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Sentidos 12, Unidade 6.

1 – José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis Cenários de resposta

Página(s) Domínio / texto Cenário de resposta

226 Compreensão do 1.
Oral a. Durante o seu velório, José Saramago teve ao seu lado o Memorial do convento, livro oferecido por Eduardo Lourenço e com o qual foi cremado.
b. Ribatejo
c. Povo (camponeses)
d. Serralheiro
e. Funcionário administrativo
f. Desenhador
g. Tradutor
h. Diretor adjunto do Diário de Notícias
i. Inscrição no Partido Comunista.
j. Decisão de viver da literatura, após ter ficado desempregado.
k. Casamento com Pilar.
l. Polémica com o governo português por este ter tomado a decisão de afastar O evangelho segundo Jesus Cristo da lista de candidatos ao prémio literário
europeu.
m. Atribuição do Prémio Nobel da Literatura.
n. Terra do pecado
o. Os poemas possíveis
p. Levantado do chão
q. Memorial do convento
r. A jangada de pedra

226 Expressão Oral 1. Poderão ser abordados, entre outros, os seguintes aspetos:
− As citações remetem, estrutural e estilisticamente, para o texto presente na contracapa de Memorial do convento, estabelecendo-se assim uma relação de
intertextualidade.
− As citações dão-nos conta da naturalidade do escritor, de marcos importantes na sua vida (como a data de nascimento, a atribuição do Prémio Nobel e a
relação com Pilar del Rio), das várias atividades que exerceu, com destaque para a criação literária, e do facto de ser um homem e um autor controverso.
− A vida de Saramago como uma história a ser contada, num tom oralizante (“Era uma vez”), tomando o autor como protagonista.

227 Leitura 1. O texto versa sobre a tentativa de evangelização de que Saramago foi alvo e da pena que sentiu em não ter “oferecido” o seu Evangelho aos dois jovens.

2. O tom irónico é visível no recurso aos diminutivos com sentido depreciativo (“vestidinhos”, “risquinhas”, “malinha”) e nas expressões valorativas (“como
bons candidatos ao martírio” ou “de pena por esta alma perdida”).

3. Além de espelhar o tom sarcástico, típico de Saramago, o texto evidencia o ateísmo visível em muitas das obras do escritor.

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4. O tom coloquial é visível, por exemplo, no facto de o narrador se servir de expressões populares como “e lá foram pregar a outra freguesia”.

5. Sendo a obra de Saramago O evangelho segundo Jesus Cristo censurada pela Igreja, por questionar um conjunto de dogmas cristãos, o narrador lembra-se
de que deveria ter oferecido aquele livro aos “jovens” para os dissuadir da sua missão apostólica.

6. Antítese que contrapõe a visão cristã, identificada com as “verdades eternas”, à visão do narrador, assumidamente ateu. Por isso, ele declara que a
mensagem bíblica não passa de uma mentira otimista.

7. [A], [C], [D], [F]

8. O advérbio “cá” apresenta valor deítico espacial na medida em que “posiciona” o “eu” no local onde recebeu a visita dos dois missionários, ou seja, a sua
casa.

9. Apresenta progressão, obedece à regra da não contradição e espelha a continuidade de sentido.

228 Informar 1. O estabelecimento de relações intertextuais constitui-se como um marco inquestionável da obra, evidente não só no facto de duas das personagens serem
figuras destacadas da literatura portuguesa, e que, entre outros aspetos, se debruçam sobre a sua própria criação literária mas também pela evocação
sistemática de outros autores, como Camões, e de outros textos, estabelecendo-se, desta forma, um “diálogo intenso” de Saramago “com os nomes maiores
da literatura portuguesa”.

2.1 A epígrafe em questão sintetiza a forma como o heterónimo Ricardo Reis se posicionava em relação ao mundo, nomeadamente no que diz respeito aos
conceitos de estoicismo e epicurismo. Segundo o poeta, nada justificava qualquer esforço, paixão ou dor, porque o destino já estava traçado, cabendo, pois, a
cada um, saber aceitá-lo com indiferença. Situando Ricardo Reis no cenário desfavorável de 1936, Saramago pretende pô-lo à prova, de forma a perceber até
que ponto a máxima pela qual, poeticamente, o heterónimo sempre se regeu se mantinha inalterável.

229 Leitura 1.
a. F – Foi durante a Primeira República que o país viveu uma enorme instabilidade política.
b. V
c. F – A burguesia apoiava o regime. A propaganda e a repressão visavam o controlo dos mais desfavorecidos e de alguns intelectuais que estavam contra o
sistema.
d. V

2. Este texto configura-se como uma exposição, uma vez que prevalece o caráter demonstrativo que pretende elucidar sobre um determinado tema, e
também porque nele predomina um discurso objetivo.

230-231 Educação Literária 1.


a. Lisboa

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b. Marcenda
c. paralisada
d. Fernando Pessoa
e. Lídia
f. Fernando Pessoa
g. a vida e a morte
h. a Conspiração
i. o comunismo
j. na PVDE − Polícia de Vigilância e Defesa do Estado
k. Marcenda
l. no Alto de Santa Catarina
m. do Adamastor
n. Marcenda
o. uma carta
p. com Lídia e com Marcenda
q. Victor
r. que se casem
s. que não seriam felizes
t. Fátima
u. Marcenda
v. abortar
w. em não voltar mais
x. revoltar
y. morreu
z. acompanhá-lo

236-237 Educação Literária 1. Em 1936, vivia-se, em Portugal, um regime ditatorial, liderado por Oliveira Salazar, que acumulava os cargos de presidente do Conselho e de ministro das
Finanças. No geral, a população era partidária desse sistema político, conforme atestam a posição dos sindicatos e a grande adesão de jovens à Mocidade
Portuguesa. Havia, no entanto, quem se opusesse e tentasse derrubar o regime. É o caso de alguns marinheiros, entre os quais, Daniel, o irmão de Lídia, que
tentaram liderar uma revolta, mas sem êxito.

2. Salazar, descrito como um homem inteligente, sábio e com uma força extraordinária, surge como o protótipo do dirigente político, que administrava o país
de forma exemplar e que promovia a ordem pública. Internamente era considerado o protetor do povo, o pai, o salvador da pátria. Externamente é
apresentado como um modelo a seguir. Esta visão eufórica de Salazar resultava, sobretudo, de artigos encomendados à imprensa, pagos pela propaganda
nacional.

