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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM PERNAMBUCO

Exmo Juiz Federal da Vara da Seção J udiciária do Estado de


Pernambuco.

Ação Civil Pública n.º 011/2007


Ref. Inquérito Civil n.º 1.26.000.002262/2006-41
2007.83.00.007483-0

O Ministério Público Federal, no desempenho


de suas atribuições legais ajuíza a presente AÇÃO CIVIL
PÚBLICA 1 contra

UNIVERSIDADE FEDERAL DE
PERNAMBUCO – UFPE, na pessoa de seu
magnífico reitor, indicando como endereço para
citações e intimações da ré a Av. Prof. Moraes Rego,
1235 - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50670-
901 e

UNIÃO FEDERAL, q u e d e v e r á s e r c i t a d a n a f o r m a
do artigo 35, inciso IV, da Lei Complementar n.º
73/93, com endereço na Rua do Riachuelo n.º 105, sala
1, Boa Vista, Recife/PE, pelos motivos que passa a
expor.

I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As pessoas com deficiência estão obrigadas a


sobreviver numa sociedade segregacionista, a qual não
1
Diversos dos argumentos jurídicos utilizados na presente petição foram retirados de ação análoga ajuizada pelos
Exmos. Procuradores da República C L Á U D I O G U S M Ã O C U N H A e S I D N E Y P E S S O A
MADRUGA da PRBA
reconhece a igualdade de direitos daqueles que possuem
limitações físicas e psíquicas. Prova disso é a sua reduzida
participação no mercado de trabalho e no sistema educacional.

Ao mesmo tempo, as políticas públicas não


conseguem satisfazer os direitos básicos de ir e vir, saúde,
trabalho, lazer e, principalmente, a educação especial
destinada a essa minoria.

Para que tais direitos sejam efetivados, tem-se


por necessário que a coletividade como um todo busque
modificar a idéia preconceituosa já arraigada no meio social a
respeito das pessoas com deficiência, buscando acolhê-las,
incluí-las, em todos os setores da vida social.

Nesse aspecto, buscando promover a inclusão


social das pessoas com deficiência, mais precisamente no que
concerne ao sistema educacional, foram criadas as Leis
7.853/89, 9.394/96 e pelo Decreto 3.298/99.

Entretanto, o asseguramento de direitos por


meio de previsão abstrata em lei não é suficiente para a
garantia de seu cumprimento.

É preciso ir além.

Nos termos do artigo 205 da Constituição


Federal, a educação é um direito de todos e dever do Estado.
Isto significa dizer que o sistema educacional é dirigido a todos
os brasileiros sem distinção, em um mesmo ambiente, o mais
diversificado possível, como forma de atingir o pleno
desenvolvimento humano e o preparo para a cidadania. 2

2
MELO, Mônica de Melo. A proteção constitucional da pessoa portadora de deficiência, in Revista de
Direitos Difusos, ano I, vol 4, 2000, p. 479.
2
E para que as pessoas com deficiência possam
exercer o direito à educação em sua plenitude é indispensável
que as instituições de ensino (escolas, cursos técnicos e
profissionalizantes, Universidades, etc.), sobretudo as
patrocinadas pelo Poder Público, se adaptem às diversas
situações, devendo-se implementar, na prática, as previsões
contidas nos diplomas mencionados, tais como as determinações
contidas no art. 2º, parágrafo único, I, da Lei 7.853/89, e no
art. 59, III, da Lei 9.394/96.
Impõe-se, dessa forma, empreender-se
medidas visando adequar métodos e estratégias de ensino, num
binômio direito à educação-inclusão, direcionadas àqueles
que, seja por deficiência física ou mental, necessitam de uma
aprendizagem diferenciada, objetivando, sobretudo, o
desenvolvimento de suas reais potencialidades voltadas a uma
digna e plena convivência em sociedade.
Nesse sentido, não se espera mais que pessoas
com deficiência procurem se integrar à sociedade, mas que
todos os ambientes, sobretudo o educacional, estejam
devidamente preparados para receber quaisquer cidadãos, que
possuam ou não algum tipo de deficiência.
Contudo, o Colégio de Aplicação da UFPE
insiste em permanecer na contramão da história. É o que
sobressai dos autos no Inquérito Civil nº 1.26.000.002262/2006-
41, instaurado no âmbito da Procuradoria da República neste
Estado, o qual deu origem a presente ação, em que se vislumbra
que a ré deixou de implantar o sistema de educação especial.
Assim, diante da inércia da ré em buscar
efetivamente implantar o sistema de educação especial –
previsto, ressalte-se, desde o ano de 1989 na legislação pátria –
têm-se caracterizadas irreparáveis lesões ao direito
fundamental à educação das pessoas com deficiência.
A presente ação, portanto, tem por escopo
último, exatamente, o de compelir o Poder Público a
implementar a política de inclusão destas pessoas no sistema

3
público de ensino, com a oferta de atendimento educacional
especializado aos educandos com deficiência.

II - DAS PROVAS

A história de Paulo – Portador de Distúrbio de Déficit de


Atenção Hiperatividade

Nos autos do procedimento administrativo n.º


1.26.000.001810/2006-15 3 temos a história de Paulo Melcop de
Castro Schor, que no ano de 2005, aos 14 anos, foi reprovado
no Colégio de Aplicação da UFPE não por insuficiência de
aproveitamento, mas por inadequação da instituição de ensino à
necessidade especial de Paulo, portador de DDA-H.
Tal situação motivou o MPF a ingressar como
substituto processual em favor do menor, conforme se verifica
nos autos do processo judicial n.º 2006.83.00.009962-6 (anexo
I).
O caso chegou ao conhecimento do MPF por
intermédio da mãe de Paulo, a qual narrou em representação
(fls. 27/28 do anexo I) o seguinte:

“QUE é mãe do menor, de 14 anos, Paulo Melcop de


C a s t r o S c h o r ; q u e s e u f i lh o é p o r t a d o r d e t r a n s t o r n o d e d é f i c i t d e a t e n ç ã o e
h i p e r a t iv i d a d e - D D A - H ; q u e s e u f i l h o e s t u d a n o c o l é g io d e a p l ic a ç ã o d a
U F P E ; q u e s e u f i l h o e n t r o u n o c o l é g i o p o r c o n c u r s o p ú b li c o e m 1 3 º l u g a r
em 2004; que, no início desse mesmo ano letivo, a família comunicou ao
colégio a enfermidade apresentada pelo aluno; que o ano letivo de 2005
terminou em 18 de maio de 2006, tendo o ano letivo de 2006 começado em
19 de junho do corrente ano; que foi retido na 6ª série do ensino
fundamental no ano letivo de 2005; que acredita que o motivo de
r e p r o v a ç ã o f o i a in a d e q u a ç ã o d o c o l é g io e m f a c e d a n e c e s s id a d e e s p e c ia l d o
a l u n o e i n a d e q u a ç ã o d o s c r it é r io s a va l i a t i v o s ; q u e , n o m e s m o d i a e m q u e f o i
e n c e r r a d o o a n o l e t i v o d e 2 0 0 5 , t e n d o c i ê n c ia d a r e t e n ç ã o d o a l u n o , a
f a m íl i a r e q u e r e u a o c o l é g io c ó p i a d a s a t a s d o s c o n s e l h o s d e c la s s e d o a l u n o ,
o que lhe foi negado até o presente momento;que o aluno, em razão de sua
d e f i c iê n c i a , n e c e s s i t a d e u m a c o m p a n h a m e n t o e s p e c i a l e m r e l a ç ã o a o s
d e m a i s ; q u e e m r a z ã o d a D D A - H , n e c e s s it a d e t é c n i c a s p e d a g ó g i c a s e

