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INVENÇÕES CONTRÁRIAS À MORAL E BONS COSTUMES

Antonio Carlos Souza de Abrantes (junho 2021)

Conceitos gerais

A moral é um conceito relativo aos valores consagrados pelos usos e costumes de uma
sociedade e que pode variar, eventualmente de uma sociedade para outra. 1 O artigo 18 inciso I
da LPI estabelece que não são patenteáveis o que for contrário à moral, aos bons costumes, no
entanto, tal enquadramento ocorre exceto em casos muito raros. Considera-se contrário à moral
tudo aquilo que for contrário aos bons costumes, prática costumeira, habitual, consagrada pelo
uso e que a ninguém choca ou escandaliza. 2 Este entendimento se alinha com as diretrizes do
PCT3. Denis Barbosa ressalta que há história da propriedade industrial brasileira, invenções
contrárias à moral, são virtualmente inexistentes. Paulina Ben-Ami também destaca em 1983
como um argumento raríssimamente utilizado pelo INPI face a dificuldade em delimitar
precisamente o conceito de moral. 4Ademais mesmo que a venda do objeto da patente esteja
sujeita a restrições, como nos exemplos citados de armas e cigarro, ainda assim o Artigo 4o
quarter da CUP afirma que não poderá ser recusada a concessão de uma patente ou ser
invalidada por tal motivo. O examinador deve consultar seus colegas para se certificar de que o
pedido em análise de fato se enquadraria na improvável hipótese de ser exclusivamente contra
à moral e não deixar-se levar por um julgamento de valor pessoal.

Em BR122014011995, BR122014011998 e BR122014012001 o examinador em primeira


instância rejeitou reivindicação de “Semente artificial de acordo com a reivindicação 1,
caracterizada pelo fato de que o tecido vegetal regenerável é um tecido regenerável selecionado
do grupo que consiste de: cana de açúcar, uma planta graminácea, saccharum sp [...] morango
silvestre, uvas, cana, canabis” por referência a cannabis ser contra a moral e os bons costumes,
além de ser um entorpecente ilegal no Brasil, incidindo novamente ao artigo 18 da LPI. Na fase
recursal o depositante excluiu a cannabis da lista. O pedido PI0910094 teve anuência concedida
pela ANVISA em 2020 para composição de goma de mascar contendo um composto canabinoide
em cumprimento a decisão judicial.

1
PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian. Problemas atuais de bioética, São Paulo:Centro Universitário São
Camilo, Edições Loyola, 2008, p.18
2
Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense, 2009, p.71
3
There are four categories of expressions which should not be contained in na international application. These categories
are specified in Rule 9.1. Examples of the kind of matter coming within the first and second categories (contrary to morality
or public order (“ordre public”)) are: incitement to riot or to acts of disorder; incitement to criminal acts; racial, religious or
similar discriminatory propaganda; and grossly obscene matter. The purpose of Rule 9 is to prohibit the kind of matter
likely to induce riot or public disorder, or lead to criminal or other generally offensive behavior. This Rule is likely to be
invoked by the examiner only in rare cases, item 4.29 PCT International Search and Preliminary Examination Guidelines,
PCT Gazette, Special Issue, WIPO, 25 março 2004, S-02/2004
4
BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983,
p.26
Segundo a Portaria Conjunta ANVISA/INPI nº 1/2017 e Resolução ANVISA RDC nº 168/2017 os
pedidos submetidos ao exame de anuência prévia devem ser avaliados quando ao risco à saúde
ou o processo farmacêutico resultar em substância cujo uso tenha sido proibido no país. O
parecer da ANVISA observa que a reivindicação da patente trata de uma formulação de goma
de mascar contendo canabinoides aplicável ao tratamento da dor e que o uso medicinal de
derivados de cannabis sativa nas concentrações máximas de 30 mg/ml de THC e de 30 mg/ml
de canabidiol são permitidas pela legislação de modo a matéria patenteada não representa
impedimentos quanto ao risco à saúde nos termos do artigo 18 (I) da LPI e RDC nº 168/2017.
Segundo TBR773/20 Cabe esclarecer conforme PARECER TÉCNICO DE ANUÊNCIA A
PEDIDO DE PATENTE DE PRODUTOS E PROCESSOS FARMACÊUTICOS, a ANVISA emitiu
um parecer de exigência 093/20/COOPI/GGMED/ANVISA, de 02 de março de 2020, solicitando
ao requerente que excluísse do quadro reivindicatório a possibilidade de o princípio ativo ser
acarfentanila, substância de uso proscrito no Brasil. Por sua vez, o requerente manifestou-se
tempestivamente, trazendo um novo quadro reivindicatório, com 18 reivindicações, cumprindo a
exigência solicitada

Um recurso no DNPI relativo a um pedido que tratava de um jogo de roleta denominado


“Rodaviva” discutiu a questão da proibição de invenções contrárias à lei e à moral, prevista no
Artigo 34 do Decreto nº 16164/23. Em seu parecer Gama Cerqueira expõe que “a roleta é um
aparelho próprio para um jogo de azar, construído para ser usado sobre uma mesa. O invento
do recorrente é um aparelho que pode ser construído em ponto pequeno, como divertimento de
salão, ou em ponto grande para prática de um esporte ou diversão ao ar livre ou em recinto
fechado. Ora, nenhuma lei, em nosso país proíbe a fabricação ou uso de um aparelho nessas
condições, isso é o bastante para se demonstrar a improcedência do parecer e do despacho que
nele se apoia, porquanto o que a lei não proíbe não pode ser contrário à lei [...] Por esse tópico
da descrição se vê que não se trata de um jogo de azar, mas de um esporte ou diversão que
depende da vontade, da perícia, da agilidade das pessoas que nele tomam parte e que pode ser
posto em prática, independentemente de apostas [...] Tudo isso demonstra que a repartição
incumbida da concessão dos privilégios erra quando entra na apreciação dos fins ou do emprego
a que pode destinar-se a invenção. Sua função é verificar-se o invento satisfaz as condições
legais de patenteabilidade, se é novo e se é suscetível de aplicação industrial. O uso ou emprego
que se possa dar à invenção, escapa à sua apreciação, por ser de competência de outras
autoridades”.

