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1. INTRODUÇÃO
Os alimentos são sistemas complexos, ricos em nutrientes, enzimas, e em componentes com
elevada reatividade, como os lipídios insaturados. Por esse motivo, estão susceptíveis a alterações
químicas, enzimáticas e microbiológicas. Estas alterações podem ser desejáveis, como na fermentação do
leite para produzir iogurte, ou indesejáveis, como na oxidação lipídica, na deterioração microbiológica e no
escurecimento enzimático, as quais podem provocar profundas alterações organolépticas, rejeição do
produto pelo consumidor e desperdício. Os alimentos podem ainda sofrer alterações causadas por agentes
mecânicos (golpes, amassamentos), o que pode favorecer a atuação dos agentes químicos, biológicos e
bioquímicos.
Um dos grandes desafios da tecnologia de alimentos é, portanto, inibir ou destruir os agentes
causadores das alterações indesejáveis dos alimentos. Existem diversas maneiras de se atingir este
objetivo, as quais abrangem métodos a quente, a frio, com remoção de água do produto, uso de agentes
químicos e físicos. Estes métodos visam destruir ou inibir/retardar o progresso das alterações.
Portanto, é fundamental que o profissional da área tenha conhecimento sobre os métodos
existentes e quais seus efeitos sobre o alimento, a fim de que o processo possa ser conduzido de forma a
preservar as características sensoriais desejáveis dos alimentos. Assim, o presente texto tem como objetivo
apresentar os principais métodos utilizados para a conservação dos alimentos.
2. DESENVOLVIMENTO
Fungos (bolores e leveduras) e bactérias são os principais agentes biológicos responsáveis pela
deterioração microbiológica dos alimentos. Enzimas, como a peroxidase, também desempenham um
importante papel na degradação da sua qualidade. A temperatura é um dos fatores que mais afetam a
atividade enzimática e a velocidade do crescimento microbiano. O comportamento dessas variáveis ajusta-
se à equação de Arrhenius, na qual a velocidade da reação aumenta proporcionalmente ao aumento da
temperatura, porém apenas dentro de um intervalo de temperatura.
Isto ocorre porque a atividade enzimática reduz proporcionalmente com a diminuição da
temperatura, porém quando esta aumenta, a atividade enzimática é elevada até um certo ponto,
determinado ótimo, a partir do qual ocorre desnaturação da enzima e perda de atividade.
Similarmente, microrganismos crescem mais velozmente quando aumenta a temperatura até
um ponto ótimo, denominada temperatura ótima de crescimento, que varia para cada microrganismos, a
partir do qual o crescimento desacelera até a temperatura denominada máxima de crescimento, e depois
cessa totalmente, momento caracterizado pela morte do microrganismo causada pelo calor. Mediante a
redução da temperatura, também se observa queda na velocidade de crescimento, até esta cessar
(temperatura diferente para cada microrganismo), em função da alteração ou injúria da célula e de suas
estruturas.
De acordo com as temperaturas ótimas de crescimento, os microrganismos são classificados
em psicrófilos (10-15ºC, com máxima de 20ºC), psicrotróficos (0-7ºC), mesófilos (25 – 40 ºC, com máxima
de 50ºC) e termófilos (45-65ºC, com máxima de 90ºC).
Qualquer temperatura acima da máxima de crescimento do microrganismo é letal para ele, e
a progressão da destruição dos microrganismos pelo calor segue um curso logarítmico. De acordo com
esse comportamento, foram estabelecidos alguns parâmetros que definem a termodestruição microbiana,
os valores D e Z. O tempo de redução decimal – valor D – se define como o tempo necessário, em uma
determinada temperatura, para destruir 90% dos microrganismos presentes. Por exemplo, se um
microrganismo apresenta D110ºC = 1 minuto, isso significa que a cada um minuto a 110ºC, a população
desse microrganismo é reduzida em 90% no alimento. O valor D é calculado por meio do gráfico de
sobrevivência, que é a reta obtida ao representar o logaritmo de sobreviventes em função do tempo. Para
cada microrganismo, o valor D é específico da temperatura de tratamento.