3.1 Ideologicamente, defendia-se que os cidadãos deviam ter acesso a uma educação básica, “sem pruridos de sabedoria excessiva” (l. 23), preferindo- -se o
analfabetismo a uma educação que questionasse os valores do cristianismo ou que fomentasse a ambição material.

3.2 Negar aos cidadãos um maior conhecimento do mundo e negar o acesso à cultura e à informação era a melhor forma de garantir o conformismo e a
aceitação relativamente às medidas tomadas pelo governo. De facto, um cidadão que não tenha ao seu dispor outras perspetivas, que não tenha desenvolvido

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um espírito crítico, é mais facilmente manipulável e controlável.

4. O narrador pretende distanciar-se da imagem que os jornais veiculam sobre Portugal e sobre os seus dirigentes, uma vez que não partilha da visão otimista
de que se faz gala. Este afastamento é notório, no plano linguístico, quando usa a forma impessoal “Diz-se” (l. 1) ou quando afirma categoricamente que
aquela perspetiva que está a relatar é a dos jornais: “dizem-no os jornais” (l. 1). Por outro lado, o recurso à ironia, "quer por sua própria convicção, sem recado
mandado, quer porque alguém lhes guiou a mão" (ll. 1-2) contribui também para reforçar que a sua posição é diferente daquela que os jornais evidenciam.

5. No geral, o povo português vivia na miséria, mesmo tendo um trabalho e, por isso, acabava por estar dependente dos bodos que o Estado proporcionava ou
da caridade dos patrões, que não garantiam um emprego com condições dignas − “Uma esmolinha senhor patrão por alma de quem lá tem.” (l. 38). Outros
optavam por emigrar à procura de melhores condições de vida.

6. A propaganda era uma das melhores formas de as classes dirigentes garantirem a vigência da ditadura: os jornais transmitiam às populações a ideia da
grandeza e da prosperidade do país. Os sindicatos, autênticos braços do regime, faziam circular prospetos e organizavam comícios para propagar a ideologia. A
Mocidade Portuguesa era o instrumento para educar os jovens, garantindo que eram incutidos, desde muito cedo, os valores pátrios. Ao mesmo tempo, a
população era globalmente reprimida através da censura, ou, particularmente, através da perseguição, ou da tortura, a cargo da Polícia de Vigilância e Defesa
do Estado.

7. Perante as declarações de um dirigente político que advogava que “Nunca mãe alguma, ao dar à luz um filho, pode atirá-lo para um mais alto e nobre
destino do que o de morrer pela sua terra” (ll. 64-66), o narrador evoca acontecimentos futuros – a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Colonial, que
conduziram milhares de pessoas à morte – para denunciar a forma displicente e desrespeitosa como o regime encarava a vida dos seus concidadãos
(comparáveis a animais: “a perguntar quando desovam”, l. 67).

8. É evidente, pelo diálogo que trava com Fernando Pessoa, que Ricardo Reis, regressando a Portugal ao fim de 16 anos, não está a par da situação política de
Portugal, tomando conhecimento dela apenas pelos jornais ou por conversas que vai mantendo com outras personagens, como Lídia. Neste caso concreto,
Ricardo Reis opta por colocar as suas dúvidas a Fernando Pessoa, que, sabendo ler nas entrelinhas, confessa ao seu heterónimo que os meios de comunicação
estão ao serviço de uma poderosa máquina de propaganda política.

9. O facto de o arcebispo de Mitilene ter declarado que Portugal é Cristo e Cristo é Portugal evidencia o apoio da Igreja ao regime. Cometendo esta blasfémia,
ele abençoa o país e os seus governantes, e atribui-lhes um cunho sagrado. Por outro lado, esta era a melhor forma de garantir a adesão do povo ao regime,
fazendo uso das raízes marcadamente cristãs da população portuguesa.

10.1
a. Por meio da ironia, o narrador salienta o facto de ser hábito em Portugal valorizar tudo o que é estrangeiro, em detrimento do que é nacional.
b. A metáfora e a ironia presentes no enunciado servem para realçar a submissão dos portugueses ao regime e os sacrifícios e as carências experienciados pela
população.

11. Vieira descreve os roncadores de forma negativa, pois muito roncam apesar da sua pequenez, querendo com isto representar a arrogância e a prepotência
dos homens. De igual forma, o narrador de O ano da morte de Ricardo Reis pretende representar a altivez de algumas nações europeias, servindo-se para isso
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de um vocábulo que remete para a sensação auditiva – o verbo “arrotar”.

12. O narrador serve-se das relações intertextuais para trazer uma dimensão irónica ao seu relato. Assim,
a. Fernando Pessoa é evocado sarcasticamente por Ricardo Reis através do último verso do poema "O Infante" (in Mensagem): “Senhor, falta cumprir-se
Portugal”. É ridicularizada a prosperidade do país, quando Reis afirma ser uma pena Fernando Pessoa ter morrido tão perto da altura em que se antevia que o
destino de Portugal se cumpriria – o de ser o impulsionador do Quinto Império;
b. o narrador serve-se do último verso da estância 145 do canto X de Os Lusíadas, quando Luís de Camões descreve a pátria envolta numa “apagada e vil
tristeza” para contrapor ironicamente a época de Camões à situação vivida em 1936, altura em que se pretendia difundir a imagem de uma nação feliz,
afortunada e próspera;
c. a relação intertextual estabelecida com a Bíblia (Mt, 26, 26-27) – através da recuperação das palavras proferidas por Jesus na última ceia, quando se
preparava para sacrificar a sua vida em prol da humanidade ("Este é o meu corpo, este é o meu sangue", ll. 127-128) – tem como intenção salientar a forma
como tantos jovens portugueses eram instruídos e instigados a sacrificarem a sua vida pela pátria (na Guerra Colonial, por exemplo).

