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Desenho

Material Teórico
As Formas Naturais e Urbanas

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Ms. Miguel Luiz Ambrizzi

Revisão Textual:
Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicaroni
As Formas Naturais e Urbanas

• A Natureza-Morta
• A Paisagem Natural e a Paisagem Urbana
• Animais e Criaturas

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· O principal objetivo desta unidade é entender os aspectos relevan-
tes da representação dos três gêneros artísticos estudados, seu de-
senvolvimento ao longo da história por meio do entendimento dos
materiais utilizados e das concepções estéticas. Serão também intro-
duzidos conhecimentos sobre os modos de fazer necessários para
compreensão dos estudos das artes e, principalmente, do desenho.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como o seu “momento do estudo”.

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo.

No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também
encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados.

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão,
pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato
com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem.
UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Contextualização
Nesta unidade, dentre outros conteúdos, veremos o desenho de animais e
criaturas como expressão artística em alguns exemplos pontuais na história da arte,
revelando um misto de observação, estudo científico e poético.

No contexto contemporâneo artístico brasileiro, apresentamos a produção


do gaúcho Walmor Corrêa. Seus trabalhos constituem um ótimo exemplo para
iniciarmos os estudos desta unidade, pois fazem uma junção do desenho do ser
humano (estudado na Unidade III) com o desenho de animais, criando desenhos de
seres híbridos que estão presentes no imaginário popular brasileiro e internacional.

Assim, recomenda-se assistir à sua palestra, proferida no evento TEDxPorto Alegre, em


Explor

2012, publicada no vídeo TEDxPortoAlegre - Walmor Correa, disponível no link:


https://youtu.be/uilaNgMSjus

Nessa palestra, o artista apresenta seu processo criativo, relatando encontros e


histórias que foram e que são motivadoras de sua investigação poética. Observe
como o artista descreve a forma como investiga os conhecimentos científicos
(anatomia e medicina) para incorporá-los em seus desenhos de criaturas
imaginárias. Walmor Corrêa é um artista que nos mostra as possibilidades do
desenho científico, de representação fiel ao modelo, ressignificando-o, inserindo-o
numa esfera contemporânea da arte, abrindo múltiplas leituras e percepções do
mundo mediante sua criação.

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A Natureza-Morta
A representação de objetos no contexto da história da arte remete a um gênero
que se afirmou de forma autônoma a partir do século XVI na Europa, a natureza-
morta. Considerado, por muito tempo, como um gênero menor na produção
pictórica, tem como temática principal a representação de coisas inanimadas e
perpetuadas por um instante: banquetes, quadros de frutos ou flores, combinação
de objetos sobre mesas.

De acordo com Omar Calabrese, o conceito de natureza-morta tem origem


alemã na palavra still-leben, cuja tradução para o italiano seria oggetti de fema,
ou seja, objetos imóveis. Para ele, não se trata de objetos imóveis, mas de “coisas
que ficaram paradas num instante”.

Para Calabrese, com o gênero da natureza-morta mudou a ordem da


representação da pintura no que diz respeito à reformulação do espaço do quadro.
O formato da pintura passou a ser de dimensões relativamente pequenas, em que
a escala dos objetos representados aproxima-se da proporção de 1/1 em relação
aos objetos reais. De acordo com este autor:
A natureza-morta não costuma ter horizontes: o fundo é coberto por uma
superfície opaca, por uma parede, por qualquer elemento material ou
por uma névoa. Em sintonia com esta eliminação do horizonte e com
a representação de uma contiguidade em relação ao espaço exterior
(fechado) está a iluminação que, de natural passa a artificial ou, até,
se introduz na própria representação (por exemplo, a vela que vai se
consumindo). A luz artificial torna o fundo pouco perceptível e, por isso
mesmo, contribui para eliminar a distância (CALABRESE, 1997, p. 29)

Podemos, ainda, afirmar que, do ponto de vista técnico, a natureza-morta é um


retrato de objetos (Ibidem).

Um dos parâmetros fundamentais que a natureza-morta possui desde a sua


essência é a sua função de mera pintura decorativa, cujas referências literárias nos
aludem à Antiguidade grega (cultura helenística) na pintura de vasos gregos com
animais e objetos compondo uma temática mitológica e nas pinturas murais dos
túmulos de Líson e Calicles em Leucádia já cerca de 300 a.C. com cenas e objetos
de combate.

Na arte egípcia, encontramos representações semelhantes a naturezas-mortas


nas pinturas murais dos túmulos. Representavam objetos e posses que o falecido
tivera durante sua vida inseridos num ritual de crença de que esses objetos iriam
com ele para a outra vida: figura humana, animais, vegetais, objetos como panelas,
vasos, perfumes, colares, facas.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

É na Roma Antiga, nas cidades de Pompeia e Herculano, que temos grandes


exemplos pictóricos decorativos em fachadas internas e externas bem como no uso
de mosaicos de pavimento e paredes dos quartos e salas.

As representações de naturezas-mortas nas pinturas decorativas e preferidas


nos pavimentos são de uma “liberdade fantástica das interpretações” nos “frutos e
objetos que os negociantes de Pompeia encomendavam para decorar as suas lojas”
(TARELLA, 2005, p. 47)

No contexto religioso cristão, na Idade Média, as naturezas-mortas eram


elementos secundários nas composições pictóricas, que privilegiavam as lições
sagradas através de narrativas visuais.

A representação dos objetos tinha por objetivo criar uma ilusão da presença
real dos objetos num determinado espaço. Ao saírem do suporte do mural, as
representações descolaram de suporte para pequenos quadros e mosaicos que
representavam a simbologia religiosa que aludia a princípios e valores sagrados
acerca das virtudes e dos vícios. No entanto, encontramos raras cenas na arte
gótica que unem cena religiosa e cena cotidiana, como em Cena numa Loja, de
Ferrer Bassa, em que temos uma representação dos objetos que se produziam e
vendiam na oficina, além dos instrumentos de trabalho ao lado de uma cena com
santos em prece.

Durante esse período, a natureza-morta esteve intimamente associada à


representação de objetos e elementos naturais que eram carregados de simbologia
divina. Num tema muito constante desse período até o Renascimento, A
Anunciação, encontramos entre a Virgem e o Anjo uma jarra com flores brancas,
geralmente açucenas, para simbolizar a pureza (GOZZOLI, 2005).

No Renascimento, reapareceu o uso


mais decorativo dos acessórios represen-
tados, um retorno à força da represen-
tação de objetos e de outras temáticas
clássicas: a mera imitação da Natureza
(mímesis) e a simbologia própria de afir-
mação de poder/estatuto social. A pin-
tura e a escultura ganharam uma maior
independência, tornando-se gêneros au-
tônomos com a transposição de uma vi-
são mais profana da vida, uma expressão
mais realista e individual. Podemos ver,
na pintura de Benedetto, como os objetos
tornaram-se protagonistas da representa-
ção, mostrando-nos como, aos poucos, a
natureza-morta foi ganhando autonomia Figura 1 – Bayerischer Meister,
enquanto gênero artístico.
Anunciação a Maria, 1500
Fonte: Wikimedia/Commons

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Figura 2 – Giuliano da Maiano Benedetto, Estúdio de Frederico de Montefeltro (detalhe), 1473
Fonte: Wikimedia/Commons

Nas pinturas subsequentes, podemos encontrar a obsessão que o artista aponta


pelo pormenor da observação dos objetos (das coisas) e pela meticulosidade, que se
vai tornar numa característica poderosa da representação da natureza-morta, tanto
que, para o alcance de um grande realismo na imitação da Natureza, apresentam
exageros na representação de brilhos, de luz e sombra. O gênero acabou por
se autonomizar no final do século XVI, dado o seu elevado apreço no barroco.
Contextualizando o barroco, Joana Adelaide Souto Mateus ressalta:
Devido ao crescimento da população e numa procura de bens alimentares,
e à expansão agrícola, começam a surgir as cenas de mercado, cujo plano
de fundo se povoa de temas bíblicos, estando em primeiro plano os
alimentos expostos no mercado, onde o ser humano se torna acessório.
Destes cenários surgem-nos nomes como Pieter Aertsen, Jacopo Bassano,
Arcimboldo (MATEUS, 2010, p. 93).