O valor z relaciona os valores de D a cada temperatura. É definido como o número de graus
centígrados necessário para aumentar ou diminuir a temperatura a fim de que o valor D diminua ou
aumente, respectivamente, 10 vezes. Ele é calculado a partir dos gráficos de termodestruição, construídos
representando os logaritmos dos valores D em função da temperatura. Por exemplo, se o microrganismo
D100°C = 1 min a apresentar valor z = 4°C, isto significa que para que o valor D seja 0,1 min, a temperatura
de tratamento aplicada deve ser de 104 ºC, isto é, D104ºC = 0,1 min. Assim, conhecendo-se o valor z, pode
calcular o processo térmico equivalente em diferentes temperaturas. Os valores de z para esporos
bacterianos costumam situar-se entre 7 e 12ºC, enquanto para bactérias não-esporuladas, entre 4ºC e 6ºC.
Alguns fatores que podem afetar a sensibilidade dos microrganismos ao calor, fato conhecido
como termoresistência. A diminuição da umidade do alimento provoca aumento da resistência térmica dos
microrganismos. A presença de gordura e proteínas aumenta a termoresistência de microrganismos pois
promovem redução da atividade de água. Os açúcares, como a sacarose, promovem redução da atividade
de água, e também aumentam a termoresistência de alguns microrganismos e esporos, principalmente dos
osmofílicos. A presença de sais influenciam a termoresistencia de maneira variável. Alguns sais têm efeito
protetor, por diminuírem a atividades de água (NaCl), enquanto outros, como o Ca+2, elevam a atividade de
água, portanto aumentam a sensibilidade ao calor.
Quanto ao pH, microrganismos são mais termoresistentes em alimentos neutros ou próximos
da neutralidade (ex. leite), enquanto a acidez ou alcalinidade torna mais rápida a destruição pelo calor, com
a acidez sendo mais eficiente para reduzir a termoresistência. Na prática, este é um dos fatores mais
importantes no estabelecimento das condições de tratamento térmico de um alimento. Por esse motivo, os
alimentos são classificados em pouco ácidos, quando apresentam pH>4,5, alimentos ácidos (pH de 4 a 4,5)
e alimentos muito ácidos (pH < 4).
Essa separação ocorreu em função da termoresistencia do Clostridium botulinum, uma
bactéria que produz uma potente neurotoxina quando se reproduz nos alimentos, e cujos esporos não
podem germinar em alimentos com um pH inferior a 4,5. Além disso, nenhum esporo bacteriano pode
germinar em pH inferior a 4 e, portanto, pode-se reduzir bastante a intensidade do tratamento térmico nesse
alimento para que ele atinja a estabilidade microbiológica.
O valor F é outro parâmetro de destruição microbiana, que pode ser definido como o tempo
necessário, na temperatura determinada, para reduzir a população microbiana presente no alimento até o
nível desejado. O F é comumente calculado, por expressões matemáticas, a uma temperatura de 121ºC
(F121ºC ou F0), de acordo com o pH do alimento. Se o alimento apresentar pH> 4,5, considera-se que o tempo
F de tratamento térmico deve ser capaz de eliminar 12 ciclos logarítmicos de esporos do C. botulinus,
condição conhecida como conceito 12D. Se o pH ≤ 4,5, não é necessário considerar o conceito 12D e os
tratamentos aplicados são comumente mais brandos.
Durante o tratamento térmico, é importante considerar que o calor propaga-se por condução
(alimentos sólidos), convecção (líquidos) ou por uma combinação de ambos os métodos. Além disso, os
alimentos podem estar acondicionados em embalagens de diferentes formas e materiais. Portanto, ao ser
aplicado, o calor progride lentamente, formando um gradiente de temperatura no alimento, em que o seu
centro representa o ponto que leva mais tempo para entrar em equilíbrio térmico com o restante do sistema.
O mesmo pode ser aplicado ao resfriamento. Assim, a letalidade do processo térmico como um todo é
obtida construindo-se curvas de aquecimento/resfriamento, considerando-se as temperaturas pelas quais
passa o centro térmico da embalagem ao longo do tempo.
Em geral, salvo raras exceções, a inativação enzimática é contemplada nos tratamentos
térmicos, já que enzimas são muito mais sensíveis do que os microrganismos. Por isso, consideramos que
os tratamentos descritos acima e adiante no texto já promovem a obtenção de um alimento
enzimaticamente estável.
Os tipos de tratamentos térmicos aplicados atualmente aos alimentos são: esterilização e
pasteurização.
