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O Relacionamento Contratante-Contratada: Implicações nas Práticas de Gestão de


Pessoas de uma Terceirizada
Autoria: Pedro Vinícius de Oliveira Carneiro Leão, Simone Costa Nunes, Antonio Carvalho Neto

Resumo

O objetivo do estudo é avaliar como o relacionamento que se estabelece entre Contratante e


Contratada influencia as práticas de gestão de pessoas da empresa terceira. A pesquisa é um
estudo de caso de natureza qualitativa. A coleta dos dados primários ocorreu por meio de
entrevistas semiestruturadas com 15 pessoas pertencentes a três empresas: Contratante,
Contratada e Consultoria. Os resultados apontam para a existência de um processo
intencional, planejado e consolidado de exercício de influência da Contratante sobre a
Contratada que envolve práticas de gestão de pessoas nos seguintes âmbitos: recrutamento,
seleção, treinamento, comunicação e rotinas trabalhistas.

 
 

1 INTRODUÇÃO
A pressão proporcionada por um mercado imprevisível, exigente e com barreiras
concorrenciais cada vez menores, demanda por empresas ágeis, eficientes e mais
competitivas. O foco na competência central e a delegação das atividades acessórias para
outras empresas tornaram-se premissa em um ambiente que exige eficiência, flexibilidade e
agilidade das organizações (PRAHALAD; HAMEL, 1990). É justamente no esforço de dotar
a empresa de flexibilidade e adaptabilidade que a terceirização surge como estratégia
amplamente utilizada nesse cenário (MAGALHÃES; CARVALHO NETO; GONÇALVES,
2010).
A disseminação da terceirização é um dos reflexos da transição do padrão de
acumulação fordista, para o modelo de acumulação flexível (BARBOSA, 2010; UDERMAN,
2007). Já se vão aproximadamente 30 anos que os custos do trabalho passaram a sofrer
compressão para baixo, via terceirização, e os sindicatos de trabalhadores não têm obtido
sucesso para fazer frente a esse movimento (CUTCHER-GERSHENFELD et al, 2007;
POCHMANN, 2011).
No Brasil, o uso da estratégia de terceirização teve como foco principal e muitas vezes
único, a redução dos custos de produção (BORGES, DRUCK, 1993; CARVALHO NETO,
2001; FARIA, 1994) e, em consequência, o rebaixamento das condições de trabalho. A
difusão dessa terceirização ganha espaço quando demonstra como a pulverização da força de
trabalho, espalhada espacialmente, restringe a organização dos trabalhadores e põe em cheque
a conquista e defesa dos seus direitos (LIMA, 2010). Nesse sentido, esse processo culminou
na precarização generalizada das relações do trabalho, mas, associando-se a uma queda dos
níveis de serviço, comprometendo, inclusive, os resultados econômicos das empresas optantes
por uma terceirização baseada na redução de custos (BORGES; DRUCK, 1993; DRUCK,
2011; HIRATA, 2011).
Todavia, essa relação de exploração e de resultados insatisfatórios se afasta da ideia de
interrelacionamento estruturado, socialmente justo e financeiramente sustentável
(CARDOSO; MARRAS, 2010), e não é o único caminho trilhado pelas empresas brasileiras.
Os resultados negativos fizeram com que várias organizações abandonassem a estratégia de
terceirização. Outras optaram por reverter o processo e, ainda, algumas buscaram trabalhar no
sentido de transformar essa estratégia em uma relação de parceria. As empresas que fizeram a
opção pela relação de parceria, seja originariamente ou como uma opção de mudança na
estratégia de terceirização, passaram a usufruir da conquista dos objetivos de se tornarem
empresas mais leves e eficientes (DRUCK, 1999; FERNANDES; CARVALHO NETO,
2005a; RACHID; BRESCIANI; GITAHY, 2001; REZENDE, 1997).
Porém, a relação de parceria encontra grandes desafios. Pesquisa realizada por
Fernandes e Carvalho Neto (2005a, b) com 513 gestores de 179 empresas brasileiras de
grande porte aponta que entre os maiores desafios encontrados na gestão de terceirizados
estão a qualificação desses fornecedores, a qualidade dos serviços prestados, a padronização
dos serviços contratados e o comprometimento dos terceirizados. Outro aspecto impactante na
relação de parceria é a evidente discrepância entre as condições de trabalho oferecidas para o
empregado da empresa contratante e as oferecidas aos empregados da empresa terceira
(CARVALHO NETO, 2001). Apesar dos desafios, pesquisas apontam êxito em relações de
parcerias nas quais grandes empresas estabeleceram um relacionamento tutelar com suas
parceiras, promovendo o desenvolvimento dessas empresas, o aprimoramento dos serviços e
produtos e uma gestão mais eficiente da mão de obra. O envolvimento da gestão de pessoas
de uma organização com os seus parceiros se mostra determinante na perspectiva evolutiva
das empresas dentro do cenário atual (CARDOSO; MARRAS, 2010).

 
 

Considerando esse cenário delineou-se como objetivo da pesquisa avaliar como o


relacionamento que se estabelece entre Contratante e Contratada influencia as práticas de
gestão de pessoas da empresa Terceira.
Além desta introdução, o artigo encontra-se estruturado em mais quatro seções: a
seção 2 discute a gestão de pessoas no contexto da terceirização; a seção 3 apresenta os
procedimentos metodológicos; na seção 4 estão a apresentação e a discussão dos resultados da
pesquisa; a seção 5 apresenta considerações finais sobre o estudo e, em seguida, encontram-se
as referências.

