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21/04/2023, 12:06 O desafio do excesso de poupança no Japão | Opinião | Valor Econômico

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O desafio do excesso de poupança no Japão


Demanda continua fraca após quase três décadas de política monetária acomodativa

Por Martin Wolf


12/04/2023 05h01 · Atualizado há uma semana

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O Japão abandonará suas políticas ultrafrouxas agora que Kazuo Ueda substituiu Haruhiko Kuroda como presidente
do Banco do Japão (BoJ)? A resposta, ao que parece, é “não”. O novo presidente, um conhecido e respeitado
economista acadêmico, enfatizou que os dois pilares da atual política monetária do Japão - as taxas de juros
negativas e o controle da curva de rendimento - continuam adequados. Ele também está certo em seguir essas
políticas? No geral, minha resposta é “sim”. Não porque não haja riscos, conforme afirmou Robin Harding na semana
passada. E sim porque as alternativas também são arriscadas.

Mesmo que se ignore as compras de ativos pelo BoJ (ou “afrouxamento quantitativo”) e a política mais recente do
controle da curva de rendimento, permanece o fato impressionante de que sua taxa de intervenção de curto prazo
está em 0,5%, ou menos, desde 1995. Quantos economistas teriam imaginado que um país poderia executar uma
política monetária tão acomodativa por quase três décadas e ainda assim continuar preocupado com a demanda
fraca e a inflação baixa?

Este é claramente um fenômeno estrutural profundamente enraizado. Então, o que causou isso? A resposta é o
excesso crônico de poupança. O Japão não é a única grande economia de mercado com um setor industrial forte e
um excesso de poupança estrutural. A outra é a Alemanha. Mas a Alemanha teve uma resposta que o Japão não
tem: o euro.

Enquanto o Japão continuar com um enorme excedente de poupança no setor


privado, a política precisa encontrar meios de reduzir ou compensar essas
poupanças. A economia do Japão continua imobilizada. E também não tem uma
saída fácil

A poupança bruta do setor privado do Japão foi em média de extraordinários 29% do PIB entre 2010 e 2019 (antes
dos choques da covid-19 e da guerra na Ucrânia). Isso foi bem acima dos 25% da Alemanha e muito acima dos 22%
dos Estados Unidos e dos absurdamente baixos 15% do Reino Unido. O setor privado do Japão também investiu
(provavelmente) excessivos 21% do PIB. Mesmo assim, isso ainda deixou uma poupança excedente de 8% do PIB. O
superávit de poupança privada da Alemanha foi em média de 6% do PIB, a dos EUA de 5% e a do Reino Unido
próximo de zero.

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Na economia como um todo, a poupança precisa ser igual aos investimentos uma vez que inclui o governo e os
estrangeiros. A questão é como esse equilíbrio é obtido e, fundamentalmente, como Keynes nos ensinou, em que
níveis de atividade econômica. Com uma recessão grande o suficiente, os lucros (e portanto as poupanças
corporativas) presumivelmente entrariam em colapso. Em todos os anos de 2000 a 2020, incluindo as recessões, os
lucros retidos das empresas japonesas excederam 20% do PIB. Da mesma forma, com uma recessão grande o
suficiente, a poupança das famílias entraria em colapso. Mas se tal recessão acontecesse, os investimentos também
entrariam em colapso. O resultado seria uma terrível depressão.

Nenhum formulador de políticas sóbrio tentaria eliminar o excesso de poupança por meio de uma crise. Em vez
disso, eles optariam por políticas voltadas para absorver as poupanças em investimentos produtivos ou reduzir a
propensão de um país de poupar.

Uma maneira sensata de pensar sobre o que os formuladores de políticas japoneses estão fazendo desde o fim da
fase de altos investimentos na recuperação da economia japonesa no pós-guerra, no começo dos anos 90, é a
seguinte: eles estão tentando sustentar a demanda agregada no contexto do enorme excedente de poupança do
setor privado. Esta é uma outra maneira de dizer que eles estão tentando fugir da deflação, que, na ausência de
seus esforços, provavelmente seria muito maior do que foi.

Taxas de juros baixas demais são, por exemplo, destinadas a aumentar os investimentos privados e reduzir a
poupança privada. Mas, na prática, o excedente de poupança privada, especialmente o excedente corporativo,
continuou enorme. A política monetária frouxa facilitou a absorção crucial (e a compensação) do excedente de
poupança privada via excesso de investimentos governamentais sobre a poupança. Esses déficits foram em média
de 5% entre 2010 e 2019. Finalmente, uma média de 3% do PIB foi para a aquisição líquida de ativos estrangeiros via
superávits em conta corrente do Japão.

Haveria outras maneiras de gerenciar o problema do excedente de poupança estrutural do qual o Japão vem
sofrendo há uma década (e, não coincidentemente, a China também vem sofrendo cada vez mais)? Sim, haveria três
caminhos alternativos.

Um deles é o da Alemanha: sua aquisição líquida de ativos estrangeiros ficou em média em 7% do PIB entre 2010 e
2019. Isso permitiu que os setores privado e público tivessem superávits de poupança, ao mesmo tempo em que
eles equilibravam a oferta e a demanda agregadas em níveis razoavelmente altos. Há duas razões pelas quais o
Japão teria dificuldade em copiar essa abordagem. Uma é que os superávits comerciais teriam colidido com o
mercantilismo dos EUA. A outra é que teria havido uma forte pressão de alta sobre a cotação do iene, agravando as
forças deflacionárias no Japão. Na verdade, se o euro não tivesse existido, as crises cambiais no mecanismo das
taxas de câmbio certamente teriam forçado uma valorização enorme do marco alemão, lançando a economia alemã
na deflação e na política monetária ultrafrouxa, qualquer que fosse a vontade do Bundesbank.

A segunda alternativa são as políticas estruturais destinadas a reduzir a parcela extraordinariamente alta dos lucros
corporativos retidos (ou poupança corporativa) na economia. Este é basicamente um problema distributivo: os
salários são baixos demais e os lucros altos demais. A maneira mais simples de resolver isso é aumentar o imposto
sobre os lucros corporativos, permitindo ao mesmo tempo a contabilização total dos investimentos. Outras
maneiras poderiam ser encontradas, como a distribuição de lucros para os funcionários. Mas o objetivo seria claro:
transferir os lucros excedentes para o consumo.

A terceira alternativa seria deixar os problemas estruturais intocados, apertar as políticas monetária e fiscal e deixar
os japoneses juntarem os cacos. Isso é “liquidacionismo”. Está virando moda hoje em dia. É também um absurdo
irresponsável. Enquanto o Japão continuar com um enorme excedente de poupança no setor privado, a política
precisa encontrar meios de reduzir ou compensar essas poupanças. A economia do Japão continua imobilizada. E
também não tem uma saída fácil. (Tradução de Mário Zamarian)

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