele er
ela bus a, e este é es olhido de a ordo om a
qualquer tipo de relação ausal na direção do
vontade autodeterminada dos agentes. O que
mundo da matéria para o mundo da mente,
gera a ação, sua ausa e i iente, são as inalida-
embora, omo será visto adiante, ele viola esse
des dos agentes; do mesmo modo, as mudanças
pressuposto em pelo menos uma o asião. Mas a
no mundo material são ausadas pelas inalida-
direção ontrária é admitida. Von Mises a irma
des dos agentes. Ao admitir que a ausalidade
ategori amente, e de orma não ondi iona-
é um produto da mente humana, ao olo ar a
da pelo estado de nosso onhe imento, que as
ausa material das ações em uma substân ia
ideias e pensamentos “produzem mudanças nas
imaterial e ao on lagrar as outras ausas om a
oisas tangíveis e materiais” (von Mises, 2007,
ausa inal, von Mises assume um ompromis-
p. 96).
so ontológi o om um mundo humano regido
Von Mises, de facto, atribui um valor ontológi o
ex lusivamente pela teleologia.
maior à teleologia em relação à ausalidade. O
A ordem espontânea é também um tipo de
autor admite que teleologia é uma espé ie de
teleologia transposta da mente dos indivíduos
ausa, que ele designa omo “ ausa inal”. Von
94
a ima dos indivíduos ou para uma ausa so ial a ordem espontânea gerada pelo mer ado é o
objetiva da ideologia, von Mises admite que a resultado de uma “divisão mentalmente al ula-
origem de uma ideia só pode estar em outras da do trabalho entre os vários empresários” (von
ideias. Mas isso levaria ao regresso in inito e o Mises, 2009, p. 39). Deste modo, a teleologia
ponto de hegada dessa ausação de ideias por so ial reproduz a inalidade de alguns indiví-
ideias é a mente de um indivíduo ou de alguns duos, os empresários. A ausa inal da história
indivíduos (ibidem). A ideia surgida na mente é onstituída pelos ins que alguns indivíduos
de um indivíduo se torna a eitável por outros e bus am. No aso do apitalismo, trata-se dos
assim se trans orma em ideologia. (ibidem) ins bus ados pelos empresários omo ausa
inal da reprodução e onômi a.
A ausação das ideologias pelas ideias de um
indivíduo restringe a liberdade entendida omo Poder-se-ia alegar que a ordem espontânea da
o exer í io da vontade sem onstrangimentos. história não é teleológi a, mas sim um pro esso
Alguns indivíduos têm sua ação guiada por ide- evolu ionário análogo ao da evolução biológi a.
ologia preexistente e que não é produto da sua Mas não só as evidên ias textuais negam tal
es olha. Mas se a liberdade da ação é entendida analogia, omo isso in luiria von Mises na ide-
omo exer í io de uma vontade autodetermina- ologia à qual dedi ou toda sua vida a ombater,
da, nem todos os indivíduos são livres. o materialismo. Quando trata das origens das
ideias, von Mises rejeita expli itamente as ana-
As a irmações de von Mises levam à proposição
logias biológi as do ontágio propostas pelas
de uma teleologia na história. Se são as ideo-
expli ações materialistas omo uma “ ompa-
logias que guiam as ações dos indivíduos, se
ração super i ial e que não expli a nada” (von
na história não há nada além dessas ideias e se
Mises, 2007, p. 99).
as ideologias originam-se da mente de um ou
alguns indivíduos, são as inalidades destes que Fi a por expli ar o motivo de algumas ideias
determinam a história. Assim, o apitalismo surgirem em alguns indivíduos e não em outros
teria sido um produto teleológi o da mente dos e omo elas são a eitas se trans ormando em
e onomistas e “o que é omumente hamado de ideologia. A expli ação da a eitação e da origem
‘revolução industrial’ oi o resultado da revo- das ideias leva a um outro elemento undamen-
lução ideológi a e etuada pelas doutrinas dos tal na ontologia de von Mises: a desigualdade
e onomistas” (von Mises, 1990, p. 14). natural dos homens e a superioridade de uns
em relação aos outros. Trata-se aqui do argu-
O mesmo tipo de teleologia so ial está presen-
mento aristo ráti o que será tratado de orma
te no debate sobre o ál ulo so ialista. Aqui
religiosa
de si mesmo, omo homem é homem, ou se o
predi ado delas está in luído na de inição do
Os omprometimentos ontológi os de von
sujeito, omo homem é animal” (Aquino, 1990,
Mises têm origem e natureza religiosa, e suas
p. 34) ou, de outra orma, “quando o predi ado
raízes podem ser en ontradas na iloso ia aris-
está in luído na essên ia do sujeito” (Aquino,
totéli a reinterpretada em termos religiosos por
1947, p. 13).
