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O KIDUSH DA NOITE DE SHABAT

“Aquele que recita o ‘Vayechulu’ (o Kidush) na noite do Shabat é


considerado como se ele se tornasse parceiro de D’us na criação do
mundo” (Talmud, Tratado Shabat, 119b).
A recitação do Kidush na noite de Shabat, cujo cumprimento cabe
igualmente a homens e mulheres, é um dos mandamentos judaicos
mais significativos e amplamente observados. A guarda do Shabat – o
único ritual judaico que é um dos Dez Mandamentos – é um dos
pilares do judaísmo. É um mandamento tanto positivo quanto
negativo. Isso significa que seu cumprimento se baseia em atos de
cometimento e omissão. A Torá nos ordena “lembrar” (zachor) e
“guardar” (shamor) o Shabat. “Guardamos” o Shabat abstendo-nos de
realizar quaisquer dos 39 trabalhos (melachot) e suas derivações
(toladot) proscritos nesse dia sagrado, e o “lembramos” recitando o
Kidush nas noites de sexta-feira. Como o Shabat abrange duas
diretrizes Divinas, não se trata de uma mitzvá do tipo “tudo ou nada”.
Portanto, mesmo aqueles que não o “guardam”, devem cumprir o
mandamento que ordena: “Lembra-te do dia do Shabat para santificá-
lo” (Êxodo, 20:8), por meio da recitação do Kidush antes do jantar da
noite de sexta-feira.
A recitação dessa bênção serve, portanto, para cumprir o mandamento
positivo de “lembrar” do Shabat pelo fato de que o texto do Kidush
enfatiza a santidade do dia – a distinção entre os seis dias mundanos
da semana e o sétimo, sagrado. Há um princípio geral no judaísmo de
que, na medida do possível, um evento espiritual deve ser expresso
através de um ato físico. Daí o Kidush ser ligado à ingestão do vinho;
não basta apenas recitar palavras sagradas. De modo geral, ao recitar
o Kidush, o fazemos sobre uma taça de vinho necessariamente casher
e, de preferência, tinto. No entanto, se entre os participantes alguém
não pode ingerir bebida alcoólica, esta pessoa deverá tomar suco de
uva casher. A bênção é idêntica à do vinho. No caso de não haver
vinho ou suco de uva casher, pode-se fazer o Kidush sobre o pão e, em
vez de recitar a bênção Bore Peri HaGuefen, “que cria o fruto da
videira”, diz-se, Hamotzi Lechem min Ha’aretz, “que tira o pão da
terra”. Quando se usa pão em lugar de vinho, é preciso fazer a lavagem
ritual das mãos (Netilat Yadaim) antes de fazer o Kidush, para que se
possa comer o pão imediatamente após o término de sua recitação.
O Shabat é consagrado por meio de um ato físico porque o propósito
dos mandamentos da Torá é santificar o mundo, infundindo o material
no espiritual. Isso explica por que se usa vinho, em particular, no
Kidush: por um lado, serve como um componente do prazer humano;
por outro, por ter sido a única bebida, à exceção de água (em Sucot),
que serviu de libação no altar do sacrifício no Tabernáculo e no Templo
Sagrado de Jerusalém. O vinho, portanto, serve tanto como propósito
físico quanto espiritual. Como o Talmud diz: “O vinho alegra D’us e o
homem”. Mas como o vinho, especialmente o tinto, é um símbolo de
severidade e julgamento (a cor vermelha remete ao sangue) – a Cabalá
nos recomenda adicionar ao vinho do Kidush uma pequena
quantidade de água, que simboliza amor e graça. Primeiro o vinho é
colocado quase que até a borda do copo de Kidush; a seguir,
acrescenta-se um pouquinho de água. Esta cria uma “mistura”
adequada de harmonia entre a benevolência e a severidade – ou seja,
as duas primeiras Sefirot emocionais: Chessed e Guevurá.
Durante a recitação do Kidush da noite de sexta-feira, todos os
presentes ficam de pé, porque o desempenho de tal mandamento
Divino equivale a prestar testemunho de que D’us criou o mundo e,
segundo a Lei Judaica, as testemunhas precisam ficar de pé ao depor.
