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1. Considerações Iniciais
Tem sido observado, ao longo dos últimos anos, que a implantação do Building
Information Modelling (BIM), ou “Modelagem da Informação da Construção”,
inicialmente adotada na esfera dos contratos privados, vem ganhando importância para a
realização de projetos, obras e serviços de engenharia, contratadas pelos setores públicos
de diversos países, mercê das vantagens relacionadas a economia, a qualidade e ao tempo
a ela atrelados, com a redução de retrabalhos e de aditivos contratuais.
País Ano1
EUA 2006
Finlândia
Noruega 2007
Dinamarca
Chile
2011
Holanda
Reino Unido 2012
França 2017
1
Obrigatoriedade de adoção do BIM, para a realização de obras e serviços na esfera Pública.
Ocorre que a experiência obtida junto aos países em que o BIM se encontra em fase
mais adiantada de implantação indica que: a celeridade proporcionada pelo modelo, a
crescente troca de informações e a progressiva criação de um ambiente de colaboração
entre os diversos atores envolvidos no empreendimento, acaba por gerar reflexos na forma
de relacionamento entre a Administração Pública Contratante e o Administrado
Contratado (pessoa física ou jurídica).
Nesse sentido, foi elaborado o presente artigo que busca avaliar essa tendência
colaborativa vivenciada nos países supracitados, à luz dos modelos contratuais adotados
pela Administração Pública Federal Brasileira, notadamente na recente Lei de Licitações
e Contratos Administrativos, e apresentar algumas soluções inicialmente vislumbradas de
modo a contribuir para que a Estratégia BIM BR citada no Decreto nº 10.306/2020, venha
a ser implementada de modo a explorar toda a potencialidade e benefícios trazidos por
essa modelagem.
Também merecem registro o fato de em 2015 terem sido publicados: o artigo intitulado
“Potencial uso do BIM na fiscalização de obras públicas” (MIRANDA:2015), na Revista
do Tribunal de Contas da União – TCU e, ainda, o "Caderno de Apresentação de Projetos
em BIM", do Governo do Estado de Santa Catarina, este último, contendo “os
procedimentos para desenvolvimento de projetos com BIM” a serem utilizados, como
anexo, “em editais para contratação de projetos desenvolvidos por meio dessa
tecnologia.” (SEPLAN-SC:2015).
2
Construção de edificação - Organização de informação da construção Parte 2: Estrutura para classificação
de informação
3
Cabe registrar que a instituição do CE-BIM, também havia sido contemplada, de forma suscinta, no
Decreto nº 9.377/2018.
Encerrando este breve histórico, temos a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 – “Lei
de Licitações e Contratos Administrativos”, a qual, em apertada síntese, destina-se a:
4
Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da
Administração Pública e dá outras providências.
5
Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI,
da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços
comuns, e dá outras providências.
6
Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC e altera diversas outras leis...
7
É importante mencionar o entendimento contido nos itens 10 e 11 das Conclusões do Parecer nº
00002/2021/CNMLC/CGU/AGU, expedido, em 08/06/2021, pela Câmara Nacional de Modelos de
Licitações e Contratos Administrativos (CNMLC) da Consultoria Geral da União: "[...] 10. Nos dois anos
a que se refere o art. 191, o gestor poderá eleger se em determinada contratação se valerá dos comandos da
Lei nº 8.666/93, da Lei n.º 10.520/2002 e dos artigos 1º a 47-A da Lei n.º 12.462/2011, inclusive
subsidiariamente, ou se adotará a Lei n.º 14.133/2021, inclusive subsidiariamente, nos termos do art. 189;
11. Em qualquer caso, é vedada a combinação entre a Lei nº 14.133/21 e as Leis 8.666/93, 10.520/2002 e
os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011, conforme parte final do art. 191; [...]" (grifo nosso)
8
Vide a parte final do §1º do art. 1º da Lei nº 14.133/2021.
9
Art. 181. Os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em
grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta
Lei. Parágrafo único. No caso dos Municípios com até 10.000 (dez mil) habitantes, serão preferencialmente
constituídos consórcios públicos para a realização das atividades previstas no caput deste artigo, nos termos
da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.
e) promover alterações nos incisos I e II da Lei nº 8.987/1995 e no caput do art.
