Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Abstract: The Direct Action of Unconstitutionality (ADI) 5839, filed by the National
Confederation of Metallurgical Workers, had the scope to question the conditioning placed
on the removal of pregnant or lactating employees from activities considered unhealthy,
listed by the expression "when presenting a health certificate issued by a woman's trusted
physician, which recommends removal" of art. 394-A, II and III, Consolidation of Labor
Laws (CLT), introduced by the Labor Reform. In extensive and complex votes, the ministers
of the Court, by majority, defeated Minister Marco Aurelio, agreed to confirm the
precautionary measure and upheld the request formulated to declare the unconstitutionality
of the expression questioned, in accordance with the vote of Minister Alexandre de Moraes.
This production intends to analyze, from the historical perspective and the content of official
documents of the country, the reasons why the Ministers of the Court understood to be
unconstitutional the provision of the standard put into question in ADI 5839. In order to
provide the reader of information for the understanding and analysis of the issue brought to
the Supreme, the paper briefly addresses the important events and advances in relevant
periods of history in the construction of Fundamental Rights, focusing on the structuring of
women's and children's rights in society.
1
2
2
Key words: ADI 5839. Fundamental Rights. Women's and children's rights.
Palabras-clave: ADI 5839. Derechos Fundamentales. Derechos de las mujeres y de los niños.
Sumário. 1. Síntesis del juzgamiento de la ADI 5839. 2. Síntesis histórica de los derechos
fundamentales y la posición de las mujeres y la infancia en este escenario. 3. Los derechos de
la mujer y de la infancia en la Constitución Federal brasileña de 1988. 4. Análisis del
conflicto de derechos a partir de los votos emitidos en la ADI 5839. 5. Conclusiones. 6.
Referencias.
1
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a
empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) II - atividades consideradas
insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da
mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN
5938) III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido
por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº
13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938).
2
Art. 1 o A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943, passa a vigorar com as seguintes alterações.
4
Nesse sentido, numa visão hodierna, a positivação em série dos direitos fundamentais
é um fenômeno da modernidade, de modo que esses direitos nascem com o próprio Direito
Constitucional escrito no século XVIII, e que, antes disso, o que havia eram movimentos
efêmeros, declarações e/ou normas jurídicas à parte.2 Em suma, Constituição e direitos
1
RUSSOMANO, Rosah. A mulher na constituição brasileira e o sistema dos países americanos. Porto Alegre:
Tip. Santo Antonio do Pão dos Pobres, 1955.
2
PAGLIARINI, Alexandre. Direito Constitucional: primeiras linhas. Curitiba: InterSaberes, 2022.
5
Dito isso, para traçar um panorama geral do que comporta o instituto dos Direitos
Fundamentais na sociedade atual e o que engloba a proteção à mulher e à criança, é necessário
destacar que essas estruturas foram se concretizando - e ainda continuam a se concretizar, tal
como se fez na questão julgada pelo STF - ao longo da história, desde o início da formação da
vida em comunidade e da interação entre indivíduos, através de lutas e reivindicações
incessantes, de forma que cada conquista somada - essas que hoje constam no rol catalogado
dos direitos fundamentais - se deram em virtude de sua necessidade em determinado cenário
histórico.
Esse cenário, transportado para a realidade da mulher, se restringia ainda mais, pois
estas não eram autorizadas a ter acesso à escrita e eram impedidas de participar de debates
políticos da sociedade. Notadamente, essa marginalização imposta à mulher na construção da
sociedade se traduzia em uma visão patriarcal de que seu papel era o de constituir família -
destaque para o ponto em que, muitas vezes, eram vendidas sem direito de escolha para se
casarem e, mais grave, a depender de sua posição econômica e social, eram escravizadas ou
submetidas à prostituição - e de ser responsável pelas atribuições domésticas, apenas.
Por outro lado, na esfera das crianças e dos adolescentes, o que se tem do período é
uma ausência importante de atenção e proteção. Exemplo disso é o trabalho infantil comum
na época ou, ainda, a militarização de meninos a partir de seus sete anos, em Esparta. Em
síntese, pode-se registrar que o olhar voltado com atenção para a criança e para o adolescente
tem seus primeiros passos na modernidade, o que será abordado com mais profundidade
adiante.
