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Tecnologia de conservação dos alimentos

1. INTRODUÇÃO
Os alimentos são sistemas complexos, ricos em nutrientes, enzimas, e em componentes com
elevada reatividade, como os lipídios insaturados. Por esse motivo, estão susceptíveis a alterações
químicas, enzimáticas e microbiológicas. Estas alterações podem ser desejáveis, como na fermentação do
leite para produzir iogurte, ou indesejáveis, como na oxidação lipídica, na deterioração microbiológica e no
escurecimento enzimático, as quais podem provocar profundas alterações organolépticas, rejeição do
produto pelo consumidor e desperdício. Os alimentos podem ainda sofrer alterações causadas por agentes
mecânicos (golpes, amassamentos), o que pode favorecer a atuação dos agentes químicos, biológicos e
bioquímicos.
Um dos grandes desafios da tecnologia de alimentos é, portanto, inibir ou destruir os agentes
causadores das alterações indesejáveis dos alimentos. Existem diversas maneiras de se atingir este
objetivo, as quais abrangem métodos a quente, a frio, com remoção de água do produto, uso de agentes
químicos e físicos. Estes métodos visam destruir ou inibir/retardar o progresso das alterações.
Portanto, é fundamental que o profissional da área tenha conhecimento sobre os métodos
existentes e quais seus efeitos sobre o alimento, a fim de que o processo possa ser conduzido de forma a
preservar as características sensoriais desejáveis dos alimentos. Assim, o presente texto tem como objetivo
apresentar os principais métodos utilizados para a conservação dos alimentos.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Os agentes das alterações dos alimentos

Os alimentos podem ser alterados, basicamente, por agentes químicos, bioquímicos e


microbiológicos.
Exemplos de agentes químicos são o oxigênio, que provoca reações de oxidação de pigmentos, de
lipídios e outras substâncias, e metais de transição, como o Fe+2, que é capaz de catalisar reações de
oxidação lipídica.
Exemplos de agentes bioquímicos são as enzimas endógenas dos alimentos, como a peroxidase e a
polifenoloxidase, responsáveis por alterações de cor (ex. escurecimento enzimático), pela formação de
odores e sabores indesejados, e perda de valor nutricional devido a destruição de aminoácidos como a
tiorsina e fenilalanina.
Exemplos de agentes biológicos são os microrganismos. Os microrganismos de interesse em
alimentos incluem aqueles que podem promover apenas deterioração e aqueles que não causam alterações
visíveis a olho nu, mas podem causar doenças, sendo denominados patogênicos. A ação desses
microrganismos pode ser diretamente ao chegar no trato gastroinstestinal, ou por meio da produção de
toxinas e enterotoxinas.
Nesse contexto, os microrganismos de interesse nos alimentos são bolores, leveduras e bactérias.
Esses microrganismos desenvolvem-se em condições bastante distintas nos alimentos, e a sua
multiplicação está condicionada a uma série de fatores, denominados fatores intrínsecos e extrínsecos de
crescimento.
Os fatores intrínsecos correspondem àqueles relacionados a composição e propriedades do alimento.
Estes são: atividade de água, pH (acidez), potencial de oxirredução, composição química e fatores
antimicrobianos naturais. O fatores extrínsecos estão relacionados às características ambientais as quais os
alimentos estão inseridos. Eles são: temperatura ambiental, umidade relativa do ambiente e composição
gasosa do ambiente.
Ao longo deste texto, as implicações destes fatores e como o conhecimento deles pode auxiliar no
desenvolvimento e aplicação adequada dos métodos de conservação serão abordadas de acordo com a
necessidade.