10 da Lei nº 9.074/1995 (as quais, versam sobre a temática das Concessões e
Permissões de Serviços Públicos); e
f) dispor sobre a sua aplicação, de forma subsidiária, nas leis citadas na alínea e)
acima.
O segundo ponto a ser abordado consiste no fato de que, tanto a definição do BIM
quando da expressão “Modelo BIM”, que lhe é complementar, encontram-se descritas
nos incisos II e V do seu art. 3º:
Em que pese o fato deste artigo estar voltado para os aspectos jurídicos, a transcrição
das definições acima (bem como de trechos de outras áreas a serem igualmente
colacionados no presente trabalho), se faz necessária para demonstrar a complexidade
tecnológica, o caráter de inovação e a multidisciplinariedade do tema abordado.
Cabe ressaltar que nas 3 Fases apresentadas no quadro acima, as atividades contidas
na coluna “Objetivo” estão relacionadas a construções novas, reformas, ampliações ou
reabilitações, quando consideradas, no art. 10 do referido Decreto como:
a) de “grande relevância” para a disseminação do BIM, nas Fases 1 e 2; e
Registre-se, ainda, que de acordo com citado o art. 10, os órgãos e entidades
responsáveis pela implantação da disseminação das Fases supracitadas estão
expressamente mencionados nos incisos I e II do art. 2º do mesmo Decreto, quais sejam:
a) o Ministério da Defesa (MD), por meio das atividades executadas nos imóveis
jurisdicionados à Marinha do Brasil (MB), ao Exército Brasileiro (EB) e à Força
Aérea Brasileira (FAB); e
10
Define os empreendimentos, programas e as iniciativas de média e grande relevância para a disseminação
do Building Information Modelling - BIM, no âmbito do Ministério da Defesa
11
A portaria foi publicada no Diário Oficial da União em 15/07/2020, Edição 134, Seção 1, página 29.
A Portaria Normativa do MD também estabelece, em seu art. 2º, que as ações
de disseminação do BIM nela previstas “englobam as atividades executadas em imóveis
jurisdicionados ao Ministério da Defesa, à Marinha do Brasil, ao Exército Brasileiro e à
Força Aérea Brasileira", sendo as mesmas definidas no seu art. 3º.
b) a alínea c), do inciso II, que trata das ações definidas para o EB, somente
prevê a possibilidade de definição de outros projetos e obras que atendam
ao conceito de “média e grande relevância”, “após a consolidação de todo
o processo e desenvolvimento relacionado aos projetos mencionados nas
alíneas "a" e "b" na metodologia BIM” (grifo nosso); e
12
Ou seja, diferentemente do critério adotado pelo MD, que optou por elencar as obras a serem conduzidas
pelos Comandos de Força e, no caso específico da FAB, outras ações relacionadas a capacitação e ao
aprimoramento de ações e iniciativas que já vinham sendo por ela adotadas.
13
Define critérios para a classificação de empreendimentos em média e grande relevância para a
disseminação do Building Information Modelling - BIM, nos termos do Decreto nº 10.306, de 2 de abril
de 2020.
14
A vigência foi estabelecida de forma expressa no art. 3º da IN.
Entretanto, ao contrário da supracitada portaria do MD, a IN do MNFRA
previu, ainda, a adoção do BIM em uma ou diversas etapas relativas ao ciclo de vida da
construção, de acordo com o art. 5º do citado Decreto.15
15
A Portaria Normativa nº 56/GM-MD/2021, não cita o art. 5º do Decreto nº 10.306/ 2020 ou menciona
em seu texto a expressão “ciclo de vida”, o que não significa dizer que ele não deverá ser observado, de
forma implícita pelos Comandos de Força.
16
Entidades citadas no inciso II do art. 2º do Decreto nº 10.306/2020.
17
Termo que, na área da engenharia, serve para identificar um "trecho que se encontra delimitado entre
dois apoios subsequentes" ou "a parte de uma estrada...". cf. dicionário online de português. Disponível em
< https://www.dicio.com.br/tramo/ > Acesso em 20 mai. 2021.
Art. 2º [...]
Parágrafo único. Os órgãos e as entidades da administração
pública federal não referidos no caput poderão adotar as ações
de implementação do BIM nos termos do disposto neste
Decreto, independentemente da finalidade do uso do BIM,
prevista ou não neste Decreto, em quaisquer das fases do art. 4º.