Ao dizer o Kidush, a pessoa atesta que D’us criou os Céus e a Terra.
Essa é a base e o fundamento para a santificação do Shabat e para a
sua observância. Diz a Torá: “(O Shabat) é um sinal entre Mim e os
Filhos de Israel para sempre, que em seis dias o Eterno fez os céus e a
terra, e no sétimo dia Ele cessou e descansou” (Êxodo, 31:17).
Enquanto recita o Kidush, a pessoa deve ter em mente que está
cumprindo esse mandamento Divino tanto para ele como para todos os
presentes. Já os ouvintes, estes devem ter em mente que o fato de
ouvir o Kidush equivale a se eles próprios o estivessem recitando.
Portanto, devem ficar em silêncio, e responder “Amén”. Quem
interromper o Kidush por qualquer motivo, por exemplo, até mesmo
para dizer “Baruch Hu U’Baruch Shemó” (Abençoado é Ele e
abençoado é Seu Nome) invalida o cumprimento desse mandamento
Divino para si próprio.Uma vez recitado o Kidush, aquele que fez essa
bênção bebe uma quantidade significativa do vinho, participando
assim da comunhão do físico com o espiritual, que é a essência dos
rituais judaicos. É costume que todos os presentes provem do vinho do
Kidush. Contudo, quem participa da cerimônia e ouve a bênção sem
interrompê-la, cumpriu com a obrigação mesmo sem ter bebido do
vinho.
O TEXTO DO KIDUSH
No texto do Kidush, há duas partes distintas, separadas uma da outra
pela bênção do vinho. Em algumas versões do Kidush, há exatamente
35 palavras em cada uma das partes, perfazendo um total de 70, que é
o número místico da noite de Shabat. Esse número também
representa um múltiplo de dois números significativos: sete, o numeral
do sétimo dia, e dez, que alude às Dez Sefirot – três intelectuais e sete
emocionais. A primeira parte do Kidush, que é retirada da Torá, sendo,
portanto, de autoria Divina, fala do Shabat do ponto de vista
transcendental do Criador, como sendo o objetivo e conclusão perfeita
da Criação. A segunda parte foi cunhada pelos Sábios. A primeira
parte descreve o aspecto Divino do dia sagrado, ao passo que a
segunda expressa sua santidade sob a óptica do Povo Judeu,
expressando todos os elementos que constituem a natureza do Shabat
e o relacionamento especial entre esse dia e o Povo de Israel. A
segunda parte do Kidush se inicia com a abertura para as bênçãos
sobre qualquer mandamento Divino: “Bendito és Tu, Eterno, nosso
D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos”.
Tais palavras expressam que os mandamentos Divinos são uma forma
de adquirir santidade e, ainda mais, que os próprios mandamentos são
um ato de santidade. Por meio dos mesmos, somos santificados
perante o Eterno, pois enquanto estamos engajados em um
Mandamento Divino, estamos unidos a D’us. Enquanto estamos
cumprindo Sua Vontade, nós seres humanos finitos, unimo-nos com o
Ser Infinito. O Êxodo do Egito é também mencionado na segunda parte
do Kidush, porque o Shabat – dia de descanso da labuta – é associado
com a libertação de nosso povo da escravidão no Egito. Israel, povo de
escravos, adquiriu a redenção e a liberdade, tornando-se uma nação
de homens livres, capaz de cessar o trabalho e descansar em
determinados períodos. Em sentido mais profundo, o Êxodo do Egito
simboliza a libertação de certas experiências e atribulações e prisões
terrenas, e a ascensão ao serviço Divino. A libertação do Egito foi uma
metamorfose para o Povo Judeu: passamos de escravos de um rei
perverso a servos de um Ser Infinitamente benevolente. Todas essas
idéias estão incorporadas no Shabat, quando descansamos de todos os
labores do mundo físico e transcendemos o mundano, adentrando um
período de tempo sagrado e santificado por D’us. Assim sendo, para
podermos melhor apreciar o significado do Kidush, preparamos, com
base nos ensinamentos de nossos Sábios, uma breve transliteração,
tradução e comentários, frase por frase, explicando o texto do Kidush,
a partir do Sidur do rito sefaradita.