2 A GESTÃO DE PESSOAS E O DESAFIO DA TERCEIRIZAÇÃO


As novas configurações organizacionais e a flexibilização das relações de trabalho
fizeram com que a gestão de pessoas adquirisse maior complexidade, representando um
grande desafio para as empresas (SILVA et al., 2001) e para a própria área de recursos
humanos (RH) (KOCHAN, 1997, 2006), em especial devido à terceirização, que redunda
muitas vezes em falta de comprometimento do trabalhador (HALL, 2000).
Nesse sentido, o papel estratégico a ser desempenhado pela gestão de pessoas passa a
ser o de repensar as atividades próprias da área de RH em termos estratégicos, ou seja, de
forma a integrar os objetivos de longo prazo da organização, as variáveis relevantes do
ambiente e as necessidades decorrentes em termos de pessoas (LACOMBE; TONELLI,
2001).
Quanto mais os negócios se sofisticam e se reconfiguram em quaisquer de suas
dimensões – tecnologia, mercado, expansão, abrangência etc. – mais seu sucesso fica
dependente de uma estratégia de gestão de pessoas que assegure um padrão de
comportamento coerente com esses negócios. Nesse sentido, conforme apontam Fernandes e
Carvalho Neto (2005a), o modelo burocrático de gestão de pessoas, orientado para o controle,
voltou-se para um modelo mais flexível, capaz de responder a situações complexas, instáveis
e inesperadas. Essas situações requerem o manejo concomitante de múltiplas contingências
que elevam o desafio imposto aos gestores para que os benefícios da flexibilização dos
contratos de trabalho sejam sustentáveis.
Todavia, Salerno (2004) aponta que a disseminação das mudanças propostas a partir
do processo de reestruturação produtiva enfrentou obstáculos decorrentes de particularidades
das relações de trabalho no Brasil. Entre elas, destaca-se a resistência das chamadas chefias
intermediárias quanto à introdução de programas de qualidade e de mudanças organizacionais
diversas, o que qualifica o perfil historicamente autoritário dos gestores brasileiros. O
autoritarismo das chefias é conflitante com as políticas de maior participação e autonomia dos
trabalhadores diretos, sobretudo nas empresas líderes de seus setores.
Outro obstáculo a ser enfrentado é a discrepância de tratamento entre core workers e
terceirizados, constatada por diversos autores que demonstraram o seu impacto negativo no
trabalho das equipes formadas por diferentes vínculos contratuais e, sobretudo, a precarização
das relações de trabalho dela decorrente (CARVALHO NETO, 2001; DEDECCA, 1996;
FERNANDES; CARVALHO NETO, 2005a, b; HALL, 2000; SARSUR et al., 2002).
Essa diferença de tratamento não leva a resultados positivos e se choca com as
perspectivas contemporâneas da gestão de pessoas no que se refere à valorização do elemento
humano e à primazia de estratégias de médio e longo prazo como meios para se atingir
resultados positivos. Para Almeida, Teixeira e Martinelli (1993), a organização deve se
adaptar ao ambiente presente e futuro, passando a servir às pessoas naquilo que necessitam.
Sobre a questão da qualificação, Magalhães, Carvalho Neto e Saraiva (2011)
argumentam que o tema é alheio aos contratos de prestação de serviços que se restringem, em

 
 

regra, ao objeto do contrato, ao seu valor, aos seus prazos, às formas de controle e às
obrigações das partes envolvidas. Dessa forma, a responsabilidade de conduzir os processos
de qualificação e comprometimento dos trabalhadores recai ainda mais sobre os gestores.
Os resultados da pesquisa de Fernandes e Carvalho Neto (2005b) indicam que, para
enfrentar o desafio da qualificação dos trabalhadores das Contratadas, as empresas têm
investido na definição de critérios, políticas e regras para orientarem a gestão do contrato de
terceiros. A Contratante também passa a orientar os processos de seleção dos terceirizados por
meio da contratação e negociação de metas e pelo acompanhamento e avaliação do
desempenho. Tais autores ainda identificaram que a integração dos terceiros aos processos de
treinamento e desenvolvimento da Contratante representa uma das práticas mais utilizadas
pelos gestores para lidar com a questão da capacitação de trabalhadores terceiros
(FERNANDES; CARVALHO NETO, 2005a).
Além das práticas voltadas para o treinamento e desenvolvimento, a avaliação de
metas, supervisão e feedback se apresentam como medidas adotadas pelos gestores
participantes da pesquisa de Fernandes e Carvalho Neto (2005a) com vistas a garantir a
melhoria dos serviços. Além disso, o estabelecimento de processos estruturados de
certificação para as empresas terceirizadas e o envolvimento dos terceiros no planejamento de
trabalho e na troca de experiências também foram identificadas como sendo estratégias
aplicadas no sentido de romper os obstáculos do ambiente da terceirização.
O ambiente empresarial está cada vez mais rigoroso e exige que as empresas se
adaptem às necessidades das pessoas de forma integrada, considerando inclusive seus
fornecedores (ALMEIDA, TEIXEIRA E MARTINELLI, 1993). Lisboa (2008) aponta que é
fundamental que as políticas e práticas envolvendo a gestão de pessoas estejam alinhadas às
mudanças ocorridas no contexto organizacional e que contemplem também o trabalhador
terceirizado.
Contudo, o despreparo das empresas em lidar com as pessoas envolvidas no contexto
produtivo do negócio, independente do vínculo contratual, é notório, conforme constata a
pesquisa de Fernandes e Carvalho Neto (2005a, b). Aspectos relacionados à valorização,
comprometimento, cooperação, aprendizagem e confiança envolvendo a gestão de pessoas em
múltiplos vínculos contratuais ainda encontram-se submetidos a um segundo plano. No
mesmo sentido, Leite (1994) ressalta que as estratégias de gestão de pessoas adotadas pelas
empresas têm um caráter limitado e apenas reativo. Para Rezende (1997), o gerenciamento do
relacionamento com os fornecedores é uma das principais dificuldades para o sucesso das
terceirizações no Brasil.
Apesar do quadro desafiador, persiste a necessidade de desenvolvimento de vários
tipos de relações colaborativas entre as empresas, ampliando as suas fronteiras, construindo
sistemas que coexistam com novas culturas e orientem as pessoas para a criação e
manutenção constante de vantagens competitivas. (CARDOSO; MARRAS, 2010).
Outro ingrediente importante entre os desafios da gestão de pessoas no contexto da
terceirização relaciona-se à empregabilidade dos trabalhadores. Associado a esse fator,
Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010) ressaltam a desigualdade de oportunidades de
treinamento e desenvolvimento existente entre os empregados das empresas contratantes e os
trabalhadores de suas respectivas contratadas, acentuando ser a qualificação profissional um
importante fator de definição da empregabilidade do trabalhador terceiro.
Diante desse desafio e da necessidade de as empresas aperfeiçoarem a sua capacidade
competitiva para enfrentar o mercado globalizado, a gestão de recursos humanos tem passado
por grandes transformações (LACOMBE; TONELLI, 2001). Para Dutra (2011), as relações
de trabalho tendem a se tornarem mais complexas, tanto por conta da transformação das