Tomás de Aquino. Tal proximidade é bastante
plausível, uma vez que o ensino no Império Mas uma proposição pode ser autoevidente em
Austro-húngaro era dirigido pela Igreja Cató- si, mas não para nós quando “não sabemos o
li a, undamentando-se na iloso ia tomista. signi i ado e o sujeito da preposição” (ibidem, p.
(Hülsmann, 2002, p. li) 12). Quando a essên ia que se predi a do sujei-
to é des onhe ida, é “ne essário demonstrar a
A praxeologia de von Mises atende a todos os
preposição por algo que é onhe ido por nós”
ritérios da iên ia no sentido estrito (scientia
(ibidem, p. 13) uma vez que, argumenta Aqui-
scire simpliciter) de Tomás de Aquino. Para
no itando Boé io “Existem alguns on eitos
Aquino a scientia é o onhe imento ompleto
mentais que são autoevidentes somente para os
e erto da verdade de algo. (Ma Donald, 1993,
instruídos” (ibidem, p. 13)
p. 162) Como na praxeologia de von Mises, a
scientia “não argumenta para provar seus prin- O aráter autoevidente das premissas, ou
ípios, mas argumenta a partir dos prin ípios prin ípios primeiros da argumentação, as torna
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irre utáveis e não passiveis de prova. Assim, Aqui se trata das iên ias a priori – a matemá-
argumenta Aquino, para onhe er as verdades ti a e a lógi a. Já a meta ísi a, lida om oisas
autoevidentes “não é ne essário um es orço de “que podem existir sem a matéria, omo o orre
investigação” (Aquino, 1990, p. 34) e “Ninguém laramente om oisas imateriais” (ibidem).
pode admitir mentalmente o oposto do que é
Von Mises admite que as iên ias naturais se
autoevidente” (Aquino, 1947, p. 12).
utilizam da experiên ia, mas o mesmo seria
A undamentação dada por Aquino ao ará- impossível para as iên ias do homem. Assim,
ter autoevidente dos prin ípios primeiros é a as premissas da praxeologia “São omo a lógi a
mesma dada por von Mises ao aráter a priori e a matemáti a aprioristas” (von Mises, p. 48),
das premissas da praxeologia. Tais premissas o que impli aria um ompromisso ontológi o
são resultados de uma “re lexão sobre a essên- om a mente omo algo que se situa omo uma
ia da ação” (von Mises, 1990, p. 58). O sentido “matéria inteligível omum”, distinta da “maté-
da re lexão pode ser entendido omo um ato ria sensível”.
puramente mental sem re erente nas ações
A praxeologia de von Mises também está próxi-
realmente existentes. Sendo essa “essên ia da
ma dos argumentos de Tomás de Aquino sobre
ação” independente dos atos pelos quais qual-
a alma. Aquino re onhe ia a existên ia de seres
quer ação realmente existe, sua undamentação
orpóreos e seres espirituais (Aquino, 1947, p.
é meta ísi a.3
342) e de substân ias intele tivas separadas das
A scientia tomista depende da natureza do que substân ias orpóreas (Aquino, 2008, p. 26-27),
é onhe ido. No aso das oisas naturais, a ma- analogamente à divisão entre o mundo material
téria az parte de usa própria de inição (Aquino, e o da mente imaterial em von Mises. Como a
1947, p. 573) e seu onhe imento depende da mente em von Mises, a alma humana em Aqui-
“matéria sensível em omum” (ibidem, p. 575), no é uma substân ia in orpórea: “É ne essário
embora não da individual. Trata-se aqui da “ i- dizer que aquilo que é o prin ípio da atividade
loso ia da natureza”, ujos prin ípios primeiros intele tual, aquilo que hamamos da alma hu-
devem ser obtidos indutivamente a partir dos mana, é um prin ípio in orpóreo e subsistente”
sentidos. Os objetos matemáti os, por sua vez. (Aquino, 1947, p. 482).