(Vayehi Erev Vayehi Boker), Yom Hashishi – (E seja noite e seja
manhã), O sexto dia
As duas palavras, Yom Hashishi, que concluem a contagem dos seis
primeiros dias da Criação, não se referem ao testemunho da santidade
do Shabat. Contudo, fazem parte do texto do Kidush porque as
primeiras letras das palavras Yom Hashishi Vayechulu HaShamayim
formam o Nome de Quatro Letras de D’us. Mas, como as palavras Yom
Hashishi (o sexto dia) não têm significado lógico se estiverem fora de
contexto, os Sábios incorporaram as palavras que as precedem “Vayehi
Erev Vayehi Boker”, que são recitadas em voz baixa antes da oração do
Kidush propriamente dito.
Vayechulu Hashamayim VeHaaretz VeChol Tzevaam – Os Céus e a
Terra e todas as suas multidões estavam completos
Isso significa que o Universo inteiro, o mundo superior e inferior, e
todos os tipos de criaturas de todas as espécies físicas e espirituais
que os habitam foram criados por D’us durante os primeiros seis dias
da Criação. A recitação desse verso é um ato de testemunho:
atestamos a criação dos Céus e da Terra por D’us – a base e
fundamento da santidade do Shabat e de sua observância. Em outra
parte da Torá está escrito que “Entre Mim e os Filhos de Israel, é um
sinal para sempre, que em seis dias o Eterno fez os céus e a terra, e no
sétimo dia Ele cessou e descansou” (Êxodo, 31:17).

A maioria de nossos Sábios entendeu o significado exato da palavra


Vayechulu sendo diferente de uma palavra semelhante, Vayechal,
encontrada no próximo verso, significando que D’us “terminou” ou
“completou”. Aqui o termo significa que tudo chegara a um estado de
término, da perfeição de sua natureza essencial – ou seja, um todo em
sua inteireza perfeita.
Vayechal Elo-him Bayom HaShevii Melachto Asher Assá– E D’us
terminou no sétimo dia Seu trabalho que Ele havia feito
Não tinha o Eterno terminado Seu trabalho no sétimo dia, mas no final
do sexto? Alguns Sábios explicam que a Criação ocorreu em sete dias,
pois não é como se D’us tivesse criado o mundo em seis dias e depois o
deixou por sua conta no sétimo. Pelo contrário: no sétimo dia, D’us
criou o conceito de descanso. O Shabat e seu repouso são, em sua
essência, a culminação da criação do mundo. São o cúmulo da
perfeição que faltava ao mundo e que foi alcançado no sétimo dia da
Criação. É importante explicar o propósito do repouso na Criação.
Oferecemos aqui a seguinte analogia. Um fazendeiro empenha-se
muito para plantar as safras; ele lavra e semeia a terra e faz tudo o
que é preciso. Mas há um período de espera antes de iniciar a colheita.
O solo parece ser passivo nesse processo, mas é isso o que permite que
o plantio ocorra. O mesmo pode ser dito sobre a Criação, de modo
geral. Sem o Shabat, o mundo não seria capaz de colher os frutos do
labor Divino e humano. Trabalhamos seis dias na semana e depois
descansamos no sétimo, para que nosso trabalho possa germinar e
render seus benéficos resultados.
Vayishbot Bayom HaShevii Mikol Melachto Asher Assá – E Ele
descansou no Sétimo Dia de todo o Seu trabalho que Ele havia feito
“Terminou” (Vayechal) e “descansou” (Vayishbot) não são palavras de
idêntico significado. Terminar um trabalho tem a conotação de cessar
ou abster-se de uma atividade; descansar implícita um estado de lazer.
Há, de fato, dois mandamentos separados na Torá acerca do Shabat: o
mandamento negativo de abster-se de trabalhar e o mandamento
positivo de descansar. Este último não significa, contudo, que a pessoa
deva dormir o dia todo. Significa que deve abster-se de trabalhos e
atividades mundanas e se dedicar a atividades prazerosas (contanto
que sejam permitidas no Shabat) – por exemplo, fazer fartas refeições –
e a afazeres espirituais, tais como a oração e o estudo da Torá.