2.2 Conservação dos alimentos pelo uso do calor

Fungos (bolores e leveduras) e bactérias são os principais agentes biológicos responsáveis pela
deterioração microbiológica dos alimentos. Enzimas, como a peroxidase, também desempenham um
importante papel na degradação da sua qualidade. A temperatura é um dos fatores que mais afetam a
atividade enzimática e a velocidade do crescimento microbiano. O comportamento dessas variáveis ajusta-
se à equação de Arrhenius, na qual a velocidade da reação aumenta proporcionalmente ao aumento da
temperatura, porém apenas dentro de um intervalo de temperatura.
Isto ocorre porque a atividade enzimática reduz proporcionalmente com a diminuição da
temperatura, porém quando esta aumenta, a atividade enzimática é elevada até um certo ponto,
determinado ótimo, a partir do qual ocorre desnaturação da enzima e perda de atividade.
Similarmente, microrganismos crescem mais velozmente quando aumenta a temperatura até
um ponto ótimo, denominada temperatura ótima de crescimento, que varia para cada microrganismos, a
partir do qual o crescimento desacelera até a temperatura denominada máxima de crescimento, e depois
cessa totalmente, momento caracterizado pela morte do microrganismo causada pelo calor. Mediante a
redução da temperatura, também se observa queda na velocidade de crescimento, até esta cessar
(temperatura diferente para cada microrganismo), em função da alteração ou injúria da célula e de suas
estruturas.
De acordo com as temperaturas ótimas de crescimento, os microrganismos são classificados
em psicrófilos (10-15ºC, com máxima de 20ºC), psicrotróficos (0-7ºC), mesófilos (25 – 40 ºC, com máxima
de 50ºC) e termófilos (45-65ºC, com máxima de 90ºC).
Qualquer temperatura acima da máxima de crescimento do microrganismo é letal para ele, e
a progressão da destruição dos microrganismos pelo calor segue um curso logarítmico. De acordo com
esse comportamento, foram estabelecidos alguns parâmetros que definem a termodestruição microbiana,
os valores D e Z. O tempo de redução decimal – valor D – se define como o tempo necessário, em uma
determinada temperatura, para destruir 90% dos microrganismos presentes. Por exemplo, se um
microrganismo apresenta D110ºC = 1 minuto, isso significa que a cada um minuto a 110ºC, a população
desse microrganismo é reduzida em 90% no alimento. O valor D é calculado por meio do gráfico de
sobrevivência, que é a reta obtida ao representar o logaritmo de sobreviventes em função do tempo. Para
cada microrganismo, o valor D é específico da temperatura de tratamento.
O valor z relaciona os valores de D a cada temperatura. É definido como o número de graus
centígrados necessário para aumentar ou diminuir a temperatura a fim de que o valor D diminua ou
aumente, respectivamente, 10 vezes. Ele é calculado a partir dos gráficos de termodestruição, construídos
representando os logaritmos dos valores D em função da temperatura. Por exemplo, se o microrganismo
D100°C = 1 min a apresentar valor z = 4°C, isto significa que para que o valor D seja 0,1 min, a temperatura
de tratamento aplicada deve ser de 104 ºC, isto é, D104ºC = 0,1 min. Assim, conhecendo-se o valor z, pode
calcular o processo térmico equivalente em diferentes temperaturas. Os valores de z para esporos
bacterianos costumam situar-se entre 7 e 12ºC, enquanto para bactérias não-esporuladas, entre 4ºC e 6ºC.
Alguns fatores que podem afetar a sensibilidade dos microrganismos ao calor, fato conhecido
como termoresistência. A diminuição da umidade do alimento provoca aumento da resistência térmica dos
microrganismos. A presença de gordura e proteínas aumenta a termoresistência de microrganismos pois
promovem redução da atividade de água. Os açúcares, como a sacarose, promovem redução da atividade
de água, e também aumentam a termoresistência de alguns microrganismos e esporos, principalmente dos
osmofílicos. A presença de sais influenciam a termoresistencia de maneira variável. Alguns sais têm efeito
protetor, por diminuírem a atividades de água (NaCl), enquanto outros, como o Ca+2, elevam a atividade de
água, portanto aumentam a sensibilidade ao calor.
Quanto ao pH, microrganismos são mais termoresistentes em alimentos neutros ou próximos
da neutralidade (ex. leite), enquanto a acidez ou alcalinidade torna mais rápida a destruição pelo calor, com
a acidez sendo mais eficiente para reduzir a termoresistência. Na prática, este é um dos fatores mais
importantes no estabelecimento das condições de tratamento térmico de um alimento. Por esse motivo, os
alimentos são classificados em pouco ácidos, quando apresentam pH>4,5, alimentos ácidos (pH de 4 a 4,5)
e alimentos muito ácidos (pH < 4).
Essa separação ocorreu em função da termoresistencia do Clostridium botulinum, uma
bactéria que produz uma potente neurotoxina quando se reproduz nos alimentos, e cujos esporos não
podem germinar em alimentos com um pH inferior a 4,5. Além disso, nenhum esporo bacteriano pode
germinar em pH inferior a 4 e, portanto, pode-se reduzir bastante a intensidade do tratamento térmico nesse
alimento para que ele atinja a estabilidade microbiológica.
O valor F é outro parâmetro de destruição microbiana, que pode ser definido como o tempo
necessário, na temperatura determinada, para reduzir a população microbiana presente no alimento até o
nível desejado. O F é comumente calculado, por expressões matemáticas, a uma temperatura de 121ºC
(F121ºC ou F0), de acordo com o pH do alimento. Se o alimento apresentar pH> 4,5, considera-se que o tempo
F de tratamento térmico deve ser capaz de eliminar 12 ciclos logarítmicos de esporos do C. botulinus,
condição conhecida como conceito 12D. Se o pH ≤ 4,5, não é necessário considerar o conceito 12D e os
tratamentos aplicados são comumente mais brandos.
Durante o tratamento térmico, é importante considerar que o calor propaga-se por condução
(alimentos sólidos), convecção (líquidos) ou por uma combinação de ambos os métodos. Além disso, os
alimentos podem estar acondicionados em embalagens de diferentes formas e materiais. Portanto, ao ser
aplicado, o calor progride lentamente, formando um gradiente de temperatura no alimento, em que o seu
centro representa o ponto que leva mais tempo para entrar em equilíbrio térmico com o restante do sistema.
O mesmo pode ser aplicado ao resfriamento. Assim, a letalidade do processo térmico como um todo é
obtida construindo-se curvas de aquecimento/resfriamento, considerando-se as temperaturas pelas quais
passa o centro térmico da embalagem ao longo do tempo.
Em geral, salvo raras exceções, a inativação enzimática é contemplada nos tratamentos
térmicos, já que enzimas são muito mais sensíveis do que os microrganismos. Por isso, consideramos que
os tratamentos descritos acima e adiante no texto já promovem a obtenção de um alimento
enzimaticamente estável.
Os tipos de tratamentos térmicos aplicados atualmente aos alimentos são: esterilização e
pasteurização.
Esterilização corresponde ao tratamento térmico que visa destruir os microrganismos para
atingir a esterilidade comercial, uma vez que não é possível, no sentido estrito da palavra, produzir um
alimento 100% estéril. Assim, o principal objetivo do tratamento é a eliminação de bactérias esporuladas,
forma vegetativa e mais resistente de alguns microrganismos. A esterilização pode ser realizada de duas
formas: embalagens já preenchidas ou aquecendo o alimento sem embalar e acondicionando-o, depois,
assepticamente.
A esterilização de alimentos acondicionados em latas, garrafas de vidro ou saco plástico
termoestável é aplicada em alimentos sólidos e semi-sólidos, como conservas alimentícias. É realizado em
autoclaves, por meio da aplicação de vapor d´agua saturado, a temperaturas acima de 100 ºC (de 100 a
125ºC). Os esterilizadores podem ser descontínuos, que consistem em autoclaves clássicas verticais ou
horizontais, ou contínuos.
A esterilização de alimentos sem acondicionar é utilizada em alimentos líquidos e
semilíquidos (ex. leite, sopas, nata, purês). Consiste no aquecimento muito rápido (quase instantâneo) até
temperaturas muito altas (135-150ºC) que se mantem durante um tempo muito curto (2 a 5 seg).
Denominam-se UHT (ultra high temperature) e podem se dar por processos indiretos, nos quais o
aquecimento é feito mediante trocadores de calor (tubulares ou de placa); ou por processos diretos, que
consistem na injeção de vapor d´água no alimento (método injeção) ou na injeção do alimento em vapor d
´água (método de difusão).
A esterilização de alimentos pelos processos UHT requer acondicionamento asséptico, isto é,
o alimento deve ser envasado imediatamente após o tratamento em ambiente estéril. O método de envase
asséptico mais conhecido é o tetrapack. Nele, o rolo de papelão laminado
(polietileno/papelão/alumínio,polietileno) é esterilizado a 80ºC pelo banho de peróxido de hidrogênio,
seguida de eliminação deste componente por meio de uma corrente de ar estéril. Em seguida, o rolo entra
na câmara asséptica, esterilizada com ar quente e filtração. A tubulação procedente do esterilizador UHT
chega a essa câmara, onde a embalagem é moldada, recebe o volume adequado de alimento, é fechada a
quente, e depois cortada com guilhotinas.
Em função das características da esterilização (envase asséptico/tratamento acondicionado),
os alimentos produzidos por este método de conservação podem ser armazenados a temperatura ambiente.
A pasteurização visa destruir os microrganismos patogênicos não-esporulados e reduzir
significativamente a microbiota banal, de modo a oferecer um produto seguro, com vida útil aceitável, para
ser consumido em pouco tempo. Existem duas modalidades de pasteurização, LHT (low temperature
holding) ou pasteurização baixa, e HTST (high temperature, short time) ou pasteurização alta.
São aplicadas temperaturas inferiores a 100ºC, geralmente em alimentos ácidos ou muito
ácidos, os quais permitem condições mais brandas de temperatura, pois o baixo pH naturalmente inibe o
crescimento da maioria das bactérias e esporos.
A LHT é um sistema descontínuo, adequado quando se pretende pasteurizar volumes
pequenos. Empregam-se tempos longos (aproximadamente 30 minutos) e temperaturas baixas (62ºC a
68ºC). É realizada em tanques de parede dupla providos de agitador e de termômetro. Pela parede dupla
circulam o fluido calefator e o refrigerador.
A HTST é realizada em sistemas de fluxo contínuo, com trocadores de calor tubulares ou de
placas. Empregam-se temperaturas elevadas (72ºC a 85ºC) e tempos curtos (15 a 20 segundos).

2.3 Conservação dos alimentos pelo uso da radiação


A radiação, utilizando diferentes regiões do espectro eletromagnético, é usada na indústria de
alimentos com diferentes finalidades. As radiações empregadas podem ser ionizantes ou não-ionizantes.
As radiações não-ionizantes incluem a radiação infra-vermelha, por microonda e energia elétrica. Elas
geram calor quando aplicadas e são a base de aquecimento de diversos sistemas, como o infravermelho,
micro-ondas e ôhmico.
Já as radiações ionizantes são utilizadas como um método de conservação em que não há aumento
significativo da temperatura do alimento. A radiação eletromagnética é aplicada na região gama, uma região
de elevada frequência, com energia suficiente para ionizar átomos e/ou moléculas com as quais interagem.
Esta interação pode produzir uma série de consequências, como geração de radicais livres, recombinações
e dimerizações entre moléculas, e despolimerização parcial de constituintes do alimento. Tal característica
consiste em um dos principais entraves de utilização da técnica, pois a formação de produtos secundários,
alheios à composição original do alimento devido à aplicação da radiação, provoca a rejeição de alimentos
irradiados pelos consumidores.
Entretanto, a radiação é um método bastante eficiente de destruição microbiana. Ela provoca
mudanças na estrutura do DNA da célula, nas rotas metabólicas e nas estruturas membranares dos
organismos vivos, causando sua morte. A radioresistência dos microrganismos varia em função da espécie
(tamanho, característica da parede celular, se Gram-positivo ou Gram-negativo) e da composição do meio
em que o tratamento é aplicado (p.ex. conteúdo de água). Além disso, a radiação retarda processos
fisiológicos de alguns vegetais, como amadurecimento, crescimento de boros e raízes.
As doses aplicadas são classificadas como baixa (< 1 kGy), média (1 a 10 kGy) e alta (10 a
50 kGy), e são aplicadas de acordo com o objetivo a ser alcançado. Em doses baixas, alcança-se a redução
sensível da carga microbiana, pouco efeito sensorial e nutritivo, e são aplicadas, por exemplo, para retardar
o aparecimento de brotos em batatas, gengibre e alho, o amadurecimento e o envelheimento de frutas e
hortaliças. Insetos e parasitas patogênicos também são eliminados com essas doses.
Doses médias eliminam microrganismos patogênicos não esporulados, entretanto, precisam
estar associados a outros métodos de conservação durante o armazenamento, como a refrigeração. Doses
elevadas podem ser empregadas para se atingir a esterilidade comercial equivalente àquela do tratamento
térmico, porém, os órgãos regulamentadores (FAO, OMS, Codex Alimentarius) não recomendam a
aplicação dessas doses (acima de 10 kGy), visto que os produtos secundários formados nessas regiões não
são completamente compreendidos e podem não ser seguros para os humanos.
Embora possam produzir uma série de modificações nos micro e macronutrientes dos
alimentos, quando aplicada em doses adequadas, essas alterações não resultam na formação de
substâncias nocivas, pouco afetam as características sensoriais e os componentes nutricionais, como
vitaminas, proteínas e carboidratos. Os lipídios podem sofrer alguma extensão de oxidação devido aos
radicais livres formados, por isso, alimentos com elevado teores lipídicos não são recomendados a
radiação. Assim, a radiação é reconhecida como um método de conservação capaz de promover alimentos
microbiologicamente seguros com mínimas alterações sensoriais e nutricionais.
No que se refere às enzimas, em geral, os tratamentos permitidos não são suficientes para
promover a sua inativação, portanto, a atividade enzimática permanece elevada após a aplicação de
tratamento de radiação. A inativação pode ser realizada com a combinação de estratégias complementares,
como branqueamento, refrigeração ou aditivos químicos.