“podem ser abstraídos pelo intele to da matéria
Mas o homem não é um ser puramente espi-
sensível”, “podem ser onsiderados à parte das
ritual em Aquino. Para Aquino o homem “é
qualidades sensíveis”, mas não podem ser abs-
omposto de uma substân ia orpórea e outra
traídos da “matéria inteligível omum” (ibidem).
espiritual”, orpo e alma, sendo assim um “ser
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oisas existentes no mundo humano, e as ina- ele não ex lui que suas ideias neoliberais açam
lidades da ação humana são riadas ex nihilo (a os outros mais elizes.
partir do nada) omo no ato da riação divina.
As ideias das quais von Mises magnanimamen-
A vontade humana é a ausa inal não ausada
te pretende libertar os homens são as ideias do
do mundo humano, um análogo da vontade
materialismo. Von Mises entende por materia-
divina.
lismo uma ontologia que atribui as origens de
Ademais, ao a irmar que as premissas da praxe- todas as ara terísti as humanas a pro essos
ologia são in ontestáveis lógi a e empiri amen- ísi os e biológi os (von Mises, 2007, p. 94). A
te, von Mises dá a ela o mesmo status da ver- partir dessa de inição estreita, o materialismo é
dade revelada por Deus. Causaria espanto em identi i ado om o isi alismo e om o me ani-
qualquer pessoa apaz de um ra io ínio lógi o ismo. Esse último se re ere não só à analogia
mínimo a alá ia ontida no argumento de que do homem om a máquina, mas ao determinis-
tal teoria possa se pro lamar “a ima de disputas mo ausal estendido da natureza ao homem.
de partidos e a ções”, quando ela mesma se
Von Mises só re onhe e a ausalidade de tipo
onstitui omo uma a ção, ou “indi erente aos
me âni o: ele rejeita expli itamente a ausali-
on litos de todas as es olas de dogmatismo”
dade probabilísti a (von Mises, 1962, p. 93); não
(ibidem, p. 43), quando ela mesma pro lama seu
onsidera a dialéti a de Marx, atribuindo a ele
dogmatismo.
o estrito me ani ismo; e des onhe e a ausali-
A motivação explí ita de von Mises para a dade omplexa do materialismo emergentista
ormulação da praxeologia e para o argumento que se desenvolveu nos últimos anos.
liberal deduzido a partir dela é a evidên ia mais
O alvo imediato do ataque ao materialismo é
orte de sua onte religiosa. Em sua ruzada
obviamente o marxismo. Mas von Mises vai
pelo neoliberalismo, von Mises a irma que
mais longe em sua ruzada ontra o materia-
a libertação das pessoas da “doutrinação” do
lismo, atingindo o positivismo e o Iluminismo.
marxismo e do “progressivismo” será de idida
Todos são tidos omo essen ialmente o mesmo
“pelas questões undamentais da epistemologia
materialismo. Desta orma, o materialismo que
e teoria do onhe imento” (von Mises, 1990a, p.
von Mises ata a pode ser lassi i ado omo um
206). Note-se de passagem que isso ontradiz a
espantalho.
a irmação de von Mises de que “Ninguém tem
Sendo o materialismo uma ontologia, sua
ondições de determinar o que aria alguém
ontraposição deveria ser eita no mesmo plano
mais eliz” (von Mises, 1990, p. 24), uma vez que
ontológi o. Von Mises não o az expli itamen-
100
omo ontologia so ial se é admitida a existên- de von Mises, uma vez que as di erenças entre
ia de seres superiores no mundo terreno da indivíduos ou grupos humanos não impli a
so iedade. O argumento aristo ráti o é o ponto ne essariamente a superioridade in toto de uns
undamental dos omprometimentos ontológi- sobre outros. Para deduzir a suposta superiori-
os de von Mises. dade das di erenças, von Mises in lui um juízo
de valor implí ito.