3
autos no anexo
4
i n s t r u m e n t o s a v a li a t i v o s d if e r e n c ia d o s e m r e l a ç ã o a o s a p l i c a d o s c o m o s
o u t r o s a l u n o s ; q u e n o c o n s e l h o d e c la s s e p r o m o c i o n a l f o i in d i c a d o p a r a
r e t e n ç ã o e m m a t e m á t ic a , r a t i f i c a d a p e l a p r o f e s s o r a d e e d u c a ç ã o f ís i c a ,
devido a não alcançar a técnica de xadrez e damas, e pela professora de
a r t e s , e m t é c n ic a d e m o i s a c o e e n c a ú s t i c a , r e s s a l t a n d o - s e q u e a p r o f e s s o r a
d e e d u c a ç ã o f í s ic a , d u r a n t e o a n o l e t i v o , e x p r e s s o u , e m d i v e r s a s o c a s i õ e s ,
a t o s d e a n i m o s id a d e e m r e l a ç ã o a o a lu n o , e q u e o c o l é g i o s e c o m p r o m e t e u a
r e a l i z a r u m a e s p é c ie d e t e r m o d e a j u s t a m e n t o d e c o n d u t a c o m a p r o f e s s o r a
e m d e c o r r ê n c i a d o s a t o s p o r e l a p r a t i c a d o s ; q u e , e m 1 8 d e m a io , f o i
r e q u e r i d o a o c o l é g i o u m c o n s e l h o d e c l a s s e e x t r a o r d i n á r i o , h a v e n d o s id o
r e a l i z a d o a p e n a s e m 1 2 d e j u n h o , e t e n d o p u b li c a d o s e u r e s u l t a d o e m 1 4 d e
j u n h o , n ã o h a ve n d o m o d if ic a ç ã o q u a n t o a o r e s u l t a d o d e r e t e n ç ã o ; q u e n e s s e
n o v o c o n s e lh o d e c l a s s e c o n vo c a d o s u r g i r a m n o v o s f a t o s q u e e m b a s a r a m a
r e p r o v a ç ã o d o a lu n o , f a t o s e s s e s q u e n ã o c o n s t a v a m n o s p a r e c e r e s f in a i s d e
h i s t ó r ia e de português; que, no parecer do conselho de classe
e x t r a o r d i n á r i o , f o i m e n c i o n a d o q u e o a l u n o P a u lo S c h o r h a v ia s i d o a p r o v a d o
no ano l e t iv o anterior com r e s t r iç õ e s , embora as ú n ic a s r e s t r iç õ e s
constantes nos pareceres do mencionado conselho se fundamentem no
c o m p o r t a m e n t o d o a l u n o ; q u e , e m r e la ç ã o à f r e q u ê n c i a e a t r a s o s d o a l u n o , o
s e r v iç o d e o r i e n t a ç ã o e d u c a c io n a l d o c o l é g i o t i n h a c o n h e c i m e n t o d e q u e o s
m e s m o s e r a m o c a s io n a i s e m r a z ã o d a m u d a n ç a d e m e d i c a ç ã o e d o s a j u s t e s
d a s d o s a g e n s ; q u e o a lu n o , d e s d e o c o m e ç o d o a n o l e t i v o d e 2 0 0 6 , n ã o
comparece às aulas em razão de haver sido injustiçado, sentimento que
d e s e n c a d e o u u m a d e p r e s s ã o n o a lu n o ; q u e , n o d i a 1 6 d e j u n h o d e 2 0 0 6 ,
p r o t o c o l o u u m r e q u e r i m e n t o j u n t o a o d ir e t o r d o c e n t r o d e e d u c a ç ã o d a
U F P E , p e d i n d o a r e a n á l i s e d o r e s u lt a d o d e r e t e n ç ã o d e P a u l o S c h o r , c ó p i a
d a s a t a s d o s c o n s e l h o s d e c la s s e , a p u r a ç ã o d a s f a l h a s a d m i n i s t r a t i va s d o
c o l é g i o e m r e l a ç ã o a o a c o m p a n h a m e n t o e s p e c ia l d o a l u n o , n ã o h a ve n d o
obtido resposta do diretor até a presente data”.

Sobre o Colégio de Aplicação convém lembrar


que é uma unidade acadêmica da UFPE para a formação de
professores das diversas licenciaturas da universidade e,
eventualmente, de outras instituições de ensino superior, sendo
que os alunos dos ensinos fundamental e médio da referida
unidade recebem formação escolar normal, como em outros
colégios não destinados à formação de professores.
Para o atingimento de seus objetivos o Colégio
de Aplicação ministra ensino básico e fundamental a crianças e
adolescentes diversos, que a ele são admitidos mediante
concorrido processo seletivo.

5
Temos então que adolescente portador de DDA-H
foi reprovado em ano letivo no Colégio de Aplicação, não em
face de sua inaptidão para progredir academicamente, mas sim
em face da omissão da escola consistente em não proporcionar
meios adequados de avaliação do aluno.

Requisitamos e juntamos aos autos do referido


Procedimento parecer do Professor Francisco José de Lima,
Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos da UFPE, do qual
destacamos (fls. 87-150 do anexo I):

“ . . . in f o r m a d o s d e q u e o a lu n o P a u l o e n t r o u p a r a o C o l é g i o d e A p l i c a ç ã o d a
Universidade Federal de Pernambuco, por meio de concurso p ú b li c o ,
obtendo a classificação de 13° lugar no concurso de admissão para a 5ª
s é r ie d o E n s i n o F u n d a m e n t a l p a r a o a n o d e 2 0 0 4 n a r e f e r i d a i n s t i t u i ç ã o
f e d e r a l d e e n s in o .
U m a v e z t e n d o P a u l o i n g r e s s a d o n o C o l é g io d e A p l i c a ç ã o
da UF P E , seus genitores compareceram ao S e r v iç o de Orientação
E d u c a c i o n a l d a q u e la i n s t i t u i ç ã o , t e n d o s i d o a t e n d i d o s p e l a p s i c ó lo g a , S r a .
E l in e N a s c i m e n t o e p e la o r i e n t a d o r a e d u c a c i o n a l, S r a . E d i t e Li m a , q u a n d o
i n f o r m a r a m q u e o a l u n o P a u lo é p o r t a d o r d e T D A H — T r a n s t o r n o d e D é f i c i t
d e A t e n ç ã o e H i p e r a t iv i d a d e . T a m b é m i n f o r m a r a m q u e o a lu n o t e m s id o
acompanhado por renomados p r o f i s s io n a i s de saúde por conta dessa
d e f i c iê n c i a .

I V - D E N OS S A S U S T E N T A Ç Ã O P E L A P R O G R E S S Ã O D O A L U N O P A U L O
M E L C OP D E C A S T R O S H O R P A R A A 7 ª S É R I E D O E NS I NO F UN D A M E N T A L
II
Como se sabe, o Transtorno de Déficit de Atenção
Hiperatividade, também conhecido pela sigla (TDAH) é definido pela
m e d i c in a c o m o s e n d o u m a d e s o r d e m d o d é f i c i t d e a t e n ç ã o q u e p o d e a f e t a r
c r ia n ç a s , a d o l e s c e n t e s e a t é m e s m o a d u l t o s , o s q u a is p o d e m a p r e s e n t a r
“dificuldades em prestar atenção, em concentrar-se, em ficar parado etc.
Isto é, as pessoas com TDAH podem se apresentar muito d is t r a í d a s
( d e s a t e n t a s ) , a g i t a d a s , p o r v e z e s , a t i v a s , h i p e r a t i v a s e i m p u l s i va s . U m a
p e s s o a c o m T D A H , p o d e t e r d i f ic u ld a d e e m p r e s t a r a t e n ç ã o à s in f o r m a ç õ e s
q u e s ã o d i t a s ; d i f i c u l d a d e e m s e g u i r r e g r a s o u i n s t r u ç õ e s , n ã o t e r m in a r o
que começou; pode ser “desorganizada”; pode e v i t a r a t i vi d a d e q u e e x i g e
esforço mental continuado; perder coisas importantes; d i s t r a ir - s e
f a c il m e n t e com coisa sem importância para o momento; esquecer
c o m p r o m i s s o s e t a r e f a s ; a p r e s e n t a r m a io r d i f i c u l d a d e d e r e la c i o n a m e n t o
etc.