 
 

expectativas e necessidades das organizações e das pessoas, quanto pela entrada de


intermediários na relação entre as pessoas e a empresa. As empresas necessitarão preocupar-
se com todas as pessoas com as quais mantiverem relações de trabalho, independente de qual
seja a forma de contratação legal.
Na mesma perspectiva, Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), entendem que
com o avanço da implementação da estratégia de terceirização no Brasil, os gestores têm
enfrentado o desafio de lidar com a multiplicidade de vínculos contratuais e com novas
formas de relações de trabalho oriundas da terceirização, implicando na necessidade de
utilização de diferentes processos em gestão de pessoas. Para os autores, ainda há um longo
caminho a ser percorrido de forma que se tenham práticas de gestão de pessoas realmente
eficazes para lidar com os desafios trazidos pela terceirização. (MAGALHÃES; CARVALHO
NETO; GONÇALVES, 2010).

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método utilizado nesta pesquisa é o estudo de caso de natureza qualitativa. Para a
definição do método foram consideradas três condições relevantes citadas por Yin (2010) que
justificam a escolha do estudo de caso: focaliza acontecimentos contemporâneos, não exige
controle sobre eventos comportamentais e busca respostas para questões cuja forma é “como”
e “por que” (YIN, 2010, p.24).
Definido o método, partiu-se para a seleção do caso a ser estudado. Foram
considerados dois critérios básicos para essa escolha: a existência de um relacionamento
contratual de mais de cinco anos entre a contratante e a sua contratada tendo em vista a
consolidação do relacionamento entre as empresas e a possível formação de um fluxo de
influência relevante; a inserção das empresas no contexto da terceirização, com outras
experiências vividas como tomadora de serviços (contratante) ou prestadora (contratada).
Assim estabelecido, segue a caracterização das duas empresas investigadas.
A Contratante é uma empresa de capital privado que atua no negócio de cimento,
concreto e agregados, estando entre as cinco maiores empresas do setor. Ela conta com pouco
mais de 2.000 empregados próprios em atuação no Brasil e estima-se que suas contratadas,
em conjunto, acumulem um quadro de pessoal de, aproximadamente, 3.000 pessoas dedicadas
aos serviços contratados.
A Contratada, também de capital privado, atua no segmento de manutenção elétrica
industrial. Essa empresa está em atividade no mercado desde 1997 e presta serviços à
Contratante há, aproximadamente, seis anos. Atualmente, conta com 45 empregados, sendo
18 deles atuantes na prestação de serviços à empresa Contratante em questão.
A coleta de dados teve início com a análise documental feita na empresa de
consultoria que se encontra a serviço da Contratante. Tal consultoria atua no planejamento e
na execução de processos de homologação de fornecedores; e nas auditorias, no
desenvolvimento e na administração de padrões de gestão na rede de fornecedores. Os
serviços prestados pela Consultoria à empresa Contratante investigada neste estudo contam
com o auxílio de um sistema informatizado por meio do qual tramitam documentos e
informações entre as três empresas: Contratante, Contratada e Consultoria. Os documentos
utilizados para fins desta pesquisa são: manual contendo descrição e regras do relacionamento
entre a Contratante e as contratadas, questionário de auditoria utilizado pela Contratante para
avaliar suas contratadas, questionário utilizado pela Contratante no processo de homologação
de fornecedores e arquivo digital contendo a apresentação da empresa de consultoria.
Em seguida à análise prévia dos documentos fornecidos pela Consultoria, partiu-se
para a coleta de dados primários. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 15

 
 

pessoas, sendo elas representantes do nível estratégico e tático da Contratante; estratégico,


tático e operacional da Contratada; além de um representante da empresa de Consultoria. A
escolha dos entrevistados ocorreu levando-se em consideração a sua participação no
fenômeno estudado. As entrevistas ocorreram nas dependências da Contratante, com
representantes desta empresa e da Contratada e na sede da empresa de Consultoria. Todas elas
foram individuais, tendo sido gravadas e, posteriormente, transcritas. O Quadro 1 apresenta os
entrevistados:

Quadro 1: codificação dos entrevistados

Entrevistado Código Empresa


1 CS1 Consultoria
2 CDA1 Contratada
3 CDA2 Contratada
4 CDA3 Contratada
5 CDA4 Contratada
6 CDA5 Contratada
7 CDA6 Contratada
8 CDA7 Contratada
9 CDA8 Contratada
10 CDA9 Contratada
11 CDA10 Contratada
12 CDA11 Contratada
13 CDA12 Contratada
14 CTE1 Contratante
15 CTE2 Contratante
Fonte: Elaborado pelos autores.