Figura 3 – Giuseppe Archimboldo, Primavera, 1573


Fonte: Wikimedia/Commons

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Dentre outros temas, há as pinturas de talhos e de cenas de cozinha que


remetem às simbologias das tentações, dos perigos do consumo, a alegorização da
moralidade do jejum. No entanto há outras simbologias que fogem dos aspectos
religiosos. De acordo com Mateus,
Outras simbologias apontam para aspectos eróticos, como sucede com a
palavra holandesa vogelen, que associava o pássaro às relações sexuais,
as cenouras, peixes, ostras (como símbolos vaginais) elementos de índole
fálica e erótica. Todos estes parâmetros remetem para o poder das casas
de nobres rurais e de classes mercantis que acabam por afastar-se da
moralidade religiosa a partir dos prazeres da vida e dos bens materiais de
que dispõem e dos quais fazem uso. Nas cenas de caça, existe o intuito de
apresentar e afirmar o poder aristocrático e os bens territoriais de que os
príncipes dispunham (2010, p. 93).

Nos séculos XVI e XVII, a economia floresceu e os consumos excessivos de


carne foram tiveram alusão e representados simbolicamente em pinturas religiosas
que associavam a punição a esse excesso.

Entretanto, para além dessas simbologias, vemos a forte presença de alegorias


aos cinco sentidos, das pinturas de flores e das vanitas como temas agrupados a
este gênero, a natureza-morta. Nas Vanitas, temos representações que refletem
sobre a brevidade da vida através de objetos e suas associações simbólicas:
caveiras, representações de bens materiais voluptuosos e de riquezas exuberantes,
velas acesas, relógios, ampulhetas, livros e bolhas de sabão – representações da
fragilidade da vida e da inexorável condição da morte.

As Vanitas são representações pictóricas carregadas de ideologia cristã sobre


os valores espirituais que defendiam o desprezo pelos bens materiais enfatizando
a insignificância da vida terrena, a efemeridade das vaidades e dos prazeres
carnais. O termo Vanitas aparece, historicamente, pela primeira vez, na Bíblia
Sagrada, num versículo do Eclesiastes (Século III), do antigo testamento, e parte
do pressuposto de que tudo fora dos preceitos religiosos vem a ser pura vaidade:
“Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (no
latim, Vanitas Vanitatum Dixit Ecclesiastes, Vanitas Vanitatum et Omnia
Vanitas) (Eclesiastes, 1:2).

O repertório visual que compõe as imagens de vanitas transmite esses valores


através de metáforas: uma ampulheta para aludir à passagem do tempo, uma flor
murcha para aludir à brevidade da beleza, a vela, como substituto da vida. Segundo
Luis Vives-Ferrándiz Sánchez (2013), “se trata de conceitos ou significados
que se veiculam através do olhar, da visualidade, formando parte do que se
conhece como retórica visual”. São imagens que utilizam recursos da linguagem
visual para persuadir quem as vê, no sentido de influenciar seus comportamentos.

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Figura 4 – David Bailly, Self-portrait with Vanitas Simbols, 1651 Figura 5 – Pieter Steenwijck, Vanitas
Fonte: Wikimedia/Commons Still-Life with Gorget and Cuirass, 1640
Fonte: Wikimedia/Commons

A vaidade é representada através da jarra com flores, bens de luxo, moedas,


copos de vinho caídos, colares de pérolas, cachimbos e esculturas.

Seguindo na vertente mimética da natureza-morta, temos a obra Cesto de


Fruta, de Caravaggio, na qual o artista pintou alguns frutos comidos por insetos
ou murchos, numa representação realística de acordo com as descrições da
Antiguidade Clássica.

Figura 6 – Caravaggio, Cesto de frutas, 1556


Fonte: Wikimedia/Commons

Há, ainda, vários temas e objetos de estudo representados na natureza-


-morta, como os gabinetes de curiosidade, as coleções de história natural e outros
instrumentos criados pelo homem e outras coleções. As tulipas foram representadas
em grande quantidade nas naturezas-mortas deste período, além dos alimentos
como açúcar em substituição ao mel, como símbolo de luxúria, e frutos que
simbolizavam o Bem e o Mal: cerejas e morangos como símbolos do paraíso, maçã
como símbolo da tentação e romã como símbolo da ressurreição.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Na Holanda, quando a natureza atingiu o seu ápice, no século XVII, temos,


como grandes grupos temáticos, os quadros de frutos (fruytage), os banquetes
(bancket), as mesas postas ou cafés da manhã (ontbijt) nas obras dos artistas mais
expressivos, como Gillis, Van Dijck e Van Schooten.

Figura 7 – Floris Van Schooten, Natureza-morta, cerca de 1650


Fonte: Wikimedia/Commons

A exuberância nas representações de natureza-morta estendeu-se pela Europa


e teve grande presença na Espanha. Juan Sanchéz-Cotán foi um dos grandes
pintores que elaborou composições bem estruturadas combinando frutos, animais
e vegetais, dispondo-os arquitetonicamente, realçando com luz e sombra suas
formas, texturas e volumes.

Figura 8 – Juan Sanchéz-Cotán, Natureza-morta, 1602


Fonte: Wikimedia/Commons

De acordo com Ortiz (2004), foi a partir do século XVIII que se iniciaram novas
transformações na temática da natureza-morta, com novas investigações formais e
de caráter estético com grande foco na Espanha.

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Goya elaborou, durante uma fase de sua vida, quando ficou surdo, uma série
de pinturas de natureza-morta, com animais mortos, as quais foram analisadas por
historiadores como reflexos alegóricos da Guerra Peninsular, que contextualizava a
produção do artista realizada entre os anos 1808 a 1812. Para Peter Cherry,
Os animais mortos e rígidos visíveis em algumas naturezas-mortas pare-
cem refletir as pilhas de cadáveres de civis inocentes das gravuras [Os De-
sastres da Guerra]: as aves depenadas e a carne esquartejada evocam al-
gumas das imagens das atrocidades mais pungentes na resposta de Goya
à guerra (CHERRY, 2010, p.110)

Figura 9 – Francisco di Goya, Lebres mortas, 1808-12


Fonte: Wikimedia/Commons

Na transição do século XVIII para o XIX, temos, como exemplo, o trabalho do ar-
tista inglês John Constable. Observemos, abaixo, o seu desenho, um estudo de flores
num jarro com leves detalhes nos volumes e texturas, acompanhado de anotações.

Aos poucos, o gênero natureza-morta


foi ganhando subjetividade autoral na
pintura do século XIX, na qual os artistas
se expressavam de formas livres e criavam
novas abordagens sobre a arte.