Por derradeiro, destacam-se duas das mais relevantes declarações de direitos da Idade
Média, a Magna Charta Libertatum do ano de 1215 e o Tubinger Vertrag do ano de 1514, as
quais, ressalta-se, tratavam apenas de liberdades corporativas e privilégios de algumas classes.
No contexto do gênero, houve um pequeno avanço, pois nesse período, na França, há registros
de que mulheres administravam propriedades como senhoras feudais, o que, até então, não era
permitido. Com a ressalva de que esse domínio de propriedade se dava diante da autorização
de homens, pois a mulher não tinha direitos políticos ou de participação na sociedade, pode-se
1
RUSSOMANO, Rosah. A mulher na constituição brasileira e o sistema dos países americanos. Porto Alegre:
Tip. Santo Antonio do Pão dos Pobres, 1955.
2
No século XIII, a Igreja criou o Tribunal do Santo Ofício – que ficou conhecido como Inquisição – para
impedir que pessoas desvirtuadas dos ensinamentos cristãos deixassem de seguir a instituição. Para tanto,
utilizou-se de variados mecanismos de perseguição e punição. Os suspeitos, compostos majoritariamente por
mulheres, eram presos e considerados culpados até provarem sua inocência.
7
dizer que, se bem os direitos subjetivos e liberdades para toda pessoa humana não estavam
garantidos - aliás, longe disso -, o Cristianismo e as declarações da Idade Média contribuíram
para que fosse desenvolvida a ideia dos direitos fundamentais.
Foi na Idade Moderna que as remadas dos blocos históricos anteriores encontraram
eco e passaram a ver seus esforços se materializarem na prática, com a positivação de direitos
em declarações nacionais. Não obstante, no âmbito do gênero, as reivindicações das mulheres
passaram a ganhar robustez apenas anos mais tarde, mormente com a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão na França. Nas palavras de Rosah Russomano:
O que aponta a autora, nessa linha, é que, com o advento da era da máquina e da fase
industrial, houve um clamor pela colaboração da mulher, e esta, transpondo fronteiras do lar,
invadiu as fábricas e foi além, ingressou nas escolas primárias, nas secundárias e nas
superiores em busca do alicerce imprescindível para a sua efetiva libertação. Além disso, o
período de guerras sucessivas e a ida dos homens para o campo de batalha cooperaram para
que o valor da mulher não mais fosse subestimado, de tal modo que, nos escritórios, nas
indústrias, no comércio, nas escolas e nas cátedras superiores, as mulheres, na ausência dos
homens, tiveram a oportunidade de substituí-los. E assim o fez, como complementa
Russomano:
promulgado excluía a mulher da categoria de “cidadãs” -, e foi justamente esse cenário que
gerou efeitos para que, em Londres, no ano de 1792, Mary Wollstonecraft publicasse sua obra
“Reivindicação dos Direitos da Mulher”1, como uma resposta à Constituição Francesa
elaborada em 1791.
1
Ao Sr. Talleyrand-Périgord, antigo bispo de Autun
Prezado senhor,
Tendo lido com grande prazer um escrito que o senhor publicou recentemente, dedico-lhe este volume – a
primeira dedicatória que já escrevi – para induzi-lo a uma leitura atenta e porque acredito que o senhor me
entenderá, o que não suponho ocorrer com muitos dos que se consideram homens de espírito, os quais talvez
venham a ridicularizar os argumentos que não puderem rebater. Mas, senhor, o respeito que tenho por seu
entendimento vai ainda mais longe, tão longe que confio que não deixará meu trabalho de lado apenas por
concluir apressadamente que estou errada, já que não compartilha da mesma opinião que eu sobre o assunto. E,
perdão pela franqueza, mas devo observar que o senhor tratou o tema de maneira superficial demais,
contentando-se em considerá-lo como sempre foi feito, quando os direitos do homem, por não aludirem aos da
mulher, eram rebaixados como quiméricos. Por essa razão, agora recorro ao senhor a fim de avaliar o que
proponho a respeito dos direitos da mulher e da educação pública; e o faço com um tom firme de amor à
humanidade, porque meus argumentos, senhor, são ditados por um espírito desinteressado – eu advogo por meu
sexo, não por mim mesma. Há muito tempo considero a independência a grande bênção da vida, a base de toda
virtude; e tal independência quero garanti-la sempre, pela contenção de minhas necessidades, ainda que eu vá
viver em uma terra deserta. É, então, um afeto por todo o gênero humano que faz minha pena escrever
rapidamente para apoiar o que acredito ser a causa da virtude; e a mesma razão me leva a desejar de modo
sincero ver a mulher em uma posição a partir da qual avance, em vez de ser refreada, para o progresso desses
gloriosos princípios que dão substância à moralidade. De fato, minha opinião sobre os direitos e deveres da
mulher brota com tanta naturalidade de tais princípios fundamentais que me parece quase impossível que
algumas das mentes abertas, responsáveis por dar forma a sua admirável constituição, não concordem comigo.