6
S a b e n d o d i s s o , d e ve r ia , a p s i c ó lo g a d a I n s t i t u i ç ã o , f a z e r
u m t r a b a l h o j u n t o a o c o r p o d o c e n t e , e x p li c a n d o s o b r e o T D A H e d a n d o
orientações aos professores do aluno Paulo Melcop a respeito de como o
T D A H p o d e s e m a n if e s t a r / i n f l u e n c i a r a p e s s o a q u e t e m e s s e “ t r a n s t o r n o ” , a
f im d e q u e o s p r o f e s s o r e s d o j o v e m P a u lo p u d e s s e m m e lh o r c o n d u z ir o
processo de aprendizado do aluno em sala de aula. Esta, ao não tendo feito
o seu dever, acabou por negligenciar o ensino do aluno.
O r e s u lt a d o d e s s a falta d e o r ie n t a ç ã o / c a p a c i t a ç ã o dos
professores para li d a r com a d i ve r s i d a d e humana e suas variações
comportamentais/atitudinais e com características decorrentes de
d e f i c iê n c i a n ã o p o d e r i a t e r d a d o e m p i o r e s c a m in h o s . O p r e j u í z o , p o r t a n t o ,
f ic o u patente e colocou o jovem aluno em situação de humilhação,
c o n s t r a n g i m e n t o , p r e s s ã o p s ic o l ó g i c a , f r u s t r a ç ã o e , o b v ia m e n t e , d e p e r d a
a c a d ê m i c a , j á q u e o a l u n o f o i im p e d i d o d e p r o s s e g u i r e m s e u s e s t u d o s n a 7 ª
s é r ie d o c u r s o , ju n t o c o m s e u s c o le g a s d o a n o l e t iv o a n t e r i o r , a 6 ª s é r i e .
E p o r q u e o a lu n o f o i l e v a d o à t ã o g r a n d e d e g r a d a ç ã o ?
S i m p le s m e n t e , porque é portador de TDAH e seus
professores não receberam formação para ensinar a todos, mas a alguns
a l u n o s q u e c h a m a m d e “ n o r m a is ” e q u e o s p r o f e s s o r e s p e n s a m e t r a t a m
c o m o a lu n o s h o m o g ê n e o s .
Ora, como é sabido, TDAH interfere diretamente no
c o m p o r t a m e n t o d o in d i v íd u o , c o l o c a n d o e s t e , m u i t a s v e z e s , e m d e s t a q u e
p e r a n t e o s d e m a is . É s a b i d o q u e o s a l u n o s , c o m o q u a lq u e r o u t r a p e s s o a ,
não são iguais entre si, que a homogeneidade de uma classe de aula é
falácia, na qual só acreditam os menos avisados e os professores mal
q u a li f i c a d o s para o ensino que respeite as diferenças, a d iv e r s id a d e
humana, a heterogeneidade dos alunos. Portanto, o aluno Paulo não deixa
de ser normal pelo fato de ter TDAH, mas é diferente de cada um de seus
c o l e g a s , p o r q u e c a d a u m d e s e u s c o le g a s é d i f e r e n t e d e l e , vi s t o q u e t o d o s
são pessoas humanas. Entretanto, Paulo tem TDAH e, portanto, merece
tratamento, consoante sua necessidade educacional específica, o que inclui
ser a v a l ia d o desigualmente, de modo a ser igualado em condições,
oportunidades e qualidade de ensino.
Entretanto, o comportamento apresentado pelo aluno
P a u lo , d i f e r in d o d o c o m p o r t a m e n t o e s p e r a d o p o r a q u e l e s q u e a c r e d i t a m
n u m a h o m o g e n e id a d e d o s a l u n o s , n ã o p o d e , d e m a n e i r a a l g u m a , b a li z a r
n e n h u m t i p o d e d i f e r e n c i a ç ã o q u e o e x c lu a o u l h e r e s t r i n j a o d i r e i t o de
educar-se na escola e na série que deve estar, 7ª série.
...............................

R e t e r o a lu n o P a u l o n a s é r i e e s c o l a r q u e j á c u r s o u é ,
p o r t a n t o , n o m í n i m o , a t o e x p l íc it o d e d i s c r im i n a ç ã o q u e o e x c lu i d o c o n ví v i o
e m s a l a d e a u l a c o m o s d e m a is a l u n o s d e 7 ª s é r i e , vi s t o q u e lh e f a z c e s s a r o

7
direito à progressão e s c o la r , bem como r e s t r in g e - lh e o d ir e it o
c o n s t i t u c io n a l d e p r o g r e d i r p a r a s é r i e s p o s t e r i o r e s , d e m o d o a a lc a n ç a r , n o
f u t u r o , o s n ív e i s m a i s e le v a d o s d o e n s i n o s u p e r i o r e d a s c iê n c i a s .
N ã o t e n d o , c o n t u d o , e n s i n a d o a t u r m a t o d a , d e ix a n d o o
a l u n o P a u lo d e f o r a , o C o lé g i o d e A p l ic a ç ã o o d if e r e n c io u , e x c l u i u - o , t e n d o o
f e i t o p o r d i s c r i m i n a ç ã o , b a s e a d a e m s u a d e f ic i ê n c i a . O c o lé g i o p o u s o u c o m o
e x c lu d e n t e e n ã o c o m o e s c o l a i n c l u s i v a .
Q u a lq u e r a lu n o d e e d u c a ç ã o i n c l u s i v a , n a g r a d u a ç ã o d e
p e d a g o g ia , h o j e , s a b e q u e u m a e s c o l a i n c l u s i v a é f l e x í ve l e m s e u c u r r íc u l o ,
n a m e t o d o l o g ia d e e n s in o q u e u s a e , p r i n c i p a l m e n t e , n o m o d e l o d e a va l i a ç ã o
d e q u e f a z u s o o p r o f e s s o r q u e p r e t e n d e a a p r e n d i z a g e m d o a lu n o e n ã o
apenas, sua “prova de que sabe e se comporta como esperado”.
Pelo ocorrido com o jovem aluno Paulo, sua reprovação,
percebe-se que o Colégio em tela não é inclusivo, que seu currículo e
s i s t e m a d e a v a l ia ç ã o n ã o s ã o f l e x í v e i s , n ã o r e s p e it a m a s in t e li g ê n c i a s
m ú lt ip l a s , é a r c a i c o e p r o p i c i a a e x c l u s ã o b a s e a d a e m d e f i c i ê n c ia .
..................................

Conforme informado pelos pais, o jovem garoto, Paulo


M e lc o p , h o j e c o m 1 4 a n o s , “foi vice-campeão pernambucano de Judô, em
sua categoria, além de ser um bom jogador de futebol de campo e de futsal,
h a b il i d a d e s comprovadas que, aparente e inexplicavelmente, passaram
despercebidas pela docente, Sra. ROSEANE ALMEIDA, professora de
E d u c a ç ã o F í s i c a d o a lu n o Paulo, ou que, no conjunto das faltas, ela não
s o u b e c o n t e m p l a r t a i s h a b il i d a d e s , e m s u a a v a l ia ç ã o . ”
Considerando que o r e f e r id o aluno tem TDAH, a
p r o f e s s o r a d e v e r i a t e r t i d o o b o m s e n s o d e le v a r t a l c o n h e c i m e n t o e m
c o n t a , q u a n d o o a v a l io u n e g a t i v a m e n t e . I s s o p a r a n ã o f a l a r q u e n ã o t e n d o
p e r c e b i d o t a i s h a b i l id a d e s e m u m a l u n o c o m T D A H q u e f r e q ü e n t e s u a s a u l a s
d e e d u c a ç ã o f í s ic a é , n o m ín i m o , u m a d e m o n s t r a ç ã o d e g r a n d e f a lt a d e
c a p a c i d a d e d e o b s e r v a ç ã o , q u e s i t o n e c e s s á r io a u m a v a l i a d o r q u e s e p r e z e ,
quesito, ainda mais necessário a um professor inclusivo.
C o m o e l a n ã o o é , le v o u a p r o f e s s o r a e m c o n s id e r a ç ã o o
f a t o d e o a l u n o n ã o t e r s e s a í d o b e m e m x a d r e z e e m d a m a s . Or a , t a i s
c o n h e c im e n t o s , a i n d a q u e c o n s t a n t e s d o c u r r íc u l o p r e s c r i t o d o C o l é g i o , s e é
que o é, não podem estear uma a v a li a ç ã o negativa do aluno,
d e s c o n s i d e r a n d o o s g a n h o s d e s t e a o lo n g o d o a n o l e t i v o , n a m a t é r i a q u e
e n s in a .
Então, quantos doutores de hoje, quantos dos doutores de
amanhã, quantos dos professores do aluno se saíram bem em xadrez e
d a m a s , d u r a n t e s u a vi d a a c a d ê m i c a ? Qu a n t o s d e l e s s ã o , h o j e , c a m p e õ e s d e
d a m a o u x a d r e z ? U m , d o i s , n e n h u m ? O r a , a in d a q u e t o d o s t i v e s s e m s i d o o u
f o s s e m c a m p e õ e s , o q u e é i m p r o v á ve l, a i n d a a s s i m , n ã o s e n d o o P a u l o u m

8
e n x a d r is t a , i s s o n ã o s e r vi r i a p a r a r e s t r i n g ir o j o v e m a l u n o d e p r o g r e d i r
a c a d e m i c a m e n t e p a r a a s é r i e p o s t e r io r , o u d e f a z e r - l h e c e s s a r o d i r e i t o à
e d u c a ç ã o , o q u e o c o r r e u , a in d a q u e e s s e n ã o t e n h a s i d o p r e v i s t o p e la
professora.
............................

