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112.
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nunca conhecerão um tão elevado número de mestres e estudantes e o
método universitário — a escolástica — não construirá monumentos
mais resplandecentes do que as sumas de Alberto o Grande, Alexandre
de Halès, Roger Bacon, S. Boaventura, S. Tomás de Aquino.
O intelectual, que conquistou o seu lugar na cidade, revela-se
contudo incapaz de optar pelas soluções de futuro, perante as
hipóteses que se lhe deparam. Mergulhado numa série de crises que
poderíamos julgar de crescimento, e que anunciam afinal a maturidade,
não consegue optar pelo rejuvenescimento, instala-se em estruturas
sociais e em hábitos intelectuais em que se enredará.
As origens das corporações universitárias são frequentemente
para nós tão obscuras como as dos outros corpos de ofícios.
Organizam-se lentamente, à custa de conquistas sucessivas, ao sabor de
incidentes que se transformam em outras tantas oportunidades. Em
geral, os estatutos só tardiamente sancionam essas conquistas. Nunca
temos a certeza de que aqueles que possuímos sejam os primeiros.
E não há que estranhar. Nas cidades em que se formam, as
universidades manifestam, pelo número e qualidade dos seus membros,
uma força que inquieta os demais poderes. É lutando, ora contra os
poderes eclesiásticos ora contra os poderes laicos, que as
universidades adquirem a sua autonomia.
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abandonar o seu monopólio. Quando esse monopólio já não é
absoluto, nos locais em que as abadias detêm uma posição escolar
forte, são elas o adversário da corporação universitária. A cultura é de
facto um assunto de fé; o bispo reivindica a manutenção do controlo.
Em Paris, o chanceler perde, na prática, em 1213 o privilégio de
conferir a licença, ou seja, a autorização para ensinar. Esse direito passa
para os mestres da Universidade. Em 1219, na altura da entrada de
membros das ordens mendicantes na Universidade, o chanceler tenta
impedir essa novidade. É aí que perde as últimas prerrogativas. Em
1301 deixará mesmo de ser o chefe oficial das escolas. Durante a
grande greve de 1229-1231 a Universidade foi subtraída à jurisdição do
bispo.
Em Oxford, o bispo de Lincoln, a 120 milhas da Universidade, a
ela preside oficialmente por intermédio do seu chanceler, enquanto o
abade do mosteiro de Oseney e o prior de S. Frideswide apenas
têm posições honoríficas. Mas o chanceler será rapidamente absorvido
pela Universidade, eleito por ela; passará a ser oficial dela e não do
bispo.
Em Bolonha a situação é mais complexa. Durante muito tempo a
Igreja tinha-se desinteressado do ensino do Direito, considerado
actividade laica. Só em 1219 a Universidade recebe como chefe o
arcediago de Bolonha, que parece desempenhar a função de chanceler,
sendo por vezes assim designado. Mas a sua autoridade é, de facto,
exterior à Universidade. Contenta-se em presidir às promoções e
absolver as ofensas feitas aos seus membros.
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habitantes de seus estados que eram os universitários das cidades do
reino pretendiam eles impor uma autoridade que, com os progressos da
centralização monárquica do século XIII, tornavam cada vez mais
pesada aos seus súbditos.
Em Paris, a autonomia da Universidade é definitivamente adquirida
após os acontecimentos sangrentos de 1229, que envolveram os
estudantes e a polícia real. Num recontro, vários estudantes são
mortos pelos agentes reais. A maior parte da Universidade entra em
greve e retira-se para Orléans. Durante dois anos não há praticamente
aulas em Paris. Só em 1231. S. Luís e Branca de Castela reconhecem
solenemente a independência da Universidade, renovando e alargando os
privilégios que Filipe-Augusto lhe reconhecera em 1200.
Em Oxford, é graças ao eclipse do poder de um João sem Terra,
excomungado, que a Universidade obtém as suas primeiras liberdades
em 1214. Uma série de conflitos, em 1232, 1238 e 1240, entre os
universitários e o rei, termina com a capitulação de Henrique III,
assustado pelo apoio dado por uma parte da Universidade a Simon
de Montfort.
Mas também lutas contra o poder comunal. Os burgueses da
comuna irritam-se ao verem a população universitária escapar à sua
jurisdição, inquietam-se com a agitação, as rapinas, crimes praticados
por alguns estudantes, toleram mal que mestres e alunos limitem o
seu poderio económico ao fazerem tabelar as rendas, ao imporem
preços máximos para as mercadorias, ao fazerem respeitar a justiça
nas transacções comerciais.