Ademais o Código Penal da época em seu artigo 369 proíbe o uso da roleta em cassinos ou
lugares frequentados pelo público, mas não seu uso em caráter privado e conclui que “Podemos
pois dizer, sem receio de errar, que não há invenções que, consideradas em si, sejam contrárias
à moral. Qualquer invenção lícita pode ser aplicada a fins ilícitos ou imorais, como qualquer
invenção, reputada ilícita, contrária à moral pode ser usada para fins lícitos. O que importa é o
uso da invenção. Desde que se preste a qualquer fim lícito, o privilégio deve ser concedido. O
disposto no artigo 34 do regulamento vigente jamais terá ocasião de ser aplicado juridicamente.
Esse artigo só teria aplicação no caso de uma invenção cujo único emprego fosse contrário à Lei
e à moral; E uma invenção desse gênero ninguém pode conceber”.

Ainda segundo Gama Cerqueira: “é necessário distinguir o uso a que se destina o invento do uso
ilícito ou imoral que dele se possa fazer, pois a lei não excetua da proteção dispensada às
invenções as que podem ser desvirtuadas em seus fins, mas somente as que sejam em si
contrárias à moral. Desde que a invenção se preste a fins lícitos, não vemos como negar-se a
patente em virtude do uso”.5 Carvalho de Mendonça observa comentário de Clovis Belivaqua
publicado no Jornal do Comércio em 1918: “A patente de invenção não pode autorizar um jogo
proibido. Dá apenas ao inventor o direito de explorar a sua invenção de acordo com as normas
gerais do direito [...] Não transforma em lícito o que a lei especial declara ilícito”.6

Entretanto, em um outro pedido de patente, em parecer de 1933 o Diretor Geral do DNPI


Francisco Antonio Coelho negou patente a um jogo de azar por considerar um atentado contra a
moral e os bons costumes: “sabemos perfeitamente que a patente não prevalece para efeitos de
sua exploração, quando isso dependem de uma licença especial, como no caso em apreço, mas
ninguém pode contestar o valor de um título expedido pelo Poder Público para pleitear qualquer
concessão que, demais, importaria em um monopólio para o concessionário, tendo em vista os
direitos inerentes à patente”.7 Segundo Karina Pinhão os bons costumes possuem conceito
indeterminado devendo a limitação de seu conceito ser feita pelo juiz de acordo com o caso
concreto.8

Segundo Benjamin do Carmo: “se o objeto da invenção puder ter uma utilização industrial,
independentemente da sua relação com indústria proibida, não há razão para o indeferimento do
pedido de patente, ou para a sua anulação, quando tenha sido concedida”.9 Benjamin do Carmo
citando exemplo de Pouillet contrárias à moral um cinto de castidade ou de guarda de fidelidade
da mulher: “é necessário não confundir o objeto da invenção, em si mesmo, com a sua aplicação.
A aplicação da invenção pode constituir um fato ilícito ou reprovado pela moral, sem que o seja
o objeto em si. No exemplo citado cabe verificar se o cinto de castidade é necessariamente
contrário aos bons costumes ou à moral, ou se, em determinados casos, por exemplo o da sua
utilização como preservativo de certos vícios da infância, não é, esse mesmo aparelho, de
natureza a prestar úteis e salutares serviços”.10 Para Henri Allart ao tratar das matérias
consideradas ilegais: “A mera exploração de uma descoberta semelhante pode ser proibida por

5
Comentários à Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense, 2009, p.71
6
MENDONÇA, Carvalho. Tratado de Direito Comercial Brasileiro. Campinas:Ed. Russel, 2003, v.III, t.I, p.158
7
Revista Mensal de Propriedade Industrial - Patentes e Marcas, 1934, p. 220-221
8
PINHÃO, Karina Almeida Guimarães. O uso disfuncional e anticoncorrencial do direito de ação. Revista da EMARF, Rio
de Janeiro, v.20, n.1, p.184 http://www.trf2.gov.br/emarf/revistaemarf.html
9
JUNIOR, Benjamin do Carmo Braga, Pequeno Tratado prático das patentes de invenção no Brasil, Rio de Janeiro:Ed.
Pocural 1936, p.25
10
JUNIOR, Benjamin do Carmo Braga, Pequeno Tratado prático das patentes de invenção no Brasil, Rio de Janeiro:Ed.
Pocural 1936, p.26; POUILLET, Eugène. Traité Theorique et Pratique des Brevets d'Invention et de la Contrefaçon.
Marchal et Bilard:Paris, 1899, p.115
lei, mas esta proibição relativa ou absoluta não tem nenhuma implicação para a validade a
patente”.11

Para Pontes de Miranda “a contrariedade à moral não há de ser qualquer; mas sim a que resulte
da patenteação. Os preservativos e meios anticoncepcionais podem ser patenteados, porque a
finalidade deles não é exclusivamente contrária à moral. Imoral seriam algumas das razões do
uso”.12 José Pierangeli destaca que “inexiste uma invenção com finalidade única, uma utilidade
contrária à moral, e sim inventos cuja utilização é proibida expressamente pela lei”, assim embora
exista a proibição legal do jogo, são permitidas patentes e desenhos industriais para baralhos ou
roletas13.