(grifo nosso)
Com efeito, uma leitura do dispositivo supratranscrito permite inferir que, muito
embora a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos contemple a adoção do
BIM, o legislador não foi tão enfático como o Chefe do Poder Executivo Federal quando
da redação do Decreto nº 10.306/2020, o que pode ser explicado pelo fato de a nova Lei
não estar restrita à Administração Pública Federal (União), conforme demonstrado no
trecho do seu art. 1º abaixo colacionado:
Destarte, não é difícil vislumbrar que a expressão “sempre que adequada ao objeto
da licitação” e o vocábulo “preferencialmente”, contidos no §3º do art. 19, poderão vir a
ser considerados de forma diferenciada pelos órgãos e entidades das Administrações
Públicas submetidas à Lei nº 14.133/2021.
Mesmo porque, SMJ., os benefícios da a adoção do BIM (e, em alguns casos, a sua
própria existência) ainda não se encontram devidamente difundidos entre os demais
Poderes, Unidades da Federação e órgãos e entidades abrangidos pela nova Lei de
Licitações e Contratos Administrativos.
Além disso, por se tratar de uma metodologia inovadora, um outro ponto a ser
considerado é o “apetite ao risco” do Administrador responsável pela realização de uma
licitação e contratação que tende a sair da sua “zona de conforto”, podendo ensejar
eventuais questionamentos por parte dos órgãos de controle, com relação aos
procedimentos adotados na sua implementação.
Registre-se, por fim, que existem outros aspectos a serem considerados, os quais
estão relacionados ao próprio processo licitatório a ser conduzido pela Administração
para a contratação das obras e serviços a serem realizados com a adoção do BIM, os quais
estão previstos nos art. 11 (objetivos), art. 28 (modalidades de licitação), art. 33 (critérios
de julgamento), art. 46 (regimes de contratação) e art. 56 (modos de disputa), todos da
Lei nº 14.133/2021.
18
Coletânea Guias BIM ABDI-MDIC. Brasília: ABDI, 2017. Vol. 4
19
“Art. 3º Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se: [...] II - Building Information
Modelling - BIM ou Modelagem da Informação da Construção - conjunto de tecnologias e processos
integrados que permite a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de uma construção, de
modo colaborativo, que sirva a todos os participantes do empreendimento, em qualquer etapa do ciclo de
vida da construção”. (grifo nosso)
forma, complementados, a fim de que os benefícios do BIM possam vir a ser efetivamente
usufruídos pela Administração Pública Contratante.
20
Lei nº 8.666/1993: “Art.7º As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços
obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência: I - projeto básico; II - projeto
executivo; III - execução das obras e serviços. §1ºA execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida
da conclusão e aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores, à
exceção do projeto executivo, o qual poderá ser desenvolvido concomitantemente com a execução das obras
e serviços, desde que também autorizado pela Administração. [...] (grifo nosso)”
21
Entende-se por habilitados os profissionais registrados no CREA capazes de emitir a Anotação de
Responsabilidade Técnica (ART), que “é o documento que define, para os efeitos legais, os responsáveis
técnicos pelo desenvolvimento de atividade técnica no âmbito das profissões abrangidas pelo Sistema
Confia/Crea”, nos termos da Lei nº 6.496/1977. Definição obtida no site do Conselho Federal de
Engenharia- CONFEA. Disponível em <https://www.confea.org.br/servicos-prestados/anotacao-de-
responsabilidade-tecnica-art >. Acesso em 22 mai. 2021.
contratante acaba tendo que optar por licitar o próprio Projeto Básico e, posteriormente,
o Executivo, para, só então, licitar a obra propriamente dita, o que demanda um tempo
maior para a realização da licitação e, por vezes, gera problemas durante a execução, em
virtude de divergências entre os dois Projetos, podendo implicar no aumento do prazo e
do custo do empreendimento (sem contar os aspectos relativos à apuração de
responsabilidades).