Os dados obtidos nas entrevistas e também na análise dos documentos fornecidos pela
Consultoria foram classificados de acordo com o objetivo específico ao qual se referiam de
forma a aprofundar na análise de cada elemento coletado. Dessa maneira, a natureza da
análise é qualitativa e descritiva.

4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 O processo de influência sobre as práticas de Gestão de Pessoas da Contratada


Os dados evidenciaram a intenção da empresa Contratante de enquadrar as suas
contratadas no que os entrevistados chamaram de “modelo de gestão” da Contratante. Tal
modelo pode ser apreendido por meio da análise dos documentos fornecidos pela Consultoria,
que revelam o conteúdo desse padrão (ou modelo) aplicado pela Contratante. O trecho a
seguir explicita o uso de tal modelo: “Para que o resultado do trabalho seja adequado [...] é
necessário que esse terceiro tenha um mínimo de aderência ao modelo de gestão aplicado pela
organização maior, que é a tomadora de serviço.” (CTE1).
Semestralmente, a Contratante realiza uma auditoria em suas contratadas para medir a
adesão dessas empresas ao seu modelo de gestão. Dos 53 quesitos avaliados durante uma
auditoria e que se relacionam, de alguma forma, com a gestão de pessoas, 26 dizem respeito à
SSMA (Saúde, Segurança e Meio Ambiente). Os demais demonstram preocupações da

 
 

Contratante sobre processos internos da Contratada relacionados à comunicação e feedback,


produtividade, qualidade e adequação legal da empresa em termos trabalhistas.
Outra ação estruturada da Contratante sobre suas contratadas é um processo de
homologação de fornecedores que visa conhecer e avaliar as empresas candidatas ao
fornecimento de produtos e serviços. Em análise do material utilizado nesse processo, foi
identificada a preocupação da Contratante com o cerceamento de condições degradantes de
trabalho como trabalho escravo, trabalho infantil e assédio moral. Além disso, foi reforçada a
percepção quanto à predominância da preocupação da Contratante sobre o tema Segurança do
Trabalho e também sobre as práticas de treinamento, desenvolvimento e comunicação da
Contratada.
O interesse quanto ao direcionamento das práticas de gestão das contratadas se traduz
em diversas ações adotadas pela Contratante. O chamado "modelo de gestão" da Contratante é
repassado por meio de ações planejadas direcionadas às contratadas, das quais se busca
adesão às práticas contempladas no modelo. O estabelecimento do processo de influência
decorre de uma clara política de relacionamento entre essas empresas, orientado por padrões
próprios de gestão da Contratante. A fala a seguir mostra isso: “São várias as exigências no
dia a dia e também no contrato, enfim, na prestação de serviços em geral, que fazem com que
a gente siga várias orientações da [empresa contratante].” (CDA1).
Os instrumentos de auditoria e de orientação direcionados às contratadas
demonstraram harmonia com os dados coletados nas entrevistas, sobretudo no que se refere à
ênfase sobre as práticas de treinamento e desenvolvimento, comunicação e feedback, além do
conhecimento em rotinas trabalhistas e de segurança do trabalho.
Outro ingrediente importante do processo de influência sobre práticas de gestão de
pessoas da Contratada é a clara política da Contratante de estabelecer vínculos de longo prazo
com os seus fornecedores, garantindo a continuidade do processo. O desejo de continuidade
da relação pode ser constatado por meio das falas dos gestores da Contratante e também é
claramente divulgado nos materiais corporativos da empresa, conforme relataram
representantes da Contratada.
Na parte que cabe à consultoria desenvolver e estabelecer o processo de orientação,
monitoramento e, consequentemente, de influência sobre as Contratadas, o consultor disse
que sua constituição decorre da associação do conhecimento da empresa de Consultoria e das
necessidades e especificidades da empresa Contratante.
Em suma, para a Contratada, a influência da Contratante surge no nascimento da
relação contratual e prossegue com as exigências e convívio cotidianos. O contrato firmado
entre as empresas parte, em regra, de um modelo padrão elaborado pela Contratante, no qual
estão contempladas exigências relacionadas à regularidade trabalhista e fiscal da Contratada, à
obediência a normas de segurança do trabalho, além de cláusulas genéricas assecuratórias de
patamares mínimos de qualidade. As rotinas produtivas da Contratante são repletas de
atividades que envolvem os empregados da Contratada nas premissas ditadas pelo “modelo de
gestão”. Reuniões, treinamentos, além de uma vasta comunicação visual envolvem todos os
empregados, próprios e terceiros, em um ambiente onde se divulgam muitas informações
sobre as questões de interesse da Contratante.
Assim, foi constatado que a influência exercida pela Contratante sobre práticas de
gestão de pessoas da Contratada é percebida por todos os entrevistados, em ambas as
empresas. Segundo eles, todos os participantes do processo têm como enxergar, claramente,
tal influência.

