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competencias-socioemocionais-as-aprendizagens-curriculares
Publicado em NOVA ESCOLA 18 de Agosto | 2022

Planejamento

Como integrar as
competências
socioemocionais às
aprendizagens
curriculares?
Professores têm o desafio de proporcionar situações
didáticas que estimulem o desenvolvimento
socioemocional combinado ao cognitivo
Carol Firmino

Foto: Getty Images


Além de promover as aprendizagens acadêmicas previstas pelos componentes
da grade curricular, é papel da escola contribuir para o desenvolvimento
emocional dos estudantes. A educação socioemocional, contemplada na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), foca nas habilidades e competências que
ajudam as crianças e os adolescentes, entre outras ações, a se relacionar de
maneira mais saudável com seus colegas, agir com empatia, conviver de
maneira positiva com as diferenças e tomar decisões conscientes.
Simone André, consultora e especialista em Educação Integral, explica que,
quando falamos em desenvolver competências socioemocionais como condição
para tornar as aprendizagem mais amplas, profundas e resilientes, temos um
objetivo maior, que é construir com os estudantes as competências para
navegarem com autonomia em um mundo que pede autoconhecimento,
colaboração, propósito, escolhas coletivas e criatividade. “A construção de
autonomia – que envolve essas competências – precisa acontecer desde a
Educação Infantil até os ensinos Médio e Superior, tornando-se a capacidade de
aprender ao longo da vida”, afirma. “Desenvolver autonomia – ou seja, a
capacidade de se conhecer, se relacionar, construir objetivos e persistir em
alcançá-los, fazer escolhas, criar e lidar com as diferenças para resolver
problemas de seu cotidiano, de sua existência e de seu tempo – é a tarefa maior
da Educação em todas as suas etapas.”
Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), divulgado em abril de 2022, demonstrou que estudantes com
competências socioemocionais mais desenvolvidas têm maior probabilidade de
ter melhor desempenho na escola e maiores expectativas educacionais. Essas
competências servem como alavanca de aprendizagem e indicam um caminho
relevante para a mitigação de desigualdades escolares e sociais. No entanto,
trabalhar propostas com essa abordagem e integrar a educação socioemocional
às competências e habilidades curriculares pode ser um desafio para os
professores.
Desenvolvimento socioemocional não é um
componente curricular
De acordo com Simone, desenvolver competências socioemocionais não deve
ser traduzido apenas em mais um componente curricular e tratado como um
conteúdo para os alunos. “Quando propomos, de forma alinhada à BNCC, que o
desenvolvimento socioemocional seja curricular, estamos nos referindo a
diferentes camadas de integração.”
A primeira delas, segundo a especialista, é em relação aos resultados
educacionais, ou seja, o que se quer construir com os estudantes em termos de
aprendizagem. “As dez competências gerais da BNCC mostram o compromisso
de todas as áreas de conhecimento com a formação de um estudante que, por
exemplo, usa o conhecimento para aprender ao longo da vida e colaborar para
a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva [com relação à
competência 1] e é curioso, crítico, criativo e resolvedor de problemas [com
relação à competência 2].”
Uma segunda camada de integração, decorrente da primeira, diz respeito à
arquitetura curricular, ou seja, que todas as disciplinas ou componentes
curriculares tratem a dimensão socioemocional presente nas competências
gerais e específicas de forma integrada na concepção de ensino da disciplina ou
da área de conhecimento. “Isso quer dizer que o ensino e a aprendizagem da
Matemática, da Língua Portuguesa, das Ciências etc. é socioemocional e requer
colaboração, criatividade, autoconhecimento, empatia, determinação e assim
por diante”, destaca Simone.
Assim, não faz sentido reduzir o desenvolvimento socioemocional a um
conteúdo a ser trabalhado em um único componente, de forma apartada dos
campos de conhecimento. “O desenvolvimento socioemocional é parte do
ensino das disciplinas acadêmicas e, quando olhado do ponto de vista das
competências gerais, é parte do resultado maior a ser buscado com os
estudantes”, resume.
Por onde começar?
Silvia Lima, gerente de projetos na formação de educadores do Instituto Ayrton
Senna, diz que o primeiro passo é o professor compreender as competências
para desenvolver propostas pedagógicas com intencionalidade, para que os
alunos possam exercitá-las. “Na sala de aula, ele pode oportunizar esse
desenvolvimento. [Entende-se como oportunidade] porque não se ensina a ser
empático, não se ensina foco, mas isso pode ser vivenciado em atividades que
estimulem e testem as competências [para serem incorporadas em outras
situações].”
Ela salienta que isso funciona em qualquer área do conhecimento, basta que o
educador determine de que maneira a prática vai acontecer: “[Em Língua
Portuguesa], no ensino do gênero cordel, por exemplo, a curiosidade e a
abertura ao novo são competências que podem ser oportunizadas para