Todavia, sabe-se que, na prática, em que pese o fato de que, à exemplo do DBB,
nos modelos contratuais alternativos supracitados (o DB e o CMAR) o relacionamento
da Administração fique formalmente ancorado na Contratada, vencedora do certame
licitatório, as eventuais divergências entre os diversos atores privados envolvidos na
realização do empreendimento (aparentemente “invisíveis” à Administração
Contratante), não raro acabam por ensejar pleitos por parte da Contratada, no tocante ao
aumento de prazo ou do preço originalmente ofertado, em decorrência de necessidades
de “adequações no projeto executivo”, as quais, a seu turno, segundo a Contratada,
estariam, de alguma forma, relacionadas ao “Projeto Básico” elaborado pela
Administração (ou por ela contratado por licitação), ou a “pleitos de reequilíbrio”
referentes a compra de insumos etc.
Segundo afirma FLEURY (2016), o EPC Turn Key Lump Sum, tem sido
utilizado em contratos de infraestrutura relacionados ao setor Elétrico, desde a década de
1980, com o a implantação da Usina de Angra I, inicialmente em virtude da própria
complexidade tecnológica envolvida e dos aspectos relacionados à segurança
proporcionada pelo tipo de contrato, cujas principais características foram acima
apresentadas, e, posteriormente, “no final da década de 1990 e início da década de 2000,
por ocasião da implantação do programa de privatização no Setor Elétrico”.
Cabe registrar, ainda, que ao longo do tempo, os modelos DB, CMAR e EPC,
acabaram por dar ensejo à criação dos regimes de contratação integrada e de contratação
semi-integrada, ambos incorporados ao Direito Administrativo Brasileiro, inicialmente,
por meio da Lei nº 12.462/2011 que instituiu o RDC, sendo, posteriormente, incluídos na
Lei nº 13.303/201622, conhecida como Lei das Estatais e, agora, foram incorporados à Lei
nº 14.133/2021.
22
Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
23
Haja vista que atuando em prol do interesse público, primário ou secundário a ser atendido por meio do
contrato de obra ou serviços de engenharia por ela firmado com o Contratado
b) a corrente que defende a criação de Protocolos BIM, a serem incorporados, como
anexos ou apêndices nos contratos de natureza transacional.
Obviamente, tal migração traz a reboque uma série de medidas voltadas para o
compliance e integridade, com aprimoramentos na área de controle e transparência.
Também de acordo com IPD Guide, em que pese a natureza personalizada dos
MPA, três formatos vêm ganhando destaque: as Single Purpose Entity (Sociedades de
24
The American Institute of Architects
Propósito Específico – SPE), as Project Alliances (Alianças de Projeto) e os Relational
Contracts (Contratos Relacionais).
Com efeito, a primeira delas, a SPE, não constitui novidade posto que já
integrada ao Direito Brasileiro, inicialmente no parágrafo único do art. 981 da Lei nº
10.406/2002 (Código Civil)25 e, posteriormente, no Direito Administrativo, com o
advento da Lei nº 11.079/200426. Trata-se de uma estrutura societária formal, constituída
para a realização de um propósito específico, que pode ser um projeto ou uma obra com
a adoção da modelagem BIM.
No que se refere aos Project Alliances e aos Relational Contracts, em que pese
o fato de serem utilizados em alguns países em que o BIM se encontra em fase adiantada
de implantação, tais formas de relacionamento contratual ainda não foram perfeitamente
assimiladas pelo Direito Administrativo Brasileiro e, possivelmente, a tentativa de sua
inclusão tenderá a sofrer uma resistência inicial por parte dos órgãos de controle e dos
administradores, haja vista a quebra de paradigmas por elas promovidas.
25
Que ao revogar a 1ª parte do Código Comercial de 1850, adotou a “teoria da empresa” em substituição
da “teoria dos atos do comércio”.
26
Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
pública.
27
Ao contrário dos consórcios, cuja efetiva constituição é permitida ao licitante vencedor, antes da efetiva
contratação (art. 15, §3º da Lei nº 14.133/2021).
“objetivos contrapostos” entre contratante e contratado28, por uma postura de colaboração
onde a Administração também passa a ser parte integrante do projeto, atuando em sinergia
com a contratada.
Tal transição, por certo, exigirá uma série de estudos com vistas a elaboração de
salvaguardas à Administração Pública, com criação de controles específicos ou
aprimoramentos dos existentes a fim de garantir a transparência e a preservação do
interesse público.