Segundo Manual da DIRPA de 1994 “as invenções que se destinem aos jogos de azar (por
exemplo, jogo de roleta) não se incluiriam, necessariamente, nas proibições, uma vez que a lei
coíbe tão somente a exploração não autorizada de tais jogos, e não o jogo em si. No que tange
à segurança pública, o exemplo citado a nível internacional diz respeito às denominadas cartas-
bomba, uma vez que as mesmas têm como única finalidade o dano, atingindo de forma direta à
segurança pública”14. Segundo Manual da DIRPA de 1994 “a disposição legal deve ser entendida
de modo a alcançar somente as invenções cujo caráter de licitude relacione-se diretamente ao
objeto da invenção, não alcançando aquelas cuja ilicitude pode advir de uma das formas ou
modos particulares de utilização ou emprego da mesma não previstas no relatório descritivo do
pedido”15. O Estado não protege invenções que possam prejudicar o ser humano, em
consonância com um dos fundamentos do Estado brasileiro que é a dignidade da pessoa
humana (Constituição Federal, artigo 1o III). Trata-se de princípio geral de direito a proteção do
bem comum, de interesse geral da coletividade de modo que todo ato jurídico terá objetos lícitos
nos termos do artigo 185 do Código Civil, sendo, portanto, impossível a patenteação de objetos
ilícitos, como os contrários à moral, aos bons costumes, à segurança, à ordem e à saúde
públicas16. O guia de exame da Argentina de 2012 cita como exemplos contrários á ordem
publica uma carta bomba: “uma prova adequada para aplicar é considerar se é provável que o
público considere tal invenção em geral tão detestável que a concessão de direitos de patente
seria visto como algo inconcebível”17 David Pressman cita como exemplos invenções úteis
unicamente para fins ilegais sistemas para desarmar alarmes de ladrões, sistemas para quebrar
a segurança de cofres, máquinas para copiar cédulas, contudo outras invenções embora possam
ter algum fim ilícito não se restringe a tais aplicações podendo ser objeto de patentes como

11
ALLART, Henri. Traité des brevets d'invention. I. Des inventions brevetables. Produits et moyens nouveaux. Application
nouvelle de moyens connus. Caractères de la nouveauté, 1896, Paris:Arthur Rousseau, p.79
12
MIRANDA, Pontes. Tratado do Direito Privado, Rio de Janeiro:Borsoi, tomo XVI, 1956, p.372
13
Crimes contra a propriedade industrial, José Henrique Pierangeli, ed. Revista dos Tribunais, 2006, p.97
14
Diretrizes de análise de patentes, proposta para discussão, 1a versão, agosto 1994, INPI/DIRPA, p.96, Comentários à
Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense, 2009, p.72
15
Diretrizes de análise de patentes, proposta para discussão, 1a versão, agosto 1994, INPI/DIRPA, p.95
16
Direito de Patentes: condições legais de obtenção e nulidades, Jacques Labrunie, São Paulo:Manole, 2006, p.52
17
BENSADON, Martin. Derecho de Patentes, Buenos Aires:Abeledo Perrot, 2012, p. 261, 212
sistemas que alertam a presença de radares em estradas com intuito de evitar multas, mas que
pode ser visto como um equipamento de teste dos radares.18

No EUA a patente US654611 descreve uma máquina de tortura, embora o texto a trate como
uma máquina de iniciação em um ritual religioso.

US654611

Janice Mueller destaca que o critério de utilidade do 35 USC 101 em alguns julgados do século
XIX mostravam que implicitamente haveria um componente de benefício social o que impediria
patentes contrárias à ordem pública ou à moral. Desta forma, patentes relativas a folhas de
tabaco artificiais ou determinados tipos de lingerie foram consideradas como não possuindo
utilidade por serem contra à moral19. Albert Walker cita como exemplos contra moral processos
de fraude, para facilitar o contágio de doenças, ou para tornar o ar ou a água contaminados. 20
Uma decisão da Corte de 1817 em Lowell v. Lewis cita como exemplos método para envenenar
pessoas, método para promover a devassidão ou facilitar o suicídio. 21 Esta doutrina foi invocada
regularmente para negar patentes a jogos, mesmo que o objeto em questão se prestasse a
outros usos na época considerados lícitos, por exemplo, máquinas operadas por moedas
(Schultz v. Holtz, N.D.Cal 1897), brinquedo de corrida de cavalos (Nat’l Automatic Device v. Lloyd