 
 

4.2 Como ocorre a influência sobre as práticas de gestão de pessoas da Contratada


No relacionamento que se estabelece entre as empresas, já num primeiro momento, a
intenção de exercício de influência da Contratante sobre as práticas de suas contratadas se
evidencia. O primeiro passo em direção ao estabelecimento de relação entre elas é dado no
processo de homologação de fornecedores, onde as possíveis empresas contratadas são
avaliadas sob diversos aspectos, incluindo práticas de gestão de pessoas. Se aprovada no
processo de homologação e inserida no quadro de fornecedores da Contratante, a empresa
contratada passará a ser orientada a partir de padrões previamente definidos, baseados no
ordenamento jurídico-trabalhista e no “modelo de gestão” estabelecido pela Contratante. As
falas dos representantes da Contratante, a seguir, demonstram a ênfase dada aos processos de
monitoramento e orientação, visando o enquadramento da Contratada aos padrões definidos:
“O que eu vou fazer para que ela tenha isso na veia, no sangue dos seus profissionais?
Monitorar, acompanhar e auditar, e dar suporte, para que ela melhore o seu desempenho
interno. [...] Dar suporte para que ela faça o seu processo dentro do sistema de gestão.”
(CTE1).
As orientações são passadas pela Contratante diretamente para o nível operacional da
Contratada ou para representantes do nível tático e/ou estratégico que cuidam de repassar aos
demais empregados. Diante disso, faz-se necessário esclarecer que o contato direto da
Contratante com operários da contratada é inevitável e não é capaz de estabelecer, por si só,
uma relação de subordinação. Reservado o viés de controle e monitoramento para o trato
corporativo entre a Contratante e as suas contratadas, pautado pela relação contratual
existente, o diálogo meramente informativo mantido com os empregados da Contratada não se
associa à subordinação, importante elemento componente da relação de emprego. Contudo,
essa distinção exige sensibilidade e habilidade por parte da empresa Contratante.
As reuniões entre representantes das empresas são diárias e tratam de temas
operacionais, comportamentais e, sobretudo de segurança do trabalho. Os fóruns e comitês de
área reúnem-se semanalmente e tratam dos temas mais críticos de acordo com especificidades
do momento e da área. Apesar das especificidades, essas reuniões não se distanciam das
prioridades definidas no “modelo de gestão”.
Vale ressaltar que as menções feitas ao “modelo de gestão” pelos representantes da
Contratante incorporam o modelo como sendo próprio e internalizado pela própria
Contratante. Assim, em nenhum momento percebe-se que os fundamentos desse modelo
destinam-se exclusivamente a atender necessidades das contratadas. A expectativa de se criar
um ambiente único e imbuído dos valores relacionados, especialmente, a SSMA, qualidade e
produtividade, promove o compartilhamento das “ferramentas” do processo de influência
entre empregados de ambos os lados, conforme trecho da fala que se segue:

“Não há diferença nenhuma, são as mesmas ferramentas. Ou seja, o


que é aplicado na [empresa contratante], os terceiros também aplicam.
E eles participam juntamente com os comitês na [empresa
contratante], são todos juntos, não tem diferença de um comitê
separado e o outro.” (CDA3)

As reuniões entre ambas as empresas, independente do nível organizacional


participante, também são utilizadas para dar feedback, o que representa mais um meio
utilizado pela Contratante para exercer influência sobre as práticas da Contratada. A
convivência diária no ambiente de produção, as constatações feitas em auditorias e os
relatórios elaborados pela Consultoria fornecem informações à Contratante que possibilitam

 
 

que seja dado feedback detalhado à Contratada. De forma geral, a adesão da Contratada ao
modelo de gestão é o principal conteúdo do feedback. Com isso, a Contratante pretende
direcionar a Contratada para uma maior incorporação dos seus padrões de gestão. Além disso,
os empregados da Contratada são treinados, frequentemente, pela Contratante ou, então, é
exigido da Contratada que promova os treinamentos necessários aos seus empregados.
Quando as auditorias identificam práticas da Contratada que são conflitantes com o
modelo de gestão da Contratante, o monitoramento e suporte sobre a Contratada se
intensificam de forma a garantir sua adequação ao que é esperado, conforme dito a seguir: “A
empresa que descumpre uma norma aqui dentro tem que passar por auditoria, onde que ela
tem que voltar a ser eficaz. [...] Então a empresa tem que, periodicamente, fazer uma auditoria
e, de novo, dar uma investigada num dos sistemas, se está dentro daquilo que é proposto.”
(CTE2).
Destaca-se que além da empresa Contratante, a Consultoria também tem o papel de
orientar e monitorar as empresas contratadas. Logo, o relacionamento entre Contratante-
Contratada é, muitas vezes, mediado pela Consultoria. As atividades realizadas por essa
empresa de consultoria consistem na definição de padrões de avaliação das contratadas,
relacionados, principalmente, a rotinas de departamento de pessoal e segurança do trabalho.
Definidos esses padrões, com base no “modelo de gestão” da Contratante, os fornecedores são
orientados e têm o seu desempenho acompanhado tanto pela Contratante quanto pela
Consultoria.

“O nosso carro chefe na [Contratante] é o programa de análise


trabalhista. É um programa que orienta os fornecedores a enviarem
informações e documentos para a consultoria, que analisa e cruza
informações diversas para concluir sobre os riscos oferecidos por cada
fornecedor. Nós também orientamos esses fornecedores sobre como
buscar a regularidade, dentro dos padrões estabelecidos.” (CS1).

A partir dos resultados, ações são definidas de acordo com cada caso. A falta de
adesão da Contratada a determinados aspectos pode chegar a impedir o acesso de seus
empregados às fábricas da Contratante. A análise do trecho da fala anterior permite verificar
que o objetivo principal do trabalho da Consultoria não é o de exercer influência sobre as
Contratadas. No entanto, isso acaba sendo uma consequência indissociável do trabalho
realizado.
A análise do manual que contém a descrição e as regras que estabelecem como se dá o
relacionamento entre a Contratante e suas contratadas permitiu verificar que o programa sobre
qual se estabelece todo o trabalho realizado pela Consultoria consiste na definição de padrões
que norteiam ações de orientação e avaliação dos fornecedores. As informações obtidas
confirmam a fala do Consultor entrevistado (CS1). A partir das análises feitas, são emitidos
relatórios gerenciais cujo propósito é detalhar a situação de regularidade de cada uma das
contratadas frente aos padrões estabelecidos. Os resultados apurados fundamentam novas
ações com fins de orientar as Contratadas e conduzi-las ao patamar de regularidade entendido
como ideal no contexto da Contratante. Esse ciclo permanece no decorrer de toda a relação
contratual entre as empresas.