102
tir o ra ismo biológi o omo ponto de partida, sua destruição e se omprazem no orgulho
von Mises a irma, no mínimo, a ompatibili- extravagante de sua ivilização” (ibidem, p. 332).
dade de sua teoria da história om as políti as Tais a irmações de von Mises, em que pese sua
ra istas. Se a teoria da história de von Mises re usa em se pronun iar sobre políti as ra istas,
não deve se pronun iar sobre tais pressupostos não deixam de ser uma de esa implí ita de tais
biológi os, se o mundo da mente humana é políti as.
separado do mundo material no qual se in-
O ra ismo é apenas a a eta mais repugnante do
luem os atos biológi os e se, de a ordo om
argumento aristo ráti o de von Mises. A de esa
von Mises, a história a irma a “superioridade da
das di erenças naturais e da superioridade de
raça bran a”, resta apenas uma teoria ra ista da
alguns em relação a outros estende-se da relação
história no autor. Livre dos atos biológi os, os
entre as supostas “raças” para a relação entre
“ atos da história”, segundo von Mises, orro-
governantes e governados na políti a e entre
boram que “até o momento” se estabele eu a
indivíduos na e onomia.
“superioridade da raça bran a”.
Segundo von Mises, a de esa Iluminista da
Ao olo ar de orma éti a o argumento do
demo ra ia baseava-se na de esa da superio-
ra ismo biológi o e ao mesmo tempo a irmar
ridade intele tual e moral do povo rente aos
a superioridade de uma suposta “raça” sobre
monar as e à aristo ra ia. (von Mises, 1985, p.
as outras na história, a re utação da teoria das
42) Von Mises vê na de esa da demo ra ia pelo
raças pela biologia – algo já estabele ido hoje –
liberalismo antigo um equívo o, pois “o povo
não levaria à negação de políti as ra istas. Sob
é a soma de todos os idadãos individuais; e se
esse aspe to, o ra ismo ontido na teoria de von
alguns indivíduos não são inteligentes e nobres,
Mises revela-se ainda mais pro undo e perni io-
então todos juntos também não o são” (ibidem).
so que o ra ismo biológi o. O ra ismo ultural,
Com base nisso, von Mises de ende a demo ra-
ara terísti o da extrema direita ontemporâ-
ia omo “o governo dos melhores”, ainda que
nea, é uma on lusão implí ita no argumento
os melhores aqui sejam aqueles apazes de on-
de von Mises.4
ven er os outros de que são quali i ados para
A manutenção da ivilização apitalista, que governar. (ibidem, p. 42-43)
seria um eito da “raça bran a” segundo von
Outra di erença apontada por von Mises entre
Mises, impli aria políti as ra istas que on-
o liberalismo lássi o e o neoliberalismo é a
tivessem os “não- au asianos” que “odeiam e
on epção da evolução históri a. O liberalismo
desprezam o homem bran o”, que “planejam
lássi o a reditava em uma evolução progressi-
104
von Mises está mais próximo de Malthus na natural, não pode ser atribuída ao mérito, mas
de esa da ne essidade e onômi a da aristo ra- a uma predestinação. Em segundo lugar, os em-
ia e distante das advertên ias do liberal Adam preendedores pare em ugir do on eito ormal
Smith ontra a prodigalidade dos ri os. de ação omo livre exer í io da vontade, pois
suas vontades são determinadas pelo públi o,
De a ordo om von Mises, a origem da de-
identi i ado por von Mises om os onsumido-
sigualdade e onômi a está na desigualdade
res. Assim, von Mises, em um arti í io de retóri-
natural. Alguns se bene i iam mais da proprie-
a, olo a aparentemente os empreendedores
dade privada que outros, têm uma renda maior
não omo homens que exer em a sua vontade
que outros e onsomem bens de luxo por serem
autodeterminada, mas omo subordinados a
naturalmente mais apa itados que outros. São
um mestre, à massa dos onsumidores. (von
predestinados pela natureza a serem proprie-
Mises, 1990a, p. 22)
tários e ri os. O argumento de von Mises om
relação à origem natural da desigualdade e o- Os arti í ios de retóri a para a apologia do
nômi a, no entanto, é o ultado pela aparente neoliberalismo não são apazes de o ultar o
de esa da soberania do onsumidor. argumento aristo ráti o de von Mises. Apa-
rentemente, uma e onomia de mer ado seria
Von Mises a irma que na e onomia de mer ado
uma demo ra ia governada pelas massas. A
são os onsumidores que sele ionam os ven e-
demo ra ia de mer ado, a irma von Mises, é
dores no mer ado. Os lu ros “derivam sempre
“aquela em que ada entavo signi i a um voto”
de uma orreta previsão da situação utura”
(ibidem, p. 81). Como os empreendedores que
(von Mises, 1990, p. 928-929); portanto aqueles
detêm a propriedade dos meios de produção e
que onseguem se manter omo proprietários
têm uma renda maior também são onsumido-
são os naturalmente mais bem-dotados em suas
res, a retóri a da soberania do onsumidor é a
apa idades mentais. Mas estes estariam subor-
retóri a de um populismo elitista.5 Aqueles que
dinados à vontade dos onsumidores. Von Mises
são predestinados por sua maior apa idade na-
a irma que “é o onsumidor que az algumas
tural de ante ipar os desejos dos onsumidores
pessoas ri as e outras pobres” (von Mises, 1990a,
têm um “voto” de maior peso na “demo ra ia
p. 50), e os que obtêm lu ros são os que “estão
do mer ado”. A demo ra ia do mer ado é uma
em ondições de atender as ne essidades mais
demo ra ia aristo ráti a, um oximoro.