18
PRESSMAN, David. Patent It Yourself, California:Nolo, 2009, p.99
19
WALKER, Albert. Walker on patents: a treatise on the law of patents for inventions. New York:Baker, Voorhis and Co.,
1929, p.150
20
WALKER, Albert. Walker on patents: a treatise on the law of patents for inventions. New York:Baker, Voorhis and
Co.156
21
MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen
Publishers, 2006. p.
NDIII, 1889. A patente US780086 refere-se a um dispositivo usado para loterias foi invalidada
em Brewer v. Lichtenstein (CCA 7th, 1922) por incitar o vício de jogo nos compradores, ainda
que o depositante alegasse que o dispositivo poderia ter outra utilização que não a de jogo. 22 Os
exemplos mostram como os julgamentos de moralidade implicam em padrões que mudam
conforme a sociedade e o tempo. Por décadas as Cortes negaram patentes para jogos de azar.
Em Chicago Patent v. Genco em 1941 a Corte fez uma distinção entre jogos de azar, não
patenteados, e uma máquina de pinball patenteada. Em 1977 o USPTO emitiu uma decisão
sinalizando que não mais rejeitaria invenções por serem consideradas imorais 23. Mesmo uma
invenção que engana o consumidor fazendo-o a acreditar que realiza uma tarefa quando na
verdade não o faz, não pode ser rejeitada por não ter utilidade conforme decisão do Federal
Circuit em Juicy Whip, Inc. v. Orange Bang, Inc 185 F.3d 1364, 1368 (Fed. Circ. 1999).24 A
patente em questão (US5575405) tratava de máquina de suco que possuía um dispositivo capaz
de movimentar o líquido exposto ao cliente e uma derivação da saída de suco fazendo o cliente
pensar que seu suco estava sendo obtido do suco contido no recipiente visível em
movimentação, quando na verdade estava sendo distribuído de um cilindro interno. A Corte
considerou que o fato dos clientes pensarem que estão obtendo o suco do recipiente visível não
compromete a utilidade da invenção, pois não cabe ao USPTO ser fiscal de práticas desleais de
comércio, que é competência de outras agências como o FDA e FTC.25 Ademais existem vários
exemplos de materiais com o propósito de imitar outros produtos dissimulando sua real origem
por exemplo pisoa laminados simulando madeira, tecidos sintéticos e bijouterias com o propósito
de simular materiais mais nobres, ou seja, isto não necessariamente implica que seu uso seja
considerado desleal com o cliente.

22
AMDUR, Leon. Patent Fundamentals, New York:Chemical Publishing, 1941, p.245
23
MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen
Publishers, 2006. p.156
24
ROOT, Joseph. E. Rules of Patent Drafting from Federal Circuit Case Law. Oxford University Press, 2011, p.104
25
MERGES, Robert; MENELL, Peter; LEMLEY, Mark. Intellectual property in the new technological age. Aspen
Publishers, 2006. p.158
US5575405

Um processo artificial para o aparecimento de manchas nas folhas de tabaco foi considerado pr
Rickard v. Du Bom 103 Fed 868 (CCA 2nd 1900) como sem utilidade uma vez que folhas de
tabaco naturalmente manchadas possuem maior interesse na indústria de tabaco, de modo que
ao proporcionar este efeito artificialmente a invenção promove uma fraude: “O Congresso não
teve a intenção de estender a proteção para aquelas invenções que não conferem nenhum outro
benefício que não o de obter lucro a seus titulares através do engano e fraude; para ter uma
patente concedida a invenção deve ser útil, capaz de algum benefício distinto de um uso
pernicioso”. 26Donald Chisum conclui que a tendência é cada vez mais restringir esta análise
subjetiva de políticas públicas e ao invés disso aplicar-se o conceito de utilidade. Em Lowell v.
Lewis a Corte entendeu que a invenção era “frívola ou prejudicial ao bem-estar, boa política, ou
contra a moral de uma sociedade”.27 Mark Lemley da mesma forma conclui que a legislação atual
não trata a moralidade como uma restrição significativa de patenteabilidade, e parece improvável
que este critério se modifique em futuro próximo.28 Para Mark Lemley parece paradoxal que uma
patente que engane o usuário seja considerada dotada de utilidade e outra baseada em ESTs,
fragmentos de genes seja considerada como não atendendo o critério de utilidade. A explicação

26
AMDUR, Leon. Patent Fundamentals, New York:Chemical Publishing, 1941, p.249
27
Resource Book on TRIPS and Development, UNCTAD-ICTSD, Cambridge University Press, 2004, p.376
28
BURK, Dan L.; LEMLEY, Mark, A. The patent crisis and how the Courts can solve it. The University of Chicago Press,
2009, p.110
para tal disparidade seria que a diferença de critério se deve as especificidades de cada área
tecnológica.29

Em T356/93 OJ 1995 a Corte entendeu que “o conceito de moralidade está relacionado com o
acreditar-se que algum comportamento é correto e aceitável e outro comportamento é errado,
sendo que esta crença é fundada nas normas aceites e profundamente enraizadas numa
determinada cultura. Para os fins da Convenção Europeia de Patentes, a cultura em questão é
a cultura inerente á sociedade e civilização europeias”.30 Na opinião da Câmara uma patente
para plantas transgênicas poderá ser rejeitada se houver evidência de uma ´seria ameaça ao
meio ambiente no momento da decisão da EPO, sendo que apenas possibilidade de tal impacto
ambiental não é considerada suficiente.