 
 

4.3 Práticas de gestão de pessoas influenciadas pela Contratante


Além das já citadas, foi possível levantar nas entrevistas outras práticas de gestão de
pessoas que são afetadas pelo modelo de gestão da Contratante. Elas estão relacionadas aos
processos de recrutamento e seleção e também a treinamento e desenvolvimento.
As fortes exigências, sobretudo em relação ao atendimento às normas de segurança,
saúde e meio ambiente, à quantidade de treinamentos e aos níveis de qualidade e
produtividade, fazem com que a influência da Contratante sobre as práticas de recrutamento e
seleção da Contratada aconteça de forma a considerar a adequação dos trabalhadores
terceirizados ao ambiente da Contratante. Entre as preocupações demonstradas pela
Contratante estão as diferentes culturas trazidas por empregados terceirizados, levando a
conflito de valores e a alta rotatividade dos terceirizados. Para a Contratada, a principal
preocupação está na contratação de empregados capazes de assimilar e adequar-se ao contexto
da empresa Contratante. O trecho a seguir oferece indícios sobre isso:

“Como se trata de um cliente exigente, principalmente em questões de


segurança do trabalho, além da qualidade do serviço, é lógico, temos
que contratar pessoas que podem absorver todo o conteúdo nosso e da
[Contratante]. [...] A gente, na verdade, tem que adequar todos os
nossos processos de gente ao perfil do cliente." (CDA1)

Os treinamentos são outro exemplo. Eles são realizados pela Contratante ou pela
Contratada, nesse caso, de acordo com o que direciona a primeira. Também os processos de
comunicação e feedback são influenciados pela Contratante. Com frequência a Contratada
reúne seus empregados para orientar, passar informações e dar feedback conforme dado pela
Contratante. Os trechos a seguir mostram alguns relatos: “Direto eles reúnem a turma e
passam tudo.” (CDA8). Outro disse:

“Fala como que a gente tem que executar o serviço. Corrige, fala de
segurança. Tem muita reunião e eles sempre tão falando de alguma
coisa. Tipo saúde também. Fala de como a gente tem que fazer tudo
aqui. Às vezes, eles recebem alguma reclamação da [Contratante], aí
eles conversam com a gente.” (CDA7).

No que se refere às relações de trabalho, especialmente à gestão de risco de passivo


trabalhista, a Contratante também gerencia os impactos derivados de possíveis
descumprimentos dos direitos dos empregados. Segundo a Contratada, as orientações e
exigências da Contratante, espelhadas principalmente pela Consultoria, acabam por elevar o
nível de organização das empresas contratadas quanto à documentação e rotinas trabalhistas.
“A gente recebe muita orientação de como fazer em relação a documentos de obrigações
trabalhistas. Na verdade a própria lei já exige, mas como o cliente quer tudo bonitinho, com
documentação em dia, temos que ter uma organização muito boa pra conseguir atender.”
(CDA1).
Segundo o Consultor, a ênfase na regularidade de alguns indicadores (absenteísmo,
turnover e acidentes) e também os cuidados com aspectos das relações de trabalho decorrem
da percepção de que esses fatores interferem na qualidade e produtividade dos serviços
prestados: “A rotatividade excessiva de empregados, salários atrasados, falta de atendimento
aos direitos dos empregados de forma geral, tudo isso acaba interferindo na qualidade do
serviço.” (CS1).
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Por fim, demonstrada a existência de um processo estruturado de influência por parte


da Contratante sobre práticas de gestão de pessoas da Contratada, ainda cabe buscar
compreender os motivos que levam a empresa Contratante a exercer essa influência.

4.4 Motivos da Contratante para buscar influenciar as práticas de gestão de pessoas


da Contratada
Entre os motivos que levam à busca pelo exercício de influência sobre as práticas de
gestão de pessoas das Contratadas, está adesão ao modelo de gestão visando alcançar o nível
de excelência pretendida pela Contratante, conforme relato a seguir:

“Porque a tomadora de serviço precisa, necessariamente - para que ela


seja excelente - ter como representante, como empresas aqui dentro, o
modelo de gestão na veia aplicado a 100% dos profissionais. E não
tem outro caminho de eu atingir 100% dos profissionais, se eu não
envolver os terceiros. [...] Na hora que eu for fazer uma avaliação na
minha organização, se o meu terceiro não tem a preocupação com o
tema, está me dizendo diretamente que eu tenho um problema. E se
ele está dentro da minha casa, o problema é meu.” (CTE1).

Outro aspecto identificado foi que a influência sobre práticas de gestão de pessoas da
Contratada contribui para a formação de quadro de colaboradores terceirizados alinhados com
a Contratante, o que possibilita que esses empregados passem a integrar os quadros da própria
Contratante em algum momento.
A influência também foi motivada pelo fato de a Contratante se considerar responsável
pelas Contratadas a serviço em seu ambiente de produção, no que se refere ao cumprimento
de obrigações legais: “Isso já é uma política interna [...]. A empresa entende que, quando uma
empresa adentra a fábrica, ela é co-responsável por ela. Todos os requisitos, civis ou
trabalhistas, ela é co-responsável por isso. Então [...] nós temos que preocupar com nossos
terceiros.” (CTE2).

