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Geografia da espiritualidade

E então algo mudou. Nos últimos anos, a Cabalá de Ashlag tornou-se uma
força que é cada vez mais difícil ignorar na geografia da espiritualidade
judaica contemporânea. Primeiro percebi totalmente o escopo da nova
proeminência de Ashlag no aeroporto de Nova Délhi neste mês de setembro,
quando me deparei com um artigo no “The Hindustan Times”, relatando que
Madonna, ícone supremo do estrelato pós-moderno, pagou uma visita à meia-
noite ao túmulo de Ashlag em Jerusalém durante a sua viagem para Israel
neste outono. Madonna é uma estudante do rabino Philip Berg, fundador do
“Centro de Kabbala”, que tem inúmeras ramificações em Israel, Europa,
Estados Unidos e América do Sul. Berg, que era um estudante de Rabi
Yehuda Brandwein, traça sua linhagem espiritual de Ashlag, embora seus
opositores argumentam que Berg desviou-se do caminho de seu mestre.
Existem algumas questões: Ashlag vigorosamente se opôs a ganhar dinheiro a
partir do ensino de Cabalá, enquanto os “Centros de Kabbala” de Berg são
gerenciados como uma empresa moderna e têm-no ajudado a acumular uma
considerável fortuna pessoal. Ashlag foi igualmente veemente em resistir a
associação popular de Cabalá com magia. Apesar de no início o misticismo
judaico incluir um componente mágico – e embora no Talmud existam relatos
de rabinos usando nomes divinos para criar seres vivos, capacidade de levitar,
viajar longas distâncias instantaneamente e ler pensamentos, e dessas coisas
serem comuns em lendas judaicas - muitos cabalistas também condenaram
magia como um abuso de poder sagrado para ganho pessoal. Ashlag via
qualquer obsessão com o milagroso como uma distração e um impedimento
para o verdadeiro desafio: o esgotante e constante esforço necessário para a
metamorfose espiritual. Ele se recusava a participar de atividades tais como
curas milagrosas, bênçãos ou interpretação de sonhos, que, para outros
cabalistas, era parte de sua rotina diária. Em contraste, “Centros de Kabbala”
de Berg vendem "água de kabbala", posters de nomes divinos e cordas
vermelhas da sorte, para serem usadas como pulseiras e também oferecem
cursos sobre temas como "kabbala e sucesso", que se aproveitam do prestígio
da Cabalá com o objetivo de prosperidade pessoal.
Recentemente, Berg parece ter cruzado ainda mais outra linha, separando-o do
legado de Ashlag: a adoção de símbolos cristológicos - ele agora chama o
Zohar de "Santo Graal" - retórica que se desvia desconfortavelmente próximo
ao anti-semitismo clássico. Em sua introdução à tradução para o inglês
do "Zohar" e comentários sobre "HaSulam" que foi escrito por seu filho mais
velho, o rabino Michael Berg, cita a supressão judaica do "Zohar" como a
causa fundamental do sofrimento em todo o mundo e do anti-semitismo:
"esses judeus foram e continuam a ser a causa do anti-semitismo. Se o Santo
Graal se generalizou, não haveria mais a necessidade de intermediários. Os
judeus e toda a humanidade finalmente alcançariam aquela almejada meta de
eliminar o caos. O principal fator que apodrece o anti-semitismo é a negação
pelo judeu, embora, as autoridades, dos frutos do Santo Graal. Enquanto essa
negação se origine com os poucos líderes, não obstante a culpa do caos é
imposta a todo o povo judeu, inclusive os inocentes."

