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Luana Pereira Borges1 * Thaís Soares Brito2 * Flávia Danielli Martins Lima3 * Juliana Nunes
Lacerda4 * Letícia Lacerda Marques5 * Mayara Cedrim Santos6 * Ítalo Arão Pereira Ribeiro7
RESUMO
Objetivo: Conhecer a percepção de familiares de potenciais doadores de órgãos e tecidos que
optaram pela não doação. Método: Pesquisa de natureza descritivo-exploratória, de abordagem
qualitativa, guiada por um roteiro de entrevista semiestruturada e que utilizou a análise de conteúdo
proposta por Bardin. Foram entrevistados oito participantes que recusaram a doação de órgãos e
tecidos, após o diagnóstico de morte encefálica de um familiar. Resultados: Emergiram sete
categorias: assistência ao paciente e seus familiares; desconhecimento sobre o processo de doação
de órgãos; dificuldades em compreender a morte encefálica; respeitar o desejo do paciente
manifestado em vida; demora na liberação do corpo; medo da mutilação do corpo; e manifestação
contrária por parte de um membro familiar. Considerações finais: Assim, sugere-se a implantação
de novas estratégias e ações que fortaleçam as políticas públicas voltadas para conscientização
popular, a fim de evitar os elevados índices de recusas familiares no momento da decisão de doar.
PALAVRAS-CHAVE: Obtenção de Tecidos e Órgãos; Família; Percepção; Recusa de
participação; Enfermagem.
ABSTRACT
Objective: Recognizing the perception of family members of potential organ and tissue donors who
chose not to donate. Method: This is a survey of a descriptive-exploratory nature, with a qualitative
approach, guided by a semi-structured interview script and which used the content analysis
proposed by Bardin. Eight participants were interviewed who refused to donate organs and tissues,
after the diagnosis of brain death of a family member. Results: Seven categories emerged:
assistance to patients and their families; ignorance about the organ donation process; difficulties in
understanding brain death; respect the patient's desire manifested in life; delay in the release of the
body; fear of mutilation of the body; and opposing manifestation by a family member. Final notes:
Thus, it is suggested the implementation of new strategies and actions that strengthen public
policies aimed at popular awareness, to avoid the high rates of family refusals at the time of the
decision to donate.
KEY WORDS: Tissue and Organ Search; Family; Perception; Refusal to Participate; Nursing.
1Enfermeira, graduada pela Faculdade Maurício de Nassau/Aliança. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: luanaborges96@outlook.com
2Enfermeira, graduada pela Faculdade Maurício de Nassau/Aliança. Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: /taissoares686@hotmail.com
3 Enfermeira, Doutora em Enfermagem pela Universidade de Lisboa (ULisboa), Portugal. Docente do curso Bacharelado em
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quanto à caracterização dos
participantes, a pesquisa foi realizada com 08
familiares de pacientes que seriam potenciais
doadores, entre os anos de 2016 e 2017.
Dentre os participantes, houve o predomínio
do sexo feminino 5 (62,5%), com idade entre
Gênero N (%)
Feminino 5 (62,5¨%)
Masculino 3 (37,5%)
Faixa Etária
18 a 30 5 (62,5%)
31 a 40 3 (37,5%)
Escolaridade
Ensino fundamental incompleto 2 (25%)
Ensino médio completo 3 (37,5%)
Ensino superior incompleto 1 (12,5%)
Ensino fundamental completo 1 (12,5%)
Ensino superior completo 1 (12,5%)
Renda Familiar
Até R$ 954,00 1 (12,5%)
Até R$ 1.500,00 5 (62,5%)
Acima de R$ 2.000 2 (25,0%)
Integrantes da Família
1-3 pessoas 2 (25,0%)
4-5 pessoas 6 (75,0%)
Estado Civil
Solteiro (a) 2 (25,0%)
Casado (a) 6 (75,0%)
Religião
Católico (a) 6 (75,0%)
Evangélico (a) 2 (25,0%)
Fonte: dados da pesquisa
tenho minhas dúvidas. Mas mesmo que para muitas pessoas esse pedido
os médicos me falaram que
não seja mais considerável após o óbito, e
fizeram todos os exames e
que não tinha mais o que muitas vezes, até um ato de egoísmo recusar a
fazer, que era Morte
doação3. Isso se confirmou em vários relatos,
Encefálica, que o coração
dela funcionava mesmo só onde os familiares optaram pela não doação
por conta dos aparelhos e
por respeitar uma decisão que já havia sido
que quando desligassem,
tudo iria parar... (E8) tomada pelo paciente. Percebeu-se, então, que
a autonomia da decisão se mantém intacta, e
Ainda é complexa para sociedade
realizar a vontade do paciente significa muito