P a s m e - s e , c o n t u d o , e m 2 0 0 6 , é e s s a p o s t u r a d e e l im i n a ç ã o
d o a l u n o q u e t o m a o C o l é g i o d e A p l ic a ç ã o . A o r e p r o v a r o a l u n o c o m T D A H , o
C o n s e lh o de Cl a s s e confirma tal ato d is c r i m i n a t ó r i o , mesmo que
i n d iv i d u a l m e n t e m u i t o s d o s p r o f e s s o r e s t e n h a m a p r o v a d o o a lu n o e m s u a s
r e s p e c t i v a s m a t é r i a s , e a o s e v e r i f i c a r q u e d e p o is d e m a is d e m ê s d e a u l a s ,
t a n t o o C o o r d e n a d o r d o C o l é g io , q u a n t o o D i r e t o r d a r e f e r i d a e s c o l a n ã o
t e r e m p r o m o vi d o a s o l u ç ã o d o c o n f l it o q u e i m p e d e o a lu n o d e e x e r c e r s e u
d i r e i t o à e d u c a ç ã o , c o m q u a l id a d e , c o m i g u a l d a d e d e o p o r t u n i d a d e , c o m
dignidade e r e s p e it o às suas necessidades especiais de pessoa com
d e f i c iê n c i a ( p e s s o a c o m T D A H ) .
..................................

L o g o , o i m p e d i m e n t o d e q u e e s t á s e n d o ví t i m a o a l u n o
P a u lo , a l é m d e c o n s t i t u i r d i s c r im i n a ç ã o b a s e a d a e m s u a d e f i c i ê n c ia ( s e u
c o m p o r t a m e n t o é t i d o p e lo s p r o f e s s o r e s c o m o m o t i v o d e r e t ê - l o n a 6 ª s é r i e )
vem minando sua auto-estima e seu auto-controle, acarretando a adoção,
p a r a d e f e s a d e s u a i n t e g r i d a d e , d e u m a p o s t u r a a p á t ic a e i n d i f e r e n t e p a r a
com a escola, claramente estampada na sua recusa a voltar para os bancos
e s c o l a r e s , c a s o n ã o s e j a p a r a a 7 ª s é r i e , o n d e e s t ã o s e u s c o le g a s e o n d e e l e
deveria estar.
O r a , n e n h u m d a n o s o f r e r á a e s c o l a , c a s o ve n h a a u t o r i z a r
o a lu n o a f r e q ü e n t a r a 7 ª s é r ie d e s e u c u r s o , j u n t o d e s e u s c o l e g a s d o a n o
l e t i v o a n t e r i o r , e n q u a n t o a e s c o la b u s c a s e a d e q u a r p a r a r e s p o n d e r à s
n e c e s s id a d e s p e d a g ó g ic a s d o a l u n o , p o r e x e m p lo , o f e r e c e n d o a o s s e u s
p r o f e s s o r e s , c u r s o d e c a p a c it a ç ã o e m e d u c a ç ã o in c lu s iv a , e d u c a ç ã o q u e
p r o m o va o r e s p e it o à d i v e r s i d a d e h u m a n a d e n t r o d a s a l a d e a u l a e n a e s c o l a
como um todo.
N e n h u m d a n o s o f r e r á a e s c o la , p e l o c o n t r á r i o , t e r á a
o p o r t u n i d a d e d e r e v e r s u a s e s t r a t é g i a s e d u c a c i o n a i s e d e a v a l ia ç ã o q u e ,
c o m o f i c a p a t e n t e n o c a s o e m t e la , e x c lu i p o r c o n t a d e d e f ic i ê n c i a , d e u m a
d i s c r i m i n a ç ã o b a s e a d a e m d e f i c i ê n c ia , o T D A H .
M a s , p o r q u e a e s c o l a n ã o r e v ê s u a p o s i ç ã o , e vi t a n d o c o m
que o aluno continue a perder aula e ficar sem os conteúdos da sétima
s é r ie , o n d e d e v e e s t a r ? S o f r e r á a e s c o l a s e r e c o n h e c e r o d ir e it o d o a l u n o à
u m a e d u c a ç ã o in c l u s iv a , o u s o f r e r á o a l u n o c o m u m a p o s iç ã o e x c l u d e n t e d a
escola?

9
Certamente será o aluno que sofrerá os erros de seus
p r o f e s s o r e s . C o m e f e i t o , e l e já e s t á s o f r e n d o a c a d ê m ic a e p s ic o l o g ic a m e n t e .
A c a d ê m ic a , porque vem estando fora da escola, portanto perdendo
c o n t e ú d o s e s c o l a r e s d a 7 ª s é r i e , u m a v e z q u e n ã o s e s e n t e b e m , e m ir p a r a
o C o l é g io q u e o i n j u s t i ç o u e frustrou-lhe o desejo de estudar com seus
c o l e g a s . P s i c o lo g i c a m e n t e , s u a p e r d a é n o t ó r i a , q u a n d o , m e s m o g o s t a n d o d e
aprender, ir as aulas, estudar e estar com seus colegas, o jovem aluno Paulo
r e c u s a - s e ir p a r a e s c o la , a l e g a n d o s e n t i r - s e in j u s t iç a d o e d i s c r im in a d o p o r
seus professores que o reprovaram de ano, apesar de seu desempenho.
......................................

C o m o s e p o d e a v a li a r , o T D A H t e m u m g r a n d e i m p a c t o n a
vida da criança ou adolescente, p r in c i p a l m e n t e quando os professores
d e s s a s p e s s o a s , i g n o r a n d o o e x p o s t o , o u m e s m o d is c r i m i n a n d o p o r e s s e s
a s p e c t o s , e x c l u e m o a l u n o , a r g u m e n t a n d o q u e “ f o i p o r q u e o a lu n o n ã o
atingiu o esperado; não tem as condições dos colegas; que o aluno não se
esforçou ou apenas que está fazendo isso, repetindo o aluno de ano, porque
s e r á m e lh o r p a r a e l e ” .
D o q u e s e d e p r e e n d e , s e e x p l i c i t a e r e s s a l t a a q u i, p a r a
e f e i t o d e g a r a n t i r o d i r e i t o d o a lu n o P a u l o d e e s t u d a r n a 7 ª s é r i e d o e n s i n o
fundamental, é uma de suas característica, qual seja, a de ele ter TDAH.
E n t r e t a n t o , o P a u lo é u m g a r o t o í n t e g r o , i n t e li g e n t e p o li d o e g e n t i l e t u d o
m a i s q u e c o m p õ e m o s e u t o d o d e p e s s o a h u m a n a . L o g o t e n d o d e s e r v is t o
c o m o u m t o d o e n ã o u n i c a m e n t e c o m o a s u b s t a n t i v a ç ã o d e u m a ú n ic a d e
suas idiossincrasias, o TDAH.
I s s o é i m p o r t a n t e s e r d e i x a d o p a t e n t e , u m a ve z q u e u m
desavisado pode inferir que o aluno Paulo não é "normal" e que, por não o
ser, deveria estar em uma escola especial ou algo assim.
De fato, era assim que p e n s a va m os educadores do
p a s s a d o , o s q u a is n ã o vi a m n a p e s s o a h u m a n a s u a d i v e r s i d a d e , m a s q u e r i a m
q u e e l a f o s s e “ n o r m a l ” , is t o é h o m o g ê n e a , u m a m á lg a m a d e a l u n o s s e m
personalidade, desejo próprio, sem crítica, sem espontaneidade, enfim, que
fossem reprodutores verborrágicos dos conteúdos que o professor vomitava
do alto do seu pretenso saber.
Para essa estirpe de professor, os alunos eram meros
c ig a r r o s , o s q u a i s e r a m f u m a d o s e d e s c a r t a d o s , o b o m e r a e lo g i a d o , o
" r u im " e r a r e je it a d o .
O c o r r e q u e o s a l u n o s n ã o s ã o c ig a r r o s ; n ã o p o d e m s e r
r e je it a d o s e , e m p a r t i c u l a r , o a l u n o e m t e l a n ã o é " r u im " e n e m p o d e s e r
descartado.
E m o u t r a s p a l a v r a s , o s c o n t e u d is t a s , p r o f e s s o r e s f i lh o t e s
d e m o d e l o s a u t o r it á r i o s d e e d u c a ç ã o p a r a o q u a l o a l u n o , o u r e s p o n d i a à
m a n e ir a d o p r o f e s s o r o u s e r i a r e p r o v a d o , a in d a e s t ã o e n t r e n ó s , e s u a s

1
a t i t u d e s p e r m e i a m n o s s a s e s c o l a s . E x e m p lo d is s o é r e p r o v a r u m a l u n o ,
baseado em sua d e f ic i ê n c i a ou em comportamento que desagrade aos
d e f e n s o r e s d o m o d e lo e d u c a c i o n a l, a c i m a d e s c r i t o , e q u e , n u m a f i g u r a d e
l i n g u a g e m , p o d e m s e r d e f in i d o s c o m o a q u e le s f u m a n t e s , c u j o h á b i t o é t ã o
a n t i g o q u e o c i g a r r o já l h e i m p r e g n o u a p e le , p e n e t r o u - l h e n o s p u l m õ e s ,
contaminou-lhe o sangue, enfumaçou-lhe o cérebro, turvou-lhe o
e n t e n d im e n t o e d e i x o u - lh e c o m a m a r c a d o h á b it o n a s m ã o s , n a s r o u p a s , n a
alma. E isso não só fez mal àqueles fumantes (os professores), mas,
c o n t i n u a f a z e n d o a o s q u e , c o m e l e s t ê m c o n t a t o , a q u e m , d e l e s s e a p r o x im e ,
ou, por eles passe.
.....................................