4.5 Aceitação e adesão da Contratada


Considerando que a influência exercida pela Contratante sobre práticas de gestão de
pessoas das suas contratadas é um processo intencional, estruturado e abrangente, é certo que
os resultados decorrentes desse processo relacionam-se com a aceitação e adesão por parte das
empresas contratadas.
Para os representantes da Contratante, as contratadas entendem que a influência gera
benefícios para os seus próprios processos e negócios. De fato, os entrevistados da Contratada
reconheceram as implicações das políticas de gestão da Contratante sobre suas próprias
práticas. Além disso, percebe-se ganho em termos pessoais, segundo relataram os
entrevistados pertencentes ao nível operacional, especialmente no quesito segurança do
trabalho. Os entrevistados que pertencem ao nível estratégico e ao tático, por sua vez,
enfatizaram a evolução dos processos relacionados à gestão de pessoas a partir do uso do
modelo de gestão da Contratante.
Ressalta-se que a adesão das contratadas ao modelo de gestão da Contratante é
condição básica para a manutenção e evolução da relação estabelecida entre as empresas. Não
obstante, um representante da Contratante afirmou que não existe a obrigação das contratadas
em aderir ao seu modelo: “No primeiro momento, a empresa precisa deixar claro que o
processo não é obrigatório. Eu não posso, de forma nenhuma, criar uma ingerência com
11 

 
 

qualquer empresa aqui dentro.” (CTE1). Esse discurso mostra-se contraditório em relação ao
fato de existir um processo de auditorias periódicas realizado pela Contratante, justamente
para medir a adesão das contratadas ao seu modelo de gestão. Os padrões estabelecidos e os
mecanismos de monitoramento e avaliação dos fornecedores são rígidos. A partir das
auditorias realizadas e das análises feitas pela Consultoria, são emitidos relatórios que
subsidiam a tomada de decisões sobre a permanência e abrangência do contrato com cada
fornecedor. Assim, reforça-se que a adesão das contratadas ao modelo de gestão mostra-se
condição fundamental para que a relação contratual perdure e se desenvolva. Isso pode ser
atestado pela fala de outro entrevistado: “Se não atendesse, a gente não estaria trabalhando
com ela.” (CTE2).
Quanto à existência de conflitos na relação Contratante-Contratada, não houve
consenso. Para os entrevistados da Contratante, as contratadas assimilam as práticas
preconizadas pelo modelo de gestão sem maiores conflitos. No entanto, essa visão não é
compartilhada pela maioria dos entrevistados da Contratada e também não se alinha à
percepção do Consultor. Eles apontaram dificuldades na assimilação das orientações
repassadas pela Contratante, o que costuma gerar conflitos, em alguns casos, diretamente com
os empregados da Contratada.

4.6 Análise sistêmica dos dados


As análises realizadas em cada um dos tópicos anteriores convergem para a integração
do fenômeno estudado ao ambiente da terceirização, sendo resguardada a singularidade do
cenário analisado que revela congruências e divergências em relação ao contexto geral da
terceirização. De um lado, as principais congruências são reveladas a partir da carência de
qualificação da empresa Contratada e dos seus empregados, apontamento comum em estudos
que focam a terceirização. De outro lado, verificou-se o estabelecimento de um processo de
envolvimento da empresa Contratante com suas contratadas que transcende a relação baseada
exclusivamente na redução de custos.
De modo geral, foi verificado que a empresa Contratada tem suas práticas orientadas
pela Contratante no que tange aos processos de recrutamento e seleção, treinamento e
desenvolvimento, comunicação e feedback.
Em análise de práticas gerenciais adotadas pela empresa Vale na gestão de
trabalhadores terceirizados, Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), identificaram meios
de influência da Contratante sobre as contratadas comuns aos apontados na presente pesquisa,
como treinamento e desenvolvimento e o estabelecimento de padrões, normas e
procedimentos pela Contratante a serem seguidos pelas suas contratadas.
Outra característica apontada em diversos estudos sobre o cenário da terceirização no
Brasil é a dificuldade de se encontrar empresas parceiras qualificadas para assumirem as
atividades terceirizadas, significando um grande entrave do processo produtivo (BORGES;
DRUCK, 1993; FERNANDES; CARVALHO NETO, 2005a, b; GIOSA, 1993; LEITE;
POSTHUMA, 1996; MAGALHÃES; CARVALHO NETO; GONÇALVES, 2010). No mesmo
sentido, este estudo revelou concentração dos esforços da Contratante no sentido de
influenciar práticas de treinamento e desenvolvimento dos empregados terceirizados. As
diversas oportunidades de transferência de conteúdo técnico entre as empresas estudadas, por
meio de treinamentos, fóruns, comitês, reuniões, entre outros, acabam por tratar da ameaça
relacionada à falta de qualificação dos fornecedores. Esse aspecto corrobora resultados do
estudo de Fernandes e Carvalho Neto (2005a), que identificou que a integração dos terceiros
aos processos de treinamento e desenvolvimento da empresa tomadora de serviços representa