Existe na França, sem dúvida, uma difusão mais ampla do conhecimento do que em qualquer parte do mundo
europeu, o que atribuo em grande medida à natureza das relações sociais há muito existentes entre os sexos. É
verdade – expresso meus sentimentos com liberdade – que na França a própria essência da sensualidade tem sido
extraída para regalar os voluptuosos, e uma espécie de luxúria sentimental tem prevalecido, o que, associado ao
sistema de má-fé ensinado por todo o teor de seu governo político e civil, conferiu um tipo sinistro de sagacidade
ao caráter francês, apropriadamente chamado de finesse; disso flui de maneira natural um refinamento de modos
que fere a substância, ao banir a sinceridade da sociedade. E a modéstia – a feição mais bela da virtude! – tem
sido até mais grosseiramente insultada na França do que na Inglaterra, a ponto de suas mulheres tratarem como
pudica aquela atenção à decência, observada de modo instintivo pelos brutos. Maneiras e moral são tão ligadas
que têm sido frequentemente confundidas; mas, ainda que as primeiras devessem ser apenas o reflexo natural da
última, quando causas diversas produzem maneiras artificiais e corruptas, adquiridas muito cedo, “moralidade”
torna-se uma palavra sem sentido. A reserva pessoal e o respeito sagrado pelo asseio e pela delicadeza na vida
doméstica, que as mulheres francesas quase desprezam, são os pilares graciosos da modéstia; mas, longe de
desdenhá-los, se a chama pura do patriotismo tocou seu coração, elas devem se esforçar para melhorar o senso
moral de seus concidadãos, ensinando os homens não apenas a respeitar a modéstia nas mulheres, mas também a
adquiri-la eles mesmos, como o único caminho para merecer-lhes a estima. Na luta pelos direitos da mulher, meu
principal argumento baseia-se neste simples princípio: se a mulher não for preparada pela educação para se
tornar a companheira do homem, ela interromperá o progresso do conhecimento e da virtude; pois a verdade
deve ser comum a todos ou será ineficaz no que diz respeito a sua influência na conduta geral. Como se pode
esperar de uma mulher que ela colabore, se nem ao menos sabe por que deve ser virtuosa? A não ser que a
liberdade fortaleça sua razão, até que ela compreenda seu dever e veja de que maneira este está associado ao seu
bem real. Se as crianças têm de ser educadas para entender o verdadeiro princípio do patriotismo, suas mães
devem ser patriotas; e o amor à humanidade, do qual surge naturalmente uma série de virtudes, só pode nascer
caso seja considerado o interesse moral e civil da humanidade; mas, hoje, a educação e a situação da mulher
deixam-na fora de tais indagações. Nesta obra, formulo muitos argumentos que me parecem conclusivos para
demonstrar que a noção prevalecente a respeito do caráter sexual subverteu a moralidade e sustento que, a fim de
9
características singulares. No entanto, ainda na Idade Moderna, era comum que crianças e
adolescentes trabalhassem em condições degradantes e exaustivas, com remunerações
ínfimas.
Pode-se dizer, então, que a atenção voltada para esse núcleo da sociedade tem seus
primeiros episódios fáticos na contemporaneidade, mormente com a Constituição de 1919 da
Organização Internacional do Trabalho, a qual inseriu em seu preâmbulo a proteção às
crianças.1 Além disso, também em 1919, foi fundada a organização não governamental
(ONG) “Save the Children”, que tinha por objetivo auxiliar órfãos da Primeira Guerra
Mundial e que foi responsável pela elaboração da Declaração dos Direitos da Criança de
Genebra adotada pela Liga das Nações em 1924, de forma a representar o surgimento dos
direitos das crianças e dos adolescentes.