13. Oração coordenada explicativa.

14. Sigla.

15. Situação habitual.

16.1 Deítico pessoal −“nos”; deítico pessoal e temporal − “precisamos”; deítico temporal – “pariu”.

16.2. O uso da primeira pessoa do plural justifica-se pelo facto de Fernando Pessoa estar a considerar-se parte integrante do povo português, o qual, no seu
entender, precisa de explicações relativas à declaração do arcebispo de Mitilene de que “Portugal é Cristo e Cristo é Portugal”.

237 Escrita Ao contrário do que aconteceu durante a I República, em 1936 vivia-se em Portugal um período de estabilidade, centralizando-se todos os poderes no Estado,
com o objetivo de promover uma sociedade una. Para isso, o regime autoritário de Salazar, que vigorava no país há dez anos, recorria à propaganda,
fomentando, tão ao gosto dos sebastianistas, a imagem do presidente do Conselho como um salvador, e controlava quaisquer oponentes à ideologia por meio
da repressão.
(74 palavras)

238 Informar 1.
a. V
b. V
c. F − Ainda que o narrador reproduza o relato propagandista dos jornais, fá-lo de forma irónica. Além disso, o facto de apresentar situações reais que
contradizem esse discurso demonstra a sua rejeição da ideologia do Estado Novo.

239 Informar 1.
Excerto 6:
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− conversa entre o narrador e o narratário: “hoje somos um povo muito contente, acredite” (l. 111);
− intervenção do narrador através de comentários: “para que se entenda bem que não temos mais que ver com a apagada e vil tristeza de que padecíamos no
século dezasseis” (ll. 109-111);
Excerto 10:
− estruturas morfossintáticas simples, mistura de discursos: “uma mulher gritou, Ai que é uma revolução, e largou a correr, calçada acima” (ll. 153-154).

2.
Discurso direto: “Dizem que foi chamado à polícia internacional” (excerto 3, ll. 50-51).
Discurso indireto: “Ficou Ricardo Reis a saber que a polícia onde terá de apresentar-se na segunda- -feira é lugar de má fama e de obras piores que a fama”
(excerto 3, ll. 54-56).
Citação: “Sem dúvida os sindicatos nacionais repelem com energia o comunismo” (excerto 8, l. 138).
Discurso indireto livre: “Era então ali que ia o irmão de Lídia, o marinheiro Daniel, a quem nunca vira” (excerto 10, ll. 158-159).

3.
Ricardo Reis perguntou:
− Que barco é aquele?
Teve sorte, calhou dar com um entendido:
− É o Afonso de Albuquerque.

242 Expressão Oral Sugestão


Proponha a divisão da turma em quatro grupos, de acordo com o número de países em análise.
Recomende aos seus alunos o uso de ferramentas tecnológicas de suporte à apresentação oral (contemplando os tópicos a tratar e as imagens alusivas ao
tema).
Peça, antecipadamente, a planificação das apresentações e, no final, promova a auto e a heteroavaliação das intervenções dos alunos (aspetos de conteúdo e
aspetos formais da apresentação).

246 Educação Literária 1. A Europa encontrava-se num período extremamente conturbado. Nota-se a completa inutilidade e incapacidade das instituições para a resolução de
conflitos entre os países. Assiste-se, nestes anos, a movimentações políticas e ideológicas que estarão na base da constituição de regimes ditatoriais e que, em
última análise, deflagram a Segunda Guerra Mundial.
Cada um dos países cumpre negativamente para o cenário acima indicado, tal como se sintetiza:

Itália
− Invasão da Etiópia pelas tropas italianas.
− Denúncia de atrocidades cometidas pelas tropas italianas.
− Fim da guerra na Etiópia e nomeação de Mussolini como imperador da África Oriental Italiana.
− Fuga do Negus para a Somália francesa.
− Disponibilização, por parte de Mussolini, da força italiana na luta contra o comunismo.

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Espanha
− Demissão do governo espanhol.
− Divergências na direita espanhola.
− Proclamação, pela Falange, da oposição ao comunismo.
− Declaração da ilegalidade do partido fascista Falange Espanhola e prisão do seu dirigente José António Primo de Rivera.
− Destituição de Alcalá Zamora da presidência da República.
− Comemoração da Revolução em Espanha.
− Ida para Portugal de milhares de espanhóis como refugiados.
− Surgimento de um movimento revolucionário fascista, liderado pelo general Franco.
− Intensificação da guerra em Espanha contra as forças de esquerda.
− Apoio à revolução nacionalista de Franco concedido por um grupo de financeiros norte-americanos.

Inglaterra
− Nomeação de Eduardo VIII como novo rei de Inglaterra.
− Denúncia por Lloyd George do favorecimento de Portugal em termos de colónias face à Alemanha e à Itália.
− Desculpabilização da Itália por Winston Churchill.

Alemanha
− Reprovação, pela Frente Patriótica Austríaca, da ligação da Alemanha à Áustria.
− Declaração de Hitler sobre o propósito da Alemanha ser um país pacifista.
− Intenção alemã de ocupar a Renânia.
− Invasão do território checoslovaco por forças militares alemãs.
− Denúncia, por parte da Alemanha, do pacto de Locarno e ocupação da zona renana.
− Idolatria de Hitler.
− Declaração da união do Reich e da Igreja Católica na luta contra o comunismo.

França
− Demissão do governo francês.
− Constituição por Sarraut de um governo de concentração republicana.
− Contestação do governo pelos partidos da direita.
− Vitória do socialista Blum em França.

2. Quando afirma “se tal coisa lá fizerem, tristes dias estão guardados para muita gente” (ll. 58-59), o narrador está já a prenunciar um cenário apocalíptico – o

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da Guerra Civil espanhola.

3. A estrutura antitética serve para contrapor duas realidades: (1) a diplomática, movida por interesses económicos e políticos; (2) a dos factos ocorridos
naquele país (Etiópia): o saque de casas, a violação de mulheres e a morte de inocentes. Desta forma, o narrador pretende salientar a negligência e a
indiferença dos estados pertencentes à Sociedade das Nações relativamente ao massacre perpetrado pelas tropas italianas em África.

