Você está na página 1de 6

Os cristãos acreditam que o Universo é criado por Deus, devido a isto, o Cristianismo tem uma

relação absolutamente única com todas as formas de uma Arte sempre louvada pela Bíblia, ou
seja, com todas as formas de realizar, com destreza e criatividade, algo dotado de beleza e, ao
mesmo tempo, este mesmo algo; pertença este aos mais diversos âmbitos: da literatura à
pintura, passando pela arquitetura, música, teatro, escultura, cinema, etc..

Para a visão cristã da realidade, a arte verdadeira é algo de acessório, ou meramente tolerado.
Toda a Arte verdadeira carrega, em si mesma, ideias que, embora repletas do captável pelos
sentidos corporais, apontam para o que está para além destes. A saber e por exemplo: o amor,
a ternura, a misericórdia e a beleza de Deus que, de alguma forma, como que podem ser
pressentidas no silêncio que surge entre duas notas perfeitamente harmónicas; no vazio entre
duas curvas de mármore que se juntam delicadamente; na porção a branco, de uma pintura,
entre outras pinceladas com cores mais quentes, mas que são salientadas, precisamente, por
aqueloutra; no espaço sem tinta num qualquer livro de poesia que convida a ler o, sempre
mais importante, que ficou por ser dito; enfim, por aquele instante fugidio de extraordinária
naturalidade que surge numa fotografia.

Daí surgir a enorme expressividade de uma Arte que, quando é verdadeira, brota das mais
banais realidades finitas e perecíeis e volta-se para o infinito, o eterno e o divino, tentando, de
modo temático ou atemático, pôr em si todas as interpenetráveis dimensões da verdade, da
beleza e do bem.

A Arte autêntica em geral e a arte cristã em particular, que de certo modo é aquela levada á sai
máxima expressão por decorrer daquela inspiração em que Deus e o ser humano se beijam
maximamente, recorda, transmite, clarifica e antecipa valores que superam o que pode ser
avaliado.

Aquele Deus criou, e cria, o nosso coração como uma espécie de máquina que só se move com
um combustível que é o próprio Deus e, dessa forma, envolve os afetos, motiva o pensamento,
orienta a vontade, fomenta a ação e, em consequência disto tudo, suscita relações que
também podem, e devem, ser celebradas pela Arte cristã.

Por tudo o que foi mencionado, a educação e formação cristã para a apreciação e valorização
da Arte verdadeira, bem como para a assunção dos códigos cristãos do que é a Arte crista, não
deve ser algo de despiciente na educação para uma saudável vida cristä multi-abrangente.

A Arte interpretada o mundo e a condição humana:


nem só de pão vive o ser humano

Analisada a produção artística que a humanidade, ao longo de milhares de anos, criou e


continua a criar, os estudiosos inclinam-se cada vez mais para associar a arte ao pensamento e,
na maioria das vezes, a não dissociarem estes conceitos de uma outra realidade que e a da
interpretação sagrada da experiência humana.
Arte e ação humana andam assim ligadas possibilitando que uma e outra se possam
determinar ao ponto de se encontrarem na expressão ritual que faz transcender o quotidiano
humano.

Ao tentar interpretar o absoluto, o pensamento humano transcende-se nas lógicas


interpretativas e promove a criação de invulgaridade, a fim de rasgar o quotidiano e de
penetrar noutros patamares que elevam a existência biologica à existência transcendental.
Assim o testemunham as elaborações fixadas na rocha de tantos lugares arqueológicos, ainda
antes da invenção da escrita, que permitem aos investigadores encontrarem formulações de

âmbito estético-simbólico do homem pré-histórico As estatuetas representativas de figuras


femininas, interpretadas como simbolos de fertilidade, assim como tantas outras realizações
figurativas e abstratas, procuravam evocar e invocar o infinito, como uma ideia de
transcendência.

Ao contrário do que popularmente se encontra veiculado, os estudos têm confirmado que nem
a religião judaica nem a religião islâmica prescindiram da criação artística, embora tomada no
contexto do específico pensamento doutrinário: «enquanto no Islão e no Judaísmo, a partir do
século III ou IV depois de Cristo, a postura a respeito da proibição de imagens era radical, de
modo que apenas representações geométricas e não figurativas tenham sido concedidas como
ornamentos de santuários, o Judaísmo no Tempo de Jesus e até ao século III apresentava uma
interpretação da questão das imagens muito mais generosa»

(Joseph Ratzinger, 2001).

Herdeiros de tantas expressões da era judaica, os primeiros cristãos entenderam também a


criação artística como manifestação própria do pensamento humano votado ao culto
consagrado a Deus, à maneira do episódio narrado por João, em que Cristo deixa claro que a
dignidade divina comporta também o que rompe a forma quotidiana de agir quando elogia o
derramamento de perfume sobre os seus pés.