Certo é que houve um alcance e uma alteração da concepção social em relação aos
direitos humanos, no entanto, seria ainda necessária a publicação de inúmeros outros
documentos, a fim de afirmar e reafirmar questões que, de forma genérica, foram tratadas na
Declaração da ONU. Neste ponto, destacam-se duas declarações aprovadas pela ONU nos
anos seguintes: a Declaração dos Direitos das Crianças, de 1959, que reconheceu a criança e o
adolescente como sujeitos de direitos e representou grande avanço nas garantias
internacionais destes, e, ainda, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979, que determinou que os Estados membros
da ONU deveriam tomar medidas para promover a igualdade de gênero e combater as
violações dos direitos das mulheres, a fim de eliminar a discriminação e práticas baseadas na
ideia de inferioridade de gênero.
Passaremos, neste item, a analisar de que forma a Constituição Federal de 1988 inseriu
em seu corpo os direitos fundamentais. Todavia, antes, serão abordados brevemente pontos
relevantes das constituições que a antecederam, de modo a traçar a evolução dos documentos
constitutivos do país e de que forma os direitos fundamentais - com destaque para os direitos
da mulher e da criança - foram recepcionados no âmbito interno.
autores Fernando Whitaker da Cunha e Francisco Campos2, que negam a existência jurídica
da Carta de 1937, porquanto tinha sua vigência condicionada a um plebiscito (art. 187)2, o que
nunca ocorrera. Não obstante as razoáveis ponderações citadas, consideraremos os
documentos como tais a fim de analisarmos os seus textos e contextos.
Não obstante a omissão da Carta Imperial quanto à infância, em 1854 foi publicado o
Decreto nº 1.331-A, que regulamentava a reforma do ensino primário e secundário, embora
não admitisse a matrícula e frequência nas escolas de “meninos” que padecessem de doenças
contagiosas, os que não tivessem sido vacinados e os escravos.4 Já em 1871, foi publicada a
Lei do Ventre Livre, que determinava que os filhos de mulheres escravizadas não seriam
igualmente escravizados.
1
Francisco Campos foi um dos autores protagonistas da Constituição de 1937.
2
Art. 187 - Esta Constituição entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma
regulada em decreto do Presidente da República.
3
Não se menciona nada em relação às mulheres na Constituição de 1824. Apenas os homens brancos que
tivessem propriedades eram considerados cidadão, sendo excluídos os escravizados, as escravizadas e as
mulheres livres dos detentores de direitos políticos da época.
4
Art. 69. Não serão admittidos á matricula, nem poderão frequentar as escolas: § 1º Os meninos que padecerem
molestias contagiosas. § 2º Os que não tiverem sido vaccinados. § 3º Os escravos.
14
Com isso, apesar das inovações institucionais trazidas pelo documento republicano, o
cenário que se tinha era o de convivência com uma cultura política conservadora e autoritária,
de modo que, novamente, se bem os direitos fundamentais - aqui, os direitos da primeira
geração, catalogados no artigo 72 - existissem em sua estrutura formal, ficavam prejudicados
na prática. Ademais, com as mudanças de descentralização advindas da Constituição de 1891,
que passou a magistratura ao domínio dos Estados e deixou o poder para as oligarquias, houve
uma regressão do sistema de garantias das liberdades individuais introduzidas pelo Império.
Por último, destaca-se que, se bem o período do Estado Novo fora um regime
ditatorial e recheado de violações contra as liberdades individuais, a Constituição de 1937
determinou ser competência da União a regulamentação de normas fundamentais de defesa e
de proteção da saúde, especialmente da saúde da criança, e instituiu o voto para as mulheres.
Além disso, algumas ações do governo foram convergentes com a grande massa de
trabalhadores, como a criação da Consolidação das Leis do Trabalho em 1943.
propor que a legislação do trabalho e previdência social deveriam observar, além de outros, a
proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho; higiene e segurança do trabalho; a
proibição de trabalho em indústrias insalubres a mulheres e menores de 18 anos; o direito da
gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem salário; assistência
sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva ao trabalhador e à gestante; e previdência,
mediante contribuição da União, do empregado e do empregador, em favor da maternidade.