Não obstante, conforme NETO (2001), ao longo dos últimos anos, o Direito
Administrativo, cujas origens remontam à Revolução Francesa, vem passando por uma
série de mutações, no sentido de promover um “resgate histórico” às suas verdadeiras
origens, haja vista que, ao contrário do ocorrido com as outras duas “revoluções
28
Segundo essa linha de pensamento, a diferença entre os “contratos” e os “convênios” parte da premissa
de que, no primeiro, os objetivos entre as partes são contrapostos enquanto, no segundo, os objetivos são
coincidentes ou comuns.
29
Nesse sentido, FLEURY (2016), menciona o contrato de EPC Open Book, como instrumento que permite
a ampliação da sinergia entre as partes.
liberais”30, onde a participação popular se faz mais presente, quer pelo exercício do voto,
ou pelos meios de acesso à justiça, no caso da Administração Pública, o distanciamento
acabou sendo mantido, não mais na figura do Rei Absolutista, mas do Administrador
Público, que ao ser o intérprete do Interesse Público, acabou restringindo o status de
participação do Administrado, quando comparado ao do Eleitor e do Jurisdicionado.
Ainda segundo o mesmo autor, este resgate ou renovação está sendo orientado
por dois mega-princípios: o da eficiência e o da legitimidade, os quais, a seu turno,
desdobram-se em princípios políticos, técnicos e jurídicos. E, especificamente quanto aos
jurídicos, dois outros princípios passam a ter destaque: o da transparência e o da
consensualidade:
30
As “três revoluções liberais”, citadas pelo autor são: a Inglesa que, “preocupada em limitar o poder
monárquico”, voltou-se para fortalecer a instituição do “Parlamento”, servindo de base para o atual “Poder
Legislativo”, a Americana, que “preocupada em consolidar a soberania política do novo Estado”, assentou
as bases do “Poder Judiciário” e a Francesa, que “preocupada em varrer o absolutismo das instituições,
assentou as bases da Administração Pública contemporânea”
Com efeito, no que se refere ao princípio da transparência, cabe ressaltar, que a
denominada “era da informação” já gerou iniciativas por parte da Administração Pública
Federal no sentido de oferecer aos Administrados instrumentos de controle social, tais
como o “Fala.BR – Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação” e o “Portal
da Transparência”, ambos disponibilizados pela Controladoria Geral da União.
31
Parcerias Público-Privadas, previstas na Lei nº 11.079/2004.
14.133/2021, os contratos celebrados com base na Lei das Estatais são regidos pelos
preceitos do direito privado 32.
32
Nesse sentido, estabelece a Lei nº 13.303/2016: Art. 68. Os contratos de que trata esta Lei regulam-se
pelas suas cláusulas, pelo disposto nesta Lei e pelos preceitos de direito privado. (grifo nosso)
Em síntese, o progressivo avanço dos princípios jurídicos da transparência e da
consensualidade citados por NETO (2001), quando analisado à luz dos controles e
instrumentos de transparência, compliance e integridade já inseridos na Lei de Licitações
e Contratos Administrativos e, ainda, da evolução doutrinária no sentido do
reconhecimento do caráter de “colaboração” dos contratos administrativos, permitem
inferir que as Project Alliances e/ou os Relational Contracts citados no IPD Guide
(AIA:2017), poderão, em um futuro não muito distante, ser adotadas pela Administração
Pública Contratante, nos contratos BIM, com a esperada segurança jurídica e a
preservação do interesse público envolvido, o que, por certo contribuirá para que ela
venha a usufruir de todos os benefícios e potencialidades advindos da referida
modelagem.
Essa corrente é defendida por UDON (2012), que ao analisar o tema considera
que as questões jurídicas relativas à colaboração do Contratante e o Contratado poderiam
vir a ser incorporadas a um “Protocolo BIM”, a ser elaborado com base nos modelos BIM
da National Building Specification (NBS)33, o qual seria anexado aos contratos de obras
e serviços de engenharia elaborados a partir dos formulários e padrões criados e
fornecidos pela JCT34:
33
O National Building Specification (NBS) "é um sistema de especificação de construção baseado no
Reino Unido usado por arquitetos e outros profissionais da construção para descrever os materiais, padrões
e fabricação de um projeto de construção. [1] Foi lançado em 1973 e agora é usado por mais de 5000
escritórios." Disponível em < https://en.wikipedia.org/wiki/National_Building_Specification >. Acesso em
20 mai. 2021.