A Corte Europeia de Direitos Humanos (ECtHR) analisou em Sekmadienis v Lithuania (Appl No


69317/14) os limites da liberdade de expressão prevista no artigo 10 da Convenção em uma
propaganda que veiculava as imagens de Jesus e Maria. A conclusão da Corte. A empresa
lituana de roupas Sekmadienis executou uma campanha publicitária em 2012 em que um jovem
com cabelos longos e um halo sob sua cabeça, diversas tatuagens usava um jeans. Uma legenda
no final da imagem dizia: “Jesus, que calça !” Um segundo anúncio mostrava uma jovem com
um vestido branco e um halo na cabeça. Uma legenda no final da imagem dizia: “Querida Maria,
que vestido !” Em 2013 após queixas de consumidores a Autoridade Estatal de Proteção aos
Direitos do Consumidor após consultar a Conferência de Bispos da Lituânia concluiu que a
campanha era contrária à “moral pública” prevista na lei de propaganda da Lituânia. Embora em
nenhum lugar exista uma defina objetiva do que seja “moral pública” a agência estatal considerou
que os elementos da propaganda assumiam uma clara relação com símbolos religiosos e foram
considerados ofensivos para representantes de grupos religiosos. Tendo encerrado os recursos
na justiça lituana a empresa alegou violação á liberdade de expressão junto à ECHR. O artigo
10(2) da ECHR permite uma interferência na liberdade de expressão quando isto for prescrito na
lei, perseguir um objetivo legítimo e for necessário em uma sociedade democrática. O ECtHR
considerou que a definição de moral pública deva ser abrangente e avaliou se esta interferência
na liberdade de expressão deva ser considerada como atendendo a um objetivo legítimo e
necessário em uma sociedade democrática. Considerando que uma parte significativa da
população lituana é cristã a Corte entendeu que o objetivo é legítimo, porém não se trata de uma
intervenção necessária em uma sociedade democrática. Segundo a Corte deve-se “evitar na
medida do possível uma expressão que seja, em relação aos objetos de veneração, ofensivos
gratuitamente aos outros e profanos”. No caso concreto, o Tribunal considerou que a propaganda
“não parece ser gratuitamente ofensiva ou profana, tampouco incita o ódio com base em crenças
religiosas ou constituem um ataque a religião de forma injustificada ou abusiva”. O fato da
propaganda atingir objetivos comerciais, ou seja, não religiosos, não pode ser considerado como

29
BURK,LEMLEY,op.cit.p.60
30
MARCELINO, João; ROCHA, Manuel Lopes. Invenções e Patentes. Lisboa:IAPMEI, 2009, p.102; STAUDER, Dieter;
SINGER, Margareth; European Patent Convention: a commentary. Thomson:Cologne, 2003, p. 89
ofensivo. Ademais, o Tribunal observou que os nomes de Jesus e Maria são usados na
propaganda como “interjeições emocionais” comuns no idioma lituano de modo criar um efeito
cômico. 31

Segundo o UNCTAD Artigo 4quarter da CUP estabelece que a concessão de uma patente não
pode ser negada baseado no fato de que a venda do produto patenteado está sujeita a restrições
de venda no comércio por proibição da legislação local. No entanto a não patenteabilidade
prevista no artigo 27.2 de TRIPs somente poderá ser aplicada nos casos em que, objetivamente
justificada, a exploração comercial do produto deva ser evitada tendo em vista o interesse público
mencionado no mesmo artigo. TRIPs não exige que para aplicação deste artigo deva se exigir
um banimento formal de comercialização para o produto objeto da patente.32 O conceito de
moralidade é relativo aos valores que prevalecem em uma sociedade, que podem, portanto, não
ser os mesmos para diferentes culturas e podem mudar com o tempo. Desta forma segundo o
UNCTAD seria inadmissível que os escritórios de patente concedessem patentes a qualquer
invenção sem levar em conta qualquer consideração sobre moralidade. Por outro lado, outros
autores observam que os examinadores de patentes não são treinados especificamente para
avaliar questões de ética e, portanto, não deveriam julgar tais questões. Ademais as patentes
não conferem um direito de uso, mas o de excluir terceiros do uso, e, portanto, caberia a terceiros
a responsabilidade de decidir se certas tecnologias devem ser postas em prática. 33 Nuno
Carvalho34 observa que pelo artigo 27 a patenteabilidade poderá ser excluída quando houver a
necessidade de impedir a exploração comercial da invenção : “Members may exclude from
patentability inventions, the prevention within their territory of the commercial exploitation of which
is necessary to protect ordre public or morality, including to protect human, animal or plant life or
health or to avoid serious prejudice to the environment, provided that such exclusion is not made
merely because the exploitation is prohibited by their law”.35 No texto brasileiro o adjetivo
“comercial” foi omitido : “Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções cuja
exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a ordem pública ou a
moralidade, inclusive para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar
sérios prejuízos ao meio ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que
a exploração é proibida por sua legislação”36. Nuno Carvalho observa que isso pode fazer
diferença porque podem existir explorações não comerciais, como por exemplo atendendo
critério ambientais: “demonstrada a ameaça ambiental de um determinado produto, um governo
de um membro da OMC poderia, com base nos TRIPs, autorizar a sua produção e utilização
desde que para fins não comerciais, e ainda assim exclui-lo de patenteabilidade. À luz do texto
brasileiro, nem isso seria possível. Mas observe-se que essa distinção talvez não seja muito

31
http://ipkitten.blogspot.com.br/2018/01/can-public-morals-prevent-use-of.html
32
Resource Book on TRIPS and Development, UNCTAD-ICTSD, Cambridge University Press, 2004, p.378
33
Resource Book on TRIPS and Development, UNCTAD-ICTSD, Cambridge University Press, 2004, p.375
34
CARVALHO, Nuno. XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual, ABPI, Rio de Janeiro, 16 e 17 de agosto de
1999. Questões de patentes no Acordo sobre os TRIPs, parágrafo 16
35
https://www.wto.org/english/docs_e/legal_e/27-trips_04c_e.htm
36
http://www.inpi.gov.br/legislacao-1/27-trips-portugues1.pdf
relevante. È que na falta de perspectiva de uma atividade comercial, será pouco provável que
alguém se disponha a investir tempo de recursos em desenvolver inventos”.