urgentes do públi o” (von Mises, 1990, p. 927).
O populismo elitista de von Mises no que se
Tal apa idade de “atender as ne essidades” do
re ere à “demo ra ia do mer ado” é expli itado
públi o, sendo oriunda de uma desigualdade
106
omposta pelos homens naturalmente “superio- ler Engelbert Doll uss, han eler da Áustria
res” que o azem. em 1933, após se aliar à Itália então governada
pelo partido as ista de Mussolini, dissolver o
A teoria ormal da ação ganha assim um
parlamento e governar om bases em leis emer-
onteúdo pre iso e de inido om o argumento
gen iais; ou seja, após estabele er uma ditadura
aristo ráti o de von Mises. A vontade da elite
temporária de elite.
predestinada é autodeterminada. As massas de-
vem se ontentar em mudar seu modo de vida
“voluntariamente” induzidos pela elite; aso 6. Considerações finais: o neoliberalis-
as massas persistam na ignorân ia, só resta às mo como reação
elites induzirem oer itivamente a mudança em Demonstrou-se nesse artigo que o neoliberalis-
seu modo de vida. Um omportamento voluntá- mo de von Mises undamenta-se em uma onto-
rio induzido não é um omportamento auto- logia religiosa e em argumentos aristo ráti os.
determinado, mas a vontade das massas tem Pode pare er estranho a usão do liberalismo
omo ausa a vontade das elites. No liberalismo om o pensamento religioso e aristo ráti o. No
de von Mises, apenas as elites têm sua vontade plano ideológi o, o liberalismo ombateu o pen-
autodeterminada, apenas elas são livres. Sua samento aristo ráti o e religioso durante o alvo-
de esa da liberdade é a de esa da liberdade de re er do pleno desenvolvimento do apitalismo
alguns induzirem a vontade de outros, pela no sé ulo XVIII, a despeito das di erenças que
oerção ísi a quando ne essário. se possam observar entre a ideologia e a práti a.
O argumento aristo ráti o de von Mises é om- É pre iso assinalar que o neoliberalismo de von
pletamente ompatível om uma ditadura de Mises é orientado pela obsessiva ruzada ontra
elite, mesmo que essa deva se manter somente tudo que ele identi i ava omo so ialismo. O
durante o “tempo ne essário” para mudar o “tudo” que identi i a, de facto, omo so ialis-
pensamento “das massas” (von Mises, 1985, p. mo é qualquer oisa que seja minimamente
45). Cabe observar que a de esa que von Mises avorável aos trabalhadores, mesmo dentro dos
az de uma “ditadura temporária de elite” não mar os do apitalismo e da demo ra ia liberal.
é apenas teóri a. Em 1934, von Mises tornou- A natureza da ameaça ao apitalismo mudou, já
-se membro da Frente Patriótica austría a, om não é mais o lero e a nobreza, mas os trabalha-
a arteira número 28632 (Hülsmann, 2007, p. dores ou, omo denomina von Mises, “a massa”.
677, n. 149). A Frente Patrióti a oi estabele ida Pode se entender isso a partir da natureza polí-
omo partido úni o da Áustria pelo han e- ti a da ontraposição de von Mises ao materia-
108
Bibliografia ________. Theory and history. An interpretation o so ial
and e onomi evolution. Auburn: Ludwig von Mises Institu-
AQUINO, Tomás de. O ente e a essência. Covilhã: LusoSo ia te, 2007.
Press, 2008.
________. Ação humana: um tratado de E onomia. Rio
AQUINO, Tomás de. Suma contra os gentios. São Lourenço de de Janeiro: Instituto Liberal, 1990.