contribuir para a compreensão do tema [e depois exploradas no cotidiano]”.
Para Camila Sanches Miani, professora de Ciências e Práticas Experimentais das
turmas de 8º e 9º anos da EE Prof. Antonio Guedes de Azevedo, em Bauru (SP), é
necessário olhar para os componentes curriculares e entender quais
competências socioemocionais são mobilizadas a cada momento. “No início de
cada bimestre, elaboramos um documento chamado Guia de Aprendizagem,
com uma organização semanal dos conteúdos e habilidades que serão
desenvolvidos no período. Assim, as competências socioemocionais são
direcionadas junto às habilidades previstas, integrando também as
metodologias e atividades do componente”, descreve. Esse trabalho conta com
o acompanhamento dos coordenadores de área, da coordenação geral e,
quando necessário, da supervisão da escola.
As principais competências socioemocionais que a professora trabalha em suas
aulas são autonomia, curiosidade, criatividade, tolerância à frustração e
cooperação. “As metodologias ativas [como a rotação por estações] e as
atividades que propõem a resolução de problemas permitem que o aluno seja o
centro do processo de aprendizagem. Assim, ele precisa se organizar para
cumprir a tarefa solicitada, administrar o tempo, aprender a trabalhar em
grupo, lidar com a frustração de um experimento que não deu certo, dividir
tarefas e planejar ações para resolver um problema”, exemplifica Camila.
Ana Carolina Bicalho, professora de Ciências das turmas de 6º e 9º anos das EE
Manoel Loureiro e EE Alberto Pereira Lima, ambas em João Monlevade (MG),
reforça que as competências socioemocionais permitem ao aluno ouvir
diferentes opiniões, transmitir suas ideias e desenvolver habilidades de
relacionamento. Para isso, ela sugere que o professor invista na construção de
vínculos e de uma relação de confiança com os estudantes, mediando rodas de
conversa e ajudando a solucionar de forma respeitosa os conflitos que surgem
nas dinâmicas de sala.
Para Simone, outro aspecto importante é o professor saber como os conteúdos
da disciplina podem ser organizados ou adaptados de acordo com os diferentes
interesses e a capacidades dos estudante, de modo a torná-los compreensíveis
para todos. “É preciso considerar suas singularidades, seus contextos, suas
identidades e seus aspectos socioemocionais.”
Escola da vida
Na EE Bento de Abreu, em Santa Lúcia (SP), o professor Juliano Belintani, que
leciona História e Geografia do 6º ao 9º ano, acredita que, independentemente
do componente curricular, promover a educação socioemocional é inevitável,
pois a escola se relaciona com os espaços diversos nos quais alunos e
professores estão inseridos. Nas suas propostas, ele busca aproximar a
realidade que o estudante vive em seu dia a dia das atividades em sala de aula.
“É possível relacionar teoria e prática em contextos nos quais os alunos ativam
suas memórias intelectual, cognitiva, cultural e social, retomando situações já
enfrentadas fora da escola. Não adianta um professor de História falar sobre
guerras na Europa e não fazer conexões com a vida em comunidade, por
exemplo”, afirma Juliano. Ele explica que, nessa abordagem, promove debates
sobre imperialismo, colonialismo e causas econômicas e sociais dos conflitos
europeus para articular com o tema da pobreza e da desigualdade no Brasil, em
parte herança da maneira como se deu a colonização por aqui. O educador
acredita que essa é uma forma de promover reflexões que abordem
responsabilidade e cidadania, empatia e cooperação, autoconhecimento e
autocuidado, além de argumentação e pensamento crítico e criativo. “Cada
turma permite que competências socioemocionais diferentes sejam exploradas,
e isso [ envolve] a sensibilidade do professor e o olhar que ele tem sobre os
sujeitos que estão ali.”
Um ator social importante no desenvolvimento das competências
socioemocionais no ambiente escolar é a família do aluno. Além de levar em
consideração a rotina na qual ele está inserido, faz toda a diferença debater
com os pais questões que extrapolam a grade curricular e o desempenho
acadêmico. Na opinião do professor Juliano, é necessário fazer com que os pais
sejam parceiros da escola, mas desde que se considere a particularidade de
cada estrutura familiar, já que nem sempre a presença física é possível. “Nossa
equipe realiza buscas ativas, procurando alunos e responsáveis ausentes por
meio de ligações e mensagens de WhatsApp, pois algumas reuniões conflitam
com o horário de trabalho e as obrigações desses pais. Essa atualização e o
contato, às vezes semanal, são essenciais, já que a escola pode ser a única fonte
de cultura, socialização e alimentação em muitos bairros.”
Silvia, do Instituto Ayrton Senna, lembra que, nos últimos dois anos, os
estudantes passaram a maior parte do tempo dentro de casa, vivendo
diferentes realidades. Por isso, é fundamental que a escola dialogue com os
responsáveis e entenda como foi esse período para encontrar maneiras de
fazer o acolhimento. “Use o conselho de classe, convide os pais e apresente o
projeto de competências socioemocionais”, completa.