No caso do jovem aluno Paulo, ele tem apenas 14


a n o s , s u a n e c e s s i d a d e e s pe c i a l , n e s t e m o m e n t o , e s t á e m r e c e b e r u m a
e du c a ç ã o qu e c o n t e m p l e s u a p e c u l i a r i d a d e d e a l u n o c o m T D A H . E i s s o
i m p l i c a , p o r e x e m p l o , e m t e r fl e x i bi l i d a d e n o s e u cu r r í c u l o ( e i s s o é
r e c o m e n d á v e l p a r a t o d o s ) , b e m co m o t e r a v a l i a ç ã o c o n d i z e n t e c o m
sua po t e n c i a l i d a d e , habilidade e i n t e l i g ê n ci a s , sem o que sua
avaliação pecará por ser parcial e discriminatória, baseada em indício
o u a p a r ê n c i a d e d e f i c i ê n ci a , já que o excluirá, como o fez, de estar
e n t r e s e u s c o l e g a s n a 7 ª s é r i e d o e n s i n o f u n d a m e n t a l ”.

A história de Ronald – Portador de Síndrome de ASPERGER

Nos autos do inquérito civil em referência a sra.


Terezinha Rocilda dos Santos, mãe de Ronald explica (fls.
22/24)):
“ q u e é e s p o s a d e m i l i t a r q u e ve io t r a n s f e r id o d e S ã o
P a u lo e m 0 5 / 0 4 / 2 0 0 3 ; q u e s e u f il h o R o n a l d D e n n y s P e r e i r a d o s S a n t o s f o i
m a t r i c u la d o n a 7 . ª s é r ie d o Co lé g i o d e A p li c a ç ã o p o r f o r ç a d e l e i ; q u e n a
época, o professor Honorato era professor de ciências de Ronald; que na
o c a s iã o d a m a t r í c u l a o c o l é g i o f o i i n f o r m a d o d o p r o b le m a d e R o n a l d ,
p o r t a d o r d e S í n d r o m e d e A s p e n , vi s t o q u e o s p a i s e n t r e g a r a m c ó p i a d e
a t e s t a d o id ê n t i c a a o q u e o r a j u n t a a o s a u t o s ; q u e r e c e b e u d i v e r s a s l ig a ç õ e s
d e H o n o r a t o r e c l a m a n d o d e R o n a ld , c o m o e x e m p l if ic a :
- o p r o f . H o n o r a t o l i g o u r e c l a m a n d o q u e d u r a n t e a s a u la s R o n a l d o
corrigia na frente da turma, chamando a atenção para questões
t é c n i c a s d e c iê n c i a c o m o n ú m e r o d e o s s o s i n f o r m a d o s in c o r r e t a m e n t e
pelo professor;

1
- n a s r e u n i õ e s d e p a is e p r o f e s s o r e s , a p ó s a s a íd a d e t o d o s , o p r o f .
Honorato pedia para conversar com seu marido para afirmar que ele
n ã o s a b i a c r ia r o f il h o ;
- o p r o f . H o n o r a t o l i g o u a f ir m a n d o q u e R o n a ld t e r i a p r o v o c a d o u m
i n c ê n d i o n o c o l é g io , a o q u e s e u m a r id o s e d i r i g i u a o e s t a b e l e c im e n t o
e constatou que o fogo teria sido em uma cadeira e em um fio, e que
Ronald teria agido a mando de colegas, que impuseram tal ato como
c o n d i ç ã o p a r a m a n u t e n ç ã o d e a m i z a d e q u e t e r i a m c o m R o n a ld ;
- o p r o f . H o n o r a t o li g o u r e c l a m a n d o q u e R o n a l d t e r i a r a b is c a d o o
b a n h e i r o d o c o l é g i o , a o q u e o m a r i d o d a d e p o e n t e s e d i r ig i u a o
e s t a b e l e c i m e n t o e v e r i f i c o u q u e o b a n h e ir o j á e r a b a s t a n t e s u j o e
r a b is c a d o a n t e s d e e v e n t u a l a t i t u d e d e R o n a l d , p e lo q u e n ã o i r i a
atender o pleito do prof. Honorato no sentido de pagar uma pintura;
- o prof. Honorato ligou para a depoente para reclamar que fora das
i n s t a l a ç õ e s d o c o l é g io , R o n a ld t e r ia j o g a d o u m a p e d r a e m u m ô n ib u s ,
c a u s a n d o p r e j u í z o d e R $ 7 0 0 , 0 0 , a o q u e s e u m a r i d o s o l ic i t o u a o
p r o f e s s o r q u e i n f o r m a s s e o n o m e d a e m p r e s a d e ô n i b u s p a r a q u e e le
pudesse tratar d ir e t a m e n t e com ela, informação negada p e lo
professor sob o argumento de que a reclamação teria chegado à
e s c o l a e q u e R o n a l d e r a a l u n o d a e s c o la ;
q u e o c o l é g io s e m p r e s o u b e d a c o n d i ç ã o d e R o n a ld , m a s m e s m o a s s i m v i v i a
p e d in d o n o v o s la u d o s , o s q u a i s i n c lu s i v e s e r i a m im p r e s c i n d í v e i s p a r a a
p r o m o ç ã o d e R o n a l d à 8 . ª s é r i e ; t a i s l a u d o s e r a m f o r n e c i d o s p e l a f a m íl i a ;
q u e R o n a l d f o i p r o m o v i d o p a r a a 8 . ª s é r ie ; q u e a d e p o e n t e r e s o lv e u t i r a r
Ronald do c o lé g i o , pois as constantes reclamações que recebia da
i n s t i t u i ç ã o , p o r m e i o d e H o n o r a t o e d a p s i c ó l o g a d o c o l é g io , s r a . E l i n e
Neves Braga Nascimento, tornaram inviável a permanência; que entende
como banais as reclamações, como p. ex. que R o n a ld não estava
a c o m p a n h a n d o a s a u l a s , n ã o f a z i a o s t r a b a l h o s d ir e it o e t c , a s q u a i s s e r i a m
c o r r i q u e i r a s ; q u e e m u m a d a s r e u n i õ e s , f o i e x i g id a a p r e s e n ç a d e a m b o s o s
p a is , s e n d o q u e a p ó s r e f e r i d a r e u n iã o f o i a b o r d a d a p o r b a r r a q u e i r o q u e
a f i r m o u q u e t o d o d i a , à s 1 0 d a m a n h ã , e m h o r á r i o d e a u la , R o n a l d e s t a v a
e m s u a b a r r a c a d e c o m é r c i o a s s i s t i n d o t e le vi s ã o , e s p e c i f i c a m e n t e D ig i m o n ;
q u e r e c l a m o u d o c o l é g i o s o b r e t a l f a t o , a o q u e lh e f o i r e s p o n d i d o q u e
aquele colégio era tipo faculdade; que discorda da atitude do colégio, pois
s e u f il h o e r a m e n o r d e i d a d e ; q u e n e s s a r e u n i ã o c o m a p r e s e n ç a d a
depoente e de seu marido, receberam a reclamação de que Ronald teria
e n t r a d o ( i n va d id o ) i n d e v i d a m e n t e i n s t i t u t o d e e d u c a ç ã o d i v e r s o p a r a b e b e r
á g u a , v i s t o q u e n o c o l é g i o e s t a v a f a l t a n d o ; q u e a p u r o u q u e a “ in v a s ã o ” n ã o
t e r ia s i d o a p e n a s d e R o n a l d , m a s d e g r a n d e p a r t e d o s a lu n o s d a e s c o l a ; q u e
recentemente recebeu uma ligação do prof. Honorato, o qual perguntou se a
depoente estaria lendo jornais, nos quais constava uma mãe de aluno que
t e r ia a p a r e c i d o n a vi d a d e l e p a r a i n f e r n i z á - lo e q u e a g o r a i r ia p r e ju d i c a r a

1
d e p o e n t e , v is t o q u e t e r i a c it a d o o n o m e d e s e u f i l h o R o n a l d n a i m p r e n s a ,
s e n d o p o s s ív e l a i n d a q u e r e f e r i d a m u l h e r v i e s s e a o f e r e c e r d i n h e i r o a
depoente para prejudicá-lo”.