O parecer PROC 01/94 de 30 de dezembro de 1994 quando vigente o CPI, conclui pela
“impossibilidade de patenteamento de animais vertebrados superiores face a proibição expressa
na alínea a do artigo 9o do CPI” Não são privilegiáveis: a) as invenções de finalidade contrária
às Leis, à moral, à saúde, à segurança pública, aos cultos religiosos e aos sentimentos dignos
de respeito e veneração”. O pedido em questão PI8807658 trata do patenteamento de um
vertebrado cujas características tenham sido alteradas pela administração de uma formulação
antígena farmacêutica compreendendo um determinado peptídeo. O parecer conclui: “dado o
preceito determinado na alínea a do artigo 9 do CPI, poder-se-ia generalizar que toda a invenção
que cause repugnância ao público em geral deve ser considerada como contrária a moral. Nesse
sentido o animal reivindicado, pois que, a par de outras questões, quaisquer animais vertebrados,
inclusive o homem, conforme o relatório descritivo, seria passível de proteção, isto é, exploração
exclusiva pelo titular da patente”. A perspectiva de ter uma exploração de um ser humano objeto
de patente é citado pelo parecer como algo que cause repugnância na sociedade e, portanto,
um atentado à moralidade.

Segundo o Manual DIRPA 1994 “no que se refere às invenções de finalidade contrária à saúde
não se incluem aquelas que indiretamente possam por em risco à saúde ou mesmo a vida das
pessoas que as empregam ou que estejam sujeitas a seus efeitos ou consequências. Neste
caso, seriam incluídas tão somente as invenções que tivessem finalidades exclusivamente
contrárias à saúde, hipótese praticamente inexistente”37. A talidomida foi sintetizada em 1954 por
químicos da empresa alemã Grünenthal, patenteado38 e usado como sedativo eficaz para
mulheres grávidas no tratamento de enjoos matinais. Entre 1956 e 1961 o medicamento foi
vendido em 51 países. Em 1956 começaram a surgir os primeiros casos de deformações em
bebês, porém a associação de tais efeitos com o uso do medicamento somente pode ser
constatada em 1961. Verificou-se que a empresa não havia feito os devidos testes antes d
introdução do medicamento no mercado e dependendo do momento da gestação em que o
medicamento fosse ingerido, especialmente entre o 34º e 50º dia após a última menstruação da
futura mãe, haveriam diferentes danos ao bebê. Nos Estados Unidos o medicamento não foi
aprovado pelo FDA. 39

No âmbito do GATT o governo tailandês restringiu a importação de cigarros justificando sua ação
como forma de forçar as pessoas a parar de fumar. O GATT não aceitou esta justificativa como
válida para atos de restrição de comércio pois haveria medidas alternativas, como campanhas
de conscientização, para se alcançar os mesmos objetivos, e que tinham se mostrado efetivas
em diversos países na redução do consumo de cigarros. O UNCATD entende que o Artigo 27.2

37
Diretrizes de análise de patentes, proposta para discussão, 1a versão, agosto 1994, INPI/DIRPA, p.96 Comentários à
Lei de Propriedade Industrial, Douglas Gabriel Domingues, Rio de Janeiro:Ed. Forense, 2009, p.73
38
https://www.contergan.grunenthal.info/grt-ctg/GRT-CTG/Die_Fakten/Chronologie/279300020.jsp
39
CHALINE, Eric. As piores invenções da história e os culpados por elas.Rio de Janeiro:sextante, 2015, p.221
de TRIPs que veta patentes contrárias à ordem e saúdes públicas está sujeito aos mesmos
critérios. Por outro lado, a proibição do governo francês da comercialização de amianto como
necessária à proteção da vida humana foi considerada válida uma vez que neste caso não
haveriam alternativas.40

Outra situação que pode se enquadrar como invenção contra a moral são aquelas cuja única
finalidade é induzir o consumidor ao erro, por exemplo, um produto que tenha a aparência, no
entanto com qualidade bem inferior, configurando uma falsificação do produto original. Neste
caso a invenção tem como objetivo direto finalidade ilícitas qual seja a de promover a falsificação
de produtos.41

Os desenhos industriais DI6203518 (configuração erótica aplicável a balão inflável), DI6203106


(conjunto de dados cujas faces identificam partes do corpo humano e outro dado identificado por
termos relacionados a ações como “acariciar”, “beijar”, “lamber”, etc, de forma a compor um jogo
erótico), DI6203105 (dado em cujas faces são escritas ações imperativas relacionadas a um strip
tease: “tire uma peça de roupa”, “tire tudo”, etc) e DI6203313 (dado em cujas faces constam
desenhos de posições sexuais a serem praticadas em um jogo amoroso) foram indeferidos com
base no artigo 106 § 4o da LPI não por terem sido considerados contrário à moral e aos bons
costumes, mas por descreverem posições ou ações sexuais consideradas comum ou vulgar.
Escrevendo nos anos 1980, Paulina Ben-Ami destaca que dispositivos de estimulação artificial
relacionados com atividades sexuais seriam considerados contrários à moral. 42 A patente
PI9202816 foi concedida para dispositivo do tipo preservativo masculino ou feminino
compreendendo saliências internas que proporcionam maior ancoragem das paredes do
preservativo ao pênis do usuário, propiciando menor movimentação relativa entre os dois, de
maneira a diminuir o acúmulo de tensões que podem levar ao rompimento da extremidade
fechada do dito preservativo, cuja consequência pode ser uma gravidez indesejada ou contágio
de moléstia sexualmente transmissível. Adicionalmente obtém-se um artigo com maior
resistência mecânica, e que propicia maior prazer aos parceiros sexuais. Os desenhos industriais
302014000830, 302014000831, 302014001361 de configuração aplicada em pastilha comestível
no formato de genitálias foram indeferidos por se tratar de objeto se enquadra no artigo 100 da
LPI não é registrável como desenho industrial o que é contrário à moral e aos bons costumes ou
que ofenda a honra ou imagem de pessoas, ou atente contra liberdade de consciência, crença,
culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração. 43