Esterilização corresponde ao tratamento térmico que visa destruir os microrganismos para
atingir a esterilidade comercial, uma vez que não é possível, no sentido estrito da palavra, produzir um
alimento 100% estéril. Assim, o principal objetivo do tratamento é a eliminação de bactérias esporuladas,
forma vegetativa e mais resistente de alguns microrganismos. A esterilização pode ser realizada de duas
formas: embalagens já preenchidas ou aquecendo o alimento sem embalar e acondicionando-o, depois,
assepticamente.
A esterilização de alimentos acondicionados em latas, garrafas de vidro ou saco plástico
termoestável é aplicada em alimentos sólidos e semi-sólidos, como conservas alimentícias. É realizado em
autoclaves, por meio da aplicação de vapor d´agua saturado, a temperaturas acima de 100 ºC (de 100 a
125ºC). Os esterilizadores podem ser descontínuos, que consistem em autoclaves clássicas verticais ou
horizontais, ou contínuos.
A esterilização de alimentos sem acondicionar é utilizada em alimentos líquidos e
semilíquidos (ex. leite, sopas, nata, purês). Consiste no aquecimento muito rápido (quase instantâneo) até
temperaturas muito altas (135-150ºC) que se mantem durante um tempo muito curto (2 a 5 seg).
Denominam-se UHT (ultra high temperature) e podem se dar por processos indiretos, nos quais o
aquecimento é feito mediante trocadores de calor (tubulares ou de placa); ou por processos diretos, que
consistem na injeção de vapor d´água no alimento (método injeção) ou na injeção do alimento em vapor d
´água (método de difusão).
A esterilização de alimentos pelos processos UHT requer acondicionamento asséptico, isto é,
o alimento deve ser envasado imediatamente após o tratamento em ambiente estéril. O método de envase
asséptico mais conhecido é o tetrapack. Nele, o rolo de papelão laminado
(polietileno/papelão/alumínio,polietileno) é esterilizado a 80ºC pelo banho de peróxido de hidrogênio,
seguida de eliminação deste componente por meio de uma corrente de ar estéril. Em seguida, o rolo entra
na câmara asséptica, esterilizada com ar quente e filtração. A tubulação procedente do esterilizador UHT
chega a essa câmara, onde a embalagem é moldada, recebe o volume adequado de alimento, é fechada a
quente, e depois cortada com guilhotinas.
Em função das características da esterilização (envase asséptico/tratamento acondicionado),
os alimentos produzidos por este método de conservação podem ser armazenados a temperatura ambiente.
A pasteurização visa destruir os microrganismos patogênicos não-esporulados e reduzir
significativamente a microbiota banal, de modo a oferecer um produto seguro, com vida útil aceitável, para
ser consumido em pouco tempo. Existem duas modalidades de pasteurização, LHT (low temperature
holding) ou pasteurização baixa, e HTST (high temperature, short time) ou pasteurização alta.
São aplicadas temperaturas inferiores a 100ºC, geralmente em alimentos ácidos ou muito
ácidos, os quais permitem condições mais brandas de temperatura, pois o baixo pH naturalmente inibe o
crescimento da maioria das bactérias e esporos.
A LHT é um sistema descontínuo, adequado quando se pretende pasteurizar volumes
pequenos. Empregam-se tempos longos (aproximadamente 30 minutos) e temperaturas baixas (62ºC a
68ºC). É realizada em tanques de parede dupla providos de agitador e de termômetro. Pela parede dupla
circulam o fluido calefator e o refrigerador.
A HTST é realizada em sistemas de fluxo contínuo, com trocadores de calor tubulares ou de
placas. Empregam-se temperaturas elevadas (72ºC a 85ºC) e tempos curtos (15 a 20 segundos).
Aditivos são substâncias adicionadas aos alimentos, sem propósito de nutrir, com o objetivo
de modificar suas características físicas, químicas, biológicas ou sensoriais. Cada país possui uma
legislação própria de aditivos permitidos. No Brasil, o decreto nº 55.871 de 1965 rege o emprego de
aditivos.
Assim, substâncias de algumas classes de aditivos são adicionadas com o propósito de inibir
alterações ou destruir agentes de modificações químicas e microbiológicas do alimento. Estas são:
- Antioxidantes
Os antioxidantes são substâncias que, quando presentes em pequenas concentrações, retardam o
aparecimento de alteração oxidativa nos alimentos. Sua principal aplicação em alimentos visa a inibição da
oxidação lipídica de óleos e gorduras. Porém, também são utilizados para prevenir a oxidação, por exemplo,
de aromas e proteínas.
