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DIREITO DO CONSUMIDOR
Ribeirão Preto
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Julho/2020
As Práticas Comerciais Abusivas nas Relações de Consumo Disciplinadas pelo Código
de Defesa do Consumidor
Resumo
O presente artigo possui a finalidade de esclarecer as práticas comerciais abusivas elencadas
no art. 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), notadamente, as práticas dispostas nos
incisos, I, II, III, VI, X e XIV que permeiam determinadas relações de consumo. Além da
explicação e da análise que tais práticas ocorrem, verificar-se-á o entendimento doutrinário e
o posicionamento jurisprudencial sobre o tema.
Introdução
motivada pela falta de amparo e proteção jurídica e sem meios de defender-se para a
preservação de seu direito.
Não é equívoco afirmar que a consequência do desrespeito ao art. 5º, XXXII,
da CF, implicaria em maiores violações dos seus princípios, tais como a justiça social e a
ordem econômica. Isso quer dizer que as práticas abusivas provocavam uma avalanche
desrespeitosa dos dispositivos constitucionais, desviando as relações de consumo para um
horizonte muito longe de uma relação harmoniosa e pacífica e, em muitos casos, ferindo a
dignidade dos consumidores e desvalorizando o fruto do trabalho deles que, ao procurarem o
mercado para as satisfações de suas necessidades, tinham seus direitos usurpados. Dessa
maneira, lê-se na Constituição Federal:
O prazo não foi cumprido, mas o Código de Defesa do Consumidor veio à lume. No entanto,
muitas negociações continuaram disciplinadas pelo Código Civil, e é sempre importante
observar a aplicação de uma norma ou outra dependendo do caso concreto.
O Código Civil estabelece no art. 113, que as práticas comerciais devem ser
observadas de acordo com a boa-fé e uso do lugar de sua celebração, ao passo que deve coibir
condutas que violam a boa-fé que é, fundamentalmente, a imposição de uma conduta leal dos
contratantes, observando que é dever de cuidado em relação à outra parte negocial, assim
como dever de respeito, concretizado no dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do
negócio, de modo que se espere o dever de agir conforme a confiança depositada, acarretando,
dessa forma o dever de lealdade e probidade, resultando dever de colaboração e de agir com
honestidade, conforme a razoabilidade, equidade e boa razão.
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Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o
fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa,
a limites quantitativos; II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas
disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao
consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; [...] VI - executar serviços
sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de
práticas anteriores entre as partes; [...] X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços; [...]
XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores
que o fixado pela autoridade administrativa como máximo.
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Por sua vez, o inciso II tem a finalidade de proibir a discriminação por raça,
cor, sexo, classe social etc. do consumidor pelo fornecedor, ou seja, se houver produto
disponível à venda, qualquer um que disponha dos recursos necessários, naturalmente, poderá
comprá-lo indistintamente. Nesse caso, a responsabilidade é presumida, não cabendo a
verificação de dolo ou culpa, ou seja, não se trata de responsabilidade subjetiva, e a
responsabilização se dá nos termos do arts. 14 e 17 do CDC, afastando assim a aplicação dos
dispositivos do Código Civil, já que se tratam de relações de consumo e possuem, portanto,
regulamentação específica.
O art. 14 do CDC, dispositivo que responsabiliza a reparação do fornecedor
pelos danos causados ao consumidor, notadamente, em seu inciso I, a saber o “modo de
fornecimento”, caracteriza a situação em tela, já que o atendimento também é um serviço
prestado e, por isso, seu modo discriminatório implica em responsabilização. Entretanto, o art.
17 do CDC estende às pessoas que presenciaram tal evento à equiparação ao consumidor,
portanto, são equiparadas à vítimas, e podem ingressar com ação no Poder Judiciário, porque
presenciaram uma grave afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio tão
caro à República, sofrendo o repúdio da discriminação tal como o consumidor. A
jurisprudência é categórica nesse sentido e não se omite à punição de atos repudiáveis como
todas as formas de preconceito. Nesse sentido, um dos Tribunais de Justiça do Brasil, o TJ-
RO decidiu:
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Se o consumidor é condicionado ao ônus, seja por um produto ou serviço que não solicitou,
todos os constrangimentos e perturbações serão convertidos em dano moral, já que não
provocou voluntariamente a situação de que foi acometido, encontrando amparo legal para a
defesa dos seus direitos, assim como a ação do Poder Judiciário para a aplicação pedagógica
da sanção que atente contra seus direitos.
No caso do inciso VI, o dispositivo tem o objetivo impedir que o fornecedor
realize determinado serviço, ou forneça algum produto, sem que antes ocorra uma estimativa,
uma pesquisa ou orçamento dos valores a serem pagos pelo consumidor. Caso contrário, o
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Cf. art. 5ª caput, CF.
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Cf. art. 6º e art. 196, CF.
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Cf. art. 1º, III, CF.
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A prática de alteração do preço sem motivo representa afronta à boa-fé objetiva e às justas
expectativas depositadas no negócio de consumo. Como é notório, não se pode aceitar atos
praticados pelos fornecedores e prestadores com o intuito de surpreender os consumidores
em relação ao originalmente contratado, situação típica do abuso de direito não tolerado
pelo sistema consumerista (TARTUCE, 2014, p. 307-308).