34
Formado em 1931, pelo Royal Institute of British Architects (RIBA) e constituído como sociedade
limitada a partir de 1998, o Joint Contracts Tribunal (JCT) é o responsável pela criação e o fornecimento
de modelos de contrato de obras e documentos decorrentes no Reino Unido, EUA e Canadá (JCT:2021)
que estão acostumadas ao adotar o BIM. Esta parece ser a melhor
abordagem, e tem amplo apoio (relatório de março de 2011, o
suplemento JCT para o Setor Público35 e os documentos de
protocolo BIM dos EUA).
(tradução livre)
35
Disponível em < http://corporate.jctltd.co.uk/wp-content/uploads/2016/03/JCT-Public-Sector-
Supplement-Dec20111.pdf >. Acesso em 27 mai. 2021.
36
Suplemento JCT para o Setor Público.
37
Disponível em < https://www.theb1m.com/video/bim-protocol-explained > Acesso em 22 mai. 2021
38
Utilizados do setor público na Estratégia de Construção do Governo do Reino Unido, bem como pelo
Conselho de Clientes de Construção, o Crown Commercial Service (agência governamental do Reino
Unido que fornece serviços comerciais ao setor público), o Conselho de Administração de Instalações do
Gabinete do Reino Unido, a Associação para Gerenciamento de Projetos e o Instituto Britânico de
Gerenciamento de Instalações (NEC: 2021)
disciplinar, no Contrato a ser celebrado, os critérios para o trato de eventuais divergências
entre as cláusulas contratuais e às do Protocolo BIM que constituirá um dos seus anexos.
Esta primeira fase possui, como objetivo explícito a ser alcançado, a elaboração
dos modelos de arquitetura referentes às disciplinas citadas nos itens 1 a 4 da alínea a) do
inciso I do art. 4º do Decreto nº 10.306/2020, não se tratando, portanto, de uma fase
destinada à execução e à gestão das obras propriamente ditas.
Com efeito, percebe-se que essa primeira Fase, focada na contratação de projetos
à luz da nova modelagem, também tem o objetivo implícito de preparar a Administração
Pública Federal e as pessoas físicas e jurídicas a serem contratadas, algumas delas já
utilizadoras do BIM, para juntos, promoverem o desenvolvimento da “Plataforma BIM
BR” (MDIC:2019), destinada a hospedar a “Biblioteca Nacional BIM” (BNBIM), “com
o objetivo de se tornar um repositório de bibliotecas virtuais BIM no Brasil.”
39
Art. 46. Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:
I - empreitada por preço unitário; II - empreitada por preço global; III - empreitada integral; IV - contratação
por tarefa; V - contratação integrada; VI - contratação semi-integrada; VII - fornecimento e prestação de
serviço associado.
40
Art. 28. São modalidades de licitação: I - pregão; II - concorrência; III - concurso; IV - leilão; V - diálogo
competitivo. §1º Além das modalidades referidas no caput deste artigo, a Administração pode servir-se dos
procedimentos auxiliares previstos no art. 78 desta Lei. §2º É vedada a criação de outras modalidades de
licitação ou, ainda, a combinação daquelas referidas no caput deste artigo.
julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para
concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor;
[...]
XLII - diálogo competitivo: modalidade de licitação para
contratação de obras, serviços e compras em que a Administração
Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados
mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma
ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades,
devendo os licitantes apresentar proposta final após o
encerramento dos diálogos;
(grifo nosso)
Mesmo porque, ainda que o projeto a ser contratado venha a utilizar “objetos
BIM”42 ou outros elementos porventura existentes na BNBIM, as probabilidades de que
ele venha a ser considerado objetivamente padronizável “em termos de desempenho e
qualidade, de manutenção, de adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com
41
"Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:[...] XXI - serviço de engenharia: toda atividade ou conjunto
de atividades destinadas a obter determinada utilidade, intelectual ou material, de interesse para a
Administração e que, não enquadradas no conceito de obra a que se refere o inciso XII do caput deste artigo,
são estabelecidas, por força de lei, como privativas das profissões de arquiteto e engenheiro ou de técnicos
especializados, que compreendem: a) serviço comum de engenharia: todo serviço de engenharia que tem
por objeto ações, objetivamente padronizáveis em termos de desempenho e qualidade, de manutenção, de
adequação e de adaptação de bens móveis e imóveis, com preservação das características originais dos
bens;"
42
De acordo com a definição contida no inciso IX do art. 2º do Regulamento Técnico da BBIM um "Objeto
BIM" constitui a "combinação de diferentes conteúdos que somados permitem uma representação digital
de um produto da construção, um acessório ou uma parte desses, ou, ainda, de um resultado da construção
que contempla suas características geométricas e que pode conter dados sobre funcionalidade, para a
operação, para a manutenção e reuso ou demolição do produto que representa."