Nos desenhos de Peter DeWint e


León Bonvin, podemos ver dois tipos
de representação. No primeiro, temos
uma composição com objetos sobre um
fundo branco do papel, num trabalho
delicado de luz e sombras realçadas com
o guache branco. Em Bonvin, temos uma
composição clássica de natureza-morta,
com objetos e elementos orgânicos,
trabalhada com forte presença da luz
e sombra. O fundo é trabalhado num Figura 10 – John Constable,
degradê, realçando os objetos num forte Flores num jarro, cerca de 1830
contraste de tons de cinza. Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Figura 11 – Peter DeWint, Natureza-morta, cerca de 1840


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 12 – León Bonvin, Natureza-morta com galheteiros e vegetais, 1863


Fonte: Wikimedia/Commons

Pintores do Impressionismo, como Manet, Renoir e Monet, trabalharam esse


tema de formas distintas, inovando as técnicas e os conceitos, contribuindo para
a conquista da autonomia e autoria do gênero. As naturezas-mortas de Cézanne
com objetos domésticos e frutos são marcantes na história da arte devido ao uso do
cromatismo e pela ausência dos contornos e linhas que, até o momento, “ditavam”
a prática pictórica.

Édouard Manet, considerado o “pai” da pintura moderna, também realizou


alguns estudos isolados de frutos com o uso de aquarela sobre grafite.

Robert Delaunay trabalhou com a leve geometrização dos objetos, rompendo


com a perspectiva, colocando-os em diversos pontos de vista, de frente, de lado e
sendo vistos de topo, num trabalho feito com pena e tinta nanquim, ressaltando as
texturas e volumes com hachuras.

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Figura 13 – Claude Monet, Figura 14 – Cézanne, Natureza-morta com maçãs, 1895
Natureza-morta com melão, 1872 Fonte: Wikimedia/Commons
Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 15 – Édouard Manet, Duas maçãs, 1880 Figura 16 – Robert Delaunay, Nature morte Portugaise, 1915
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Theo van Doesburg trabalhou na fronteira entre figuração e abstração da


natureza-morta, demonstrando fortes relações com o cubismo de Picasso.
Observemos como, com pequenas linhas fragmentadas, o artista representa uma
composição com objetos e flores.

Figura 17 – Theo van Doesburg, Natureza-morta com flores, cerca de 1916


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Numa outra vertente modernista, temos trabalhos mais voltados para a expressão
da cor, como os dos Fovistas, com Henri Matisse como forte representante.
Conforme veremos na próxima unidade, um dos materiais empregados em
desenho com cores é o giz pastel, do qual resulta trabalhos que ficam na fronteira
entre o desenho e a pintura por suas características estéticas, que se assemelham
a pinceladas. Podemos ver, no trabalho de István Nagy, um exemplo do uso do
giz pastel numa natureza-morta. Observe a expressividade do gesto e do traço,
na complexidade das cores e o seu uso inusitado do azul na representação de
elementos como folhas, característica marcante do Fovismo e do Expressionismo.

Figura 18 – István Nagy, Natureza morta com pêra marmelo, 1930


Fonte: Wikimedia/Commons

Com Picasso, Braque e Juan Gris, no Cubismo, a natureza-imóvel foi repre-


sentada com o foco na vida dos cafés, em composições mistas de pintura e cola-
gem com elementos como cartas de baralho, números, recortes de jornais. Aqui já
temos a inserção de elementos materiais reais na própria representação: o jornal é
colado para ser um jornal.

Figura 19 – Pablo Picasso, Bottle of Vieux Marc glass, guitar and newspaper, 1913
Fonte: tate.org.uk

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As vanguardas modernistas revolucionaram o conceito de arte e, com Duchamp,
transformaram o gênero da natureza-morta, criando outro, o do objeto. Nesse
movimento iniciado com as colagens cubistas, os objetos passaram a estar
presentes no espaço pictórico e a adquirir também autonomia. Os objetos foram
reapresentados em novos contextos, adquirindo novos significados de acordo com
os conceitos definidos pelos artistas.

Os ready mades, de Duchamp, anularam o lado ficcional da natureza-morta,


transformando e modificando os objetos.

Figura 20 – Marcel Duchamp, Armadilha, 1917


Fonte: toutfait.com

Seguindo para o modernismo, temos Giorgio di Chirico com suas contradições de


escala e combinações misteriosas entre objetos familiares e paisagem, representadas
num contexto do pré-surrealismo, com imagens inquietantes e estranhas. Magritte,
no surrealismo, compunha imagens com objetos que também ganhavam inversão
de escala, criando ambientes irreais.

Figura 21 – Giorgio di Chirico, Love song, 1914 Figura 22 – René Magritte, Valores pessoais, 1952
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Nesse processo de autonomia do artista, a natureza-morta insere-se em dife-


rentes contextos, nos quais há novos códigos modernos de representação e sig-
nificado. Seja nas representações traumáticas da Primeira Guerra Mundial, em
naturezas-mortas de expressão apocalípticas, seja no contexto de opressão judaica,
nas pinturas de Chaim Soutine, ou na dicotomia entre vida e morte, em alegorias
da Guerra Civil Espanhola, nas pinturas de Miró, a natureza-morta foi reinventada.

Inspirado pelos surrealistas, Joseph Cornell criou caixas que apresentam objetos
inacessíveis e intocáveis, cheias de nostalgia e memória.

Figura 23 – Joseph Cornell, Untitled (The Hotel Eden), 1945


Fonte: Wikimedia/Commons

No contexto contemporâneo da arte, temos Jasper Johns com suas bandeiras


que confundem nossa concepção do que seja arte e do que seja objeto real.
Rauschenberg, em suas combine paintings incorporou objetos em suas pinturas.
Claes Oldenburg, Andy Warhol refletiram sobre os objetos banais do cotidiano e
da sociedade de consumo através da representação pictórica e escultórica. Temos,
aqui, o uso de coisas comuns e impessoais para praticar a arte, ou seja, o princípio
da natureza-morta que está no uso de objetos do cotidiano na representação.

Vimos que a essência da natureza-morta está na combinação de elementos


inanimados, estáticos por um momento, que foram de interesse por suas
características físicas, simbólicas, plásticas e conceituais. Por ser um gênero
historicamente surgido dentro do contexto da produção pictórica, pois o desenho
ainda era praticado como esboço, temos dificuldades em encontrar exemplos
específicos de desenho. Contudo, através dos exemplos aqui estudados, conhecemos
alguns aspectos conceituais e históricos da natureza-morta que podem contribuir
para os exercícios práticos do desenho de observação de objetos e elementos
naturais. O desenho de objetos é fundamental para exercitar a representação de
luz e sombra, de volumes e proporção em composições, como forma de conhecer
detalhadamente o universo de objetos com os quais nos relacionamos, aos quais
atribuímos valor e significados em nossa vida.

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A Paisagem Natural e a Paisagem Urbana
Os desenhos das paisagens naturais e urbanas caracterizam-se, principalmente,
pela posição do observador diante da paisagem: proximidade ou afastamento.
Nessa relação, são somados dois níveis teóricos, a representação e a invenção,
acrescentando-se, ainda, as possibilidades de exploração e articulação,

Quando falamos em representação do espaço real, estamos nos referindo a uma


tradução com maior fidelidade através dos meios, técnicas, suportes e materiais
associados à capacidade técnica do artista. Mas, na verdade, a representação fiel
total de uma realidade sempre é uma tarefa utópica.