40
European Communities Measures Affecting Asbestos or Products Containing Asbestos [EC Asbestos],
WT/DS135/AB/R de 12 March 2001 cf. Resource Book on TRIPS and Development, UNCTAD-ICTSD, Cambridge
University Press, 2004, p.379, Carlos Correa, Implementing National Public Health Policies in the Framework of the WTO
Agreements, 34 Journal of World Trade 2000, vol. 34, No. 5, 2, p. 92-96.
41
Intellectual Property for Paralegals: the Law of trademark, copyrights, patents and trade secrets, Deborah Bouchoux,
West Law Studies, Canada:Thomson, 2005, p.302
42
BEN-AMI, Paulina. Manual de Propriedade Industrial, São Paulo: Secretaria da Ind. Com. e Tecnologia, SEDAI, 1983,
p.26
43
http://oconsultorempatentes.com/post-unico/pedido-de-patente-erotico
Nos Estados Unidos a TZU Technologies acionou judicialmente seis empresas concorrentes por
alegar contrafação de sua patente US6368268 referente a estimulador sexual virtual pela
internet.44 No século XIX Ferdinand Mainié questiona a suposta falta de moralidade na concessão
de uma patente para um cinto de castidade, e argumenta que o mesmo objeto pode ter uma
finalidade terapêutica para crianças evitarem a masturbação.45 Ferdinand Mainié observa que há
que se distinguir o objeto do uso conferido pelo mesmo, este último passível de ofender os bons
costumes. 46 Na Índia um dispositivo vibrador de estimulação sexual foi indeferido
(IN4668/DELNP/2007, AU20150252143, US201161503679P, WO2012CA50442) sob o
fundamento de ser imoral em contrariedade ao disposto na seção 3(b) do Patents Act: “o artigo
377 do código penal proíbe qualquer tipo de intercurso sexual que possa ser denominado de
biologicamente não natural. Portanto, brinquedos sexuais (dispositivo de estimulação sexual)
também conhecidos como brinquedos para adultos são banidos com base em que eles
conduzem á obscenidade e depravação moral dos indivíduos. A maioria destes dispositivos é
considerada moralmente degradantes segundo a lei. A lei entende os brinquedos sexuais como
algo negativo e nunca de forma positiva com a noção de prazer sexual [..] tais brinquedos não
são considerados úteis ou produtivos”. A reivindicação pleiteia dispositivo de estimulação sexual
compreendendo uma aba interior dimensionada para inserção na vagina, uma aba exterior
dimensionada para contactar o clitóris quando a dita aba interior é inserida na vagina e uma
porção de conexão flexível que conecta as abas interna e externa. 47 Shamnad Basheer critica a
decisão e comenta que o dispositivo se assemelha a um fone de ouvido, nem parece um vibrador,
está muito longe de ter um aparência obscena e ademais sua venda está restrita a adultos,
tampouco deveria o escritório de patentes se colocar como “árbitro moral” das invenções.

Na área marcária o guia de exame do INPI estabelece que “No que concerne ao exame do
caráter de liceidade do sinal, tendo em vista as regras de moralidade e dos bons costumes, deve
ser observado se a expressão, desenho ou figura são, de per se, atentatórias a essas regras,
independentemente do produto ou serviço que visam a assinalar” e cita como exemplo o uso de
qualquer tipo de palavrão ou palavra chula. Em 2019 o INPI negou uma marca da Fluent
Cannabis Care para um remédio a base de maconha por ser contrária a princípios morais.
Segundo o INPI pedidos de registro de marca que contenham as palavras "maconha",
"cannabis", "hemp" e "cânhamo" ou imagens relacionadas podem ser enquadrados na LPI com
não registráveis por questões morais 48. A marca CANNABIS registrada pela IberPapel sob n°
910252203 teve seu pedido indeferido em 2017 uma vez que “A marca reproduz "cannabis",
irregistrável de acordo com o inciso III do Art. 124 da LPI. Art. 124 - Não são registráveis como
marca: III - expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons
costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de

