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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO


CAMPUS RIBEIRÃO PRETO

UNIVERSIDADE DE DIREITO “LAUDO DE


CAMARGO”
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DIREITO DO CONSUMIDOR

As Práticas Comerciais Abusivas na Relação de Consumo


Disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor

Trabalho apresentado ao Departamento de Ciências


Jurídicas, do Curso de Graduação em Direito da
Universidade de Ribeirão Preto, como requisito
obrigatório de Avaliação de Exame Final, da Disciplina
de Direito do Consumidor, no primeiro semestre de 2020.

Nome: Carlos Gustavo Monteiro Cherri Código: 764943

ETAPA: 9º SALA: 32B PERÍODO: Noturno

Ribeirão Preto
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Julho/2020
As Práticas Comerciais Abusivas nas Relações de Consumo Disciplinadas pelo Código
de Defesa do Consumidor
Resumo
O presente artigo possui a finalidade de esclarecer as práticas comerciais abusivas elencadas
no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), notadamente, as práticas dispostas nos
incisos, I, II, III, VI, X e XIV que permeiam determinadas relações de consumo. Além da
explicação e da análise que tais práticas ocorrem, verificar-se-á o entendimento doutrinário e
o posicionamento jurisprudencial sobre o tema.

Introdução

As relações de consumo nem sempre ocorrem de modo igualitário, e quase


sempre, o consumidor ocupa o polo hipossuficiente dessa relação, seja pela falta de
conhecimento técnico dos bens que consome, seja pela falta de informação suficiente presente
nos produtos do mercado, ou na ausência de clareza de determinadas prestações de serviço.
Nesse sentido, o ordenamento jurídico brasileiro elaborou instrumentos para a proteção do
consumidor, não para que os consumidores sejam privilegiados, mas para que seus direitos
não sejam subtraídos, ignorados, desrespeitados ou violados.
A Carta Magna, ao dispor os direitos fundamentais, em seu art. 5º, não omitiu a
importância da regulamentação para as relações de consumo, estabelecendo no inciso, XXXII,
do referido artigo, a necessidade de elaboração legal específica para tais relações, assegurando
a obrigação do Estado no cumprimento de tal instrumento. Com efeito, disciplina o
mencionado artigo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Se todos são iguais perante a lei, a vantagem extraída de determinadas relações


de consumo afronta o princípio da igualdade, de maneira que o art. 5º, XXXII, da
Constituição, infelizmente, não era amparo legal suficiente para evitar práticas abusivas nas
relações de consumo. Assim, se uma parte obtém vantagem, a outra, ao contrário, era
prejudicada, comprometendo o princípio da boa-fé objetiva nos negócios e, em alguns casos,
a boa-fé era afastada pela má-fé subjetiva, ou seja, a intenção de lesar a parte hipossuficiente,
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motivada pela falta de amparo e proteção jurídica e sem meios de defender-se para a
preservação de seu direito.
Não é equívoco afirmar que a consequência do desrespeito ao art. 5º, XXXII,
da CF, implicaria em maiores violações dos seus princípios, tais como a justiça social e a
ordem econômica. Isso quer dizer que as práticas abusivas provocavam uma avalanche
desrespeitosa dos dispositivos constitucionais, desviando as relações de consumo para um
horizonte muito longe de uma relação harmoniosa e pacífica e, em muitos casos, ferindo a
dignidade dos consumidores e desvalorizando o fruto do trabalho deles que, ao procurarem o
mercado para as satisfações de suas necessidades, tinham seus direitos usurpados. Dessa
maneira, lê-se na Constituição Federal:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre


iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
V - defesa do consumidor;