4.1 Ao ler nos jornais os acontecimentos ocorridos em Addis-Abeba, Ricardo Reis evoca o poema da sua autoria “Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia”,
que retrata a indiferença de dois jogadores de xadrez perante as atrocidades da guerra cometidas à sua volta. É que os dois, adotando uma atitude estoica e
epicurista, continuam o jogo, enquanto a população é massacrada. Desta forma, o narrador pretende denunciar a indiferença do mundo em relação ao
sofrimento vivido em Addis-Abeba. Por outro lado, esta é também uma forma de o narrador demonstrar que, cada vez com mais frequência, Ricardo Reis vai
colocando em causa as suas convicções, sentindo-se incomodado “com o espetáculo do mundo” (“Uma sombra passa na fronte alheada e imprecisa de
Ricardo Reis, que é isto, donde veio a intromissão”, ll. 96-97).

5. O narrador evidencia a conivência da Igreja com os regimes fascistas, dada a aliança existente entre ambos. A Igreja surge como instrumento capaz de
persuadir e manipular as populações. Assim, a atitude dos movimentos fascistas em Espanha é justificada pela necessidade de se restabelecer “o império da
cruz e do rosário sobre o odioso símbolo do martelo e da foice.” (ll. 118-119) e, na Alemanha, a Igreja declara os comunistas como seus inimigos.

6.
a. A pergunta retórica, a enumeração, a adjetivação e a ironia contribuem para acentuar a discrepância de forças existente na guerra que os italianos travaram
com o povo etíope. Para o efeito, contribui o facto de se destacar que os abissínios apenas tinham ao seu dispor armas arcaicas (a lazarina, a lança ou a
catana) para enfrentar o poderoso dispositivo bélico do exército italiano.
b. A metáfora e a ironia servem para realçar a estabilidade e o conformismo que se vivia em Portugal, em contraste com alguns países europeus onde
deflagravam as revoluções de esquerda.
c. Mediante comparação de Franco com Herodes, o narrador ironiza e denuncia a falsa humanidade do general espanhol, que tenta passar a imagem de
alguém que não está disposto a sacrificar o povo e a cometer atos tão atrozes como a ordem dada por Herodes para matar os inocentes.

7. Marcas de coloquialidade observadas na relação narrador/narratário: “Em terra de nuestros hermanos é que a vida está fusca” (excerto 4, ll. 14-15). Uso de
ditados populares – “muito ladrar e pouco morder” (excerto 4, l. 37).

247 Leitura 1. Trata-se de um artigo de opinião, uma vez que estamos perante um texto onde é explicitado um ponto de vista, neste caso sobre o futuro da Europa, que,
na perspetiva do autor, pode correr o risco de se desintegrar, caso não se democratize. Para o efeito, são apresentados argumentos e exemplos, tais como:
“Novas divisões estão a aparecer visivelmente por todo o lado para onde olhamos: ao longo das fronteiras, dentro das nossas sociedades e economias e na
mente dos cidadãos europeus” (ll. 3-5) ou “A perda da integridade da Europa tornou-se dolorosamente evidente no último desenvolvimento da crise dos
refugiados” (ll. 6-7). Destaca-se, ainda, o uso de uma linguagem valorativa, como por exemplo, “O verdadeiro perigo não é o de nós termos um objetivo muito
elevado e falharmos. O perigo real é que os europeus fixem o olhar no abismo e acabem por lá cair” (ll. 33-34).

2. O texto invoca acontecimentos políticos e sociais que marcam a atualidade: o drama dos refugiados decorrentes da guerra na Síria e os acordos
estabelecido entre a Europa e a Turquia para controlar os fluxos migratórios, bem como a pressão de Bruxelas sobre a Grécia relativamente ao controlo das
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fronteiras; a fratura do eixo franco-alemão; a recessão económica dos países do Sul da Europa; a ameaça à solidariedade europeia por parte de alguns países
da antiga União Soviética. Estes acontecimentos trazem à memória os conturbados acontecimentos políticos da década de 1930 que conduziram a Europa ao
abismo da Segunda Guerra Mundial.

248 Compreensão do 1. “A Europa está cercada pelo terrorismo, pelos refugiados, pelas crises económicas e financeiras”.
Oral
2. O acordo que a Europa fez com a Turquia sobre os refugiados tem condições para ser bem-sucedido?

3.
a. A situação dos refugiados é muito complexa, não há uma forma simples de resolver a questão.
b. O acordo separa a situação dos refugiados da dos migrantes.
c. O problema dos refugiados está na sua própria origem, ou seja, nos países de onde são oriundos e que não garantem condições de vida.
d. perdeu a superioridade moral, deixou de ser respeitável pelos seus valores.
e. uma deportação massiva de refugiados para a Turquia com a promessa de um regresso individual.

4. Trata-se de um debate, uma vez que estamos na presença de dois intervenientes que assumem posições nem sempre coincidentes em relação ao tema. Os
interlocutores servem-se de argumentos e exemplos que fundamentam as suas opiniões, e reforçam a sua posição com citações que conferem credibilidade à
sua tese. É ainda evidente o respeito pelo princípio da cortesia. O moderador também desempenha um papel importante na condução da troca de opiniões
(abertura do debate, apresentação do tema e da questão polémica, reposicionamento de ideias, …).

254-255 Educação Literária 1. Tal como preconizado por Fernando Pessoa, Ricardo Reis esteve emigrado no Brasil. Saramago parte deste pressuposto, mas coloca Reis a regressar à
pátria, ao fim de dezasseis anos, trazendo consigo um sotaque que é percecionado pelo taxista; fisicamente, Reis apresenta-se como “um homem grisalho” (já
que, tendo nascido em 1887, em 1936 teria 49 anos) e “seco de carnes” (na carta a Adolfo Casais Monteiro, Fernando Pessoa afirma que ele é um homem
forte, mas seco). É poeta e regista-se como médico no Hotel Bragança (“este também é poeta, não que do título se gabe, como se pode verificar no registo do
hotel, mas um dia não será como médico que pensarão nele”, ll. 190-191).
Na personagem de Saramago permanecem alguns traços da filosofia de vida e do credo poético do heterónimo: é visível a sua dificuldade em tomar decisões
ou avançar explicações, dado acreditar no peso do destino (“talvez porque lhe fizeram uma das duas perguntas fatais, Para onde, a outra, e pior, seria, Para
quê”, ll. 28-29), bem como a sua enorme autodisciplina, evitando as paixões e a inquietude da alma (“sente também uma sombra de infelicidade passar-lhe
sobre o corpo, não sobre a alma, repito, não sobre a alma, esta impressão é exterior”, ll. 74-75; “parece este homem que não tem mais que fazer, dorme,
come, passeia”, ll. 186-187), e o seu rigor, enquanto poeta, nas formas estróficas e métricas (“faz um verso por outro, com grande esforço, penando sobre o
pé e a medida”, ll. 187-188).
A escolha de um hotel perto do rio pode também ser entendida como uma marca característica de Reis, já que este elemento é recorrente na sua poesia (veja-
se, por exemplo, a ode “Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”).