A auto-oxidação é a principal reação química que acomete óleos e gorduras contendo ácidos graxos
insaturados, e pode resultar em perda nutricional, geração de off-flavors e off-odours (ex. odor e sabor de
ranço), e produção de substâncias tóxicas (ex. malondialdeído). Portanto, representa perda de qualidade e
rejeição do alimento pelo consumidor. Ela ocorre a partir da geração de radicais livres pelos lipídios
insaturados após a ação de algum agente iniciador, como a luz, metais de transição e/ou calor. Estes
radicais livres reagirão rapidamente com o oxigênio e provocarão uma reação em cadeia que poderá se
propagar até que os ácidos graxos insaturados disponíveis no meio se esgotem.
Os antioxidantes podem ser classificados, em função do seu mecanismo de ação, em primários (ou
tipo I), que atuam neutralizando os radicais livres, dessa forma barrando a propagação da reação. O
principal mecanismo de ação destes antioxidantes é a doação de um átomo de hidrogênio para o radical
livre, e por isso são chamados de sequestradores de radicais livres. Exemplos desta classe inclui
compostos sintéticos como o BHT e TBHQ, e naturais, como os tocoferóis e compostos fenólicos.
A segunda classe de antioxidantes, denominada secundária (ou tipo II), atua contra fatores
que podem promover a formação de radicais livres ou acelerar a oxidação, como por exemplo quelando
metais de transição. Exemplos dessa classe incluem agentes quelantes sintéticos, como o EDTA, e
naturais, como o ácido cítrico.
- Conservantes:
São utilizados para eliminar, total ou parcialmente, os microrganismos ou para criar condições
que desfavoreçam o seu crescimento. Devem ser utilizados apenas substâncias autorizadas, dentro dos
limites legais. No Brasil, os conservantes permitidos são: ácido benzoico e ácido sórbico, com seus sais de
sódio, potássio e cálcio; dióxido de enxofre e derivados, como o sulfito de sódio, bissulfito de sódio e
metabissulfito de sódio ou potássio; nitrato de sódio e potássio; nitrito de sódio e potássio; propionato de
sódio, cálcio ou potássio; nisina; natamicina; parahidroxibenzoato de etila e seus derivados.
O mecanismo de ação antimicrobiana consiste, principalmente, em reações inibidoras de
enzimas envolvidas no metabolismo basal da célula ou de síntese de substâncias importantes. A escolha do
conservante mais adequado depende de fatores como as propriedades químicas do alimento (ex. pH), os
prováveis contaminantes (fungos ou bactérias), e as condições de armazenamento.
Dentre os conservantes mencionados, o ácido benzoico e seus sais são os mais utilizados,
na concentração máxima de 40 ppm. Sua forma efetiva é a molecular, não dissociada. Por isso, devido ao
seu caráter ácido (pKa = 4,18), recomenda-se sua utilização em alimentos ácidos (pH 2 - 4), como sucos de
frutas, refrescos, picles e margarina, onde são efetivos principalmente contra bolores e leveduras. É
comumente adicionado na forma de sais para elevar sua solubilidade no meio, onde sofre hidrólise e
permanece em equilíbrio entre as formas salina e dissociada.
O ácido sórbico apresenta propriedades semelhantes ao do ácido benzoico, porém, devido ao
seu pKa mais elevado (4,7) consegue atuar em faixas de pH mais elevada (até 6,5), e por isso é utilizado
em produtos à base de frutas, mas também em leite de coco e queijos. De forma análoga, o ácido
propiônico e seus sais possuem ação antifúngica e contra algumas bactérias, sendo bastante utilizado em
queijos e produtos de panificação. O dióxido de enxofre e derivados possuem principalmente ação
antibacteriana, e é o conservador utilizado na fabricação de vinhos e sucos de uva. Já os nitritos e os
nitratos são amplamente utilizados nos processos de cura de carnes (ex. salame, salsicha), e possuem
ação principalmente antibacteriana.
-Congelamento
A nível industrial, os sistemas de aplicação de frio estão divididos em dois grandes grupos: sistemas
mecânicos e criogênicos.