2.3 Conservação dos alimentos pelo uso de aditivos

Aditivos são substâncias adicionadas aos alimentos, sem propósito de nutrir, com o objetivo
de modificar suas características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais. Cada país possui uma
legislação própria de aditivos permitidos. No Brasil, o decreto nº 55.871 de 1965 rege o emprego de
aditivos.
Assim, substâncias de algumas classes de aditivos são adicionadas com o propósito de inibir
alterações ou destruir agentes de modificações químicas e microbiológicas do alimento. Estas são:
- Antioxidantes
Os antioxidantes são substâncias que, quando presentes em pequenas concentrações, retardam o
aparecimento de alteração oxidativa nos alimentos. Sua principal aplicação em alimentos visa a inibição da
oxidação lipídica de óleos e gorduras. Porém, também são utilizados para prevenir a oxidação, por exemplo,
de aromas e proteínas.
A auto-oxidação é a principal reação química que acomete óleos e gorduras contendo ácidos graxos
insaturados, e pode resultar em perda nutricional, geração de off-flavors e off-odours (ex. odor e sabor de
ranço), e produção de substâncias tóxicas (ex. malondialdeído). Portanto, representa perda de qualidade e
rejeição do alimento pelo consumidor. Ela ocorre a partir da geração de radicais livres pelos lipídios
insaturados após a ação de algum agente iniciador, como a luz, metais de transição e/ou calor. Estes
radicais livres reagirão rapidamente com o oxigênio e provocarão uma reação em cadeia que poderá se
propagar até que os ácidos graxos insaturados disponíveis no meio se esgotem.
Os antioxidantes podem ser classificados, em função do seu mecanismo de ação, em primários (ou
tipo I), que atuam neutralizando os radicais livres, dessa forma barrando a propagação da reação. O
principal mecanismo de ação destes antioxidantes é a doação de um átomo de hidrogênio para o radical
livre, e por isso são chamados de sequestradores de radicais livres. Exemplos desta classe inclui
compostos sintéticos como o BHT e TBHQ, e naturais, como os tocoferóis e compostos fenólicos.
A segunda classe de antioxidantes, denominada secundária (ou tipo II), atua contra fatores
que podem promover a formação de radicais livres ou acelerar a oxidação, como por exemplo quelando
metais de transição. Exemplos dessa classe incluem agentes quelantes sintéticos, como o EDTA, e
naturais, como o ácido cítrico.

- Conservantes:
São utilizados para eliminar, total ou parcialmente, os microrganismos ou para criar condições
que desfavoreçam o seu crescimento. Devem ser utilizados apenas substâncias autorizadas, dentro dos
limites legais. No Brasil, os conservantes permitidos são: ácido benzoico e ácido sórbico, com seus sais de
sódio, potássio e cálcio; dióxido de enxofre e derivados, como o sulfito de sódio, bissulfito de sódio e
metabissulfito de sódio ou potássio; nitrato de sódio e potássio; nitrito de sódio e potássio; propionato de
sódio, cálcio ou potássio; nisina; natamicina; parahidroxibenzoato de etila e seus derivados.
O mecanismo de ação antimicrobiana consiste, principalmente, em reações inibidoras de
enzimas envolvidas no metabolismo basal da célula ou de síntese de substâncias importantes. A escolha do
conservante mais adequado depende de fatores como as propriedades químicas do alimento (ex. pH), os
prováveis contaminantes (fungos ou bactérias), e as condições de armazenamento.
Dentre os conservantes mencionados, o ácido benzoico e seus sais são os mais utilizados,
na concentração máxima de 40 ppm. Sua forma efetiva é a molecular, não dissociada. Por isso, devido ao
seu caráter ácido (pKa = 4,18), recomenda-se sua utilização em alimentos ácidos (pH 2 - 4), como sucos de
frutas, refrescos, picles e margarina, onde são efetivos principalmente contra bolores e leveduras. É
comumente adicionado na forma de sais para elevar sua solubilidade no meio, onde sofre hidrólise e
permanece em equilíbrio entre as formas salina e dissociada.
O ácido sórbico apresenta propriedades semelhantes ao do ácido benzoico, porém, devido ao
seu pKa mais elevado (4,7) consegue atuar em faixas de pH mais elevada (até 6,5), e por isso é utilizado
em produtos à base de frutas, mas também em leite de coco e queijos. De forma análoga, o ácido
propiônico e seus sais possuem ação antifúngica e contra algumas bactérias, sendo bastante utilizado em
queijos e produtos de panificação. O dióxido de enxofre e derivados possuem principalmente ação
antibacteriana, e é o conservador utilizado na fabricação de vinhos e sucos de uva. Já os nitritos e os
nitratos são amplamente utilizados nos processos de cura de carnes (ex. salame, salsicha), e possuem
ação principalmente antibacteriana.

2.4 Conservação dos alimentos pelo uso do frio

O efeito conservador do frio baseia-se na inibição total ou parcial do crescimento e atividade


dos microrganismos, das atividades metabólicas dos tecidos animais e vegetais, das enzimas e das reações
químicas. A aplicação do frio ocorre em duas vertentes: refrigeração e congelamento, os quais baseiam-se
na redução da temperatura dos alimentos. Sob estas condições, a vida de prateleira dos alimentos é
prolongada com repercussão mínima em suas características nutritivas e organolépticas.
-Refrigeração