12 

 
 

uma das práticas mais utilizadas pelos gestores para lidar com a questão da capacitação de
trabalhadores terceiros.
Conforme apontam Magalhães, Carvalho Neto e Gonçalves (2010), a desigualdade de
oportunidades de treinamento e desenvolvimento existente entre os empregados das
contratantes e os trabalhadores das contratadas, configurando a qualificação profissional como
um importante fator de definição da empregabilidade do trabalhador terceiro, é mitigada no
contexto estudado. Nota-se que as práticas e exigências da Contratante no que se refere à
capacitação das pessoas são aplicadas com equilíbrio sobre empregados próprios e terceiros.
A possibilidade de contratação de empregados terceiros pela empresa Contratante,
evidenciada nas entrevistas com os seus gestores, alinha-se ao ideal de fortalecimento da
empregabilidade do trabalhador terceirizado.
Também foram identificadas nesta pesquisa outras medidas apontadas por Fernandes e
Carvalho Neto (2005a) visando transpor os obstáculos do ambiente da terceirização. A
avaliação de metas, supervisão, feedback, além do estabelecimento de processos estruturados
de certificação para as empresas terceirizadas (FERNANDES; CARVALHO NETO, 2005a),
alinham-se aos mecanismos de controle e orientação estabelecidos pela Contratante em
conjunto com a empresa de Consultoria.
Outro achado que corrobora aspectos discutidos na literatura refere-se ao
entendimento da Contratante, de que os objetivos estratégicos estão sendo alcançados no que
se refere à qualidade, produtividade e segurança do trabalho, especialmente. A percepção é de
que isso passa, necessariamente, pelo envolvimento dos empregados da Contratada. Sobre
isso Lisboa (2008) aponta que é fundamental que as políticas e práticas envolvendo a gestão
de pessoas estejam alinhadas às mudanças ocorridas no contexto organizacional e que
contemplem também o trabalhador terceirizado. O envolvimento da empresa contratante nas
práticas de gestão de pessoas das usas parceiras, segundo Cardoso e Marras (2010), é
determinante na perspectiva evolutiva das empresas dentro do cenário atual.
O esforço da empresa Contratante percebido nesta pesquisa, no sentido de envolver
suas contratadas em um contexto de regularidade, qualidade e produtividade, distancia a
terceirização praticada no ambiente estudado do estereótipo da precarização identificado em
estudos sobre o fenômeno (BORGES; DRUCK, 1993; CARVALHO NETO, 2001). O
emprego de uma consultoria especializada, bem como o esforço para influenciar as práticas de
gestão de pessoas das contratadas, por meio do modelo de gestão adotado pela Contratante,
aproxima o tipo de terceirização da Contratante àquele apontado por Druck (1999), no qual a
terceirização é justificada pela busca de maior produtividade, qualidade e competitividade.
Nessa modalidade, destaca-se a transferência de políticas de gestão da qualidade para as
empresas subcontratadas, o que se verifica com intensidade no processo de influência
estabelecido pela Contratante estudada.
A incorporação do modelo de gestão da Contratante, pela Contratada, corrobora as
conclusões de Rachid, Bresciani e Gitahy (2001) que, sem ignorar as dificuldades do
relacionamento entre as empresas no contexto da terceirização, concluíram que a ligação das
pequenas e médias empresas fornecedoras com as grandes empresas clientes, resulta num
processo de qualificação dos fornecedores que passam a ter acesso a informações sobre as
práticas mais atuais de gestão.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve o objetivo de avaliar como o relacionamento que se estabelece entre
Contratante e Contratada influencia as práticas de gestão de pessoas da empresa terceira. O
estudo permitiu constatar, primeiramente, que existe um processo intencional, planejado e
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consolidado de exercício de influência da Contratante sobre suas contratadas a partir de


procedimentos bem definidos e estruturados com o auxílio de uma empresa de consultoria
especializada na gestão de contratos em redes de fornecedores.
Os instrumentos da auditoria executada sobre as empresas contratadas, os documentos
relacionados aos processos de homologação de fornecedores, bem como os mecanismos de
orientação e monitoramento utilizados pela Consultoria revelam elementos de gestão de
pessoas orientados pela Contratante. Além disso, as empresas contratadas recebem cartilhas e
manuais que as orientam quanto às práticas e aos procedimentos esperados pela Contratante.
A empresa de Consultoria exerce importante papel na mediação da relação entre as
empresas. Tal Consultoria define o padrão das práticas a serem adotadas pelas contratadas, faz
a orientação sobre esses padrões e monitora as empresas no que se refere ao atendimento das
regras estabelecidas.
As fortes exigências quanto à qualidade, produtividade e capacitação dos empregados
terceiros, conduzem a Contratante a estabelecer práticas de recrutamento e seleção,
treinamento e desenvolvimento e rotinas trabalhistas que devem ser adotadas pelas suas
empresas contratadas.
A necessidade de se estabelecer um ambiente produtivo homogêneo e eficaz, mesmo
com a multiplicidade de vínculos contratuais, é a principal motivação da Contratante para
buscar influenciar as práticas de gestão de pessoas de suas contratadas. Associa-se a esse
fator, a necessidade de alinhamento dos valores dos empregados da Contratante com os da
Contratada. Dessa forma, a definição de padrões que configuram o chamado modelo de gestão
da Contratante e a imposição desse modelo a todos os participantes do processo produtivo é
vista pela Contratante como uma condição para o alcance dos objetivos do seu negócio.
Para os envolvidos, a Contratante exerce influência benéfica sobre suas contratadas.
As dificuldades iniciais que surgem a partir da busca pelo atendimento aos padrões esperados
tendem a ser superadas e a Contratada adere ao modelo de gestão que, a despeito de sua
imposição como fator para a manutenção do relacionamento entre as partes, se mostra
benéfico, contribuindo para a organização e atualização das práticas de gestão de pessoas das
contratadas.
Por fim, destacam-se limitações da pesquisa, que se restringiu a investigar uma
empresa contratada, não dando voz, portanto, a outras que também mantêm relações com a
Contratante. Destaca-se, contudo, a contribuição do estudo. Se, de um lado, a literatura é vasta
quando o tema terceirização é tratado sob a ótica da precarização das condições de trabalho,
de outro lado, estudos que investigam o relacionamento contratante-contratada sob a ótica das
implicações geradas sobre as práticas de gestão de pessoas das empresas terceiras são, ainda,
incipientes.

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