Vayevarech Elo-him et Yom HaShevii Vaycadesh Oto – E D’us abençoou
o sétimo dia e o santificou
É importante enfatizar que a bênção e a santidade não são fenômenos
visíveis nem tangíveis. O curso contínuo do mundo físico não cessa
seu progresso durante o Shabat. A transição do mundano para o
sagrado precisa, pois, ocorrer dentro de cada um de nós. A
singularidade do sétimo dia reside na possibilidade de transformação
do Shabat em uma fonte de bênção a partir da qual todos os demais
dias da semana sejam abençoados. Mas isso depende de nosso
comportamento no dia sagrado. “E o santificou”: A santidade desse dia
está no fato de ter sido santificado como um dia sagrado desde o
momento da Criação, santidade esta que foi revelada a Israel no Monte
Sinai como um mandamento específico. Ademais, a santidade do
Shabat não depende do fato dos homens o guardarem; ela existe
independentemente da participação humana. O Talmud e a Cabalá
ensinam que quando se inicia o Shabat, o judeu recebe uma alma
adicional, que permanece dentro de seu corpo enquanto dura o dia
sagrado. Mas cabe a cada um de nós usar esta dádiva Celestial, que
nos permite sentir e partilhar da santidade do dia.
Ki Vo Shavat Mikol Melachto – Pois nesse dia Ele descansou de toda a
Sua obra
O descanso e o repouso foram criados no Shabat como o propósito
máximo do trabalho. Portanto, o Shabat é o que permite que o judeu
colha os frutos de seu empenho semanal. Se não existisse o Shabat,
nosso trabalho material e espiritual seria em vão. É importante notar
que o conceito de descanso Divino é uma metáfora. A Torá atribui
qualidades humanas a D’us para que nós, seres humanos finitos,
possamos entender um pouco sobre o Criador Infinito, que, por
definição, está além de nossa compreensão. Descanso Divino não
significa que D’us parou de trabalhar porque estava cansado. Tais
limitações não se aplicam ao Infinito. D’us “descansar” significa que a
Energia Divina (a Sefirá) que predominava no sétimo dia da Criação
era Malchut, que é uma Sefirá passiva, diferentemente das demais seis
(Chessed, Guevurá, Tiferet, Netzach, Hod e Yessod). Ver o artigo “As
sete Sefirot da emoção” – (Morashá no. 69)
Asher Bara Elo-him Laassot – Que D’us criou para fazer
A palavra Laassot (fazer) parece fora de contexto. Há Sábios que
traduziram essas palavras da seguinte forma: “Que D’us criou para o
homem fazer”. Ou seja, a atividade criativa e a capacidade de alterar o
estado do mundo nos foram dadas por D’us. Os seres humanos se
tornaram, por assim dizer, parceiros de D’us na Criação. Fomos
criados para trabalhar para aperfeiçoar e remodelar o mundo. Além
disso, somos ordenados a fazê-lo da mesma forma que D’us o fez ao
criar, Ele mesmo, o Universo: devemos trabalhar durante seis dias e
repousar no sétimo.
Savri Maranan – Atenção, senhores!
É costume que os ouvintes respondam a esse chamado dizendo,
“LeChaim” – “À vida!”. Isso é permitido, pois não é considerado uma
interrupção.
Baruch Ata Ado-nai, Elo-henu Melech HaOlam, Bore Peri Haguefen–
Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que crias o fruto
da videira.
Como vimos acima, essa bênção é recitada quando o Kidush é feito
sobre o vinho casher (ou suco de uva casher). Quando não há vinho
nem suco de uva casher, usa-se pão. Caso não haja nem pão pode-se
usar outra bebida alcoólica casher. (Nesse caso, recita-se a bênção do
Shehacol: Baruch Ata… Shehacol Nihiá Bidvaro). Os ouvintes
respondem “Amén” após ouvir essa bênção.

Baruch Ata Ado-nai, Elo-henu Melech HaOlam, Asher Kideshanu


Bemitzvotav VeRatzah Banu – Abençoado és Tu, Eterno, nosso D’us,
Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos e que a
nós desejaste
Essa benção indica o deleite e a satisfação Divina conosco, como
consta no verso, “Pois o Eterno se alegra com Seu povo” (Salmos,
149:4). Ao compartilhar conosco Sua Vontade, que é a Torá e seus
mandamentos, D’us nos santificou. Ensina o Talmud que um
emissário é como seu mestre, pois age em nome do mestre e incorpora
sua vontade. Da mesma forma, quando executamos a Vontade Divina,
estamos servindo de seus emissários neste mundo e, assim, nos
unimos a Ele.