A refrigeração consiste na redução e manutenção da temperatura dos alimentos em


temperaturas acima do seu ponto de congelamento, que usualmente compreende temperaturas entre 8ºC e
-1 ºC, provocando apenas mudanças no calor sensível do produto.
O uso da refrigeração é efetivo para a conservação dos alimentos porque a velocidade das
reações químicas e enzimáticas diminui em termos logaritmos com a redução da temperatura, de acordo
com a lei de Arrhenius. Nesse contexto, o efeito da temperatura sobre os processos químicos pode ser
calculado utilizando o valor Q10, o qual corresponde à mudança da velocidade da reação quando a
temperatura varia 10ºC (para mais ou para menos). Para a maioria dos processos químicos, o valor de Q10
varia entre 2 e 3, o que significa que para cada redução de 10ºC na temperatura, a velocidade dos
processos reduz-se à metade.
Assim, as temperaturas utilizadas na refrigeração são suficientes para promover redução da
atividade metabólica dos tecidos animal e vegetal, da enzimas, e das reações químicas, como oxidação
lipídica e degradação de vitaminas.
O crescimento e a atividade de microrganismos termófilos, que apresentam temperatura de
crescimento em torno de 45ºC, e mesófilos, cuja temperatura de crescimento situa-se entre 25 e 40ºC, são
drasticamente reduzidos ou paralisados sob as temperaturas de refrigeração. Por exemplo, a multiplicação
de bactérias do gênero Staphylococcus cessa em cerca de 7ºC, e Salmonella em cerca de 5ºC.
Entretanto, microrganismos psicrotróficos, que tem capacidade de se multiplicar em
temperaturas entre 0 e 7ºC, e podem sobreviver até sob temperaturas abaixo de 0ºC, são os principais
agentes responsáveis pela alteração microbiológica de alimentos refrigerados, como peixes, carnes e leites.
Exemplos desses microrganismos são do gênero Pseudomonas e Aeromonas. Estudos já indicaram que
alguns microrganismos patogênicos, como a Listeria monocytogenes, são capazes de se reproduzir a estas
temperaturas, porém, de forma bastante lenta.
Para que a refrigeração seja efetiva, ela deve ser aplicada em produtos aos quais tenham
sido aplicadas boas práticas de colheita e fabricação, imediatamente após a aquisição/produção dos
mesmos, e de forma rápida, isto, a redução da temperatura do produto deve ocorrer rapidamente. Por
exemplo, produtos pasteurizados que precisam de refrigeração necessitam ser colocados na temperatura
adequada imediatamente após o tratamento térmico, de forma que eles alcancem a temperatura de
refrigeração em um curto espaço de tempo. Caso contrário, os efeitos de preservação obtidos pelo calor
podem ser seriamente prejudicados.
Além da velocidade, outros fatores devem ser controlados para a condução de uma
refrigeração efetiva, como umidade relativa do local, que não deve ser muito elevada para evitar
condensação da água sobre o alimento, garantir a pureza e a adequada circulação do ar no ambiente, baixa
ou nenhuma incidência de luz, e composição atmosférica da câmara fria.
A temperatura durante a refrigeração também deve ser controlada com o auxílio de
termômetros. Além disso, é importante considerar que determinados alimentos podem apresentar
temperaturas ótimas de refrigeração. Apesar dos gerais efeitos benéficos da refrigeração, as características
de cada grupo de alimentos, que podem responder diferentemente às baixas temperaturas. Por exemplo, a
refrigeração da maioria das frutas e vegetais prolonga a sua vida útil porque a atividade metabólica desses
produtos (ex. respiração) é reduzida a baixas temperaturas. Por outro lado, algumas frutas e hortaliças
tropicais e subtropicais sofrem alterações fisiológicas quando expostas ao frio como resultado de alterações
em seu metabolismo e permeabilidade das membranas biológicas, podendo ocorrer escurecimento,
picaduras, manchas ou apodrecimentos, fenômenos chamados de dano pelo frio. Por exemplo, a banana
sofre esse tipo de dano quando armazenado a temperaturas inferiores a 12ºC.
Finalmente, é importante destacar que os processos metabólicos, enzimáticos e
microbiológicos não são paralisados durante a refrigeração, apenas apresentam velocidade reduzida.
Portanto, é necessário determinar, por meio de testes, o período que cada alimento pode ser submetido a
tais temperaturas sem apresentar alterações significativas.

-Congelamento

O congelamento corresponde à redução da temperatura do alimento abaixo do seu ponto de


congelamento, considerando que, na maioria dos alimentos, este processo se inicia com a aplicação de
temperaturas inferiores a 0°C. Tradicionalmente, aplicam-se temperaturas da ordem de -18ºC, e quando
temperaturas inferiores são utilizadas, denomina-se ultracongelamento. Quando processados, armazenados
e manipulados de maneira correta, alimentos congelados apresentam preservadas as suas características
organolépticas e nutritivas comparadas ao do produto original.
No congelamento, ocorrem mudanças no calor sensível e no calor latente, este último
associado à mudança de fase correspondente à transformação de parte da água líquida em gelo. Como
resultado da formação do gelo, grande parte da água permanece imobilizada e se torna indisponível como
solvente e como reativo, e a difusão das espécies químicas é muito limitada. Isto é, ocorre uma redução da
atividade de água do alimento. Por esse motivo, o crescimento e a atividade microbiana, reações químicas e
atividades enzimáticas também são reduzidos, enquanto o metabolismo celular da matriz alimentícia é
totalmente paralisado. Isso permite a conservação durante longos períodos, muito superiores aos da
refrigeração.
Por exemplo, a carne bovina pode ficar entre 3 e 5 dias em temperaturas de refrigeração,
começando ao final desse período a sofrer alterações pela ação de microrganismos e enzimas endógenas
que culminam na inviabilização do seu consumo. Porém, sob armazenamento em congelamento, este
produto permanece adequada para consumo por até 3 meses, se o processo for conduzido e mantido
corretamente.
No processo de congelamento ou formação de fase sólida podem-se distinguir duas etapas:
primeiramente ocorre a nucleação, seguida do crescimento dos cristais.
A nucleação consiste na associação de moléculas de água para formar uma pequena partícula
ordenada e estável, isto é, formar os núcleos a partir dos quais os cristais de gelo serão gerados. Existem
dois tipos de nucleação, a nucleação homogênea e a nucleação heterogênea. Apenas esta segunda é de
interesse em alimentos, pois ocorre em sistemas complexos contendo solutos, partículas estranhas
suspensas e sólidos insolúveis.
A nucleação terá início quando a temperatura alcançar um valor crítico, específico de cada
alimento, que corresponde à temperatura na qual um diminuto cristal de gelo coexiste em equilíbrio com a
fase líquida. Esta temperatura é em geral um pouco abaixo de 0ºC. Quanto mais rapidamente a temperatura
é reduzida, maior é a quantidade de núcleos formados. Após a formação dos núcleos ocorre a adição
organizada de moléculas de água aos núcleos formados, que, assim, aumentam de tamanho.
A velocidade de formação de núcleos e cristais varia em função da temperatura de resfriamento.
Quando esta é muito rápida, ocorre a formação de muitos núcleos, porém, os cristais não crescem muito.
Quando o congelamento é lento, forma-se poucos núcleos, e os cristais resultantes apresentam-se
relativamente grandes. A forma dos cristais também depende da velocidade de resfriamento: quando é
lenta, os cristais têm a forma alongada, de agulha, ao passo que, quando é rápida, os cristais têm forma
mais arredondada.
Na prática, essas características do processo de congelamento são de grande importância porque
impactam bastante na qualidade dos produtos congelados. Cristais grandes e pontiagudos podem danificar
as estrutura celulares de tecidos animais e vegetais, provocando desidratação das células. Ao serem
descongeladas, as células não recuperam a hidratação original, parte do conteúdo intracelular pode ser
perdido por extravasamento devido aos danos, e as células reduzem de tamanho. Como resultado, o
alimento sofre graves modificações de textura e turgidez. Além disso, a formação do gelo produz um
aumento de 9% no volume da água líquida, o que provoca expansão do volume dos alimentos congelados.
Essa expansão pode também provocar danos nas estruturas celulares, como dilaceramentos, prejudicando
a qualidade do produto mediante descongelamento.
Um outro importante processo que ocorre durante o congelamento é o aumento da concentração dos
solutos na fração de água não congelada dos alimentos, o que pode favorecer a aceleração de reações
indesejáveis, como desnaturação de proteínas e reações de oxidação, porém isso ocorre somente em uma
faixa de temperatura na qual ainda há uma grande quantidade de água não congelada (-5 a -15ºC). Já a
atividade enzimática é reduzida durante o congelamento, mas não é paralisada totalmente mesmo a
temperaturas da magnitude de -17ºC.
O congelamento não destrói totalmente os microrganismos, embora eles sofram sérios danos
devido ao choque térmico, ao crescimento de cristais e aumento dos solutos na fração não congelada, e em
geral, não se observa crescimento microbiano (fungos e bactérias) em temperaturas inferiores a -12ºC. A
extensão do efeito do congelamento dependerá principalmente do tipo de microrganismo e da velocidade de
congelamento. Por exemplo, esporos bacterianos são muito mais resistentes às temperaturas de
congelamento do que células vegetativas. Os efeitos do congelamento lento sobre as células microbianas
são os mesmos observados para as células dos tecidos alimentícios.
Além dos processos que ocorrem durante a operação de congelamento, é importante considerar os
fenômenos que ocorrem durante o armazenamento em congelamento, visto que este é o maior objetivo de
aplicação desta técnica de conservação: o armazenamento por longos períodos.
Embora de maneira bem mais lenta, reações químicas e enzimáticas ainda ocorrem durante o
armazenamento em congelamento, pois nem toda a água foi congelada, as enzimas não se inativaram
totalmente, e os solutos presentes na fase aquosa não congelada estão muito concentrados, podendo
modificar as características do meio (ex. pH, potencial redox). Além disso, os cristais de gelo, depois de
formados, não são estáveis e podem sofrer certas mudanças. Essas mudanças químicas e físicas são as
princpais responsáveis pela perda de qualidade dos alimentos congelados durante o armazenamento.
Durante o armazenamento em congelamento, o gelo pode sofrer recristalização, que consiste em
mudanças metamórficas dos cristais de gelo que afetam seu número, tamanho, forma ou orientação. Por
exemplo, pode ocorrer um aumento grande e desordenado nos tamanhos dos cristais, resultando nos
efeitos descritos anteriormente para o tecido.
Os cristais podem ainda sofrer sublimação, provocando desidratação do produto congelado, com
redução de seu peso. Por exemplo, a carne pode chegar a perder 0,25% do seu peso para cada mês de
congelamento. A perda por sublimação provoca o efeito visual nos alimentos conhecido como queimadura
pelo frio, que se caracteriza por manchas escuras sobre a superfície do produto. Além disso, a desidratação
provoca alterações na sua consistência.
As modificações químicas que ocorrem durante o armazenamento em congelamento são as
mesmas que ocorrem durante o processo de congelamento. A autoxidação lipídica é uma das reações de
maior importância nesse contexto, pois ainda ocorrem em velocidades muito baixas. Alterações na cor e
perdas de vitaminas podem decorrer de reações de natureza química ou enzimática, afetando carotenoides
e antocianinas. Também pode ocorrer modificação da textura por alteração das características de algum
componente do alimento, como por exemplo agregação de proteínas musculares em carnes e peixes.
As enzimas também permanecem ativas, podendo contribuir para a perda de vitaminas (ex.
vitamina C) e pigmentos, perda de textura de carnes por ação de proteases, formação de pigmentos por
ação das polifenoloxidases. Tais processos podem ser minimizados por meio da aplicação da operação de
branqueamento em vegetais antes do congelamento.
Finalmente, é importante destacar que flutuações drásticas e constantes de temperatura durante o
armazenamento irão contribuir para potencializar as reações indesejáveis descritas. Por isso, a manutenção
da cadeia de frio por todo o processo, até o consumo do alimento, deve ser respeitada e monitorada o mais
rigorosamente possível.