Em 1964 o país sofreu um golpe de Estado promovido pelos militares, sob o pretexto
de zelar pela defesa da nação de ameaças comunistas e prezar pelo interesse comum dos
brasileiros. O período da ditadura militar, como típico dos regimes ditatoriais, suspendeu a
garantia dos direitos fundamentais, assim como o regime constitucional. Nesse sentido, a fim
de velar a ilegalidade do golpe, a Constituição de 1947 foi mantida, em seu aspecto formal,
vigente. No entanto, a Carta já não produzia seus efeitos na prática, uma vez que os “Atos
Institucionais” (AI) encerravam a suspensão da Lei Maior quando conviesse ao “interesse da
paz e da honra nacional”.1
A nova Constituição fora imposta ao Congresso, que aprovou o texto sob pressão e
repressão, e o documento passou a ter vigência em 1967, dando ênfase nas questões de
segurança nacional e centralizando o poder na União, e esta, nas mãos do Poder Executivo.
Ainda, considera-se que o ato praticado pelo Congresso fora uma mera homologação
congressual, de tal sorte que, em termos técnicos, a Carta de 1967 deve ser compreendida
como outorgada, ainda que com o ‘beneplácito’ do Legislativo. 2 Por derradeiro, no campo dos
avanços que aqui nos envolve, a aposentadoria da mulher, aos trinta anos de trabalho, com
salário integral, se apresenta de forma isolada.
VII - férias anuais remuneradas; VIII - higiene e segurança do trabalho; IX - proibição de trabalho a menores de
quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores, de dezoito anos; e de trabalho noturno a
menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções
admitidas pelo Juiz competente; X - direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do
emprego nem do salário; XI - fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados
em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos do comércio e da indústria; XII - estabilidade, na
empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei
estatuir; XIII - reconhecimento das convenções coletivas de trabalho; XIV - assistência sanitária, inclusive
hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante; XV - assistência aos desempregados; XVI -
previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra
as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte; XVII - obrigatoriedade da instituição do seguro
pelo empregador contra os acidentes do trabalho.
1
Art. 10 - No interesse da paz e da honra nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, os
Comandantes-em-Chefe, que editam o presente Ato, poderão suspender os direitos políticos pelo prazo de dez
(10) anos e cassar mandatos legislativos federais, estaduais e municipais, excluída a apreciação judicial desses
atos.
2
BARROSO, Luis Roberto. 2010, p. 35-37 apud SARLET, 2018, p. 251.
17
Após o devasso período de ditadura militar no Brasil, o país passou por uma “abertura
democrática”, entre 1978 e 1985, e teve seu ponto relevante, no que concerne ao levante da
democracia, em 1984, com as “Diretas Já” - embora o movimento não tenha conseguido fazer
com que a Emenda Constitucional3 que previa as eleições diretas para Presidente da
República fosse aprovada pelo Congresso Nacional. Em que pese a negativa, as eleições
diretas em todos os níveis vieram com a Constituição de 1988.
Ainda em 1984, aqueles defensores das “Diretas Já” venceram as eleições indiretas
para Presidente da República, elegendo Tancredo Neves para Presidente e José Sarney como
Vice-presidente. Com o falecimento de Tancredo Neves antes de sua posse, assumiu José
Sarney como primeiro Presidente civil após 20 anos de ditadura, dando início a um novo ciclo
da história política no Brasil, a Nova República, e com ela a necessidade de se elaborar uma
nova Constituição e, dessa vez, democrática.
1
ATO INSTITUCIONAL Nº 5, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro
de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e
municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos
pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências.
2
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 1, DE 17 DE OUTUBRO DE 1969. Edita o novo texto da Constituição
Federal de 24 de janeiro de 1967.
3
PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.º 5, DE 1983. Dispõe sobre a eleição direta pra Presidente
e Vice-Presidente da República.
18
A Constituição de 1988 inova quando insere em seu corpo, mesmo que de forma
dispersa, direitos de terceira geração, aqueles considerados os de solidariedade ou fraternidade
- direito a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao progresso, à
paz, à autodeterminação dos povos, entre outros direitos difusos. Além disso, foi a primeira
vez que o constituinte inseriu os direitos fundamentais como cláusula pétrea.
De início, a disposição do art. 5º, inciso I, que preceitua que homens e mulheres são
iguais em direitos e obrigações, na atualidade, parece ser algo trivial, no entanto, naquele
momento, em que se construía a nova constituinte, o que se registrou é que, perante a
sociedade, o Estado, no campo do trabalho, no âmbito doméstico, nas atribuições familiares,
na política, entre homens e mulheres, haverá plena igualdade jurídica.
Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes, um documento que orientou o trabalho dos
constituintes, entregue ao então presidente da Assembleia Constituinte de 1985, Ulysses
Guimarães.
1
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido: I - praticar os atos que êste não poderia sem
consentimento da mulher; II - Alienar ou gravar de ônus real, os imóveis de seu domínio particular, qualquer que
seja o regime dos bens; III - Alienar os seus direitos reais sôbre imóveis de outrem; IV - Contrair obrigações que
possam importar em alheação de bens do casal.
20
assistia razão à autora e que, portanto, ao seu ver, tratava-se de norma inconstitucional aquela
impugnada, porquanto diminuía a tutela de direitos sociais indisponíveis.
Além disso, Edson Fachin apontou que a demanda posta merece um olhar voltado
para a posição da mulher na sociedade e no mercado de trabalho e justificou que os impactos
da legislação impugnada são diretamente relacionados com a autonomia das escolhas da
mulher e das suas necessidades impostas pela condição de gestante ou nutridora de recém-
nascido. E, nessa toada, afirmou que os argumentos apresentados pela Advocacia Pública - ao
asseverar que a hipótese consiste em opção legislativa que, adequadamente, estimula a
igualdade no momento de admissão dos trabalhadores - neutralizam a prática discriminatória
em razão do sexo.
não apenas à mulher como sujeito de direitos dotada de auto-determinação, mas também ao
nascituro e à criança recém-nascida.
A ministra Rosa Weber proferiu um íntegro e extenso voto - do qual foram utilizadas
inúmeras informações de relevância para a confecção deste documento -, de modo tal que
traçou considerações históricas acerca da escalada de conquistas dos direitos da mulher,
mormente em relação ao ambiente de trabalho, e da proteção à infância nas cartas normativas
que orientam as diretrizes do país.
Lembrou ainda Rosa Weber que a Reforma Trabalhista, no tema sensível da proteção
da maternidade e da infância, deve ser apreciada de forma fiel aos princípios informadores do
segmento jurídico centrado no trabalho humano. E afirmou que, diante da dinâmica da vida,
do fenômeno da globalização dos incessantes avanços tecnológicos contemporâneos, se faz
necessário atualizar e aperfeiçoar a legislação trabalhista e adequá-la às novas realidades
decorrentes da automação. Para Weber, é pressuposto de toda reforma o amplo debate prévio,
a maturação de ideias, a formação de possíveis consensos, considerados e sopesados os
diferentes enfoques e as perspectivas dos distintos atores envolvidos, de forma a produzir ora
o ampliar do foco, ora o aguçar das lentes de observação, visando sempre ao aperfeiçoamento
dos institutos e das regras vigorantes.
Por derradeiro, a ministra afirmou que a alteração, promovida pela norma questionada,
implicaria inegável retrocesso social, por revogar a norma proibitória de trabalho por parte da
empregada gestante e lactante, introduzida no sistema normativo trabalhista pela Lei nº
13.287/2016, além de diminuir o valor do direito fundamental à saúde da mãe trabalhadora,
porquanto transfere ao próprio sujeito tutelado a responsabilidade pela conveniência do
afastamento do trabalho. Isto é, na definição do ministro Celso de Mello citada pela ministra,
o princípio do não retrocesso social obsta o desmantelamento das conquistas normativas já
alcançadas em determinado contexto social e traduz-se em dimensão negativa dos direitos
sociais, em que é vedada a supressão ou redução dos patamares de sua concretização sem que
sejam implementadas políticas compensatórias.
O ministro Luiz Fux, por sua vez, acompanhou o relator no sentido de que as
atividades consideradas insalubres realizadas por empregadas gestantes ou lactantes, mesmo
que não apresentem atestado de saúde emitido por médico de sua confiança que recomende o
afastamento durante a gestação, são inconstitucionais, por violarem a proteção à família, à
igualdade de gênero, aos valores sociais do trabalho e à saúde.