Em Paris, é no seguimento de rixas entre estudantes e burgueses
que a polícia real intervém brutalmente em 1229. Em Oxford, é depois
do enforcamento arbitrário de dois estudantes pelos burgueses,
exasperados pelo assassinato de uma mulher em 1209, que a
Universidade dará, em 1214, os primeiros passos no sentido da
independência. Finalmente em Bolonha, o conflito entre a
Universidade e os burgueses é tanto mais violento quanto a Comuna
governa até 1278 a cidade, praticamente sem partilhar o poder, sob a
suserania
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longínqua do Imperador que, em 1158, na pessoa de Frederico Barba-
Roxa, concedera privilégios a mestres e estudantes. Mas a Comuna
impusera residência permanente aos professores, fizera deles
funcionários, passara a intervir na atribuição de graus. A nomeação do
arcediago limita a ingerência nos assuntos universitários. Uma série de
conflitos seguidos de greves e da partida de universitários que se
refugiam em Vicência, Pádua, Arécio e Siena, obriga a Comuna à con-
ciliação. A última luta teve lugar em 1321. A Universidade não mais
teve de suportar intervenções comunais.
Como é que as corporações universitárias sairam vitoriosas destes
combates? Antes de mais, pela sua coesão e determinação. Ameaçando
empregar e utilizando efectivamente essa arma terrível: a greve e a
retirada. Os poderes civis e eclesiásticos reconheciam demasiadas
vantagens na presença dos universitários — que representavam uma
clientela económica não desprezível, um viveiro insubstituível de
conselheiros e de funcionários, uma fonte resplandecente de
prestígio — para resistirem a tais meios de defesa.
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rum, considerada por alguns a Magna Carta da Universidade. Já em
1229 o pontífice escrevera ao bispo:
«Se um homem sabedor em teologia é semelhante à
estrela da manhã que brilha por entre o nevoeiro e deve
iluminar a sua pátria com o resplendor dos santos e
apaziguar as discórdias, tu não só negligenciaste esse
dever como, segundo as afirmações de pessoas dignas de
crédito, foi por causa das tuas maquinações que o rio do
ensino das belas-letras que, com a graça do Espírito
Santo, irriga e fecunda o paraíso da Igreja universal, saiu
do seu leito, isto é, da cidade de Paris, onde até então se
espraiava vigorosamente. Desde então, dividido por
diversos lugares, está reduzido a nada, tal como um rio,
saído do leito e desmembrado em diversos regatos, acaba
por secar.»
Em Oxford, é também um legado de Inocêncio III, o cardeal
Nicolas de Tusculum, quem oferece à Universidade o começo da sua
independência. Contra Henrique III, é Inocêncio IV quem a coloca «sob
a protecção de S. Pedro e do papa» e encarrega os bispos de Londres e
de Salisburia de a protegerem contra as investidas reais.
Em Bolonha, é Honório III quem coloca à cabeça da Universidade
o arcediago, que a defende contra a Comuna. A Universidade
emancipa-se definitivamente quando, em 1278, a cidade reconhece o papa
como senhor de Bolonha.
Facto de importância capital, este apoio pontifício. A Santa Sé
reconhece, sem dúvida, a importância e o valor da actividade
intelectual; mas as suas intervenções não são desinteressadas. Se subtrai
os universitários às jurisdições laicas, é para os colocar sob a
jurisdição da Igreja: assim, para conquistarem esse apoio decisivo, os
intelectuais vêem--se obrigados a escolher a via da integração
eclesiástica, contra a força da fortíssima corrente que os empurra
para o
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laicado. Se o papa liberta os universitários do controlo local da Igreja
— e não completamente, porque teremos ocasião de ver a importância
das condenações episcopais no domínio intelectual, durante este século
—, é para os sujeitar à Santa Sé, para os integrar na sua política, para
lhes impor o seu controlo e os seus propósitos.