O art. 170, notadamente em seu inciso V, encontra na defesa do consumidor o mecanismo


necessário para assegurar a valorização do trabalho, da dignidade, da justiça social e da ordem
econômica, ao mesmo tempo que defende a livre iniciativa, característica que ampara os
comerciantes, produtores e fornecedores. Ou seja, a lei é para todos. Não se deve entender
que, ao mencionar a defesa do consumidor, o resultado não é o prejuízo daqueles que ocupam
o polo oposto da relação de consumo, como fornecedores, produtores e comerciantes. Nem se
deve compreender que a ocupação de polos opostos na relação de consumo os coloca como
adversários em confronto, do qual um tenha que sair vitorioso e, ao contrário, o polo oposto
como derrotado. Diferentemente dessa afirmação, os polos opostos na relação de consumo
devem ser vislumbrados como em grau de equivalência, de igualdade que, por meio de uma
negociação, ambos saiam satisfeitos e seguros, já que o ordenamento jurídico também acolhe
comerciantes, fornecedores e produtores, na medida que os consumidores procuram extrair
vantagem dessa relação.
A preocupação de regular tais relações exigia elaboração específica, por meio
de um código, que tratasse somente dos aspectos que envolvem as relações de consumo,
tornando-se o instrumento essencial para que a justiça social e a ordem econômica não
sucumbissem pela má-fé, objetiva ou subjetiva, ao ponto que a urgência da criação desse
instrumento recebesse a determinação de um prazo, como estabelece os Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias:
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da
Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
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O prazo não foi cumprido, mas o Código de Defesa do Consumidor veio à lume. No entanto,
muitas negociações continuaram disciplinadas pelo Código Civil, e é sempre importante
observar a aplicação de uma norma ou outra dependendo do caso concreto.
O Código Civil estabelece no art. 113, que as práticas comerciais devem ser
observadas de acordo com a boa-fé e uso do lugar de sua celebração, ao passo que deve coibir
condutas que violam a boa-fé que é, fundamentalmente, a imposição de uma conduta leal dos
contratantes, observando que é dever de cuidado em relação à outra parte negocial, assim
como dever de respeito, concretizado no dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do
negócio, de modo que se espere o dever de agir conforme a confiança depositada, acarretando,
dessa forma o dever de lealdade e probidade, resultando dever de colaboração e de agir com
honestidade, conforme a razoabilidade, equidade e boa razão.

As Práticas Comerciais Abusivas nas Relações de Consumo Disciplinadas pelo Código


de Defesa do Consumidor

O art. 4º, VI, do CDC, disciplina as diretrizes da Política Nacional das


Relações de Consumo. No Brasil as práticas comerciais abusivas são disciplinadas pelo
Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990. Com o intuito de eliminar as condutas
abusivas, como determina o art. 39 1. Para detalhar o que o dispositivo traz em seu bojo como
condutas abusivas, examinar-se-á, precisamente, os incisos I, II, III, VI, X e XIV, para que
seja possível abordar a maneira que a doutrina jurídica se posiciona, bem como o
direcionamento da compreensão jurisprudencial.
O inciso primeiro trata da popularmente conhecida “venda casada”, artifício
que ocorre quando há a alienação de outro produto ou serviço, na maioria dos casos,
comercializado de maneira independente, juntamente com o produto ou serviço adquirido
pelo consumidor. O que se proíbe é que o fornecedor condicione a venda de um produto a
outro produto. Por exemplo, a oferta de empréstimo bancário (mútuo feneratício)

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Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa,
a limites quantitativos; II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas
disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao
consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; [...] VI - executar serviços
sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de
práticas anteriores entre as partes; [...] X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços; [...]
XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores
que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.
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condicionada à venda de um seguro. Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial se


encaminha da seguinte maneira:

AÇÃO REVISIONAL FUNDADA EM CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO.


AUTORIZAÇÃO DA COBRANÇA DA TARIFA DE CADASTRO NO INÍCIO DO
RELACIONAMENTO NEGOCIAL PARA REMUNERAR A PRESTAÇÃO DE
SERVIÇO DE PESQUISA EM CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, BASE
DE DADOS E INFORMAÇÕES CADASTRAIS, SEGUNDO O ENTENDIMENTO
CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA RESP Nº 1.251.331/RS. SEGURO PRESTAMISTA.
INTELIGÊNCIA DA TESE Nº 972, STJ. OCORRÊNCIA DE ABUSIVIDADE.
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA QUE COMPELIU O CONSUMIDOR A CONTRATAR
TAL ENCARGO. RÉU QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO SEU ÔNUS NOS TERMOS
DO ART. 373, II, CPC. ASSISTÊNCIA 24 HORAS. CONTRATAÇÃO
CONDICIONADA QUE CARACTERIZA VENDA CASADA (ART. 39, I, CDC).
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO, TAMPOUCO DE
SEU CONTEÚDO, O QUE ENSEJA NULIDADE (ARTS. 46 E 51, IV, CDC).
DESCABIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO EM DOBRO DOS VALORES
PAGOS. AUSÊNCIA DE ENQUADRAMENTO NO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO,
CDC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJ-SP - AC: 10008075620198260642 SP 1000807-56.2019.8.26.0642, Relator: Alberto
Gosson, Data de Julgamento: 06/02/2020, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 11/02/2020).