Os sistemas mecânicos correspondem àqueles utilizados em geladeiras e freezers domésticos, em
que são utilizados circuitos equipados com compressores e fluidos refrigerantes. Quando esses sistemas
são utilizados, o resfriamento ou congelamento pode ser realizado por meio da circulação do ar (convecção
forçada), por exemplo, em uma câmara fria ou câmara frigorífica; por meio de superfícies frias, sobre a qual
o alimento é depositado, como por exemplo em um congelador de placas; por meio de líquidos, como água
fria, salmouras, glicerol ou solução de açúcar, em que o alimento é imerso em tanques contendo a solução
refrigerante. Esse método pode ser aplicado em peixes ou frutas em que os sabores salgado ou doce sejam
desejáveis, enquanto substâncias como o glicerol devem ser utilizadas apenas em alimentos embalados.
Já os sistemas criogênicos consistem na utilização de líquidos criogênicos ou gases liquefeitos,
como CO2 líquido ou sólido, e nitrogênio líquido. Nesses sistemas, o alimento resfria por contato direto com
esses líquidos, que, ao captarem calor dos alimentos para sua evaporação, asseguram ação refrigerante. O
equipamento empregado nesse método são túneis de funcionamento contínuo, os quais contém pontos de
aspersão do líquido criogênico.
O método de resfriamento/congelamento e o equipamento escolhidos devem levar em conta
o tipo de alimento a ser processado, se ele estará embalado ou não e a velocidade de congelamento
desejada.
Assim, o congelamento é um processo extremamente eficiente para a conservação dos alimentos,
porém, suas particularidades precisam ser observadas para que se possa usufruir das melhores
características do processo.
2.3 Conservação dos alimentos por processos fermentativos com ou sem modificação do pH
Alguns alimentos frescos apresentam pH em torno de 5 a 6,5, como carne e pescados, outros estão
bem perto da neutralidade, como o leite (6,8), enquanto alimentos como as frutas têm caráter ácido (em
torno de 4,0), e os cítricos em particular são muito ácidos (3,0).
A resposta de diferentes microrganismos ao pH do meio é bem conhecida. A maioria das bactérias
cresce otimamente a pH próximo da neutralidade (pH = 7,0), embora também possam crescer de maneira
limitada em pH entre 5 e 8. Porém, com exceção das bactérias acéticas e lácticas, muito raramente se
desenvolvem em pH inferior a 4,5. Já bolores e leveduras possuem capacidade de se multiplicar em pH
geralmente inferior aos das bactérias (ótimo entre 4 e 6,5), podendo chegar a desenvolver-se em pH 2,0.
Enzimas também possuem pH ótimo de atividade, fora do qual sua atuação é bastante reduzida.
Por exemplo, o pH ótimo da enzima polifenoloxidase é entre 5,0 e 7,0. Em pH inferior a 3,0 sofre inativação.
Por isso, para evitar escurecimento de frutos ou vegetais cortados e descascados, quando sensorialmente
possível, pode-se mergulhá-los em soluções ácidas ou sucos cítricos.
A acidificação como método de preservação pode ser obtida por meio de processos fermentativos,
como ocorre, por exemplo, durante a produção do iogurte e do vinagre, ou por meio da adição de ácidos
orgânicos, como o ácido cítrico, a exemplo do que é feito em alimentos conservados em salmouras como o
palmito. Ela pode, por si só, representar o principal meio de conservação do alimento, como ocorre no
vinagre, ou necessitar ser combinada a algum outro método, como embutidos que possuem aditivos e baixa
atividade de água.
A fermentação é o processo bioquímico por meio do qual organismos anaeróbicos produzem ATP,
isto é, a energia que precisam para crescer e se multiplicar. Os três principais tipos de fermentação
utilizados em alimentos são a láctica, a acética e a etanólica. Elas podem ocorrer naturalmente por meio da
ação da flora natural existem no alimento, ou ser induzida e controlada, utilizando-se inóculos ou as
chamadas culturas selecionadas (starter). Este último método é, em geral, o preferido pela indústria de
produtos fermentação, pois reduz o risco de ocorrência de desvios metabólicos devido à presença de
espécies estranhas durante a fermentação.
As fermentações láctica e acética resultam em alimentos com pH inferior ao original. No passado,
constituíram um importante método de conservação para vários alimentos, mas atualmente são conduzidas
majoritariamente com o intuito de produzir alimentos com características organolépticas diferenciadas do
produto original.
A fermentação láctica ocorre em alimentos como o iogurtes, kefir, coalhada, picles e salame. Consiste
na metabolização da lactose (glicose + galactose) presente no leite e sua transformação em ácido láctico. É
realizada por bactérias de diversos gêneros, como Streptococcus e Lactobacillus.