2.1 Lisboa é descrita como uma cidade “pálida”, “cinzenta” e “sombria”, imagem reforçada pela chuva que não para de cair e que torna as águas do rio “turvas
de barro”, ao mesmo tempo que contribui para acentuar a tristeza do ambiente – “Chove sobre a cidade pálida”(l. 1), “os meninos espreitam a cidade
cinzenta” (l. 10), “Para além dos barracões do cais começa a cidade sombria” (l. 15), “todos porejando sombra e humidade” (l. 127), “brumosa a arquitetura”
(l. 87).
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É uma cidade cujas construções são, no geral, térreas e estão dispostas sobre colinas. As valetas e as ruas são de basalto e os passeios de calcário, o que acaba
por contrastar com a envolvência sombria. Apesar de possuir praças, estátuas de figuras eminentes e construções imponentes como o Terreiro do Paço,
parece, no entanto, que a cidade perdeu o seu brilho e o seu fascínio.
Como em qualquer metrópole do século XX, nas horas de ponta as ruas são bastante movimentadas, quer pelo afluxo de gente que passa, quer pela constante
circulação de carros elétricos, carroças ou animais de carga, quer ainda pela afluência de todo o tipo de vendedores e comerciantes que povoam o ambiente
de ruídos e sonoridades diversas.

2.2 O facto de a cidade de Lisboa ser associada a cores sombrias e pálidas remete para o regime ditatorial que se vivia em Portugal, em 1936, e que se
caracterizava pelo obscurantismo, pela censura e pela perseguição a todos aqueles que não eram coniventes com a ideologia salazarista e que, por isso,
tentavam “rasgar as trevas” a que estavam submetidos. De facto, é por causa deste ambiente político que o narrador, a propósito da visão apagada que
Ricardo Reis tem do Terreiro do Paço, se questiona “será do tempo que faz, será do tempo que é” (excerto 3, ll. 87-88).

3. A deambulação geográfica é evidente no facto de Ricardo Reis ir percorrendo a cidade de Lisboa e visitando locais como o Terreiro do Paço, a rua do
Crucifixo, o Chiado, a Praça da Figueira ou o Bairro Alto. Existe também uma viagem literária, na medida em que, transitando por estes locais, Ricardo Reis e o
próprio narrador vão evocando vários autores e textos da literatura portuguesa e mundial. Assim, por exemplo, quando está por debaixo das arcadas do
Terreiro do Paço, Reis recorda dois versos célebres de João de Deus. Na rua do Alecrim, a propósito da estátua de Eça de Queirós, somos confrontados com a
epígrafe de A relíquia e, logo de seguida, na sequência da observação da estátua de Camões, é referido um verso deste poeta. Aliás, o autor de Os Lusíadas é
constantemente evocado, sempre que Ricardo Reis se depara com a sua estátua ou com a do Adamastor. Há ainda referências literárias a Dante, Miguel de
Cervantes, Virgílio, entre outros.

4. Tal como na poesia de Cesário, em O ano da morte de Ricardo Reis a deambulação pela cidade de Lisboa serve de ponto de partida para reflexões diversas
sobre o real circundante. Comum é também a comiseração e a identificação do narrador/ personagem com certas figuras do povo que vão sendo observadas
(os homens que descarregam as sacas de feijão fazem lembrar os calceteiros do poema "Cristalizações", por exemplo). Além disso, a presença constante de
Camões no percurso de Reis remete, tal como acontece em "O sentimento dum ocidental", de Cesário Verde, para a evocação de um passado glorioso,
contrastante com a estagnação de um presente moribundo. Comum é também o visualismo de pendor impressionista, a convergência dos sentidos e o
recurso a advérbios e a adjetivos expressivos − “vê passarem lá fora os carros elétricos, ouve-os ranger nas curvas, o tilintar das campainhas soando
liquidamente na atmosfera coada de chuva” (excerto 4, ll. 104-106); “Respira-se uma atmosfera composta de mil cheiros intensos” (excerto 4, ll. 114-115);
“Andam a lavar as bancadas, as ruas interiores, com baldes e agulheta, e ásperos piaçabas, ouve-se de vez em quando um arrastar metálico, depois um
estrondo” (excerto 4, ll. 116-118).

5. Trata-se da metáfora que serve para salientar a confusão e a falta de organização das construções na Praça da Figueira, que surgem assim identificadas com
uma grande babilónia (termo que significa cidade grande e confusa, construída sem planeamento) de ferro e vidro – os materiais usados nos edifícios.

6. Este segmento remete-nos, através da metáfora, para o conceito de intertextualidade que, muitas vezes, ocorre pela transformação do hipotexto ou pela
concessão de um novo sentido (e daí a referência a “diferentes e questionadoras camadas do sentido, sedimentos removidos, novas cristalizações”, excerto 5,
ll. 153-154). Além disso, esta afirmação revela-se também como uma forma de Saramago assumir a presença constante, com ou sem variantes, da evocação
de outros textos em O ano da morte de Ricardo Reis.