Por sua vez, o inciso II tem a finalidade de proibir a discriminação por raça,
cor, sexo, classe social etc. do consumidor pelo fornecedor, ou seja, se houver produto
disponível à venda, qualquer um que disponha dos recursos necessários, naturalmente, poderá
comprá-lo indistintamente. Nesse caso, a responsabilidade é presumida, não cabendo a
verificação de dolo ou culpa, ou seja, não se trata de responsabilidade subjetiva, e a
responsabilização se dá nos termos do arts. 14 e 17 do CDC, afastando assim a aplicação dos
dispositivos do Código Civil, já que se tratam de relações de consumo e possuem, portanto,
regulamentação específica.
O art. 14 do CDC, dispositivo que responsabiliza a reparação do fornecedor
pelos danos causados ao consumidor, notadamente, em seu inciso I, a saber o “modo de
fornecimento”, caracteriza a situação em tela, já que o atendimento também é um serviço
prestado e, por isso, seu modo discriminatório implica em responsabilização. Entretanto, o art.
17 do CDC estende às pessoas que presenciaram tal evento à equiparação ao consumidor,
portanto, são equiparadas à vítimas, e podem ingressar com ação no Poder Judiciário, porque
presenciaram uma grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio tão
caro à República, sofrendo o repúdio da discriminação tal como o consumidor. A
jurisprudência é categórica nesse sentido e não se omite à punição de atos repudiáveis como
todas as formas de preconceito. Nesse sentido, um dos Tribunais de Justiça do Brasil, o TJ-
RO decidiu:
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NEGATIVA DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR. PRÁTICA ABUSIVA. ART. 39,


ii, CDC. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE PRESUMIDA. Dano material. A
responsabilidade civil da recorrida é objetiva, nos termos do sartigos 14 e 17 do CDC. No
caso em tela, a negativa de atendimento ao consumidor configura prática abusiva, ilícito
que dispensa a prova de prejuízo concreto a título de danos morais. A arbitração do
quantum deve-se ater à proporcionalidade e razoabilidade, atendidas as finalidades
compensatória, punitiva, preventiva e, sobretudo, pedagógica. Parâmetros observados pelo
juízo a quo. Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos.
(TJ-RO – RI: 10002489820128220014 RO1000248-98.2012.822.0014. Relator: Juiz
Marcos Alberto Oldakowski. Data de Julgamento: 21/10/2013. Turma Recursal – Ji-Paraná,
Data da Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 23/10/2013).

Para a proteção do princípio da autonomia da vontade do consumidor, o inciso


III, determina que o consumidor deve expressamente autorizar ou solicitar determinado
produto ou serviço. É muito comum, infelizmente, que alguns fornecedores de serviços
bancários enviem cartões de créditos sem que os consumidores solicitem, quem nunca passou
por situação semelhante? Pois é, no entanto, o fornecedor não pode enviar um produto ou
prestar um serviço ao consumidor sem a solicitação do consumidor e, por meio dessa prática
abusiva, fazer da presunção de seu silêncio como uma aceitação tácita do bem oferecido.
Todavia, aquilo que for enviado será presumido como amostra grátis e,
decidindo o consumidor pela aquisição do produto ou serviço pela apreciação da amostra
grátis, tal decisão não será presumida, mas realizada pelo próprio consumidor. O STJ já
posicionou sobre o tema no seguinte REsp:
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO
POR DANOS MORAIS. ENVIO DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO E
DE FATURAS COBRANDO ANUIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. I - Para
se presumir o dano moral pela simples comprovação do ato ilícito, esse ato deve ser
objetivamente capaz de acarretar a dor, o sofrimento, a lesão aos sentimentos íntimos
juridicamente protegidos. II - O envio de cartão de crédito não solicitado, conduta
considerada pelo Código de Defesa do Consumidor como prática abusiva (art. 39, III),
adicionado aos incômodos decorrentes das providências notoriamente dificultosas para o
cancelamento cartão causam dano moral ao consumidor, mormente em se tratando de
pessoa de idade avançada, próxima dos cem anos de idade à época dos fatos,
circunstância que agrava o sofrimento moral. Recurso Especial não conhecido
(STJ - REsp: 1061500 RS 2008/0119719-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de
Julgamento: 04/11/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe
20/11/2008, DJe 20/11/2008).