Visão social radical


Apesar de sua divergência cada vez mais bizarra às ideias de Ashlag, não há
dúvida que Berg é devoto a um dos principais objetivos de Ashlag: a
divulgação de textos e ideias cabalísticas. Além disso, seu círculo de
celebridades - Madonna, Demi Moore, Mick Jagger e a mais recente, Sarah
Ferguson, a Duquesa de York - levantaram a fama de Ashlag a um nível sem
precedentes. O “Kabbala Center”, porém, não é de nenhuma forma o único
vetor através do qual a Cabalá de Ashlag está se espalhando.
Grupos estudando Ashlag agora reunem-se regularmente em dezenas de
cidades e vilas de toda parte de Israel. Em Petah Tikva, um edifício anódino
na área industrial acorda às 03:00h quando 150 alunos dedicados chegam para
uma aula de Cabalá diária liderada pelo Rav Michael Laitman, PhD, um
imigrante russo que foi discípulo próximo do Rabino Baruch Ashlag. O
edifício é a sede do grupo Bnei Baruch , fundado por Laitman, e seu exterior
plano abre em uma nova e reluzente beit midrash (sala de estudo) forrada com
centenas de cópias de livros de Ashlag e um estúdio de radiodifusão com
equipamentos em estado de arte, através dos quais aulas de Cabalá são
transmitidas para um público internacional - composto por muitos não-judeus
- em Hebraico, russo, inglês e italiano. Enquanto eles não tenham nenhum
indicador exato, Bnei Baruch diz que eles têm indicações de que várias
centenas de milhares de pessoas no mundo todo vêem suas transmissões
online ou visitam seu site com extenso conteúdo sobre Cabalá todo mês.
Há cerca de 15 anos, estudantes do cabalista de Jerusalém Rabino Mordechai
Sheinberger, um discípulo de Brandwein, fundaram uma comuna de Ashlag,
perto de Monte Meron chamado Or Ganuz, que combina o estudo da Cabalá
com esforços para concretizar a visão social radical do seu mestre. Nos
últimos anos Or Ganuz tem fornecido instrutores de Cabalá ao público em
grande parte secular em vários locais ao longo de Carmel e Galileia. Em Bnei
Brak, um dos netos do Rabi Ashlag, Rabino Yehezkel Ashlag, construiu uma
“yeshiva” em conjunto com o Rabino Akiva Orzel, um estudante do pai de
Yehezkel Ashlag, Rabino Shlomo Binyamin. Na comunidade ultra-ortodoxa
de Telshe Stone e na Cidade Velha de Jerusalém, existem centros Ashlag que
também estão ativos e crescendo.
De repente, o mundo acadêmico começou a notar Ashlag também. A
Universidade de Ben-Gurion (BGU) do Negev vai comemorar o 50º
aniversário de sua morte este ano hospedando a primeira conferência
acadêmica sobre Ashlag neste 26 de dezembro. A conferência reunirá os
principais acadêmicos no campo da Cabalá, tais como o professor Moshe Idel
da Universidade Hebraica de Jerusalém, com discípulos de Ashlag, incluindo
Laitman e membros da família Ashlag. O primeiro doutorado em pensamento
de Ashlag, escrito por Tony Lavie, foi aceito pela Universidade Bar-Ilan, no
ano passado (Lavie anteriormente publicou um livro de diálogos com o
falecido Prof Yeshayahu Leibowitz), e um livro de diálogos entre Lavie e
Rabino Orzel está para sair este ano. Vários outros doutorados estão em
desenvolvimento.
Prof Avi Elkayam de Bar-Ilan, que é co-patrocinador da conferência,
considera o despertar do mundo acadêmico à importância de Ashlag como o
endireitamento de um erro histórico. "É claro já", diz Elkayam, "que Scholem
era míope em não perceber a originalidade de Ashlag. Há um interesse
renovado em Cabalá no Ocidente, e muito disso é baseado em
Ashlag". Elkayam acredita que a vida interior do público religioso em Israel
está hoje num momento crucial, e que Ashlag pode ter um papel fundamental
a desempenhar.
Rabino Abraham Isaac Kook, tal como interpretado sob o prisma da filosofia
de seu filho, criou um misticismo de terra e assentamento. Mas com as bases
em que Gush Emunim se mantém em ruínas, Ashlag pode fornecer uma
alternativa - uma Cabalá cujo foco não está no assentamento, mas na
consciência individual, e no reparo da sociedade e do mundo. Ashlag pode
fornecer a base para um conceito de justiça social fundada sobre a ciência
espiritual da Cabalá. Claro, nós estamos apenas no início. Temos de ser
cautelosos. É preciso um esforço enorme - quatro anos estudando de manhã à
noite - para realmente compreender a Cabalá de Ashlag. Nós - o mundo
acadêmico todo - estamos apenas no início, ainda crianças, por assim dizer,
em relação a Ashlag.

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