Algumas Manifestações do Colégio de


Aplicação

Às folhas 11-12 dos autos o Coordenador Geral


do Colégio de Aplicação reconhece que referida instituição não
tem uma política específica dirigida a portadores de
deficiências físicas ou psíquicas, pois: a) a isso não estaria
obrigado por lei; b) só seria obrigado a receber “deficientes
‘capazes de se integrarem no sistema regular de ensino’”; c)
por que o CAp não conta, em seu corpo discente, com qualquer
aluno portador de deficiência física ou psíquica e d- por que
não haveria qualquer consenso, político ou acadêmico, a
respeito da conveniência de uma educação específica para
portadores de deficiência.
Os motivos alegados pelo Colégio de Aplicação
para não dispor de Educação Especial são improcedentes, como
se verá ao longo desta petição, mas importante desde logo
notar a natureza incontroversa de nossa alegação acerca da
inexistência do sistema especial.
Vejamos que alguns aspectos levantados pelo
CAP merecem imediato comentário:
PRIMEIRO, a lei obriga, ao contrário do que
pretende o colégio em comento, que todas as instituições de
ensino recebam alunos portadores de deficiência.
SEGUNDO, estabelecimentos separados só
podem ser admitidos para alunos deficientes incapazes de se
integrarem ao sistema regular de ensino.
Ocorre que a expressão “sistema regular de
ensino” não permite a interpretação de que o colégio não deve
se adaptar para receber portadores de deficiência, e sim que

1
casos extremos podem ser encaminhados a instituições
especiais.
No caso concreto, o CAp não está tratando
adequadamente alunos portadores de deficiência capazes de se
integrarem ao sistema regular de ensino.
TERCEIRO, a afirmativa de que o CAp não
conta com alunos portadores de deficiência pode derivar de
dois motivos; 1) o CAp conta com tais alunos, mas não se
preparou para reconhecê-los, e por isso os trata de modo
indiferenciado, ou 2) o CAp não conta com tais alunos pois
torna impossível a permanência dos que ingressam na
instituição, como é o caso de Paulo e Ronald acima referidos.
QUARTO, quanto à pretendida divergência
política ou acadêmica a respeito da conveniência de uma
educação específica para portadores de deficiência é questão
superada, pois sempre haverá alguém que discorde de qualquer
verdade científica e não deve o administrador público se
preocupar com tal pretensa divergência quando há lei expressa
determinando sua conduta, como a que obriga a implantação da
educação especial. Ademais, a simples existência de tal lei
refuta o argumento da inexistência de consenso político, pois
como todo texto legal, o que determina a educação especial é
fruto de tal consenso.

III. O DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO COMO


DIREITO FUNDAMENTAL

Segundo a moderna doutrina, a


fundamentalidade dos direitos pode ser compreendida no
4
sentido formal e material.
A fundamentalidade formal está ligada ao
sistema constitucional positivo, entendendo-se como direitos

4
MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos
direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5281>. Acesso em: 27 dez. 2005.
1
fundamentais aqueles previstos no Título II da CF/88, Dos
Direitos e Garantias Fundamentais .
Sob este aspecto, não há dúvida de que o
direito à educação é um direito fundamental, mormente em
razão de sua expressa previsão no art. 6º da Carta Republicana:
“são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição”.
Por sua vez, a fundamentalidade material
parte da premissa de que os direitos fundamentais repercutem
sobre a estrutura do Estado e da sociedade, sendo
imprescindível, portanto, a análise do seu conteúdo.
Também sob este prisma, a fundamentalidade
do direito à educação é inconteste. Vejamos.
A Constituição da República Federativa do
Brasil enuncia, em seu art. 205, que a educação é um direito de
todos e dever do Estado e da família e será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Do preceito constitucional em tela, infere-se
que a educação possibilita o pleno desenvolvimento da
personalidade humana, viabilizando, inclusive, o acesso ao
mercado de trabalho, e é um requisito indispensável à
concreção da própria cidadania. Por seu intermédio, o
indivíduo compreende o alcance de suas liberdades, a forma de
exercício de seus direitos e a importância de seus deveres,
permitindo a sua integração em uma democracia participativa. 5
Por outro lado, a efetividade do direito à
educação é um dos instrumentos necessários à construção de
uma sociedade livre, justa e solidária; à garantia do
desenvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e da

5
GARCIA, Emerson. O direito à educação e suas perspectivas de efetividade. Jus Navigandi, Teresina, a.
8, n. 480, 30 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5847>. Acesso em:
08 nov. 2005.
1
marginalização, com a redução das desigualdades sociais e
regionais; e à promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, CF/ 88).
A educação, assim, não obstante considerada
um direito social, é imprescindível à salvaguarda de direitos
relacionados à própria liberdade e dignidade do ser humano,
integrando o que a doutrina denomina de mínimo existencial.
Neste sentido, como leciona Ricardo Lobo
Torres, os direitos à alimentação, saúde e educação, embora
não sejam originariamente fundamentais, adquirem o status
daqueles no que concerne à parcela mínima sem a qual o
homem não sobrevive (grifos nossos). 6
O direito à educação, pois, é um dos
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da
pessoa humana, o que, associado ao fato de que está
intrinsecamente relacionado aos princípios fundamentais da
República Federativa do Brasil, torna indubitável a sua
essencialidade.

IV. DO DIREITO À EDUCAÇÃO ESPECIAL DAS PESSOAS


COM DEFICIÊNCIA

De acordo com o art. 208, III, da Constituição


Federal de 1988, o dever do Estado com a educação será
efetivado, dentre outros, mediante a garantia de atendimento
educacional especializado às pessoas com deficiência.
A fim de dar cumprimento a essa
determinação, o legislador editou as Leis n.º 7.853/89 e
9.394/96, cujos dispositivos prescrevem:

Lei 7.853/89

6
Os direitos humanos e a tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 129,
apud Ana Paula de Barcellos, Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana
na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, n. 221, 2000, p.
181.
1
Art. 2º - Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar
às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício
de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência
social, ao amparo à infância e à maternidade, e de
outros que, decorrentes da Constituição e das leis,
propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.
Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput
deste artigo, os órgãos e entidades da administração
direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua
competência e finalidade, aos assuntos objetos esta
Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a
viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes
medidas:
I - na área da educação:
a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação
Especial como modalidade educativa que abranja a
educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a
supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais,
com currículos, etapas e exigências de diplomação
próprios;
b) a inserção, no referido sistema educacional, das
escolas especiais, privadas e públicas;
c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação
Especial em estabelecimento público de ensino;
[...]
e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos
benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive
material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;
f) a matrícula compulsória em cursos regulares de
estabelecimentos públicos e particulares de pessoas
portadoras de deficiência capazes de se integrarem no
sistema regular de ensino.

Lei 9.394/96 (LDB)


Art. 4º - O dever do Estado com a educação escolar
pública será efetivado mediante a garantia de:
[...]
III - atendimento educacional especializado gratuito
aos educandos com necessidades especiais,
preferencialmente na rede regular de ensino;
[...]

1
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um;
[...]
Art. 58 - Entende-se por educação especial, para os
efeitos desta Lei, a modalidade de educação
escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de
necessidades especiais.
§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às
peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes,
escolas ou serviços especializados, sempre que, em
função das condições específicas dos alunos, não for
possível a sua integração nas classes comuns de ensino
regular.
§ 3º. A oferta de educação especial, dever
constitucional do Estado, tem início na faixa etária de
zero a seis anos, durante a educação infantil.
Art. 59 - Os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com necessidades especiais:
I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos
e organização específicos, para atender às suas
necessidades;
II - terminalidade específica para aqueles que não
puderem atingir o nível exigido para a conclusão do
ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e
aceleração para concluir em menor tempo o programa
escolar para os superdotados;
III - professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimento
especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas
classes comuns;
IV - educação especial para o trabalho, visando a sua
efetiva integração na vida em sociedade, inclusive
condições adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo,
mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem
como para aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou
psicomotora. (grifos nossos).

1
Dos enunciados antes transcritos, verifica-se,
desde logo, que o direito à educação especial já está
devidamente delineado pela legislação pátria, havendo, apenas,
a necessidade de serem adotadas medidas especiais visando à
sua efetiva implantação, quais sejam:

a) ADEQUAÇÃO DOS CURRÍCULOS E MÉTODOS


EDUCATIVOS (art. 59, I, Lei 9.394/96) - As instituições de
ensino devem adequar seus currículos e métodos educativos,
com o objetivo de incluir as pessoas com deficiência. Para
tanto, é preciso adaptar-se as técnicas de ensino às
especificidades exigidas de acordo com a deficiência de cada
educando, empregando-se, por exemplo, o método braile para os
deficientes visuais e o sistema de LIBRAS (Língua Brasileira de
Sinais, para os deficientes auditivos);

b) NECESSIDADE DE TERMINALIDADE ESPECÍFICA (art.