preservação das características originais dos bens” afiguram-se muito baixas43, podendo
gerar questionamentos futuros perante os órgãos de controle.
43
Quando muito, segundo CORREA (2019), haveria a possibilidade de formulação de “pacotes de
trabalho” para “obras repetitivas”, com o uso do BIM 4D, mediante a adoção da estratégia e do método
utilizados na elaboração da sua Dissertação sobre o tema.
b) a necessidade de definição, pela Administração contratante, do “outro formato”
a ser exigido no edital de licitação; e
Com efeito é fato que o modelo BIM pode ser trabalhado a partir de diversos
softwares, tais como o “Audodesk Revit BIM”, o “Archicad”, o “Autodesk 360 BIM” e
o “BIMobjetc”, dentre outros, para os quais a expressão “em formato aberto (não
proprietário)” pode vir a assumir diferentes formatos, em que pese, como será visto mais
adiante, a Administração Pública Federal tenha optado pelo formato “.IFC” (Industry
Foundation Classes), difundido a partir dos países escandinavos.
Não obstante, há que se ter o cuidado de que “o outro formato” a ser exigido pela
Administração Contratante esteja alinhado com os parâmetros, esquemas e formatos
técnicos preconizados para a elaboração dos modelos de arquitetura referentes às
disciplinas citadas nos itens 1 a 4 da alínea a) do inciso I do art. 4º do Decreto nº
10.306/2020.
Cabe destacar, por fim, que a expressão “níveis de detalhamento”, também está
relacionada a um conjunto de definições técnicas, como por exemplo, o “Nível de
Desenvolvimento (ND)”44, o qual pode variar de ND100 a ND500, bem como a inclusão,
do objeto BIM, “dentro de parâmetros de informação e ficha técnica do software nativo”.
44
Grau em que a geometria do elemento e as informações anexadas foram conceituadas, ou seja, grau de
confiança que os membros da equipe do projeto depositam na informação ao utilizar o modelo.
45
Dispõe sobre a Estratégia Nacional de Disseminação do Building Information Modelling e institui o
Comitê Gestor da Estratégia do Building Information Modelling
os elementos, de ordem técnica, previstos no Regulamento Técnico da Biblioteca
Nacional BIM – BNBIM (2019), sob pena de a futura contratação decorrente do certame
realizado não vir a corresponder às expectativas da Administração Contratante, quer no
tocante a entrega do objeto propriamente dito, quer, ainda, quanto ao atingimento do
propósito da própria Fase 1, a qual consiste no desenvolvimento dos modelos, a detecção
de interferências físicas e funcionais, a revisão dos modelos de arquitetura e engenharia,
de modo a compatibilizá-los entre si, a extração de quantitativos e a geração de
documentação gráfica, os quais serão fundamentais para a implementação das 2ª e 3ª
Fases da Estratégia BIM BR.
Ocorre que o foco de implementação dessas novas fases, não se limita ao simples
desenvolvimento de projetos de arquitetura e engenharia, sendo acrescidas atividades de
execução direta ou indireta dos projetos desenvolvidos com a realização e a gestão das
obras e engenharia propriamente ditas.
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As quais ele anteriormente não detinha nas modelagens de Projetos e Obras anteriores ao BIM.
Mesmo porque, a manutenção da simples atuação fiscalizadora-punitiva, inerente
aos contratos transacionais, ou mesmo, o seu recrudescimento, provavelmente, não se
mostrará o melhor caminho inicial a ser seguido, pois poderá vir a levar a longos litígios47,
com a possibilidade de paralização da obra e de todos os inconvenientes dela advindos.