Quando falamos em invenção, referimo-nos aos níveis de afastamento em


relação à realidade, ou seja, os artistas criam obras provindas de exercícios de livre
criação, uma expressão da subjetividade do artista.

Quando falamos em exploração e articulação no desenho de paisagem, referimo-


nos à mescla entre representação e invenção, na qual o artista utiliza elementos
colhidos da realidade, mas os transforma. Dessa forma, o artista altera partes da
realidade, reorganizando-as em outras composições.

Veremos como os níveis de observação, entre a representação e a invenção da


paisagem, foram assumindo maior ou menor grau de valorização subjetiva ao longo
da história da arte.

No desenho de paisagem, o artista trabalha com a mesovisão, ou seja, uma


visão média entre a proximidade e o distanciamento máximos. A microvisão
compreende a percepção da natureza mínima através de estudos de representação
de elementos isolados, descontextualizados da sua origem (um galho de uma grande
árvore, rochas, nuvens, por exemplo). A microvisão é diferente da macrovisão,
sendo que esta se caracteriza pela percepção da paisagem máxima, com espaços
que ultrapassam a percepção humana, como nos mapas, por exemplo. Portanto,
a mesovisão caracteriza-se por esse ponto intermédio, permitindo, assim, as
condições regulares de percepção visual da natureza e do espaço urbano, traduzida
em representações gráficas e pictóricas.

No entanto, por mais que a mesovisão seja a que garante condições de


representação no desenho, ela possui uma limitação. Os desenhos e pinturas de
paisagens naturais e urbanas sempre são uma redução do real para um suporte.
Portanto há uma diminuição significativa da escala. Dessa forma, os elementos
naturais e urbanos são apresentados de modo verossímil, isto é, há uma ilusão
dos relevos, texturas e volumes que permitem uma percepção e leitura da imagem
associando-a à realidade através de elementos visuais significativos.

A verossimilhança das obras de paisagem é determinada pelo tratamento gráfico


através da exploração e emprego de construções lineares, resultando em formas
com tratamentos monocromáticos, que representam seus aspectos de textura e
volumes, ou, ainda, com o uso da cor.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

No desenho da paisagem, o uso da luz é fundamental para a degradação das


cores e dos volumes, representando, assim, a perspectiva e os planos da paisa-
gem, revelando seu aspecto tridimensional numa representação bidimensional,
numa ilusão.

A paisagem consiste na noção de conjunto, num agrupamento de elementos


naturais e urbanos que são percebidos por um olhar globalizante, que, por isso
mesmo, perde alguns pormenores e detalhes desses elementos.

No que concerne à exploração gráfica da paisagem, podemos listar três


abordagens mais comuns sobre os seus conteúdos: as marinhas, as paisagens
terrestres e as paisagens terra-água.

As marinhas caracterizam-se por representações de espaços naturais de rios,


lagos e oceanos, ou de forma exclusiva ou em associação com alguns elementos
terrestres numa pequena proporção. Em geral, as marinhas podem ter dois tipos
de ponto de vista adotados: a partir da terra ou a partir do próprio local (rio, mar,
etc.). No entanto, os desenhos de cenas marinhas em que o observador se encontra
em terra são os mais constantes. Citamos, como exemplo de uma visão dentro do
mar, o trabalho do artista do Romantismo Inglês, William Turner.

Figura 24 – William Turner, Jetzt für den Maler, Passagiere gehen an Bord, 1827
Fonte: Wikimedia/Commons

As paisagens terrestres caracterizam-se pela representação exclusiva de


espaços terrestres, sem nenhum elemento aquático. Geralmente são desenhos de
montanhas, de campos e de pessoas num determinado local rodeado de elementos
como rochas e árvores, tal como podemos ver no desenho de Brueguel.

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Figura 25 – Jan Brueguel, O velho, Country road in front of a Wood, cerca de 1600
Fonte: Wikimedia/Commons

As paisagens terra-água compreendem um modelo de representação que


combina tanto elementos terrestres quanto aquáticos. É comum que os elementos
aquáticos, como rio, mar ou lago, estejam em menor proporção que os elementos
terrestres, como exemplificado, aqui, no desenho de Claude Lorrain.

Figura 26 – Claude Lorrain, Floodplain with Watering Place, cerca de. 1640
Fonte: Wikimedia/Commons

Outra forma de representação do espaço paisagístico é o panorama (do grego


pan, todo e horama, vista), caracterizado pelas composições em que os espaços
são extensos na sua horizontalidade. O desenho de panorâmicas compreende a
especificidade de representação de espaços reais, reconhecíveis e com forte apelo
estético, buscando seduzir visualmente por sua beleza paisagística.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Figura 27 – Autor desconhecido, Panorama, 1797


Fonte: Wikimedia/Commons

Conforme foi dito, a noção de conjunto própria da representação da paisagem


caracteriza-se por uma perda da pormenorização de seus elementos constituintes.
Nesse caso do panorama, temos uma perda que se constitui num bloco homogêneo
de cores e texturas, sugerindo um espaço prolongado horizontalmente.

No que diz respeito aos materiais e suportes, o desenho de paisagem, geralmente,


é feito sobre o papel, por suas características de leveza e facilidade de manipulação
e transporte. O papel oferece a facilidade de correção uniforme dos materiais
nele empregados, possibilita o uso dos dois lados e configura-se como um suporte
privilegiado pelos artistas. As paisagens são, geralmente, realizadas em suportes
retangulares e, pela proximidade com as características da percepção visual, estes
são utilizados na horizontal, configurando a proporção de maior uso e conhecida
por formato paisagem.

Historicamente, o desenho autonomizou-se mais rapidamente que a pintura na


representação de paisagens, conferindo à natureza o papel de protagonista na
composição. Até o Renascimento, como estudamos ao longo desta disciplina, o
desenho era compreendido como etapa preparatória na realização de uma pintura,
mas passou a ganhar independência técnica e conceitual. Foi a partir daí que os
artistas passaram a dedicar-se ao desenho, muitas vezes associando-o à gravura,
devido ao interesse ampliado por colecionadores e comerciantes de arte.

Conforme vimos na Unidade II, foi nos séculos XV e XVI que se desenvolveram
técnicas de representação, como a perspectiva, para solucionar problemas de
profundidade na representação pictórica e do desenho. Essa técnica contribuiu
muito para o gênero paisagem ganhar autonomia e corpo conceitual. No entanto,
ainda nesses dois séculos, a paisagem era inserida nas composições, geralmente,
como um pano de fundo para as ações humanas. Essas paisagens são inseridas
de forma idealizada, sem grandes elementos de observação direta e fidelidade à
paisagem existente. O desenho de paisagem era realizado com base em recordações
e apontamentos parciais das poucas vezes que os artistas saíam pelos campos.

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Figura 28 – Leonardo da Vinci, Paisagem de Arno, 1473
Fonte: Wikimedia/Commons

Para além de Leonardo da Vinci, temos outros artistas do período que podemos
citar: no norte da Europa: Albrecht Dürer (1471-1528), Albrecht Altdorfer (1480-
1538), Wolf Huber (c. 1490-1553), Wolfgang Katzheimer, o velho, e, em Veneza,
o artista Domenico Campagnola (1500-1564).