[20:15, 01/05/2023] Madalena Pereira: Os cristãos, na sua experiência multiforme,


desenvolveram ao longo dos

tempos uma arte que comungou das características do próprio contexto

social, político, económico, institucional e filosófico. A sua arte comungou

das necessidades da arte de cada tempo e foi umas vezes protagonista e

outras subsidiária de linhas de pensamento que a conduziram para deter-

minada formulação.

Assim, uma síntese acerca da função da arte no contexto religioso pode

admitir que a sua missão foi sempre tripla - homenagem do ser humano a

Deus como ato de adoração; explicação humana de Deus como narrativa

para a transmissão da fé - mediação entre o ser humano - e Deus como

lugar teológico da experiência do sagrado.

[20:17, 01/05/2023] Madalena Pereira: Não negando a máxima da Escritura de que o «vento
sopra onde quer» (Jo 3,8), surgem, assim, o
adjetivações diversas para a arte, almejando chegar à definição de formas

sobrepõem. Tem sido múltipla a produção dos estudiosos na tentativa

tão complexos

[20:19, 01/05/2023] Madalena Pereira: O caminho que segue desde "arte sacra" até "arte
cristã", passando por "arte religiosa", pode

contribuir para entender a existência de uma formulação que abranja o pensamento

que se detém e, ao mesmo tempo, constrói a representação do transcendente,

posicionamento

ainda

que esse

não exija uma ligação institucional que implique a ideia subjacente a 'religio'.

[20:20, 01/05/2023] Madalena Pereira: a proposta que alguns investiga-

dores seguem não descarta que se entendam linhas de fronteira e de sobreposição, porquanto

se torna difícil, na práxis religiosa, separar a realidade em segmentações estanques.

A estas categorias poderia ainda somar-se uma outra intrinsecamente relacionada, sobretudo,

com a arte religiosa e com a arte cristã: a de "arte litúrgica", normalmente usada para refe-

renciar a arte produzida e utilizada como apoio à ação sagrada, ao agir cultual da comunidade

quando se reúne para celebrar.

Os mais diversos autores assinaram peças que

[20:20, 01/05/2023] Madalena Pereira: giosidade natural. Todas as manifestações de inspi-

ração religiosa que procuram, a partir da experiência

artística, aludir à ideia de bondade e de bem são,

obviamente, conotáveis com a experiência que trans-

cende a forma quotidiana de viver e, por conseguinte,

com lugares de beleza que as diferentes culturas leem

como obra de Deus. Por exemplo, la obra "Só Deus"

(1856), de Francisco Metrass (1825-1861), interpretada

segundo o contexto da sua época de produção, faz

pensar, de facto, no Deus do Ocidente Cristão, mas

o autor do quadro faz questão de deixar o horizonte

aberto a outro tipo de reflexão. Por outras razões,

[20:21, 01/05/2023] Madalena Pereira: (1891-1976), por exemplo, quando representa "A
Virgem Maria a castigar o Menino Jesus perante três

testemunhas: André Breton, Paul Eluard e o pintor

(Museum Ludwig, Colónia), está claramente a lembrar

a importância da encarnação de Deus numa criança,

mas também a beliscar a forma tradicional de enten-

dimento da figura de Maria, aqui castigadora, e do

próprio Menino, aqui castigado, pelos seus devotos.

[20:21, 01/05/2023] Madalena Pereira: toda a géstica ritual está envolvida pela arte,

não apenas pela arte visual

Tradicionalmente,

mas outrossim pelas artes que, no mundo moderno, se vieram a chamar de performativas.

Segundo a lógica ritual do catolicismo, só o cruzamento de todos os elementos informativo-

-sensoriais poderá levar a essa experiência de Deus.

[20:22, 01/05/2023] Madalena Pereira: O mesmo se poderá dizer de todas as ações orantes
que para a expressão da fé sentem neces-

sidade de fazer recurso de objetos que, por contactarem de um modo direto com o Deus pre-

sente de forma real, começaram a ser apetidados de objetos sagrados: assim aconteceu com

as alfaias usadas para o sacrificio eucaristico como são os ciborios ou as píxides, as patenas e

os cálices e todos os restantes utensílios que tocavam ou ajudavam a acontecer a Eucaristia

(turíbulo e naveta, cruzes processionais, tocheiros, etc.). A este grupo juntaram-se, ainda, as
cus-

tódias usadas para expor diante dos fiéis o próprio Corpo de Cristo, também

ruas

da cidade debaixo de dispositivos cénicos que ajudavam a dizer ao mundo a fé em Cristo como

Senhor do tempo e da História.