Se o consumidor é condicionado ao ônus, seja por um produto ou serviço que não solicitou,
todos os constrangimentos e perturbações serão convertidos em dano moral, já que não
provocou voluntariamente a situação de que foi acometido, encontrando amparo legal para a
defesa dos seus direitos, assim como a ação do Poder Judiciário para a aplicação pedagógica
da sanção que atente contra seus direitos.
No caso do inciso VI, o dispositivo tem o objetivo impedir que o fornecedor
realize determinado serviço, ou forneça algum produto, sem que antes ocorra uma estimativa,
uma pesquisa ou orçamento dos valores a serem pagos pelo consumidor. Caso contrário, o
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contratante ficaria à mercê do arbítrio do contratado. Porém, o CDC excepciona o dever


estabelecendo que “ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes”, isso
quer dizer que no caso de uma relação de confiança entre consumidor e fornecedor de
serviços, não se faz obrigatório o orçamento.
Mas o que deve ficar claro é que o consumidor, deve ter pleno conhecimento
sobre o valor que deverá pagar ao fornecedor, antes da contratação, com a discriminação
exata do custo de mão-de-obra, além dos materiais e equipamentos a serem empregados,
bem como as condições de pagamento e duração para a obtenção do resultado, tendo a
certeza do custo e a possibilidade de comparação de preço e qualidade entre fornecedores.
O inciso VI, do art. 39, do CDC é um desdobramento do art. 6º, do mesmo
códex , que, precisamente, em seu inciso II, disciplina a necessidade de assegurar a
liberdade de escolha e igualdade nas contratações, ou seja, possibilitando ao consumidor, de
posse do orçamento prévio, selecionar no mercado de consumo o fornecedor que atenda o
melhor custo/benefício com a melhor relação qualidade e preço. O inciso III, também do art.
6º, do CDC garante ao consumidor a informação adequada e clara sobre o serviço a ser
contratado.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO C/C CONSIGNAÇÃO EM
PAGAMENTO. VÉICULO NÁUTICO - JET SKI. CONSERTO. REVISÃO
AUTORIZADA. NECESSIDADE DE DIVERSOS SERVIÇOS. ALEGADA
AUTORIZAÇÃO VERBAL. AUSÊNCIA DE PROVA. EM CASO DE DÚVIDA,
INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DO CONSUMIDOR. ART. 47 DO CDC.
CONFIGURAÇÃO DE PRÁTICA ABUSIVA CONSISTENTE NA EXECUÇÃO DO
SERVIÇO SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO CONSUMIDOR. ART. 39, VI,
CDC. DESPROVIMENTO. - Nos termos do art. 47 do Código de Defesa do
Consumidor, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável
ao consumidor - Configura-se prática abusiva consistente a execução de serviços sem
autorização expressa do consumidor, nos termos do art. 39, inciso VI, do CDC.
(TJPB - ACÓRDÃO/DECISÃO do Processo Nº 00012685120148150731, 3ª Câmara
Especializada Cível, Relator DA DESEMBARGADORA MARIA DAS GRAÇAS
MORAIS GUEDES , j. em 07-03-2017)
(TJ-PB 00012685120148150731 PB, Relator: DA DESEMBARGADORA MARIA DAS
GRAÇAS MORAIS GUEDES, Data de Julgamento: 07/03/2017, 3ª Câmara
Especializada Cível).