Destarte, no que se refere à adoção do BIM nas suas 2ª e 3ª Fases, onde haverá
uma necessidade maior de interação de troca de informações, inobstante a possibilidade
de utilização dos regimes citados na 1ª Fase, vislumbra-se que a contratação acabará
recaindo sobre os regimes de contratação integrada, contratação semi-integrada ou sobre
o regime de fornecimento e prestação de serviço associado, previstos respectivamente,
nos incisos V a VII do art. 46 da Lei nº 14.133/2021.
Tal situação decorre da própria definição desses regimes, contida nos incisos
XXXII a XXXIV do art. 6º da referida Lei de Licitações e Contratos Administrativos:
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Haja vista tratar-se de ações judiciais versando sobre contratos que envolvem metodologia e tecnologias
inovadoras, o que implica em perícias complexas etc.
Conforme acima demonstrado, a adoção desses regimes de contratação afigura-se
vantajosa haja vista que propicia uma maior integração entre os diversos atores privados
(projetistas, consultores, construtores etc.) que participarão do empreendimento, o que de
certa forma, tenderá a minimizar eventuais divergências entre eles, facilitando, ainda, a
migração dos dados, tanto os em “formato aberto” como os do “outro formato” a serem
exigidos no Edital de Licitação, que também indicará o software em que os dados, em
que ambos os formatos, serão migrados, integrados, trabalhados e visualizados pela
Administração Contratante e por toda a equipe multidisciplinar da Contratada,
responsável pela sua geração.
Não obstante, outra sugestão vislumbrada que poderá vir a contribuir para
aumentar a interação entre a Administração Contratante e o Contratado, dando maior
celeridade técnico-administrativa nas contratações relativas às Fases 2 e 3 da Estratégia
BIM BR, e propiciando um ambiente colaborativo, consiste na inclusão de cláusula de
Dispute Board Resolution (DBR) nos contratos administrativos, com a instituição de um
comitê de resolução de disputas composto por profissionais indicados pelas partes, a fim
de dirimir dúvidas e questões de ordem técnica, evitando ou minimizando, dessa forma o
envolvimento desnecessário dos escalões superiores das partes contratantes.
Art. 151. Nas contratações regidas por esta Lei, poderão ser
utilizados meios alternativos de prevenção e resolução de
controvérsias, notadamente a conciliação, a mediação, o comitê
de resolução de disputas e a arbitragem.
Parágrafo único. Será aplicado o disposto no caput deste artigo
às controvérsias relacionadas a direitos patrimoniais disponíveis,
como as questões relacionadas ao restabelecimento do equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, ao inadimplemento de
obrigações contratuais por quaisquer das partes e ao cálculo de
indenizações.
(grifo nosso)
Com efeito, observa-se que o parágrafo único do art. 151, possibilita a aplicação
dos meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias na hipótese de direitos
patrimoniais disponíveis, apresentando um rol exemplificativo, fato esse que possibilita
a inclusão de questões relacionadas aos aspectos técnicos e de interação/colaboração
proporcionados pela metodologia BIM.
8. Considerações Finais
Conforme apontado nas considerações iniciais, o presente artigo teve por objetivo
abordar alguns aspectos jurídicos a serem considerados, pela Administração Pública
Federal, quando da efetiva implantação do BIM, para a execução direta ou indireta de
obras e serviços de engenharia, à luz da recente Lei de Licitações e Contratos
Administrativos, conforme determinação contida no Decreto nº 10.306/2020, como parte
da disseminação da “Estratégia BIM BR”.
Isto porque, em que pese os inegáveis benefícios trazidos pelo BIM em todos os países
em que essa metodologia está em adiantada fase de implantação no Setor Público, a
crescente integração e o caráter colaborativo entre os entes governamentais contratantes
e os seus respectivos contratados, quando observados, à luz da Lei nº 14.133/2021
poderão vir a constituir desafios a serem superados pela Administração.
Tais desafios, relacionados a modelos de contratação previstos nas Leis que vieram a
ser substituídas pela nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, mas que foram
nela mantidos, poderão vir a dificultar a implantação das fases 2 e 3 da Estratégia BIM
BR, nas quais a integração e o caráter de colaboração entre a administração contratante e
o administrado contratado tenderá a ser mais acentuado.
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