compreender a definição de morte encefálica,
para eles, como observa no relato do E5:
devido à falta de conhecimento, o despreparo
das equipes para a realização dos exames
Ele falava sempre que se um
comprobatórios, a abordagem incorreta das dia acontecesse alguma
coisa com ele e os órgãos
famílias, falhas em passar informações sobre
dele ficasse funcionando
o estado clínico do paciente, dificultando a essas coisas, ele não
aceitava a doação de
notificação de um potencial doador e gerando
órgãos, tão tal que na
uma recusa familiar perante a doação. Então identidade dele não tem
‘doador’ por que ele nunca
fornecer informações precisas sobre o
aceitou. Aí foi uma decisão
diagnóstico correto da ME e garantir às dele mesmo, aí minha mãe
seguiu o que ele queria,
famílias o prognóstico correto, diferenciando
minha mãe não queria que
a ME do estado de coma, pode ajudá-los a doasse de jeito nenhum...Aí
foi opinião dela, opção
reconhecer o dano cerebral irreversível e
dela.(E5)
remover as percepções erradas da família
É importante o conhecimento da
sobre a possibilidade de retorno à vida,
opinião do familiar falecido, ainda em vida,
influenciando positivamente para doação de
para tomar à decisão no pedido a doação de
órgãos25.
órgãos.15 As famílias mencionaram que
recusar a doação significa respeitar o desejo
Respeitar o desejo do paciente manifestado
do paciente. Esse fato é observado
em vida
claramente nos relatos dos participantes E4 e
Respeitar o desejo do paciente
E2, os quais afirmam que essa atitude
falecido manifestado ainda em vida, foi um
amenizaria a dor que eles sentiam, por
dos motivos que os levou a optarem pela não
realizar um pedido que havia sido solicitado
doação. Para a família, o desejo do paciente
por seu ente querido:
em não ser um doador de órgãos é uma
atitude considerada ainda muito importante,
optaram pela não doação, devido o também que ele achava que
minha mãe ficaria cheia de
prolongamento do sofrimento e estresse
marcas e o corpo dela
emocional representado para a família, ficaria deformado, aí eu
como filha tive à vontade
referente à demora no processo de retirada
até de doar...mas como falei
dos órgãos e liberação do corpo, sendo um tinha que fazer a vontade
dele que não aceitou por
fator relevante nos casos de recusa.7
medo de deixar o corpo
deformado... (E8)
Medo da mutilação do corpo
Outros estudos apontam que a família
Nessa subcategoria observou-se que a teme a violação do corpo, pela percepção de
percepção e a necessidade de velar o corpo que o familiar já sofreu muito e que tal medo,
em sua total integridade é uma das causas que sofre a influência da fragmentação do
influencia a recusa em doar. Nesse sentido, conhecimento. A forma como o indivíduo se
estudo transversal realizado em um município relaciona com a imagem corporal pode servir
do Pernambuco, Brasil, com 524 prontuários, como fator de facilitação ou resistência à
identificou que a principal causa de recusa doação. Defende-se que o medo da mutilação
familiar se refere à manutenção do corpo corporal, somado à ideia de que a doação
íntegro (36,0%). Os familiares acreditam que pode antecipar a morte do potencial doador, é
o corpo se trata de algo intocável, julgando um importante fator de influência sobre as
importante o culto ao corpo presente, e dessa famílias.23,24
forma este deve permanecer. Ao manipular
esse corpo para retirada dos órgãos, eles Manifestação contrária por parte de um
membro familiar
interpretam como falta de cuidado e respeito
ao falecido, e por não enxergarem o corpo Outro motivo identificado foi à
como algo material, acabam resistindo à manifestação contrária à doação por parte de
doação acreditando que a aceitação iria causar um dos membros da família. Estudo7 revela
mais dor e sofrimento aos familiares.22 que de 106 registros analisados, 15,9%
No relato do E6 é evidente que o apresentaram recusa em doar por discordância
familiar acredita e teme na deformação do familiar. Embora a maioria dos entes quisesse
corpo do seu ente, e não compreende que a fazer a doação, os familiares seguiam o
cicatriz permanece como incisão cirúrgica: parecer do outro familiar que se negava a doar
os órgãos do parente falecido. Evidencia-se
O motivo que levou a gente esse achado na seguinte fala:
a não doar os órgãos da
minha mãe, foi por que meu
pai não aceitou, ele queria meu irmão que mora em
o corpo dela inteiro, e acho outra cidade não
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