Daí que os intelectuais se encontrem submetidos, como as novas
ordens, à Santa Sé que os beneficia para os domesticar. Sabe-se
como a protecção pontifícia afastou, durante o século XIII, as ordens
mendicantes do seu carácter e fins primitivos. Sabe-se, inclusivamente,
das reticências e da dolorosa retirada de S. Francisco de Assis perante
esse desvio da sua Ordem, empenhada a partir de então nas intrigas
temporais, na repressão da heresia pela força, na política romana. Do
mesmo modo, terminarão para os intelectuais a independência, o
empenho desinteressado pelos estudos e pelo ensino. Sem chegar ao
caso extremo da Universidade de Tolosa, fundada em 1229 por exigência
expressa dos papas, para lutar contra a heresia, todas as Universidades
passarão a ser objecto desta captação. É verdade que através dela
ganham a independência relativamente às forças locais, muitas vezes
mais tirânicas, o alargamento dos seus horizontes e do seu reflexo até
aos confins da cristandade inteira, a sujeição a um poder que soube,
frequentemente, dar prova de largueza de vistas. Mas vão pagar caro
estas conquistas. Os intelectuais do Ocidente vão tornar-se, em certa
medida, mas inevitavelmente, agentes pontifícios.
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Começa por ser uma corporação eclesiástica. Mesmo se os seus
membros estão longe de terem todos recebido ordens, mesmo se entre as
suas fileiras conta com um número cada vez mais elevado de puros
leigos, os universitários passam por serem todos clérigos, estão
abrangidos por jurisdições eclesiásticas, até mais: dependem de Roma.
Nascidos de um movimento que se encaminhava para o laicado, são da
Igreja, mesmo quando, institucionalmente, dela pretendem libertar-se.
Corporação cujo objectivo é o monopólio local e que beneficia
largamente com os desenvolvimentos locais ou nacionais (a
Universidade de Paris é inseparável do crescimento do poderio
capetíngio, a de Oxford está ligada à con solidação da monarquia
inglesa, a de Bolonha lucra com a vitalidade das comunas italianas), a
universidade é, de forma única, internacional, pelos seus membros —
mestres e estudantes vindos de todos os países —, pela natureza da sua
actividade — a ciência que não conhece fronteiras —, pelos seus
horizontes; sanciona a licentia ubique docenti, o direito de leccionar em
qualquer parte, de que beneficiam estatutariamente os graduados pelas
maiores universidades. Não tem, como as demais corporações, o
monopólio do mercado local. O seu terreno é a Cristandade.
Ultrapassa assim o quadro urbano em que nasceu. Mais: é levada
a opor-se, por vezes violentamente, aos habitantes das cidades, tanto no
plano económico como nos planos jurisdicional e político.
Parece portanto estar condenada a sobrepor-se às classes e grupos
sociais. Parece estar votada, relativamente a todos eles, a uma série de
traições. Para a Igreja como para o Estado ou a Cidade, pode tornar-se
um cavalo de Tróia. É impossível situá-la em termos de classe.
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dores, artesãos e populares, a que se chama a grande
cidade; outra, a dos nobres, onde está a corte do rei e
a igreja catedral, a que se chama a Cidade [Cite]; a
terceira, a dos estudantes e dos colégios, a que se
chama a Universidade.
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— a civil e a canónica — é quase total. Preponderância reforçada ao
longo do século pelo facto de se ter praticamente realizado a fusão dos
dois organismos. Há quase sempre um reitor único à cabeça da
instituição. Como em Paris, ele é uma emanação das nações, cujo
sistema é, em Bolonha, extremamente activo e complexo. As nações
estão agrupadas em duas federações, a dos Citramontanos e a dos
Ultramontanos. Cada uma se subdivide em múltiplas secções de
número variável (até dezasseis para os Ultramontanos), representadas
por conselheiros — consiliarii — que desempenham junto do reitor um
papel de importância considerável.
O poder da corporação universitária decorre de três privilégios
essenciais: a autonomia jurisdicional — no quadro da Igreja, com
determinadas restrições locais; possibilidade de apelar para o papa—, o
direito de greve e de retirada, o monopólio de atribuição dos graus
universitários.
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cimentos de ensino superior. Os nossos ensinos primário e secundário
eram ministrados parcialmente na universidade ou por ela controlados.
O sistema dos colégios — de que voltaremos a falar— contribuiu para
aumentar a confusão, ao facultar ensino aos seus membros desde que
tivessem mais de oito anos de idade.