VeShabat Kodsho Beahava Uveratzon Hinchilanu– E nos deu, em amor
e boa vontade, Seu sagrado Shabat como um legado:
Os conceitos “amor” e “boa vontade” são mencionados em todas as
orações e bênçãos de Shabat. Expressam a idéia de que a dádiva do
Shabat para o Povo de Israel é uma expressão do amor Divino. O
Talmud ensina que “O Santo, abençoado é Ele, disse a Moshé: ‘Eu
possuo uma dádiva preciosa na Minha casa entesourada, chamada de
Shabat, e Eu desejo dá-la a Israel’” (Shabat, 10b). Como um legado: a
dádiva do Shabat não foi um legado apenas para uma geração, e sim,
para todas as gerações do Povo Judeu. Como está escrito: “E os Filhos
de Israel guardarão o Shabat, para fazer do Shabat uma aliança
perpétua por todas as suas gerações” (Êxodo, 31:16).
Zikaron Lemaase Bereshit:Em lembrança da obra da Criação
Está determinado nos Dez Mandamentos, “Lembra-te do dia do Shabat
para santificá-lo. Em seis dias o Eterno fez os Céus e a Terra… e
descansou no sétimo dia” (Êxodo, 20:8, 11). O Shabat é o testemunho
de que D’us criou o Universo e de que Ele é a única Fonte de tudo o
que existe. Todos os universos, físicos e espirituais, e tudo o que neles
há, desde a mais ínfima partícula de pó até a mais elevada das
criaturas celestiais, foram criados e são sustentadas por Ele, que
transcende e preenche toda a Criação.
Techila Lemikraei Kodesh – A primeira das convocações de santidade
(festas sagradas)
O Shabat é a primeira de todas as festas, tanto por ter sido santificado
desde a Criação e também porque é a primeira a ser mencionada na
Torá (Levítico, 23:2-3). As festas judaicas, como Pessach, Sucot e
Shavuot, são denominadas pela Torá de “convocações de santidade”
porque antes de o calendário judaico ser criado, o início de um novo
mês dependia da proclamação do Beit Din, o tribunal judaico.
Portanto, o dia exato no qual ocorreria uma festa sagrada dependia da
proclamação, por esse tribunal, do início de um novo mês, isto é, de
Rosh Chodesh. Já o Shabat, este é independente de qualquer
proclamação do Beit Din; ele é sempre o sétimo dia da semana, pois foi
o Criador quem o proclamou.

A bem dizer, o Shabat nem deve ser referido como “convocação de


santidade”. Mas o terceiro livro da Torá, o Levítico, que relaciona as
festas sagradas, inicia-se com uma menção ao Shabat. A razão para
tal é que o sétimo dia é a matriz de todos os dias sagrados judaicos. De
fato, apesar de muitos não o saberem, qualquer Shabat é o dia mais
sagrado do ano judaico, até mesmo mais do que Yom Kipur. Trabalhar
no Shabat constitui uma transgressão muito mais séria do que fazê-lo
em Kipur. Ademais, com algumas exceções, as leis referentes às datas
sagradas – ou seja, o que podemos ou não fazer – derivam das leis
referentes ao Shabat. Pois como está escrito: “A santidade do Shabat é
superior a todas as santidades, e sua bênção é superior a todas as
bênçãos” (Aruch HaShulchan, Orach Chaim, 242:1).