Ainda no norte da Europa, especificamente na Holanda, temos o ápice do desenho


de paisagem como expressão artística autônoma, deixando de ser secundária na
composição e passando a ser o elemento fundamental desta. Na Holanda, havia
um mercado livre de artes, o que ajudou muito o trabalho e a venda dos trabalhos
dos artistas que, até então, dependiam, comumente, de encomenda de patronos.
Especialmente na pintura de paisagem holandesa, os artistas conseguiram uma
riquíssima qualidade nas tonalidades e nos cromatismos próximos à realidade.
Foi no século XVII que as técnicas de gravuras foram aprimoradas, ampliando o
mercado para os artistas que, naquele momento, podiam fazer várias reproduções
dos seus desenhos de paisagens vendidos com preços mais baixos devido à grande
procura. Desse período podemos citar artistas como Rembrandt van Rijn (1606-
1669), Jacob van Ruysdael (1628/9-1682), Hercules Seghers (1589/90-1630) e
Jan van Goyen (1596-1656).

Figura 29 – Paul Bril, Paisagem com lago, 1594


Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

No século XVIII, na França, temos o desenvolvimento de uma grande produção


de desenhos de paisagem idealizada ou feita com base em poucos elementos da
realidade em composições fictícias. Como exemplo, podemos citar o artista Hubert
Robert (1733-1808).

Figura 30 – Hubert Robert, Ditch at Place de la Concorde, Segunda metade do século XVIII
Fonte: Wikimedia/Commons

Contudo, na Itália, houve uma forte presença do vedutismo ou veduta (do italiano,
vista), o qual consistia em representações mais fiéis aos espaços representados, em
composições ricas em detalhamento e de grandes dimensões de paisagens urbanas,
naturais ou até panorâmicas. São autores representativos desse tipo de desenho
de paisagem, Gaspar van Wittel (1655-1736) ou Gian Paolo Panini (1691-1765).
Na cidade de Veneza, um importante centro difusor da veduta, temos Francesco
Zuccarelli (1702-1788), Anton Canal, dito o Canaletto (1697-1768) e Francesco
Guardi (1712-1793).

Figura 31 – Canaletto, O grande canal em Veneza, 1738


Fonte: Wikimedia/Commons

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Figura 32 – Thomas Gainsborough, Wooded Landscape with Donkey and Figures, 1754-64
Fonte: Wikimedia/Commons

Na transição do século XVIII para o XIX, temos o Romantismo como um


movimento cujo interesse pelo sublime e pela contemplação da natureza era a sua
força motriz. Foi um período de forte valorização da subjetividade do indivíduo,
que, naquele momento, encontrou na paisagem um meio de representação não
somente de contemplação e observação, mas também da própria relação com
a paisagem, numa imersão. O interesse não estava somente na representação
fidedigna da natureza, mas na vivência do homem na paisagem. Tanto os desenhos
quanto as pinturas apresentavam o homem em grande diferença de proporção com
a paisagem, quase que ínfimo perante a infinitude e a grandiosidade da paisagem.

Figura 33 – Thomas Cole, Paisagem italiana, cerca de 1840


Fonte: Wikimedia/Commons

Num contexto histórico e social, vemos que, nesse período, o burguês não pre-
cisava ser patrono das artes para obter distinção, e o artista, no Estado burguês,
perdeu a figura do mecenas. Ninguém mais o custeava com encomendas caríssimas
para adornar os seus palácios, como fizera a nobreza. Se, antes, as obras eram

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

invariavelmente feitas sob encomendas e contratos prévios, agora o artista realiza-


ria a sua obra e a exporia para apreciação pública na esperança de que alguém se
dispusesse a comprá-la. Apesar da austeridade financeira dos artistas do período,
essa liberdade de criação que agora surgia com a ausência de encomendas ampliou
experimentações artísticas nunca antes vistas. Tanto o homem como a natureza, no
Romantismo, eram vistos como se tocados pelo sobrenatural, e era possível vislum-
brar sua divindade interior. Assim rezava a cartilha romântica, confiando no instinto.

No Romantismo, temos três autores significativos da exploração da paisagem:


Caspar David Friedrich (1774-1840), John Robert Cozens (1752-1797) e William
Turner (1775-1851). Turner teve interesse por temas dramáticos – incêndios e
tempestades. Depois de viagens ao continente, ele ficou fascinado pelos aspectos
mais selvagens da natureza e desenvolveu um estilo distinto. Almejava provocar
terror em seus espectadores e mudou o tema tranquilo dos campos para picos
alpinos, pôr-do-sol flamejante e luta do homem contra os elementos naturais como
tempestades em alto mar. Muitos de seus trabalhos ficam na fronteira da abstração.

Figura 34 – John Robert Cozens, Lago Albano e Castelo Gandolfo, 1777


Fonte: Wikimedia/Commons

Figura 35 – William Turner, The Beacon Light, cerca de 1840


Fonte: Wikimedia/Commons

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O gênero da paisagem seguiu, no final do século XIX, com os pintores impres-
sionistas, mas com o foco voltado para as alterações de luz e a forma como esta
gerava diferentes percepções visuais. As pinturas eram feitas com o uso da cor,
abolindo os contornos que definiam as formas naturais e urbanas e deixando de
lado o naturalismo e a fidelidade dos detalhes e cores. Contemporaneamente, con-
forme veremos na Unidade VI, o desenho de paisagem expandiu-se para a própria
paisagem, com movimentos artísticos conhecidos como landart ou earth art e as
intervenções urbanas.

Este breve apontamento histórico possibilitou compreendermos como o desenho


da paisagem foi realizado em alguns períodos artísticos. No estudo do desenho de
paisagem, é importante compreendermos, ao final, alguns aspectos funcionais pre-
sentes na produção artística: os estudos preparatórios, desenhos integrados, desenho
como projeto, modelos, desenhos finalizados e reproduções de obras finalizadas.

O desenho de paisagem, realizado como estudo, constitui explorações prévias


de obras, anotações rápidas e análises de detalhes específicos de texturas e pro-
porções dos elementos naturais e urbanos. Os estudos, geralmente, eram feitos a
partir da observação direta nos campos e espaços escolhidos para, futuramente,
serem elaborados em composições mais trabalhadas em obras realizadas em pin-
turas e gravuras.

Os desenhos de paisagem integrados são conhecidos por empregarem diferentes


materiais e técnicas do desenho juntamente com outras técnicas. Muitas vezes são
imperceptíveis as diferenças entre os materiais e só podemos distingui-las por meio
de análises de radiografia.

Ainda numa vertente dos desenhos de paisagem, temos os que são feitos com o
intuito de serem projetos de outras paisagens reais, como jardins, espaços naturais
e até em composição com elementos arquitetônicos. São famosos os desenhos dos
jardins franceses e ingleses desenvolvidos no final do século XVIII, dentre os quais
os feitos por André Le Nôtre (1613-1700).

Temos, ainda, o desenho como modelo de produções futuras, já elaborado


em composições definidas previamente com base na observação direta. Esse tipo
de desenho era utilizado em trabalhos feitos durante viagens curtas e que seriam
depois trabalhados em detalhes nos ateliês dos próprios artistas.

Por fim, temos o desenho finalizado, conceito definido pelo seu próprio autor,
geralmente reconhecido quando é datado e assinado, e as reproduções geralmente
feitas em técnicas de gravura.

Esses aspectos técnicos e históricos servem-nos, aqui, como conhecimento e


estímulo para a produção do desenho da paisagem urbana e natural. É fundamental
que o estudante de artes exercite a observação de pormenores, detalhes, texturas
e proporção dos elementos que compõem a paisagem e o espaço, e também que
vá da representação à invenção, explorando potencialidades criativas em técnicas
de desenho.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Animais e Criaturas
Desde as primeiras representações gráficas do homem, os animais estão
presentes nelas. Na verdade, vimos, na Pré-História, como os animais foram o
centro de interesse das pinturas rupestres num contexto ritual.