Pode dizer-se que, de modo geral, o ensino de base das
universidades — o das artes — durava seis anos e era ministrado entre
os catorze e os vinte anos de idade; era o que prescreviam os estatutos
de Robert de Courson em Paris. Compreendia duas fases: o
bacharelato ao cabo de cerca de dois anos, o doutoramento no final dos
estudos. Medicina e Direito eram certamente ensinados a seguir,
entre os vinte e os vinte e cinco anos. Os primeiros estatutos da
Faculdade de Medicina de Paris prescrevem seis anos de estudo para
a obtenção da licença ou doutoramento em medicina depois de obtido
o mestrado em artes. Finalmente a teologia era obra de vulto. Os
estatutos de Robert de Courson determinam oito anos de estudo e idade
mínima de trinta e cinco anos para a obtenção do doutoramento. Na
realidade, a duração da aprendizagem do teólogo parece ter sido de
quinze a dezasseis anos: simples ouvinte durante os seis primeiros
anos, era depois obrigado a fazer estágios, isto é, explicar
nomeadamente a Bíblia durante quatro anos e as Sentenças de Pedro
Lombardo durante dois.
Programas
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enquanto em Bolonha apenas são explicados excertos, insistindo-se na
retórica com a De Inventione de Cícero e a Retórica para Herennius e
nas ciências matemáticas e astronómicas, nomeadamente com Euclides e
Ptolomeu. Na Faculdade de Direito Canónico, o manual de base é o
Decreto de Graciano, a que se acrescentarão, em Bolonha, as Decretais
de Gregório IX, as Clementinas e as Extravagantes. No Direito civil, os
comentários iam de preferência para as Pandectas, divididas em três
partes, Digestum Vetus, Infortiatum e Digestum Novum, para o Código e
ainda para uma colecção de tratados chamados Volumen ou Volumen
Parvum, que compreendia as Institutiones e as Authentica, ou seja, a
tradução latina das novelas de Justiniano. Bolonha acrescentava--lhes
uma colectânea de leis lombardas, o Liber Feudorum. A Faculdade de
Medicina apoiava-se na Ars Medicinae, recolha de textos reunidos no
século XI por Constantino o Africano, incluindo obras de Hipócrates e
de Galiano, a que vieram juntar-se, mais tarde, as grandes sumas
árabes: o Canon de Avicena, o Colliget ou Correctorium de Averróis, o
Almansor de Rhazès. Os teólogos acrescentavam à Bíblia, como textos
fundamentais, o Livro das Sentenças de Pedro Lombardo e a Historia
Scholastica de Pedro o Glutão.
Exames
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Algum tempo antes do exame privado o candidato era
apresentado pelo consiliarius da sua nação ao reitor, a quem jurava
preencher as condições exigidas pelos estatutos e que não tentaria
corromper os examinadores. Na semana que precedia o exame, um dos
mestres apresentava-o ao arcediago e respondia pela sua capacidade
para enfrentar a prova. Na manhã da mesma, depois de ouvir a missa
do Espírito Santo, o candidato comparecia perante o colégio dos
doutores e um deles entregava-lhe duas passagens para comentar. O
candidato retirava-se para sua casa, onde preparava o comentário que
apresentava à noite, num local público (quase sempre a catedral),
perante um júri de doutores, na presença do arcediago que não podia
intervir. Depois do comentário exigido, respondia às perguntas dos
doutores que seguidamente se retiravam e votavam. Obtida a decisão
por maioria, o arcediago tornava o resultado público.
Aprovado no exame, o candidato passava a licenciado, mas só
depois da prova pública adquiria o título de doutor e podia, de facto,
ensinar magistralmente. Nesse dia era conduzido com pompa até à
catedral, onde fazia um discurso e lia uma tese sobre uma questão de
direito, que defendia depois contra os estudantes que o atacavam,
desempenhando assim, pela primeira vez, o papel do mestre numa
disputa universitária. O arcediago concedia-lhe então, solenemente, a
licença para ensinar e as insígnias da sua função: uma cadeira, um livro
aberto, um anel de ouro, o gorro ou boina.
Ao jovem artista parisiense era imposto um grau preliminar. Sem
que se possa afirmá-lo com toda a certeza, prova-velmente só depois
desse primeiro exame, a determinatio, o estudante se tornava
bacharel. A determinatio era precedida por duas provas de acesso.
Primeiro, o candidato devia sustentar um debate com um mestre
durante as responsiones que tinham lugar no mês de Dezembro, antes
da Quaresma, altura em que decorreria o exame. Se fosse bem
sucedido na prova, era admitido ao exame determinantium ou baccala-
riandorum, em que devia provar que satisfazia as prescrições
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dos estatutos e manifestar, pelas respostas às perguntas formuladas por
um júri de mestres, que conhecia os autores inscritos no programa.