- Métodos de resfriamento/congelamento e equipamentos empregados

A nível industrial, os sistemas de aplicação de frio estão divididos em dois grandes grupos: sistemas
mecânicos e criogênicos.
Os sistemas mecânicos correspondem àqueles utilizados em geladeiras e freezers domésticos, em
que são utilizados circuitos equipados com compressores e fluidos refrigerantes. Quando esses sistemas
são utilizados, o resfriamento ou congelamento pode ser realizado por meio da circulação do ar (convecção
forçada), por exemplo, em uma câmara fria ou câmara frigorífica; por meio de superfícies frias, sobre a qual
o alimento é depositado, como por exemplo em um congelador de placas; por meio de líquidos, como água
fria, salmouras, glicerol ou solução de açúcar, em que o alimento é imerso em tanques contendo a solução
refrigerante. Esse método pode ser aplicado em peixes ou frutas em que os sabores salgado ou doce sejam
desejáveis, enquanto substâncias como o glicerol devem ser utilizadas apenas em alimentos embalados.
Já os sistemas criogênicos consistem na utilização de líquidos criogênicos ou gases liquefeitos,
como CO2 líquido ou sólido, e nitrogênio líquido. Nesses sistemas, o alimento resfria por contato direto com
esses líquidos, que, ao captarem calor dos alimentos para sua evaporação, asseguram ação refrigerante. O
equipamento empregado nesse método são túneis de funcionamento contínuo, os quais contém pontos de
aspersão do líquido criogênico.
O método de resfriamento/congelamento e o equipamento escolhidos devem levar em conta
o tipo de alimento a ser processado, se ele estará embalado ou não e a velocidade de congelamento
desejada.
Assim, o congelamento é um processo extremamente eficiente para a conservação dos alimentos,
porém, suas particularidades precisam ser observadas para que se possa usufruir das melhores
características do processo.
2.3 Conservação dos alimentos por processos fermentativos com ou sem modificação do pH

Alguns alimentos frescos apresentam pH em torno de 5 a 6,5, como carne e pescados, outros estão
bem perto da neutralidade, como o leite (6,8), enquanto alimentos como as frutas têm caráter ácido (em
torno de 4,0), e os cítricos em particular são muito ácidos (3,0).
A resposta de diferentes microrganismos ao pH do meio é bem conhecida. A maioria das bactérias
cresce otimamente a pH próximo da neutralidade (pH = 7,0), embora também possam crescer de maneira
limitada em pH entre 5 e 8. Porém, com exceção das bactérias acéticas e lácticas, muito raramente se
desenvolvem em pH inferior a 4,5. Já bolores e leveduras possuem capacidade de se multiplicar em pH
geralmente inferior aos das bactérias (ótimo entre 4 e 6,5), podendo chegar a desenvolver-se em pH 2,0.
Enzimas também possuem pH ótimo de atividade, fora do qual sua atuação é bastante reduzida.
Por exemplo, o pH ótimo da enzima polifenoloxidase é entre 5,0 e 7,0. Em pH inferior a 3,0 sofre inativação.
Por isso, para evitar escurecimento de frutos ou vegetais cortados e descascados, quando sensorialmente
possível, pode-se mergulhá-los em soluções ácidas ou sucos cítricos.
A acidificação como método de preservação pode ser obtida por meio de processos fermentativos,
como ocorre, por exemplo, durante a produção do iogurte e do vinagre, ou por meio da adição de ácidos
orgânicos, como o ácido cítrico, a exemplo do que é feito em alimentos conservados em salmouras como o
palmito. Ela pode, por si só, representar o principal meio de conservação do alimento, como ocorre no
vinagre, ou necessitar ser combinada a algum outro método, como embutidos que possuem aditivos e baixa
atividade de água.
A fermentação é o processo bioquímico por meio do qual organismos anaeróbicos produzem ATP,
isto é, a energia que precisam para crescer e se multiplicar. Os três principais tipos de fermentação
utilizados em alimentos são a láctica, a acética e a etanólica. Elas podem ocorrer naturalmente por meio da
ação da flora natural existem no alimento, ou ser induzida e controlada, utilizando-se inóculos ou as
chamadas culturas selecionadas (starter). Este último método é, em geral, o preferido pela indústria de
produtos fermentação, pois reduz o risco de ocorrência de desvios metabólicos devido à presença de
espécies estranhas durante a fermentação.
As fermentações láctica e acética resultam em alimentos com pH inferior ao original. No passado,
constituíram um importante método de conservação para vários alimentos, mas atualmente são conduzidas
majoritariamente com o intuito de produzir alimentos com características organolépticas diferenciadas do
produto original.
A fermentação láctica ocorre em alimentos como o iogurtes, kefir, coalhada, picles e salame. Consiste
na metabolização da lactose (glicose + galactose) presente no leite e sua transformação em ácido láctico. É
realizada por bactérias de diversos gêneros, como Streptococcus e Lactobacillus.
Já a fermentação acética ocorre durante a produção de vinagre, por meio da ação de bactérias do
gênero Acetobacter. Durante este processo fermentativo, as bactérias utilizam o etanol como fonte de
energia, e por meio da enzima álcool desidrogenase, produzem ácido acético como produto final de seu
metabolismo. Como utilizam o álcool, e não a glicose como fonte de energia, as matérias primas para este
tipo de fermentação são produtos alcóolicos, como vinhos e álcoois de grau alimentício.
A fermentação alcóolica, embora não proporcione mudança de pH, também produz efeito
conservante, já que a elevação do teor alcóolico do produto inibe o crescimento de microrganismos
deterioradores e patogênicos. Consiste no processo em que açúcares (glicose, sacarose, frutose) são
convertidos em álcool e CO2 pela ação de leveduras do gênero Sacharomycces.
Assim, o conhecimento das características do alimento é fundamental para estabelecer quais
processos devem ser combinados à acidificação para assegurar a qualidade microbiológica do produto.
2.4 Conservação dos alimentos pela redução da atividade de água