Os animais e criaturas estão presentes em nosso imaginário, seja por intermédio


das histórias de terror, dos desenhos animados ou do contato com os animais
domésticos. Sara Simblet diz que
Quando não conseguimos explicar as nossas emoções, recorremos aos
traços fisionômicos dos animais. Isso se tornou uma “ciência” na Europa
do século XIX. Recém-chegados delirantes invadiram as cidades industriais
em desenvolvimento com compêndios de fisionomias para identificar
e compreender os seus vizinhos. Analisavam-se rostos segundo as suas
semelhanças com animais, das quais se “deduziam” a personalidade e
o comportamento. Os animais alimentam perpetuamente as nossas
imaginações (SIMBLET, 2011, 25)

O desenho de espécies animais foi muito presente na produção dos artistas-


viajantes que vieram ao Brasil, principalmente no início do século XIX. As expedições
científicas tinham por objetivo catalogar as espécies, observar os comportamentos
e os seus habitat. Os desenhos deveriam ter veracidade científica, a semelhança e
a fidelidade ao real deveriam ser características obrigatórias, como podemos ver na
aquarela de Aimé-Adrien Taunay, artista da Expedição Langsdorff (1822-1829).

Figura 36 – Aimé-Adrien Taunay: Camaleão, 1827. Aquarela


Fonte: TAUNAY, Aimé-Adrien

O desenho, no caso de Taunay, caracteriza-se como registro e transmissão de


conhecimento científico. A respeito disso, citamos dois outros exemplos na história
da arte anteriores ao século XIX. O primeiro é o famoso Rinoceronte feito pelo
alemão Albrecht Dürer, no século XVI, e o segundo é o Esqueleto de Cavalo feito
pelo inglês George Stubbs.

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Figura 37 – Albercht Dürer, Rhinocerus, 1515
Fonte: Wikimedia/Commons

Em seu livro, Sara Simblet ressalta os fatores que caracterizam a importância do


desenho de Dürer:
O primeiro rinoceronte vivo a chegar à Europa veio da Índia em maio
de 1515 como presente para o rei de Portugal D. Manuel I que, por sua
vez, remeteu a misteriosa criatura ao papa, via Marselha, a pedido do rei
da França. O navio em que seguia naufragou, mas o animal afogado veio
até a costa. Depois de cuidadosamente embalsamado seguiu a sua viagem
até Roma. Entretanto, chegou a Nuremberg um desenho do animal e
Dürer, que ali vivia, estudou a imagem e dela desenhou a sua própria
interpretação. Convertida em gravura, a imagem de Dürer passou por
várias mãos até se tornar conhecida em toda a Europa e, por 250 anos,
foi a única interpretação aceita do animal, inspirando inúmeras obras de
arte. E tanto se apossou da imaginação do povo que, mais tarde, quando
surgiram imagens mais fiéis sem armadura nem escamas, estas foram
rejeitadas (SIMBLET, 2011, p. 26)

George Stubbs, pintor de cavalos e retratista


da sociedade inglesa, naturalista e anatomista,
tem como uma das obras mais aclamadas a pu-
blicação chamada Anatomia do Cavalo, a qual
consiste em 18 pranchas que mostram disse-
cações em camadas desde os ossos, através da
musculatura, até a pele, em três perspectivas:
de trás, de frente e de lado.

Simblet afirma que essa obra continua até


hoje a ser consultada por veterinários. Essa
autora nos diz que “Stubbs dedicou a sua vida
e o seu lápis ao estudo do interior do cavalo,
dissecando e desenhando até compreender os
mecanismos da sua força e elegância” (2011,
p. 27). Para ela, Dürer e Stubbs “inventaram a Figura 38 – George Stubbs, Gravura III
luminosidade necessária para realçar o realismo do Esqueleto do Cavalo, 1756-58
dos animais” (Ibidem). Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Representar os animais com realismo exige paciência e dedicação, pois pode ser
um trabalho compensador ou frustrante. Os animais, sejam eles selvagens, animais
de fazenda ou domésticos, são fascinantes, mas não cooperam muito no que se
refere à facilidade de observação. Sempre estão em movimento e são espontâneos.
Com isso, temos dificuldade em fazer desenhos muito demorados e trabalhados.
Alguns animais são mais calmos e dormem por longos períodos, como os gatos,
por exemplo.

O segredo da representação dos animais está não só na cuidadosa observação


dos detalhes mas também nos esboços rápidos que captem a essência do animal
ou do movimento. Assim como vimos na figura humana, a representação do mo-
vimento requer concentração e prática, pois a nossa habilidade de observação vai
sendo aprimorada de acordo com a repetição dos exercícios. Esboçar é uma destre-
za e, realmente, vai se tornando mais fácil quanto mais vezes esse trabalho for feito.


Figura 39 – Miguel Ambrizzi, Estudos de aves – avestruz e siriema, 2001

O desenho de texturas presentes nos animais é um bom exercício de observação.


Sejam elas ásperas ou desgrenhadas, como as encontradas nos pelos, ou macias ou
lustrosas, como as das penas de um pássaro, as texturas são uma das características
mais atraentes dos animais.

Tanto no desenho da figura humana quanto no dos animais, é importante


capturar a qualidade de vida da criatura e o modo como ela se move, portanto é
preciso nos permitir um meio de trabalho rápido e livre.


Figura 40 – Miguel Ambrizzi, Estudos de Antílopes, 2001

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Os animais tendem a repetir seus movimentos. Outra forma de aproximação é fa-
zer muitos desenhos em uma única página, trabalhando em todos ao mesmo tempo.
Theodore Géricault realizou uma série de estudos de seu gato em saltos, reviravoltas
e expressões faciais. Desenhou os detalhes de sua pelagem, as articulações do corpo,
os dentes afiados e o seu temperamento irrequieto (SIMBLET, 2011)

Figura 41 – Theodore Géricault, Estudo de um gato bravo malhado, 1817-18


Fonte: harvardartmuseums.org
No início, torna-se mais fácil observar os movimentos através de fotografias de
animais selvagens e mais velozes.
Para facilitar o aprendizado do desenho de animais, sugere-se começar exercitando
pela observação da estrutura interna (óssea e muscular) de animais tetrápodes
(vertebrados de quatro membros). Depois de uma simplificação da estrutura,
podem ser feitos esboços rápidos e simplificados a partir de figuras geométricas.
Esse método ajuda-nos a captar, com rapidez e pouca dificuldade, as posturas e os
movimentos dos animais e também os comportamentos característicos.
Em aves, é interessante observar como a sua coluna vertebral é mais curta e
firme, como se dá o movimento das asas e como este impulsiona o corpo levemente
para a frente e para trás.
No que se refere à representação dos animais e principalmente de seus
movimentos, temos, em Pablo Picasso e Paul Klee, dois exemplos distintos de
percepção dos animais.
Em Picasso, vemos a expressão corporal da ave que foi pisoteada pelo cavalo.
Ambos os animais representados com uma forte textura contrastam com a pintura
mais suave e esfumaçada do corpo do fauno. Esse desenho foi feito com tinta
nanquim e guache aplicado com pincel. De acordo com Simblet, “a tinta serviu para
definir firmemente a solidez das linhas recurvas. O guache foi levemente aplicado
em finas aguadas transparentes de azul, cinza e marrom” (2011, p. 30). Para ela,
essas técnicas completam-se e ampliam-se mutuamente em um vivo contraste.
Em Klee, vemos um desenho linear que mescla tanto o movimento dos animais
quanto os gestos usados pelo artista. Como nos diz Simblet, “o fato de nunca se
acalmarem influencia o movimento das linhas. A mão do artista deve ter-se agitado
e sacudido ao ritmo da constante agitação” (2011, p. 30).