Já a fermentação acética ocorre durante a produção de vinagre, por meio da ação de bactérias do
gênero Acetobacter. Durante este processo fermentativo, as bactérias utilizam o etanol como fonte de
energia, e por meio da enzima álcool desidrogenase, produzem ácido acético como produto final de seu
metabolismo. Como utilizam o álcool, e não a glicose como fonte de energia, as matérias primas para este
tipo de fermentação são produtos alcóolicos, como vinhos e álcoois de grau alimentício.
A fermentação alcóolica, embora não proporcione mudança de pH, também produz efeito
conservante, já que a elevação do teor alcóolico do produto inibe o crescimento de microrganismos
deterioradores e patogênicos. Consiste no processo em que açúcares (glicose, sacarose, frutose) são
convertidos em álcool e CO2 pela ação de leveduras do gênero Sacharomycces.
Assim, o conhecimento das características do alimento é fundamental para estabelecer quais
processos devem ser combinados à acidificação para assegurar a qualidade microbiológica do produto.
2.4 Conservação dos alimentos pela redução da atividade de água
- Evaporação
-Desidratação
- Adição de solutos
Além dos métodos descritos anteriormente, é possível citar ainda outros processos de conservação,
como a defumação e aqueles com uso de membranas.
A defumação constitui, junto com a salga, um dos mais antigos métodos de conservação dos
alimentos. Consiste, essencialmente, na exposição do alimento, durante um determinado tempo, a fumaça
proveniente da combustão de materiais orgânicos como a madeira. Neste processo, ocorre secagem parcial
do produto, associado à absorção, pelo alimento, de substâncias da fumaça que apresentam ação
antimicrobiana. Com o advento de outros métodos de conservação, atualmente a defumação é
predominantemente aplicada com o intuito de atribuir características sensoriais diferenciadas ao produto. É
aplicado em peixes, carnes e embutidos.
A tecnologia de filtração por membranas é baseada na aplicação de pressões diferenciadas em
fluidos, na existência de orifícios de diferentes dimensões, que selecionam íons, moléculas e
micropartículas. Dependendo do tamanho do poro da membrana, os sistemas podem ser divididos em
microfiltração, ultrafiltração, nanofiltração e osmose reversa. A eliminação de microrganismos é possível na
microfiltração e na ultrafiltação, os quais são capazes de reter bactérias e vírus, respectivamente.
Atualmente, a principal indústria que utiliza a tecnologia de membrana é a leiteira, para a produção de
frações isoladas, por exemplo, caseína e concentrados proteicos do soro, e para a conservação de queijos
com alto teor de umidade como o queijo frescal.
É possível citar ainda o uso de gases, como o gás carbônico, ozônio e nitrogênio, com o objetivo de
desfavorecer o crescimento de microrganismos e inibir reações químicas, como a oxidação lipídica, e
enzimáticas, como a ação da polifenoloxidase. Estes gases são aplicados de maneira controlada, em
ambientes em que os alimentos estão armazenados, como por exemplo em câmaras frias contendo frutas
ou vegetais. Podem também ser adicionados diretamente na embalagem do alimento, modificando a
composição atmosférica interna da embalagem (embalagem com atmosfera modificada).
Embora o calor, por meio da aplicação da pasteurização e esterilização, sejam um dos métodos
mais eficazes de eliminação de microrganismos, as altas temperaturas as quais os alimentos são
submetidos nesses processos em geral podem provocar mudanças químicas adversas, com degradação de
nutrientes mais termolábeis e de compostos responsáveis pelas características sensoriais mais dos
alimentos. Ocorre degradação de vitaminas, como a vitamina C, perda de cor pela degradação de
pigmentos, como antocianinas e carotenoides, degradação de compostos voláteis, com perda de aroma. De
fato, o dilema entre diminuir o risco de alteração e elaborar um produto com mudanças mínimas na
qualidade sensorial e nutritiva é um dos grandes desafios da tecnologia de alimentos.
Em função disso, nos últimos anos, tem-se desenvolvido métodos alternativos à esterilização e
pasteurização. Estes métodos não utilizam o calor como princípio de eliminação dos microrganismos, e em
geral, praticamente não produzem elevação da temperatura do produto, motivo pelo qual são denominados
métodos de conservação não-térmicos.
Atualmente, existem diversos destes métodos em desenvolvimento, enquanto alguns já podem ser
encontrados em franco funcionamento em indústrias de alimentos no mundo todo. Por esse motivo também
são chamados de tecnologias emergentes, pois apresentam-se ganhando cada vez mais espaço na
indústria.