A atividade de água (Aa) é um conceito derivado da termodinâmica que, na prática, corresponde a


quanto da água presente no alimento está disponível para crescimento microbiano, para atuação como
solvente e participação em reações químicas. Para fins didáticos, diz-se que, em um alimento, a água está
distribuída em três regiões distintas: monocamada (Aa até 0,3), em que a água encontra-se fortemente
ligada aos constituintes hidrofílicos do alimento (ex. proteínas), multicamada (Aa entre 0,3 e 0,7),
correspondente à fração de água que circunda a região de monocamada, e a fração de água livre (Aa acima
de 0,7), esta, sim, disponível para reações.
A Aa varia de 0 a 1, e os alimentos estão classificados em função da Aa em três grupos: baixa Aa
(menor do que 0,6), como mel, farinha de trigo, algumas frutas secas e cereais; média Aa (entre 0,6 e 0,9),
como queijos duros, carnes curadas, geleias, nozes e arroz, e alta Aa (>0,9), por exemplo, frutas frescas e
vegetais, aves, carnes e pescados frescos apresentam. Portanto, a velocidade com que reações químicas e
bioquímicas, e o crescimento microbiano ocorrem nesses alimentos varia bastante.
Bactérias deteriorantes e patogênicas se desenvolvem em Aa superiores a 0,9. Por exemplo,
Clostridium botulinum, Salmonella e Pseudomonas e Escherichia Coli necessitam de alimentos com Aa
acima de 0,95. Porém, algumas bactérias conseguem se desenvolver em Aa entre 0,8 e 0,7, como as
bactérias halofílicas, as quais precisam da presença de sal no meio para reproduzir. O Staphylococcus
aureus também consegue se reproduzir em Aa de cerca de 0,85, mas sem produção de enterotoxina. Nessa
região de Aa, a produção de micotoxinas por alguns fungos também é favorecida. Alimentos nessa faixa de
Aa em geral necessitam de combinações entre técnicas de conservação, como refrigeração.
Já bolores e leveduras conseguem crescer em Aa inferiores, em torno de 0,8, havendo espécies
específicas, como os bolores xerofílicos e as leveduras osmofílicas, que são capazes de crescer em Aa da
ordem de 0,6. Alimentos que apresentam Aa entre 0.6 e 0,8 são seguros do ponto de vista sanitário, pois
sob estas condições não há desenvolvimento de bactérias patogênicas nem elaboração de micotoxinas
pelos bolores, enquanto alimentos com Aa menor do que 0,6 encontram-se totalmente protegidos do ataque
microbiano, pois nenhum microrganismo se desenvolve sob tais condições.
A atividade enzimática também pode ser modulada pela Aa. Em Aa abaixo de 0,4, ela é paralisada,
pois não há água disponível para atuar como solvente e meio reacional, observando-se aceleração da
atividade a medida que a Aa aumenta, pois a água disponível dissolve os substratos e favorece que eles
entrem em contato com as enzimas. Em Aa muito elevadas (acima de 0,8), pode ocorrer uma
desaceleração da atividade devido à diluição dos reagentes.
A velocidade das reações de autoxidação lipídica também se modificam em função da Aa,
observando-se um comportamento distinto em relação a enzimas e microrganismos. Em Aa até 0,3
velocidade da reação de autoxidação é máxima, possivelmente devido à proximidade entre reagentes
provocada pela baixa quantidade de água. A medida que a Aa aumenta (Aa entre 0,3 e 0,4), a velocidade
diminui devido a um provável efeito de diluição desses reagentes, mas volta a ser máxima quando a Aa está
em torno de 0,5 a 0,7. Aa muito elevadas (>0,8) geralmente produzem uma redução da velocidade devido à
excessiva diluição dos reagentes no meio.
Observa-se, portanto, que o controle da Aa de um alimento constitui uma ferramenta poderosa para
inibir alterações químicas, enzimáticas e microbiológicas. A conservação dos alimentos pela redução da
atividade de água visa, em geral, reduzir a fração aquosa disponível para a atuação destes agentes, o que
pode ser alcançado por diferentes métodos: evaporação ou concentração, desidratação ou secagem, e
adição de solutos.
A água eliminada nos processos de concentração e secagem inclui a fração de água livre e de
multicamada, enquanto a fração da monocamada, fortemente ligada aos constituintes do alimento,
permanece.

- Evaporação

A evaporação, ou concentração, é a operação unitária realizada com o objetivo de aumentar a


concentração de sólidos totais para reduzir a Aa do produto. Nesse método de conservação, a água é
eliminada parcialmente por ebulição, em um processo em que ocorre transferência de calor, para
proporcionar o calor latente de vaporização, e massa, representada pelo movimento da água ou do vapor
através do alimento e arraste de vapor d´água do ambiente do alimento.
A evaporação não deve afetar as características dos solutos presentes no alimentos, de modo que
seja possível obter um produto com características semelhantes ao original mediante a simples diluição do
concentrado, isto é, reposição da quantidade da água que foi removida. Para tanto, são necessários o
modelo adequado de evaporador, bem como o ajuste preciso das condições de processo.
Um evaporador é constituído por 3 componentes básicos: um trocador de calor, um separador e um
condensador.
O trocador de calor permite a transmissão de calor entre o fluido calefator e o alimento. Esse
sistema de aquecimento deve ser capaz de transmitir o calor requerido para a mudança de estado do
produto (calor sensível e calor latente). Em geral, a indústria utiliza como fluido calefator vapor d´água
saturado. O cálculo do grau de concentração, da carga calorífica e o tempo de evaporação é realizado
efetuando-se o balanço de matéria e energia, por meio de fórmulas matemáticas, utilizando-se valores de
propriedades físicas dos produtos em processamento e do vapor d´água, como calor específico e calor
latente de evaporação. Nestes cálculos, considera-se que todo o calor liberado pelo vapor d´água mediante
a condensação é utilizado para evaporar a água do produto em processamento, e que a massa que entra
no evaporador é igual à massa de produto e vapor que sai dele.
No separador o vapor é separado da fase líquida concentrada, e no condensador, ocorre eliminação
do vapor d´água em forma de condensado.
Existem diversos tipos de evaporadores, que podem ser classificados em dois grandes grupos:
evaporadores de circulação natural e evaporadores de circulação forçada. No primeiro, o movimento do
líquido tratado deve-se às correntes de convecção e à força de ascensão das borbulhas de vapor, que o
arrastam ao longo do trocador de calor. Exemplos destes evaporadores são evaporadores fechados e
abertos, de tubos (curto ou longo) e evaporadores de calandra externa. No segundo, os evaporadores são
equipados com dispositivos que promovem a distribuição do líquido no interior do trocador de calor e
aumentam a velocidade de fluxo ao longo das superfícies de aquecimento. Estes dispositivos podem ser
bombas centrífugas ou de deslocamento, ou hélices, e exemplos de evaporadores pertencentes a este
grupo são de placas, de fluxo expandido e evaporadores rotatórios.
A viscosidade de um alimento, a presença de espuma, a pressão dentro do evaporador, e a
concentração de solutos dissolvidos no alimento são fatores que afetam a transferência de energia dentro
do evaporador e o ponto de ebulição do alimento. Por exemplo, a evaporação é geralmente conduzida sob
pressões reduzidas para que a água evapore em temperaturas inferiores a 100ºC (em geral 85ºC), assim
diminuindo os efeitos deletérios do calor sobre constituintes dos alimentos (ex. vitaminas, aromas). Um
outro exemplo refere-se à viscosidade dos alimentos, a qual pode prejudicar a transferência de calor dentro
do evaporador quando elevada, de forma que à medida que o produto concentra-se, a viscosidade também
é aumentada, e a transferência de calor é reduzida.
Embora possa trazer benefícios como vida-de-prateleira estendida, a operação de evaporação pode,
mesmo quando realizada sob pressões reduzidas, promover perda de nutrientes termosensíveis, como
vitaminas, degradação de pigmentos, como antocianinas e carotenoides, perda de substâncias voláteis
(aroma). É comum esses componentes serem readicionados nos produtos após o processamento, como
acontece com suco de laranja que pode ter seus teores de vitamina C e aromas reajustados após processos
de concentração.