Nesse sentido, o ministro Fux pontuou individualmente cada razão pela qual
fundamentou seu entendimento. Acerca da inconstitucionalidade da norma por violação à
proteção à família, asseverou que esta é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado
e, mais especificamente, está inserto no art. 6º - proteção à maternidade: impede que a
gravidez ou a amamentação sejam motivos para fundamentar qualquer ato contrário ao
interesse da mulher (principalmente quando o ato lhe impõe grave prejuízo) -, e no art. 226,
§7º - direito ao planejamento familiar: o desenvolvimento da família deve ser decisão
exclusiva de seus próprios membros, sem a interferência externa e, portanto, por força desse
direito, não se pode admitir qualquer ingerência alheia com vistas a restringir ou condicionar
o planejamento familiar. Ainda nesse ponto, o ministro acentuou que, ao condicionar o
afastamento à apresentação de atestado de saúde emitido por médico de confiança da mulher
que recomende o afastamento durante a gestação ou a lactação, a norma impugnada impõe o
ônus de proteção à saúde da mulher e da criança às mulheres trabalhadoras.
24
Ademais, esclareceu Luiz Fux que, consentâneo com o ideário de igualdade material
da mulher e promoção de sua liberdade de escolha profissional, a proteção à trabalhadora
gestante e lactante assegura a autonomia existencial para fins reprodutivos e acrescentou:
diante das elevadas taxas de desemprego, que atingem ainda mais diretamente a mulher no
mercado de trabalho, inexiste, muitas vezes, planejamento familiar capaz de conciliar os
interesses profissionais e maternais e, por isso, a “escolha” majoritariamente impõe às
mulheres o sacrifício de sua carreira, o que acarreta em direta perpetuação de desigualdade de
gênero. Desse modo, para o ministro, sequer se cogite de que a norma estabelece uma
alternativa; o cinismo dessa falsa liberdade oculta o enraizamento da discriminação social que
recai sobre a mulher e, ainda que se tratasse de direitos disponíveis - o que para o julgador
evidentemente não era o que ocorria na hipótese -, a escolha da trabalhadora de apresentar
atestado ao empregador, a fim de afastar-se dos fatores insalubres, não se dissocia das amarras
socialmente construídas do dever de maternidade, da proteção do nascituro, da
responsabilidade pela harmonia familiar, que recaem, segundo o ministro,
desproporcionalmente sobre a mulher.
5 CONCLUSÕES
O que se extrai da análise dos votos dos ministros da Corte, no julgamento da ADI
5839, ao decidirem acerca da constitucionalidade da norma questionada - que impunha à
mulher trabalhadora gestante ou lactante o ônus de comprovar a necessidade de seu
afastamento do trabalho em ambiente insalubre, através de atestado confeccionado por
médico de sua confiança -, é uma grande valoração das lutas por direitos imprimidas ao longo
da história; é o reconhecimento de que a busca por mudanças e avanços na garantia de direitos
da mulher e da infância é registro intocável na Constituição brasileira; e que a vedação ao
retrocesso do direito adquirido é inegociável, notadamente quando, para tanto, foi necessária a
existência de inúmeros tratados, convenções, documentos e cartas oficiais, criados a partir de
muita luta e persistência.
6 REFERÊNCIAS
BRASIL. Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968. Diário Oficial da União,
1968. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm. Acesso em: 22
nov. 2022.
27
TAVASSI, Ana Paula; OUTROS. A história dos direitos das mulheres. Disponível em:
https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/historia-dos-direitos-das-mulheres/. Acesso
em: 29 ago. 2022.
TAVASSI, Ana Paula; OUTROS. Direito das mulheres no Brasil. Disponível em:
https://www.politize.com.br/equidade/blogpost/direitos-das-mulheres-no-brasil/#:~:text=O
%20Brasil%20Rep%C3%BAblica&text=Devido%20a%20essas%20lutas%20e,participa
%C3%A7%C3%A3o%20pol%C3%ADtica%20para%20as%20mulheres. Acesso em: 29 ago.
2022.
TOLEDO, Cézar; CAMPAROTTO, Peterson. O conceito de poder na filosofia política de
Marsílio de Pádua. Maringá: Acta Scienttiarum. Human and Social Sciences, 2003.
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 15 nov.
2022.
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. Rio de Janeiro:
Boitempo, 2016. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4545865/mod_resource/content/1/Reivindica
%C3%A7%C3%A3o%20dos%20direitos%20da%20mulher%20-%20Mary
%20Wollstonecraft.pdf. Acesso em: 25 nov. 2022.