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Sentidos 12, Unidade 6.1 – José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis Cenários de resposta

7.1
[A] Enquanto, na epopeia, Camões põe a tónica no mar, salientando a sua importância na época áurea de Portugal – a dos Descobrimentos –, em O ano da
morte de Ricardo Reis assistimos a uma inversão do sentido do verso como forma de realçar o fim desses tempos gloriosos, numa altura em que Portugal,
tendo perdido o domínio dos mares, vive voltado para si mesmo.
[B] A citação do primeiro verso de Os Lusíadas surge no seguimento da evocação de grandes nomes ligados à literatura universal, de que Camões é um
exemplo, ainda que se tenha inspirado na Eneida, de Virgílio, e usado, ipsis verbis, o primeiro verso da epopeia romana.
[C] A evocação dos versos de Os Lusíadas “Pera servir-vos, braço às armas feito, / Pera cantar-vos, mente às Musas dada” serve para confrontar a vida passada
de Camões, dedicada às armas e às letras, com o momento presente, em que a sua figura é representada por uma estátua inerte, tal como inerte ficou o poeta
depois da sua morte, tendo caído, muitas vezes, no esquecimento e nada podendo fazer em relação à forma como a sua imagem e a sua obra são utilizadas.
[D] Estes versos do canto V de Os Lusíadas surgem a propósito da observação de Ricardo Reis da estátua do Adamastor, que de imediato recorda a trágica
história de amor do gigante, vítima do engano e da cilada de Tétis.

8. Quando, no excerto 6, o narrador afirma “mas este aqui, se por estar morto não pode voltar a alistar-se, seria bom que soubesse que dele se servem, à vez
ou em confusão, os principais, cardeais incluídos, assim lhes aproveite a conveniência.” (ll. 182-185) ou, no excerto 7, declara que “todos os caminhos
portugueses vão dar a Camões, de cada vez mudado consoante os olhos que o veem” (ll. 204-205), está a denunciar o aproveitamento ideológico de Camões
e, muitas vezes, a subversão das suas palavras por parte do regime ditatorial português.

9.1
a. Na ode “Só o ter flores pela vista fora”, de Ricardo Reis, o sujeito lírico, à maneira helénica, antevendo a morte inerente a qualquer ser humano, evoca o
barco de Caronte (“barco escuro”), responsável pelo transporte das almas pelo rio Estige (“soturno rio”), em direção ao reino dos Infernos. Assim, a alusão a
esse verso de Ricardo Reis, na descrição do barco onde o heterónimo viajava, não só torna mais credível a personagem Ricardo Reis como constitui um indício
da sua futura caminhada para a morte.
b. No poema XX de O guardador de rebanhos de Alberto Caeiro, o sujeito lírico discorre sobre a supremacia do rio da sua aldeia, em detrimento do Tejo,
simplesmente por ser o rio da sua aldeia e não fazer pensar em nada, ao contrário do rio da capital que toda a gente conhece e que está associado a grandes
acontecimentos históricos, como o da expansão marítima. Em O ano da morte de Ricardo Reis, a alusão ao verso serve para, de uma forma jocosa, o narrador
comparar o Tejo ao Tamisa e, por conseguinte, Lisboa a Londres.
c. No poema de Álvaro de Campos, o sujeito lírico confessa o seu enorme cansaço existencial. Na obra de Saramago, depois de ter decidido voltar a Portugal e
de ser obrigado a optar por um alojamento, Ricardo Reis, por ser alguém que acredita serenamente no destino, acaba por se sentir invadido por um extremo
cansaço: tem de tomar decisões e pode confrontar-se com situações que fogem ao seu controlo.

9.2 Alusão.

255 Escrita 1.
Introdução: Apresentação sucinta do local, tendo em conta aspetos como a localização geográfica, o número de habitantes ou marcos distintivos… e
exposição da opinião (positiva ou negativa) sobre a terra.
Desenvolvimento: Fundamentação da opinião com argumentos e exemplos.
Conclusão: Retoma da posição defendida e fecho.

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Sentidos 12, Unidade 6.1 – José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis Cenários de resposta

257 Informar 1.
a. V
b. V
c. F − O silêncio é representativo do clima de ameaça e perseguição que se vivia na época, em Portugal, e que limitava a liberdade de expressão e de
pensamento.
d. F − O espaço exterior funciona como ponto de partida e como incentivo para diversos tipos de divagações por parte de Ricardo Reis.
e. F − A viagem literária decorre do facto de, a cada passo, assistirmos a evocações e discursos de escritores muito variados.
f. F − Além de não estarem assinalados, fundindo-se, quase sempre, no próprio discurso do narrador ou das personagens, os textos evocados nem sempre são
fiéis ao original, surgindo muitas vezes sob a forma de alusões, paráfrases ou paródias.
g. V

261 Educação Literária 1. Marcenda é uma jovem com mais de vinte anos, delgada, de pescoço esguio, queixo fino e de contornos pouco definidos. Sofre de paralisia na mão
esquerda, o que condiciona muito o seu comportamento (cuida da mão como se de um animalzinho desprotegido se tratasse) e anula os projetos futuros
(desiste de ser feliz, recusando o pedido de casamento de Ricardo Reis). É uma mulher virgem e inexperiente, tendo sido Ricardo Reis o primeiro homem a
beijá-la. Revela ser destemida e um pouco arrojada para a época, já que não se coíbe de visitar o poeta em sua casa e no seu consultório. Contudo, é uma
mulher sem grandes convicções e sem vontade própria, dado que está disposta a ir a Fátima, simplesmente para agradar ao pai.

2. Apologista de uma vivência sem paixões e sem envolvimentos, regida pela ataraxia e pela crença na fatalidade do destino, Ricardo Reis faz tudo para
controlar as suas emoções e não se deixar afetar por nada. No entanto, a sua autodisciplina falha, quando ele se apercebe da paralisia da mão esquerda de
Marcenda, a tal ponto que sente um arrepio e não consegue deixar de continuar a observá-la.

3.1 O segmento remete para algo inacessível, intocável, distante, o que prenuncia o desfecho do envolvimento romântico de Ricardo Reis e de Marcenda: a
vivência de um amor impossível, de contornos platónicos.

4. Da mesma forma que a mão paralisada de Marcenda não tem nenhum tipo de reação voluntária (é “um corpo estranho” e manifesta um “abandono total”),
também Ricardo Reis inicialmente tenta adotar uma atitude passiva, escusando-se a tomar partido, decisões ou a defender determinada posição, à boa
maneira estoica. De facto, tal como Fernando Pessoa afirmava, Ricardo Reis começa por agir como se fosse um estrangeiro no mundo contemporâneo, tão
distante da sua amada Grécia.