Ultrapassada esta barreira, surgia a determinatio: durante a Quaresma
dava uma série de aulas em que devia mostrar a sua capacidade para
prosseguir a carreira universitária.
Segunda etapa: o exame propriamente dito que conduzia à licença
para ensinar e ao doutoramento. Também aqui havia várias fases. A
mais importante consistia numa série de comentários e de respostas a
questões postas perante um júri formado por quatro mestres e
presidido pelo Chanceler ou pelo vice-Chanceler. O candidato admitido
recebia solenemente, alguns dias mais tarde, a licença para ensinar,
das mãos do chanceler, durante uma cerimónia em que devia fazer
uma conferência (collatio) que não passava de uma formalidade. Só
cerca de seis meses depois se tornava de facto doutor, no decurso da
inceptio que correspondia ao conventus de Bolonha. Na véspera tomava
parte numa discussão solene a que se chamava vésperas. No dia da
inceptio dava a lição inaugural perante toda a faculdade e recebia as
insígnias do grau.
Os estatutos universitários compreendiam finalmente toda uma
série de disposições que, tal como noutras corporações, definiam o
clima moral e religioso da corporação universitária.
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tomava consciência da sua profunda solidariedade. A tribo intelectual
manifestava-se nesses jogos, a que cada país trazia, por vezes, uma nota
característica: bailes na Itália, corridas de touros em Espanha.
Acrescentemos-lhes os ritos de iniciação não oficializados pelos
estatutos, que acolhiam o novo estudante no momento da chegada à
universidade: era um recruta, um caloiro, a que os nossos textos
chamam béjaune. Conhecêmo-lo por um documento curioso de época
posterior, o Manuale Scolarium, dos finais do século XV, onde é
possível entrever as origens remotas destes hábitos estudantis. A
iniciação do novo aluno é descrita como uma cerimónia de «purgação»
destinada a despojar o adolescente da sua rusticidade, quando não da
sua bestialidade, primitivas. Troçam do seu cheiro a animal selvagem,
do seu olhar perdido, das orelhas compridas, dos dentes que parecem
presas. Desembaraçam-no de cornos e de outras supostas
excrescências. Lavam-no e limam-lhe os dentes. Numa espécie de
confissão parodiada confessa enfim vícios extraordinários. O futuro
intelectual abandona assim a sua condição original que se aproxima
muito das imagens do camponês, do rústico da literatura satírica da
época. Da bestialidade à humanidade, da rusticidade a urbanidade, estas
cerimónias cuja origem primitiva aparece degradada e pro-
gressivamente esvaziada do conteúdo original, lembram que o
intelectual foi arrancado ao ambiente rural, à civilização agrária, ao
mundo selvagem da terra. O antropólogo teria alguma coisa a dizer
quanto à psicanálise dos clérigos.
A religiosidade universitária
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Em primeiro lugar, evidentemente, devoção para com os santos
padroeiros e sobretudo para com S. Nicolau, patrono dos estudantes,
para com S. Cosme e Damião, patronos dos médicos, e para com
muitos outros. Encontra-se com singular frequência na imagética
universitária a tendência corporativa para ligar intimamente o mundo
sagrado ao mundo profano dos ofícios. Gosta de lembrar Jesus entre os
doutores, de representar os santos munidos dos atributos dos
mestres, de os vestir com as vestes magistrais.
A piedade universitária inscreve-se nas grandes correntes da
espiritualidade. É visível nos estatutos de um colégio parisiense do
século XV, o da Ave Maria, a participação de mestres e estudantes na
devoção eucarística, então no auge, e na procissão do Corpus Christi.
Voltamos a encontrar na religiosidade dos intelectuais aquela
tendência da espiritualidade para, a partir do século XIII, se inscrever
nos quadros profissionais da sociedade, definidos pelo mundo urbano. A
moral profissional torna-se um dos sectores privilegiados da religião.
Os manuais de confessores, interessados em se adaptarem às
actividades específicas dos grupos sociais, regulamentam a confissão e
a penitência segundo as categorias profissionais, classificam e definem
os pecados dos camponeses, dos mercadores, dos artesãos, dos juizes,
etc... Dedicam uma atenção especial aos pecados dos intelectuais, dos
universitários.
