Sétimo caso brasileiro analisado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH), a sentença do Caso Favela Nova Brasília versus Brasil data de 16 de fevereiro de 2017. Em outubro de 1994, uma incursão policial na Favela Nova Brasília, localizada no Complexo do Alemão, terminou com a morte de 13 homens da comunidade, quatro deles menores de idade. Além disso, três mulheres, duas delas menores de idade, sofreram atos de violência sexual por parte das forças policiais. Meses depois, em maio de 1995, nova operação policial, na mesma localidade, resultou novamente na morte de 13 homens, sendo dois deles menores de idade. Em ambos os casos, os assassinatos foram registrados como “autos de resistência com morte dos opositores”, artifício constantemente utilizado para garantir a impunidade em casos de execução extrajudicial perpetradas por agentes do Estado. As investigações sobre as duas operações policiais, inicialmente tocadas pelos próprios órgãos da Polícia responsáveis pelas incursões, não resultaram em nenhuma responsabilização até a sentença da Corte. Em outubro de 2011, mais de 16 anos após a segunda chacina, a Comissão Interamericana resolveu tramitar os dois casos em conjunto e emitiu um relatório de mérito. A CIDH considerou o Brasil responsável por violações de direitos humanos, em detrimento dos 26 mortos, de seus familiares e das mulheres sexualmente abusadas, emitindo uma série de recomendações. Após a concessão de 12 extensões de prazo, a Comissão considerou que o país não havia avançado de maneira concreta no cumprimento das recomendações e resolveu remeter o caso à Corte Interamericana, em maio de 2015. Considerando a data de reconhecimento da competência do Tribunal pelo Brasil (dezembro de 1998), a Comissão submeteu à Corte “as ações e omissões estatais” que ocorreram ou continuaram ocorrendo após esse marco temporal. A Corte Interamericana admitiu parcialmente duas das exceções preliminares interpostas pelo Estado e negou as outras cinco, dando prosseguimento ao julgamento. Na mesma sentença, condenou o Brasil pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial, em relação com a obrigação de respeitar e garantir os direitos, e o dever de adotar disposições de direito interno, previstos na Convenção Americana, em detrimento dos familiares das vítimas mortas e das jovens vítimas de violência sexual. No caso dessas, também considerou haver violação dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, bem como o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará. A Corte fez uma série de determinações ao Estado brasileiro, incluindo a continuação ou a instauração de investigações relacionadas a ambas as chacinas, bem como ao caso de violência sexual. Também determinou a publicação da sentença, a realização de ato simbólico de reconhecimento da responsabilidade, o oferecimento de tratamento psicológico e o pagamento de indenizações, custas e gastos. Além disso, o Tribunal determinou uma série de medidas de não repetição: metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial no Rio de Janeiro; implementação de curso sobre atendimento a mulheres vítimas de estupro; adoção de medidas para garantir a participação de vítimas em investigações; publicação de relatório sobre mortes por intervenção policial; abolição dos termos “resistência” ou “oposição” nos registros de morte por intervenção policial; e adoção de medidas para garantir que casos em que envolvam violência policial sejam investigados por outro órgão. O Brasil pagou a maior parte das indenizações e promoveu busca ativas dos familiares que não eram representados pelo Cejil e pelo ISER, assim como efetivou quase todas as publicações da sentença nos espaços determinados pela Corte. Processos judiciais relacionados à chacina de 1994 e aos casos de estupro estão tramitando na Justiça, graças à ação do Ministério Público do Rio de Janeiro. O inquérito relacionado à chacina de 1995 foi reaberto, mas novamente arquivado. O oferecimento de atendimento psicológico e o ato simbólico de reconhecimento ainda não foram efetivados pelo Brasil. Além disso, excetuando-se o ponto resolutivo que trata da participação das vítimas nas investigações, as demais medidas de não repetição foram pouco ou nada cumpridas pelo Estado. Pelo contrário, a polícia do Rio de Janeiro segue sendo a mais letal do país. O procedimento de supervisão do cumprimento da sentença segue em aberto, quase quatro anos após a decisão. O único relatório de supervisão da sentença publicado pela Corte, que versa somente sobre as publicações da sentença, data de outubro de 2019.