5.1 Apesar de a relação entre ambos ter assumido contornos físicos pouco tempo depois de se terem conhecido, já que se beijam sofregamente, Marcenda
acaba por impor uma vivência platónica ao seu amor: recusa-se a casar com o médico e a voltar a vê-lo, ao mesmo tempo que lhe assegura que nunca o
esquecerá; pede, em contrapartida, que Reis se lembre dela todos os dias. Ricardo Reis, por seu lado, pretende selar o fim da relação, deixando-a eternizada
numa ode.

5.2 Na ode que Ricardo Reis escreve transparece a autodisciplina do sujeito lírico que, consciente da fugacidade e efemeridade da vida, se dispõe a aceitar
serenamente a inevitabilidade da morte. Esta é, assim, uma maneira de Ricardo Reis assumir o fim da sua relação com a filha do doutor Sampaio, que
murchou como uma flor, mas que ele está disposto a guardar sempre consigo. Esta é ainda uma forma de elevar Marcenda à categoria de musa inacessível e
distante.

6.1 A comparação serve para salientar a fraqueza da mão de Marcenda e a tentativa de Ricardo Reis a curar. Extensivamente, esta expressão aplica-se à
própria personagem que, pela sua desistência da vida, ia murchando a cada dia, tal como o nome indicia e o uso do gerúndio traduz e reforça.

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Sentidos 12, Unidade 6.1 – José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis Cenários de resposta

7. O tom oralizante é visível, por um lado, pelo facto de o segmento funcionar como uma espécie de parênteses que o narrador abre para fazer uma
observação e, por outro, pela envolvência do narratário no discurso, como se de uma verdadeira conversa se tratasse.

8. Discurso indireto livre.

9. Predominantemente, a sequência textual é de natureza descritiva, uma vez que estamos perante a caracterização de Marcenda e do pai.

268-269 Educação Literária 1. Ricardo Reis, primeiramente, fica surpreso, pois Lídia é o nome de uma das musas dos seus poemas (“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”, por
exemplo), e sorri irónico, como se pensasse que o destino lhe estava a pregar uma partida. Depois, recompõe-se, porque não se quer deixar perturbar por
nada nem desejar seja o que for. Assim, de imediato, escreve “Aos deuses peço só que me concedam o nada lhes pedir.” (ll. 27-28).

2. Quando relata a primeira reação de Ricardo Reis ao ouvir o nome de Lídia, o narrador comenta o facto de as pessoas terem a tendência para repetir as
palavras de outrem. Contudo, logo de seguida, assume que essa é uma reflexão da sua autoria e que até vem a despropósito; por isso, como se estivesse a
controlar marionetas (as personagens), retira Lídia da ação e convida o leitor a deter-se consigo na análise do comportamento de Ricardo Reis.

3.1 Lídia tem cerca de 30 anos, é bonita, morena, relativamente baixa e de formas bem feitas. É uma mulher pouco convencional para a altura, já que está
disposta a manter um relacionamento não oficial com Ricardo Reis, porque está decidida em levar a gravidez até ao fim, ainda que o poeta não tenha a
intenção de perfilhar a criança. Apesar de ser simples, humilde e pouco letrada, é uma pessoa informada, preocupada com os acontecimentos nacionais e
mundiais; revela ter espírito crítico, a ponto de surpreender o seu interlocutor pelas afirmações que faz. É igualmente uma mulher ativa, trabalhadora e
lutadora.

3.2 A Lídia de Saramago, sobretudo no plano psicológico, em muito se distancia da Lídia das odes de Ricardo Reis − caracterizada pela serenidade, pela pureza
e pela passividade. De facto, o heterónimo pessoano canta uma mulher que é o protótipo da não envolvência em paixões ou problemas.

4. Pouco tempo depois de se conhecerem, Lídia toma a iniciativa de se relacionar amorosamente com Ricardo Reis. A partir desse momento, os dois
estabelecem uma relação descomprometida, sobretudo de cariz sexual. Quando Reis arrenda casa, Lídia, por se sentir bem com o que tem e não desejar mais,
até por reconhecer a distância cultural e social que a separa daquele homem, continua a manter a relação, ao mesmo tempo que desempenha as funções de
sua empregada de limpeza. Já Reis admite gostar de estar com ela, mas nunca concebe que a relação possa evoluir. Esta atitude torna-se explícita quando
Lídia engravida e Ricardo Reis se desresponsabiliza de perfilhar a criança. A pouco e pouco, a rapariga acaba por questionar o seu papel na vida do médico e
afasta-se. No final, Ricardo Reis desiste de Lídia, optando por seguir Fernando Pessoa em direção à morte.

5.1 A viagem literária é comprovável pela evocação de autores, características e obras/excertos da literatura portuguesa:
− quando confrontado com o envolvimento de Ricardo Reis com uma criada de hotel, Fernando Pessoa recorda a personalidade e a poesia do seu heterónimo
como forma de evidenciar as diferenças entre a figura que criou e aquela que está diante de si no Hotel Bragança. Assim, confessa a sua surpresa pelo facto de
um amante da estética, que sempre cantou nas suas odes, à maneira clássica, musas como Lídia, Neera e Cloe, estar agora envolvido com uma criada de hotel
e adotar comportamentos comezinhos que o distanciam das palavras que escreveu um dia: “Sereno e vendo a vida à distância a que está” (excerto 4, ll. 92-
93);
− o nome de Camões é também referido por Fernando Pessoa para ridicularizar a situação, afirmando este que Reis teve mais sorte do que Camões, porque a
musa das suas odes acabou por ter uma correspondente real, ao passo que a Natércia invocada por Camões nunca passou de uma entidade fictícia.

5.2 A ironia presente no discurso do narrador serve para troçar de um dos dogmas da Igreja – o de que Deus é omnipresente. Desta forma, ridiculariza-se esta

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Sentidos 12, Unidade 6.1 – José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis Cenários de resposta

crença, admitindo-se que Deus, por estar sempre presente em toda a parte, seja também obrigado a assistir a momentos íntimos entre pessoas que se amam.