Mas à religião dos clérigos não basta seguir as correntes da
devoção. Procura por vezes orientá-las, definir entre elas um sector que
lhe seja específico. Relativamente a este aspecto seria interessante
estudar a devoção mariana entre os intelectuais. Foi muito viva. Nos
meios universitários circulavam, desde o início do século XIII, poemas e
orações dedicados em particular à Virgem, cuja colectânea mais célebre
é a Stella Maris, da autoria do mestre parisiense João de Garlande.
Não é de espantar esta devoção; traz consigo uma presença feminina a
um meio que, apesar da herança dos Goliardos, é essencialmente
composto por homens e celibatários. Mas
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a devoção mariana dos intelectuais tem as suas características
próprias. Permanecerá impregnada de teologia e as discussões acerca da
Imaculada Conceição serão apaixonadas. Se um Duns Escoto se faz
passar pelo seu campeão inflamado, ela encontrará, por razões de
dogma, a oposição de um S. Tomás de Aquino, que aliás seguirá a
posição do grande devoto da Virgem que foi S. Bernardo, no século
anterior. Parece sobretudo terem os intelectuais tido a preocupação
de conservarem ressonâncias intelectuais no culto mariano. Dão a
impressão de desejarem evitar que caia numa prática excessivamente
afectiva e de pretenderem manter nele o equilíbrio entre as aspirações do
espírito e as expansões do coração. No prefácio da Stella Maris, João de
Garlande deixa transparecer ingenuamente essa tendência:
Os utensílios
100
mentos exigidos pelas suas actividades. No Dicionário do mestre
parisiense João de Garlande lê-se:
101
O livro como instrumento
1
La pecia dans les manuscrita universitaires du XIII et du XIV S., 1935.
102
de exemplares. A base deste trabalho é a pecia. Leia-se a des-crição do
padre Destrez:
103
inglesa, a bolonhesa. Também ela corresponde a um progresso técnico: o
abandono do fragmento de cana pela pena de ave, geralmente de pato,
que permite «maior agilidade e rapidez no trabalho».
A ornamentação dos livros diminui: as maiúsculas e as miniaturas
passam a ser feitas em série. Se os manuscritos de Direito continuam
em geral luxuosos, visto que os juristas pertencem quase todos a uma
classe rica, os livros dos filósofos e dos teólogos, quase sempre pobres,
só excepcionalmente contêm miniaturas. Muitas vezes o copista deixa
em branco o espaço para as maiúsculas e miniaturas, de forma que um
comprador modesto possa comprar o manuscrito assim mesmo,
enquanto um cliente mais rico poderá pintar os espaços reservados
para o efeito.
Acrescentemos a estes pormenores significativos a abundância
crescente de abreviaturas — é preciso produzir depressa —, os
progressos da paginação, da titulação, dos índices, a presença
esporádica de listas de abreviaturas, o recurso sempre que possível à
ordem alfabética na apresentação. Tudo se organiza para facilitar a
consulta rápida. O desenvolvimento do ofício de intelectual produziu
a era dos manuais — do livro manuseável e manuseado. Testemunho
evidente da aceleração da velocidade de circulação da cultura escrita
e da sua difusão. Fez-se uma primeira revolução: o livro deixa de ser
um objecto de luxo para passar a ser um instrumento. É um
nascimento, mais do que um renascimento, enquanto se espera pela
imprensa.
Instrumento, o livro torna-se um produto industrial e um
objecto comercial. À sombra das universidades cresce um povo de
copistas — são muitas vezes estudantes pobres que ganham assim a sua
subsistência — e de livreiros (stationarii). Indispensáveis à oficina
universitária, impõem a sua admissão como operários de pleno direito.
Obtêm o benefício de privilégios dos universitários, são abrangidos
pela jurisdição
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da universidade. Engrossam os efectivos da corporação, alargam-na até
às margens dos artesãos auxiliares. A indústria intelectual comporta as
suas indústrias anexas e derivadas. Alguns desses produtores e
comerciantes são mesmo já personagens importantes. A par «dos
artesãos cuja actividade se reduzia à revenda de livros a bom preço»
outros «tomam a dimensão do editor internacional.»
O método: a escolástica
Vocabulário
105
Dialética
Autoridade
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não são para nós senhores mas guias. A verdade está ao
alcance de todos, não foi ainda integralmente conquistada».
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Os exercícios: «quaestio», «disputatio», «quodlibet»
2
Revue Thomiste, 1928, pp. 267-269.