A garantia do orçamento afasta algumas das práticas abusivas promovidas no mercado de


consumo, assegurando que o fornecedor não execute qualquer serviço sem solicitação
prévia, isto é, sem a aprovação do consumidor. Além disso, o dispositivo evita que o
fornecedor exija vantagem manifestamente excessiva, tal como disciplina o inciso V, do
art. 39, do CDC que, com o conhecimento prévio do orçamento e a possibilidade de
comparação, não haverá o aproveitamento de situações pelo fornecedor, nem a execução de
serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor.
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Em contrapartida, o fornecedor tem uma garantia na contratação de seus


serviços, pois ao elaborar o orçamento, conduta em conformidade com a boa-fé nas relações
de consumo, esclarece de modo evidente e fundamentado a busca pela cobrança do
consumidor em caso de inadimplência, na medida em que o orçamento representa um
documento comprobatório e, realizado o serviço nos termos do orçamento, assegura ao
fornecedor o direito de demandar o consumidor na cobrança de seu débito. A lei é para
todos, e o cumprimento da norma legal protege os direitos de todos os envolvidos, porque a
lei tem a função de equiparar, de igualar os polos ocupados pelas partes, mas nunca de
favorecer ou prejudicar quaisquer deles.
É importante destacar que não é incomum encontrar lacunas no ordenamento
jurídico, de modo que determinadas situações nem sempre podem ser abarcadas pela lei,
resultando no impedimento fático de elaboração de orçamento que, se observado, não
afastará a obrigação de pagamento por parte do consumidor ante o princípio da boa-fé. No
caso de um atendimento médico de emergência, por exemplo, dada as especificidades da
circunstância, é dever do prestador de serviço salvaguardar a vida do consumidor e, nesse
sentido, não se trata apenas de consumidor, mas de um ser humano, um cidadão, que, acima
de tudo, deve ter preservado seu direito à vida e à dignidade da pessoa humana, além de seu
direito social à saúde, como determina a Constituição Federal. Ora, em determinada
situação emergencial, talvez, não seja possível elaborar o orçamento, já que o tempo
necessário para tal formalidade pode custar a vida ou comprometê-la seriamente. Assim,
considerando a boa-fé do fornecedor, somente este cobrará os valores de tratamento,
equipamentos, materiais e procedimentos empregados e necessários para a eficácia do
atendimento. Portanto, a vida 2, a saúde3 e a dignidade da pessoa humana 4 se impõem diante
da relação de consumo.
Muitas facetas revestem as situações que atraem a aplicação do inciso X, do
art. 39, do CDC, sendo extremamente recomendável muita atenção à letra da lei, bem como as
relações circunstanciais que podem ser amparadas por normas diferentes do ordenamento
jurídico, levando a um conflito entre normas que, nem sempre, são resolvidas pelo critério da
LINDB, notadamente em seu art. 2º, §1º e §2º. Aqui, certamente, se encontra uma das “zonas
cinzentas do direito”, a jurisprudência e a doutrina são grandes aliados em casos dessa
natureza. Com efeito, afirma Flávio Tartuce:

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Cf. art. 5ª caput, CF.
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Cf. art. 6º e art. 196, CF.
4
Cf. art. 1º, III, CF.
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A prática de alteração do preço sem motivo representa afronta à boa-fé objetiva e às justas
expectativas depositadas no negócio de consumo. Como é notório, não se pode aceitar atos
praticados pelos fornecedores e prestadores com o intuito de surpreender os consumidores
em relação ao originalmente contratado, situação típica do abuso de direito não tolerado
pelo sistema consumerista (TARTUCE, 2014, p. 307-308).