6.1 Tendo como motivo o facto de Ricardo Reis não ter intenção de perfilhar a criança que Lídia traz no seu ventre, o narrador faz alusão ao poema de
Fernando Pessoa “O menino de sua mãe”. Este poema foca o morticínio da guerra e o desespero de uma mãe que perde o seu filho na guerra, aí representado
por um jovem que, como tantos outros, jaz morto no campo de batalha. Assim, através de uma prolepse velada, o narrador evoca o ano de 1961, altura em
que terá início a Guerra Colonial portuguesa e em que a criança estará em idade de combater pela pátria. O filho de Lídia personificará, desta forma, o
sacrifício e o sofrimento de tantos portugueses que deram a vida pela pátria e pelo império português.

7. Durante toda a sua vida, o Ricardo Reis pessoano regeu-se pela inércia, pela indiferença, pela sobrevivência, mais do que pela vivência dos momentos. No
entanto, confrontado com a situação histórica e política do ano de 1936 e também em virtude das relações amorosas que foi desenvolvendo, o Ricardo Reis
saramaguiano ou se mantinha como o sábio que se contenta com o espetáculo do mundo, não se imiscuindo em nada, ou passava a adotar um
comportamento ativo, tomando posições e intervindo nas situações. Porém, não o conseguindo fazer, Ricardo Reis acaba por não vingar como figura real,
independente do seu criador, e, por isso, acompanha Fernando Pessoa na sua “última viagem”, ou porque acaba por desistir, estrangeiro do mundo como se
sente, ou porque a força do destino o impele a isso. Significativo é ainda o facto de o heterónimo levar consigo o livro que tão bem metaforiza o seu labirinto
interior.

8. O facto de a obra começar e acabar com uma recriação do verso de Camões “onde a terra se acaba e o mar começa” confere à obra uma estrutura circular.
Para isso contribuem também as viagens de Ricardo Reis, primeiro de regresso à pátria, depois ao encontro da morte.

9. Ao contrário da época áurea e majestosa de Portugal, cantada por Camões, na qual o mar ocupava um lugar de relevo, a obra saramaguiana não termina
com uma mensagem otimista: apresenta a denúncia de um país que perdeu a glória de outrora e que vive cercado pelo obscurantismo de uma ditadura que
urge ultrapassar; daí a observação de que parecia que o Adamastor seria capaz de dar o grande grito (da revolta) e a afirmação “Aqui, onde o mar se acabou e
a terra espera”. De certa forma, estas palavras remetem também para a Mensagem, de Fernando Pessoa, em que, por várias vezes, o poeta aponta para a
necessidade de se ultrapassar a letargia vivida no seu tempo – “Senhor, falta cumprir-se Portugal”; “Ó Portugal, hoje és nevoeiro… / É a hora!”.

10.1 [D]

10.2 [C]

10.3 [B]

10.4 [A]

11. Citação, uma vez que se trata da transcrição exata de um verso de Ricardo Reis.

12. Palatalização.

13. Domicílio, domesticado.

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Sentidos 12, Unidade 6.1 – José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis Cenários de resposta

269 Expressão Oral 1. Resposta de caráter pessoal. No caso da literatura, o aluno pode aludir, por exemplo, a:
− Os Maias: apesar de Carlos da Maia e Maria Eduarda terem sido separados em crianças, o destino leva a que eles se reencontrem e se apaixonem anos mais
tarde;
− Édipo Rei: sabendo, por um oráculo, que havia de matar o pai e de casar com a mãe, Édipo foge de casa dos pais, ignorando que era adotado. Acaba por
matar o verdadeiro pai e por casar com a verdadeira mãe, sem o saber.

271 Informar 1. Marcenda, tal como o nome indica, é uma mulher que está destinada a murchar, a desistir. A par disso, revela uma obediência extrema, uma inércia e uma
passividade que contrastam com a proatividade, a liberdade e o envolvimento de Lídia nas questões do mundo que a rodeia. Assim, Marcenda acaba por
representar a apatia de Ricardo Reis que age como um mero espetador do mundo. Lídia, por seu lado, constitui-se como a única possibilidade de o heterónimo
se (re)construir como uma figura independente do seu criador e vingar no mundo de 1936, não se coibindo de tomar posições mais radicais nas questões
importantes. Mas, no labirinto em que vive, Ricardo Reis sente-se incapaz de assumir esse comportamento e, por isso, resta-lhe aceitar a morte, para a qual se
preparou durante toda a sua existência.

272 Informar 1. Ao longo de toda a obra são constantes as relações intertextuais estabelecidas com vários autores da literatura portuguesa e estrangeira, passando por
citações de jornais, por diálogos que evidenciam características estéticas de poetas como Fernando Pessoa e Ricardo Reis, ou por alusões e citações bíblicas,
entre outras. A dimensão intertextual concretiza-se quer através da voz do poeta de “Vem sentar-te comigo, Lídia”, quer pela voz do narrador – a propósito
das deambulações de Ricardo Reis, por exemplo –, quer, ainda, pelas conversas que o heterónimo mantém com o ortónimo –, sendo de notar que, muitas
vezes, as referências intertextuais surgem mescladas com outros discursos, sem qualquer sinal gráfico ou indicação de autoria por parte do locutor.

275 Verificar 1.
a. F − Vivia-se na Europa uma grande instabilidade política, promovida pelas constantes divergências entre os partidos de direita e de esquerda; num grande
número de países europeus vigoravam ditaduras de índole fascista.
b. F − Apesar de a propaganda política pretender passar a imagem de um país próspero e feliz, a verdade é que grande parte da população vivia na miséria.
c. F − Quer externa quer internamente, Salazar era visto como um modelo a seguir, um salvador, sendo poucos aqueles que em Portugal se atreviam a fazer-
-lhe frente, até porque o regime era autoritário e repressivo.
d. V
e. F − José Saramago quis provar exatamente o contrário: que no panorama mundial de 1936 era impensável agir-se como mero espetador do mundo.
f. F − Apesar de Saramago ter partido da conceção de Fernando Pessoa, por vezes a personagem distancia-se do original, já que, mesmo sem querer, há
situações que lhe provocam emoções e reações contrárias ao proposto na criação heteronímica.
g. V
h. F − A viagem literária decorre da constante evocação de autores e de textos literários a que se assiste na obra.
i. V
j. F − Na obra estão presentes variadas formas de concretização da intertextualidade: citação, alusão, paródia, paráfrase ou imitação criativa.
k. F − As duas mulheres revelam personalidades opostas e contrastantes.
l. V
m. V

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