44
http://arstechnica.com/tech-policy/2015/07/teledildonics-patent-used-to-sue-six-nascent-cybersex-companies/
45
BELTRAN, Alain; CHAUVEAU, Sophie; BEAR, Gabriel. Des brevets et des marques: une histoire de la propriété
industrielle, Fayard, 2001, p. 34
46
MAINIÉ, Ferdinand. Nouveau traité des brevets d'invention, Paris:Marescq, 1896, p.220
47
https://spicyip.com/2018/08/sexual-pleasure-is-immoral-so-says-the-indian-patent-office.html
48
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/marca-de-remedio-a-base-de-maconha-e-vetada-por-contrariar-bons-
costumes,acf11dea803f3aca6ab1f8111177a47dkqayeis5.html
consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimento dignos de respeito e veneração”.
Segundo Carlos Ardissone basta que a marca seja constituída por apelido de substância
entorpecente (hemp ou maconha), gíria (“baseado”), nome científico (cannabis sativa), desenho
ou imagem de planta, erva, comprimido, líquido ou pó para ser percebido pelos examinadores
como sendo substância de uso proibido. Com relação a marcas que evoquem a nudez
independente do produto ou serviço, tais marcas são tradicionalmente indeferidos seja menção
feita por palavras e expressões ou contenham imagens com os nomes de determinados
componentes do corpo humano comumente associadas à sexualidade (seios, lábios vaginais,
vagina, pênis, escroto, espermatozoide, nádegas e ânus, etc). No caso específico do sinal Fiofó,
foi indeferido o pedido de registro sob a alegação de que “O sinal em tela é dicionarizado, porém
como expressão chula, infringindo o dispositivo legal supramencionado”. O sinal nominativo
Lutero para vestuário foi indeferido porque “visa proteger, entre outros produtos do vestuário,
uma linha de cuecas e sungas, é do nosso entendimento que tal ligação possa ofender os
seguidores das igrejas luteranas”. Para Carlos Ardissone: “A renovação substancial pela qual
passou o corpo de servidores que atuam no exame de marcas do INPI nos últimos 15 a 20 anos,
por força, entre outras causas, de concursos públicos realizados, não parece ter sido estímulo
suficiente para renovar e adensar diretrizes de análise e modificar substancialmente
entendimentos cristalizados sobre a questão da moralidade e sua relação com as marcas.”49 O
INPI negou o pedido de registro da marca “4evinte”, número que faz analogia ao uso de
maconha. O pedido foi feito por uma tabacaria e negado sob a justificativa de atentado à moral.
Outros registros indeferidos pelo INPI por atentado à moral incluem: GayNerd, Cannabiseta
Hemp Wear (vestuário), Coisa de Krioulo, Snopp Droggado, Perereca Bicuda, F@D#-$E O
AMOR (organização de festas), Tesão de Vaca e Negralhada (vestuário). Mesmo prevista em
lei, já houveram exceções com a concessão de registros que faziam analogia ao uso de maconha
como i registro de marca da banda Planet Hemp, das tabacarias Cannabistrô Head Shop e Ultra
420. Em 2019 foram negados os pedidos de registo de marcas das tabacarias Brazilian Cannabis
e Brazillian Marihuana com a justificativa de atentado a moral. 50

No que tange à ofensa, à honra ou imagem individual e ao atentado contra a liberdade de


consciência, crença, culto religioso ou de ideia e sentimento dignos de respeito e veneração, o
examinador deve considerar: a) Se o sinal representa uma ofensa individual a um direito de
personalidade ou ao direito à imagem, tutelados em outra regra deste artigo 124 da LPI, quando
associado ao produto ou serviço que visa a assinalar, sem a devida autorização; b) Se o sinal,
pelo simples fato de conter referência a crença, culto religioso ou à ideia ou sentimentos dignos
de respeito e veneração, pode denegrir, por exemplo, o símbolo da suástica, ou Ku klux klan
como referências diretas à conteúdo racista.51 Nos Estados Unidos a Suprema Corte em decisão
de junho de 2019 conclui que a garantia constitucional de liberdade de expressão garante o

49
CASTRO E SILVA, Anderson; ARDISSONE, Carlos. Marcas negadas por ofenderem a moral e os bons costumes:
um estudo de caso. II Congresso Internacional de Marcas / Branding, Lajeado, 1 de outubro de 2015
50
https://www.segs.com.br/seguros/262918-instituto-nacional-de-propriedade-industrial-nega-registro-de-marca-por-
atentado-a-moral
51
http://www.inpi.gov.br/images/stories/downloads/pdf/diretrizes_de_analise_de_marcas_17-12-2010.pdf
direito de uso de palavrões e símbolos imorais como marca. O caso envolve o veto por parte do
USPTO da marca FUCT registrada pelo designer Erik Brunetti. Em 2017 a Suprema Corte já
decidira em favor da marca de uma banda de rock de origem asiática chamada The Slants, uma
referência pejorativa a asiáticos. 52

A Corte de Apelação da Noruega EFTA em decisão E-5/16 analisou sob a perspectiva do Trade
Mark Directive 2008/95 o registro como marca de algumas obras de arte de artistas noruegueses
entre as quais o “garoto zangado” (Sinnataggen) de Gutav Vigeland. O registro foi negado tendo
como um dos fundamentos sem contrário à moralidade Artigo 3(1)(f) da Diretiva. A corte
reconhece que uma objeção aos critérios aceitos de moralidade envolvem uma análise subjetiva.
Embora os sinais a serem protegidos não ofendam a um consumidor razoável com limiar de
tolerância e sensibilidade médias, o registro de trabalhos artísticos considerado parte da herança
cultural nacional podem ser percebidos pelo consumidor médio como ofensivos, e, portanto,
contrários aos princípios aceitos de moralidade, para tanto tal análise deve levar em conta a
percepção de tais trabalhos no país onde o registro é solicitado 53.

52
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/06/24/suprema-corte-americana-libera-palavroes-em-marcas-e-
patentes.ghtml
53
http://ipkitten.blogspot.se/2017/04/can-public-domain-artwork-be-registered.html

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