Brides: Es ola Superior de Teologia; Porto Alegre: Livraria
Sulina Editora, 1990. ________. Economic freedom and interventionism. An
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AQUINO, Tomás de. Summa theologica. Digital edition, Publi
Domain. Disponível em: <http://www. el.org/ el/aquinas/
polis: Liberty Fund, 1990a.
summa.html>. Benziger: Bros Edition, 1947. ________. Liberalism. In the lassi al tradition. San
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Prin enton: D. Van Nostrand, 1962.
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de 1995. YOUNG, M. “Fun tions o though and the syntheses o intui-
tions”. In: GUYER, P. Cambridge companion to Kant. Cambrid-
HÜLSMANN. J. G. “Introdu tion”. In: VON MISES, L. Episte- ge: Cambridge University Press, 1992.
mological problems of economics. Auburn: von Mises Institute,
2002.
Notas
________. Mises The Last Knight of Liberalism. Auburn:
von Mises Institute, 2007.
1. A primeira obra de von Mises que visa a re onstrução
KOTARBINSKY, T. “The goal o an a t and the task o the e renovação do Liberalismo é “Liberalismus” publi ado em
agent”. In: GARSPARSKY, W. & PSZCZOLOWSKI, T. (eds). Alemão em 1927. Os argumentos re erentes à teoria do onhe-
Praxeological studies. Polish Contributions to the S ien e o imento e a praxeologia ainda não estavam elaborados nessa
E i ient A tion. Boston: Dreidel, 1983. primeira obra e oram desenvolvidos no livro “Nationalekono-
mie”, es rito entre 1934 e 1939 e publi ado em alemão em 1940.
KRETZMAN, N. “Philosophy o mind”. In: KRETZMAN, N.
Uma versão modi i ada desse livro apare e em inglês em 1949
& STUMP, E. Cambridge companion to Aquinas. Cambridge:
no livro Human action, mas a substân ia dos argumentos são
Cambridge University Press, 1993. mantidos. Em obras posteriores, omo em Theory and history
(1957) e The ultimate foundation of economic science (1962), von
LANGE, O. “The importan e o praxiology or politi al e o-
Mises apli a e desenvolve para questões espe i i as o onteú-
nomy”. In: KRETZMAN, N. & STUMP, E. Cambridge compa-
do dos argumentos ontido em Human action. A apli ação e
nion to Aquinas. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
desenvolvimento dos argumentos de Human a tion apare em
MAC DONALD, S. “Theory o Knowledge”. In: KRETZMAN, também na série de palestras pro eridas em 1958 na Argentina
N. & STUMP, E. Cambridge companion to Aquinas. Cambridge: e posteriormente publi as sob o título de “As seis lições”.
Cambridge University Press, 1993.
Pode-se a irmar, portanto, que os elementos mais substan iais
MACIERNY, R. “Ethi s”. In: KRETZMAN, N. & STUMP, da onstituição do neoliberalismo de von Mises deram-se no
E. Cambridge companion to Aquinas. Cambridge: Cambridge período entre guerras. Embora haja reelaborações, apli ações
University Press, 1993. e desenvolvimentos em obras posteriores a esse período seus
argumentos metodológi os, sua de esa do liberalismo e o
NEW YORK TIMES. “Rand Paul’s Mixed Inheritan e”, 25 argumento aristo ráti o permane em omo uma onstante.
de janeiro de 2014. Disponível em: <http://www.nytimes. Muitos argumentos são repetidos em várias obras, muitas ve-
om/2014/01/26/us/politi s/rand-pauls-mixed-inheritan e. zes literalmente, outras om adições ou omissões. A ríti a ao
html?_r=0>. A essado em: 24/09/2015. otimismo do “velho liberalismo” em relação às massas ontida
em “Liberalismo” de 1927, por exemplo, reapare e modi i ado
SMITH, A. “Le tures on jurispruden e” In: Glasgow editon em alguns detalhes em todas as edições de “Ação humana”. Do
of the works and correspondence, Vol. 5. Indianapolis: Liberty mesmo modo, os argumentos sobre a praxeologia e a história
Fund, 1982. ontidos em “Ação humana” reapare em desenvolvidos mas
não substan ialmente modi i ados em “Theory and history” e
VON MISES, L. As seis lições. São Paulo: Instituto Ludwig von em “The ultimate foundation of economic science”.
Mises Brasil, 2009.
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