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Figura 42 – Pablo Picasso, Fauno, Cavalo e Ave, 1936 Figura 43 – Paul Klee, Teatro dos animais, 1933
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

Captar a Expressão – Desenhos Rápidos de Aves por Sara Simblet


Explor

Figura 44 – Sara Simblet, Estudos de Ganso, 2011


Fonte: SIMBLET, Sara
Em estudos de captação das expressões dos animais, devemos observar o peso dos corpos,
as proporções e movimentos dos membros. Pode-se exercitar, com rapidez, a atitude dos
animais através dos desenhos de contornos, representando, assim, somente o essencial. No
que se refere ao desenho de animais, Simblet define três aspectos interessantes e essenciais
para exercitarmos: a posição, a ação e a textura:
Posição: procure uma ave em posição simples. Fixe nela o olhar. Tente apoderar-se da
imagem e fixe-a na sua mente. Lance-se rapidamente ao desenho em três ou quatro
traços. Insista e desenhe os movimentos da ave. Seja largo e firme. Não exceda dez
segundos no desenho de cada uma e agrupe os desenhos, enchendo uma página.
Ação: cada vez mais confiante, observe as aves e procure os movimentos mais
complicados como sacudir a água, correr, agitar as asas e mergulhar. Use agora mais
linhas do que antes de fixar estas atitudes. Desenhe de novo o sentimento do que vê;
não se preocupe com os fatos mecânicos ou com a perfeição
Textura: vá adaptando gradualmente mais linhas para descrição da textura de cada ave, da
sua atitude e movimento. Evite o pormenor, exceto quando se sentir tentado por um grande
plano. Adapte a pressão da pena atendendo aos seus conhecimentos sobre a ave, sua atitude
e seu movimento, além da atração que ela lhe inspirar. (SIMBLET, 2011, p. 38-39)

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Quando o tema é desenho de animais, há uma grande variação de técnicas,
estilos e intenções do artista. Os animais foram representados de diferentes formas
que ultrapassaram a observação, resultado de investigação artística formal, estética
e conceitual. Uma delas é a representação voltada para o imaginário, resultando
em criaturas e monstros baseados tanto em histórias fantásticas da literatura como
em lendas locais ou por pura liberdade criativa dos artistas.

Na Idade Média, o bestiário latino da Inglaterra foi um dos livros de gravuras


mais populares. Um bestiário é uma publicação com vários contos moralizadores
sobre um animal ou um monstro. Ele influenciou profundamente a arte medieval,
na qual gárgulas eram representadas no alto das igrejas ou nas letras capitulares
e margens das ilustrações bíblicas. Mas ainda temos, até nos dias de hoje, várias
releituras sobre os bestiários na literatura infantil e na arte contemporânea.

Figura 45 – Bestiário de Aberdeen, Hiena, 1200


Fonte: Wikimedia/Commons

Sara Simblet apresenta alguns aspectos que revelam os motivos e os contextos


em que as produções artísticas com a temática de monstros se inserem: “A nossa
secular necessidade de visualizar demônios, bestas, alienígenas, anjos e os rostos
de Deus forneceu aos artistas, ao longo dos séculos, um festim para saciar a
imaginação”. Para ela, “as imagens que agora nos rodeiam testemunham o poder
e os recursos da imaginação coletiva” (2011, p. 239).

No decorrer da história da arte, temos vários períodos em que artistas


representaram graficamente, seja em desenho ou em pintura, os seus medos, suas
fantasias e fantasmas que os assombravam.

Michelangelo realizou uma série de desenhos de criaturas e monstros e muitos


deles foram inseridos na pintura do Juízo Final no altar da Capela Sistina, no
Vaticano. Esses desenhos foram baseados no imaginário guiado pelos princípios e
crenças católicos, em histórias e trechos bíblicos sobre o Apocalipse. São imagens
baseadas em textos carregados de simbologia e espiritualidade.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Figura 46 – Michelangelo, Estudos, 1530


Fonte: Wikimedia/Commons

Martin Schongauer, um pintor e gravador alemão, ficou famoso por suas


gravuras amplamente divulgadas na época em que viveu. Na obra Santo Antão
Atormentado pelos Demônios (1485), o artista representou criaturas híbridas
de aves e peixes, de répteis e mamíferos, criando uma imagem de forte impacto,
ressaltando a santidade e a serenidade com que o santo se enfrenta com essas
criaturas; a vitória do bem contra o mal.


Figura 47 – Martin Schongauer, Santo Antão atormentado pelos demônios, 1485
Fonte: Wikimedia/Commons

Ainda no Renascimento, temos Hieronymus Bosch, o artista que, talvez, tenha


pintado mais criaturas e seres assustadores, também inseridos num contexto de
crença católica, sobre a oposição entre bem e mal, céu e inferno, seres divinos
e monstruosidades.

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Figura 48 – Hieronymus Bosch, Dois Monstros, sem data
Fonte: Wikimedia/Commons

Para conhecer detalhes sobre uma das obras mais famosas de Bosch, O Jardim das Delícias
Explor

(1500-1505), um tríptico pintado a óleo, visite o site do Museu Nacional do Prado, museu
espanhol localizado na cidade de Madri. www.museodelprado.es e visite a galeria virtual no
link da coleção.

Francisco de Goya, na série intitulada Caprichos, faz uma crítica social, como,
por exemplo, na gravura Miren que grabes!, na qual o artista faz uma crítica ao
insucesso da reforma agrária e coloca seres humanos como asnos, para representar
os camponeses, e os cavalos de raça como monstros, numa inversão dos papéis,
de forma satírica e com ar de cinismo.

Figura 49 – Francisco de Goya, Figura 50 – Francisco de Goya,


Série Caprichos: Miren que grabes!, 1799 Série Caprichos: Soplones, 1799
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

No século XIX, temos Odilon Redon, pintor, desenhista, artista gráfico e escritor
francês, que trabalhava com grandes contrastes de luz e sombra. Pertencente
ao grupo dos Simbolistas, seu interesse estava em explorar o lado sombrio do
imaginário humano através de figuras carregadas de simbolismo e misticismo.

Figura 51 – Odilon Redon, Chimera, 1883 Figura 52 – Odilon Redon, Gnome, 1879
Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons

O Simbolismo é uma corrente artística de timbre espiritualista que floresce na França,


Explor

nas décadas de 1880 e 1890. Encontra expressão nas mais variadas expressões artísticas,
pensadas em estreita relação umas com as outras. O objetivo último das diferentes
modalidades artísticas é a expressão da vida interior, da “alma das coisas”, que a linguagem
poética - mais do que qualquer outra - permite alcançar por detrás das aparências.
Para conhecer os artistas e princípios fundadores do movimento, visite o site da Enciclopédia
de Artes Visuais do Itaú Cultural: https://goo.gl/YF0193

No que diz respeito aos desenhos mais fantasiosos, Simblet nos diz que:
Ao criar monstros, selecionamos detalhes dos animais mais estranhos
capazes de provocar terror: características de répteis e de insetos,
caudas de serpente, escamas, asas, penas e pelos compridos – tudo
com dimensões alteradas. O ser humano se deixa perturbar tanto com o
minúsculo quanto com o enorme. Os monstros tiram partido de ambos.
Gostamos do medo que sentimos do híbrido – uma mistura de homem e
animal que poderia nos acontecer (2011, p. 239)

Dentro do contexto contemporâneo da arte brasileira, temos o artista gaúcho


Walmor Correa, já apresentado no início desta unidade.