Exemplos destas tecnologias são: campo elétrico pulsado, ultrassom, plasma frio, aquecimento
ôhmico e alta pressão hidrostática ou isostática. A maioria destes existe apenas em escala piloto ou de
teste. O único que já se apresenta em estágio avançado de aplicação na indústria é a alta pressão
hidrostática.
Atualmente, existem várias plantas processadoras instaladas ao redor do mundo que utilizam a alta
pressão hidrostática, a maioria delas nos EUA e na Europa. Na América Latina a presença da técnica é bem
menos expressiva.
O processamento por alta pressão é relativamente simples. O sistema é constituído por uma câmara,
onde o alimento será pressurizado, e um dispositivo externo responsável pela elevação da pressão no
interior da câmara. Os alimentos são carregados na câmara, a qual, em seguida, é preenchida pelo fluido
transmissor de pressão, que geralmente é a água. A bomba externa é então acionada e a pressão é
rapidamente elevada até o nível desejado.
Tradicionalmente, os processos são conduzidos a temperatura ambiente (entre 20 e 25ºC), e o
produto experimenta uma pequena elevação de temperatura devido à elevação da pressão. A pressão
aplicada em processos comerciais variam entre 400 e 600 MPa, por cerca de 5 minutos. Os alimentos são
processados já em sua embalagem final, o que evita a recontaminação.
A alta pressão elimina microrganismos deterioradores e patogênicos com bastante eficiência,
porém, não elimina esporos. Portanto, os níveis de eliminação microbiana são equivalentes aos alcançados
na pasteurização térmica, de forma que os alimentos processados por alta pressão que apresentem pH
maior do que 4,5 precisam ser armazenados sob refrigeração. No que se refere à atividade enzimática, a
alta pressão, nas condições comerciais hoje aplicadas, não é capaz de promover a completa inativação da
maioria das enzimas, o que também reforça a necessidade de associação de métodos de conservação.
As pressões aplicadas não afetam ligações covalentes, por isso, vitaminas, aromas e pigmentos
não são significativamente danificados, isto é, são mais preservados em comparação ao tratamento térmico
tradicional, o que resulta em alimentos com características sensoriais e nutricionais mais próximas ao
produto in natura. É exatamente esta característica que atrai os produtores de alimentos para a alta
pressão, a expectativa de obter produtos microbiologicamente seguros, enzimaticamente controlados, mas
com alta qualidade nutricional e sensorial.
Os principais produtos processados por alta pressão são sucos de fruta, guaca-mole, pescados,
embutidos e refeições prontas para comer. Atualmente, a alta pressão tem sido prospectada para novas
aplicações, como gelatinização de amido e modificação da conformação de proteínas, sendo possível por
meio desse processo melhorar a sua digestibildiade.
O gasto energético nas plantas de alta pressão é inferior ao gasto energético das plantas de
tratamento térmico. Além disso, a água utilizada como fluido transmissor de pressão pode ser reutilizada.
Apesar de todas estas vantagens, o custo de implantação de uma planta de alta pressão chega a ser 10x
maior do que uma planta de tratamento térmico. Este é o principal fator que ainda impede a ampliação do
uso desta tecnologia de preservação.
O estudo das interações entre os vários fatores que afetam a capacidade de sobrevivência e de
multiplicação dos microrganismos deu origem ao conceito dos obstáculos de Leistner (hurdle theory), que deu
origem à tecnologia dos obstáculos, que se baseia na utilização simultânea de mais de uma forma de controle
microbiano nos alimentos, como salga, acidificação, processamento térmico, adição de conservadores
químicos, entre outros. Na prática, é o que normalmente ocorre no processamento dos alimentos: diferentes
métodos de preservação são aplicados simultaneamente com o objetivo de obter produtos alimentícios
estáveis, de prolongada vida de prateleira, e seguros à saúde dos consumidores.
3 CONCLUSÃO
O desenvolvimento e aplicação dos métodos de conservação são uma parte importante da
história da alimentação, e de certa forma, da do ser humano, já que possibilitou uma maior oferta de
alimentos, mais seguros, por mais tempo. Portanto, o conhecimento das características que regem as
técnicas tradicionais e emergentes é de fundamental importância para que os processos continuem
evoluindo, possibilitando a produção de produtos com cada vez mais seguros, estáveis e nutritivos.