208, inc. V, da CF, e art. 59, II, da Lei 9.394/96)- As
instituições de ensino devem oferecer terminalidade específica
para os educandos que, em razão de sua deficiência, não
conseguem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental, adequando-se às necessidades das pessoas com
deficiência e não o contrário. A depender da situação concreta
não se pode exigir que o educando especial, necessariamente,
tenha o mesmo nível de aprendizagem que um educando sem
qualquer deficiência. De acordo com o Ministério da Educação
(MEC), a terminalidade específica se constitui numa:

[. . . ] cer ti fi ca çã o de co ncl us ão de es col ar i da de,


fu nda m enta da em a va l i açã o peda gógi ca , com
h i stór i co es col ar que a pr esen te de for m a
des cr i ti va , as ha bi l i da des e com petên ci as
a ti ngi da s pel os educa ndos com di fi cu l dades
a cent ua das de a pr endi z age m a sso ci ada s às
con duta s tí pi cas . É o ca so dos a l un os cuja s

1
n ecess i dades edu caci on ai s nã o l h es possi bi l i t a
a l can çar o ní v el de conh eci m ento exi gi do par a a
con cl us ão do en si no fun dam en tal , r es pei ta da a
l egi s l açã o exi s ten te e de a cor do com o re gi me nto e
o pr ojet o pe dagógi co da escol a ; 7

c) MENOR TEMPO DE CONCLUSÃO PARA OS


SUPERDOTADOS (art. 4º, V, Lei 9.394/96)- As instituições de
ensino devem ainda possibilitar que os educandos enquadrados
no perfil de superdotados possam concluir em menor tempo o
seu programa escolar. Segundo alguns especialistas, 5% da
população brasileira possui habilidades acadêmicas bem acima
da média, cujos talentos ser perdem por falta de incentivo e a
falta de preparo adequado dos professores para lidar com eles. 8

d) PROFESSORES ESPECIALIZADOS (art. 59, III, Lei


9.394/96)- É preciso, ainda, que as instituições de ensino
mantenham em seu quadro funcional professores habilitados a
implementar o sistema de educação especial, seja mediante a
oferta de curso de especialização para aqueles que já integrem
o seu quadro funcional, seja com a contratação de novos
profissionais capacitados para a integração dos educandos nas
classes comuns. Como exemplo, veja-se a formação especial do
intérprete de LIBRAS, que requer certificado, devidamente
registrado e expedido por instituição reconhecida pelo MEC, em
nível médio e/ou superior, cuja função é interpretar, em Língua
Brasileira de Sinais/ Língua Portuguesa, as atividades didático-
pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de
ensino que ofertam educação básica, superior e/ou educação
profissional;

e) IMPLANTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL PARA O


TRABALHO (art. 59, IV, Lei 9.394/96)- A fim de efetivar a
7
BRASIL. Ministério da Educação. Estratégias e orientações para a Educação de Alunos com Dificuldades
Acentuadas de Aprendizagem Associadas às Condutas Típicas/Secretaria da Educação Especial. Brasília:
MEC; SEESP, 2002. p. 43.
8
Disponível em: <http://www.nppd.ms.gov.br/noticia.asp?not_id=232.>. Acesso em: 14 mar. 2006.
2
integração das pessoas com deficiência na vida em sociedade,
as instituições de ensino devem, também, buscar implementar a
educação especial para o trabalho inclusivo, por meio de
articulação com os órgãos oficiais afins.

Enfim, diante de toda a regulamentação


infraconstitucional referente ao sistema de educação
especial, inexistem justificativas para a sua implantação,
devendo o Poder Público empregar todos os esforços neste
sentido, objetivando a plena inserção das pessoas com
deficiência no meio social.

V. DA IMEDIATA APLICABILIDADE DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, como é cediço, são


preceitos dotados de força normativa e aptos a produzir efeitos
concretos independentemente de regramento ulterior. Nesse
sentido, são os dizeres do art. 5º, § 1º, da Constituição Federal,
ao dispor que as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.
Como asseverado, é extreme de dúvidas que o
direito constitucional à educação especial é um direito
fundamental, devendo ser, de logo, assegurado o seu
exercício, sendo prescindível qualquer tipo de regulamentação.
Em comentário ao art. 208, III, da
Constituição Federal, Luís Roberto Barroso, afirma:

“Não parece haver dúvida que a primeira oração


do preceito define um direito a ser desfrutado
pelo deficiente: atendimento educacional
especializado. Com igual clareza se especifica a parte
obrigada a entregar a prestação: o dever é do Estado.
A parte final do dispositivo, é certo, contém linguagem
que lhe dá caráter programático: preferencialmente na
rede regular de ensino. Mas atente-se que a

2
inexigibilidade de uma prestação positiva verifica-se
apenas quanto ao acesso à rede regular de ensino.
Não, porém, quanto à obrigação maior de atendimento
educacional especializado, que não é condicional e,
pois, subsiste íntegra. Em outras palavras: o portador
de deficiência terá sempre acesso à educação especial,
que, se não puder ser prestada pela rede regular de
ensino, deverá ser prestada em qualquer escola
disponível, ainda que privada, às expensas do Estado”
(grifos nossos). 9

Ainda segundo o autor:

“As normas constitucionais definidoras de direitos


enquadram-se no esquema conceitual retratado acima,
a saber: dever jurídico, violabilidade e pretensão.
Delas resultam, portanto, para seus beneficiários
– os titulares do direito – situações jurídicas
imediatamente desfrutáveis, a serem materializadas
em prestações positivas ou negativas. Tais prestações
são exigíveis do Estado ou de qualquer outro eventual
destinatário da norma (dever jurídico) e, se não
forem entregues espontaneamente (violação do
direito), conferem ao titular do direito a
possibilidade de postular-lhes o cumprimento
(pretensão), inclusive e especialmente por meio
de uma ação judicial”. 10
(grifos nossos).

VI. DA POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA


ESPECIAL DE EDUCAÇÃO POR DETERMINAÇÃO JUDICIAL

Nos termos da Constituição, o ensino


obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, cujo acesso é
a todos garantido, aí incluídas as pessoas com deficiência.
Assim, há que se entender que a
implementação do sistema especial de educação decorre de
imperativo constitucional e legal, consoante exposto linhas

9
BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas. Renovar: São
Paulo, 2003, p. 152/153.
10
BARROSO, Luis Roberto, op. cit., p. 105.
2
atrás, não cabendo às instituições de ensino a análise
discricionária de sua efetivação.
Assim, descumpridas as normas que assegurem
a concretização de direitos fundamentais – cuja observância
independe, ressalte-se, de qualquer medida de intervenção
legislativa, porquanto derivar do próprio texto constitucional –,
caberá ao Poder Judiciário exigir a sua efetiva aplicação.
Desta forma, a determinação judicial que
imponha ao Poder Público o cumprimento desse dever não
encerra suposta ingerência do Judiciário na esfera da
Administração, uma vez que se trata de atividade vinculada,
cuja observância, como exposto, tem sido solenemente ignorada
pelo Poder Público.
Destarte, a Constituição Federal consagra o
direito à educação e a norma infraconstitucional o explicita,
cabendo ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que, para isso,
resulte na obrigação de fazer, com repercussão na esfera
orçamentária, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça,
mutatis mutandi , no que tange à obrigatoriedade da
implementação do direito constitucional à creche para menores
de até seis anos:

DIREITO CONSTITUCIONAL À CRECHE EXTENSIVO


AOS MENORES DE ZERO A SEIS ANOS. NORMA
CONSTITUCIONAL REPRODUZIDA NO ART. 54 DO
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. NORMA
DEFINIDORA DE DIREITOS NÃO PROGRAMÁTICA.
EXIGIBILIDADE EM JUÍZO. INTERESSE
TRANSINDIVIDUAL ATINENTE ÀS CRIANÇAS
SITUADAS NESSA FAIXA ETÁRIA. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. CABIMENTO E PROCEDÊNCIA.
1- O direito constitucional à creche extensivo aos
menores de zero a seis anos.é consagrado em norma
constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Violação de Lei Federal.
"É dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e
gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso
na idade própria;II - progressiva extensão da
2
obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;III -
atendimento educacional especializado aos portadores
de deficiência preferencialmente na rede regular de
ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às
crianças de (zero) a 6 (seis) anos de idade." 2- Releva
notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade
política nacional, erigida mediante consulta das
expectativas e das possibilidades do que se vai
consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas
promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto
letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que
direitos consagrados em normas menores como
Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis
Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos
consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais
altos valores éticos e morais da nação sejam relegados
a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à
creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade
política e constitucional, para utilizarmos a expressão
de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da
miséria intelectual que assola o país.
O direito à creche é consagrado em regra com
normatividade mais do que suficiente, porquanto se
define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu,
o Estado.
3- Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-
se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança.
Consectariamente, em função do princípio da
inafastabilidade da jurisdição consagrado
constitucionalmente, a todo direito corresponde uma
ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças
nas condições estipuladas pela lei encartam-se na
esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A
homogeneidade e transindividualidade do direito em
foco enseja a propositura da ação civil pública.
4- A determinação judicial desse dever pelo Estado
não encerra suposta ingerência do judiciário na
esfera da administração. Deveras, não há
discricionariedade do administrador frente aos
direitos consagrados, quiçá constitucionalmente.
Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão
de qualquer exegese que vise afastar a garantia
pétrea.