108
livres de assistir ou não; [.....]. O clero parisiense, bem
como os prelados e outras personalidades eclesiásticas de
passagem pela capital, frequentavam muito estes
torneios que apaixonavam os espíritos. A disputa era,
de facto, o torneio dos clérigos.
A questão a debater era previamente fixada pelo
mestre que devia sustentar a disputa. Era anunciada e
marcada nas outras escolas da faculdade [...].
A disputa desenrolava-se sob a direcção do mestre;
mas na realidade não era ele quem discutia. O
bacharel que dele dependia é que assumia a
responsabilidade de responder e assim iniciava a sua
aprendizagem deste tipo de exercícios. Geralmente as
objecções eram apresentadas, em aspectos diferentes,
primeiro pelos mestres presentes, depois pelos bacharéis
e, finalmente, se se justificasse, pelos estudantes. O
bacharel respondia aos argumentos propostos e, quando
necessário, o mestre prestava-lhe assistência. Era esta
sumariamente a fisionomia de uma disputa vulgar; mas
isto não passava da primeira parte, embora fosse a
principal e a mais movimentada.
As objecções apresentadas e resolvidas no decurso
da discussão, sem ordem preestabelecida, apresentavam-se
no final como uma matéria doutrinal bastante
desordenada, menos semelhante no entanto aos destroços
de um campo de batalha do que aos materiais
semitrabalhados de um estaleiro de construções. A esta
sessão de elaboração se seguia por isso uma outra a que
se chamava decisão magistral.
No primeiro dia legível, como se dizia então, isto
é, no primeiro dia em que o mestre que tinha sustentado
a disputa podia dar aula, visto que um Domingo ou
feriado ou qualquer outro obstáculo
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podia impedir que tivesse lugar precisamente no dia
seguinte ao da discussão, o mestre retomava na sua escola
o assunto discutido na véspera ou alguns dias antes.
Começava por ordenar, tanto quanto o assunto o
permitisse, segundo uma ordem ou uma sucessão lógica,
as objecções apresentadas contra a sua tese, dando-lhes
uma formulação definitiva. Após as objecções apresentava
alguns argumentos a favor da doutrina que ia propor.
Passava depois à exposição doutrinária, mais ou menos
extensa, sobre a questão debatida, exposição que fornecia
a parte central ou essencial da determinação. Terminava
respondendo a cada uma das objecções apresentadas
contra a doutrina da sua tese [...].
A acta de determinação, passada a escrito pelo mestre ou
por um ouvinte, constitui aqueles escritos a que
chamamos Questões disputadas e que são a última etapa
da discussão.»
3
La littérature quodlibétique, 1936.
110
par ao mestre para passar a caber à assistência. Nas
disputas vulgares, o mestre anunciou com antecedência
os temas de que se irá ocupar, reflectiu acerca deles e
preparou-os. Na disputa quodlibética, qualquer pessoa
pode lançar qualquer questão. E é aí que reside o
grande perigo para o mestre que a orientar. As
perguntas e as objecções podem surgir de todos os lados,
hostis, curiosas ou malévolas, não importa. Podem
interrogá-lo de boa fé, para conhecerem a sua opinião;
mas podem tentar fazê-lo cair em contradição consigo
mesmo ou obrigá-lo a pronunciar-se sobre temas
escaldantes que preferiria nunca abordar. Às vezes é um
estrangeiro curioso ou um espírito inquieto; às vezes é
um rival despeitado ou um mestre curioso que tentará
colocá-lo em situação pouco airosa. Por vezes os
problemas são claros e interessantes; outras vezes as
perguntas são ambíguas e o mestre tem muita dificuldade
em captar o seu exacto alcance e verdadeiro sentido.
Alguns refugiam-se candidamente no domínio puramente
intelectual; outros alimentam suspeitas de natureza
política ou de ataque pessoal... Aquele que pretender
sustentar uma disputa quodlibética terá, portanto, de
possuir uma presença de espírito pouco vulgar e uma
competência quase universal».
111
hábitos da escolástica passaram a fazer parte dos novos progressos do
pensamento ocidental. Seja como for, Descartes deve-lhe muito. Na
conclusão de um livro profundo, Etienne Gilson pôde escrever:
«Não é possível compreender o cartesianismo
sem o confrontar continuamente com essa escolástica
que desprezou, no seio da qual contudo se
instala e da qual se pode afirmar que o alimenta,
visto que a assimila».
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