levado

pelas

[20:23, 01/05/2023] Madalena Pereira: Mais do que as peças

que encenam o ambiente da oração, são as imagens sagradas, muitas

vezes contendo relíquias dos santos, que representam, que se fazem

efígie dos mediadores da relação com o divino. Nesta categoria têm

cial os ícones dos "amigos de Deus" expressão pela qual a


[20:24, 01/05/2023] Madalena Pereira: na esteira do que havia já sido defendido por João
Damasceno (675-

-749), elogia a ação duradoura dos ícones: «Na igreja, a leitura (das

Escrituras) proclama-se com intervalos, ao passo que a figu-

ração dos ícones nos narra e transmite por si mesma a verdade

dos factos permanentemente, à tarde, de manhã e ao meio-dia...>>

(II Concílio de Niceia, sessão VI). De facto, nesta época, e nas épo-

cas que se seguiram, a Igreja acredita que «a invenção e a capaci-

dade dos ícones não é dos pintores, mas da legislação aprovada e

da autêntica transmissão da veneranda memória eclesial...», acla-

rando, ainda, que «a penetração e a tradição são dos Padres, não

do pintor; do pintor é apenas a arte...» (idem).

Pr

[20:24, 01/05/2023] Madalena Pereira: do

1, do pintor

paon.

O que na sessão VI e VII do Concílio de Niceia ficou fixado serviu de alicerce a toda a produ-

ção artística subsequente, assumindo-se, inclusivamente, que «os ícones foram transmitidos

na Igreja como os Evangelhos» (idem). O registo chegava mesmo a comparar a compreensão

da Mensagem, operada através do ouvir, com a compreensão da Mensagem operada através

do ver: <<na verdade, tal como a inteligência compreende a leitura escutada pelos ouvidos,

do mesmo [modo] a inteligência é iluminada pela imagem vista pelos olhos, e, com as duas

coisas interdependentes, isto é, a leitura das Escrituras e a visão da pintura, aprendemos

a mesma notícia e chegamos à memória da história»> (idem).

Não houve, contudo, confusão entre a substância que materializa e a substância que se evoca.

Os padres da reunião de Niceia que temos vindo a citar escreviam que «a veneração prestada a

uma imagem se dirige àquele que ela representa», pois «quem venera uma imagem venera

a pessoa que nela está representada» (II Concílio de Niceia, sessão VII).

No entender do mesmo concílio, a arte figurativa levava a esse sentido de comunicação entre

a comunidade terrestre e a comunidade celeste: não deixando de acentuar que o culto de


latria

era apenas devido às realidades representadas e não à matéria que as representava, o texto
fixava que, «quanto mais frequentemente se olha para as imagens, tanto mais facilmente

os que as contemplam se sentem elevados à memória e aspiração dos seus originais>>

(II Concílio de Niceia, sessão VI).

É este, de facto, o entendimento que justifica a presença de figuração em todos os cenários his-

tóricos da Igreja, desde a Alta Idade Média ao Renascimento, desde o Concílio de Trento (1545-

-1563) ao Concílio Vaticano II (1962-1965), que a afirma digna da «veneração dos fiéis»,
aconse-

Ihando manter-se «o uso de expor imagens nas igrejas» (Sacrosanctum Concilium, n. 111 e
125),

desde que o seu número seja compatível com a ortodoxia da fé, e exortando à sua preservação

enquanto património artístico do passado. O mesmo documento, preocupado com a destrinça

entre o assessório e o essencial, legisla que as imagens devem ser «em número comedido e na

ordem devida, para não causar estranheza aos fiéis nem contemporizar com uma devoção

menos ortodoxa» (Sacrosanctum Concilium, n. 125).

[20:25, 01/05/2023] Madalena Pereira: Entre as mais claras manifestações culturais que ao
longo de múltiplas gerações marca de

forma solene a ideia de Deus no espaço humano está a Procissão do Corpus Christi, gesto

celebrativo comunitário que pode ser entendido como verdadeira metáfora da presença de

Deus na cidade dos homens. Para que aconteça esta manifestação pública de fé saem à rua,

na formulação tradicional, todas as representações sociais que marcam de forma visível, atra-

vés de símbolos e outros sinais, a diversidade da comunidade que tem como Deus Jesus Cristo

humanado que, feito alimento, se reparte pela humanidade.

Como este, existem múltiplos outros sinais visíveis que, ao longo da história, foram edificados

pelos cristãos como imagens da presença de Deus no seio da comunidade humana: igrejas e

[20:26, 01/05/2023] Madalena Pereira: tadora de Deus quer quan

vezes,

serve a ação votada a Deus/O património multissecular que a Igreja foi construindo e que fixou

em cada época o pensamento humano acerca de Deus é hoje considerado, múltiplas

como património da própria humanidade, consequência clara de que no universo cristão o

culto é inseparável da cultura e a produção artística a ele associada é, por isso, reflexo dessa

cultura e testemunho vivo do pensamento que criou.

Você também pode gostar