O inciso X, do art. 39, do CDC assenta que os preços referentes aos produtos e serviços
oferecidos pelo fornecedor não poderão sofrer um aumento arbitrário, ou seja, sem justa
causa, sem justificativa fática que lhe assegure suporte para tal conduta. Entretanto, é preciso
observar que a Lei de Defesa da Concorrência atualmente em vigor, a saber, a Lei
12.529/2011, precisamente em seu art.36, inciso III, estabelece como infração à ordem
econômica, pela qual os agentes econômicos respondem independentemente de culpa, os atos
que tenham por objetivo aumentar arbitrariamente os lucros, mesmo que estes efeitos não
tenham sido alcançados. Todavia, antes do CDC e da Lei supracitada, a Lei Delegada 4/1962,
recepcionada pela Constituição de 1988, em seu art. 6º, inciso IV, conferiu ao Estado
competência para fixação de preços máximos, visando a impedir lucros excessivos. Por sua
vez, a Lei 8.884/1994, em seu art. 21, inciso XXIV, concebe como infração à ordem
econômica impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço de bem ou serviço.
Na mesma direção, a Lei 4.371/1962, em seu art.2 o, inciso II, determinava como forma de
abuso de poder econômico elevar sem justa causa os preços, no caso de monopólio natural ou
de fato, com o objetivo de aumentar arbitrariamente os lucros sem aumentar a produção.
Por mais que afirmem, aparente e essencialmente o mesmo, é necessário
esclarecer que existem importantes distinções que devem ser consideradas e, além disso,
lembrar que as relações de consumo se dão no mercado, pois é no mercado que bens, produtos
e serviços são adquiridos e ofertados, ou seja, o mercado é um fator que faz toda a diferença
nas situações que envolvem os dispositivos e normas elencados. Neste ponto, o que se
entende por “ordem econômica” delimitará não só o sentido da expressão, mas o largo
horizonte de seu alcance.
No artigo 39, inciso X, do CDC, proíbe-se a elevação de preços sem justa
causa. Ora, sua aplicação permite a proteção do consumidor da prática de preços elevados,
mesmo na ausência de contrato prévio entre as partes, o que se encaminha em direção diversa
do entendimento sobre o aumento arbitrário de lucros, motivadas por razões de natureza
diferente que, nem sempre, significam lucro excessivo, já que a empresa poderá, nesse caso,
ser incapaz de tal medida ou, até mesmo, eliminar lucros por intermédio de recursos de outra
ordem, por exemplo, por meio do planejamento fiscal. Mesmo que se possa aferir uma
possível relação de causa e efeito, não se pode afirmar que, em razão do aumento de preços
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sem justa causa, necessariamente decorra o aumento arbitrário dos lucros. São coisas
diferentes e motivadas por causas e razões diversas.
Sob outro prisma, o art. 39, inciso X, do CDC, não se identifica como
sinônimos as hipóteses de aumento excessivo e aumento sem justa causa. Existem mercados
regulados, nos quais o aumento de preços ocorre nos limites das normas regulatórias, seja por
tabelamento, seja por fixação de preços. Além disso, a evolução natural dos preços,
consequente da situação econômica, não implica em elevação sem justa causa, pois a elevação
dos custos, na maioria dos casos, acarreta, necessariamente, a elevação do preço. A respeito,
esclarece Rizzatto Nunes:
Trata-se de “reajuste” de preço, dir-se-á, fruto de nossa memória (jurídica) inflacionária.
Aqui, percebe-se que o inciso X do art. 39 está bastante esvaziado, porquanto ou há
tabelamento ou controle de preços (regrados no art. 41), ou liberdade de fixação. E, nesta
última hipótese, o aumento abusivo só ocorrerá após a contratação ou, quando muito, após
a aceitação da oferta tendente à contratação: já houve a oferta, e, dentro de seu prazo, o
consumidor aquiesceu para comprar. Fora isso, o fornecedor pode escolher o preço de seus
produtos e serviços (NUNES, 2018, p. 417).
Considerações Finais
diversa. Por isso é recomendável o estudo completo do art. 39 do CDC. Esgotar tal assunto
seria o mesmo que esgotar as relações de consumo, portanto, vale considerar a variedade de
nuances para obter uma visão panorâmica das relações de consumo e encontrar o instrumento
adequado para a defesa dos direitos. As práticas abusivas continuarão, infelizmente,
acontecendo. Mas a lei é para todos; o direito é a ferramenta – a boa-fé dos envolvidos é o que
assegura a justiça.
Referências
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação,
2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito do consumidor: direito material e processual.
Flávio Tartuce, Daniel Amorim Assumpção Neves. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense: São
Paulo: MÉTODO, 2014.
(STJ - REsp: 1061500 RS 2008/0119719-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de
Julgamento: 04/11/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/11/2008,
DJe 20/11/2008).
(TJ-SP - AC: 10008075620198260642 SP 1000807-56.2019.8.26.0642, Relator: Alberto
Gosson, Data de Julgamento: 06/02/2020, 22ª Câmara de Direito Privado, Data de
Publicação: 11/02/2020)
(TJ-RO – RI: 10002489820128220014 RO1000248-98.2012.822.0014. Relator: Juiz Marcos
Alberto Oldakowski. Data de Julgamento: 21/10/2013. Turma Recursal – Ji-Paraná, Data da
Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 23/10/2013).