-Desidratação

Desidratação ou secagem pode ser definida como a extração deliberada e em condições


controladas da água que os alimentos contêm. As operações utilizadas nos processos de secagem são a
evaporação e a liofilização, na qual a água é sublimada. Nestes processos também ocorrem transferências
de massa e energia, porém em um nível mais intenso, de forma a resultar em produtos com umidades muito
inferiores, em torno de 3%, enquanto na concentração, este conteúdo é de cerca de 30%.
Além de visar a extensão da vida de prateleira, a desidratação é realizada com a intenção de reduzir
o peso e o volume dos alimentos, diminuindo custos com transporte e armazenamento, facilitar o uso e
diversificar a oferta de produtos. Exemplos de produtos desidratados são leite em pó, frutas secas, café em
pó, preparados para sopas e purês, e ovo em pó.
Operações como centrifugação, extração-sólido líquido, filtração e secagem ao sol, não são
considerados processos de secagem, seja porque eliminam quantidade menores de água, ou porque
ocorrem sob condições não controladas.
Durante os processos de secagem, o calor pode ser transferido para o alimento por condução,
convecção ou por radiação, embora comumente ocorra uma combinação entre eles, com predominância de
algum.
Os métodos de desidratação podem ser classificados de acordo com a forma de transferência de
calor e o procedimento aplicado.
Na secagem com ar quente predomina a transferência por convecção, em que uma corrente de ar
circula em paralelo ao alimento. Exemplos de equipamentos nesta classe de secadores são secador de
túnel, secador rotatório, secador atomizador, secador pneumático, entre outros. Dentre estes, os
atomizadores, também conhecidos como spray-dryers são os equipamentos de secagem mais importantes
na indústria de alimentos, utilizados, por exemplo, na secagem do leite para a produção de leite em pó.
Neles, o líquido entra na câmara de secagem na forma de pequena gotas, que entram em contato com o ar
quente e a água é evaporada instantaneamente, cada uma dando lugar a uma partícula seca que é
transportada pelo ar de secagem. Na saída da câmara, as partículas secas separam-se da corrente de ar na
qual estão suspensas e são recolhidas para armazenamento.
A secagem com ar é o principal método utilizado na indústria de alimentos. Nesse método, ocorrem
transferência de calor e massa simultaneamente, já que o ar quente é responsável por transferir o calor
latente para vaporização, e ao mesmo tempo remove da superfície do alimento o vapor d´água gerado. Por
esse motivo, para se conduzir uma secagem de forma eficiente, é importante o conhecimento de uma série
de propriedades da mistura ar-vapor d´água (ar úmido), conhecidas psicometria. Estas propriedades
incluem o conhecimento das variáveis psicrométricas umidade absoluta, umidade de saturação, umidade
relativa e temperatura de bulbo úmido.
O ritmo de evaporação da água de um alimento seco por corrente ar ajusta-se às conhecidas curvas
de secagem, em que a quantidade de água presente no produto é expressa em função do tempo, e a
velocidade de secagem é expressa em função do tempo e da quantidade de água no produto. Nestas
curvas, é possível diferenciar três fases do processo de secagem por ar quente: uma fase de estabilização
entre o alimento e o ambiente de secagem, outra de rápida redução do conteúdo de água do produto,
caracterizada pela intensa migração da água do interior do alimento para a superfície, onde é evaporada, e
uma terceira fase, final, na qual grande parte da água já foi evaporada e por isso o fluxo de água do interior
para a superfície reduz significativamente, resultando na secagem da superfície do alimento.
Na secagem por contanto direto com uma superfície quente, a transferência de calor ocorre por
condução, e exemplos de equipamentos deste tipo são secadores de tambor e secadores de placa.
A secagem pode ainda ser conduzida por meio de aporte de energia eletromagnética, na qual o
calor é transferido por radiação. Este método inclui equipamentos por micro-ondas, infravermelho e
aquecimento dielétrico. Em geral, são de custo muito elevado, e na prática ainda são pouco utilizados.
Finalmente, a liofilização é um método especial de desidratação por sublimação. Para que isso
ocorra, a temperatura e a pressão parcial de vapor d´água devem ser inferiores às do ponto triplo da água
(temperatura em que ela coexiste nos três estados, líquido, sólido e gasoso). Se nessas condições
proporciona-se o calor latente de sublimação, o gelo transforma-se diretamente em vapor. Portanto, os
alimentos submetidos a este método de secagem devem ser previamente congelados, preferencialmente, a
temperatura bem baixas (ex. -80ºC). Caso não seja possível, recomenda-se garantir total congelamento do
produto para que o processo de secagem ocorra eficientemente.
A principal vantagem da liofilização mediante os demais processos de secagem é que praticamente
não há elevação de temperatura durante o processo, portanto, as características sensoriais e nutricionais do
alimento são pouco ou não alteradas. Por outro lado, é um processo de altíssimo custo e mais lento do que
a secagem tradicional. Por exemplo, um produto pode levar até uma semana para secar totalmente em um
liofilizador. Por esses motivos, são ainda pouco empregados comercialmente, mas encontram aplicações na
produção de frutas desidratadas.
A despeito do método de secagem empregado, para que seja evaporada, a água deve migrar do
interior do alimento para a sua superfície, um movimento que pode se dar por diferentes mecanismos: por
forças capilares, por difusão de gases, por difusão nas camadas líquidas adsorvidas nas interfaces do
sólido, pelo movimento devido à retração do sólido.

- Adição de solutos

A adição de sais e de açúcar provoca redução do valor da Aa de um alimento, pois estes


componentes são capazes de ligar-se às moléculas de água circundantes por ligações de hidrogênio,
tornando-as indisponíveis como solvente e meio reacional.
Em vista disso, os processos de produção de geleias, doces em massa, frutas em calda ou compota
e frutas cristalizadas e glaceadas surgiram, em um primeiro momento, como uma forma de conservar frutas
para consumo, por exemplo, em regiões em que se encontram indisponíveis devido à localização geográfica
ou estação do ano, ou porque são de difícil acesso. Por exemplo, é mais fácil encontrar um habitante do
Brasil que tenha consumido geleia de amora, ou cereja em calda, do estes produtos frescos. De forma
geral, estes produtos apresentam Aa entre 0,6 e 0,8
Em geleias tradicionais, o açúcar é um componente essencial para a formação da textura do produto
(geleificação) e está presente em concentrações que variam entre 30-50% do peso da formulação. O teor
de sólidos final das geleias fica em torno de 65 a 75%. Condições de fabricação similares são observadas
na fabricação de doce em massa, como a goiabada e a bananada.
Já na produção de fruta em calda, as frutas previamente preparadas são imersas em xaropes de
açúcar com cerca de 40 ºBrix, isto é, com cerca de 40 g de açúcar e/ou glicose para 100 mL de xarope.
Durante o período de armazenamento, ocorre transferência de massa entre o xarope e a fruta, de modo que
esta absorve grande parte do açúcar presente no xarope. Frutas cristalizadas e glaceadas são produzidas
por banhos e cozimentos em xaropes de concentrações crescentes, que variam de 25% a 70% de açúcar.
Posteriormente, os frutos são secos para formação de cristais na superfície.
A salga é uma das técnicas de conservação dos alimentos mais antigas existentes, e consiste na
adição de sais, geralmente o cloreto de sódio, no alimento visando reduzir sua Aa. Os processos de salga
podem ser feitos via seca ou via úmida.
Na salga seca, o sal é depositado diretamente sobre as peças a serem salgadas, na proporção de 20
a 30% do seu peso, por um determinado tempo. É o processo observado em peixes como o bacalhau,
camarão seco, e charque. A Aa de água desses alimentos gira em torno de 0,75.
Na salga úmida, são preparadas salmouras, isto é, soluções salinas concentradas, nas quais o
alimento é imerso. Uma salmoura completamente saturada tem cerca de 26,5 g de sal para 100 ml de
solução. O poder de redução da Aa pela salmoura depende da sua concentração. Por exemplo, uma
solução a 10% resulta em uma Aa de 0,94, e já é suficiinete para inibir o desenvolvimento de muitas
bactérias, inclusive patogênicas. Soluções a 22% resultam em Aa em torno de 0,86 e é capaz de inibir o
Staphylococcus aures, bactéria patogênica de maior tolerância ao sal.

2.5 Outros métodos de conservação

Além dos métodos descritos anteriormente, é possível citar ainda outros processos de conservação,
como a defumação e aqueles com uso de membranas.
A defumação constitui, junto com a salga, um dos mais antigos métodos de conservação dos
alimentos. Consiste, essencialmente, na exposição do alimento, durante um determinado tempo, a fumaça
proveniente da combustão de materiais orgânicos como a madeira. Neste processo, ocorre secagem parcial
do produto, associado à absorção, pelo alimento, de substâncias da fumaça que apresentam ação
antimicrobiana. Com o advento de outros métodos de conservação, atualmente a defumação é
predominantemente aplicada com o intuito de atribuir características sensoriais diferenciadas ao produto. É
aplicado em peixes, carnes e embutidos.
A tecnologia de filtração por membranas é baseada na aplicação de pressões diferenciadas em
fluidos, na existência de orifícios de diferentes dimensões, que selecionam íons, moléculas e
micropartículas. Dependendo do tamanho do poro da membrana, os sistemas podem ser divididos em
microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e osmose reversa. A eliminação de microrganismos é possível na
microfiltração e na ultrafiltação, os quais são capazes de reter bactérias e vírus, respectivamente.
Atualmente, a principal indústria que utiliza a tecnologia de membrana é a leiteira, para a produção de
frações isoladas, por exemplo, caseína e concentrados proteicos do soro, e para a conservação de queijos
com alto teor de umidade como o queijo frescal.
É possível citar ainda o uso de gases, como o gás carbônico, ozônio e nitrogênio, com o objetivo de
desfavorecer o crescimento de microrganismos e inibir reações químicas, como a oxidação lipídica, e
enzimáticas, como a ação da polifenoloxidase. Estes gases são aplicados de maneira controlada, em
ambientes em que os alimentos estão armazenados, como por exemplo em câmaras frias contendo frutas
ou vegetais. Podem também ser adicionados diretamente na embalagem do alimento, modificando a
composição atmosférica interna da embalagem (embalagem com atmosfera modificada).