Walmor Corrêa é um artista catarinense radicado no Rio Grande do Sul. Seus


trabalhos pertencem ao universo do desenho e da pintura. Corrêa utiliza as técnicas
da pintura clássica, com base no desenho, no desenvolvimento de estudos (esboços)

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e, posteriormente, a pintura, fazendo-se valer de uma tradição do tipo acadêmica.
Suas pinturas recentes aproximam-se das ilustrações dos livros de História Natural,
aliás, alvo do comentário de alguns críticos que se debruçaram sobre sua produção.
Durante seu processo de trabalho, o artista realiza uma minuciosa observação e
pesquisa em diferentes fontes científicas (livros de anatomia, compêndios e manuais
de zoologia). Ele, em primeiro lugar, formula uma hipótese sobre a espécie e, a
partir daí, estuda como ela pode ser cientificamente descrita nas suas características
mais gerais, como anatomia, fisiologia e hábitos.

Seus primeiros trabalhos nesse domínio, encontrados na séria Natureza Perversa,


apresentam cruzamentos de espécies animais, como pinguim e peixe, gatos e
pacas, siris e aranhas, entre outros. Essas criaturas podem ser fruto da imaginação
do artista, do medo dos efeitos inimagináveis do consumo abusivo de alimentos
transgênicos ou de suas reflexões acerca dos experimentos da engenharia genética.

Figura 53 – Walmor Correa, Série Natureza Perversa, 2003


Fonte: www.walmorcorrea.com.br

Já no grupo de trabalhos intitulado Unheimlich, Corrêa trabalha numa outra


direção. Suas novas criações são mitos populares brasileiros, os quais são formados
por hibridações de diferentes animais (cachorra da palmeira) ou de humanos e
animais em um único ser (sereia e capelobo). A ao representá-los dessa forma,
dissecando-os e dando um discurso de verdade para suas anatomias, estaria o artista
reforçando a crença e o imaginário popular ou estaria iluminando o desconhecido?

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Ainda nessa série, Corrêa combina


informações tanto científicas (de mé-
dicos e especialistas) como populares
(de moradores das regiões onde esses
mitos e lendas se mantêm vivos) para,
então, representá-los como esperado
em um atlas de anatomia, o qual se uti-
liza de conhecimentos técnicos de de-
senho, pintura e escrita.

Observando os trabalhos de Corrêa,


podemos identificar questões de anota-
ção que mostram claramente sua minu-
ciosidade em relação às condições de
observação. O artista, ao elaborar suas
obras, assinala, em seus desenhos, o
nome de por menores e características
das partes do animal, registrando ele-
mentos da morfologia e da fisiologia.
Nestes termos, estes trabalhos absor-
vem as características dos primórdios
da ilustração científica, um tipo de re- Walmor Correa, Capelobo
presentação figurativa que se combina (Série Unheimlich), 2005
com o uso de textos. Fonte: www.walmorcorrea.com.br

Para um maior aprofundamento sobre o trabalho de Walmor Correa, leia os textos em


Explor

coautoria de Miguel Luiz Ambrizzi e Marcio Pizarro Noronha:


Pintura e Poética em Walmor Correa. Dos Gabinetes de Curiosidade às Zoopoéticas. O
texto foi publicado nos anais do XI Congresso Internacional da ABRALIC, realizado na USP,
em 2008, disponível no link: https://goo.gl/MdE40a
Nesse texto, os autores fazem uma análise crítica sobre a obra do artista e apresentam uma
proposta de projeto de ensino de arte realizado no Ensino Fundamental
Imaginário artístico e da arte entre os traços e resíduos das relações arte-natureza na
obra de Walmor Corrêa. O texto foi publicado no site oficial do artista e faz uma análise
mais profunda sobre os aspectos teóricos do imaginário que se encontram na obra do artista.

Como vimos nos exemplos aqui apresentados, entre a observação e a criação


de animais e criaturas, temos diferentes formas de expressão artística em diversos
meios e suportes. Os artistas aqui citados servem como formas de inspiração que
nos estimulam a exercitar tanto a observação quanto a imaginação. Conhecer e
praticar o desenho dos animais, nos esboços rápidos, no registro dos movimentos,
das expressões e comportamentos característicos de cada espécie são formas de
desenvolver as nossas aptidões, nossa percepção e o pensamento criativo.

40
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
Como se lê uma obra de Arte
CALABRESE, Omar. Como se lê uma obra de Arte. Lisboa: Edições 70, D.L 1997.
A Perspectiva das Coisas
CHERRY, Peter; LOUGHMAN John e STEVENSON, Lesley. A Perspectiva das
Coisas: A Natureza-morta na Europa: vol. I, séculos XVII-XVIII. Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa: 2010.
Como Reconhecer a Arte Gótica
GOZZOLI, Maria Cristina. Como Reconhecer a Arte Gótica. Col. Como reconhecer
a Arte, vol.1. Lisboa: Edições 70, 2005.
Do Objecto Impessoal ao Objecto Autorreferencial
MATEUS, Joana Adelaide Souto. Do objecto impessoal ao objecto autorreferencial.
Dissertação de Mestrado. Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes, 2010.
Descubrir el Arte: Revista de Arte Mensal
ORTIZ, Alicia Sánchez. Luís Melendez: Cocina sin condimentar. Descubrir el Arte:
revista de arte mensal. Arlanza Ediciones, Madrid: nº 60, Febrero/2004.
Goya: Revista de Arte
SÁNCHEZ, Luis Vives-Ferrándiz (2013). Cuerpos de aire: retórica visual de la vanidad.
Goya: Revista de arte, ISSN 0017-2715, Nº 342, 2013, págs. 44-61.
Naturezas-Mortas: A Pintura das Naturezas-Mortas nos Primórdios da Idade Moderna
SCHNEIDER, Norbert. Naturezas-Mortas: A Pintura das Naturezas-Mortas nos
Primórdios da Idade Moderna, Taschen: Köln, 2009.
Como Reconhecer a Arte Romana
TARELLA, Alda. Como Reconhecer a Arte Romana. Col. Como reconhecer a Arte,
vol.7. Lisboa: Edições 70, 2005.

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UNIDADE As Formas Naturais e Urbanas

Referências
DERDYK, E. Desegno. Desenho. Designio São Paulo: SENAC, 2008.

VILASALO, P.; J. M. A Perspectiva na arte. Lisboa: Presença, 1998.

SIMBLET, S. Desenho: uma forma prática e inovadora para desenhar o mundo


que nos rodeia. São Paulo: Ambientes&amp/Costumes, 2011.

EDWARDS, B. Desenhando com o lado direito do cérebro. 7.ed. Rio de Janeiro:


Ediouro, 2004.

HOCKNEY, D. O conhecimento secreto – Redescobrindo as Técnicas Perdidas


dos Grandes Mestres. São Paulo: Cosace Naify, 2001.

WONG, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

DWORECKI, S. M. Em busca do traço perdido. São Paulo: Scipione, 1999.

SMITH, R. Manual prático do artista. Porto: Civilização, 2006.

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