Como trabalhar os aspectos socioemocionais e


cognitivos de forma articulada
Silvia Lima, do Instituto Ayrton Senna, dá dicas e aponta caminhos
Viabilize a recuperação das aprendizagens sem desconsiderar o
acolhimento aos professores e alunos;
Defina as competências que serão trabalhadas de forma intencional
junto aos conteúdos cognitivos, visto que não é preciso desenvolver
todas as competências ao mesmo tempo;
Participe de formações e estude as competências socioemocionais e
seus significados para garantir que elas estejam alinhadas às principais
habilidades de cada componente. Por exemplo: o quanto o foco
contribui para a atividade que desejo propor?;
Estimule o protagonismo dos estudantes frente aos seus aprendizados,
deixando claro os objetivos da aula;
Incentive a autoavaliação para que o aluno perceba o seu
desenvolvimento e identifique como ele acontece. Por exemplo, leve-o
a refletir: o que eu fiz para ser mais resiliente? Em que situações sou
mais ou menos empático?;
Trabalhe com metodologias ativas, que mobilizam importantes
competências socioemocionais, e explique o significado delas para os
estudantes e para a aprendizagem da disciplina
Relacione os aspectos socioemocionais aos objetos de estudo da área
ou da disciplina – mostrando, por exemplo, que não se desenvolve
ciência sem colaboração e curiosidade; não se pensa matematicamente
sem abertura ao novo e planejamento; e não se constrói o pensamento
linguístico, artístico e humanístico sem criatividade, abertura e
autoconhecimento.

Experiências práticas
Um ponto de atenção nesse contexto, de acordo com Silvia, é a recomposição
das aprendizagens, visto que a pandemia resultou em defasagens em todos os
componentes curriculares. Por outro lado, ela ressalta que “não basta correr
para recuperar o conteúdo, [pois] é preciso se atentar às pessoas, tanto aos
educadores quanto aos alunos, e observar como elas estão.”
Ou seja, recomposição de aprendizagens e competências socioemocionais
devem caminhar juntas. Para isso, a professora Ana Carolina costuma dividir os
alunos em grupos. “Primeiro, faço um sorteio para garantir que esses grupos
não sejam formados apenas por afinidades. Depois, transmito o comando, que
pode ser uma pergunta ou uma situação relacionada ao componente – para
trabalhar bioética, por exemplo, utilizei reportagens que abordavam uso de
animais em experimentos, clonagem, eutanásia e células-tronco.” Ela então
solicita que os estudantes escolham juntos o melhor jeito de responder,
analisando pontos positivos e negativos sobre o tema. Eles podem recorrer a
charges, textos, músicas e outros formatos. Segundo Ana, essas experiências
permitem trabalhar a empatia, ensinar a importância de escutar e descobrir
talentos de alunos que preferem formas mais artísticas de se manifestar.
Para as aulas de História e Geografia, por sua vez, Juliano sugere um mapa da
desigualdade no Brasil, feito através da perspectiva do aluno. Com sua turma
do 9º ano de Geografia, o professor trabalhou indicadores sociais a partir da
produção de um mapa da cidade de Santa Lúcia (SP) que destacou as divisões
sociais dos bairros. Isso foi feito com o apoio, principalmente, de documentos
oficiais sobre desigualdade em âmbito nacional, estadual e regional. “As
discussões que ocorreram durante e depois do exercício permitiram aos alunos
refletir sobre os resultados e exercer empatia, escuta, cidadania e
argumentação no diálogo com os colegas”, diz Juliano.
Ele acrescenta que, na EE Bento de Abreu, os estudantes também têm a
oportunidade de produzir podcasts, exercício que fomenta pesquisas sobre
temas como racismo estrutural e homofobia, que extrapolam a turma e chegam
a colegas de outros anos, aos funcionários da escola e à comunidade. “Todo
esse protagonismo abre espaço para que o professor acesse competências
socioemocionais, sem deixar de ampliar o arcabouço teórico do componente.
Com ferramentas críticas e criativas que promovem a emancipação, o aluno nos
informa um pouco sobre quem ele é, e nós deixamos de ser a única fonte de
saber da sala de aula”, conclui o professor.
Consultoria pedagógica: Simone André, especialista em Educação Integral e
desenvolvimento socioemocional.

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