2.5 Métodos emergentes de conservação dos alimentos

Embora o calor, por meio da aplicação da pasteurização e esterilização, sejam um dos métodos
mais eficazes de eliminação de microrganismos, as altas temperaturas as quais os alimentos são
submetidos nesses processos em geral podem provocar mudanças químicas adversas, com degradação de
nutrientes mais termolábeis e de compostos responsáveis pelas características sensoriais mais dos
alimentos. Ocorre degradação de vitaminas, como a vitamina C, perda de cor pela degradação de
pigmentos, como antocianinas e carotenoides, degradação de compostos voláteis, com perda de aroma. De
fato, o dilema entre diminuir o risco de alteração e elaborar um produto com mudanças mínimas na
qualidade sensorial e nutritiva é um dos grandes desafios da tecnologia de alimentos.
Em função disso, nos últimos anos, tem-se desenvolvido métodos alternativos à esterilização e
pasteurização. Estes métodos não utilizam o calor como princípio de eliminação dos microrganismos, e em
geral, praticamente não produzem elevação da temperatura do produto, motivo pelo qual são denominados
métodos de conservação não-térmicos.
Atualmente, existem diversos destes métodos em desenvolvimento, enquanto alguns já podem ser
encontrados em franco funcionamento em indústrias de alimentos no mundo todo. Por esse motivo também
são chamados de tecnologias emergentes, pois apresentam-se ganhando cada vez mais espaço na
indústria.
Exemplos destas tecnologias são: campo elétrico pulsado, ultrassom, plasma frio, aquecimento
ôhmico e alta pressão hidrostática ou isostática. A maioria destes existe apenas em escala piloto ou de
teste. O único que já se apresenta em estágio avançado de aplicação na indústria é a alta pressão
hidrostática.
Atualmente, existem várias plantas processadoras instaladas ao redor do mundo que utilizam a alta
pressão hidrostática, a maioria delas nos EUA e na Europa. Na América Latina a presença da técnica é bem
menos expressiva.
O processamento por alta pressão é relativamente simples. O sistema é constituído por uma câmara,
onde o alimento será pressurizado, e um dispositivo externo responsável pela elevação da pressão no
interior da câmara. Os alimentos são carregados na câmara, a qual, em seguida, é preenchida pelo fluido
transmissor de pressão, que geralmente é a água. A bomba externa é então acionada e a pressão é
rapidamente elevada até o nível desejado.
Tradicionalmente, os processos são conduzidos a temperatura ambiente (entre 20 e 25ºC), e o
produto experimenta uma pequena elevação de temperatura devido à elevação da pressão. A pressão
aplicada em processos comerciais variam entre 400 e 600 MPa, por cerca de 5 minutos. Os alimentos são
processados já em sua embalagem final, o que evita a recontaminação.
A alta pressão elimina microrganismos deterioradores e patogênicos com bastante eficiência,
porém, não elimina esporos. Portanto, os níveis de eliminação microbiana são equivalentes aos alcançados
na pasteurização térmica, de forma que os alimentos processados por alta pressão que apresentem pH
maior do que 4,5 precisam ser armazenados sob refrigeração. No que se refere à atividade enzimática, a
alta pressão, nas condições comerciais hoje aplicadas, não é capaz de promover a completa inativação da
maioria das enzimas, o que também reforça a necessidade de associação de métodos de conservação.
As pressões aplicadas não afetam ligações covalentes, por isso, vitaminas, aromas e pigmentos
não são significativamente danificados, isto é, são mais preservados em comparação ao tratamento térmico
tradicional, o que resulta em alimentos com características sensoriais e nutricionais mais próximas ao
produto in natura. É exatamente esta característica que atrai os produtores de alimentos para a alta
pressão, a expectativa de obter produtos microbiologicamente seguros, enzimaticamente controlados, mas
com alta qualidade nutricional e sensorial.
Os principais produtos processados por alta pressão são sucos de fruta, guaca-mole, pescados,
embutidos e refeições prontas para comer. Atualmente, a alta pressão tem sido prospectada para novas
aplicações, como gelatinização de amido e modificação da conformação de proteínas, sendo possível por
meio desse processo melhorar a sua digestibildiade.
O gasto energético nas plantas de alta pressão é inferior ao gasto energético das plantas de
tratamento térmico. Além disso, a água utilizada como fluido transmissor de pressão pode ser reutilizada.
Apesar de todas estas vantagens, o custo de implantação de uma planta de alta pressão chega a ser 10x
maior do que uma planta de tratamento térmico. Este é o principal fator que ainda impede a ampliação do
uso desta tecnologia de preservação.

2.6 Teoria dos obstáculos

O estudo das interações entre os vários fatores que afetam a capacidade de sobrevivência e de
multiplicação dos microrganismos deu origem ao conceito dos obstáculos de Leistner (hurdle theory), que deu
origem à tecnologia dos obstáculos, que se baseia na utilização simultânea de mais de uma forma de controle
microbiano nos alimentos, como salga, acidificação, processamento térmico, adição de conservadores
químicos, entre outros. Na prática, é o que normalmente ocorre no processamento dos alimentos: diferentes
métodos de preservação são aplicados simultaneamente com o objetivo de obter produtos alimentícios
estáveis, de prolongada vida de prateleira, e seguros à saúde dos consumidores.
3 CONCLUSÃO
O desenvolvimento e aplicação dos métodos de conservação são uma parte importante da
história da alimentação, e de certa forma, da do ser humano, já que possibilitou uma maior oferta de
alimentos, mais seguros, por mais tempo. Portanto, o conhecimento das características que regem as
técnicas tradicionais e emergentes é de fundamental importância para que os processos continuem
evoluindo, possibilitando a produção de produtos com cada vez mais seguros, estáveis e nutritivos.

O crescimento dos cristais de gelo depende da difusão e da orientação de moléculas de água na


superfície do núcleo, já que as moléculas de água têm maior tendência a migrar e a associar-se com
núcleos já existentes do que a formar novos núcleos.
Vantagens: não se acrescentam nem se eliminam componentes, não transmite nem altera o
aroma natural, não reduz a digestibilidade, não causa perdas significativas do valor nutritivo.
Desvantagens: os microrganismos não são destruídos, embora seu número diminua, os esporos são
muito resistentes, as toxinas não são destruídas, ocorre desidratação rápida e intensa quando não há
acondicionamento adequado.
Apesar disso, existem algumas características do processo de congelamento que de fato podem
alterar indesejavelmente alguns aspectos da qualidade dos alimentos. Isto se deve à formação de
cristais de gelo durante o congelamento.
O controle da velocidade relativa de cada uma dessas etapas modifica as características do produto
final, como veremos a seguir.
Para alimentos pH>4,5, o cálculo do valor de F nem sempre é feito baseado apenas na
termoresistência do C. botulinus. Na prática, considera-se a região de destino dos produtos, e toma-se
como modelo o tipo de microrganismo que pode se desenvolver sob aquelas condições. Por exemplo,
regiões com temperaturas elevadas podem favorecer o desenvolvimento de esporos de Clostridium
sporogenes. Portanto, o valor de F deve ser feito tendo este microrganismo como modelo.
Para alimentos com pH ≤ 4,5, em que o crescimento bacteriano é reduzido, os tratamentos
são muito mais brandos. Por exemplo, em alimentos muito ácidos, como frutas (pH 3,0), não é necessário
aplicar temperaturas acima de 100 ºC, portanto, os valores de F e D são em geral muito reduzidos (65ºC por
1 a 2 minutos).
Na prática industrial, não é possível calcular os valores de F para cada batelada de alimento,
considerando a carga microbiana particular de cada uma. Portanto, em geral utilizam-se valores
padronizados previamente calculados baseados na carga microbiana normal de cada alimento e na
termoresistencias dos microrganismos normalmente presentes.

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