Zecher Litsiat Mitsrayim – A recordação do Êxodo do Egito
O Shabat se relaciona com a Criação do mundo e com o Êxodo do
Egito. Esses dois conceitos são interligados: o Shabat nos faz lembrar
que D’us criou o Universo todo e o Êxodo nos ensina que Ele está
envolvido em Seu mundo mediante o controle da natureza,
manipulando-a segundo Sua Vontade, enquanto se relaciona com
todas as Suas criaturas por meio de Sua Divina Providência. O Shabat
nos ensina que D’us, como Criador de tudo, é Infinito e transcende o
Universo. Mas o sétimo dia também nos transmite que D’us, como
Força responsável pelo Êxodo, que realizou grandes milagres para
nossos antepassados e os libertou da escravidão egípcia, é iminente,
profundamente envolvido na vida de cada um de nós. Quando
recitamos o Kidush, devemos ter em mente o seguinte. Apesar de
sermos criaturas finitas, estamos aqui, de pé, testemunhando que foi o
D’us de Israel quem criou tudo o que existe, e como Ele é iminente,
presente em todos os lugares e a todo tempo, Ele está atento a nosso
testemunho de que Ele é nosso D’us. O Talmud nos ensina que aquele
que recita o Kidush se torna parceiro de D’us na Criação, pois serve de
testemunha de que tudo o que existe, nos reinos do físico e do
espiritual, tem uma única Origem, que é o Criador Infinito, Mestre e
Senhor de Tudo.
Assim está dito nos Dez Mandamentos, como aparece em
Deuteronômio, 5:15: “E lembrarás que servo foste na Terra do Egito, e
que o Eterno, teu D’us, te tirou de lá, com mão forte e com braço
estendido; portanto o Eterno, teu D’us, te ordenou para guardar o dia
do Shabat”. Os comentaristas bíblicos explicaram que, como Criador
do mundo, D’us é também seu Senhor e Mestre. O Êxodo do Egito é
um sinal de Sua Providência e domínio sobre o mundo, e prova de Sua
criação desse mundo.
VeShabat Kodshecha BeAhavá Uveratzon Hinchaltanu– E Teu sagrado
Shabat, com amor e boa vontade Tu nos deste como um legado.
O Shabat não é um fardo, mas uma dádiva de amor e favorecimento
Divino. Não fora pelo Shabat, muitos de nós trabalharíamos sete dias
por semana, tornando-nos escravos de nós mesmos. D’us nos força a
parar no sétimo dia sagrado e a nos retirarmos das tarefas mundanas,
em nosso próprio benefício. O Shabat é, pois, um dia de reposição de
nossas forças físicas e espirituais. É um momento em que devemos
esquecer-nos de nossas preocupações e desfrutar a vida e suas
bênçãos. O Shabat, esse legado que os Filhos de Israel receberam, tem
preservado não apenas o judaísmo, mas também os judeus enquanto
nação. É voz corrente, muito apropriadamente, que “o Shabat guarda
os judeus mais do que os judeus guardam o Shabat”. Por razões
óbvias, aquele que guarda o Shabat tem muito menos chance de se
assimilar e de perder sua identidade como judeu. Não basta lembrar
que somos judeus apenas em Rosh Hashaná e Yom Kipur, ou seja,
judeus de três dias. No mínimo uma vez por semana o Shabat nos faz
lembrar quem realmente somos.
Baruch Ata Ado-nai Mekadesh HaShabat – Bendito és Tu, Eterno, que
santificas o Shabat
Essa bênção conclui o Kidush. Diferentemente da santidade das festas
judaicas, a santidade do Shabat não depende do Povo de Israel; pelo
contrário, é D’us, Ele Próprio, quem o santifica. Essa bênção é escrita
no tempo presente, porque o Shabat foi santificado não apenas na
época da Criação, mas a manifestação e influência contínua dessa
santidade aparecem e emanam como novas a cada semana. Após
beber o vinho do Kidush, procedemos à lavagem ritual das mãos
(Netilat Yadayim). Depois recitamos a bênção sobre o pão e jantamos.
Após a refeição, recitamos o Bircat Hamazon, em que agradecemos ao
Criador por Sua beneficência e generosidade e pedimos por uma época
em que todos os dias sejam como o Shabat – uma era de paz,
abundância, deleite e descanso para toda a humanidade.

Bibliografia:
The Schottenstein Edition - Siddur Sefard for the Sabbath and
Festivals - Artscroll Mesorah
Rabi Steinsaltz, Adin,The Miracle of the Seventh Day,
Ed. Jossey-Bass
Mindel, Nissan, My Prayer - Volume II: Shabbat Prayers, Ed. Merkos
L'Inyonei Chinuch

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