2
5- Um país cujo preâmbulo constitucional promete a
disseminação das desigualdades e a proteção à
dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da
defesa da Federação e da República, não pode relegar
o direito à educação das crianças a um plano diverso
daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas
garantias constitucionais.
6- Afastada a tese descabida da discricionariedade, a
única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na
natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou
definidora de direitos. Muito embora a matéria seja,
somente nesse particular, constitucional, porém sem
importância revela-se essa categorização, tendo em
vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a
normatividade suficiente à promessa constitucional, a
ensejar a acionabilidade do direito consagrado no
preceito educacional.
7- As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas
não são ainda direitos senão promessas de lege
ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo
Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua
implementação.
8- Diversa é a hipótese segundo a qual a
Constituição Federal consagra um direito e a
norma infraconstitucional o explicita, impondo-se
ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para
isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão
na esfera orçamentária.
9- Ressoa evidente que toda imposição
jurisdicional à Fazenda Pública implica em
dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a
harmonia dos poderes, porquanto no regime
democrático e no estado de direito o Estado
soberano submete-se à própria justiça que
instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os
poderes, o judiciário, alegado o malferimento da
lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar
a realização prática da promessa constitucional.
10- O direito do menor à freqüência em creche, insta o
Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede
própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e
atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a
mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar

2
não só da sociedade democrática anunciada pela Carta
Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da
dignidade humana.
11- O Estado não tem o dever de inserir a criança numa
escola particular, porquanto as relações privadas
subsumem-se a burocracias sequer previstas na
Constituição. O que o Estado soberano promete por si
ou por seus delegatários é cumprir o dever de
educação mediante o oferecimento de creche para
crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento
de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente
sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada,
etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo
para o particular, quer incluindo o menor numa 'fila de
espera', quer sugerindo uma medida que tangencia a
legalidade, porquanto a inserção numa creche
particular somente poderia ser realizada sob o pálio da
licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade
fosse uma longa manu do Estado ou anuísse,
voluntariamente, fazer-lhe as vezes.
12- Recurso especial provido.
(REsp 575.280/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel.
p/ Acórdão Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 02.09.2004, DJ 25.10.2004 p. 228). (grifos
nossos).

Revela-se ilícita , pois, a omissão do Estado


na espécie, impondo-se, in casu , efetivar, pela via judicial, a
concreção desses direitos.

VII. DO PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR

É inquestionável a relevância dos fundamentos


invocados na presente demanda, uma vez que o direito à
educação das pessoas com deficiência é reconhecido
expressamente como direito fundamental na Constituição de
1988, mediante preceito constitucional de aplicabilidade
imediata, devendo, pois, ser o sistema de educação especial
implantado, sem mais delongas, por todas as instituições
públicas de ensino.
2
De igual forma, o receio de ineficácia do
provimento final, consistente no periculum in mora , é patente,
porquanto a ré, quando instada a se manifestar, sequer
apresentaram maiores justificativas acerca de eventual
providência quanto à implantação do sistema de educação
especial.
Em razão da omissão da demandada, verifica-
se que o direito público subjetivo das pessoas com deficiência
está sendo violado diariamente, impondo-se a antecipação do
provimento final exatamente com vistas a fazer cessar essa
constante e irreparável lesão verificada.
Assim, presentes os pressupostos
autorizadores da concessão da medida liminar, previstos no §
3º, do art. 461, do CPC, requer o Ministério Público Federal a
concessão da tutela antecipada para:

I) determinar à UFPE que, num prazo não


superior a 6 (seis) meses , com vistas ao ano
letivo de 2008 e seguintes, a
implementação, no âmbito de suas esferas de
atuação, do sistema educacional de educação
especial para pessoas com deficiência,
previsto no artigo 2º, parágrafo único, inciso
I, alínea a, da Lei 7.853/89, instituído pelo
artigo 4º, inciso III, da Lei 9.394/96 (LDB), e
disciplinado pelos artigos 58 e 59 da mesma
Lei, notadamente quanto ao cumprimento dos
seguintes itens:

a) implementação de currículos, métodos e


técnicas de ensino e recursos educativos
específicos para atender às necessidades
dos educandos com deficiência;

2
b) oferecimento de terminalidade específica
para aqueles que não puderem atingir o
nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental, em razão de suas deficiências
física ou mental;

c) implementação de programa escolar


direcionado aos superdotados, com tempo
de duração diferenciada;

d) disponibilização de professores com


especialização adequada em nível médio ou
superior, com o objetivo de oferecer
atendimento especializado às pessoas com
deficiência física ou mental;

e) implementação da educação especial para o


trabalho, visando à efetiva integração das
pessoas com deficiência na vida em
sociedade, por meio, inclusive, de condições
adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho
competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para
aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou
psicomotora;

II) determinar à União que passe a destinar, já


a partir do ano em curso e para os anos
subsequentes , nos orçamentos respectivos, em
favor da instituição de ensino demandada,
recursos específicos capazes de suportar as
obrigações elencadas nos itens anteriores, sob
pena de cominação de multa diária de R$
50.000,00 (cinqüenta mil reais);
2
III) que seja à UFPE determinada a
apresentação de relatório trimestral a esse
Juízo, informando acerca da implantação do
referido sistema educacional;

VIII. PEDIDO PRINCIPAL

Diante de todo o exposto, confirmando-se a


tutela antecipada, requer o Ministério Público Federal:

I) determinar à UFPE que, num prazo não


superior a 6 (seis) meses , com vistas ao ano
letivo de 2008 e seguintes, a
implementação, no âmbito de suas esferas de
atuação, do sistema educacional de educação
especial para pessoas com deficiência,
previsto no artigo 2º, parágrafo único, inciso
I, alínea a, da Lei 7.853/89, instituído pelo
artigo 4º, inciso III, da Lei 9.394/96 (LDB), e
disciplinado pelos artigos 58 e 59 da mesma
Lei, notadamente quanto ao cumprimento dos
seguintes itens:

a) implementação de currículos, métodos e


técnicas de ensino e recursos educativos
específicos para atender às necessidades
dos educandos com deficiência;

b) oferecimento de terminalidade específica


para aqueles que não puderem atingir o
nível exigido para a conclusão do ensino
fundamental, em razão de suas deficiências
física ou mental;

2
c) implementação de programa escolar
direcionado aos superdotados, com tempo
de duração diferenciada;

d) contratação de professores com


especialização adequada em nível médio ou
superior, com o objetivo de oferecer
atendimento especializado às pessoas com
deficiência física ou mental;

e) implementação da educação especial para o


trabalho, visando à efetiva integração das
pessoas com deficiência na vida em
sociedade, por meio, inclusive, de condições
adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho
competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para
aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artística, intelectual ou
psicomotora;

II) determinar à União que passe a destinar, já


a partir do ano em curso e para os anos
subsequentes , nos orçamentos respectivos, em
favor da instituição de ensino demandada,
recursos específicos capazes de suportar as
obrigações elencadas nos itens anteriores;

III) que seja determinado à UFPE que


apresente relatório trimestral a esse Juízo,
informando acerca da implantação do referido
sistema educacional;

Requer, outrossim:

3
a) a citação das rés para integrarem a relação
jurídica processual, facultando-lhes
oportunidade para resposta;

b) a condenação das rés em custas e


honorários advocatícios, valores a serem
revertidos para a Conta Única do Tesouro
Nacional;

c) a produção de prova documental, pericial e


testemunhal, que se mostrarem necessárias.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil


reais).

Recife, 24 de maio de 2007.

Marcelo Mesquita Monte


Procurador da República

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