O inciso X, do art. 39, do CDC assenta que os preços referentes aos produtos e serviços
oferecidos pelo fornecedor não poderão sofrer um aumento arbitrário, ou seja, sem justa
causa, sem justificativa fática que lhe assegure suporte para tal conduta. Entretanto, é preciso
observar que a Lei de Defesa da Concorrência atualmente em vigor, a saber, a Lei
12.529/2011, precisamente em seu art.36, inciso III, estabelece como infração à ordem
econômica, pela qual os agentes econômicos respondem independentemente de culpa, os atos
que tenham por objetivo aumentar arbitrariamente os lucros, mesmo que estes efeitos não
tenham sido alcançados. Todavia, antes do CDC e da Lei supracitada, a Lei Delegada 4/1962,
recepcionada pela Constituição de 1988, em seu art. 6º, inciso IV, conferiu ao Estado
competência para fixação de preços máximos, visando a impedir lucros excessivos. Por sua
vez, a Lei 8.884/1994, em seu art. 21, inciso XXIV, concebe como infração à ordem
econômica impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço.
Na mesma direção, a Lei 4.371/1962, em seu art.2 o, inciso II, determinava como forma de
abuso de poder econômico elevar sem justa causa os preços, no caso de monopólio natural ou
de fato, com o objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros sem aumentar a produção.
Por mais que afirmem, aparente e essencialmente o mesmo, é necessário
esclarecer que existem importantes distinções que devem ser consideradas e, além disso,
lembrar que as relações de consumo se dão no mercado, pois é no mercado que bens, produtos
e serviços são adquiridos e ofertados, ou seja, o mercado é um fator que faz toda a diferença
nas situações que envolvem os dispositivos e normas elencados. Neste ponto, o que se
entende por “ordem econômica” delimitará não só o sentido da expressão, mas o largo
horizonte de seu alcance.
No artigo 39, inciso X, do CDC, proíbe-se a elevação de preços sem justa
causa. Ora, sua aplicação permite a proteção do consumidor da prática de preços elevados,
mesmo na ausência de contrato prévio entre as partes, o que se encaminha em direção diversa
do entendimento sobre o aumento arbitrário de lucros, motivadas por razões de natureza
diferente que, nem sempre, significam lucro excessivo, já que a empresa poderá, nesse caso,
ser incapaz de tal medida ou, até mesmo, eliminar lucros por intermédio de recursos de outra
ordem, por exemplo, por meio do planejamento fiscal. Mesmo que se possa aferir uma
possível relação de causa e efeito, não se pode afirmar que, em razão do aumento de preços
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sem justa causa, necessariamente decorra o aumento arbitrário dos lucros. São coisas
diferentes e motivadas por causas e razões diversas.
Sob outro prisma, o art. 39, inciso X, do CDC, não se identifica como
sinônimos as hipóteses de aumento excessivo e aumento sem justa causa. Existem mercados
regulados, nos quais o aumento de preços ocorre nos limites das normas regulatórias, seja por
tabelamento, seja por fixação de preços. Além disso, a evolução natural dos preços,
consequente da situação econômica, não implica em elevação sem justa causa, pois a elevação
dos custos, na maioria dos casos, acarreta, necessariamente, a elevação do preço. A respeito,
esclarece Rizzatto Nunes:
Trata-se de “reajuste” de preço, dir-se-á, fruto de nossa memória (jurídica) inflacionária.
Aqui, percebe-se que o inciso X do art. 39 está bastante esvaziado, porquanto ou há
tabelamento ou controle de preços (regrados no art. 41), ou liberdade de fixação. E, nesta
última hipótese, o aumento abusivo só ocorrerá após a contratação ou, quando muito, após
a aceitação da oferta tendente à contratação: já houve a oferta, e, dentro de seu prazo, o
consumidor aquiesceu para comprar. Fora isso, o fornecedor pode escolher o preço de seus
produtos e serviços (NUNES, 2018, p. 417).

Por último, o entendimento e a aplicação do artigo 39, X, do CDC também


observa as condições da formação dos preços, como os custos de produção e a aplicação a
estes, de índice ou percentual que abarcam os custos existentes que não estão inseridos nos
custos de produção, por exemplo, os tributos, as comissões, o lucro almejado, culminando
num preço referencial. Semelhantemente, os custos indiretos distribuídos na totalidade da
produção, mensurados e vinculados à escala em que são produzidos também devem ser
levados em conta, pois é assim que se obtém o custo unitário, além dos chamados custos não
padronizados, que são importantes variantes, na medida em que seu pagamento se sujeitam às
taxas distintas e transitórias.
Por fim, o inciso XIV, do art. 39 do CDC chama atenção ao abuso na
permissão do ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de
consumidores que o fixado pela autoridade administrativa como máximo. Em 2017, foi
publicada a Lei nº 13.425/2017, norma alterou aspectos do CDC, bem como da Lei de
Improbidade Administrativa, a Lei nº 8.429/92. A alteração estabelece as diretrizes de
medidas de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos comerciais,
edificações e áreas de reunião de público.
O dispositivo em tela considera tal conduta como crime de perigo abstrato, ou
seja, se consuma pelo fato de que o responsável pelo estabelecimento permite a entrada de
pessoas, acima do máximo permitido pela autoridade administrativa. Por ser crime, encontra
reflexos no Código Penal, e tem pena máxima cominada de dois anos, no entanto, é uma
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infração de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal e


também passível dos benefícios despenalizadores previstos na Lei 9.099/99.
A edição da nova lei é uma consequência da tragédia ocorrida na Boate Kiss
no início do ano de 2013, acontecimento que comoveu o país e fez a Ex-Presidente da
República, Dilma Rousseff, chorar ao visitar o local, no qual 242 jovens perderam a vida,
por conta de um incêndio ocorrido durante uma festa universitária realizada em Santa
Maria/RS. Falha na segurança, ilegalidades no Alvará, ausência de saída de emergência e a
coerção de pagamento de consumação acrescentam horror ao que já era terrível. Era
necessário que o Legislativo brasileiro regulamentasse por meio de norma com o objetivo
de evitar que casos semelhantes se repitam.
Ao tornar crime o descumprimento do inciso XIV, do art. 39 do CDC, a norma
automaticamente se aplica tanto a casas noturnas, quanto a bares, restaurantes, lojas, espaços
de eventos, shoppings, parques de diversão e todos os mais diversos espaços nos quais sejam
abertos ao público e que tenham uma capacidade máxima fixado pela autoridade
administrativa. Em tempos de pandemia, muitos desses lugares estão funcionando com
número reduzido de sua capacidade, e o cumprimento da lei garante não só a proteção dos
consumidores, mas de todos, ou seja, suas respectivas famílias, os profissionais que ali
trabalham, os profissionais da saúde e as pessoas que participam do meio social daqueles que
ali frequentam.

Considerações Finais

A existência de dispositivos legais de proteção às relações de consumo, não


asseguram que os direitos serão respeitados, mas possibilita que as partes presentes em ambos
os polos dessa relação encontrem mecanismos jurisdicionais para a tutela do seu direito. Os
casos mencionados nesse artigo são muito comuns, como demonstra a ampla jurisprudência
sobre o assunto que reflete, infelizmente, a amplitude de conflitos dessa natureza. A
autonomia do consumidor em adquirir o que deseja e somente o que deseja, a sua liberdade de
comparar preços de produtos e serviços, a garantia de que não será discriminado ao consumir,
bem como a segurança de pagar o valor que contratou e também a segurança de sua vida
foram alguns dos temas aqui apresentados.
O rol das condutas abusivas elencadas no art. 39 do CDC vai além desses
casos, e a não consideração dos demais dispositivos não são sinônimos de sua irrelevância.
Ao contrário, sua importância merece tratamento e abordagem específica em oportunidade
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diversa. Por isso é recomendável o estudo completo do art. 39 do CDC. Esgotar tal assunto
seria o mesmo que esgotar as relações de consumo, portanto, vale considerar a variedade de
nuances para obter uma visão panorâmica das relações de consumo e encontrar o instrumento
adequado para a defesa dos direitos. As práticas abusivas continuarão, infelizmente,
acontecendo. Mas a lei é para todos; o direito é a ferramenta – a boa-fé dos envolvidos é o que
assegura a justiça.

Referências
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor: direito material e processual.
Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: MÉTODO, 2014.
(STJ - REsp: 1061500 RS 2008/0119719-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de
Julgamento: 04/11/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2008,
DJe 20/11/2008).
(TJ-SP - AC: 10008075620198260642 SP 1000807-56.2019.8.26.0642, Relator: Alberto
Gosson, Data de Julgamento: 06/02/2020, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 11/02/2020)
(TJ-RO – RI: 10002489820128220014 RO1000248-98.2012.822.0014. Relator: Juiz Marcos
Alberto Oldakowski. Data de Julgamento: 21/10/2013. Turma Recursal – Ji-Paraná, Data da
Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 23/10/2013).

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